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PROCESSO Nº: 0802595-46.2015.4.05.8500 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AUTOR: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECCAO DO ESTADO DE SERGIPE-OAB/SE ADVOGADO: Cynthia Oliveira Aragao e outros RÉU: UNIÃO FEDERAL e outro 3ª VARA FEDERAL - SE (JUIZ FEDERAL TITULAR) EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS RATIFICADOS E INTERNALIZADOS PELO BRASIL. SISTEMA CARCERÁRIO NACIONAL. MEDIDAS EMERGENCIAIS DE MELHORIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO MÍNIMO EXISTENCIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DOS PEDIDOS. QUESTÕES PRELIMINARES REJEITADAS. PREVISÃO DE DOTAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS ESPECÍFICAS PARA CONSTRUÇÃO, REFORMA E APERFEIÇOAMENTO DOS SISTEMAS CARCERÁRIOS ESTADUAIS. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL. LC Nº 79/1994, COM AS MODIFICAÇÕES IMPLEMENTADAS PELA LEI Nº 13.500/2017. ESTADO DE SERGIPE. CALAMIDADE PÚBLICA DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS. NECESSIDADE IMEDIATA DE MELHORIAS. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. SENTENÇA I. RELATÓRIO O CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - OAB/SE ajuizou a presente Ação Civil Pública, em face do ESTADO DE SERGIPE, alegando, em resumo, o seguinte: "A Coordenadoria de Atividades Policiais e Políticas Penitenciárias, da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SE, realizou diversas inspeções nas delegacias do Estado de Sergipe, quais sejam, 1ª DM, 2ª DM, 4ª DM, 5ª DM, COPE e Regional de Itabaiana, entre o período de maio de 2014 até o dia 08 de agosto de 2015, nas quais constatou-se a situação de precariedade do sistema penitenciário do Estado de Sergipe.

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PROCESSO Nº: 0802595-46.2015.4.05.8500 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AUTOR: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECCAO DO ESTADO DE

SERGIPE-OAB/SE

ADVOGADO: Cynthia Oliveira Aragao e outros

RÉU: UNIÃO FEDERAL e outro

3ª VARA FEDERAL - SE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

RATIFICADOS E INTERNALIZADOS PELO BRASIL. SISTEMA CARCERÁRIO NACIONAL. MEDIDAS EMERGENCIAIS

DE MELHORIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO MÍNIMO EXISTENCIAL.

ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DOS PEDIDOS. QUESTÕES PRELIMINARES

REJEITADAS. PREVISÃO DE DOTAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS ESPECÍFICAS PARA CONSTRUÇÃO, REFORMA E

APERFEIÇOAMENTO DOS SISTEMAS CARCERÁRIOS ESTADUAIS. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL. LC Nº

79/1994, COM AS MODIFICAÇÕES IMPLEMENTADAS PELA LEI Nº 13.500/2017. ESTADO DE SERGIPE. CALAMIDADE

PÚBLICA DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS. NECESSIDADE IMEDIATA DE MELHORIAS. PROCEDÊNCIA DOS

PEDIDOS.

SENTENÇA

I. RELATÓRIO

O CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - OAB/SE

ajuizou a presente Ação Civil Pública, em face do ESTADO DE SERGIPE,

alegando, em resumo, o seguinte:

"A Coordenadoria de Atividades Policiais e Políticas Penitenciárias, da Comissão de

Direitos Humanos da OAB/SE, realizou diversas inspeções nas delegacias do Estado

de Sergipe, quais sejam, 1ª DM, 2ª DM, 4ª DM, 5ª DM, COPE e Regional de

Itabaiana, entre o período de maio de 2014 até o dia 08 de agosto de 2015, nas quais

constatou-se a situação de precariedade do sistema penitenciário do Estado de

Sergipe.

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Depreende-se do relatório dessas inspeções o seguinte panorama:

a) Superlotação;

b) Péssimas condições de higiene;

c) Sérios problemas estruturais e de segurança;

d) Custodiados alternando entre si para conseguirem dormir no chão;

e) Ausência de banho de sol;

f) Permanência de quase 24 horas dentro de celas;

g) Período de visitas praticamente inexistente, por tempo inferior a 5 minutos

semanais;

h) Alimentação que chega atrasada e por vezes estragada.

Posto isto, o supramencionado relatório fora remetido à Comissão de Direitos

Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional de Sergipe, através da

instauração do Processo Administrativo n° 716/2015, que, verificando a condição

atentatória aos direitos humanos, opinou pela necessária interdição das delegacias do

Estado de Sergipe.

Conforme dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (INFOPEN), de

2013, clarividente a falta de vagas no sistema na proporção de 1,8 presos/vaga.

Deste modo, inconteste a superlotação de todo o sistema prisional, à medida que o

número de presos nos locais supera duas vezes sua capacidade, tendo a média de 60

presos por unidade, ocasionando, consequentemente, o comprometimento da

integridade física dos custodiados, dos policiais e de todos aqueles que residem ou

laboram na região.

Esta situação propicia acontecimentos como o ocorrido em 06 de agosto de 2015, no

qual cerca de cem presos se rebelaram nas 2º e 10º Delegacias Metropolitanas,

havendo a tentativa de fuga em massa e tortura de alguns presos, conforme

documentação em anexo.

Ainda, não há no sistema prisional o mínimo de garantia de um meio ambiente

propício à subsistência, uma vez que não existe limpeza e higiene de forma regular,

ocasionando, consequentemente, a proliferação de diversas doenças.

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Outra situação preocupante é a de que existem inúmeros presos nas delegacias, com

decretação de prisão definitiva, ou seja, já existindo condenação com trânsito em

julgado. É sabido, no entanto, que as celas presentes nas delegacias só existem com o

objetivo de abrigar aqueles que estão presos transitoriamente, conforme resta

demonstrado no relatório das inspeções realizadas.

Apesar do conhecimento por toda a classe política e de haver a reivindicação de toda

sociedade, nenhum plano de melhoria foi efetiva e objetivamente elaborado, não

existindo, portanto, expectativa de melhoria alguma até o presente momento.

Desta feita, em atenção ao parecer elaborado pela supramencionada Comissão, o

Conselho Seccional da OAB de Sergipe deliberou em sessão, datada de 17 de agosto

de 2015, aprovando, por unanimidade, a propositura da presente Ação Civil Pública,

tendo em vista a situação precária nas penitenciárias do Estado, ocorrendo flagrante

violação aos direitos humanos.

Assim, em defesa dos interesses individuais homogêneos dos custodiados pelo Estado

de Sergipe, a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Sergipe vem propor a

presente Ação Civil Pública.

[...]"

Defendeu sua legitimidade ativa para a causa.

Citou, como fundamentos jurídicos: os arts. 4º, II, 5º, incisos III, XLVII, XLIX,

6º, 60, §4º, IV, 144, incisos e §§ 4º e 5º, da Constituição Federal; o art. 38 do

Código Penal; os arts. 1º, 12, 13, 84, §§ 1º, 3º e 4º, 85, 88, "b", 102 e 104,

todos da Lei de Execuções Penais, com as modificações trazidas pela Lei nº

13.167/2015; os arts. 1, 2 e 5, todos da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), internalizada pelo Decreto nº

678/1992; os itens 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 das Regras Mínimas para

tratamento dos presos estabelecidas pela ONU; e os arts. 9º e 10, da

Resolução nº 14, de 11/11/1994.

Estendeu regras constitucionais e infraconstitucionais atinentes ao direito

ambiental (CF, art. 225; Lei nº 6.938/1981, art. 3º, I) aos ambientes nos quais

os presos estão alocados nesta unidade da federação.

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Requereu:

"1) a concessão de medida liminar para determinar:

1. a interdição dos xadrezes das delegacias do Estado de Sergipe;

1. a obrigação de o Estado de Sergipe transferir todos os detentos para as cadeias

públicas (presos sem condenação) e presídios (sentenciados) mais próximos e que

ostentem condições mínimas aos reclusos, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00

(cinquenta mil reais), por preso ou sentenciado, a ser revertido ao Fundo de Defesa

dos Direitos Difusos, criado pelo art. 13 da Lei nº 7.347/85 e regulamentado pelo

Decreto nº 1.306/94;

1. a obrigação de o Estado de Sergipe disponibilizar vagas para todos os presos do

Estado de Sergipe, conforme as regras mínimas para tratamento dos recluso, adotadas

pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o

Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Genebra em 1955, e aprovadas pelo

Conselho Econômico e Social das Nações Unidas através das suas resoluções 663 C

(XXIV), de 31 de Julho de 1957 e 2076 (LXII), de 13 de Maio de 1977 e art. 88,

alínea b da Lei de Execuções Penais, seja por decisão cautelar ou definitiva, sob pena

de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por preso ou sentenciado, a ser

revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, criado pelo art. 13 da Lei n°

7.347/85 e regulamentado pelo Decreto n° 1.306/94.

2) a procedência da ação e condenação do Estado de Sergipe em obrigação de fazer e

de não fazer consistente na:

1. construção ou reforma das Delegacias de Polícia do Estado de Sergipe, a fim de

que possam atender de maneira digna aos presos transitórios, durante o tempo

necessário e razoável ao atendimento das diligências investigatórias, oferecendo

conforto, higiene e tratamento humano adequado, disponibilizando, nesses espaços,

catres individuais, banheiro compatível com a situação, respeitando-se a

individualidade e a higiene;

1. construção de cadeias públicas, com número de celas que possam atender à média

de presos provisórios, incluindo espaços para detentas do sexo feminino, no prazo

determinado judicialmente, de modo a atender as condições legais previstas na Lei N°

7.210/84 (Lei de Execuções Penais);

1. proibir a manutenção de pessoas presas nas delegacias de polícia do Estado de

Sergipe antes que as respectivas unidades atendam aos requisitos legais, que deverão

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ser verificados e atestados pelos órgãos públicos competentes, sob pena de

cominação de multa, com objetivo de evitar a renovação da atual situação

1. remover para o sistema penitenciário todos os presos condenados, com sentença

transitada em julgado, que estejam cumprindo pena nas delegacias de polícia do

Estado de Sergipe."

Pugnou, ainda, pela produção de todos os meios de prova em direito

admitidos, a citação do réu e a notificação do Ministério Público Federal.

Acostou documentos.

Em razão da alta complexidade da causa, determinei a notificação do

requerido para, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, manifestar-se sobre o

pedido de tutela antecipada, para só depois analisar este pleito liminar [ID

4058500.457325].

Em 17/11/2015 [ID 4058500.477606], o MPF se pronunciou sobre a demanda,

opinando pela urgência do caso e requerendo: a) a inclusão da União

(Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN) no polo passivo desta ação; e

b) a designação de audiência de conciliação, com urgência, intimando-se,

para participar dela, além das partes, as pessoas lá indicadas.

Os pleitos ministeriais foram deferidos em 27/11/2015 [ID 4058500.486219].

A parte autora aditou a exordial no dia 18/12/2015 [ID 4058500.510389],

pedindo a inclusão da União Federal no polo passivo desta demanda e, ao

final, a condenação dela a:

"financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do

Sistema Penitenciário Brasileiro com os recursos provenientes do FUNPEN; aplicar

os recursos para construção, reforma, ampliação e aprimoramento de

estabelecimentos penais, formação, aperfeiçoamento e especialização do serviço

penitenciário, implantação de medidas pedagógicas relacionadas ao trabalho

profissionalizante do preso e do internado, formação educacional e cultural do preso e

do internado e para os custos de sua própria gestão, excetuando-se despesas de

pessoal relativas a servidores públicos já remunerados pelos cofres públicos."

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Realizou-se audiência conciliatória no dia 16/12/2015 [ID 4058500.511756], na

qual ficou acordada a realização de inspeção judicial nos estabelecimentos

prisionais objeto desta ação.

A inspeção judicial ocorreu nos dias 18/01/2016 e 19/01/2016 [ID

4058500.539296].

Em 21/01/2016 [ID 4058500.532176], determinou-se a citação da União

Federal, que apresentou contestação no dia 11/03/2016 [ID 4058500.589206],

no seguinte sentido:

a) Em preliminar:

a.1) sua ilegitimidade passiva para a causa, sob a alegação de que lhe cabe,

exclusivamente, fomentar e financiar os projetos e convênios firmados em

matéria de segurança pública, sendo atribuição do Estado de Sergipe a

definição de prioridades públicas nessa área;

a.2) a impossibilidade jurídica do pedido, haja vista que a pretensão aqui

veiculada transborda a função jurisdicional do Poder Judiciário, consistindo

em mérito administrativo.

b) Sobre o mérito:

b.1) A destinação de recursos públicos para a implementação de políticas

públicas envolve tema eminentemente orçamentário e diz respeito à

competência do Poder Executivo e do Poder Judiciário, conforme dispõe o

Título VI, Capítulo II, Seção II, da Constituição Federal de 1988. Dessa forma,

não tem lugar a pretensão de destinação de recursos públicos somente a

partir da necessidade local da população carcerária do Estado de Sergipe.

b.2) No julgamento do RE nº 592.581/RS, o STF firmou a tese da importância

da ponderação entre a exigibilidade de providências imediatas por parte do

Poder Executivo, com a inversão de recursos para a melhoria do sistema

carcerário, e os limites orçamentários do gestor público. Sendo assim, não é

possível que a teoria da reserva do possível seja mera questão retórica. Por

isso é que a Lei de Execução Penal estabelece diversas instruções não

somente ao gestor público, mas também aos outros agentes do processo

criminal. Nessa seara, deve ser reconhecido que todos esses agentes falharam

no trato com as questões penitenciárias, exigindo, para a sua solução,

bastante ponderação a partir de complexo plano de trabalho.

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b.3) A proveniência e a destinação dos recursos do Fundo Penitenciário -

FUNPEN estão delineadas na Lei Complementar nº 79/1994, especialmente nos

seus arts. 2º e 3º. Havendo projetos que atendam aos ditames da destinação

desses recursos, cabe ao Estado de Sergipe encaminhá-los como proposta de

convênio, para fins de análise e concretização do contrato.

b.4) Entre 2010 e 2015, houve repasses do FUNPEN para o Estado de Sergipe,

por via dos Convênios 100/2010, 143/2011, 038/2012, 128/2014, 215/2015,

107/2015, 188/2015, 208/2015, bem como mediante Doações Diretas de

objetos. Ao todo, nesse período, foram repassados mais de 6 (seis) milhões de

reais do FUNPEN, para obras de reforma, construção e aparelhamento dos

estabelecimentos carcerários em Sergipe.

Pugnou pela improcedência dos pedidos autorais.

Juntou documentos.

Em 01/04/2016 [ID 4058500.607474], o MPF pediu a juntada de documentos.

Proferi decisão, no dia 08/05/2016 [ID 4058500.640023], deferindo o pleito

ministerial acima, a inclusão da União Federal no polo passivo desta ação e a

intimação do Estado de Sergipe para trazer aos autos os dados por ele

apresentados na audiência realizada em 16/12/2015.

No dia 28/06/2016 [ID 4058500.700358], foi certificado que o Estado de

Sergipe não juntou os documentos requisitados no dia 08/05/2016.

Em 30/06/2016 [ID 4058500.702944], o Parquet Federal requereu a intimação

da Procuradoria-Geral do Estado para apresentar cronograma, com datas,

acerca da inauguração de duas unidades de cadeias públicas - uma em

Estância e outra em Areia Branca - noticiadas pelo Exmo. Governador do

Estado de Sergipe em reunião extrajudicial ocorrida na sede da PGR/SE.

O pleito acima foi deferido em 20/07/2016 [ID 4058500.725125].

