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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X XAMANISMO FEMININO YAWANAWA: TRANSFORMAÇÃO DE UM CORPO FEMININO EM CORPO DE PAJÉ Cynthia Inés Carrillo Sáenz 1 Resumo: O exercício da prática xamânica é, entre os Yawanawa, tradicionalmente, uma atividade exclusivamente relacionada ao âmbito masculino, onde os processos de iniciação e aprendizagem abrangem aspectos muito amplos, tais como a aquisição de capacidades específicas no corpo e transformação corporal através de dietas, restrições e consumo de substâncias específicas que dizem respeito de um vir a ser numa pessoa habilitada para desempenhar uma função específica dentro da sociedade, a saber, o xamã. Neste trabalho, baseado em pesquisa de campo junto ao povo Yawanawa, o processo de aprendizagem ritual é abordado como uma transformação, onde a corporalidade tem um papel fundamental. Com a inserção, há pouco menos de duas décadas, de Hushahu e Putanny, duas mulheres a serem as primeiras iniciadas na pajelança Yawanawa, foi aberto o caminho do xamanismo feminino, onde as especificidades do corpo feminino e seus atributos culturais dão lugar a novas relações, significados e especificidades no exercício da prática xamânica Yawanawa, tais como o fortalecimento da cultura através do canto feminino nos rituais de pajelança, das pinturas corporais e produção de artefatos. Palavras-chave: Xamanismo feminino Yawanawa, transformação corporal Os Yawanawa são um grupo étnico pertencente ao tronco linguístico Pano, grupo ao qual pertencem também os Huni Kuin (ou Kaxinawa), Yaminawa, Shanenawa, Kuntanawa, Katukina, Shipibo-Conibo, Matsés, dentre outros. ‘Yawanawa’, literalmente, significa ‘o povo da queixada’, onde yawa = queixada e nawa = povo 2 (Lagrou, 1991; Pérez Gil, 1999; Carid Naveira, 1999; Calávia Saéz, 2002). Os Yawanawa habitam a Terra Indígena do Rio Gregório, no município de Tarauacá, no Acre, distribuídos em diversas aldeias à margem do mesmo, e contam com uma população de aproximadamente 650 pessoas (Oliveira, 2012). Dentre os Yawanawa, assim como nas sociedades ameríndias, de modo geral, a noção de pessoa, assim como o corpo, como local de perspectivas, ocupa um lugar central na cosmologia (Seeger et all., 1979), de modo que, compreendermos o que é ‘ser uma pessoa Yawanawa’, ou, para o foco específico deste trabalho, a compreensão do que seja ‘ser uma mulher Yawanawa’ ou ‘ser uma pajé Yawanawa’, passa necessariamente pela compreensão do que seja ‘ter (ser) um corpo de mulher Yawanawa’ ou ‘ter (ser) um corpo de pajé Yawanawa’. 1 Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. 2 A palavra nawa também é usada para designar o ‘estrangeiro’, ou branco.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

XAMANISMO FEMININO YAWANAWA: TRANSFORMAÇÃO DE UM CORPO

FEMININO EM CORPO DE PAJÉ

Cynthia Inés Carrillo Sáenz1

Resumo: O exercício da prática xamânica é, entre os Yawanawa, tradicionalmente, uma atividade exclusivamente

relacionada ao âmbito masculino, onde os processos de iniciação e aprendizagem abrangem aspectos muito amplos, tais

como a aquisição de capacidades específicas no corpo e transformação corporal através de dietas, restrições e consumo

de substâncias específicas que dizem respeito de um vir a ser numa pessoa habilitada para desempenhar uma função

específica dentro da sociedade, a saber, o xamã. Neste trabalho, baseado em pesquisa de campo junto ao povo

Yawanawa, o processo de aprendizagem ritual é abordado como uma transformação, onde a corporalidade tem um

papel fundamental. Com a inserção, há pouco menos de duas décadas, de Hushahu e Putanny, duas mulheres a serem as

primeiras iniciadas na pajelança Yawanawa, foi aberto o caminho do xamanismo feminino, onde as especificidades do

corpo feminino e seus atributos culturais dão lugar a novas relações, significados e especificidades no exercício da

prática xamânica Yawanawa, tais como o fortalecimento da cultura através do canto feminino nos rituais de pajelança,

das pinturas corporais e produção de artefatos.

