wilkinson, john. (2005). a monsanto e os transgenicos reflexos para agricultura familiar

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  • A Monsanto e Os Transgnicos: reflexos para a agricultura familiar

    John Wilkinson (Coord) Lavnia Pessanha

    Biancca S. de Castro Camila Moreno

    Relatrio de Pesquisa apresentado para Action Aid Rio de Janeiro, 2005.

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    INTRODUO 04 PARTE I: A Monsanto e o Ambiente internacional 07 Capitulo 1: A Monsanto 08 1.1.Histrico 08 1.2. A Monsanto no Brasil 09 1.3. Retaliao dos consumidores 10 1.4.Estratgia 11 1.5.Situao atual 13 Captulo 2: Exemplos Ilustrativos de mbito internacional 14 2.1. O Caso Argentino: No Reconhecimento dos DPI e Bolsa Blanca 14 2.1.2. Efeitos Scio-Econmicos da Soja Transgnica na Argentina 16 2.2. O Caso Norte-Americano: Contratos e Processos Judiciais 18 2.3. O Caso da ndia: o debate em torno da produtividade, rendimento e lucratividade do algodo Bt 23 Consideraes finais 25 PARTE II: O caso da soja geneticamente modificada no Brasil 27 Introduo 28 Captulo 3: Panorama geral da soja no Brasil 29 3.1. Introduo da soja no pas 29 3.2. O desempenho do complexo produtivo da soja (1994-2005) 31 3.3. Perspectivas de produo 35 Captulo 4: Pesquisas de Campo 37 4.1. O Estado do Rio Grande do Sul 37 4.1.1. Disputas Polticas (RS) 39 4.2. O Caso do Paran 42 4.2.1. Contexto 42 4.2.2. O Papel do Estado 43 4.2.3. COODETEC 47 4.2.4. COOPAVEL 48 4.3. Resultados das pesquisas de Campo 51 4.3.1. Razes do Cultivo 51 4.3.2. Do Direito ao Delito: Pagamentos de Royalties 55 4.3.3. Soja transgnica e convencional: convivncia possvel? 62 4.3.4. A Lgica das Commodities e a Agricultura Familiar 65 4.3.5. Impactos da Produo de Soja Convencional e Geneticamente Modificada 66

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    Consideraes finais 70 CONCLUSO 72 Bibliografia Anexo 01 Anexo 02 Anexo 03 Anexo 04 Anexo 05 Anexo 06

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    INTRODUO

    Face crescente liberalizao do comrcio agrcola internacional, no debate poltico e nas negociaes comerciais os impactos das empresas transnacionais do setor agroalimentar afetam diretamente a insero da agricultura familiar e camponesa1, que tm sua viabilidade social e econmica dependente de redes e mercados cada vez mais integrados.

    Assim, este trabalho tem por objetivo apontar os impactos que uma empresa

    transacional do setor agrcola e biotecnolgico, a Monsanto2, pode causar para a agricultura familiar. Entretanto, para verificar as conseqncias da atuao da empresa devem-se investigar os impactos causados pela pesquisa, introduo, difuso e utilizao dos seus produtos.

    Optou-se, desta forma, por observar principalmente os impactos especficos da soja

    geneticamente modificada, produzida atravs do processo biotecnolgico reconhecido como de propriedade da empresa, vislumbrando assim seus impactos indiretos para os setores que se busca investigar. Isto , neste trabalho, vislumbrar os impactos decorrentes da utilizao da soja transgnica, significa tambm vislumbrar os impactos indiretos causados pela empresa Monsanto.

    Selecionou-se a soja resistente ao herbicida glifosato como foco da pesquisa - mesmo

    sabendo que existem diversos organismos transgnicos que tambm so propriedade da Monsanto - pois alm do Brasil ser o segundo maior produtor mundial de soja, este foi o primeiro organismo geneticamente modificado a entrar no pas e, na atualidade, o principal no mundo.

    Na anlise de tecnologias complexas como esta se faz necessrio destacar as

    especificidades do organismo em questo, j que os seus resultados dependem da insero gnica utilizada, do organismo receptor, das condies ambientais produtivas e culturais onde se pretende introduzi-lo, alm das variaes temporais. Isto , faz-se necessrio respeitar as diferenas entre os organismos geneticamente modificados a serem estudados, j que os efeitos causados por estes podem variar (AGUIRRE, 2003).

    A soja resistente ao herbicida glifosato (soja Roundup Ready - RR) patenteada

    pela empresa Monsanto e possui uma alterao gentica que a torna tolerante ao herbicida que contenha o agente ativo glifosato tambm de propriedade, mas no exclusiva, da transnacional -, usado para dessecao pr e ps-plantio. Assim, sua insero gnica s tem sentido quando acompanhada do herbicida ao qual ela resistente, isto , este organismo diretamente dependente de um tipo de agente qumico para que sua nova expresso

    1 A agricultura familiar tem sua produo historicamente destinada ao mercado interno, abastecendo a

    populao com os itens da dieta bsica e se contrape ao agronegcio exportador, altamente tecnificado e financeirizado (crditos e seguros), que ocupa mdias e grandes propriedades nas monoculturas de commodities, como a soja. Esta categoria foi definida por uma intensa pesquisa que estabeleceu suas caracterstica na agricultura brasileira (INCRA/FAO, 2000; BITTENCOURT, 2003, cit por ZIMMERMANN, 2006, P. 106). 2 Esta transnacional foi fundada em 1901, nos Estados Unidos, e se caracteriza por um envolvimento

    progressivo na produo e desenvolvimento de produtos qumicos utilizados principalmente como matria-prima industrial. Desenvolveu produtos inovadores como o plstico, a fibra sinttica, os detergentes e outros. Praticou uma estratgia de aquisio tanto de concorrentes como fornecedores e se tornou uma gigante no ramo agroqumico (Monsanto. Disponvel em . Acessado em set. 2004).

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    gnica seja eficaz. Tal caracterstica fundamental e deve ser destacada, j que a partir dela pode se observar que h uma maior dependncia do agricultor que utiliza a soja resistente ao herbicida com a empresa de biotecnologia que desenvolveu a transgenia, do que o agricultor que utiliza outros tipos de organismos geneticamente modificados3, j que aquele produto exige que o agricultor compre no apenas a semente da empresa como tambm o herbicida necessrio para que a expresso gnica tenha resultado4 (CASTRO, 2006).

    Tal trabalho se justifica ao demonstrar como um produto fruto de uma tecnologia patenteada por uma empresa transnacional influncia uma categoria de agricultores que ocupa um importante papel para a segurana alimentar, dado que potencializa o abastecimento alimentar dos consumidores urbanos e tambm dos consumidores rurais que dependem da sua produo para seu auto-consumo, tendo ainda uma importante participao nos mercados locais e circuitos regionais conferindo maior dinamismo ao abastecimento dos Municpios e regies (MALUF, 2004, cit por ZIMMERMANN, 2006, p. 107).

    Dado que os produtos geneticamente modificados da Monsanto existentes no

    mercado atualmente - e aquele que ser aqui especificamente estudado - so commodities, sua anlise apresenta a dificuldade de separar os impactos especficos da transgenia daqueles do modelo da agricultura moderna, particularmente no caso do modelo soja5, tais como deslocamento da agricultura familiar tradicional, expropriao e excluso, desemprego, impactos ambientais, etc.

    A simples produo de soja requer a implantao de projetos de infra-estrutura e

    transporte, que causam impacto aos ecossistemas, tornando reas florestais acessveis para outras atividades econmicas danosas ao meio ambiente, j o cultivo deste organismo transgnico apresenta ainda efeitos derivados dos seus mtodos de produo como alto uso de herbicidas e poluio gentica e refora o processo de concentrao dos meios de produo e expanso de um modelo agrcola latifundirio.

    Assim, os impactos da Monsanto e da sua biotecnologia vegetal para os agricultores

    se evidenciam principalmente quando so identificados os efeitos da apropriao privada dos recursos genticos, atravs dos sistemas de propriedade intelectual da tecnologia e dos produtos que ela cria: patentes de produtos e processos, lei de cultivares, a cobrana de royalties e de indenizaes por uso no autorizado, processos jurdicos para que os direitos de propriedade intelectual sejam respeitados e cumpridos, etc.

    No longo prazo, este conjunto de instrumentos tecnolgicos e mecanismos

    institucionais podem estar levando privatizao dos recursos genticos que esto na base do sistema agroalimentar, sendo inclusive possvel a apropriao por instituies privadas daqueles genomas produzidos pelos sistemas pblicos de pesquisa e melhoramento de variedades.

    3 Como, por exemplo, agricultores que utilizam organismos resistentes ao ataque de insetos, os chamados

    BT, ou resistente a vrus. 4 Isto no significa que no haja a necessidade de utilizar nenhum agente qumico nos outros dois casos,

    contudo o agricultor pode escolher qual produto quer utilizar das poucas empresas existentes no mercado de insumos agrcolas. 5 Por modelo soja, entende-se o modelo de agricultura expansiva, monocultora, latifundiria, intensiva em

    aplicao de tecnologia e com escassa mo-de-obra.

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    Os impactos sociais, polticos e econmicos do modelo da agricultura transgnica ocorrem em grande escala, em nveis nacional e global: a prpria constituio do marco regulatrio que permite a privatizao da engenharia gentica aplicada ao setor vegetal uma evidncia deste processo. Assim sendo esta pesquisa est limitada pelas regies e casos estudados e os impactos apontados, causados pelos alimentos geneticamente modificados da Monsanto aos agricultores, esto datados historicamente. Ainda, devido ao tema ser muito incipiente acredita-se que no so claramente visveis (qui sero um dia) e neste sentido que se verifica tambm a importncia desta pesquisa, que busca identificar as falcias e vantagens da biotecnologia vegetal.

    Este trabalho composto de duas partes: a primeira descreve a situao da Monsanto

    e da soja RR no mundo, apresentando estudos de caso em pases em que a soja transgnica amplamente utilizada. A segunda parte est focada nos impactos especficos da transnacional e de seu organismo geneticamente modificado no Brasil, apresentando estudos aprofundados dos casos do Rio Grande do Sul e Paran para que seja possvel vislumbrar os impactos para os pequenos agricultores.

    Desta forma, no primeiro captulo so apresentadas algumas informaes sobre a

    Monsanto, seu histrico como empresa e de sua atuao no Brasil. Comenta-se tambm sobre a retaliao de setores da sociedade, principalmente de organizaes no governamentais e de consumidores, com destaque para os Europeus, aos transgnicos, apontando as possveis razes para esta atitude. Em seguida sero apresentadas algumas estratgias da transnacional para contornar tal retaliao aos produtos frutos da biotecnologia e por fim sua atuao hodierna.

    No segundo captulo so apresentados estudos de caso internacionais, concentrando-

    se principalmente nos impactos scio-economicos da soja transgnica (mesmo sabendo que a tecnologia RR utilizada em outras culturas, acarretando efeitos anlogos). apontada a atuao da Monsanto nos Estados Unidos onde sementes transgnicas so comercializadas legalmente desde 1996 e na Argentina onde a adoo de transgnicos se deu em condies institucionais bastante distintas, levando ao surgimento de um mercado informal que tem influenciado fortemente os rumos dos transgnicos no Brasil. Neste captulo, a exceo fica por conta do caso da ndia, onde o debate se faz em torno da entrada do algodo BT, tambm da Monsanto, no mercado, para que se tenha um contraponto utilizao do produto que se tornou o foco desta pesquisa.