O Estado de Sergipe apresentou, em 16/09/2016 [ID 4058500.515066], lista

com a quantidade de presos em cada delegacia no Estado de Sergipe,

requerendo prazo de 15 (quinze) dias para apresentação da informação

pleiteada pelo MPF em 30/06/2016, pleito deferido em 20/09/2016 [ID

4058500.813176].

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Certificou-se, no dia 24/10/2016 [ID 4058500.860309], que o Estado de

Sergipe deixou transcorrer, in albis, o prazo acima concedido.

Em vista da aludida Certidão, o MPF pediu [ID 4058500.883061] que o

Secretário de Estado de Justiça fosse pessoalmente intimado para cumprir a

determinação do dia 20/09/2016. O pleito foi deferido em 17/11/2016 [ID

4058500.887137].

No dia 23/11/2016, foi juntado o Ofício Externo nº 3419/2016 - GS, expedido

pelo Ilmo. Secretário de Estado da Justiça e de Defesa do Consumidor de

Sergipe, datado de 21/11/2016, informando a inauguração da Cadeia Pública

de Estância e solicitando prazo para a juntada de informações quanto à

inauguração da de Areia Branca/SE.

A solicitação contida no ofício acima foi deferida [ID 4058500.944172],

concedendo-se o prazo de 15 (quinze) dias para que a referida autoridade

estadual juntasse a informação em tela.

Em 19/01/2017 [ID 4058500.955014], juntou-se aos autos o Ofício nº 118/2017

- GS, expedido pelo Ilmo. Secretário de Estado da Justiça e de Defesa ao

Consumidor, informando que reiterara o ofício enviado à Casa Civil do Estado

de Sergipe, solicitando informações sobre a inauguração da Cadeia Pública de

Areia Branca/SE.

O MPF, no dia 17/05/2017 [ID 058500.1134910], requereu a intimação do

autor para se manifestar a respeito de notícia veiculada na imprensa, no

sentido de que a inauguração da Cadeia Pública de Areia Branca/SE já havia

ocorrido, pleito deferido em 29/08/2017 [ID 4058500.1338592].

A parte autora se manifestou em 18/09/2017 [ID 4058500.1378311], dizendo

que a abertura das Cadeias Públicas de Estância e de Areia Branca amenizou,

substancialmente, a superlotação das delegacias do Estado, fazendo-se

necessária a suspensão deste feito pelo prazo de 1 (um) ano, de modo a

possibilitar-se a efetiva adequação do sistema prisional do Estado de Sergipe

às garantias devidas aos presos.

No dia 09/10/2017 [ID 4058500.1422793], o Estado de Sergipe contestou,

aduzindo, em suma:

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"Todos sabem que o sistema prisional brasileiro - bem como os demais sistemas que

adotaram a metodologia do encarceramento em massa como política de combate ao

crime (vide EUA) - estão superlotados. Não há orçamento que dê para o sistema

atual.

De outro turno, cerca de 70% dos presos são provisórios e mais da metade deles,

estatisticamente, é absolvida por insuficiência de provas, o que demonstra que falta

ao Poder Judiciário local uma gestão mais eficiente do sistema prisional.

Entrementes, construir uma cadeia, penitenciária ou ampliar uma já pré- existente não

é tarefa fácil. Ela consome muito recurso público. Apenas para se ter uma ideia, o

simples aumento de 400 vagas em penitenciárias custa, aproximadamente, 20 milhões

de reais aos cofres estaduais que, como todos sabem, está combalido.

Mesmo assim, mesmo que fossem ainda devidas as obras narradas, elas custam

verbas públicas em períodos de verbas escassas. E, no presente momento, como todos

sabem, o Estado de Sergipe sequer consegue honrar a sua folha de pagamentos. Está

com recursos reduzidos e tem que decidir - diante do quadro de poucos recursos -

onde irá aplicar o dinheiro, onde ele irá trazer maior benefício público.

Não é, infelizmente, o caso dos autos. Há inúmeras outras atividades exercidas pelo

Estado - que, sem menosprezar a situação narrada em tela (em suposição), disputam

os mesmos parcos recursos públicos - como no exemplo de investimento nas escolas

de maior amplitude educacional e saúde pública, além das reformas do sistema

penitenciário que abrangem, também, as crianças e adolescentes.

Nesse ponto, há que se trazer a afirmação do Steven Levitt (the cost of rights): onde

há direito fundamental que envolva custo público, este direito não pode ser

considerado absoluto.

O pedido da OAB termina por tirar a autonomia que o chefe do Executivo e sua

equipe de Secretários terá para a alocação das verbas - não antes de diversas reuniões

pondo todos os problemas da educação, saúde e segurança na mesa e decidindo em

qual escola, hospital ou penitenciária investir.

E apenas quem está realmente na frente do problema como um todo é que tem

condições de enxergar a magnitude da escassez de recursos e a necessidade de

investir nos equipamentos públicos. Não o Ministério Público de forma pontual e

observando apenas uma parcela ínfima da magnitude dos serviços públicos

essenciais.

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Nesse ponto, o pedido da OAB é economicamente ineficiente, posto que apenas

observa o problema pontual ao invés de observar todo o problema do serviço público

em sua grandeza.

Nesse sentido, o MPE do Estado de São Paulo, ciente da situação, decidiu criar uma

frente de promotores públicos da curadoria da Fazenda Pública como uma forma

deles terem noção do que vem a ser mais importante investir com o pouco que se tem.

O caso em tela é análogo ao de uma família que tem orçamento que não dá para todo

o custeio das despesas da casa e alimentação. Supondo que o orçamento familiar seja

de R$ 5.000,00 e as despesas somam R$ 7.000,00, se um dos filhos obtém uma

decisão judicial para obrigar o chefe de família a comprar um telefone no valor de R$

1.000,00 isso terá um impacto no custeio da família. É a teoria do cobertor curto que

se aplica tanto ao Estado quanto ao seio familiar: mais necessidades do que o

orçamento permite.

Assim, ratifica o Estado que se verbas públicas forem deslocadas para o custeio

dessas ações haverá falta em setores outros primordiais, mais primordiais que o

narrado na exordial. É, a pretexto de cumprir um direito fundamental que envolve

despesas, atingir outro direito fundamental em igual situação.

[...]"

Sustentou que a jurisprudência pátria reconhece a limitação da gestão pública

aos recursos existentes, com base na teoria da reserva do possível, tendo em

vista que os custos públicos são finitos, e, as necessidades públicas, infinitas;

que o pedido de mérito objeto desta demanda fere o princípio da separação

dos Poderes; e que o STJ já firmou entendimento de que não cabe ao Poder

Judiciário invadir o mérito de atos administrativos.

Pediu a improcedência da pretensão autoral.

O requerente acostou réplicas em 07/12/2017 [IDs 4058500.1548394 e

4058500.1548397], reiterando os termos da petição inicial.

Em 09/01/2018 [ID 4058500.1595879], o MPF disse não ter nada a opor contra

o pedido de suspensão do processo, contudo seria importante que, pelo menos

a cada 60 (sessenta) dias, o autor apresente relato da situação atual,

especialmente quanto à existência de irregularidades a serem corrigidas.

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O Estado de Sergipe afirmou, em 05/02/2017 [ID 4058500.1645696], nada ter

a opor contra a sugestão ofertada pelo Parquet Federal em 09/01/2017,

entretanto o prazo de 60 (sessenta) dias se mostra muito exíguo.

No dia 09/03/2018 [ID 4058500.1704755], determinou-se a juntada de Termos

de Apresentação de flagranteadas, nos quais se relata a situação de

delegacias de Sergipe.

A União Federal se pronunciou sobre os documentos acima no dia 01/04/2018

[ID 4058500.1751991].

O MPF, diante das informações contidas nos referidos Termos de

Apresentação, pediu, em 02/04/2018 [ID 4058500.1753503], que fossem

comunicadas, para acompanhamento e adoção de providências julgadas

cabíveis, à Coordenadora-Geral de Combate à Tortura e Violência

Institucional/MDH e à Coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos da

Mulher da OAB/SE.

A parte autora se manifestou sobre os aludidos Termos no dia 05/04/2018 [ID

4058500.1763250], dizendo que os tratamentos indignos contra os presos

continuam.

Em 17/05/2018 [ID 4058500.1831267], o pedido ministerial do dia 02/04/2018

foi deferido. Por outro lado, determinou-se o prosseguimento da ação.

A União e o Estado de Sergipe não requereram a produção de outras provas ou

diligências [IDs 4058500.1868422 e 4058500.1929936]. Já a parte autora pediu

a juntada de documento [ID 4058500.1930590].

O Parquet Federal, na condição de fiscal da lei, exarou seu parecer em

21/09/2018 [ID 4058500.2122960], opinando favoravelmente à pretensão

autoral.

É O BREVE RELATO. DECIDO.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Questões preliminares:

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A União Federal alegou sua ilegitimidade passiva para a causa, sob o

fundamento de que só lhe cabe fomentar e financiar os projetos e convênios

atinentes à segurança pública; e a impossibilidade jurídica do pedido, por

entender que o Poder Judiciário não tem competência para imiscuir-se em

questão de mérito administrativo.

Nenhuma das duas alegações merece prosperar.

Em princípio, vale ressaltar que as ditas "condições da ação" causam, hoje,

enérgicas discussões no âmbito doutrinário, em razão da nova sistemática

processual inaugurada pelo Código de Processo Civil de 2015. Isso porque, ao

contrário do que previa o CPC/1973, o novo Diploma de Ritos não usa, em

nenhuma parte, a expressão "condições da ação" em seu bojo, restringindo-se

a trazer, no seu art. 485, VI, a extinção do processo, sem resolução do

mérito, pela ausência de legitimidade de parte ou de interesse processual de

agir.

Nessa seara, há doutrina que entende essa omissão como um sinal

direcionando para a derrocada das condições da ação no novo ordenamento

processual civil brasileiro, passando a legitimidade de parte e o interesse

processual de agir ao rol dos pressupostos processuais ou do próprio mérito.

Nesse sentido, é a lição de Fredie Didier Jr. (in Curso de Direito Processual

Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de

Conhecimento. Salvador/BA: Editora JusPodivm, 19ª edição, 2017, revista,

ampliada e atualizada, p. 344-347).

Para outra parte dos doutrinadores, admitir-se que as "condições da ação"

foram extirpadas do novo ordenamento de ritos processuais cíveis significaria

admitir-se o retorno da teoria do direito abstrato de ação. Isso porque: a

legitimidade e o interesse de agir não podem ser considerados pressuposto

processuais por exigirem análise da relação jurídica de direito material posta

na exordial; e o CPC/2015, ainda que timidamente, falar em extinção do

feito, sem resolução do mérito, em razão da ausência de legitimidade e de

interesse de agir em alguns dos seus dispositivos (art. 486, §1º; e art. 966,

§2º). Dessa forma, as condições da ação sobreviveram à mudança do conjunto

de regras processuais cíveis e continuam hígidas, ao menos quanto à

legitimidade e ao interesse de agir. É o posicionamento de Daniel Amorim

Assumpção Neves (in Manual de Direito Processual Civil. Salvador/BA:

Editora JusPodivm, volume único, 8ª edição, 2016, p. 227-228).

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A possibilidade jurídica do pedido, por sua vez, não mais se encontra

arraigada às condições da ação, até mesmo para aqueles que se posicionam

pela permanência dessas condições no novo CPC. Ou o requisito em tela se

amolda ao interesse de agir ou faz parte do próprio mérito da demanda. Não

há qualquer menção à possibilidade jurídica do pedido no novo CPC, havendo

somente uma figura a ela assemelhada, que é a do seu art. 332

(improcedência liminar do pedido), embora com contornos diferentes.

Por fim, há controvérsia, também, no que pertine à teoria adotada pelo novo

CPC em relação às condições da ação. Daniel Amorim Assumpção Neves, na

obra retromencionada, defende que, "ao prever como causa de extinção do

processo sem resolução do mérito a sentença que reconhece a ausência de

legitimidade e/ou interesse de agir, o Novo Código de Processo Civil permite a

conclusão de que continua a consagrar a teoria eclética" (p.228). Contudo,

esse mesmo laureado autor admite que a grande parte da doutrina e da

jurisprudência argumenta no sentido da adoção da teoria da asserção. Assim,

as condições da ação devem ser aferidas pelas alegações feitas pelo autor na

petição inicial, sem a necessidade de aprofundamento dos elementos

probatórios para tanto. O que passar dessa primeira análise será considerado

questão atinente ao mérito da demanda.

Voltando ao exame das preliminares suscitadas pela União, tem-se que,

quanto ao primeiro ponto - ilegitimidade passiva para a causa -, a Lei

Complementar nº 79/1994, responsável pela criação do Fundo Penitenciário

Nacional - FUNPEN, atribui ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) a

gerência dos recursos recolhidos ao FUNPEN, e o DEPEN é órgão vinculado à

União Federal, especificamente ao novo Ministério da Justiça e Segurança

Pública (Decreto nº 9.662/2019, art. 2º, II, "f").

Na exordial, consta pleito de obrigação de fazer alusiva à construção ou

reforma das Delegacias de Polícia, bem como à construção de Cadeias

Públicas, dentro do Estado de Sergipe. E todas essas providências só serão

possíveis, caso julgadas procedentes, mediante a destinação de recursos do

FUNPEN para tanto.

Ademais, o DEPEN tem como missão "induzir, apoiar e atuar na execução

penal brasileira, promovendo a dignidade humana, com profissionalismo e

transparência, com vistas a uma sociedade justa e democrática"

(http://depen.gov.br/DEPEN/depen/missao-visao-e-valores-1). E esta

demanda abrange supostas violações aos direitos humanos das pessoas

encarceradas no sistema penitenciário nacional, de modo que a resolução das

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questões trazidas à lume passam, necessariamente, pelas atribuições

conferidas legalmente ao aludido departamento.

Assim, a legitimidade passiva da União para a causa se mostra inconteste.

No pertinente à impossibilidade jurídica do pedido, de fato o Poder Judiciário

não pode substituir a vontade do administrador em questões envolvendo,

exclusivamente, mérito administrativo. Não obstante esse fato jurídico, cabe

ao citado Poder intervir para que as gestões públicas não extrapolem esse

mérito administrativo para invadir a esfera constitucional e legal. Ou seja,

não há impedimento de que o Poder Judiciário exerça o controle de aspectos

constitucionais e legais do ato administrativo, mesmo em se tratando de ato

administrativo discricionário, pois "a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito" (CF/88, art. 5º, XXXV).

No caso ora posto, a parte autora alega que a população carcerária do Estado

de Sergipe vem sofrendo graves violações aos seus direitos e garantias

constitucionais e legais, por culpa dos réus. Essas alegações consubstanciam

questões alheias ao simples mérito administrativo, submetendo-se ao crivo do

Poder Judiciário.

Pelo exposto, rejeito os pontos preliminares suscitados pela ré União Federal,

passando ao exame do mérito.

II.2. Mérito:

A) Fundamentos jurídicos:

A ordem constitucional inaugurada com a Carta Cidadã de 1988 privilegiou

alguns valores de índole eminentemente humanitária, focados na dignidade da

pessoa humana. Além de atingirem a sociedade em geral, eles garantem o

direcionamento das decisões políticas e administrativas em prol do bem-estar

social, nas diversas áreas dos seguimentos comunitários (educação, saúde,

segurança pública, seguridade social, meio ambiente, consumidor, trabalho,

etc).

No âmbito interno, o escopo principal desse arcabouço valorativo é promover

a liberdade, a solidariedade entre as pessoas, a justiça, o desenvolvimento

nacional, a igualdade substancial dos indivíduos e regiões em todos os

aspectos da vida (CF, art. 3º).

