vocabulário de família do indo-europeu: organização e classificação
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Introdução à Lingüística Comparada
Família e Sociedade do Povo Indo-Europeu
A Estrutura Familiar• O tipo da família indo-européia era a que
denominamos “grande família” (joint family). Caracterizada pelo poder patriarcal, os parentes se agrupavam abaixo de um chefe de família (o *patēr). Os filhos ao se casarem não abandonavam o “clã” e nem fundavam uma família nova. Normalmente, eles introduziam as esposas ao seio da “grande família”.
• Os casamentos eram exógenos, ou seja, eles buscavam mulheres de famílias diferentes, e ao combinar a união eles as conduziam diretamente para a família patriarcal.
Termos de Parentesco no Indo-europeu
• As palavras que designam as relações familiares, normalmente, pertencem aos níveis mais estáveis do vocabulário das línguas. Na família indo-européia existe um acervo importante destes termos, que remontam à mais alta antigüidade. É um campo promissor para penetrar através da Arqueologia Lingüística.
• O inventário desses termos estabeleceu-se nos fins do século XIX em um trabalho muito conhecido do alemão B. Delbrück.
Termos de Parentesco:*patēr (i.e.)pitá- sânscrito vater- alemãoath(a)ir- celtaπα τ η’ρ (patér)-grego pácar-tocário # pater- latim de onde vem a forma espanhola «padre» e a portuguesa «pai». Da linguagem infantil depreende-se: *atta / *tata (i.e.)attas - hitita αττα/τατα - grego atta / tata - latimatta - gótico tatás - sânscrito
*mátér (i.e.)
mátár - sânscrito mutter - alemão
µαταρ - grego mother - inglês
máthir - irlândes mácer - tocário
mote (também mulher casada) - lituâno
mater - latim Da linguagem infantil depreende-se: *má / *máma
mámá-persa moderno µαµµα - grego
mamá - lituâno máma - russo
Mamme - alemão
* súnus (i.e. - filho ou sobrinho paterno - pater familia)
súnus-gótico son - inglês
súnus-sânscrito Sohn - alemão
súnus-lituâno sýnu - russo
Há variações em poucas línguas que expressam o sentido de “pequeno, jovem”: *kú (Ie)
κουροζ - grego kurus - iraniano
ou “cria, animal jovem”: *póu (Ie)
π α ι ζ - grego puer - latim
ou “crescer, chegar a ser”: * bhú
fillius - latim hijo - espanhol, e também se propôs outra etimologia *dhé <<amamentar>> a que pertence também femina e fecundus.
* dhug(h)ϑtér (i.e. - filha)
θυγατηρ - grego
duhitá - sânscrito
Tochter-alemão
duxt - persa
dochéri - russo
dukté - lituâno
daughter - inglês
•Pela função social determinada na família, * dhug(h)ϑtér poderia referir à «aquela que ordenha», a responsável pela ordenha.
*bhrátér (i.e. - irmão)
• Termo de ampla difusão nas línguas indo-européias, testemunhadas por:
bhrátá - sânscrito
ϕρατηρ - grego « fratēr»
Bruder - alemão
bráth(a)ir - irlandês
frater - latim
procer - tocário
brat - russo
broterélis - lituâno
brother - inglês
* suesór (i.e. - irmã)
As formas hermana (espanhol) e irmã (português) derivam, paralelamente, da expressão latina ‘soror germana’.
svása - sânscrito εορ - grego sesuõ - lituâno
sestrá - russo ser - tocário schwester- alemão
sister - inglês siur - irlandês soror - latim
• Os termos acima relacionados são os que possuem mais aparições na linguagem comum (corriqueira) das línguas derivadas do Indo-europeu.
• Ainda que em menor testemunho, temos também termos de segundo grau e de “parentescos políticos” :
*auos (i.e. - avô)
auus - latim awo - gótico
• Para o termo <<avó>> no indo-europeu, há traços linguísticos do uso de *auos também para a denominação feminina. De forma geral, depreendemos o termo:
*anos (i.e. - anciã)
anus - latim ana - old german ane-prussiano hannas - hitita
*nepōs (i.e. - neto)• De onde chegou-se ao uso residual da palavra
“nepotismo”. *nepōs também designaria «neta» e referiria-se ao termo sobrinho. Reconstrução possível através do registro de algumas línguas indo-européias que também empregaram esse mesmo termo, com os mesmos sentidos.