    Ao adentrar a segunda parte do trabalho, o captulo trs apresenta o panorama geral

    da soja no Brasil, onde poder se observar o contexto em que foi introduzida a soja geneticamente modificada ilegal, para que no ltimo captulo os estudos de caso brasileiros no sejam apresentados de forma desconectada das realidades econmicas e sociais do agronegcio sojeiro do pas. Com os estudos de caso se pretende revelar os impactos da utilizao da soja RR, e por conseqncia, da empresa Monsanto, para a agricultura, com nfase nos reflexos para os agricultores familiares brasileiros.

    Para a concluso desta pesquisa foram realizadas ao longo de 2005, pesquisas

    bibliogrficas, consultas de dados, assistidas vrias palestras, alm de pesquisas de campo e entrevistas com diversos agricultores, representantes de entidades ligadas agricultura, polticos e funcionrios de empresas de biotecnologia que puderam esclarecer algumas questes centrais como as razes econmicas da utilizao dos transgnicos pelos agricultores, as disputas a respeito dos royalties, a posio da Monsanto e das cooperativas

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    perante a entrada ilegal dos gros transgnicos e os argumentos favorveis e contrrios soja RR.

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    PARTE I: A Monsanto e o Ambiente internacional

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    Capitulo 1: Monsanto Neste captulo sero apresentadas algumas informaes sobre a Monsanto, seu

    histrico como empresa e de sua atuao no Brasil. Comenta-se tambm sobre a retaliao de setores da sociedade, principalmente de organizaes no governamentais e de consumidores, com destaque para os Europeus, aos transgnicos, apontando as possveis razes para esta atitude.

    Em seguida sero apresentadas algumas estratgias da transnacional para contornar tal retaliao aos produtos frutos da biotecnologia e por fim sua atuao hodierna.

    1.1. Histrico A Empresa Monsanto foi fundada em 1901, nos Estados Unidos, e se caracteriza por

    um envolvimento progressivo na produo e pesquisa de produtos qumicos utilizados principalmente como matria-prima industrial. Desenvolveu produtos inovadores como o plstico, a fibra sinttica, os detergentes e outros. Praticou uma estratgia de aquisio tanto de concorrentes como fornecedores e se tornou uma gigante no ramo qumico e farmacutico6.

    Em 1976 a empresa comeou a comercializar o herbicida Roundup, que se tornou a

    principal fonte de receita da empresa, alm de ser o mais vendido no mundo. A Monsanto se estruturou de forma multidivisional, e em 1985 acabou por vender suas unidades petroqumicas e outras menos importantes, concentrando-se em atividades capazes de gerar maior valor agregado.

    Em 1979 a empresa fundou o Molecular Biology Group (MBG), que era um centro

    de documentao sobre os principais avanos realizados na biologia capazes de serem absorvidos e aproveitados pela produo agrcola. A partir de 1980, os trabalhos de biotecnologia do MGB se intensificaram, j que a lei de patentes, garantindo o direito propriedade intelectual de suas descobertas, mesmo em organismos vivos, foi aprovada pelo governo Norte Americano. A nova legislao possibilitou grandes investimentos em pesquisa e tecnologia por parte da empresa que esperava retornos financeiros de suas descobertas (CASTRO, 2003). Em 1982 seus pesquisadores, pela primeira vez, alteraram geneticamente as clulas de uma planta e a partir da, o objetivo das pesquisas de biotecnologia da empresa se concentraram no desenvolvimento de OGMs que resistissem a insetos, a doenas e principalmente ao herbicida Roundup - conquista realizada em 1985, quando a empresa desenvolveu a primeira planta resistente ao agrotxico.

    Em 1993, a empresa centralizou suas atividades em torno da qumica, agroqumica,

    hormnios de animais e farmcia. De fato, as duas primeiras reas de pesquisa se tornaram responsveis por mais de dois teros de suas receitas, sendo que os produtos agroqumicos da empresa ganhavam cada vez mais importncia (GUIMARES, 2000).

    O fortalecimento paralelo das duas atividades principais - qumica e agrcola - levou,

    em 1997, a uma diviso dos negcios do holding Monsanto em duas empresas distintas: a Monsanto, dedicada agricultura, farmacutica e biotecnologia, e a Solutia, que passou a agregar todos os negcios da rea qumica. O enfoque da Monsanto em agricultura foi fortalecido aps a fuso, nos Estados Unidos, da Monsanto Company com a Pharmacia &

    6 MONSANTO. Disponvel em . Acessado em set. 2004.

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    Upjohn, consolidada em abril de 2000 com a criao da Pharmacia Corporation. Em agosto ocorreu a ciso entre a Monsanto e a Pharmacia, j previamente acordada. Atualmente a Monsanto uma empresa independente, totalmente focada em agricultura7.

    Sua atuao no campo da engenharia gentica tem sido motivada pelo interesse de

    aumentar a utilizao de seu principal produto, o Roundup, e das sementes resistentes ao herbicida, sendo que atualmente, as pesquisas e o desenvolvimento de transgnicos vm crescendo muito, entretanto, pode-se afirmar que depois de uma dcada de promoo global da transgenia, sua adoo efetiva ainda se restringe a alguns pases8 e a quatro culturas principais, agrotxicas ou promotoras de agrotxicos, sendo que nenhuma delas (soja, milho, algodo e canola) destinada primordialmente ao consumo humano (HATHAWAY, 2004).

    A empresa possui cerca de 14 mil funcionrios em pases de todos os continentes e

    faturou aproximadamente US$ 4,8 bilhes em 2002. Sua principal rea de atuao a biotecnologia, em particular, o setor de sementes.

    1.2. A Monsanto no Brasil A Monsanto se instalou no Brasil durante os anos 50, quando suas matrias-primas

    comearam a ser comercializadas no pas. Em 1963, a empresa instalou seu escritrio de vendas em So Paulo. Na dcada seguinte, iniciou uma srie de investimentos na rea qumica, que culminaram com a inaugurao da primeira fbrica em 1976, em So Jos dos Campos (SP). Esta unidade um dos mais avanados complexos industriais da Monsanto fora dos Estados Unidos e, desde 1984, concentra toda a produo do herbicida Roundup para abastecer o mercado brasileiro.

    Em 1989, dentro dos negcios farmacuticos, passou a fabricar os produtos da

    Nutrasweet no Pas, integrando-se rea de alimentos. A posio de destaque como fornecedora de insumos para a rea agrcola consolidou-se ainda mais com seu ingresso na rea de pesquisa e beneficiamento de sementes de soja, milho, sorgo e girassol.

    A partir da aprovao da legislao de cultivares a empresa desencadeou um

    processo de aquisies de empresas de sementes no pas, detendo a partir de 1997 o primeiro lugar no mercado de sementes de milho o segundo lugar no de soja, com 60% e 20% respectivamente da produo brasileira (ZANATTA; CARDONA, 1999 cit opus ALVARES; SHIMIT, 2000).

    A Monsanto do Brasil emprega 1.800 pessoas e apresenta vendas anuais da ordem de

    US$ 600 milhes. Em dezembro de 2001, inaugurou uma fbrica de matrias-primas para a linha de herbicidas Roundup em Camaari, na Bahia9. Alm disso, a empresa investiu na

    7 Idem nota 5.

    8 Onde os Estados Unidos e a Argentina correspondem por 84% da rea plantada com transgnicos no

    mundo, e outros quatro, inclusive o Brasil, respondem por 15% deste total, deixando 1% dividido entre mais 12 (HATHAWAY, D. Nota do autor. Brasil j o quarto maior produtor de transgnicos. Monitor Mercantil, 14 jan. 2004. In: Boletim por um Brasil Livre de transgnicos, n. 192. 15 jan. 2004. Disponvel em: < http://www.agrisustentavel.com/trans/campa192.htm> . Acessado em fev. 2006. 9 A fbrica, orada em US$ 550 milhes, recebeu do FINOR (Fundo de Investimentos do Nordeste) R$

    285,9 milhes para gerar 319 empregos. O emprstimo representava mais de 60% do oramento anual do rgo. Tal financiamento foi motivo de uma audincia pblica em novembro de 2000, onde foram questionados os benefcios e os prejuzos da instalao da fbrica e a necessidade do montante financiado

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    modernizao de suas unidades de sementes e de um novo complexo de pesquisa e beneficiamento de sementes de milho e sorgo em Uberlndia (MG). A empresa tem ainda outras unidades de Operaes de Sementes no Brasil: Andir (PR), Ipu (SP), Ita (SP), Morrinhos (GO), Santa Helena de Gois (GO), No-Me-Toque (RS), Paracatu (MG), Cachoeira Dourada (MG) e Sorriso (MT).

    1.3. Retaliao dos consumidores Apesar de todo o investimento em pesquisa e tecnologia, e de seus esforos como

    uma grande empresa de biotecnologia, a Monsanto no contava com a retaliao dos consumidores aos seus produtos. Atualmente observa-se uma grande quantidade de consumidores preocupados com sua sade e com o meio-ambiente, com a biodiversidade mais especificamente, devido a possveis impactos que os organismos geneticamente modificados podem causar.

    Vrios rgos de defesa do consumidor e do meio ambiente alertam a comunidade

    sobre os possveis danos causados por estes alimentos GMs, entre eles alergias aos seres humanos, desastres ecolgicos devido difuso do gene transgnicos para outros organismos. Resistncias das chamadas ervas daninhas ao glifosato e, portanto, o aumento da necessidade do uso do herbicida, ou o desenvolvimento de outro mais forte, poluindo o meio ambiente, contaminando lenis freticos e causando eroses no solo. H tambm impactos no conhecidos que poderiam ser causados pelo uso de tal tecnologia (LEITE, 2000:41).

    As empresas alegam j terem realizado exaustivos testes com estes organismos e

    garantem a sua segurana, assim como os governos de determinados pases (Argentina, Estados Unidos, Canad), que aceitaram tais pesquisas e realizaram outras com os mesmos OGMs e os consideraram to seguros que legalizaram sua produo e comercializao. Contudo, cientistas (ALVES Filho, 2003) afirmam que apenas 10% dos efeitos dos alimentos geneticamente modificados na sade e meio ambiente so conhecidos, e que os outros 90% podem produzir efeitos nem imaginados que poderiam ser traduzidos em riscos inesperados.

    De acordo com Jlia Guivant (2001), Urian Beck afirma que riscos sempre existiro,

    porm h a necessidade de minimiz-los para que a sociedade possa manter a confiana nos sistemas peritos (GIDDENS, 1991).10 Deve se lembrar que preos muito altos foram pagos pela sociedade, devido irresponsabilidade de empresas e de governos que legalizaram e incentivaram a sociedade a consumir produtos (como a Talidomida, medicamento responsvel por uma gerao de pessoas com deformidades, os agrotxicos organoclorados e vrias drogas veterinrias, que so cancergenos) que passaram por anlises superficiais e tiveram que ser mais tarde proibidas, com um prejuzo irreparvel para a sociedade e outros (HATAWEY, 2000).