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Na seara internacional, a República Federativa do Brasil se propôs,

constitucionalmente, a ser visto como um vetor de promoção da defesa dos

direitos humanos, da paz, da solução pacífica dos conflitos, entre outros (CF,

art. 4º).

Dentro desse contexto, a segurança pública exerce decisivo papel na

preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,

sendo dever do Estado, e direito e responsabilidade de todos (CF, art. 144,

caput). Cotejando essa regra de segurança pública com os direitos e garantias

fundamentais dispostos no art. 5º da Lei Magna, ver-se-á que também é dever

do Poder Público proteger a incolumidade dos indivíduos submetidos ao

sistema carcerário nacional, bem como os seus patrimônios.

É que são direitos fundamentais de todos os brasileiros e estrangeiros aqui

residentes, de acordo com o caput do referido art. 5º, o direito à vida, o

direito à propriedade, o direito à igualdade, o direito à segurança e o direito

à liberdade, este último mitigado em relação a infratores da lei penal

incriminadora, a bem da defesa da coletividade. E são preceitos

constitucionais que não admitem distinção de qualquer natureza, inclusive,

aceitando-se, somente, as exceções trazidas pela própria Constituição Federal

e a pontual retirada temporária de eficácia dos efeitos de norma garantidora

desses direitos fundamentais, quando ponderada com outra norma

constitucional de igual envergadura.

Insuflado por esse espírito de proteção humanitária, o legislador

constitucional vedou a prática de tortura, de tratamento degradante ou

desumano, a criação de juízos ou tribunais de exceção e a adoção da pena de

morte, a pena de trabalhos forçados, a pena de banimento ou qualquer outra

pena cruel (CF, art. 5º, III, XXXVII e XLVII); e estabeleceu os postulados da

legalidade restrita, da irretroatividade da lei penal, da individualização da

pena, do juiz natural e do devido processo legal, entre outros, na esfera penal

incriminadora (CF, art. 5º, XXXIX, XL, XLVI, LIII e LIV). Além disso, determinou

que as penas fossem cumpridas em estabelecimentos distintos, tendo em vista

a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (CF, art. 5º, XLVIII).

Ao citar nominalmente o preso, garantiu-se, de forma expressa, o respeito à

sua integridade física e moral (CF, art. 5º, XLIX), quiçá para tornar indubitável

a aplicação do valor de igualdade, previsto na cabeça do reportado art. 5º,

também a essa categoria. Queira-se ou não, a população carcerária é parte

integrante da sociedade brasileira, apesar de encontrar-se privada

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temporariamente de alguns direitos fundamentais assegurados aos demais

membros não encarcerados.

E cabe principalmente ao Poder Público cuidar para que essa categoria

retorne ao convício social ostentando a possibilidade de colaborar na

construção de uma sociedade mais justa, igualitária e solidária, até como

prevenção à prática de novos crimes. Claro é que nem sempre isso é possível,

já que outros fatores também interferem na recuperação dos presos, a

exemplo da própria personalidade de cada um deles; entretanto, é dever do

Estado, constitucionalmente estabelecido, frise-se, empregar todos os

esforços possíveis para que esse objetivo seja alcançado em grande parte dos

casos, a bem do interesse público.

Essa é uma preocupação mundial, inclusive. É que, depois das atrocidades

cometidas, nas Primeira e Segunda Guerra Mundial, pelas nações beligerantes

do eixo comandado pela Alemanha, os povos do mundo inteiro firmaram o

consenso de que era necessária a elaboração de documentos que garantissem,

mesmo em época de guerra, direitos fundamentais mínimos aos indivíduos.

Em princípio, ainda no calor do término da Segunda Guerra Mundial, a

Assembleia Geral das Nações Unidas reunida em Paris, no dia 10/12/1948,

proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), consagrando

escopos a serem buscados por todos os povos. Celebraram-se valores

universais atinentes à dignidade humana, sem os quais os indivíduos perdem a

sua essência de humanidade. Dos preceitos lá previstos, merecem destaque

neste momento: igualdade, fraternidade e legalidade (arts. 1º, 2º, 7º e 29º,

2); direito à vida e à segurança pessoal (art. 3º); vedação à tortura e a penas

ou tratamentos crueis, desumanos ou degradantes; proteção contra prisões

arbitrárias (art. 9º); direito ao trabalho (art. 23º, 1); e direito a "um nível de

vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar,

principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à

assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, [...]" (art.

25º, 1).

Faz-se imprescindível frisar, ainda dentro do ponto acima, que essa Carta

Universal de Direitos Humanos diz, expressamente, em seu Preâmbulo, ser

"essencial a protecção dos direitos humanos através de um regime de direito,

para que o homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra

a tirania e a opressão". Traduzindo-se essa afirmação para a questão dos

indivíduos sujeitos a encarceramento estatal, significa dizer que se mostra

peremptória a observância, também em relação a eles, dos preceitos

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universais de direitos humanos. Assim, alcança-se a finalidade precípua de

evitarem-se revoltas contra a tirania e a opressão eventualmente praticadas

por agentes do Estado, e, em consequência, dos resvalos dessa situação

desumana na própria comunidade extramuros.

Num momento posterior, destacou-se a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, assinada em 22/11/1969, na Cidade de San José, Costa Rica, e

promulgada pelo governo brasileiro no dia 06/11/1992, mediante o Decreto nº

678, apenas com a seguinte ressalva: "O Governo do Brasil entende que os

arts. 43 e 48, alínea d , não incluem o direito automático de visitas e

inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais

dependerão da anuência expressa do Estado". Nela, estão consagrados, entre

outros: direito à vida desde a concepção (art. 4); direito à integridade

pessoal, nos espectros físico, psíquico e moral (art. 5), vedando-se a

submissão à tortura e a penas ou a tratamentos cruéis, desumanos ou

degradantes e objetivando-se a reforma e a readaptação social dos

condenados; direito à liberdade pessoal (art. 7), proibindo-se

encarceramentos arbitrários e por origem em dívidas; direito a garantias

judiciais (art. 8); e direito à igualdade perante a lei (art. 24).

Mais recentemente, em 2015, o Brasil foi um dos países a participarem do

aperfeiçoamento, finalização e aprovação das chamadas "Regras de Mandela"

(Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos) pelas Nações

Unidas. Esse documento normativo internacional visa, em especial, assegurar

a observância de regras básicas no tratamento de presos, com vistas a

diminuir a reincidência criminosa e seus efeitos sobre a sociedade. Pela

importância desse documento para esta demanda, transcrevo, abaixo,

algumas determinações retiradas do seu conteúdo:

"I. Regras de aplicação geral

Princípios básicos

Regra 1

Todos os presos devem ser tratados com respeito, devido a seu valor e dignidade

inerentes ao ser humano. Nenhum preso deverá ser submetido a tortura ou

tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de

tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos

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presos, dos servidores prisionais, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser

sempre assegurada.

[...]

Regra 3

O encarceramento e outras medidas que excluam uma pessoa do convívio com o

mundo externo são aflitivas pelo próprio fato de ser retirado destas pessoas o direito à

autodeterminação ao serem privadas de sua liberdade. Portanto, o sistema prisional

não deverá agravar o sofrimento inerente a tal situação, exceto em casos incidentais,

em que a separação seja justificável, ou nos casos de manutenção da disciplina.

Regra 4

1. Os objetivos de uma sentença de encarceramento ou de medida similar restritiva de

liberdade são, prioritariamente, de proteger a sociedade contra a criminalidade e de

reduzir a reincidência. Tais propósitos só podem ser alcançados se o período de

encarceramento for utilizado para assegurar, na medida do possível, a reintegração de

tais indivíduos à sociedade após sua soltura, para que possam levar uma vida

autossuficiente, com respeito às leis.

[...]

Separação de categorias

Regra 11

As diferentes categorias de presos devem ser mantidas em estabelecimentos

prisionais separados ou em diferentes setores de um mesmo estabelecimento

prisional, levando em consideração seu sexo, idade, antecedentes criminais, razões da

detenção e necessidades de tratamento. Assim:

(a) Homens e mulheres devem, sempre que possível, permanecer detidos em unidades

separadas. Nos estabelecimentos que recebam homens e mulheres, todos os recintos

destinados às mulheres devem ser totalmente separados;

(b) Presos preventivos devem ser mantidos separados daqueles condenados;

(c) Indivíduos presos por dívidas, ou outros presos civis, devem ser mantidos

separados dos indivíduos presos por infrações criminais;

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(d) Jovens presos devem ser mantidos separados dos adultos.

Acomodações

Regra 12

1. As celas ou quartos destinados ao descanso noturno não devem ser ocupados por

mais de um preso. Se, por razões especiais, tais como superlotação temporária, for

necessário que a administração prisional central faça uma exceção à regra, não é

recomendável que dois presos sejam alojados em uma mesma cela ou quarto.

2. Onde houver dormitórios, estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente

selecionados como sendo capazes de serem alojados juntos. Durante a noite, deve

haver vigilância regular, de acordo com a natureza do estabelecimento prisional.

Regra 13

Todas os ambientes de uso dos presos e, em particular, todos os quartos, celas e

dormitórios, devem satisfazer as exigências de higiene e saúde, levandose em conta

as condições climáticas e, particularmente, o conteúdo volumétrico de ar, o espaço

mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação.

Regra 14

Em todos os locais onde os presos deverão viver ou trabalhar:

(a) As janelas devem ser grandes o suficiente para que os presos possam ler ou

trabalhar com luz natural e devem ser construídas de forma a permitir a entrada de ar

fresco mesmo quando haja ventilação artificial;

(b) Luz artificial deverá ser suficiente para os presos poderem ler ou trabalhar sem

prejudicar a visão.

Regra 15

As instalações sanitárias devem ser adequadas para possibilitar que todos os presos

façam suas necessidades fisiológicas quando necessário e com higiene e decência.

Regra 16

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Devem ser fornecidas instalações adequadas para banho, a fim de que todo preso

possa tomar banho, e assim possa ser exigido, na temperatura apropriada ao clima,

com a frequência necessária para a higiene geral de acordo com a estação do ano e a

região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana em clima temperado.

Regra 17

Todos os locais de um estabelecimento prisional frequentados regularmente pelos

presos deverão ser sempre mantidos e conservados minuciosamente limpos.

Higiene pessoal

Regra 18

1. Deve ser exigido que o preso mantenha sua limpeza pessoal e, para esse fim, deve

ter acesso a água e artigos de higiene, conforme necessário para sua saúde e limpeza.

2. A fim de que os prisioneiros possam manter uma boa aparência, compatível com

seu autorrespeito, devem ter à disposição meios para o cuidado adequado do cabelo e

da barba, e homens devem poder barbearse regularmente.

Vestuário próprio e roupas de cama

[...]

Regra 21

Todo prisioneiro deve, de acordo com os padrões locais e nacionais, ter uma cama

separada, e roupas de cama suficientes que devem estar limpas quando distribuídas,

ser mantidas em boas condições e ser trocadas com a frequência necessária para

garantir sua limpeza.

Alimentação

Regra 22

1. Todo preso deve receber da administração prisional, em horários regulares,

alimento com valor nutricional adequado à sua saúde e resistência, de qualidade, bem

preparada e bem servida.

2. Todo preso deve ter acesso a água potável sempre que necessitar.

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Exercício e esporte

Regra 23

1. Todo preso que não trabalhar a céu aberto deve ter pelo menos uma hora diária de

exercícios ao ar livre, se o clima permitir.

2. Jovens presos, e outros com idade e condições físicas adequadas, devem receber

treinamento físico e de lazer durante o período de exercício. Para este fim, espaço,

instalações e equipamentos devem ser providenciados.

Serviços de Saúde

Regra 24

1. O provimento de serviços médicos para os presos é uma responsabilidade do

Estado. Os presos devem usufruir dos mesmos padrões de serviços de saúde

disponíveis à comunidade, e os serviços de saúde necessários devem ser gratuitos,

sem discriminação motivada pela sua situação jurídica.

2. Os serviços de saúde serão organizados conjuntamente com a administração geral

da saúde pública e de forma a garantir a continuidade do tratamento e da assistência,

inclusive nos casos de HIV, tuberculose e outras doenças infecciosas, abrangendo

também a dependência às drogas.

Regra 25

1. Toda unidade prisional deve contar com um serviço de saúde incumbido de avaliar,

promover, proteger e melhorar a saúde física e mental dos presos, prestando

particular atenção aos presos com necessidades especiais ou problemas de saúde que

dificultam sua reabilitação.

2. Os serviços de saúde devem ser compostos por equipe interdisciplinar, com

pessoal qualificado suficiente, atuando com total independência clínica, e deve

abranger a experiência necessária de psicologia e psiquiatria. Serviço odontológico

qualificado deve ser disponibilizado a todo preso.

Regra 27

1. Todos os estabelecimentos prisionais devem assegurar o pronto acesso a atenção

médica em casos urgentes. Os presos que necessitem de tratamento especializado ou

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de cirurgia devem ser transferidos para instituições especializadas ou hospitais civis.

Se as unidades prisionais possuírem instalações hospitalares, devem contar com

pessoal e equipamento apropriados para prestar tratamento e atenção adequados aos

presos a eles encaminhados.

2. As decisões clínicas só podem ser tomadas pelos profissionais de saúde

responsáveis, e não podem ser modificadas ou ignoradas pela equipe prisional não

médica.

Regra 28

Nas unidades prisionais femininas, deve haver acomodação especial para todas as

necessidades de cuidado e tratamento pré e pósnatais. Devemse adotar procedimentos

específicos para que os nascimentos ocorram em um hospital fora da unidade

prisional. Se a criança nascer na unidade prisional, este fato não deve constar de sua

certidão de nascimento.

[...]

Regra 31

O médico ou, onde aplicável, outros profissionais qualificados de saúde devem ter

acesso diário a todos os presos doentes, a todos os presos que relatem problemas

físicos ou mentais de saúde ou ferimentos e a qualquer preso ao qual lhes chamem à

atenção. Todos os exames médicos devem ser conduzidos em total confidencialidade.

[...]

Restrições, disciplina e sanções

Regra 36

A disciplina e a ordem devem ser mantidas, mas sem maiores restrições do que as

necessárias para garantir a custódia segura, a segurança da unidade prisional e uma

vida comunitária bem organizada.

[...]

Regra 42

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As condições gerais de vida expressas nestas Regras, incluindo aquelas relacionadas

à iluminação, à ventilação, à temperatura, ao saneamento, à nutrição, à água potável,

à acessibilidade a ambientes ao ar livre e ao exercício físico, à higiene pessoal, aos

cuidados médicos e ao espaço pessoal adequado, devem ser aplicadas a todos os

presos, sem exceção.

Regra 43

1. Em nenhuma hipótese devem as restrições ou sanções disciplinares implicar em

tortura ou outra forma de tratamento ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes.

As seguintes práticas, em particular, devem ser proibidas:

(a) Confinamento solitário indefinido;

(b) Confinamento solitário prolongado;

(c) Encarceramento em cela escura ou constantemente iluminada;

(d) Castigos corporais ou redução da dieta ou água potável do preso;

(e) Castigos coletivos.

2. Instrumentos de imobilização jamais devem ser utilizados como sanção a infrações

disciplinares.

3. Sanções disciplinares ou medidas restritivas não devem incluir a proibição de

contato com a família. O contato familiar só pode ser restringido por um prazo

limitado e quando for estritamente necessário para a manutenção da segurança e da

ordem.

Regra 47

1. O uso de correntes, de imobilizadores de ferro ou outros instrumentos restritivos

que são inerentemente degradantes ou dolorosos devem ser proibidos.