Palavras-chave: Xamanismo feminino Yawanawa, transformação corporal

Os Yawanawa são um grupo étnico pertencente ao tronco linguístico Pano, grupo ao qual

pertencem também os Huni Kuin (ou Kaxinawa), Yaminawa, Shanenawa, Kuntanawa, Katukina,

Shipibo-Conibo, Matsés, dentre outros. ‘Yawanawa’, literalmente, significa ‘o povo da queixada’,

onde yawa = queixada e nawa = povo2 (Lagrou, 1991; Pérez Gil, 1999; Carid Naveira, 1999;

Calávia Saéz, 2002).

Os Yawanawa habitam a Terra Indígena do Rio Gregório, no município de Tarauacá, no

Acre, distribuídos em diversas aldeias à margem do mesmo, e contam com uma população de

aproximadamente 650 pessoas (Oliveira, 2012).

Dentre os Yawanawa, assim como nas sociedades ameríndias, de modo geral, a noção de

pessoa, assim como o corpo, como local de perspectivas, ocupa um lugar central na cosmologia

(Seeger et all., 1979), de modo que, compreendermos o que é ‘ser uma pessoa Yawanawa’, ou, para

o foco específico deste trabalho, a compreensão do que seja ‘ser uma mulher Yawanawa’ ou ‘ser

uma pajé Yawanawa’, passa necessariamente pela compreensão do que seja ‘ter (ser) um corpo de

mulher Yawanawa’ ou ‘ter (ser) um corpo de pajé Yawanawa’.

1 Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. 2 A palavra nawa também é usada para designar o ‘estrangeiro’, ou branco.

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Para tal efeito é necessário fazermos umas considerações iniciais. Baseado no estudo de

diversas etnografias amazônicas, o perspectivismo, noção elaborada por Viveiros de Castro, propõe

que, diferentemente da cosmovisão evolucionista ocidental, onde haveria uma origem animal

comum e uma humanidade cultural diferencial, isto é, uma natureza comum e diversas culturas; a

cosmovisão ameríndia, em oposição, consideraria uma humanidade original e uma animalidade

diferencial, ou seja, uma humanidade comum e diversas naturezas, onde o corpo (os diferentes

corpos, sejam humano, de onça, de macaco, de jibóia, etc.) seria o ponto a partir do qual o mundo se

organiza de formas (perspectivas) diferentes. Assim, os corpos animais seriam uma espécie de

roupa ou envelope que esconderia uma essência espiritual humana, num mundo altamente

transformacional. (Viveiros de Castro, 1996)

Nesta abordagem, o xamã ou pajé, é uma espécie de mediador e tradutor entre os diversos

mundos ou perspectivas (Carneiro da Cunha, 1998; Viveiros de Castro, 1996), pela sua capacidade

de assumir diversos pontos de vista e de estabelecer relações com os seres de outros mundos não-

humanos.

É preciso, também, compreender aqui o corpo a partir da visão ameríndia, onde o mesmo,

para além de ser considerado apenas como um organismo biológico, está dotado de um princípio

espiritual, pois está constituído de substâncias portadoras de yuxin3, como a sede das capacidades e

do conhecimento da pessoa. Dado que toda matéria está permeada de yuxin, corpo material e

espírito estão longe de serem dois aspectos separados. Nesse sentido, o corpo é considerado como

“locus of the construction of sociality” (McCallum, 1996: 350), onde a trama das relações sociais

incluem humanos e não-humanos.

O corpo Yawanawa

Antes de abordarmos propriamente a noção de corpo, é necessário compreendermos os

significados de yuxin. Yuxin, conforme usado acima, entende-se como “um princípio vital que

permeia toda a realidade, e do qual participam todos os seres, animados e inanimados (pedras,

água...) que povoam o universo” (Peres Gil, 1999: 53). Contudo, esta noção não deverá ser mal

interpretada, pois, segundo Lagrou, devemos entende-la a partir de “uma visão que não considera o

espiritual (yuxin) como algo sobrenatural e sobre-humano, localizado fora da natureza e fora do

humano” (Lagrou, 1998; 28), mas a partir de uma visão em que existe “um universo de múltiplos

3 Neste contexto; força vital que permeia todos os seres e os dota de características próprias (Peres-Gil,2001). O termo

será explicitado no próximo subtítulo.