    (Ass. Imprensa CPI do Finor Dep. Jos Pimentel (PT-CE).Transgnicos e o FINOR - Fundo de Investimento do Nordeste. In: Boletim Por Um Brasil Livre de Transgnicos, n. 30, 02 set. 2000. Disponvel em: < http://www.agrisustentavel.com/trans/campa30.htm>. Acessado em fev. 2006). 10

    Por sistemas peritos Giddens se refere a sistemas de excelncia tcnica ou competncia profissional que organizam grandes reas dos ambientes material e social em que se vive hoje. O autor afirma que uma das premissas para a consolidao da moderna sociedade justamente a confiana nos sistemas peritos.

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    Para o caso dos alimentos geneticamente modificados, Beck (1999) identifica o incio do caos normal do conflito sobre os riscos no qual se manifestam desencontros e contradies entre peritos e contra-peritos, que acabam estimulando a descrena dos consumidores nestes sistemas. O autor prope ainda que se criem governos e instituies abertas, transparentes que informem o pblico e alertem as indstrias de forma que se possa conviver com os riscos da sociedade moderna em lugar de bani-los. Isso implica que, em lugar de se esperar por um completo controle dos riscos, deve-se procurar formas de lidar com eles democraticamente (GUIVANT, 2000).

    No Brasil supe-se que h uma aliana entre diferentes setores leigos e peritos num

    contexto muito particular sobre os riscos dos OGMs: h menos denncias destes riscos e, portanto, menos casos de pnico entre a populao11. Alm disso, neste pas no existem recursos tcnicos, nem funcionrios suficientes para analisar e detectar estes riscos. Diante desta precariedade de controle e fiscalizao o pblico consumidor est diante da expectativa zero de riscos (GUIVANT, 2000, p.15). As desigualdades sociais deste pas e de outros pases pobres condicionam o grau de escolaridade da sua populao, e o conhecimento dos riscos enfrentados por esta, levando a populao a uma atitude de indiferena e resignao em relao aos transgnicos12.

    O caso dos OGMs aparece como um claro exemplo dos limites dos mtodos

    tcnicos e estatsticos na anlise dos riscos que envolvem um alto grau de incerteza. Neste contexto de saturao dos riscos alimentares, que minam a confiana dos consumidores e das organizaes no governamentais, principalmente na Unio Europia, mas com focos em todo o globo, foi estimulado o rechao aos transgnicos e a sua legalizao. Porm, devido a estas recusas de aceitao dos OGMs, a Monsanto adotou algumas estratgias para no deixar de obter o retorno do capital investido nestes organismos.

    1.4. Estratgias da Monsanto

    11 Apesar da mdia divulgar amplamente a questo dos transgnicos no Brasil, em sua maioria, as

    reportagens eram sobre os aspectos favorveis da biotecnologia: Um estudo organizado por Lusa Massarani (2003) revelou que entre junho de 2000 e maio de 2001, foram publicadas, nos cinco maiores jornais do Pas (O Estado de S. Paulo, Folha de So Paulo, O Globo, Extra e Jornal do Brasil), 751 matrias sobre Engenharia Gentica. Destas, 54,2% apresentaram uma postura favorvel em relao ao tema e 15,7%, uma posio desfavorvel. As matrias ditas imparciais, sem posicionamento prs ou contras tecnologia, representaram 30,1% do total (OLIVEIRA, 2004, p.38). J o levantamento publicado por Nisbet e Lewenstein (2002), que avaliou a cobertura sobre biotecnologia do jornal New York Times e da revista Newsweek, entre 1970 e o final de 1999, verificou que, com relao ao tom da cobertura, constatou-se uma ausncia significativa de reportagens sobre controvrsias, com o relato de benefcios excedendo aquele dos riscos potenciais, exceo da segunda metade da dcada de 90, quando as polmicas surgiram com relao clonagem e aos transgnicos (OLIVEIRA, 2004, p.102). 12

    Alm disso, pode-se afirmar que o Governo Brasileiro no estimulou a populao a participar das decises sobre o tema, como quando a Comisso de Agricultura, Abastecimento, Pecuria e Desenvolvimento Rural rejeitou o Projeto de Decreto Legislativo 1238/01, do Deputado Fernando Ferro (PT-PE), que previa a realizao de plebiscito sobre a liberao dos alimentos transgnicos no Brasil. O relator na comisso, o Deputado Francisco Turra (PP-RS), defendeu a rejeio da proposta, sendo que para ele cabia ao Poder Legislativo decidir sobre a biossegurana de organismos geneticamente modificados. O Deputado avaliou que, devido complexidade do tema, a sociedade no estaria habilitada a tomar uma deciso definitiva (Agncia Cmara. Comisso rejeita plebiscito sobre alimentos transgnicos. 05 ago. 2005Disponvel em: . Acessado em nov. 2005).

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    A empresa adota vrias estratgias para a consolidao de seu papel no setor de biotecnologia mundial e para contornar a recusa de determinados consumidores a aceitarem os transgnicos. Entre as estratgias podemos encontrar as seguintes:

    A estratgia de reduo de preo com a finalidade de aumentar as vendas de seus

    produtos atraindo novos clientes. Esta estratgia foi fundamental para a disseminao das lavouras geneticamente modificadas na Argentina, na medida em que ocorreu neste pas uma reduo de 58% nos preos do herbicida (entre 1992 e 1998) que resultou em um aumento de 2801% nas vendas. No Brasil no mesmo perodo, houve tambm uma reduo de 51% no preo do Roundup, provocando um aumento de 647% nas vendas do produto. A empresa alega que tal reduo de preo s foi possvel devido reduo do custo do glifosato, que a principal matria prima do herbicida (GUIMARES, 2000, p.27).

    As fuses e joint-ventures realizadas pela empresa tambm se caracterizaram como

    sendo uma estratgia realizada pela Monsanto com o objetivo de melhorar suas receitas, reduzindo resultados financeiros e criando um sistema de sinergias que incluem coordenao geogrfica, integrao de pessoal e incorporao de pesquisas e patentes j realizadas pelas empresas adquiridas.

    Outra estratgia realizada pela Monsanto a estratgia de marketing, onde esta tem

    investido pesadamente, divulgando seu pacote tecnolgico e insistindo em suas vantagens. A empresa divulga ainda que os produtos da biotecnologia cessariam com a fome no globo. Contudo, importante lembrar que questes como falta de alimentos, e/ou deficincia nutricional de grande parte da populao mundial no so causadas pela inexistncia de oferta de alimentos ou pela produtividade das plantaes, mas antes pela pobreza e misria de populaes marginalizadas do prprio sistema capitalista, o qual impulsiona as grandes corporaes para investir em pesquisas de cincia e tecnologia, visando alcanar uma maior rentabilidade (VILELA & MACDO, 2002).

    Com a estratgia mercadolgica a empresa tenta adentrar os principais mercados

    produtores de soja no mundo (principalmente nos pases em que tais tecnologias no foram regulamentadas, como no Brasil e ndia) para que os consumidores no tenham como retaliar os produtos GM, os prejudicando, impedindo que faam sua escolha de consumir ou no tais alimentos; os restringindo pelo lado da oferta, ao mesmo tempo evitando os custos de implementar sistemas de segregao e identity preservation (WILKINSON, 2004).

    O pesquisador Silvio Valle (2003), em uma entrevista concedida ao jornal da

    Unicamp, afirma que os Estados Unidos apiam esta estratgia, pois este um dos poucos pases que possuem um eficiente mercado de certificao e, portanto, futuramente este poderia ser um dos nicos capazes de produzir soja orgnica ou convencional com uma certificao que expirasse confiana ao consumidor. Assim, os produtores de soja convencional neste pas poderiam cobrar um montante adicional por seus produtos (ALVES Filho, 2003, p.3).

    A Monsanto, ainda como estratgia para no perder seu investimento em

    biotecnologia, criou um slido aparato legal de defesa de patentes e fiscalizao, para levar a julgamento agricultores que quebram o contrato estabelecido com a empresa, o que inclui desde a proibio de guardar sementes geneticamente modificadas para a prxima safra (uma pratica milenar realizada por agricultores, que consiste em separar os melhores gros

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    para novos cruzamentos em prximas safras), at a formao de reas de separao entre colheitas GM e colheitas no GM para que no ocorram contaminaes13.

    H ainda a estratgia da semente terminator (exterminadora)14. Esta tcnica

    incapacita geneticamente a germinao da segunda gerao da semente utilizada na agricultura, o que acarreta uma dependncia constante dos produtores rurais s grandes empresas produtoras de biotecnologia, j que a cada nova safra os agricultores teriam que comprar novas sementes destas empresas. A Monsanto, O departamento de agricultura dos EUA e a Delta & Pine Land, Syngenta, DuPont e BASF, esto entre as empresas que obtiveram patentes da tecnologia Terminator (Campanha Banir Terminator, 2006).

    Identificada tambm como uma estratgia da empresa, a busca e o investimento em

    tecnologia de ponta, podem ser considerados como objetivos condutores de longo prazo (VOLFSON, 2003:06).

    1.5. A situao atual da empresa

    Em 2006, a Monsanto investiu U$ 600 milhes em pesquisa e desenvolvimento de

    novos produtos para o agricultor em todo o mundo, j no Brasil este investimento chegou a 27 milhes de reais. Somente com pesquisa em biotecnologia, a empresa investe cerca de U$ 1,5 milhes por dia, pois acredita que esta possa trazer benefcios econmicos aos agricultores, desenvolvendo produtos com alta produtividade e baixo custo.

    No Brasil a Monsanto tem dois produtos desenvolvidos pela biotecnologia e aprovados para plantio e comercializao, a soja Roundup Read que confere planta tolerncia herbicidas base de glifosato produto que ser o foco desta pesquisa - e o algodo Bollgard que confere ao algodo resistncia insetos-praga15.

    Dentre os produtos frutos da biotecnologia j testados pela empresa, desde 1996,

    no Brasil esto o milho Yeldgard resistente a insetos praga e o milho e o algodo

    13 O poder jurdico da Monsanto ser melhor explorado no segundo captulo, principalmente ao se referir

    aos contratos firmados entre produtores Norte Americanos e a transnacional. 14

    Em 2000, a Conveno de Biodiversidade das Naes Unidas (CDB) recomendou que os governos no realizassem testes a campo nem comercializassem tecnologias genticas de esterilizao de sementes desse modo criando uma moratria internacional de facto. Mas, quando o corpo de consultores cientficos da CDB se reuniu, em fevereiro de 2005, em Bangkok, a indstria e governos aliados advogaram contra a moratria existente. O governo canadense pretendia introduzir testes a campo e futuramente permitir a sua comercializao. Porm, devido interveno de muitos governos a moratria sobre o Terminator se manteve (Campanha Banir Terminator. Tecnologia Terminator: As Sementes Suicidas Esto de Volta! nov. 2006. Disponvel em: . Acessado em nov. 2006). 15

    Mesmo aprovadas, o Brasil somente ter sementes transgnicas certificadas de algodo para a safra 2006/07, mas as sementes somente podero atender aos produtores do Mato Grosso j que a cultivar DP Acala 90 B, mais adaptada ao clima do Estado. Embora a tecnologia Bollgard tivesse sido aprovada pela CTNBIO, as sementes no haviam comeado a ser multiplicadas no pas, devido ao fato de que a MDM Sementes de Algodo (a empresa, que uma joint-venture entre o Grupo Maeda e a Delta & Pine Land do Brasil, detm exclusividade sobre a produo e venda das sementes Bollgard da Monsanto no Pas) aguarda o registro de cultivar no MAPA. Com o registro nas mos, a empresa teria de importar as sementes dos Estados Unidos para multiplic-las em fazendas em Minas Gerais, Gois e Bahia. Entretanto, importante destacar que o Brasil j conta com algodo transgnico pirata e que a sua safra corresponde a 10% de toda a rea cultivada com algodo no pas. As sementes foram trazidas da Austrlia e dos Estados Unidos e multiplicadas sem autorizao.