2. Outros instrumentos restritivos devem ser utilizados apenas quando previstos em

lei e nas seguintes circunstâncias:

(a) Como precaução contra a fuga durante uma transferência, desde que sejam

removidos quando o preso estiver diante de autoridade judicial ou administrativa;

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(b) Por ordem do diretor da unidade prisional, se outros métodos de controle

falharem, a fim de evitar que um preso machuque a si mesmo ou a outrem ou que

danifique propriedade; em tais circunstâncias, o diretor deve imediatamente alertar o

médico ou outro profissional de saúde qualificado e reportar à autoridade

administrativa superior.

[...]

Contato com o mundo exterior

Regra 58

1. Os prisioneiros devem ter permissão, sob a supervisão necessária, de

comunicaremse periodicamente com seus familiares e amigos, periodicamente:

(a) por correspondência e utilizando, onde houver, de telecomunicações, meios

digitais, eletrônicos e outros; e

(b) por meio de visitas.

2. Onde forem permitidas as visitais conjugais, este direito deve ser garantido sem

discriminação, e as mulheres presas exercerão este direito nas mesmas bases que os

homens. Devem ser instaurados procedimentos, e locais devem ser disponibilizados,

de forma a garantir o justo e igualitário acesso, respeitandose a segurança e a

dignidade.

Regra 59

Os presos devem ser alocados, na medida do possível, em unidades prisionais

próximas às suas casas ou ao local de sua reabilitação social.

[...]

Regra 61

1. Os presos devem ter a oportunidade, tempo e meios adequados para receberem

visitas e de se comunicaram com um advogado de sua própria escolha ou com um

defensor público, sem demora, interceptação ou censura, em total confidencialidade,

sobre qualquer assunto legal, em conformidade com a legislação local. Tais encontros

podem estar sob as vistas de agentes prisionais, mas não passíveis de serem ouvidos

por estes.

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[...]

Funcionários da unidade prisional

Regra 74

1. A administração prisional deve promover seleção cuidadosa de funcionários de

todos os níveis, uma vez que a administração adequada da unidade prisional depende

da integridade, humanidade, capacidade profissional e adequação para o trabalho de

seus funcionários.

2. A administração prisional deve, constantemente, suscitar e manter no espírito dos

funcionários e da opinião pública a convicção de que este trabalho é um serviço

social de grande importância, e para atingir seu objetivo deve utilizar todos os meios

apropriados para informar o público.

3. Para garantir os fins anteriormente citados, os funcionários devem ser indicados

para trabalho em período integral como agentes prisionais profissionais e a condição

de servidor público, com estabilidade no emprego, sujeito apenas à boa conduta,

eficiência e aptidão física. O salário deve ser suficiente para atrair e reter homens e

mulheres compatíveis com o cargo; os benefícios e condições de emprego devem ser

condizentes com a natureza exigente do trabalho.

[...]

Regra 76

1. O treinamento a que se refere o parágrafo 2 da Regra 75 deve incluir, no mínimo,

treinamento em:

(a) Legislação, regulamentos e políticas nacionais relevantes, bem como os

instrumentos internacionais e regionais aplicáveis, as premissas que devem guiar o

trabalho e as interações dos funcionários com os internos.

(b) Direitos e deveres dos funcionários no exercício de suas funções, incluindo o

respeito à dignidade humana de todos os presos e a proibição de certas condutas, em

particular a prática de tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou

degradantes.

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(c) Segurança, incluindo o conceito de segurança dinâmica, o uso da força e

instrumentos de restrição, e o gerenciamento de infratores violentos, levandose em

consideração técnicas preventivas e alternativas, como negociação e mediação;

(d) Técnicas de primeiros socorros, as necessidades psicossociais dos presos e as

correspondentes dinâmicas no ambiente prisional, bem como a atenção e a assistência

social, incluindo o diagnóstico prévio de doenças mentais.

2. Os funcionários que estiverem incumbidos de trabalhar com certas categorias de

presos, ou que estejam designados para outras funções específicas, devem receber

treinamento específico com foco em tais particularidades.

[...]

II. Regras aplicáveis a categorias especiais

A. Presos sentenciados

Princípios orientadores

Regra 86

Os princípios orientadores a seguir objetivam mostrar o espírito sob o qual os

estabelecimentos prisionais devem ser administrados e os fins que devem almejar, de

acordo com a declaração feita na Observação Preliminar 1 destas Regras.

Regra 87

Antes do término do cumprimento de uma pena ou medida, é desejável que sejam

tomadas providências necessárias para assegurar ao preso um retorno progressivo à

vida em sociedade. Este propósito pode ser alcançado, de acordo com o caso, com a

adoção de um regime de présoltura, organizado dentro da mesma unidade prisional

ou em outra instituição apropriada, ou mediante liberdade condicional sob algum tipo

de vigilância, que não deve ser confiada à polícia, mas deve ser combinada com uma

assistência social eficaz.

Regra 88

1. O tratamento dos presos deve enfatizar não a sua exclusão da comunidade, mas sua

participação contínua nela. Assim, as agências comunitárias devem, sempre que

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possível, ser indicadas para auxiliar a equipe da unidade prisional na tarefa de

reabilitação social dos presos.

[...]

Regra 89

1. O cumprimento destes princípios requer a individualização do tratamento e, para

tal, é necessário um sistema flexível de classificação dos presos em grupos. Devese,

portanto, distribuir tais grupos em unidades prisionais separadas adequadas ao

tratamento de cada um.

2. Essas unidades prisionais não precisam proporcionar o mesmo grau de segurança

para todos os grupos. É recomendável que vários graus de segurança sejam

disponibilizados, de acordo com as necessidades de diferentes grupos. As unidades

abertas, exatamente pelo fato de não proporcionarem segurança física contra fuga,

mas confiarem na autodisciplina dos detentos, proporcionam as condições mais

favoráveis para a reabilitação de presos cuidadosamente selecionados.

3. O número de detentos em unidades prisionais fechadas não deve ser grande demais

a ponto de coibir o tratamento individualizado. Em alguns países, entendese que a

população de tais unidades não deve passar de quinhentos detentos. Em unidades

abertas, a população deve ser a menor possível.

4. Por outro lado, não é recomendável manter unidades prisionais que sejam

pequenas demais ao ponto de impedirem o provimento de instalações adequadas.

[...]

Tratamento

Regra 91

O tratamento de presos sentenciados ao encarceramento ou a medida similar deve ter

como propósito, até onde a sentença permitir, criar nos presos a vontade de levar uma

vida de acordo com a lei e autossuficiente após sua soltura e capacitálos a isso, além

de desenvolver seu senso de responsabilidade e autorrespeito.

Regra 92

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1. Para esses fins, todos os meios apropriados devem ser usados, inclusive cuidados

religiosos em países onde isso é possível, educação, orientação e capacitação

vocacionais, assistência social direcionada, aconselhamento profissional,

desenvolvimento físico e fortalecimento de seu caráter moral. Tudo isso deve ser

feito de acordo com as necessidades individuais de cada preso, levando em

consideração sua história social e criminal, suas capacidades e aptidões mentais, seu

temperamento pessoal, o tempo da sentença e suas perspectivas para depois da

liberação.

[...]

Classificação e individualização

Regra 93

1. As finalidades da classificação devem ser:

(a) Separar dos demais presos aqueles que, por motivo de seu histórico criminal ou

pela sua personalidade, possam vir a exercer uma influência negativa sobre os demais

presos;

(b) Dividir os presos em classes, a fim de facilitar o tratamento, visando à sua

reinserção social.

2. Na medida do possível, as unidades prisionais, ou setores separados de uma

unidade, devem ser usadas para o tratamento de diferentes classes de presos.

[...]

Privilégios

Regra 95

Toda unidade prisional deve estabelecer sistemas de privilégios adequados para as

diferentes classes de presos e diferentes métodos de tratamento, a fim de incentivar

uma boa conduta, desenvolver o senso de responsabilidade e assegurar o interesse e a

cooperação dos presos no seu tratamento.

Trabalho

Regra 96

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1. Os presos condenados devem ter a oportunidade de trabalhar e/ou participar

ativamente de sua reabilitação, sendo esta atividade sujeita à determinação, por um

médico ou outro profissional de saúde qualificado, de sua aptidão física e mental.

2. Trabalho suficiente de natureza útil deve ser oferecido aos presos de modo a

conserválos ativos durante um dia normal de trabalho.

[...]

Educação e lazer

Regra 104

1. Instrumentos devem ser criados para promover a educação de todos os presos que

possam se beneficiar disso, incluindo instrução religiosa, em países onde isso é

possível. A educação de analfabetos e jovens presos deve ser compulsória, e a

administração prisional deve destinar atenção especial a isso.

2. Na medida do possível, a educação dos presos deve ser integrada ao sistema

educacional do país, para que após sua liberação eles possam continuar seus estudos

sem maiores dificuldades.

Regra 105

Todas as unidades prisionais devem oferecer atividades recreativas e culturais em

benefício da saúde física e mental dos presos.

Relações sociais e assistência pósprisional

Regra 106

Atenção especial deve ser dada para a manutenção e o aperfeiçoamento das relações

entre o preso e sua família, conforme apropriado ao melhor interesse de ambos.

Regra 107

Desde o início do cumprimento da sentença de um preso, devese considerar seu

futuro após a liberação, e ele deve ser incentivado e auxiliado a manter ou estabelecer

relações com indivíduos ou entidades fora da unidade prisional, da melhor forma

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possível, para promover sua própria reabilitação social e os seus interesses e de sua

família.

B. Presos com transtornos mentais e/ou com problemas de saúde

Regra 109

1. Os indivíduos considerados imputáveis, ou que posteriormente foram

diagnosticados com deficiência mental e/ou problemas de saúde severos, para os

quais o encarceramento significaria um agravamento de sua condição, não devem ser

detidos em unidades prisionais e devemse adotar procedimentos para removêlos a

instituição de doentes mentais, assim que possível.

2. Se necessário, os demais presos que sofrem de outros problemas de saúde ou

deficiências mentais devem ser observados e tratados sob cuidados de profissionais

de saúde qualificados em instituições especializadas.

3. O serviço de saúde das instituições penais deve proporcionar tratamento

psiquiátrico a todos os outros prisioneiros que necessitarem.

Regra 110

Caso necessário, medidas devem ser tomadas, juntamente com entidades apropriadas,

para garantir a continuidade do tratamento psiquiátrico e para prestar

acompanhamento após a liberação.

[...]

C. Presos sob custódia ou aguardando julgamento

Regra 111

1. Indivíduos presos ou detidos sob acusação criminal que estejam sob custódia

policial ou prisional, mas que aguardem julgamento e sentença, devem ser tratados

como "presos não julgados" doravante nestas Regras.

2. Presos não condenados têm presunção de inocência e devem ser tratados como

inocentes.

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3. Sem prejuízo das previsões legais para a proteção da liberdade individual ou do

procedimento a ser observado com relação a presos não julgados, estes presos devem

ser beneficiados com um regime especial descrito nas Regras a seguir somente em

seus requisitos essenciais.

Regra 112

1. Presos não julgados deverão ser mantidos separados dos presos condenados.

2. Jovens presos não julgados devem ser mantidos separados dos adultos e, em

princípio, ser detidos em unidades separadas.

[...]"

Note-se, portanto, que a República Federativa do Brasil, ao participar

ativamente do aperfeiçoamento da Carta Internacional acima, comprometeu-

se, perante as nações ditas civilizadas, a adotar políticas públicas voltadas ao

tratamento humanizado dos indivíduos submetidos ao sistema carcerário

nacional. E isso tem um sentido lógico expresso no próprio texto das "Regras

de Mandela", em vários dos seus dispositivos: a recuperação do preso com o

intuito de integrá-lo, após o cumprimento da pena, ao seio social; a coibição

da prática de novos delitos; e, em consequência, o aumento da segurança

pública e do bem estar social como um todo.

Várias dessas regras internacionais foram adotadas pelo legislador

infraconstitucional brasileiro, além de estarem explícitas na Constituição

Federal de 1988. No próprio Código Penal, previram-se normas de tratamento

ao preso (arts. 33 a 42), voltadas, principalmente, à individualização da

aplicação e da execução da pena privativa de liberdade. Mas a grande maioria

das normas alusivas a este último ponto está na Lei de Execução Penal - LEP

(Lei nº 7.210/1984).

Pois bem.

A Lei nº 7.2010/1984, logo no seu art. 1º, prevê que a execução penal tem por

objetivo, além de efetivar as disposições sancionadoras da sentença ou da

decisão criminal, de "proporcionar condições para a harmônica integração

social do condenado e do internado". Em seguida, no seu art. 3º, assegura a

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essa categoria o respeito a todos os direitos não atingidos pela sentença ou

pela lei, sem distinção de qualquer natureza.

Já nos seus arts. 5º a 9ª-A, a LEP determina que os condenados sejam

classificados segundo seus antecedentes criminais e suas personalidades, com

o fim de orientar a individualização da execução penal, função atribuída a

uma Comissão Técnica de Classificação.

Em seguida, ela estipula as formas de assistência ao preso, ao internado e,

inclusive, ao egresso do sistema carcerário, a ser prestada pelo Poder Público,

visando a prevenir crime e orientar o retorno deles à convivência em

sociedade (art. 10). São elas (art. 11): assistência material; assistência à

saúde; assistência jurídica; assistência educacional; assistência social; e, por

fim, assistência religiosa.

A assistência material consiste no fornecimento de alimentação, vestuário e

instalações higiênicas (LEP, art. 12, caput).

A assistência à saúde abrange atendimento médico, farmacêutico e

odontológico; e, quando o estabelecimento penal não estiver em condições

físicas de prover essa assistência, ela será prestada em outro local, mediante

autorização da direção do estabelecimento (LEP, art. 14, caput e §2º).

Destina-se, a assistência jurídica, aos reclusos que não tiverem recursos

financeiros para constituir advogado e será prestada pela Defensoria Pública,

dentro e fora do estabelecimento, cabendo ao Poder Público conferir ao

citado órgão público conjuntura necessária para tanto (LEP, arts. 15 e 16).

A assistência educacional compreende a instrução escolar e a formação

profissional, sendo obrigatória a oferta de ensino de 1º grau e a implantação

de ensino médio, regular ou supletivo, nos estabelecimentos prisionais (LEP,

arts. 17, 18 e 18-A, este último acrescentado pela Lei nº 13.163).

Incumbe à assistência social amparar os reclusos e prepará-los para o retorno

à liberdade, inclusive (LEP, arts. 22 e 23): relatando, ao Diretor do respectivo

estabelecimento prisional, os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo

assistido; promovendo a recreação pelos meios disponíveis no presídio;

orientando o assistido, na fase final do cumprimento de pena, e do liberando;

providenciando documentos; orientando e amparando a família do preso, do

internado e da vítima; etc.

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Dentro da assistência religiosa, deve ser disponibilizado, no estabelecimento

prisional, local apropriado para cultos religiosos, a ser frequentado pelos

enclausurados que expressarem vontade para tanto, assegurada a liberdade

de culto (art. 24).

Quanto aos direitos dos presos, a Lei nº 7.2010/1984 impõe a todas as

autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados, dos presos

provisórios e dos indivíduos submetidos à medida de segurança (arts. 40 e 42).

Ademais, são garantidos a eles, entre outros direitos (art. 41): "alimentação

suficiente e vestuário" (inciso I); "proporcionalidade na distribuição do tempo

para o trabalho, o descanso e a recreação" (inciso V); "assistência material, à

saúde, jurídica, educacional, social e religiosa" (inciso VII); "entrevista pessoal

e reservada com o advogado" (inciso IX); "visita do cônjuge, da companheira,

de parentes e amigos em dias determinados" (inciso X); "igualdade de

tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena" (inciso

XII); e "contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da

leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os

bons costumes" (inciso XV).