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níveis, onde a realidade visível supõe sempre outra invisível” (Langdon, 1996: 27). Ainda, o

tránsito entre estes diversos níveis ou perspectivas é frequente nas narrativas míticas Yawanawa,

geralmente a partir do uso de algum tipo de substância de origem vegetal ou animal.

Para Townsley, yuxin não é apenas a força que anima os seres vivos, mas também aquilo

que define suas características particulares (Townsley, 1988; 65). Assim, yuxin também é usado

para designar os diversos seres personificados que habitam o universo. Alguns são nomeados como

conjunto4, outros como seres personificados que aparecem nas narrativas míticas, e outros são

associados a elementos da natureza5. Existem, ainda, os yuxin das doenças6.

Tendo em vista isso, vejamos agora os componentes do corpo Yawanawa. Segundo Peres

Gil, o corpo Yawanawa está composto por um corpo material (yura) e várias essências de caráter

espiritual, sendo estas: o huru yuxin, ou espírito dos olhos, que se desprende temporariamente da

pessoa durante o sono para perambular no mundo dos yuxin, desprendendo-se definitivamente no

momento da morte; o nia vaka, ou sombra; e o isun yuxin, ou espírito da urina. As relações entre

todos esses componentes do corpo são muito estreitas e o que acontece com um deles afeta os

outros (Peres Gil, 2001).

É nessa perspectiva de interação com os yuxin que podemos compreender melhor os

processos tradicionais Yawanawa, e dos grupos Pano, de modo geral, de formação do corpo, tais

como os resguardos e dietas que evitam certos alimentos em momentos específicos da vida. Por

exemplo, durante a gravidez, as mulheres evitam consumir alimentos cujo yuxin, possa ser

incorporado pela mãe e/ou pela criança. Assim, a mãe evitará o consumo de carne de jabuti7, pois é

um animal que fica dentro do casco e ao ser caçado sangra muito, para evitar que a criança ‘se

esconda’ na hora de nascer e para evitar o risco de sangramento excessivo no parto; evitará também

a carne de macaco para que a criança não adquira a característica física da cabeça miúda do animal,

ou a carne de veado para evitar que a criança tenha pescoço longo como o animal8. (Lagrou, 1998;

McCallum, 2001; Haibara, 2016; Peres Gil, 2001)

4 Como os huru yuxinhu e os nai yuxinhu, que ocupam diferentes camadas do céu (Peres Gil, 2001: 54) 5 Como por exemplo, os nii yuxinhu, waka yuxinhu, meshkiti yuxinhu, kapa yuxinhu, tua yuxinhu, suya yuxinhu, yawixi

yuxinhu, respectivamente, espírito(s) da mata, da água, da pedra, do quatipuru, da jia, do rato, e do tatu. 6 Yuxin de conotação ambivalente, que podem provocar doenças por vingança pela quebra de algum resguardo ou norma

de conduta esperada dos humanos. 7 Neste mesmo grupo se encontram a carne de tatu, jacaré e porco da mata, por causarem um parto demorado e

doloroso. 8 Para mais restrições alimentares e sistema de saúde Yawanawa consultar Peres Gil (2001).

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Como vimos aqui, os processos de formação do corpo, assim como os resguardos e

restrições alimentares tem como pano de fundo a interação com os yuxin e a cosmovisão

Yawanawa, formando parte do modo de ser e da constituição da pessoa Yawanawa.