  • 15

    Roundup Read ambos tolerantes a herbicidas base de glifosato, sendo que estes produtos aguardam aprovao para plantio e comercializao da CTNBIO (Comisso Nacional Tcnica de Biossegurana, responsvel pela avaliao e convenincia da produo de transgnicos no pas). Para os prximos dez anos a empresa promete desenvolver variedades de soja e milho tolerantes ao estresse hdrico, resistentes outros tipos de pragas e ao fungo da ferrugem, alm de sementes ricas em Omega-3 e com menor teor de gordura saturada.

    A Monsanto investe cerca de US$ 600 mil por ano em programas sociais,

    ambientais e culturais no Brasil, em sua maioria programas que envolve crianas e adolescentes, entre eles o programa Janela para o Mundo que tem o objetivo de inserir conceitos agrcolas e de preservao ambiental de escolas Estaduais de nove Estados atravs de materiais didticos e oficinas de capacitao para alunos e professores, em projeto desenvolvido pela Fundao Horizonte Geogrfico16.

    A iniciativa teve o apoio do Ministrio da Cultura, que colaborou com parte do sue

    patrocnio atravs da Lei Federal de Incentivo Cultura17. Por meio do projeto, a partir do final de maro de 2005, todos os alunos de 5 a 8 sries das 5.409 escolas da rede estadual da Bahia, Mato Grosso, Gois, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, alm de 560 educadores do ensino fundamental comeariam a receber informaes, material de apoio e cursos18.

    No entanto, em 27 de abril, quando as escolas j comeavam a receber o material, o

    Ministrio da Cultura suspendeu a circulao das revistas de nmeros 89 e 96, seus materiais didticos e os cartazes com os ttulos: "Soja: O gro que conquistou o Brasil" e "Culturas da Terra no Brasil", afirmando que no poderiam ser custeadas com recursos da Lei Federal de Incentivo Cultura. O mesmo Ministrio realizou um parecer tcnico onde concluiu que os contedos editoriais aprovados na proposta original dos projetos no foram totalmente cumpridos19. A parceria foi motivo de denncia pelo Deputado Estadual Frei Srgio Grgen (PT-RS), que viu nela uma tentativa da Monsanto fazer propaganda de seus produtos nas escolas pblicas, e de preocupao entre educadores que, atravs da Rede Brasileira de Educao Ambiental, solicitaram s autoridades Federais uma avaliao criteriosa do projeto.

    16 Monsanto Imagine. Perfil 2006. Disponvel em:

    . Acessado em out. 2006. 17

    Da mesma forma como ocorre com o projeto Cine Monsanto, que em sua primeira temporada realizou 175 sesses de cinema para mais de 400 mil pessoas em 25 cidades de todo o Brasil, sendo que todas as localidades escolhidas ficam prximas de unidades ou de reas de atuao da Monsanto (PautaSocial, Monsanto leva a magia do cinema para No-Me-Toque (RS) lvaro de Oliveira Bueno. Assessoria de Imprensa Monsanto/RS. 9 fev. 2006. Disponvel em: . Acessado em out. 2006). 18Monsanto. Newsletter. Ministrio da Cultura apia Monsanto. Disponvel em: . Acessado em 06 mar. 2005. In: Boletim por um brasil livre de transgnicos Nmero 249- 08 de abril de 2005. Disponvel em: < http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/04/312907.shtml>. Acessado em out. 2005 19Agncia Carta Maior. Ministrio da Cultura manda suspender revistas patrocinadas pela Monsanto. 27 mar. 2005. Disponvel em: . In: Boletim por um Brasil livre de transgnicos, n. 251, 29 abr. 2005. Disponvel em: . Acessado em out. 2005.

  • 16

    Quanto ao projeto Janela Sul, que previa a edio das mesmas revistas para serem distribudas na regio Sul do pas, o Ministrio da Educao determinou que as reportagens aprovadas no projeto Janela Sudeste, e no publicadas, fossem includas no referido20. Em entrevista em julho de 2005, Silvia Yokoyama, funcionria da Monsanto, afirmou que esse projeto continuava sendo realizado e que ainda contava com o subsdio da Lei Rouane.

    Por fim pode-se mencionar que a Monsanto investe intensamente em publicidade e

    propaganda e que em sua estratgia de marketing e lobby, a 5 anos, comeou um programa chamado stakeholders dialog, que se fundamenta no desenvolvimento de dilogos com os interlocutores da cadeia produtiva e do governo. Neste programa, cada rea da empresa e cada um dos seus funcionrios responsvel pelo dialogo com um tipo de pblico e para os quais tentam transmitir informaes sobre a Monsanto e sobre biotecnologia. Comearam com um interlocutor e foram ampliando estes grupos de comunicao, at se tornarem entidades de informao (como, por exemplo, o CIB). Com uma campanha voltada para o pblico geral, buscam informar e explicar o que a biotecnologia. Para isto, a Monsanto precisou treinar todos os seus funcionrios para falarem em nome da empresa no Brasil. Assim, devido ao projeto stakeholders dialog, representantes da transnacional foram chamados, por diversas vezes, na cmara dos deputados para esclarecerem sobre biotecnologia, seu trabalho, produtos e atuao no mercado21.

    20Idem nota 5. 21

    Informaes colhidas na entrevista com Silvia Yokoyama, Assessora de Comunicao da Monsanto na Matriz da empresa em So Paulo (SP), jun. 2005.

  • 17

    Captulo 2: Exemplos Ilustrativos de mbito internacional O presente captulo apresentar alguns estudos de casos apresentando os impactos da

    utilizao dos produtos transgnicos da Monsanto para os agricultores. Os dois primeiros itens se referem aos impactos causados pela soja resistente ao herbicida glifosato para agricultores Argentinos e Norte Americanos, justamente os pases que primeiro aprovaram a utilizao comercial de tal organismo e que mais o produzem no mundo.

    Ambos os casos so interessantes, pois a pesar de suas similaridades, e da ampla

    utilizao do organismo, possuem legislaes e lidam com a Monsanto de forma diferente, tanto que enquanto a Argentina permitia o resgate de gros de uma safra para utiliz-los como sementes na seguinte sem a cobrana de royalties, nos Estados Unidos a situao se inverte completamente e apresentado o caso da utilizao da biotecnologia em um pas onde os contratos e os processos jurdicos se sobrepes e dominam as relaes.

    Aps estes casos apresentada a situao do algodo resistente ao ataque de insetos

    (Bt) na ndia, onde mesmo com um debate acirrado a respeito das vantagens ou desvantagens dos transgnicos estes organismos foram legalizados e difundidos pelas lavouras do pas22.

    2.1. O Caso Argentino: No Reconhecimento dos DPI e Bolsa Blanca Na ltima dcada, a Argentina teve um crescimento excepcional da sua agricultura

    sojeira, atribuda pelos pesquisadores a uma combinao de plantio direto com o uso de sementes RR (BRENBROOK, 2005). Atualmente, so plantados cerca de 14 milhes de hectares de soja na Argentina.

    A Monsanto entrou no mercado Argentino nos anos 90, pas no qual a legislao - lei

    de sementes e de patentes - no possibilita a proteo intelectual para biotecnologias, sementes e variedades, e, principalmente, dos processos tecnolgicos aplicados ao desenvolvimento de sementes RR. Consequentemente, no possibilita tambm a cobrana de royalties ou de indenizaes por uso no autorizado da tecnologia.

    Atualmente, est em vigor na Argentina uma Lei Federal23 de sementes que normatiza

    o processo de produo e comercializao de sementes certificadas e registradas, incluindo sementes geneticamente modificadas, mas o pas no reconhece quaisquer direitos de propriedade sobre variedades, cultivares ou tecnologias incorporadas ao processo de melhoramento vegetal, convencional ou utilizador de engenharia gentica.

    Deste modo, o agricultor argentino teve uma evidente vantagem econmica, para

    alm das tecnolgicas acima explicitadas, na adeso ao pacote tecnolgico RR: utilizando a

    22 Para ter acesso a outros casos de utilizao do algodo resistente insetos (BT) em pases em

    desenvolvimento ver: AGUIRRE, R. L. G. La biotecnologia agrcola em Mxico: efectos de la propiedad intelectual y la bioseguridad. Mxico: Universidad Autnoma Metropolitana, 2004. 23 Ley de Semillas y Creaciones Fitogneticas, n. 20.247, de 1973, regulamentada pelo Decreto n. 20247, de 1991. Por sua vez, a Ley de Patentes de Invencin y Modelos de Utilidad n. 24.481, modificada por la Ley No. 24.572 (T.O. 1996), estabelece, em seu art. 7, que no son patentables: La totalidad del material biolgico o gentico existente en la naturaleza o su rplica, o los procesos biolgicos implcitos en la reproduccin animal, vegetal y humana, incluidos los procesos genticos relativos al material capaz de conducir su propia duplicacin en condiciones normales y libres tal como ocurre en la naturaleza.

  • 18

    soja RR sem pagamento de royalty, o produtor argentino recebe um prmio de produo cerca de 35% maior do que o prmio recebido pelos agricultores norte-americanos. Atualmente, estima-se que 99% da produo de soja Argentina incorporam a tecnologia RR.

    O processo de difuso da soja RR na Argentina se deu de 2 modos: (1) os

    agricultores argentinos comparam sementes RR certificadas e as reproduziram para uso prprio; e (2) agricultores ou multiplicadores no autorizados comercializaram sementes RR sem certificao, nas chamadas bolsas blancas, pois sem a legislao de propriedade intelectual era difcil coibir este comrcio.

    Outro fator colaborou para o crescimento do cultivo da soja RR no territrio

    argentino: a vigncia dos direitos de propriedade da patente do herbicida glifosato expirou, extinguindo-se os direitos de exclusividade da Monsanto no pas, de tal modo que se disseminaram, juntamente com a semente no autorizada, a comercializao e consumo de glifosato mais barato importado de outras fontes, particularmente originrios da China (BRENBROOK, 2005).

    Adicionalmente, em 2004, o governo argentino posicionou-se publicamente no

    reconhecendo o pagamento de royalties ou taxas tecnolgicas sobre a colheita de soja RR em territrio argentino. Isto levou a Monsanto a encerrar sua atuao direta no mercado de sementes do pas, naquele ano. Contudo, a empresa continuou a licenciar sua tecnologia para grandes empresas sementeiras, tais como a Nidera, holandesa, e a Dom Mrio e a Relmo, platinas.24

    A Monsanto advertiu que criaria um sistema de pagamento de royalties que previa o

    pagamento de uma taxa de US$ 3 a US$7 por tonelada mtrica de soja exportada pelo pas. O governo inicialmente rejeitou esta proposta, mas a Secretaria de Agricultura estudou a criao de uma norma que incorporava o pagamento de taxa tecnolgica por bolsas blancas de sementes transgnicas.