No Título IV da LEP, inseriram-se normas detalhando critérios de separação de

presos, bem como estipulando padrões para a estrutura física dos

estabelecimentos penais.

As mulheres e os maiores de 60 (sessenta) anos, separadamente, devem ficar

recolhidos em local próprio e adequado às suas condições pessoais, ainda que

no mesmo conjunto arquitetônico de destinação diversa (LEP, art. 82, §1º).

Os estabelecimentos penais devem possuir salas de aulas destinadas a cursos

do ensino básico e profissionalizante, bem como instalação destinada à

Defensoria Pública (LEP, art. 83, §§ 4º e 5º).

Os presos provisórios ficarão separados dos condenados por sentença

transitada em julgado e serão apartados entre si pelos seguintes critérios

(LEP, art. 84, §1º, com a modificação feita pela Lei nº 13.167/2015):

"acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados" (inciso I);

"acusados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à

pessoa" (inciso II); e acusados pela prática de outros crimes ou contravenções

diversos dos apontados nos incisos I e II. Os presos condenados serão

repartidos entre si da seguinte forma (LEP, art. 84, §3º, com a modificação

feita pela Lei nº 13.167/2015): "condenados pela prática de crimes hediondos

ou equiparados" (inciso I); "reincidentes condenados pela prática de crimes

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cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa" (inciso II); "primários

condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça

à pessoa" (inciso III); e "demais condenados pela prática de outros crimes ou

contravenções em situação diversa das previstas nos incisos I, II e III" (inciso

IV).

No pertinente às estruturas e às destinações dos estabelecimentos prisionais,

diz a LEP que:

1) As penitenciárias se propõem a abrigar condenados à pena de reclusão, em

regime fechado (art. 87, caput), os quais serão alojados em cela individual

contendo dormitório, aparelho lavatório e sanitário, sendo requisitos básicos

da unidade celular (art. 88, caput e parágrafo único): "a) salubridade do

ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e

condicionamento térmico adequado à existência humana; e b) área mínima de

6,00m2 (seis metros quadrados)". Há, também, requisitos específicos para as

penitenciárias femininas (art. 89), que deverão ser dotadas de seção para

gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis)

meses e menores de 7 (sete) anos.

2) A Colônia Agrícola, Industrial ou Similar serve para o cumprimento de pena

privativa de liberdade em regime semiaberto (art. 91) e deve observar os

requisitos do art. 88, parágrafo único, letra "a", também da LEP, ou seja:

"salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação

e condicionamento térmico adequado à existência humana" (art.92, caput).

Além disso, submete-se às seguintes exigências básicas (art. 92, parágrafo

único): "a) a seleção adequada dos presos; b) o limite de capacidade máxima

que atenda os objetivos de individualização da pena".

3) A Casa do Albergado é destinada ao cumprimento de pena privativa de

liberdade em regime aberto, bem como da pena de limitação de fim de

semana (art. 93). Ela deverá localizar-se em centro urbano, segregada dos

demais estabelecimentos penitenciários, caracterizando-se pela ausência de

obstáculos físicos contra fuga (art. 94). Há de existir nela aposentos para

abrigar os presos e local adequado à realização de cursos e palestras (art. 95,

caput).

4) A Cadeia Pública dispõe-se a recolher presos provisórios, prevendo-se a

existência de pelo menos 01 (uma) unidade dela em cada comarca, cujas

celas se sujeitam aos mesmos requisitos mínimos previstos para as

penitenciárias (arts. 102 a 104).

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B) Fundamentos fáticos:

As precárias condições dos estabelecimentos prisionais brasileiros, salvo

raríssimas exceções, são conhecidas, ao menos superficialmente, por toda a

população brasileira minimamente esclarecida. São presídios e delegacias

superlotados em sua maioria; sem as exigências mínimas aptas a

proporcionarem, aos reclusos, a observância da dignidade da pessoa humana;

sem qualquer estrutura física para separar custodiados perigosos de

custodiados de baixa periculosidade, e, às vezes, mistura-se até homens com

mulheres; entre outros problemas gravíssimos. E esse quadro já perdura há

décadas.

Por outro lado, o clima de violência e criminalidade na qual essa mesma

população se encontra inserida faz boa parte dos brasileiros relevarem essas

questões a último plano, persuadidos que estão, muitas vezes de maneira

compreensível e justificável, pelas agressões sofridas na própria pele ou de

seus familiares, no próprio patrimônio, na sua reputação, na sua fé no

próximo, etc. E, em consequência, no momento de as diversas gestões

públicas exercerem suas escolhas no âmbito das políticas públicas, acabam

também por negligenciarem esses problemas carcerários, na medida em que

não são percebidas muitas cobranças da população em relação a eles.

No entanto, as consequências da deterioração do sistema carcerário brasileiro

não alcançam apenas os indivíduos a ele submetidos e suas famílias, mas toda

a sociedade. O fracasso do Estado em não buscar ressocializar os indivíduos

encarcerados passíveis de recuperação, por exemplo, interfere, diretamente,

nas altas taxas de reincidência criminal. A falta de dissociação entre presos

considerados de baixa periculosidade dos de alta periculosidade acaba por

fomentar a integração dos primeiros a organizações criminosas especializadas

em delitos graves e hediondos, aumentando, sobremaneira, os índices de

criminalidade. O descuido com a saúde dos encarcerados acarreta doenças de

diversas espécies e, não raras vezes, essas enfermidades resvalam nas pessoas

que frequentam os estabelecimentos prisionais, as quais, por sua vez,

contaminam outras pessoas lá fora. Esses são apenas alguns exemplos dos

resultados de um sistema encarcerador precário.

Em 2017, o Conselho Nacional de Justiça, por meio do seu Departamento de

Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução

de Medidas Socioeducativas - DMF, elaborou minucioso Relatório de Gestão a

respeito do tema, sob a coordenação do Conselheiro Bruno Ronchetti de

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Castro. Nele, foram postos dados alarmantes sobre o sistema carcerário

nacional, enfatizando-se a sua enorme ineficiência para o cumprimento dos

objetivos atribuídos às diversas formas de sanções criminais estabelecidas

pelo Direito Penal brasileiro. Abaixo, transcrevo parte desse Relatório, por

reputá-la de grande relevância para esta lide:

"[...]

2 CONTEXTUALIZAÇÃO

Quando da assunção do cargo de Supervisor do DMF, não se olvidava que a crise do

sistema carcerário brasileiro não era um fato recente, podendo, talvez, afigurar-se

como novidade a circunstância de conotação de drama humanitário que apresentava.

Para além da contribuição de diversas causas, tinha-se ciência de que se tratava de

consequência direta da condição de o Brasil ser o 4º país entre aqueles que mais

detêm pessoas em situação de privação de liberdade.

O aumento exponencial da população carcerária, denotado por um crescimento de

507% entre os anos de 1990 e 2013, e o elevado índice de reincidência que daí

decorre são suficientes, por si só, para demonstrar que o sistema carcerário

brasileiro carrega a marca da ineficiência. Vale dizer, não cumpre a finalidade e

não recupera o apenado. Pior que isso, sepulta direitos historicamente

conquistados, consagrados na Constituição Federal e nos Tratados

Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário.

Essa situação causa ainda mais perplexidade se a substituição a esse indicativo

percentual (de 507%) for expressa em números: em junho de 2014, segundo dados do

Relatório de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça - INFOPEN-2014, o

número de pessoas em situação de privação de liberdade no Brasil ultrapassava

622.000. Esse quantitativo equivale a uma média de 300 presos por 100.000

habitantes, justamente o dobro da média mundial, que é de 150 presos por 100.000

habitantes.

Em meio a esse contingente, cerca de 250.000 equivalem a presos provisórios, o que

equivale a quase 40% da população prisional. E a dura constatação é que, mesmo

após o advento da Lei n. 12.403/2011, cujo desejo foi tornar a prisão provisória uma

exceção, porquanto passou-se a oferecer novos paradigmas punitivos para o sistema

de justiça criminal, a opção pelo 'encarceramento', seja provisório, seja definitivo,

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seguiu sendo a regra. Definitivamente, é a opção primeira aos atores do sistema de

justiça.

Curioso observar, ademais, que o vertical incremento da taxa de encarceramento nas

duas últimas décadas não conduziu à diminuição do índice da prática de crimes,

como desejado por aqueles que fazem da restrição da liberdade a regra para o

combate à criminalidade.

[...]

Com efeito, em seu último relatório, o grupo de trabalho sobre Detenção

Arbitrária da ONU descreve a realidade brasileira como alarmante. 'Embora o

sistema de justiça criminal brasileiro trabalhe sob matrizes garantistas, a decretação

da prisão cautelar continua sendo amplamente assumida pelo Judiciário local sem

maiores reflexões'. Há um desencontro entre a lei e sua aplicação. O que o sistema

carcerário, hoje, institucionaliza e dissemina, e o faz da melhor maneira, é o estigma

e a vulnerabilidade (seja ela individual ou pessoal, social e mesmo institucional) de

substancial parcela da população intramuros.

Constatou-se, ainda, que a sanção infligida aos apenados ultrapassa os limites e o

sentido da punição, de forma a tornar o Estado tão criminoso quanto aquele que

confinou, na medida em que tolera esse quadro de violações sem intervir

adequadamente para remediar essa realidade. O recolhimento de pessoas, via de

regra, acontece em celas imundas, desprovidas de salubridade. Torturas, maus-

tratos, proliferação de doenças infectocontagiosas, falta de água potável,

violência sexual, a comida estragada, falta de componentes básicos de higiene

pessoal, são alguns dos gravíssimos déficits apurados nas rotineiras inspeções

realizadas por juízes de todo o Brasil nos presídios sob sua respectiva jurisdição.

O ócio penitenciário, ademais, constitui a regra e assistências intramuros, quase

inexistentes. O porvir post penitenciário é desesperançoso. Na grande maioria dos

presídios a pessoa em situação de privação de liberdade é submetida à condição

degradante: os detidos que ali se encontram estão relegados à própria sorte. Estão

abaixo da dignidade que o Estado tem por princípio e imperativo categórico a

obrigação de preservar.

[...]

E) Do Sistema Carcerário Brasileiro: Características Gerais

i) População

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Analisados os dois principais programas em execução no DMF quando da transição

da gestão, outro desafio era o de conhecer, da forma mais ampla possível, o sistema

carcerário em nível global, para, a partir de referências estatísticas confiáveis e

recortes específicos, traçar estratégias de ação consistentes, efetivas e realistas.

Esses dados tomaram por base as informações constantes do Levantamento Nacional

de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça (Infopen), e do Geopresídios,

que espelha os relatórios mensais do Cadastro Nacional de Inspeções nos

Estabelecimentos Penais (CNIEP), do CNJ.

O sistema prisional brasileiro é o quarto do mundo em número de pessoas, após

Estados Unidos da América (2.228.424), China (1.657.812) e Rússia (673.818).

De acordo com a última contagem da população, recenseada e estimada pelo IBGE

em 2016, até a edição do presente Plano, a população brasileira é de

aproximadamente 205.720.000 habitantes. Segundo o Infopen de 2014, a população

carcerária brasileira era de 607.731 presos, sendo que 358 integravam o sistema

penitenciário federal.

O relatório de abril do Geopresídios, por sua vez, indicou 877.580 pessoas em

cumprimento de pena.

Os custodiados nos sistemas penitenciários estaduais se subdividem da seguinte

forma: 27.950 pessoas estão encarceradas em delegacias e 579.423 em

estabelecimentos penais. Destes, 250.213 são provisórios, 250.094 são condenados

em cumprimento de pena em regime fechado, 89.639 são condenados em

cumprimento de pena em regime semiaberto, 15.036 condenados em cumprimento de

pena em regime aberto, 2.497 cumprem medida de segurança sob a forma de

internação e 360 sob a forma de tratamento ambulatorial.

Conquanto o número de pessoas privadas de liberdade no Brasil ultrapasse a marca

das seiscentos mil pessoas, só existem 376.669 vagas no sistema penitenciário. A taxa

de encarceramento nacional é 300 presos para cada cem mil habitantes no país. A

quantidade de encarcerados é consideravelmente superior às quase 376 mil vagas do

sistema penitenciário, alcançando um déficit superior a 230.000 vagas. A taxa de

ocupação média dos estabelecimentos é de 161%, a quinta maior entre os países que

se apresentam com contingente prisional elevado. Em média, em espaços concebidos

para acomodarem 10 pessoas, existem por volta de 16 encarcerados. Consequência

dos índices de ocupação das vagas existentes é que mais de dois terços das unidades

prisionais têm ocupação maior que 100%.

[...]

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Dados ainda mais relevantes são os referentes aos presos sem condenação. O Brasil

exibe, entre os países comparados, a quinta maior taxa de custodiados provisórios.

Aproximadamente 40% estavam presas sem terem sido julgadas em 2014. A

quantidade de presos provisórios ultrapassa a quantidade dos presos em regime

fechado.

[...]

[...] a variação na taxa de aprisionamento é a segunda maior de todo o mundo,

ficando atrás apenas da Indonésia. Desde 2000, a população prisional cresceu, em

média, 7% ao ano. Enquanto o crescimento do total da população brasileira foi de

16% no período, em uma média de 1,1% ao ano, a quantidade de encarcerados

cresceu 161%.

Em contrapartida, um dado positivo é a queda brusca do percentual de pessoas

presas em carceragens de delegacias ou similares, de 25% para 5% e, 2014,

especialmente considerando a recomendação do CNJ pela desativação das

carceragens de polícia no 3º Encontro Nacional do Judiciário, em 2010.

[...]

ii) Estabelecimentos prisionais

No Brasil, existem, ao todo, 1.424 unidades prisionais. Quatro desses

estabelecimentos são penitenciárias federais. As demais unidades são

estabelecimentos estaduais. Importa salientar, desde logo, que há um desvirtuamento

da destinação originária de grande parte desses estabelecimentos. Mais da metade

dessas unidades constam originalmente como destinadas ao recolhimento de

presos provisórios. Porém, 84% delas também confinam pessoas em

cumprimento de pena definitiva. Nos estabelecimentos destinados ao

cumprimento de pena em regime fechado também existem condenados a outros

regimes (80%).

[...]

Com vistas a cumprir o previsto na Lei de Execução Penal25, no que concerne à

ambiência prisional e arquitetura das unidades prisionais, os estabelecimentos penais

devem ser capazes de oferecer serviços de saúde, educação e trabalho, além de outras

características arquitetônicas essenciais. Apesar da complexidade indicada para essas

instalações, mais de um terço das unidades prisionais no país (36%) não foram

concebidas para serem estabelecimentos penais, mas acabaram adaptadas para

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este fim. Esse fato gera um impacto negativo, pois poucas instalações adaptadas

possuem módulos de saúde (22%), educação (40%) e trabalho (17%).

Em apenas 6% das unidades analisadas pelo Depen registrou-se a existência de

módulos, alas ou células com acessibilidade para pessoas com deficiência.

Esse quadro de ocupação das vagas do sistema penitenciário, o estado das

instalações físicas, os serviços prestados e o excesso de presos provisórios no

Brasil são os componentes de um cenário problemático e complexo. Ele revela a

necessidade de ruptura com os modelos de gestão e de política criminal

ultrapassados, e que são o terreno fértil para a proliferação de violações aos direitos

humanos.