• Para « tio », aparecem formas derivadas, às vezes, diminutivas de *auos (como no latim auunculus).
• Para « tia » parece não ter havido uma forma comum (o termo português é um empréstimo do vocábulo θε’ια- grego «tia»). Igualmente, faltam registros para sobrinha, primo e prima no indo-europeu.
• Para os termos «sogro» e «sogra», existiam duas palavras muito relacionadas, se bem que, não tão relacionadas do ponto de vista da derivação masculino/feminino:
*sékuros (Ie - sogro) *suekrús (Ie - sogra)
‘svá’suras -sânscrito svásrús - sânscrito
εκυροζ - grego #######
Schwieger (-vater) - alemão #######
swéor - old english sweger - old english
sesuras - lituâno #######
svekró - eslavo svekry - eslavo
socer - latim socrus - latim (da onde vem os nossos termos “sogro”, “sogra”).
* snusos (i.e. - nora) • Trata-se de um termo de extensão generalizada e
confirmada por corredores linguísticos distintos:
snusá - sânscrito νυοζ - grego
Schnur - alemão snoru - old english
snuxa - eslavo antigo
• Parece não terhavido no indo-europeu o termo «genro». Através de um grupo de línguas, localiza-se palavras derivadas da raiz *gem- «casar-se», como no latim- gener, de onde vem o termo português - genro e espanhol - yerno.
*uidheua (i.e. - viúva)• Outro termo importante no vocabulário da família
indo-européia. Entretanto, não existe o termo indo-europeu para viúvo, já que ao morrer a esposa, o homem simplesmente tomava outra mulher.
vidhavá - sânscrito vidavá - avéstico
widewu - prussiano vdova - russo
vódova - eslavo antigo fedb - irlandês antigo
Witwe - alemão widow - inglês
uidua - latim (da onde vem o “viúva” do português) • Não há registros de designação para “esposo” e
“esposa” no indo-europeu. Usava-se simplesmente:
*nér- ou *uiros «homem»; e *esor- ou *guena «mulher».
*daiuér (i.e. - cunhado)• apesar das diversas dificuldades de detalhes fonéticos podemos considerar *daiuér uma palavra indo-européia através dos seguintes testemunhos lingüísticos:
devar - sânscrito δαηρ - grego lévir - latim
dieveris - lituâno deverb-eslavo ant. Zeihhur-old Ger.
tacor - inglês antigo.
*gló[u]s (i.e. - cunhada= irmã do marido)
γαλωζ- grego glós -latim zolov-(ka) - russo
zòlòva-eslavo antigo, havia também *ienatér para o plural “cunhadas”, presente no : yātar - sânscrito
ενατηρ - grego jenté - lituano jatry - russo
ianitrices - latim
• Pelo conjunto de termos acima expostos, podemos considerar fundamentalmente estabelecido, desde Delbrück, que a família indo-européia era de regime patriarcal. Como podemos comprovar, abundam-se os termos que nomeiam as relações entre a esposa e a família do marido, enquanto há uma ausência total, ou uma presença muito restrita de termos que descrevem as relações do marido com a família da esposa.
- Através de levantamentos da Arqueologia Lingüística e da Lingüística Comparada, não localiza-se termos que nomeiam “cunhados” e “cunhadas” por parte da esposa (irmão da mulher ou irmã da mulher).
• A palavra “família” não teria representação no indo-europeu, que por sua vez denominaria palavras representantes de grupos (clã, tribos) ou casas. Como nas línguas modernas, muitas vezes, “casas” ou “povo” no indo-europeu podiam designar o conjunto físico de edificações, os seus moradores; ou ainda a estirpe de seus senhores (lat-dominus) como nas expressões: “a casa de David” e “a casa de Áustria”.