    Atualmente, est em trmite no Legislativo Federal um Projeto de Lei sobre

    biotecnologia, levado ao congresso nacional pelo Foro Argentino de Biotecnologia em 18 de agosto de 200525, que pretende a modificao do marco normativo, referente a patentes, sementes, medicamentos, e gentica animal, de modo a garantir os direitos de propriedade intelectual das empresas destes setores, e que dever trazer grandes benefcios para a Monsanto, uma vez regulamentado e implementado.

    A Nidera, por sua vez, est implantando um sistema, entre comerciantes autorizados

    e agricultores, denominado de contrato de regalia extendida, que pretende controlar o uso da semente prpria ou no certificada de sementes de soja e trigo. A regalia extendida vigora como um contrato privado entre o agricultor e a empresa, constitudo no momento da compra da variedade, e se renova a cada nova multiplicao e plantio da variedade, reconhecendo-se, atravs deste contrato privado, os direitos de propriedade do obtentor sobre o material gentico.

    24 Evidentemente, as empresas licenciadas se encontravam em posio desvantajosa no mercado, tendo

    em vista a ampla disseminao e comercializao de sementes no autorizadas. 25

    O Foro Argentino de Biotecnologia se auto-define como organismo plural, pioneiro na difuso da biotecnologa em todas as reas, respeitando continuamente suas bases fundacionais: a unio dos trs vrtices do tringulo de Sbato "ciencia-empresa-gobierno. Disponvel em: . Acessado em 8 set. 2006.

  • 19

    O montante a ser pago pelo agricultor a cada ano ser de $2,00 por cada bolsa de 50

    kg ou seu equivalente de sementes de soja e de $1,5 por cada bolsa de 50 kg ou seu equivalente de sementes de trigo que for reservado para uso prprio, durante as sucessivas campanhas em que as utilizem para cultivo. A regalia cobrada para as sementes efetivamente utilizadas para o plantio, e o agricultor fica proibido de comercializar ou trocar as sementes, de acordo com a Lei Federal de sementes da Argentina, que unicamente permite comercializar a semente fiscalizada26. Permanecem, contudo, as controvrsias sobre a legalidade da cobrana da regalia extendida para o caso da semente guardada para uso prprio, tendo em vista que a referida Lei Federal de sementes permite explicitamente a guarda de sementes para uso prprio.

    Em maro de 2005, a Monsanto reforou sua posio anunciando aos grandes traders a imposio de uma taxa de $15,00 por tonelada mtrica pelas exportaes de soja Argentina e que, no caso dos exportadores se recusarem a pagar a taxa, sero levados s Cortes de Justia dos pases europeus que importam soja Argentina e reconhecem os DPI na rea de biotecnologia agrcola, pois a posio da empresa de que esta modalidade de coleta de royalties legal naqueles pases (Informe Grain, 17 mar. 2005).

    A seguir, apresenta-se uma sntese do complexo quadro regulatrio argentino para

    sementes e biotecnologias: A Constituio Nacional, no Artigo 41:

    Todos los habitantes gozan del derecho a un ambiente sano, equilibrado, apto para el desarrollo humano y para que las actividades productivas satisfagan las necesidades presentes sin comprometer las de las generaciones futuras; y tienen el deber de preservarlo. El dano ambiental generar prioritariamente la obligacin de recomponer, segn lo establezca la ley. Las autoridades proveern a la proteccin de este derecho, a la utilizacin racional de los recursos naturales, a la preservacin del patrimonio natural y cultural y de la diversidad biolgica, y a la informacin y educacin ambientales. Corresponde a la Nacin dictar las normas que contengan los presupuestos mnimos de proteccin, y a las provincias, las necesarias para complementarlas, sin que aquellas alteren las jurisdicciones locales. Se prohbe el ingreso al territorio nacional de residuos actual o potencialmente peligrosos, y de los radiactivos.

    A Lei de Sementes e Criaes Fitogenticas, Estabelece o Marco Regulatrio da

    Biotecnologia Agropecuria na Repblica Argentina, e tiene por objeto promover una eficiente actividad de produccin y comercializacin de semillas, asegurar a los productores agrarios la identidad y calidad de la simiente que adquieren y proteger la propiedad de las creaciones citogenticas (Art. 1). Os efeitos da Lei se estendem sobre as "SEMILLAS" ou "SIMIENTE" - estrutura vegetal destinada ao plantio ou propagao, e "CREACION FITOGENETICA" - cultivar obtido por descobrimento ou por aplicao de conhecimentos cientficos ao melhoramento gentico das plantas (ART. 2).

    O Captulo VIII da referida Lei estabelece os Direitos do Obtentor, seus alcances e

    restries, determinando direitos de propriedade e exclusividade na explorao comercial da variedade licenciada, sem conceder ao obtentor os direitos cobrar royalties sobre tais cultivares. Ademais, o artigo 44. estabelece que no se requer a autorizao do obtentor de uma variedade, conforme o artigo 27 da Lei 20.247, que garante ao agricultor a reserva e

    26 Informao coletada em folheto de divulgao produzido pela Nidera em visita Argentina em

    setembro de 2005.

  • 20

    uso da semente no plantio, bem como o produto da colheita, qualquer que seja o regime de propriedade da variedade protegida, mesmo sem autorizao prvia do obtentor.

    Quanto aos direitos de cobrana de royalties ou taxas tecnolgicas para sementes geneticamente modificadas, a Ley de Patentes de Invencin y Modelos de Utilidad (Lei 24.481) modificada pela Lei 25.859, probe no seu artigo 5 o patenteamento de toda classe de matria viva e substancias preexistentes na natureza. O Artigo 6 afirma que no se considerar matria patentevel plantas, amimais e procedimentos essencialmente biolgicos para sua reproduo. Ademais, o Artigo 7 determina que no so patenteveis:

    Las invenciones cuya explotacin en el territorio de la Republica Argentina deba

    impedirse para proteger el orden pblico o la moralidad, la salud o la vida de las personas o de los animales o para preservar los vegetales o evitar daos graves al medio ambiente, bem como la totalidad del material biolgico y gentico existente en la naturaleza o su rplica, en los procesos biolgicos implcitos en la reproduccin animal, vegetal y humana, incluidos los procesos genticos relativos al material capaz de conducir su propia duplicacin en condiciones normales y libres tal como ocurre en la naturaleza.

    Por sua vez, o Artigo 7 da referida Lei determina que o Poder Executivo Nacional

    poder proibir a fabricao e a comercializao das invenes cuja explorao comercial em seu territrio deva impedir-se necessariamente para proteger a ordem pblica ou moralidade, a sade ou a vida das pessoas ou dos animais, para preservar os vegetais ou evitar danos graves ao meio ambiente.

    Cabe esclarecer que, de acordo com os procedimentos firmados nas normas de

    biossegurana que estabelecem condies e requisitos para outorgar permisses de liberao de organismos geneticamente modificados em territrio argentino, encontram-se permitidos para a comercializao os seguintes produtos transgnicos:

    1. 167/96. Soja tolerante a glifosato, evento 40-3-2. 2. 19/98. Milho resistente a Lepidpteros, evento 176. 3. 372/98. Milho tolerante a glufosinato de amnio, eventos T14 y T25

    (modificada pela 739/99) 4. 428/98. Algodo resistente a Lepidpteros, evento MON531 5. 429/98. Milho resistente a Lepidpteros, evento MON810. 6. 32/01. Algodo tolerante a glifosato, evento MON1445. 7. 392/01. Milho resistente a Lepidpteros, evento Bt11. 8. 640/04. Milho tolerante a glifosato, evento NK603.

    MARCO REGULATRIO DA BIOTECNOLOGA AGROPECUARIA NA REPBLICA

    ARGENTINA Constituio Nacional

    (Artigo 41)

    Leis

    19549. Lei de Procedimento Administrativo 20247. Lei de Sementes e Criaes Fitogenticas 22520. Lei dos Ministrios 24376. Aprovao do Convnio Internacional para a Proteo das Obtenes Vegetais (UPOV) 25845. Reestruturao do INASE 25675. Lei Geral do Ambiente 25.859. Lei de Patentes de Inveno e Modelos de Utilidade

    Decretos Decreto Regulamentar 2183/91

  • 21

    Decreto Regulamentar 438/92 Decreto Regulamentar 1283/03 Decreto Lei 6704/63. De Defesa Sanitaria Decreto 2817/91. Criao do INASE. Decreto 373/01. Modificao de 20/99 Decreto 1104/00. Dissoluo do INASE Decreto 601/02. Administrao Pblica Nacional. Decreto 25/03. Organograma de Aplicao da Administrao Pblica Decreto 1359/04. Estrutura Organizativa do Primeiro Nvel da Administrao Pblica

    Resolues Estrutura

    124/91. Criao da CONABIA (modificada pela R. 669/93) 244/04. Criao da Oficina de Biotecnologia

    Resolues Normas que estabelecem condies e requisitos para outorgar permisses de Liberao

    656/92: Norma para Microorganismos Geneticamente Modificados. 226/97. Condies experimentais para a distncia de isolamento para a Liberao no Meio de Organismos Vegetais Geneticamente Modificados 39/03. Norma para a Liberao no Meio de Organismos Vegetais Geneticamente Modificados (OVGM) 57/03. Norma para Projetos de Experimentao e/ou Liberao no Meio de Organismos Animais Geneticamente Modificados (OAGM) 644/03. Protocolo para a avaliao da biossegurana da produo de sementes de milho geneticamente modificado 46/04. Registro de Operadores de OVGM. Marco Regulatrio da Biotecnologia Agropecuria na Repblica Argentina 21/04/2005 Normas que estabelecem requisitos para a avaliao da aptido alimentar (SENASA). 412/02. Requisitos para a avaliao da aptido alimentar dos Organismos Geneticamente Modificados.

    FONTE: elaborao prpria, atravs do Marco Regulatorio de la Biotecnologa Agropecuaria en La Repblica Argentina, produzido pela Secretaria de Agricultura, Ganaderia, Pesca e Alimentos da Repblica Argentina27.

    Quanto expanso do plantio de soja no territrio argentino, as informaes mais recentes esto disponveis no site da ArgenBio28, instituio criada com a misso de divulgar informaes sobre a biotecnologia, contribuindo para a compreenso da mesma atravs da educao e estimulando o seu desenvolvimento.

    27 Disponvel em http://www.sagpya.mecon.gov.ar/new/0- /programas/biotecnologia/marco_reg.php e e

    Ley de Patentes de Invencin y Modelos de Utilidad (Ley 24.481 modificada pela Ley 24.572 T.O. 1996 - B.O. 22/3/96) modificada pela Ley 25.859; no Instituto nacional de la propriedad industrial, disponvel em http://www.inpi.gov.ar/. 28

    A Argenbio uma instituio criada com a misso de divulgar informao sobre a biotecnologia, contribuindo para a compreenso da mesma atravs da educao e estimulando o seu desenvolvimento; disponvel em http://www.argenbio.org/h/argenbio/index.php http://www.argenbio.org/h/argenbio/index.php

  • 22

    Em 2006, o conflito entre a Monsanto e o Governo Argentino em torno do pagamento de royalties pela soja transgnica ampliou o nmero de carregamentos com farelo de soja do pas retidos em portos europeus por ordem da Justia. Embarcaes bloqueadas no porto espanhol de Bilbao s foram liberadas aps os importadores pagarem a garantia judicial, no valor exigido pela Monsanto. As aes mais recentes foram efetuadas pela Alfndega de Bilbao, sem a necessidade de liminar, tendo em vista o precedente jurdico das operaes anteriores (Valor Econmico, 18 maio 2006).