A esse respeito, vale transcrever parte da descrição trazida pelo Relatório da CPI do

Sistema Carcerário:

O que se evidenciou nas visitas da Comissão foi que a grande maioria das unidades

prisionais do País possui uma distribuição espacial inadequada, tanto quanto aos

internos como à segurança dos agentes prisionais. As celas e os pavilhões de celas

alojam mais presos do que sua capacidade permite, gerando revoltas e tornando mais

perigoso o trabalho de funcionários, já desmotivados e desprestigiados pela

sociedade. O espaço gerado pelas construções é o local que a maioria dos atores

envolvidos no sistema prisional frequenta constantemente, devendo oferecer

condições mínimas de conforto, higiene, segurança, necessárias à ressocialização dos

internos para posterior reingresso na sociedade. A forma como o espaço é arquitetado

pode permitir ou limitar as ações dos atores envolvidos no Sistema, gerando assim

condições benéficas ou maléficas, facilitando ou dificultando a segurança.

[...] A falta de espaços adequados aos custodiados, como celas individuais e

coletivas, além de pátios separados, proporciona a propagação de doenças e a

corrupção, sendo a primeira porta para as facções criminosas terem influência

sobre os custodiados. A segurança dos estabelecimentos normalmente é frágil, por

serem mal projetadas e superlotadas, facilitando, inclusive, o resgate de presos.

Conforme presenciado pelos membros da CPI, a insegurança da população

circunvizinha e dos funcionários é enorme, além de manter os encarcerados em

condições desumanas.

[...] Na quase totalidade das cadeias, a CPI constatou que o banho é frio.

Chuveiros? Não existem. São canos de água de onde sai a água fria para o

banho, a fim de economizar energia. Não ficam os "chuveiros" com água à

disposição, não. Tem hora marcada: durante 1 hora ou 1 hora e meia a água sai do

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cano, depois é fechada. Como são muitos os presos, é preciso que o banho seja

rápido.

Em Vitória do Espírito Santo, para não ficarem sem água os detentos armazenam em

garrafas de refrigerantes a quantidade de que necessitam. Pilhas e pilhas de garrafas

no interior das celas, o que, além de péssimo, pode constituir uma arma poderosa em

momentos de crises, quer mantendo os presos em casos de rebeliões prolongadas,

quer no uso como arma, já que cada litro pesa mais de dois quilos.

Nas cadeias públicas superlotadas, como em Contagem, Minas Gerais, Valparaíso,

Novo Gama, Formosa e Planaltina de Goiás, no Estado de Goiás, a situação é ainda

mais crítica: três, quatro e até sete dezenas de homens, espremidos em uma única

cela, disputam no tapa os pingos de água que caem pelo buraco da parede.

A falta de água, o suor de homens amontoados e aparelhos sanitários sem

limpeza produzem um cheiro nauseabundo e insuportável no interior das

unidades penais.

Quem entra em um estabelecimento penal, e chega perto de uma cela apinhada de

homens e mulheres, não esquece jamais o cheiro que dali se exala.

(...) É geral: as celas são escuras, totalmente sem iluminação, ou com lâmpadas

tão fracas que mal se enxerga lá dentro. Os presos parecem homens-morcego,

circulando na escuridão. Há celas que, inclusive, sequer têm janelas, de forma

que nem sol entra, além de não haver circulação de ar.

Em penitenciária no Piauí, além de paredes encardidas pela sujeira e pelo tempo, não

havia luz nos corredores e nas celas. Quando a CPI retornou no meio da noite, para

refazer a diligência, os Deputados usaram lanternas e isqueiros para iluminar o local.

Em São Paulo, numa cela do "castigo", no Centro de Detenção Provisória de

Pinheiros, havia dez homens, que esperavam transferência. Não há no local nem

entrada de ar nem de luz, e eles disseram à CPI que estavam há mais de sessenta dias

sem banho-de-sol.

Homens e mulheres há 30, 60, 120 dias sem ir para o pátio e tomar banho-de-sol foi

uma situação encontrada em vários presídios.

Em Minas Gerais, na Delegacia de Entorpecentes, a CPI encontrou presos há 03 anos

sem tomar banho-de-sol.

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Em São Luís, no Presídio de Pedrinhas, a pele amarelada de dezena de presos

denunciava a falta de sol.

Em Rondônia, em celas onde caberiam 06 e se encontravam 26, a circulação de ar

também é absurda e deficiente. Num calor de 40 graus, os homens estavam suados.

Pequenos buracos nas laterais das celas e uma minúscula janela na parte superior,

bem lá em cima, eram as únicas e insuficientes entradas de ar.

Sem luz, sem ar, o resultado são celas úmidas, cheias de bolor por todos os lados e

um cheiro horrível.

Os presos por anos a fio sem ver a cor do sol apresentam-se pálidos, como se há

tempo fossem defuntos.

A sonegação de recursos naturais, como ventilação e sol, é a revelação mais cruel

do tratamento dispensados aos presos pelos gestores do sistema penitenciário. O

ar e o sol não custam um tostão. Dependem apenas do coração cristão e do

sentimento de humanidade inexistente nos estabelecimentos penais.

[...]

O que se viu nas diligências foram paredes de alvenaria com possibilidade de fácil e

rápida demolição pelos internos, em caso de rebelião, permitindo a sua rápida

propagação dentro do estabelecimento, dificultando a intervenção do apoio tático

para debelá-la, enquanto ainda nascente, ou para impedir fuga em massa. Muitas das

redes hidro sanitárias apresentavam vazamentos, criando um ambiente úmido,

propício à propagação de doenças. Vasos sanitários sem o fecho hídrico permitem

que ratos e baratas frequentem as celas, disseminando doenças graves, com alto custo

para o sistema penitenciário. A instalação de boxes sanitários nas celas, sem

ventilação, é outro fator de insalubridade. As redes de energia elétrica em quase todas

as celas visitadas estavam danificadas e, em alguns casos, com o consentimento da

administração foram instaladas gambiarras extremamente perigosas, que podem

provocar incêndios ou choques elétricos nos internos e/ou agentes. Camas, paredes

dos banheiros e cortinas, dispostos de maneira a não permitir que o agente tenha uma

visão interna completa da cela, também prejudicam a segurança e a disciplina (os

grifos não estão no original).

iii) Saúde nos presídios

O art. 12 da Convenção Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

da ONU prevê ser direito de todos os 'mais altos padrões de saúde física e mental

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alcançáveis'. É dizer, as pessoas encarceradas não foram excluídas do rol dos titulares

desse direito fundamental, e deveriam ter condições de saúde equivalentes àquelas

oferecidas à comunidade em geral, sob pena de se admitir um agravo à pena não

previsto pelo legislador.

[...]

Há uma concentração importante de epidemias de HIV/Aids, Tuberculose, e

outras DST. Os dados nos informam que, a cada 100 pessoas presas em

dezembro de 2014, 1,3 viviam com HIV. É uma taxa de prevalência bem

superior à da população em geral, que gira em torno de 0,4%. Da mesma forma,

0,5% da população prisional vivia com sífilis, 0,6% com hepatite, 0,9% com

tuberculose e 0,5% com outras doenças. Segundo dados do Portal da Saúde,

pessoas privadas de liberdade têm, em média, uma chance 28 vezes maior do que

a população em geral de contrair tuberculose. Os presídios são importante meio

de desenvolvimento de formas resistentes da bactéria causadora da moléstia.

Saliente-se que as doenças acabam sendo levadas para a vida extramuros, tanto

pelos servidores penitenciários, que têm contato direto com a população

carcerária, como pelos parentes dos presos.

Outro dado de grande relevo é com relação às pessoas deficientes.

Em 12 estados brasileiros, nenhuma pessoa presa com deficiência física está alocada

em uma vaga compatível com sua condição. Nesses estados pode até haver vagas que

se coadunem com as facilidades inerentes à acessibilidade, mas as pessoas que se

encaixam nessas vagas não estão alocadas nessas celas.

A saúde das mulheres encarceradas também merece destaque.

[...]" - Sem grifos no original.

(Relatório encontrado no endereço eletrônico http://www.cnj.jus.br/

files/conteúdo/arquivo/2017/04/3902dd211995b2bcba8d4c3864c82e2.

pdf)

Em Sergipe, a Coordenadoria de Atividades Policiais e Políticas Penitenciárias

da OAB/SE elaborou, entre os anos de 2013 e 2015, relatórios sobre a situação

das delegacias:

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RELATÓRIO DE VISITA

AUTOS

BAIXADOS

EM PDF, NO

MODO

CRESCENTE

DATA DA

VISITA

DELEGACIA

VISITADA

NR DE

PRESOS/NR

DE CELAS/

CAPACIDADE

TOTAL

PROBLEMAS

RELATADOS

Fls. 97/98 25/04/2013 12ª DM1 0/0/0

Não havia presos nem celas

lá à época.

Fls. 92/96 09/05/2014 4ª DM2 49/04/-

1) comida de péssima

qualidade e, às vezes,

estragada, causando

disenteria;

2) superlotação das celas;

3) fornecimento de salsicha

pré-cozida como tipo de

carne nas refeições.

Fls. 83/85 10/06/2014 5ª DM3 42/04/12

1) superlotação (a

capacidade de cada cela é

de 3 presos, havendo mais

de 10, no entanto);

custodiados dormindo

sentados;

2) fornecimento de salsicha

como tipo de carne nas

refeições; o almoço só

chega às 15h, e o jantar, às

20h;

3) falta de privacidade para

o advogado conversar com

o preso;

4) falta de remédios,

muitos presos doentes e um

preso necessitando de

amputar uma perna;

5) banho de mangueira

dentro da própria cela,

molhando o piso do local e

impossibilitando que os

custodiados se sentem;

6) visita de apenas 05

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(cinco) minutos;

7) existência de ratos nas

celas.

Fls. 86/91 17/06/2014 1ª DM4 55/04/16

1) superlotação nas celas;

2) fornecimento de salsicha

como tipo de carne nas

refeições, inclusive com

"liga" em alguns dias; o

almoço só chega às 15h;

3) falta de remédios, apesar

de existirem presos

doentes;

4) a mesma mangueira

utilizada para tomar banho

dentro da cela é usada para

beber água, sendo que ela

fica no chão do local e, por

conseguinte, contaminada

por germes e sujeira;

5) visita familiar de apenas

03 (três) minutos

semanalmente e é feita

através da grade, sem

nenhum contato físico;

6) permanência de alguns

presos por mais de 03 (três)

meses no local, sem a

transferência para o

presídio, ressaltando-se que

alguns deles foram

condenados a regime

semiaberto.

Fls. 99/102 25/05/2015 2ª DM5 70/06/36

1) superlotação nas celas,

com necessidade de fazer-

se rodízio na hora de

dormir;

2) inexistência de visita

médica periódica e regular

e falta de agentes

suficientes para o caso de

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um custodiado precisar ser

atendido fora do local;

3) as celas não possuem

cama ou mesmo condições

físicas para tanto;

4) inexistência de espaço

adequado para os presos

tomarem banho de sol,

fazendo com que eles

fiquem apenas 15 ou 20

minutos fora de suas celas,

sem essa possibilidade

mínima nos fins de semana,

devido à diminuição de

agentes no local;

5) efetivo de agentes

insuficiente e despreparado

para atender a eventual

situação de emergência, o

que coloca em risco

inclusive a vida e a

integridade física desses

próprios agentes públicos.

Fls. 103/108 18/06/2015 5ª DM6 41/04/16

1) superlotação nas celas,

sendo que uma delas estava

com um buraco no chão e

teve de ser interditada, o

que agravou mais a

situação de superlotação

das demais celas;

2) falta de privacidade para

os servidores responsáveis

pela elaboração dos

boletins de ocorrência da

unidade, o que causa

profunda humilhação às

vítimas de crimes contra os

costumes;

3) assistência médica

precária, pois só quando

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algum preso sofre de

doença contagiosa é que

providenciam o

encaminhamento do

custodiado doente para

hospitais, não havendo

visita de perito médico para

verificar/separar quais os

detentos mais necessitados

de assistência médica.

4) fornecimento de

refeições com atraso e

estragadas;

5) estrutura velha e sem

manutenção, com

instalações improvisadas,

as quais necessitam de

reformas urgentes;

6) o local não possui área

adequada para banho de sol

há 4 anos;

7) celas sem nenhuma

condição de higiene e

dignidade, não havendo

separação de custodiados

por grau de periculosidade;

8) inexistência de

alojamento para abrigar

agentes plantonistas e de

sala para o reconhecimento

de investigados;

9) falta de espaço suficiente

para alocar motocicletas

apreendidas, fazendo com

que esses objetos fiquem ao

relento, sofrendo ação da

chuva e do sol, situação

que impossibilita, em

alguns casos, a análise de

adulteração de chassis e

etc, em razão do

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desbotamento dos registros

de apreensão;

10) insuficiência de agentes

lá lotados, em comparação

ao número de detentos

existentes no local;

11) falta de material de

trabalho, como armas,

munições não letais,

objetos de escritório,

viatura, etc.

Fls. 109/112 22/07/2015

Delegacia

Regional de

Itabaiana7

58/05/30

1) superlotação das celas;

2) falta de água;

3) refeições atrasadas e em

pouca quantidade;

4) visitas autorizadas

apenas de 15 em 15 dias e

apenas para uma única

pessoa por vez;

5) assistência médica

deficiente;

6) presença de 07 (sete)

presos já condenados

definitivamente.

1 - Praça Getúlio Vargas, nº 18, Centro, São Cristóvão/SE.

2 - Av. Heráclito Rollemberg, nº 10, Conj. Augusto Franco, Aracaju/SE.

3 - Rua 24, Nossa Senhora do Socorro/SE.

4 - Rua Oscar Valois Galvão, nº 341, Conj. Leite Neto, Aracaju/SE.

5 - Rua Divina Pastora, nº 1134, Bairro Getúlio Vargas, Aracaju/SE.

6 - Rua 24, nº 130, Conj. João Alves Filho, Bairro Taiçoca de Fora, Nossa Senhora do Socorro/SE.

7 - Rodovia BR-235, Km 57, Centro, Itabaiana/SE.

A parte autora ainda acostou várias reportagens noticiando as condições das

delegacias em Sergipe, especialmente quanto à: superlotação das celas; a

precariedade das estruturas das unidades; o risco para a integridade física e

para a vida dos agentes policiais que nelas trabalham; a facilidade de

realização de rebeliões; denúncias de torturas de presos; entre outros

problemas [fls. 141/155 dos autos digitais baixados em PDF, no modo

crescente].

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No ano de 2016, foi realizada inspeção judicial, precisamente nos dias 18 e 19

de janeiro, nas 1ª, 2ª, 4ª e 10ª Delegacias Metropolitanas de Aracaju/SE, no

COPE - Complexo de Polícia Especializada e na Delegacia Regional de

Itabaiana/SE. Visitou-se, ainda, na ocasião, a obra de construção da Cadeia

Pública de Areia Branca/SE. Participaram da diligência, além deste

magistrado e de servidores públicos lotados nesta 3ª Vara Federal: pelo

Ministério Público Federal, o Exmo. Procurador da República Ramiro

Rockemback; pela OAB/SE, os Ilmo. advogados Thiago José de Carvalho e

Robson Barros; pelo Estado de Sergipe, o Ilmo. Secretário de Segurança

Pública à época, Mendonça Prado, e o Ilmo. Coordenador de Polícia das

Delegacias da Capital, Paulo Ferreira Lima.

Constatou-se, naquelas ocasiões, uma tímida melhoria nas condições de

abrigo aos presos, especialmente quanto à noticiada superlotação dos

referidos estabelecimentos prisionais. Contudo, ainda foram encontrados os

seguintes problemas [ID 4058500.539296]:

1ª DM

1) Manutenção lá de 01 (um) preso há cerca de 80 dias.

2) Custodiados dormindo no chão, em lençóis e toalhas trazidos

por seus familiares.