Ser Mulher Yawanawa

McCallum (1999), em seu estudo junto aos Kaxinawa, retoma a hipótese de Gow (1991)9,

desenvolvida em seu trabalho no Baixo Urubamba, no Peru, de que a organização social está

atrelada aos processos 'generizados' (gendered) envolvidos na produção, na reprodução, na

distribuição e na troca. As mulheres colhem e cozinham a mandioca, fazem a caiçuma10 e a

distribuem, assim como são responsáveis pelo cozimento dos vegetais e carne crus e sua

transformação em alimentos cozidos; enquanto os homens trabalham a terra, caçam e pescam,

sendo responsáveis por fornecerem os alimentos crus que as mulheres transformarão em alimentos

cozidos. A relação homem-mulher é central no processo social, tendo como base as capacidades dos

homens e das mulheres para produzirem e reproduzirem sua 'agência' (agency). Para a autora, o

fundamento do mundo social está na relação entre as agências masculina e feminina, intimamente

ligadas entre si, junto aos processos de produção, distribuição e consumo; e o de sexo, procriação e

reprodução, ambos baseados no corpo humano. Assim, a construção do corpo e a construção das

pessoas adultas constituem o fundamento da organização social Kaxinawá, onde construir o corpo

envolve inscrever diferenças em forma de gênero. (McCallum, 1999; 2001)

Aqui as agências masculina e feminina são entendidas como dois tipos de agência humana,

onde os homens e mulheres constituem dois tipos diferentes de seres humanos. Um corpo de

mulher, que é formado desde a infância e, principalmente, a partir da menarca, através de um tipo

de socialidade específica para o gênero feminino, junto à sua avó materna, torna-se apto a

manifestar sua agência feminina, isto é, desempenhar as atividades que as mulheres realizam. O

processo de formação da agencia feminina passa pelo aprendizado das atividades relacionadas à

alimentação, transformação dos alimentos crus em cozidos, transformação do sangue cru

(menstruação) em crianças (‘cozidas’ em seus úteros), produção de fios e posteriormente tecelagem

com desenhos (kenes11). O processo de aprendizagem feminino se dá dentro da comunidade, em

estado de atenção consciente. Por sua parte, os homens, aprendem a agência masculina, isto é, a

9 GOW, Peter. Of mixed blood: Kinship and history in Peruvian Amazonia. Oxford: Clarendon. 1991. 10 Bebida feita a partir da mandioca mastigada pelas mulheres (mais comum entre os Yawanawa), ou a partir do milho

e/ou amendoim (mais comum entre os Kaxinawa). 11 Os kenes são considerados pelas mulheres Kaxinawa como a escrita verdadeira (McCallum, 1999)

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realizar atividades de caça, pesca e trabalho na roça, não somente em estados conscientes, mas

também em estados de consciência alterados através do uso de substâncias amargas e/ou

alucinógenas como o nixi pãe12, kapum13, tabaco e através de viagens pela floresta ou viagens

proporcionadas pelo uso de tais substâncias. O corpo masculino distancia-se, assim, estabelecendo

relações com o mundo exterior à aldeia (rio, floresta, contato com o mundo dos yuxin

proporcionado pelo uso de substâncias alucinógenas), enquanto o corpo feminino tem seu campo de

agência nas atividades de produção no interior da aldeia, as quais aprende com relativa imobilidade

junto à avó materna. (McCallum, 1999; 2001)

Esta noção, aplicada ao caso Yawanawa explicaria a diferença nominal entre o termo que

define a tsauihu, esposa principal14, que atua como uma espécie de líder feminino. Tsauihu significa

‘dona do assento’, em contraposição e complementariedade ao nome usado para designar líder

masculino que é niaihu, ‘o que fica em pé’ (Peres Gil, 2001).

Ambas, a agência feminina e a masculina, se complementam. Os homens precisam da

agência feminina para consumirem o produto de sua caça e pesca, assim como as mulheres

precisam da agência masculina para produzirem uma refeição completa (McCallum, 1999).

Como vimos, ser mulher, ou homem Pano, significa exercer uma agência feminina ou

masculina, respectivamente. Ser mulher Yawanawa, significa ter um corpo de mulher com agência

feminina e realizar as atividades consideradas do domínio feminino.

Contudo, essa agência, que é impressa no corpo a partir de longos e específicos processos de

formação, seria plausível de transformação, como veremos na história a seguir, que segundo meus

informantes, trata-se de um fato real que aconteceu no passado.