    H que se recordar, por fim, a notcia divulgada pelo Jornal Valor Econmico, em 02

    de maio de 2005, que destaca que os ministros da Agricultura da Argentina, Brasil e Paraguai fecharam acordo aceitando o sistema da Monsanto de cobrana de royalties sobre a soja transgnica colhida em vez de cobrar sobre a semente, como a lei estabelece. A deciso foi tomada em reunio do Conselho Agropecurio do Sul, realizada em Assuno", colocando um fim disputa sobre royalty da Monsanto. O ministro brasileiro da Agricultura, na poca Roberto Rodrigues, afirmou que o pagamento seria sobre a produo, mas que seria transitria e em forma de compensao, no de royalty. O Conselho Agropecurio do Sul concordou em respeitar os acordos firmados entre Monsanto e produtores do Brasil e Paraguai, que fixa a cobrana sobre a soja colhida, tendo em vista que nesses pases a semente foi vendida de forma ilegal. A Federao de Associaes Rurais do Mercosul tambm emitiu comunicado concordando com o sistema de cobrana.

    2.1.1. Efeitos Scio-Econmicos da Soja Transgnica na Argentina H uma grande polmica sobre os efeitos da expanso da produo de soja

    transgnica na Argentina, sendo que difcil separar os efeitos do seu plantio daqueles decorrentes do plantio deste produto convencional, j que a expanso rpida e continuada do modelo soja em territrio argentino se deu em grande medida com a entrada das variedades transgnicas.

  • 23

    A seguir, destacam-se alguns indicadores dos impactos registrados pelo avano da soja na Argentina, no perodo de 1996 a 2004 (BRENBROOK, 2005):

    a) Converso de rea plantada com outras culturas e vegetao natural em reas

    plantadas de soja: a. cerca de 25% da rea plantada com culturas como trigo, milho, girassol e sorgo; b. cerca de 7% da rea plantada com arroz, algodo, feijes e cereais; c. cerca de 27% de pastagens; d. cerca de 41% de reas de vegetao natural, incluindo florestas e cerrados; b) Crescimento de 56 vezes do uso de glifosato, de 1996/1997 a 2003/2004 e de

    24% de 2002/2003 a 2003/2004. c) No nvel agregado, o aumento dos problemas de insegurana alimentar da

    Argentina tem sido atribudo a fenmenos ligados ao modelo soja, tais como, uso intensivo de capital e maquinrio no sistema de produo, gerando desemprego, deslocamento da populao rural e um modelo de agricultura sem agricultores.

    d) As estatsticas de produo de alimentos indicam sensveis redues nas colheitas nacionais desde a expanso do complexo soja/RR a partir de 199629:

    a. a colheita de batatas caiu de 3,4 milhes de toneladas em 1997/1998 para 2,1 milhes em 2001/2002;

    b. a produo de peras caiu de 35 mil tons em 1997/4998 para 11,2 mil toneladas em 2000/2001;

    c. a produo de lentilhas caiu de 9 mil toneladas para 1,8 mil, idem; d. a produo de dry beans caiu de 340 mil em 1998/1999 para 278 em 2001/2002; e. a produo de leite caiu de 10 para 8 bilhes de litros de 1999 a 2002; f. a produo de ovos caiu de 5,7 para 4,6 bilhes, idem; g. o rebanho bovino caiu de 12, 8 milhes de animais para 11,3 milhes, de 1997 a

    2002; h. a produo de carne de porco caiu de 214,583 toneladas em 1999 para 165, 292

    em 2002; i. a produo de aves caiu de 940.246 toneladas em 1999 para 699.440 em 2002. e) O nmero de pessoas abaixo da linha de pobreza aumentou de 3,7 milhes em

    1996 para 8,7 milhes em 2002. O autor (BRENBROOK, 2005) indica maiores nveis de pobreza e indigncia nas reas rurais quando comparadas aos arredores das grandes cidades.

    f) De acordo com o autor (BRENBROOK, 2005), o desemprego, que aumentou de 5,3% para 22% em maio de 2002, desproporcionalmente maior em reas rurais; atribui-se grande perda de emprego e oportunidades para pequenos e mdios produtores com expanso massiva da indstria de soja - a estimativa oficial de que apenas um emprego criado para cada 500 hectares incorporados ao cultivo de soja na Argentina.

    g) O governo argentino reconhece que o crescimento da indstria de soja gerou grandes problemas sociais e que a tendncia da agricultura sem agricultores deve impactar negativamente na sustentabilidade social do setor agrcola.

    h) H evidncias de que o Programa Soja Solidria, criada pela Argentinian No Till Farmers Association, em 2002, atravs da qual os agricultores da soja so incentivados a

    29 claro que existem outros fatores, como a crise Argentina de 2000 ou desequilbrios climticos, que

    podem ter contribudo para tal queda na produo de alimentos, entretanto, acredita-se que a expanso do complexo de soja tambm um fator responsvel por esta reduo, j que simultaneamente (de 1996 2003) queda nestas produes, a produo de soja aumentou em 219,8%, passando de 11,1 milhes de toneladas para 35,5 milhes. Esta produo tem origem no aumento da rea plantada, a qual registra 161,2% de crescimento no perodo, passando de 4,9 milhes para 12,8 milhes de hectares (CASTRO, 2003).

  • 24

    aderir a um programa que prev a doao de 0,1% da sua colheita anual para alimentar a populao pobre, particularmente as crianas, no capaz de reverter a situao de insegurana alimentar a que esto submetidas s famlias excludas das atividades agrcolas, no somente pelo fato de que a soja no faz parte da dieta tradicional da famlia Argentina, mas tambm porque o seu consumo - para crianas menores de cinco anos - no tem sido recomendado, por pesquisadores e nutricionistas.

    Outros autores corroboram as preocupaes com os impactos scio-ambientais da

    expanso do plantio da soja transgnica na Argentina. De acordo com Pengue (2005 apud. ALTIERI & PENGUE, 2005), 60 mil agricultores teriam sido expulsos da atividade no perodo em que a produo de soja transgnica triplicou. Em 1998, havia um total de 422.000 agricultores na Argentina enquanto que em 2002 restavam 318.00 agricultores, uma reduo de 24,5%. Em uma dcada o plantio de soja aumentou em 126%, em terras anteriormente utilizadas na produo de gado de leite, milho, trigo e frutas. Na safra 2003/2004, 13,7 milhes de hectares foram plantados custa de 2,9 milhes de hectares de milho e 2,15 milhes de hectares de girassol. Para o pas, isto significa maior importao de alimentos bsicos assim como perda de soberania, e para os agricultores familiares e consumidores pobres isto significa aumento dos preos dos alimentos e mais fome.

    importante deixar claro que, no caso argentino, difcil separar os impactos scio-

    econmicos e ambientais gerais do plantio da soja convencional daqueles especficos decorrentes da disseminao da tecnologia RR, como tambm de alguns dos efeitos decorrentes da grave crise econmica enfrentada pelo pas no perodo recente. Entretanto, fato que a expanso exponencial do complexo da soja nos anos 1990 est indiscutivelmente vinculada disseminao da soja RR, tendo em vista a combinao das suas facilidades tcnicas, da grande rentabilidade decorrente do no pagamento dos royalties ou de indenizaes por uso no autorizado da tecnologia, e da utilizao de glifosato mais barato importado de empresas chinesas. importante ressaltar ainda, que o agricultor argentino ainda no vivenciou a situao do pagamento da taxa tecnolgica e de seu impacto sobre a rentabilidade de suas colheitas. evidente tambm, que os benefcios econmicos advindos da expanso do cultivo da soja transgnica no se distribuem eqitativamente entre as diferentes camadas da populao, e mesmo entre a populao rural.

    A Monsanto tem buscado solues institucionais para assegurar o recebimento dos

    royalties da tecnologia RR na Argentina junto ao governo do pas, que atravs de uma nova Lei de Biossegurana, pretende reformular o quadro normativo nacional. H tambm, por parte da empresa, a busca de solues contratuais bilaterais para o recebimento da regalia tecnolgica diretamente dos agricultores e a montagem de um sistema extrajudicial de coleta de indenizaes por uso no autorizado da tecnologia junto s grandes traders exportadoras, a exemplo do que est ocorrendo em territrio brasileiro.

    Por fim, cabe registrar a tentativa da empresa de receber a regalia global da

    tecnologia RR no porto importador, a exemplo do litgio judicial acerca da cobrana de royalties sobre carga de soja transgnica exportada da Argentina que esto ocorrendo na Dinamarca e Holanda - pases que reconhecem os DPI para produtos e processos tecnolgicos da engenharia gentica.

    2.2. O Caso Norte-Americano: Contratos e Processos Judiciais

  • 25

    Nos Estados Unidos, o controle da Monsanto sobre o germoplasma por meio de propriedade das companhias sementeiras e do seu domnio sobre a tecnologia gentica e das sementes por meio da propriedade de patentes corroborado pelos acordos tecnolgicos firmados com os agricultores quando estes compram as sementes empresa, determinando que o agricultor deva comprar sementes novas a cada safra. Com estes acordos, a Monsanto obtm uma licena para controlar as sementes depois que o agricultor a comprou, plantou e colheu. Este nvel de controle no tem precedentes e teve um impacto profundamente negativo nas vidas de muitos agricultores norte-americanos30.

    De acordo com o Center for Food Safety31, o sucesso da tecnologia RR nos Estados

    Unidos resulta no somente das vantagens tecnolgicas das sementes, mas principalmente de um grande esforo da Monsanto em formalizar contratos com os agricultores que utilizam a tecnologia RR, protegida por patentes. A Monsanto obtm um estrito controle das prticas dos agricultores, mediante acordo tecnolgico firmado entre o agricultor e a companhia na ocasio da compra das sementes RR. Este acordo consiste em uma licena limitada para usar as sementes transgnicas desenvolvidas pela Monsanto, incluindo as variedades de soja RR ofertadas no mercado norte-americano32. O acordo determina que as partes envolvidas estejam governadas pelas leis do Estado do Missouri e dos Estados Unidos, e as partes consentem em utilizar nica e exclusivamente a jurisdio do US District Court for the Eastern District Of Missouri, Eastern Divisional, e o circuito de cortes do county of Saint Louis, Missouri, para todas as queixas e disputas acerca do acordo e do uso das tecnologias de sementes Monsanto.

