vó e os hospícios

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VÓ E OS HOSPÍCIOS Uma das preferências da Vó é o de acomodar o corpo numa confortável poltrona com apoio para os pés. Podia ler um livro, espiar a programação de TV – mãos ágeis no descontrole remoto, segundo ela - dar umas cochiladas e até deliciar-se com um copo de vinho. Estava nesta de curtir preguiça deliciando-se com um robusta mexerica quando, na TV, anunciaram um plantão de notícias. Vó deu uma de escoteiro e sempre alerta aguçou os sentidos. Poderia ser o nome do novo técnico da seleção ou mais uma notícia sobre o notável crescimento do PIB brasileiro. Nada disto. A notícia era tão ridícula e absurda que deveria ser dada de outra forma. Dizia a edição extra que o Bhtrans avisava aos usuários – ela sempre teve horror a esta palavra – da linha número 3051, Flávio Marques Lisboa – Savassi que, para o cumprimento dos horários, o itinerário teve de ser reduzido. Vó quase teve um infarto de tantas gargalhadas. Uma das coisas que Vó nunca entendera completamente era a extinção dos manicônios, ou simplesmente hospícios. Humanização no tratamento dos napoleões e marias antonietas era a desculpa das autoridades. Alegavam que o governo não tinha como investir para melhorar as condições de conforto e saúde de tanto maluquete espalhado no país. Assim seria melhor que voltassem para o seio familiar, onde seriam tratados com carinho e consideração. Júlia, Rita Doida e seu irmão Hélio Pequetito, Biá, Zé Rela e Rafael Doido fizeram parte de sua juventude. Doidos mansos, até que alguma coisa fizesse subverter o emocional/mental e provocassem as maiores confusões. Se o governo não tinha como tomar conta deles imagina as famílias. De vez em quando eram recolhidos em alguma instituição e depois apareciam de novo. Até que alguém nunca mais voltasse, como o caso do Rafael. Diziam que tinha batido a cassuleta depois de tomar o chá da meia-noite em Barbacena. Depois da devolução dos doidos como ficaram os prédios que serviam de manicômio? Provavelmenter abandonados. Era neles que a Vó pensava naquele momento. Se não estivessem sendo utilizados em favor de alguma instituição social pública bem que poderiam ser reativados, não como hospícios, mas como clínicas de reabilitação de burocratas municipais e estaduais. Assim, por alguma ordem judicial ou médica, poderiam servir de

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V E OS HOSPCIOS

Uma das preferncias da V o de acomodar o corpo numa confortvel poltrona com apoio para os ps. Podia ler um livro, espiar a programao de TV mos geis no descontrole remoto, segundo ela - dar umas cochiladas e at deliciar-se com um copo de vinho.

Estava nesta de curtir preguia deliciando-se com um robusta mexerica quando, na TV, anunciaram um planto de notcias. V deu uma de escoteiro e sempre alerta aguou os sentidos. Poderia ser o nome do novo tcnico da seleo ou mais uma notcia sobre o notvel crescimento do PIB brasileiro. Nada disto. A notcia era to ridcula e absurda que deveria ser dada de outra forma. Dizia a edio extra que o Bhtrans avisava aos usurios ela sempre teve horror a esta palavra da linha nmero 3051, Flvio Marques Lisboa Savassi que, para o cumprimento dos horrios, o itinerrio teve de ser reduzido. V quase teve um infarto de tantas gargalhadas.

Uma das coisas que V nunca entendera completamente era a extino dos manicnios, ou simplesmente hospcios. Humanizao no tratamento dos napolees e marias antonietas era a desculpa das autoridades. Alegavam que o governo no tinha como investir para melhorar as condies de conforto e sade de tanto maluquete espalhado no pas. Assim seria melhor que voltassem para o seio familiar, onde seriam tratados com carinho e considerao.

Jlia, Rita Doida e seu irmo Hlio Pequetito, Bi, Z Rela e Rafael Doido fizeram parte de sua juventude. Doidos mansos, at que alguma coisa fizesse subverter o emocional/mental e provocassem as maiores confuses. Se o governo no tinha como tomar conta deles imagina as famlias. De vez em quando eram recolhidos em alguma instituio e depois apareciam de novo. At que algum nunca mais voltasse, como o caso do Rafael. Diziam que tinha batido a cassuleta depois de tomar o ch da meia-noite em Barbacena.

Depois da devoluo dos doidos como ficaram os prdios que serviam de manicmio? Provavelmenter abandonados. Era neles que a V pensava naquele momento. Se no estivessem sendo utilizados em favor de alguma instituio social pblica bem que poderiam ser reativados, no como hospcios, mas como clnicas de reabilitao de burocratas municipais e estaduais.

Assim, por alguma ordem judicial ou mdica, poderiam servir de hospedagem para os dirigentes municipais de BH.