• Existem três termos bastante representados nas línguas históricas para designar “clã” ou “tribo”. Vamos a eles:
O primeiro termo Indo-europeu seria: *uoik(os) - (aldeia, casa(s))οικοζ - grego (casas)vysy - eslavo (aldeia)weihs - gótico (aldeia)vip- persa antigo (vith residência) vicus - latim (aldeia)
O segundo termo indo-europeu é derivado da raiz *tréb ou *trb (edificação, habitação)Dorf - alemão trobà - lituano treb - irlandês τεραµνον - grego
*terob-no (i.e.) “casa” taberna - latim
•O terceiro termo aparece, de forma clara, como uma designação original para edifício, ao ser uma derivação da raiz *dem- “edificar, construir”: Zimmer - alemão δοµοζ - grego doma - russonãmas - lituano domus – latim
Encontramos também a raiz dem- sob formas sufixadas:δεσ−ποτηζ - grego (senhor da casa)ενδον - grego (dentro, em casa)dominus - latim (senhor da casa), de onde vem “dominar” em português.
Unidades Políticas Superiores
• É muito provável que entre os indo-europeus existiram algum tipo de afinidade a respeito das unidades maiores que a família, como a tribo ou o sentimento de nação.
• Para designar uma unidade superior à família, parece haver existido uma palavra indo-européia: * teutá, que reconstruímos de:
tuath-irlandês antigo (tribo, povo) þiuda-gótico (povo)
touto - osco (cidade) tauta - lituano (povo)
Roma tota - latim (o povo de Roma) de onde vem “todos”
Deutsch- alemão (teutônico)
*réks (i.e. -chefe, rei)
presente em rat - sânscrito rT - (rix) irlandês antigo
rex- latim (de onde vieram rey- espanhol e rei- português)• Ainda que não são muitas línguas que testemunhem a
presença do termo *réks, a sua ascendência indo-européia é indubitável por precisamente estar representada em corredores lingüísticos distintos: no extremo oriental (sânscrito-Índia) e ocidental (irlandês e latim) da Eurásia.
• Nas línguas históricas aplica-se essa palavra ao chefe de unidades de tamanhos muito variados, e ao mesmo tempo às monarquias hereditárias e eletivas. A Arqueologia Lingüística nos oferece a etimologia segura da raiz *reg- (i.e.) «reto, correto» para designar “A lei”, “O direito”.
•Parece que não existiu termos comuns no indo-europeu para designar escravo ou escravidão. Nem tão pouco encontramos verdadeiramente termos para designar “homem livre”. Assim destacamos:
*leudheros (i.e. - “pertencente ao povo”)
ελευθεροζ - grego líber - latim
- O sentido mais antigo para estas terminologias parece confirmar a carga semântica de “pertencente ao povo”, ao reconstruírmos substantivos derivados dessa raíz indo-européia presente em diversas línguas:
liáudis - lituâno (povo) láudis - letão (povo, gente)
léod- inglês antigo Leute - alemão (gente)
•Das línguas célticas e germânicas reconstruímos outro termo:*priios (Ie - para referir-se ao homem do povo, da aldeia)freis - gótico rhydd - galêsfrei - alemão free - inglês•Todos esses termos com o significado de “livre”. Mas, também esse não era o sentido original de *priios, que sofreu uma evolução semântica, pois o seu antigo conceito era de “ter ou dar prazer”, “apreciar”, “querer”, esses são os valores gerais das raízes *prái- ou *prí-. •Tais circunstâncias sugerem que a escravidão se introduziu aos costumes dos indo-europeus à partir de quando eles abandonaram as estepes e deram entrada em novos territórios, ao submeter-se ou subjulgar outros povos da Velha Europa.
A Divisão da Sociedade Indo-européia
• A divisão da sociedade indo-européia em três classes segui uma visão formulada por Dumézil e popularizada pela escola francesa; sustentada por Émillè Benveniste:
• Sacerdotal: encarregada dos rituais e das relações com as divindades, e conservação das tradições
• Nobreza Guerreira: encarregada de governar.• Artesãos, trabalhadores e soldados: produção de
utensílios, artes e mão-de-obra.