    Ao assinar o contrato, o agricultor concorda em, entre outros aspectos: a) Dirigir os gros produzidos aos mercados apropriados de modo a prevenir

    movimentos a mercados onde o gro no tenha recebido aprovao regulatria para importao33.

    b) Usar as sementes contendo tecnologia da Monsanto unicamente no plantio de uma nica safra comercial.

    c) No repassar sementes contendo a tecnologia Monsanto para outra pessoa ou organizao, no salvar qualquer gro produzido para plantio posterior e no suprir terceiros com esta semente/tecnologia para plantio.

    d) No utilizar ou permitir que outros utilizem sementes contendo as tecnologias Monsanto para melhoramento vegetal, pesquisa, gerao de dados sobre herbicidas ou produo de sementes.

    e) Utilizar nos gros Roundup Ready somente o herbicida agrcola Roundup ou outro herbicida no seletivo autorizado - que no poder ser utilizado na ausncia do Roundup. permitido usar qualquer herbicida seletivo rotulado para o mesmo gro sem o gene

    30 De acordo com Gregori D. Graff & James Newcomb (Agricultural biotechnology at the crossroads,

    bioeconomic research associates 23-25 2003), citado por Center For Food Safety:2005. 31

    Center for Food Safety. Monsanto vs. U.S. Farmers. Washington, DC, 2005, disponvel em www.centerforfoodsafety.org. 32

    2003 Monsanto Technology/Stewardship Agreement. O contrato determina que as partes envolvidas esto governados pelas leis do Estado do Missouri e dos Estados Unidos, e as partes consentem em utilizar nica e exclusivamente a jurisdio do US District Court for the Eastern District Of Missouri, Eastern Divisional, e o circuito de cortes de Saint Louis, Missouri, para todos as queixas e disputas acerca do acordo e do uso das tecnologias de sementes Monsanto.. 33

    O contrato adverte que os gros e commodities com tecnologia RR colhidos so aprovados como rao e para uso alimentar, mas no so aprovados em certos mercados de exportao, de tal modo que o plantador deve direcionar seus gros para as seguintes opes de mercado aprovadas pela regulamentao dos mercados.

  • 26

    Roundup, mas a Monsanto se exime dos efeitos do uso de produtos comercializados pelas outras companhias.

    f) Adquirir sementes contendo tecnologia Monsanto somente de companhias de sementes autorizadas com licena de tecnologia da Monsanto.

    g) Pagar todas as taxas tecnolgicas e o preo de venda das sementes, que parte do royalty da Monsanto.

    Ademais, o contrato adverte que, uma vez terminado o contrato, o agricultor no ter

    direitos sobre quaisquer sementes contendo a tecnologia Monsanto e que todas as obrigaes determinadas para antes do termino do contrato continuam valendo. Nas situaes em que os plantadores salvem, guardem, vendam ou adquiram sementes para plantio em violao ao acordo, os plantadores sero responsabilizados por infringir os direitos de patente.

    possvel verificar com clareza as enormes assimetrias entre as responsabilidades e

    direitos das partes consubstanciadas em tal contrato. O contrato expe os agricultores a enormes responsabilidades jurdicas e financeiras, e uma variedade de condies que definem efetivamente as possibilidades e as limitaes que os agricultores tm ao comprar, plantar, colher e vender sementes. Estas responsabilidades atingem, contudo, no somente os agricultores que assinaram o contrato de aquisio de sementes com a Monsanto, mas tambm a todos aqueles que venham a ser considerados potenciais utilizadores no autorizados da tecnologia da empresa e at mesmo aqueles que no querem utilizar as sementes geneticamente modificadas da Monsanto (Center For Food Safety, 2005).

    Os esforos da Monsanto em cobrar os agricultores dividem-se em trs etapas: a

    investigao de agricultores que a empresa considera que podem estar utilizando a tecnologia de modo no autorizado da tecnologia, os acordos extra-judiciais de ressarcimento financeiros com os agricultores investigados e os litgios contra os agricultores que a empresa considera que estejam infringindo o contrato ou as patentes da tecnologia (Center For Food Safety, 2005).

    A empresa investe recursos significativos em investigar e intimar agricultores

    acusados de violar as patentes da companhia. De acordo com o CFS, a empresa tem um departamento com 75 empregados e um oramento anual de 10 milhes de dlares nos EUA exclusivamente para investigaes e processos judiciais em usurpao de patentes (Center For Food Safety, 2005).

    H estimativas de que quase metade das investigaes da empresa chegam a acordos

    extra-judiciais, que so geralmente confidenciais, de tal modo que no possvel saber qual o montante pago pelos agricultores, sendo que no caso do agricultor Carlyle Price de Carolina do Norte, sabido o acordo chegou a 1,5 milhes de dlares (Center For Food Safety, 2005).

    Em alguns casos, os agricultores aceitam firmar um acordo que os obriga a comprar

    produtos da Monsanto, tendo em vista que o acordo oferecido assegura um valor menor do que o da multa, o que demonstra o objetivo da empresa, que o de ligar definitivamente os agricultores s suas sementes engenheiradas e seus contratos (Center For Food Safety, 2005).

    Os agricultores que no aceitam os acordos com a Monsanto enfrentam os processos

    judiciais. No perodo entre 1998 e 2004, a Monsanto iniciou 90 processos judiciais

  • 27

    baseados nas supostas violaes de seus contratos de uso de tecnologia e de suas patentes de tecnologia de sementes de engenharia gentica, que envolviam 147 agricultores e 39 pequenas companhias de agronegcios, em 25 estados diferentes. Em dezembro de 2004, encontravam-se em andamento 19 dos 90 casos registrados (Center For Food Safety, 2005).34

    Em muitos casos, o resultado dos litgios da Monsanto contra os agricultores

    permanece desconhecido, tendo em vista resultarem em acordos com clusula de confidencialidade, contudo, as sentenas abertas ao pblico revelam uma soma considervel de pagamentos Monsanto. Os agricultores sentenciados ao ressarcimento financeiro so usualmente comunicados de embargos e ficam proibidos de comprar e vender produtos da Monsanto. 35

    De acordo com a pesquisa do Center For Food Safety (2005), a maior indenizao

    registrada em sentena em favor da Monsanto em litgio contra agricultor, foi de US$ 3.053.800. O total em indenizaes foi estimado US$ 15.253.602,82, sendo que nos casos que foram a julgamento, os agricultores pagaram em mdia indenizaes em torno de US$ 412.259,54; e nos casos de acordo a mdia das indenizaes era de US$ 75.000,00, variando de US$ 5.595,00 a US$ 3.052.800,00.

    2.3. O caso da ndia: o debate em torno da produtividade, rendimento e

    lucratividade do algodo Bt. Com 8-9 milhes de hectares plantados a cada ano, a ndia o terceiro produtor

    mundial de algodo, situando-se atrs dos Estados Unidos e China e respondendo por cerca de 25% da rea plantada e 16% da produo global da commodity, com quase trs milhes de toneladas por ano de algodo de todas as qualidades e uma expressiva indstria txtil constituda para o seu processamento, que emprega cerca de trinta milhes de pessoas diretamente. O algodo responde pela sobrevivncia de mais de 60 milhes de indianos nas diversas atividades constitudas em seu entorno, da agricultura ao processamento, indstria txtil e confeco (KAMBHAMPATI, MORSE, BENNETT E ISMAEL, 2005)36.

    O maior fator limitante para a produtividade e qualidade do algodo indiano so as

    pragas e insetos, tais como os bollworms, que so usualmente controladas atravs de mltiplas aplicaes de inseticidas. Em maro de 2002, o governo indiano autorizou o cultivo comercial do algodo geneticamente modificado que tem resistncia ao bollworm, que incorpora um gene da bactria Bacillus thuringiensis (Bt) que produz uma protena txica praga, sendo que tal inseticida microbiano j era amplamente utilizado por agricultores orgnicos para o manejo de pragas, como uma alternativa aos inseticidas qumicos (ALTIERI, 2004, p. 18).

    34 conveniente lembrar a clusula contida no acordo tecnolgico da Monsanto, que lhe permite a

    vantagem de escolha do foro/jurisdio do processo em Sain Louis, Missouri, sendo que de 46 processos estudados, somente dois advogados de defesa foram capazes de remover seus casos para outras jurisdies. A questo a vantagem locacional na sede da Monsanto, que barateia os custos e favorece a empresa, enquanto eleva os custos e desfavorece os agricultores litigantes. 35

    A Monsanto, por sua vez, afirma que no registra como lucro os montantes recebidos nestes acordos, mas que aplica estes recursos em bolsas e outras atividades educacionais (Center for Food Safety 2005). 36

    Perceptions of the Impacts of Genetically Modified Cotton Varieties: A Case Study of the Cotton Industry in Gujarat, India.AgBioForum, 8(2&3): 161-171. 2005 AgBioForum.

  • 28

    As variedades autorizadas pelo governo so produzidas e distribudas pela Mahyco Monsanto Biotech, mas h tambm uma grande disseminao de sementes no oficiais sendo multiplicadas e difundidas no territrio indiano. De acordo com Gala (2005)37, a Monsanto supostamente financiou um estudo produzido por uma agncia de pesquisa de mercado, na safra 2004, anunciando que o rendimento do algodo Bt era 58% maior no territrio indiano, decorrendo um aumento de 60% na renda dos agricultores. Ademais, os resultados em Andhra Pradesh indicavam um rendimento superior a 46% e uma reduo de custos em pesticidas de 65%, gerando um aumento de renda de 42% para os agricultores.

    Desde ento, a polmica se estabeleceu em torno dos rendimentos e lucratividade do

    algodo Bt. De acordo com Bennet (2004) vrios estudos demonstraram que h um maior rendimento do Bt frente s variedades de algodo convencionais, bem como menores requerimentos de doses de inseticida e de trabalho na sua aplicao. O algodo Bt tambm teria melhor qualidade uma vez que estaria menos exposto aos ataques do bollworm. Assim, maiores rendimentos, melhor qualidade e menos despesas em inseticidas e trabalho deveriam resultar em maiores lucros para os agricultores, o que favoreceria e incentivaria os agricultores familiares de baixa renda sua adoo.

    Contudo, outros estudos38 foram na direo contrria, sugerindo que o algodo Bt

    no teria nenhuma vantagem significativa em termos de rendimento ou margem de lucro quando comparado s variedades convencionais. H inclusive, debates entre os pesquisadores de que os resultados divulgados nas pesquisas no territrio de Andhra Pradesh fossem supostamente manipulados, exagerando na divulgao dos rendimentos do algodo Bt. Na crtica aos resultados oficiais divulgados, os cientistas independentes Abdul Qayum e Kiran Sakkhari realizaram um estudo que encontrou os seguintes resultados:

    a) O algodo Bt no gerou maiores rendimentos aos pequenos agricultores: o algodo

    convencional ultrapassou o Bt em cerca de 30% em rendimentos e em cerca de 10% em despesas de custos de produo;

    b) O algodo Bt no reduziu significantemente os custos decorrentes do uso de pesticidas no perodo de trs anos;

    c) O algodo Bt no gerou lucro para os agricultores: os agricultores de variedades convencionais lucraram cerca de 60% a mais do que os produtores de Bt;

    d) O algodo Bt no reduziu os custos de cultivo, de modo que os agricultores que produziram este organismo enfrentaram custos 12% maiores do que os dos agricultores de variedades convencionais;

    e) O algodo Bt no resultou em melhoras no ambiente: os agricultores encontraram um tipo especial de root rot spread pelo algodo Bt, que infecta o solo impedindo o crescimento de outros gros.

    Bennett, Ismael, Kambhampati e Morse (2004)39, em pesquisa no territrio de

    Maharashtra, no qual h trs variedades de hbridos de algodo Bt da Mahyco-Monsanto sendo cultivados, realizaram uma cuidadosa pesquisa amostral, nas safras de 2002 e 2003,

    37 GALA, R. (2005). Indias Bt cotton fraud (press release). London: Institute of Science in Society.

    Available on the World Wide Web: http://www.i-sis.org.uk/IBTCF.php. 38BENNET, 2005 39 Bennett, R.M., Ismael, Y., Kambhampati, U., & Morse, S. (2004). Economic impact of genetically modified cotton in India. AgBioForum, 7(3), 1-5. Available on the World Wide Web: http://www.agbioforum.org.