A História do homem que se transformou em mulher15

Antigamente o machado era de pedra e era muito difícil cortar com ele. Tinha um

homem que era muito devagar. Um dia foram todos os homens cortar um toco muito

grande. Ele ia atrás de todos os homens, bem devagarinho e não conseguia cortar

nada de lenha. Então ele falou: “Essa não é vida para mim”, e foi para casa e se

12 Ayahuasca, bebida alucinógena de uso tradicional dos povos Pano, inclusive os Yawanawa, que a conhecem como

uni. 13 Resina extraída da rã com o mesmo nome, que tem um efeito vomitivo purgante. 14 A poligamia foi, no passado, uma prática comum entre os grupos pano, sendo que ainda existem alguns casos de

homens, principalmente líderes, casados com mais de uma esposa. A poligamia feminina aparece somente em algumas

narrativas míticas Yawanawa. 15 Contada por Ina Yawanawa e recolhida em meu caderno de campo durante imersão realizada na Aldeia Mutum em

fevereiro de 2016.

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vestiu de mulher e começou a fazer coisas de mulher, fazia comida e era muito ágil,

mastigava caiçuma, fazia beiju, fazia artesanato. Antigamente moravam todos num

shuhu16 grande e quando era a hora do café, enquanto muitas mulheres ainda

estavam meio devagar, ele chegava e já oferecia comida e caiçuma para os maridos.

Até teve alguns homens que deixaram suas mulheres por ele. (INA YAWANAWA

em comunicação oral em campo em fevereiro de 2016)

Na história do homem que se transformou em mulher existem dois aspectos cruciais para

entendermos o lugar da mulher na cosmovisão Yawanawa17. O primeiro aspecto é, como vimos

anteriormente, a relação intrínseca que existe entre gênero feminino e agência feminina, e gênero

masculino e agência masculina. Isto é, se é (ou se torna) mulher Yawanawa quando se desempenha

as funções consideradas do domínio feminino. O mesmo se aplicaria ao caso masculino, a pesar de

não existirem registros de uma história ou narrativa Yawanawa em que uma mulher se transforme

em homem. O segundo aspecto é, considerando o exposto anteriormente, o corpo – e sua agência,

características particulares, e yuxin – é considerado uma ‘roupa’ que abrigaria uma essência

espiritual, dentro de um mundo altamente transformacional. Assim, as transformações ocorreriam

quando, por meio de transformações no corpo, entenda-se, na sua agência, características

particulares e yuxin, esse corpo passaria a adquirir capacidade para exercer outra agência,

características particulares e yuxin.

É nesse sentido que consideramos a aprendizagem xamânica como uma transformação, que

transforma um corpo feminino, ou masculino, cada um com sua agência, características particulares

e yuxin, em um corpo de pajé, um corpo que exerce outro tipo de agência. Neste trabalho

analisaremos apenas o caso específico das mulheres aprendizes de pajé Yawanawa.

Xamanismo amazônico Yawanawa

O xamã, ou pajé, é entendido como "mediador entre os domínios humano e extra-humano"

(Langdon, 1996; 29).

Segundo Perez-Gil (2001), existem, entre os Yawanawa, várias classificações de xamãs,

dependendo dos conhecimentos que os mesmos adquirem através de dietas e iniciações. Os

16 Edificação de madeira com telhado de palha, geralmente localizada num ponto central da comunidade e onde

acontecem eventos comunitários. 17 Não será possível abordar aqui todos os aspectos relacionados ao gênero entre os Yawanawa. Maiores referências

sobre gênero entre os Kaxinawa encontram-se em McCallum (1999; 2001).

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niipuya18 são sabedores do uso das plantas da mata (rau19); os xinaya, literalmente ‘aquele que tem

pensamento’, se refere, em geral, às pessoas que praticam a técnica da reza (shuãka); e os tsimuya,

que literalmente significa ‘aquele que tem o amargo’, faz referência a esta categoria gustativa tão

importante no xamanismo Pano. Entre vários grupos dessa família linguística, como os Kaxinawa

(Lagrou, 1998) o poder xamânico está associado ao ‘amargo’, de forma que, a introdução de

substâncias classificadas sob esta categoria é imprescindível para que o xamã adquira e desenvolva

seu poder.