3) Fornecimento de água sem tratamento adequado.

4) Não fornecimento de material de limpeza e higiene

2ª DM

1) Inexistência de iluminação noturna.

2) Celas em condições bastante precárias de higiene.

3) Fornecimento em atraso de refeições, as quais já chegam

estragadas.

4) Não existência de visitas, sendo a comunicação com os

familiares realizada por via de correspondência.

4ª DM

1) Celas com excesso de presos.

2) Permanência lá de custodiado já há quase 02 (dois) anos.

3) Unidades celulares em condições precárias de higiene.

4) Presos dormindo no chão, em lençois e toalhas fornecidos

por seus familiares.

5) Fornecimento precário de alimentação.

6) Fornecimento de água sem tratamento adequado.

7) Ausência de atendimento médico até para os casos que

reclamam urgência.

8) Não existência de visitas, sendo a comunicação com os

familiares realizada por via de correspondência.

10ª DM Condições de alimentação e higiene precárias, muito

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semelhantes às dos estabelecimentos acima.

COPE Não foram detectados problemas relevantes. Porém, a

Autoridade Policial relatou que a superlotação lá é costumeira.

Delegacia Regional de

Itabaiana/SE

1) Condições de alimentação e higiene precárias, muito

semelhantes à dos estabelecimentos já visitados.

2) Sistema de atendimento médico inadequado.

A visita feita na obra da Cadeia Pública de Areia Branca/SE revelou que o

estabelecimento prisional contará com várias celas e salas multiuso, amplo

espaço para banho de sol e locais reservados para a realização de visita

íntima.

No início de fevereiro de 2016, o Estado de Sergipe enviou, a este juízo, lista

contendo os números de presos abrigados nas Delegacias de Sergipe,

atualizados até 17/12/2015 [ID 4058500.515067]. Nas 17 (dezessete)

Delegacias aqui existentes, havia 179 (cento e setenta e nove) custodiados.

Em audiência de custódia realizada nesta Vara Federal, no dia 07/03/2018 [ID

4058500.1704739], as flagranteadas Miriam Moura Bastos Santos e Gleice

Moraes Santos relataram, de forma harmônica, o enorme estado de

calamidade existente na 2ª Delegacia Metropolitana, destacando-se a

imundice das celas, inclusive com circulação de ratos de grande porte, e

fornecimento de refeição com excessivo atrasado, e de água saída de um

recipiente usado para dar descarga no vaso sanitário:

"Que quer registrar que, na 2ª Delegacia Metropolitana de Aracaju, não lhe foi

fornecida, no dia de ontem, alimentação, tendo ficado com fome desde o momento de

sua prisão até por volta das 13h de hoje; que naquela unidade policial somente teve

água para beber de um vaso utilizado para dar descarga no vaso sanitário. Que na cela

onde ficou encarcerada havia a presença de ratos de grande porte, que saía de um

esgoto aberto na referida cela; que, no vaso, dentro da cela, havia muitas fezes. Que

pediu providências, inclusive, uma vassoura para fazer a limpeza da cela, mas

recebeu a resposta de um servidor de que não tinha. Que o colchão que lhe foi dado

para dormir estava molhado de urina e a custodiada o colocou no sol."

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Conclui-se, pelo testemunho das aludidas presas em flagrante, que quase

nada mudou nas delegacias do Estado de Sergipe desde 2011.

Também em 2018, no mês de março, a Comissão de Direitos Humanos da

OAB/SE publicou documento a respeito do sistema prisional em Sergipe,

intitulado "RELATÓRIO: SISTEMA PRISIONAL DO ESTADO DE SERGIPE" (vide

https://www.conjur.com.br/dl/sergipe-cinco-estados-maior-risco.pdf).

Abaixo, colacionam-se os trechos mais importantes para esta demanda:

"[...]

2. Sistema Prisional do Estado de Sergipe

O sistema prisional do estado de Sergipe é composto por 08 (oito) unidades

prisionais, sendo 02 (duas) destinadas ao regime fechado e as demais aos presos

provisórios. A maior unidade prisional do estado destinada a presos provisórios é o

COPEMCAN (Complexo Penitenciário Dr. Manoel Carvalho Neto), localizado no

munícipio de São Cristovão, com capacidade para 800 detentos. As demais unidades

destinadas aos presos provisórios sob gestão estatal são CADEIÃO (Cadeia

terrritorial de Nossa senhora do Socorro), localizada no município de Nossa Senhora

do Socorro, com capaciadade para 160 (cento e sessenta) detentos e PREFEM

(Presídio Feminino do Estado de Sergipe), também localizado no município de Nossa

Senhora de Socorro, com capacidade para 175 (cento e setenta e cinco) detentas.

Há ainda 03 (três) unidades destinadas a presos provisórios que possuem sua

administração tercerizadas à empresa REVIVER, sendo elas, COMPAJAF,

(Complexo Penitenciário Antônio Jacinto Filho), localizado na capital sergipana, com

capacidade para 476 (quatrocentos e setenta e seis) detentos; CADEIA PÚBLICA DE

ESTÂNCIA, localizado no município de Estância/SE, com capacidade para 196

(cento e noventa e seis) detentos, e CADEIA PÚBLICA DE AREIA BRANCA,

localizada no município de Areia Branca, com capacidade para 392 (trezentos e

noventa e dois) detentos.

As 02 (duas) unidades destinadas ao regime fechado são: PRESMABAS, Presídio

Regional Juiz Manoel Barbosa de Souza, localizado no município de Tobias Barreto,

com capacidade para 346 (trezentos e quarenta e seis) detentos e PRESLEN, Presídio

Regional Senador Leite Neto, localizado no município de Nossa Senhora da Glória,

com capacidade para 177 (cento e setenta e sete) detentos.

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Com a mencionada estrutura, Sergipe conta atualmente com o total aproximado de

5.274 presos, quando sua capacidade é para apenas 2.199 detentos.

Por tais motivos, o sistema prisional sergipano está entre os 05 (cinco) estados com

maiores riscos de rebelião iminente, sendo o COPEMCAN e o PRESLEN as

unidades que apresentam as piores condições.

2.1 Complexo Penitenciário Dr. Manoel Carvalho Neto (COPEMCAN)

O Complexo Penitenciário Dr. Manoel Carvalho Neto, conhecido como

COPEMCAN, localizado na Rodovia BR 101, Povoado Timbó, São Cristóvão/SE,

CEP 49025-330, tem capacidade máxima de 800 (oitocentos) internos, todavia,

abriga atualmente mais de 2.500,00 (dois mil e quinhentos), distribuídos em 5 (cinco)

pavilhões. Portanto, há três vezes mais detentos do que sua estrutura suporta.

Em contraste ao número de presos, possui um efetivo médio de apenas 18 agentes

penitenciários por plantão.

A Unidade é destinada a presos provisórios, porém, há grande número de internos em

situação irregular, ou seja, já condenados, cumprindo pena em estabelecimento

inadequado.

As visitas dos familiares ocorrem de segunda a sábado (um pavilhão por dia da

semana), com diversas dificuldades.

Sabe-se que familiares levam a chamada "mensagem", termo utilizado para se referir

aos mantimentos alimentícios entregues aos presos, devido à ineficácia estatal no

fornecimento de alimentação adequada e suficiente.

Segundo relato de familiares, os alimentos levados por eles são jogados fora, ou

retirados das vasilhas próprias e colocados em sacos plásticos.

Quanto às visitas íntimas, estas ocorrem somente aos sábados e nem todos os internos

possuem acesso. Não há local adequado para sua realização, ocorrendo dentro das

celas, sob a organização dos próprios internos. Somado a isso, não há o devido

fornecimento de água ou sequer vasos sanitários.

No que tange à segurança, o COPEMCAN possui 12 (doze) guaritas que por cerca de

08 (oito) anos estiveram desativadas. Recentemente, apenas 02 (duas) voltaram a ser

utilizadas devido à grande possibilidade de fugas, porém, são ocupadas por agentes

penitenciários que vendem seus dias de folga, portanto, sem o devido descanso.

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Os prédios que compõem o estabelecimento são antigos, úmidos, escuros, insalubres

e mau-cheirosos (cheiro de mofo, esgoto e putrefação), com a "ratos gigantes",

baratas e esgoto entupido. Ademais, importante frisar o risco de incêndio considerada

a ausência de manutenção nas instalações elétricas, conforme fotos em anexo,

fornecidas pelo SINDPEN (Sindicato dos Agentes Penitenciários e Servidores da

Secretaria de Justiça de Sergipe).

A Unidade Prisional é composta por um prédio central onde está instalada a área

administrativa, cinco pavilhões antigos (P1, P2, P3, P4 e P5), duas oficinas, uma

cozinha e uma enfermaria com funcionamento precário, possuindo apenas 01 (uma)

enfermeira e sem médico lotado na unidade.

Não há janelas nas celas, ficando o ambiente insuportável pela falta de ventilação,

extremo calor e odor desagradável, revelando-se um verdadeiro ambiente de tortura.

As celas foram projetadas para receber cerca de 12 (doze) internos, porém, a

realidade atual é uma média de 33 (trinta e três) internos por cela.

A higienização é feita pelos detentos, sendo que quem fornece o material de higiene e

limpeza são os familiares. Apesar disso, é visivel o ambiente insalubre e de condições

desumanas.

A água é somente fornecida por, inacreditáveis, 5 (cinco) a 10 (dez) minutos/dia em

cada pavilhão, situação que obriga os detentos a armazenarem água em garrafas

plastica para consumo, banho e higiene pessoal.

A instalação elétrica é um problema grave, existem fios por todo o complexo, não há

tomadas nas celas e os presos fazem "gambiarras artesanais" puxando energia do

corredor dos pavilhões para dentro delas, podendo ocasionar incêndios.

A alimentação é uma queixa geral por estar sempre azeda/estragada,

malacondicionada e servida fora do horário.

Há centenas de internos doentes, alguns em estado grave e fora constatado surto de

tuberculose em todos os pavilhões.

Há internos ameaçados e "jurados de morte" sem nenhum tipo de auxílio, ou previsão

de transferência.

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A rede de esgoto de todos os pavilhões está entupida e transborda com frequência.

Nos períodos de chuva, todos os pavilhões alagam.

Apenas um pavilhão (P1) tem atividade laboral desenvolvida no presídio, sendo da

indústria Duchas Corona. Somente os presos com melhor comportamento têm

oportunidade para o trabalho, haja vista as poucas vagas oferecidas, cerca de 50

(cinquenta). Para os demais pavilhões nenhuma atividade é oferecida.

A enfermaria não funciona, não há médicos para atendimento. Os internos, quando

recebem algum tipo de tratamento, são apenas paliativos. Não há sequer material para

urgências e, segundo os próprios internos e seus familiares, os medicamentos levados

pela família não são entregues.

Inúmeros internos apresentam problemas de saúde, tais quais pressão alta, câncer,

leucemia, hérnias com necessidade de intervenção cirúrgica, tuberculose, porém, não

recebem os devidos cuidados especiais.

[...]

Diante do exposto, superlotada com três vezes sua capacidade, com média de apenas

18 (dezoito) agentes por plantão, acesso a somente 10 (dez) minutos de água por dia

em cada pavilhão, apenas uma enfermeira, sem medicamentos, comprovado surto de

turbeculose e outras doenças contagiosas, alimentação insuficiente e de péssima

qualidade é que funciona esta unidade prisional, uma afronta à dignidade humana,

revelando-se uma verdadeira BOMBA-RELÓGIO, prestes a explodir num cenário

trágico de guerra.

2.2 Presídio Regional Senador Leite Neto (PRESLEN)

O presídio custódia atualmente 377 (trezentos e setenta e sete) presos, porém, sua

estrutura é para apenas 177 (cento e setenta e sete).

A organização interna (celas, alas e pavilhões) é realizada pelos próprios detentos, os

agentes (média de apenas cinco por plantão) não entram nestes espaços "exclusivos"

de presos.

O presídio é dividido em duas alas "A" e "B", cada uma com quase 200 (duzentos)

presos. Como dito, os agentes não têm condições de passar da porta de contenção de

cada ala, sendo a toda a organização interna de acomodações realizada pelos próprios

detentos.

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Na eventualidade de algum interno passar mal e necessitar ser retirado para

tratamento, é necessário aguardar reforço policial, impedindo qualquer possibilidade

de socorro célere em casos graves.

Inclusive, em 22/08/2015, no plantão noturno, um agente penitenciário foi morto

após tentar atender falso pedido de socorro feito por um detento. Registre-se que o

mencionado agente fora atingido por disparos de arma de fogo. No mesmo evento,

outro profissional ficou gravemente ferido, além de ter ocorrido a fuga de 20 (vinte)

detentos.

O presídio tem problema estrutural para alocação de presos que não são aceitos em

nenhuma das duas alas, de modo que acabam ficando acondicionados em uma

espécie de "seguro" improvisado, resumindo-se a duas celas, fora das alas. Cada uma

dessas celas possui capacidade física para cerca de 08 (oito) detentos, todavia,

somadas chegam à média de 40 (quarenta) internos.

Não há separação de presos por crime cometido, nem há cela especial para os que

possuem nível superior.

Os presos reclamam de focos de tuberculose, sem que haja separação entre doentes e

sadios, por não existir espaço físico suficiente.

Não há na enfermaria medicamentos necessários para tratamento de doenças, das

mais simples às mais específicas.

A unidade possui um espaço criado para consultório médico e odontológico, no

entanto, sem funcionamento por ausência de profissionais aptos a realizar tal serviço.

Frequentemente ficam sem energia elétrica, fator que leva a total impossibilidade de

manter-se dentro da unidade após as 17 (dezessete) horas.

O refeitório externo (para agentes e demais profissionais que trabalham na unidade)

encontra-se aparentemente limpo, todavia, não foram verificadas condições mínimas

para o armazenamento de alimentos.

Possui uma oficina de trabalho (marcenaria), porém, sem vagas para todos os

detentos trabalharem.

O fardamento, vestuário, material de higiene e limpeza, assim como colchões são

cuidados e distribuídos pelos internos que possuem bom comportamento, tendo livre

trânsito nas duas alas.

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Reitera-se que o presídio não oferece o mínimo de segurança para a entrada de quem

quer que seja nestes espaços exclusivamente ocupados pelos detentos.

Apesar disso, foram fornecidas fotografias da parte externa das alas (pátios) que

mostram uma espécie de "camping", que consiste na montagem de barracas pelos

detentos, vez que não há espaço para acomodação dentro das celas. Ademais, o chão

do pátio onde situa-se o "camping" não tem qualquer tipo de pavimentação, ou seja, o

chão é de barro.

Em fotografias em anexo, também podem ser observados presos em cima do telhado

e alambrados quebrados (com buraco nas telas).

A última fuga registrada na unidade ocorreu em 08/10/2016, ocasião em que fugiram

39 (trinta e nove) detentos.

2.3 Presídio Regional Juiz Manoel Barbosa de Souza

Esta unidade tem capacidade para custodiar 346 (trezentos e quarenta e seis) detentos,

contudo, vem comportando 488 (quatrocentos e oitenta e oito) pessoas, com um

excesso de 142 (cento e quarenta e dois) presos.

A sobrecarga da capacidade desta Instituição vem ocasionando um risco à saúde dos

encarcerados, à segurança dos servidores, resultando no aumento da probabilidade de

fugas, motins, e ocorrência de novos crimes dentro deste Presídio.

Não há neste momento qualquer tipo de atividade laboral a ser desenvolvida pelos

presos, estando fora de qualquer padrão de ressocialização mínimo, acabando por se

ter um depósito de gente, que somente faz acumular encarcerados provisórios com

definitivos.