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    atravs da qual concluram que o algodo Bt teve um impacto positivo significativo nos rendimentos e na performance econmica dos produtores. Os rendimentos do algodo Bt foram significativamente maiores do que o das variedades no-Bt, e o uso dos inseticidas foi menor. Contudo, consideram que os maiores rendimentos no se devem a reduo de custos, mas a maior rentabilidade obtida na venda do produto da colheita. Estas vantagens esto, portanto, contingenciadas pelas condies de mercado e suscetveis a suas mudanas.

    Entretanto, faz-se importante destacar que as plantas resistentes ao ataque de insetos

    (BT) so envoltas por uma destacada polmica: A resistncia de um inseto um inseticida, se desenvolve mais rapidamente a medida que este ltimo fica mais tempo no ambiente (NEPP, 2000, cit por AGUIRRE 2004, p.296). Quando o BT - inseticida chave para os agricultores orgnicos no manejo de pragas - aplicado sobre a planta, sua permanncia no ambiente muito baixa, j que a toxina se degrada facilmente. Ao contrrio, em plantas Bt, esta toxina persiste no ambiente por todo o ciclo do cultivo, podendo contribuir para acelerar a apario de insetos resistentes a ela. Tal situao vem sendo considerada de alto risco para os agricultores indianos que podem perder uma poderosa alternativa aos inseticidas qumicos, tendo de recorrer aos novos agroqumicos que sero lanados no mercado para substituir o BT, quando este no for mais eficiente (ALTIERI, 2004, p.18).

    Consideraes finais: Esta primeira parte buscou apresentar um panorama sobre a empresa Monsanto,

    destacando sua histria e atuao no Brasil e no mundo, alm disto foram demonstrados os diferentes impactos causados pela utilizao de organismos transgnicos desta empresa em trs pases diferentes para que na prxima parte seja possvel aprofundar o olhar sobre os seus reflexos para a agricultura familiar brasileira.

    Como j foi dito, optou-se por apresentar o caso da soja resistente ao herbicida

    glifosato da Monsanto, tambm chamada de soja RR, na Argentina e nos Estados Unidos, pois alm de serem importantes produtores mundiais da oleaginosa, em ambos ocorreu uma rpida expanso da utilizao deste organismo transgnico. O caso Argentino com a lei permitindo a reproduo e comercializao dos gros transgnicos sem que os agricultores tivessem a necessidade de pagar os direitos de propriedade intelectual sobre a tecnologia contida nos gros Monsanto, e o caso dos Estados Unidos, que aponta como em uma sociedade altamente judicial, onde os direitos de propriedade intelectual se estendem aos seres vivos, demonstram como so importantes os contratos e acordos judiciais e extra-judiciais, alm dos processos e do poder de enforcement40 da Monsanto.

    Pode-se observar tambm nesses casos a importncia de se ter uma legislao clara

    que regulamente a utilizao dos transgnicos e da cobrana dos direitos de propriedade intelectual, para que casos como da Argentina, onde a Monsanto ameaava embargar suas exportaes e cobrar os royalties dos importadores que reconhecessem os direitos da empresa41, no seja uma constante.

    O caso do algodo resistente ao ataque de insetos (Bt) na India significativo, pois se

    contrape aos dois anteriores e ilustra algumas diferenas entre os tipos de organismo geneticamente modificado (o resistente herbicida e o resistente ao ataque de insetos).

    40 Por coao (enforcement) entende-se o uso de agentes (regulao, inspeo, taxa de auditoria,

    executores) para detectar e sancionar a violao de regras legais (POLINSKY E SHAVELL, 2005). 41

    Ver pgina 10 deste livro.

  • 30

    Nos trs casos selecionados pode-se observar uma ampla adeso dos agricultores

    estes produtos frutos da biotecnologia vegetal e uma falta de consenso a respeito dos benefcios e/ou desvantagens desses organismos.

    Com os Estudos apresentados possvel vislumbrar o crescimento e difuso da

    biotecnologia vegetal no mundo, que de 1996 2003 cresceu mais de 20 vezes (de 2,8 milhes de hectares para 67,7 milhes)42, onde a soja, seguida do milho e do algodo so os principais produtos geneticamente alterados ocupando aproximadamente 95% da rea global plantada com transgnicos em 2003 (ocupando 61, 23 e 11% respectivamente)43. Ainda, 98% das plantas transgnicas encontradas no planeta so de dois tipos: resistentes a herbicidas ou resistentes ao ataque de insetos (HAILS e KINDERLERER, 2003, p. 819 cit por OLIVEIRA, 2004). Os organismos transgnicos resistentes ao herbicida glifosato, como j mencionado, promovem a venda casada da semente-herbicida, sendo este ltimo tambm propriedade da empresa que desenvolveu o organismo.

    Por fim, pode-se apontar tambm o alcance e importncia da Monsanto como maior

    produtora de organismos geneticamente modificados no mundo, visto que de 1992 a 2003 apresentou 45 pedidos de liberao de novas variedades ao USDA (departamento de agricultura dos Estados Unidos) sobre os 87 que foram solicitados ao rgo, isto , a transnacional apresentou mais da metade das solicitaes de disponibilizao de novas variedades transgnicas, seguida pela Aventis e pela Syngenta que apresentaram respectivamente 18% e 9% dos pedidos44.

    42 ISAAA, 2003 cit por DAL POZ, Maria Ester Soares. Redes de inovao em biotecnologia: genmica e

    Direitos de propriedade intelectual. Tese de doutorado UNICAMP: Campinas, 2006, p. 149. 43

    SILVEIRA, J. M. F. J. da & BORGES, I. C. de, 2004. 44

    Noisette, Cristophe. OGM: que, onde, por qu?. In: ZANONI, Magda (org.). Biossegurana: transgnicos, terapia gentica, clulas-tronco questes para a cincia e para a sociedade. Braslia: Ncleo de Estudos Agrrios e desenvolvimento Rural/ IICA, 2004.

  • 31

    PARTE 2: A Soja No Brasil

  • 32

    Introduo Com o evento da soja geneticamente modificada, agricultores e governos entraram

    em disputas sobre a legitimidade dos organismos geneticamente modificados (OGM) na agricultura do pas e, atualmente, aps 8 anos de disputas, com a sano da lei de biossegurana pelo governo brasileiro, a soja transgnica foi efetivamente regulamentada e normalizada.

    Dado o objetivo do trabalho faz-se necessrio observar mais cuidadosamente o caso

    especfico do Rio Grande do Sul e do Paran j que estes so casos significativos no processo de discusso e conflito a respeito da introduo da soja transgnica no Brasil.

    Estes Estados so significativos, pois apresentam um grande nmero de pequenos e

    mdios agricultores, sendo o Rio Grande do Sul, o primeiro Estado brasileiro a plantar um produto geneticamente modificado (a soja) e o primeiro a pagar royalties a Monsanto (isto , a admitir os direitos de propriedade intelectual da empresa sobre a tecnologia gentica) enquanto o Paran foi o Estado que mais resistiu introduo deste produto.

    Esta parte ser iniciada com um panorama geral da produo atual de soja no Brasil

    para que se seja possvel entender a importncia deste produto no mercado nacional e para conhecer a conjuntura em que a soja transgnica foi inserida e logo aps sero apresentadas as especificidades histricas, polticas e econmicas da introduo e difuso da soja geneticamente modificada no Rio Grande do Sul e no Paran.

  • 33

    Capitulo 3: Panorama geral da soja no Brasil 3.1. Introduo da soja no pas Entre 1960 e 1970, a soja se consolidou como uma importante cultura no Sul do

    Brasil e posteriormente alcanou outras regies do pas. Nestes primeiros anos de cultivo no Sul alguns fatores foram fundamentais para que a soja se firmasse como um produto comercial. Fatores como o clima - semelhante ao da regio produtora da oleaginosa nos Estados Unidos; o desenvolvimento do programa que promoveu a calagem e a correo da fertilidade dos solos na regio45, incentivos fiscais disponibilizados aos produtores de trigo que beneficiaram igualmente o cultivo da soja, que utiliza, no vero, a mesma rea, mo-de-obra e maquinaria do trigo cultivado no inverno; mercado internacional favorvel46; novos hbitos alimentares que substituam as gorduras animais (banha e manteiga) por leos vegetais; modernizao da agricultura, com a introduo de mquinas e insumos da revoluo verde; alm do estabelecimento de um importante parque industrial de processamento de soja que influenciou o estabelecimento do seu cultivo no Sul do pas47.

    J a regio Central do Brasil passou a ser cultivada com soja em meados dos anos

    1970 e, principalmente a partir da dcada de 1980, passou a ser beneficiada por fatores tais como incentivos fiscais disponibilizados para a abertura de novas reas de produo agrcola, assim como para a aquisio de mquinas e construo de silos e armazns; baixo valor da terra na regio; desenvolvimento de um pacote tecnolgico para a produo de soja nesta rea, com destaque para as novas cultivares adaptadas ao seu clima e solo48; topografia altamente favorvel mecanizao; melhorias no sistema de transporte, com o estabelecimento de corredores de exportao; bom nvel econmico e tecnolgico dos produtores de soja, que oriundos do Sul do pas, em sua maioria, j cultivavam soja com sucesso49.

    Contudo, foi apenas a partir da dcada de 1990 que a produo de soja no Brasil

    passou a ter uma grande importncia econmica e poltica e efetivamente ganhou espao,

    45 A chamada Operao Tatu no RS, realizada em meados dos anos 1960. 46 O mercado internacional estava em alta, principalmente em meados dos anos 1970, em resposta frustrao da safra de gros na Rssia e China, assim como da pesca da anchova no Peru, cuja farinha era amplamente utilizada como componente protico na fabricao de raes para animais, substitudo posteriormente pelo farelo de soja (EMBRAPA. A Soja no Brasil. Sistema de Produo, n. 1, 2004. Disponvel em . Acessado em nov. 2005). Alm destes fatores a elevao do preo internacional da soja se deu neste perodo pelo embargo dos Estados Unidos s exportaes de soja e derivados para a Unio Europia, tentando assim, controlar a inflao do pas (BRUM, 2004). 47

    EMBRAPA. A Soja no Brasil. Sistema de Produo, n. 1, 2004. Disponvel em . Acessado em nov. 2005. 48 Em 1975 houve a criao da EMBRAPA Soja, que patrocinaria, j a partir do ano seguinte, a instituio do Programa Nacional de Pesquisa de Soja, cujo propsito foi o de integrar e potencializar os isolados esforos de pesquisa com a cultura espalhados pelo sul e sudeste. Alm do programa de pesquisa da EMBRAPA Soja localizado no Paran, outros programas de pesquisa com a cultura estabeleceram-se nessa mesma dcada pelo Brasil afora: Universidade Federal de Viosa e Epamig, em Minas Gerais; Emgopa, em Gois; EMBRAPA Cerrados, no Distrito Federal; Coodetec, Indusem e FT-Sementes, no Paran; Fundacep, no RS, e EMBRAPA Agropecuria Oeste e Empaer, no Mato Grosso do Sul (EMBRAPA. A Soja no Brasil. Sistema de Produo, n. 1, 2004. Disponvel em . Acessado em nov. 2005). 49

    EMBRAPA. A Soja no Brasil. Sistema de Produo, n. 1,