Dentre os Yawanawa, alguns processos estão presentes (não necessariamente na mesma

ordem ou intensidade) em todos os relatos de iniciação xamânica, e inclusive em várias narrativas

míticas: a memorização de boa quantidade dos saberes (rezas, cantos de cura e uso de plantas); a

ingestão de substâncias alucinógenas; a realização de resguardos rigorosos; e, por fim, a superação

de certas provas. O aprendiz deve cumprir uma dieta, a qual reduz drasticamente a quantidade de

alimentos que podem ser ingeridos, elimina o consumo de alimentos doces e permite apenas beber

bebidas azedas, como a caiçuma20 (bebida fermentada de mandioca), e substâncias amargas como

uni (ayahuasca21), rarë (muká22), rume23 (tabaco), yutxi (pimenta) e xupa24 (datura). Como vimos

anteriormente, o mundo humano Yawanawa é constantemente afetado pela ação dos yuxin,

pertencentes ao mundo não-humano. Assim, o xamã é aquele que acentua sua natureza yuxin

através da transformação de seu yura (corpo), permitindo-lhe transitar entre os diferentes domínios

do cosmos. Segundo Peres Gil (2001), se o que têm em comum os diferentes seres que o habitam é

precisamente a possessão de yuxin, o que permitiria a aproximação do pajé a estes outros seres seria

esta transformação do corpo.

Dessa forma, a ligação que estabelece o iniciando durante o período de aprendizado com o

mundo dos yuxin e dos antepassados através dos sonhos e das visões é de grande importância se

consideramos que uma das fontes de poder do pajé é sua capacidade para lidar com esse mundo. Da

mesma forma, o pajé transita entre o domínio humano e aquele dos yuxin realizando a

18 Nii = mato, floresta; niipu = plantas do mato 19 Termo comumente traduzido pelos Yawanawa como ‘remédios da mata’. 20 A caiçuma é preparada exclusivamente pelas mulheres, e faz parte do conjunto de ações da agência feminina Pano. 21 Bebida enteôgena composta pela fervura de duas plantas: o cipó Banisteriopsis caapi, conhecido também como

jagube ou ayahuasca, e a folha Psychotroia viridis, conhecida também como chacrona ou rainha, usada

tradicionalmente pelos grupos Pano. 22 Raíz amarga consumida pelos aspirantes a pajé durante sua iniciação xamânica. 23 Rume significa tabaco, contudo neste contexto o termo se refere à forma como o mesmo é consumido ritualmente

pelos Yawanawa: pó de tabaco misturado com a cinza de uma árvore amazônica conhecida como tsunu. A mistura é

comumente chamada de rapé. 24 Planta usada ritualmente pelos antigos iniciados do xamanismo Yawanawa, sendo seu uso desconhecido hoje em dia.

Peres Gil identificou a planta como uma espécie de datura. (Peres Gil, 2001)

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intermediação necessária entre um e outro. Conforme relatado em diversos mitos Yawanawa,

alguns dos protagonistas dos mesmos se vêem envolvidos num processo que os leva a mudar sua

pessoa, através da ingestão de certas substâncias (uni, yutxi, rume, xupa) e da abstinência de outras

(alimentos pesados, doce e água), e assim a aproximar sua natureza à dos yuxin.

A iniciação está ligada ao sofrimento (resguardos rigorosos, esforço para memorizar longas

rezas, superar o cansaço e limitações físicas), à ingestão de substâncias tsimu (amargas), à memória,

e à familiarização com o mundo dos yuxin, com o qual se estabelecem contatos contínuos. Tudo isto

desemboca na transformação do corpo de quem se inicia nas práticas xamânicas. Este corpo

‘incorpora’25 (‘torna corpo’ ou ‘faz corpo’) uma série de características físicas associadas ao poder,

eliminando o doce e ingerindo substâncias amargas e azedas. Para Lagrou, esta mutação do corpo é

possível precisamente se consideramos que as substâncias amargas são meios de ação do yuxin

(Lagrou, 1998: 146).

Da mesma forma Townsley considera que se converter em xamã "is a question of being

transformed in a substantive way[...] The common feature of all the iniciations procedures is the

taking into the body of substances of other creatures or plants. With the substance, something of

their essence, or yoshi, is ingested and it is this essences which becomes part of the initiate”

(Townsley, 1988: 133).

Portanto, o poder do xamã está intimamente ligado à sua capacidade de transformar sua

pessoa-corpo e nela incorporar características que o aproximem dos yuxin com quem deseja adquirir

conhecimento e/ou poder, assim como de estabelecer relações com o mundo dos yuxin. Tal

transformação implica na modificação da relação entre o corpo e a essência espiritual da pessoa,

sendo que o corpo parece ser negligenciado, através de restrições alimentares e comportamentais

(abstinência sexual e social); em favor do espírito, através da ingestão constante de substâncias que

colocam o xamã em relação com o domínio dos yuxin. (Peres Gil, 2001:43-44).

Isto dito, analisaremos agora o xamanismo feminino. Como vimos acima, o que define 'ser

mulher Yawanawa' está relacionado à sua capacidade de agência, realizando atividades produtivas e

sociais dentro da cosmovisão da complementariedade feminino-masculina. Assim, é esperado que

as mulheres realizem atividades consideradas parte do âmbito da agência feminina, como dito

acima, transformação de alimentos crus em cozidos, gestação, produção de tecelagem e desenhos

kene. O âmbito de agência feminina é, por excelência, dentro da comunidade, no cotidiano, e não

nas relações inter-mundos, pois, como vimos, seu corpo não teria sido preparado para desempenhar

25 Esta abordagem tem relação com o conceito de enskilment de Tim Ingold (2001) e da aprendizagem como gênese de

Carlos Sautchuk (2015).

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as funções xamânicas que implicam nessas capacidades. De fato, tanto nas etnografias dos grupos

Pano, como nos relatos nativos, são raros os exemplos de mulheres xamãs. Entre os Yawanawa, o

xamanismo era uma atividade do domínio exclusivamente masculino, até a iniciação de Hushahu e

Putany, inaugurando, assim, a possibilidade da iniciação xamânica feminina Yawanawa. Mesmo

não havendo exemplos anteriores de mulheres iniciadas, as concepções de corpo, agência e

transformação mostradas acima, nos dão indícios de que o exercício da prática xamânica por parte

das mulheres, se bem, não seria esperado ou óbvio, não seria tampouco impossível, desde que a

mulher adquirisse as capacidades de agência xamânica e neutralizasse a agência feminina

incorporada no seu corpo; ou, dito de outra forma, a mulher poderia exercer a função de xamã desde

que ela transformasse seu corpo feminino em um corpo de pajé.

Sobre xamanismo feminino, o trabalho desenvolvido por Colpron (2005) demonstra como as

mulheres Shipibo-Conibo, grupo amazônico pertencente ao tronco linguístico Pano, podem adquirir

poderes xamânicos consideráveis quando se iniciam junto a certos vegetais ou animais poderosos, e

como podem intervir em domínios correntemente considerados masculinos, na área amazônica, e

que frequentemente são também associados ao exercício xamânico: a sedução, a caça e a agressão.

As relações estabelecidas com os seres extra-humanos seriam possibilitadas por um trabalho

corporal constante, onde o ambiente modela o corpo humano a ponto de torná-lo similar àquele dos

seres da floresta. Assim, o xamanismo Shipibo-Conibo não opõe homem e mulher de maneira

dicotômica, oposição que é recorrente nas etnografias amazônicas. Ainda mais importante que as

diferenças biológicas é a ação sobre o corpo, a sua possibilidade de transformação ou manejo, que

permitem uma identificação com os seres da floresta independentemente do sexo do iniciado.

Dessas transformações deriva a possibilidade de praticantes femininas (Colpron, 2005).

A transformação

Eu não sou mais mulher... quer dizer... sou, mas não sou. (Hushahu Yawanawa em comunicação oral em 2014).

Hushahu, hoje com 38 anos, iniciou sua formação para se tornar pajé há pouco menos de

duas décadas. Desde a adolescência manifestou interesse por acessar os conhecimentos relacionados

às práticas xamânicas do seu povo, conhecimentos que, por ser mulher lhe eram vetados por

tradição. Segundo Hushahu, nunca antes mulher alguma tinha passado pelo ritual de iniciação

xamânico, e muitos acreditavam que ela morreria se o fizesse, por assumir que o corpo feminino

não é preparado para esse tipo de iniciação, que, como vimos acima, além do risco que implicam os

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processos de isolamento, dietas e o consumo de substâncias alucinógenas; a iniciação xamânica

distoava do que dentro da visão de mundo Yawanawa faz parte da agência feminina, do ‘ser

mulher’. Após ter passado por inúmeras provas, que totalizaram 5 anos, os anciões permitiram a

iniciação de Hushahu, e sua irmã Putanny, quem, a duas semanas da iniciação da Hushahu, resolveu

acompanhá-la e passar junto a ela por todo o processo. Ambas passaram pelas dietas iniciáticas,

restrições e tratamentos com plantas medicinais e alucinógenas rarë, uni, rume, yutxi, com o

objetivo de se prepararem e adquirirem poder e capacidades xamânicas. Assim, as irmãs

inauguraram uma quebra na tradição que até então vetava a iniciação xamânica às mulheres.

Durante o resguardo, Hushahu, nas suas viagens pelo mundo dos yuxin e contato com esses seres da

floresta, desenvolveu grandes habilidades relacionadas ao xamanismo, adaptando os saitis ou cantos

rituais à voz feminina, dando aos rituais Yawanawa a configuração que eles têm hoje, onde se

destaca a potência da voz feminina e sua melodia nos cantos. Hushahu, ainda, desenvolveu

capacidades artísticas de pintura onde plasma suas experiências de contato com os yuxin, assim

como inaugurou um forte momento de revitalização cultural através da confecção de artesanatos em

miçanga e pinturas corporais com os kenes que ela recebe dos yuxin em visões durante sua

iniciação.

A transformação de Hushahu em pajé, inaugura um campo de agência para além do campo

exclusivamente feminino, e para além do campo exclusivamente xamânico. A agência feminina,

neste caso, através da produção de artefatos e pinturas corporais é ampliada e modificada. Os

processos de aprendizagem generizados, como vimos acima, onde as mulheres aprendem as

pinturas e artesanatos, é predominantemente em estado de vigília consciente. A agência feminina se

vê ampliada a partir da iniciação xamânica de Hushahu, que traz o elemento do estado alterado de

consciência para a aprendizagem e realização das pinturas e artesanatos. Por outro lado, também os

processos de aprendizagem xamânicos se transformam com a iniciação de Hushahu, inaugurando a

participação do canto feminino, trazendo melodia e harmonia ao ritual, permeando de aspectos

femininos o que até então constituía um âmbito da relação pajés-yuxin apenas acessado pelos

homens. Ambos processos de aprendizagem e agências se misturam e se confundem, ampliando-se

mutuamente.

É nesse sentido que entendemos as palavras de Hushahu citadas no início deste subtítulo,

quando ela afirma ‘não ser mais mulher, sendo mulher’, ‘sou mas não sou’. Um corpo de mulher

que se transformou em corpo de pajé com características particulares diferenciadas dos iniciados

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masculinos. Um corpo de pajé que se permeou de características femininas, inaugurando uma nova

forma de agir no mundo xamânico.

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Feminine Yawanawa xamanism: Transformation of a female body into a paje body

Astract: The exercise of the practice of xamanism is, tradicionally, among the Yawanawa people,

an activity which is exclusively related to the masculine ambit, where the apprenticeship and

iniciation processes comprehend very wide aspects, such as the acquisition of specific habilities in

the body and corporal transformation through diets, restrictions and the ingestion of specific

substances which tell about becoming an able person to perform a specific function in society, that

is, a xaman. In this work, based on field research among the Yawanawa people, the ritual

apprenticeship process is approached as a transformation, where corporality plays an important role.

With the insertion, a little shorter than two decades ago, of Hushahu and Putanny, the two first

women who were iniciated in Yawanawa xamanism, the path to feminine xamanism was opened,

where the specifities of the feminine body and its cultural meanings give place to new relations,

significances and specifities in the exercise of the Yawanawa xamanism practice, such as the

strengthening of the culture though the feminine chanting in the rituals of pajelança, of corporal

paintings and of handcraft production.

Keywords: Feminine Yawanawa xamanism, corporal transformation