A situação dos segregados é totalmente desumana, vista que não há estrutura física

sanitariamente digna para alojar pessoas, quiçá manter a saúde dos detentos, que além

de serem condenados a sua restrição de liberdade, são expostos a diversas doenças e

agravamento de saúde.

Não há separação por crime, não há cela especial para os que possuem nível superior.

Os presos reclamam de focos de tuberculose, sem separação entre doentes e sadios. A

Administração alega não haver como separar. Não foi verificada enfermaria com

medicamentos para doenças, nem especificas nem genéricas.

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Registra-se, inclusive que no mês de julho de 2017 houve a tentativa de fuga de 12

(doze) internos, sendo encontrados pelos Agentes Prisionais 04 (quatro) chunchos

(armas artesanais), 01 (um) celular, uma pequena quantidade de maconha, como

também se verificou que 02 (duas) grades tinham sido serradas.

Tendo em vista a superlotação e a precária situação da quantidade do efetivo de

agentes penitenciários, relata-se homicídio de interno ocorrido no dia 13 de Agosto

de 2017, quando também foram encontrados novamente 03 (três) armas brancas, 08

(oito) telefones celulares, e 03 (três) carregadores.

2.4 Presídio Feminino do Estado de Sergipe (PREFEM)

O presídio feminino, localizado na cidade de Nossa Senhora do Socorro, sob a gestão

estatal, apesar de ser considerada uma das melhores unidades prisionais de Sergipe,

apresenta graves deficiências, necessitando de intervenções urgentes.

A capacidade da unidade é para 175 (cento e setenta e cinco) detentas, porém, a atual

lotação chega a 235 (duzentos e trinta e cinco) mulheres.

Entre elas, no corrente mês, há 07 (sete) gestantes, 69 (sessenta e nove) estão

envolvidas em atividades laborais e 45 (quarenta e cinco) em atividades educacionais.

As principais demandas da unidade são na área da assistência à saúde. Contata-se que

não há médicos ginecologista e psiquiatra lotados na unidade, inviabilizando

consultas de rotina para a saúde feminina, bem como o trabalho de prevenção e

tratamento de danos causados por álcool e outras drogas.

Ademais, não há manutenção de medicações para hipertensão, diabetes, planejamento

familiar, tratamentos psicológicos, ambulatoriais e odontológicos. Faltam ainda

reposições regulares de materiais permanentes (algodão, gazes, etc) e equipamentos

básicos como tensiômetro, glicosímetro e aparelho de aerosol.

Outrossim, não há técnicos em enfermagem suficientes. No mesmo sentido, o número

de agentes penitenciários está muito aquém do que se exige para garantia da

segurança na instituição.

A escassez de profissionais tem reflexo direto na saúde das detentas. Isto porque

inviabiliza a escolta delas para realização de exames.

2.5 Presídios Terceirizados: Complexo Penitenciário Advogado Antônio Jacinto

Filho (COMPAJAF), Cadeia Pública de Estância e Cadeia Pública de Areia Branca.

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a) Complexo Penitenciário Advogado Antônio Jacinto Filho

Sergipe possui 03 (três) presídios terceirizados - COMPAJAF, Cadeia Pública de

Estância e Cadeia Pública de Areia Branca -, todos para presos provisórios, cuja

administração cabe ao Estado, através do DESIPE e a parte operacional e de

manutenção ao setor privado.

A medicação, quando necessária, é fornecida pelo próprio presídio, todavia familiares

dos internos relatam situação diversa, informando que quando os presos ficam

doentes é solicitado que a família compre e leve os medicamentos, tal situação não

foi observada in loco.

O Complexo Penitenciário Advogado Antônio Jacinto Filho - COMPAJAF,

localizado na cidade de Aracaju, tem capacidade para custodiar 476 (quatrocentos e

setenta e seis) detentos. A atual lotação é de 565 (quinhentos e sessenta e cinco)

homens.

A última rebelião ocorrida se deu no dia 20 de outubro de 2017, onde os internos

fizeram 97 (noventa e sete) pessoas de refém, teve duração de mais de 18 (dezoito)

horas. Em tal rebelião o vice-diretor da unidade foi ferido pelos detentos. Familiares -

reféns - relatam que foram atingidos com bala de borracha, bem como os detentos

rebelados.

Reivindicou-se o afastamento de um agente do DESIPE que segundo os detentos

cometia atos de tortura, estando em apuração pelo DESIPE. Ressalta-se que essa

Rebelião teve seu fim pacífico através da mediação do presidente e membros da

Comissão de Direitos Humanos da OAB/SE.

b) Cadeia Pública de Estância

A Cadeia Pública de Estância, localizada na cidade de Estância, tem capacidade para

custodiar 196 (cento e noventa e seis) detentos, estando atualmente com 235

(duzentos e trinta e cinco) detentos.

c) Cadeia Pública de Areia Branca

A Cadeia Pública de Areia Branca, localizada na cidade de Areia Branca, tem

capacidade para custodiar 392 (trezentos e noventa e dois) detentos, estando

atualmente com 477 (quatrocentos e setenta e sete) detentos.

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Ressalta-se que as mencionadas unidades têm sua parte operacional e de manutenção

ao setor privado, não permitindo superlotação.

Embora estas unidades prisionais terceirizadas apresentem em tese melhores

condições de higiene e estrutura, vale ressaltar o elevado custo pago pelo Estado, uma

média de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por preso mensalmente, sem que tal custo

reflita no principal objetivo da prisão, ao nosso ver a ressocialização, tendo essas

unidades o índice de zero por cento em ressocialização.

2.6 Cadeia Pública de Nossa Senhora do Socorro (CADEIÃO)

Esta unidade tem capacidade para encarcerar 160 (cento e sessenta) detentos,

contudo, vem comportando 264 (duzentos sessenta e quatro) pessoas, com um

excesso de 104 (cento e quatro) pessoas.

Tendo em vista uma situação crônica em que a população carcerária tão acima da

capacidade já é fato habitual, o que torna esta Unidade Prisional passível de atuação

direta e constante da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SE.

Havendo situações de explícita violação de Direitos Humanos, quando a unidade

ultrapassava a superlotação de 300 detentos, com motim com refém, seguido de uma

morte, fatos que demonstravam instabilidade na segurança, sendo acompanhada

praticamente diariamente, houve pedido frente à Vara de Execuções Penais do TJSE

para que a instituição fosse interditada, conforme se verifica nos autos do PAD nº.

201620702668, sendo esta interditada.

Relata-se que ainda se mantêm as condições precárias de lotação, falta de

atendimento médico e medicamentos, com surtos epidêmicos, falta de efetivo, o que

agravou ainda mais os problemas advindos dessa situação.

[...]

Tal situação ocasiona um agravamento homérico à saúde dos encarcerados e agentes

prisionais, à segurança física e psicológica dos servidores envolvidos direta e

indiretamente, fomentando novas tentativas de fugas e a ocorrência de crimes dos

mais perversos dentro desta instituição.

Os segregados encontram-se em situação totalmente desumana. Ademais, a

manutenção da política de empilhamento humano não poderá resultar em uma

sociedade saudável.

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A situação da estrutura física do prédio não é sanitariamente aceitável, agredindo

diretamente a saúde de qualquer pessoa que mantenha contato direto com os detentos,

onde as mazelas sofridas pelos encarcerados são infectocontagiosas, trazendo além da

aplicação da pena restritiva de liberdade, as penas corpóreas, expressamente vedadas

em nossa Constituição Federal.

Inexiste a separação dos presos por tipo penal, não há cela especial para os que

possuam nível superior, estando todos os internos juntos e misturado em um ambiente

insalubre com presos de toda espécie.

4. DA CONCLUSÃO

Considerando todos os apontamentos feitos no presente relatório, constata-se que a

situação do Sistema Prisional do Estado de Sergipe é gravíssima. Assim, merece

destaque especialmente a maior Unidade Prisional do Estado, Complexo

Penitenciário Dr. Manoel Carvalho Neto (COPEMCAN), superlotada com três vezes

sua capacidade, com média de apenas 18 (dezoito) agentes por plantão, acesso a

somente 10 (dez) minutos de água por dia em cada pavilhão, com apenas uma

enfermeira, sem medicamentos, com surtos de tuberculose e outras doenças

contagiosas, alimentação insuficiente e de péssima qualidade.

É nessa situação calamitosa que funciona esta unidade prisional, uma afronta à

dignidade humana, revelando-se uma verdadeira BOMBA-RELÓGIO, prestes a

explodir num cenário trágico de guerra.

Também nas mesmas condições podemos destacar o Presídio Regional Senador Leite

Neto (PRESLEN), com capacidade de encarcerar 177 (cento e setenta e sete) pessoas

e se encontra com 377 (trezentos e setenta e sete) presos. Ressalta-se que a estrutura

física desta unidade está caindo aos pedaços, possuindo apenas 8 (oito) agentes

prisionais por plantão. Nesse contexto, os agentes não têm condições de passar da

porta de contenção de cada ala, sendo toda a organização interna de acomodações

realizada pelos próprios detentos. Ou seja, a parte interna da unidade é comandada

pelos próprios presos.

Ademais, importante frisar o destaque feito nessas duas Unidades, é merecedor de

atenção, tendo em vista o risco iminente de rebelião, fugas, motins e mortes trágicas,

a exemplo do que ocorreu em outros Estados no início de 2017, respaldando assim o

pedido de atenção com melhorias efetivas nestas.

O presente relatório tem respaldo e é endossado pelo Sindicato dos Agentes

Penitenciários e Servidores da Secretaria da Justiça de Sergipe (SINDPEN),

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conforme documentação anexa com fotos que falam mais que palavras demonstrando

assim que essas unidades são verdadeiras masmorras medievais, afrontando todos os

direitos e garantias fundamentais previstos na Carta Magna." - Sem partes

sublinhadas no original.

Portanto, o sistema carcerário sergipano encontra-se, de fato, em

desalentadora condição de inconstitucionalidade e ilegalidade, sem observar

os mais básicos princípios e regras de humanidade. Em consequência, ele não

cumpre as funções para as quais foi criado, especialmente no campo da

ressocialização de apenados com vistas a diminuir os altos índices de

criminalidade e a proteger a sociedade como um todo. No pertinente aos

presos provisórios, não há resguardo da integridade física e moral de quem

ainda está respondendo ao processo criminal e que pode, ao final, ser

absolvido pelo Estado-Juiz.

Há, pelo contrário, enorme tendência de que esses estabelecimentos

prisionais estejam contribuindo para a construção de verdadeiros exércitos de

delinquentes, agindo sozinhos ou encastelados dentro de organizações

criminosas de grande vulto. Reflete-se a máxima colocada na Carta Universal

de Direitos Humanos, em seu Preâmbulo, a de ser "essencial a protecção dos

direitos humanos através de um regime de direito, para que o homem não

seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão".

Não é uma bomba-relógio a ser ativada a qualquer momento; representa,

cotidianamente, um estampido de bala, uma coronhada, um rombo no bolso,

um abalo de fé na humanidade, uma possível eclosão de epidemias diversas,

nas partes já desgastadas do organismo social brasileiro, em razão de diversos

fatores.

Em meio a esse lamentável enredo, não há outra forma de amenizar o

problema senão pelo acolhimento da pretensão autoral.

C) Enfrentamento das alegações dos requeridos:

Em resumo, a União Federal alegara que: 1) a implementação de políticas

públicas requer disponibilização orçamentária e não se pode privilegiar um

ente político em detrimento dos demais; e 2) o STF decidiu, no bojo do RE nº

592.581/RS, pela necessidade de ponderação entre as exigências dirigidas aos

gestores públicos no sentido de implementarem políticas públicas urgentes e

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os limites orçamentários existentes, não sendo a reserva do possível mera

questão retórica.

O Estado de Sergipe também sustentou, basicamente, não haver orçamento

para atender aos pedidos feitos na exordial, em especial porque, no campo de

políticas públicas, há outras prioridades no momento, diante de um quadro

notório de escassez de recursos financeiros.

Não se olvida, de fato, que a reforma e a construção de estabelecimentos

penitenciários implicam disponibilidade orçamentária e decisões

eminentemente políticas, quando se encontram em circunstâncias normais de

gestão pública. Porém, o caso em tela envolve uma situação de total

calamidade pública e de profundo desrespeito a direitos e garantias

fundamentais decorrentes da condição humana, ainda que estejam

temporariamente encarcerados por conta de violações às regras penais

brasileiras.

Assim, é preciso que os réus se esforcem para garantir as mínimas condições

de existência do sistema carcerário em Sergipe. Para tanto, há previsão, na

Lei Complementar nº 79/1994, com as alterações implementadas pela Lei nº

13.500/2017, de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para,

entre outras medidas (art. 3º):

1) construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos

penais (inciso I);

2) manutenção dos serviços e realização de investimentos penitenciários,

inclusive em informação e segurança (inciso II);

3) formação, aperfeiçoamento e especialização do serviço penitenciário

(inciso III);

4) aquisição de material permanente, equipamentos e veículos especializados,

imprescindíveis ao funcionamento e à segurança dos estabelecimentos penais

(inciso IV);

5) implantação de medidas pedagógicas relacionadas ao trabalho

profissionalizante do preso e do internado (inciso V);

6) formação educacional e cultural do preso e do internado (inciso VI);

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7) elaboração e execução de projetos destinados à reinserção social de

presos, internados e egressos, inclusive por meio da realização de cursos

técnicos e profissionalizantes (inciso VII); e

8) implantação e manutenção de berçário, creche e seção destinada à

gestante e à parturiente nos estabelecimentos penais, nos termos do § 2º do

art. 83 e do art. 89 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução

Penal (inciso XV).

Na lei complementar em evidência, existe ainda a previsão de que 90%

(noventa por cento) dos recursos do Funpen sejam distribuídos aos Estados,

sendo (art. 3º-A, § 7º, I): a) "30% (trinta por cento) distribuídos conforme as

regras do Fundo de Participação dos Estados"; b) "30% (trinta por cento)

distribuídos proporcionalmente à respectiva população carcerária"; e c) "30%

(trinta por cento) distribuídos de forma igualitária". Em sua contestação, o

ente político federal demandado afirma, inclusive, ter repassado ao Estado de

Sergipe, entre 2010 e 2015, por meio do Departamento Penitenciário

Nacional, mais de 6 (seis) milhões de reais em recursos do Funpen. Esses

valores podem não ser suficientes para resolver todos os problemas que

surgiram, no citado interregno, na estrutura carcerária sergipana; porém, com

uma adequada gestão deles, era possível fazer algumas coisa. Entretanto,

praticamente nada foi feito.

Isso significa que a própria lei apresenta os caminhos orçamentários para a

significativa amenização do problema ora posto, a par de outros mecanismos

financeiros que os entes federados podem utilizar objetivando amealhar

recursos para casos urgentes. Talvez o que falte seja um esforço para

gerenciar eficazmente as verbas destinadas á melhoria do sistema carcerário

de Sergipe, com a apresentação de projetos eficientes para tanto e o uso

inteligente de recursos financeiros e de pessoal, voltados à coibição de

desperdícios.

Sobre o segundo ponto exposto pela União Federal, é preciso lembrar, em

princípio, que a tese da reserva do possível, idealizada na Alemanha na

década de 1970, só faz sentido depois de o Estado já ter garantido o mínimo

existencial aos indivíduos. Ela foi pensada, assim, para nações que,

habitualmente, já conferem dignidade aos seus nacionais por meio de

políticas públicas eficientes. Em meio a esse contexto, o que for sobra se

submete à reserva do possível, em especial no pertinente aos recursos

financeiros disponíveis.

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Não é nem de longe o caso aqui em exame.

Os estabelecimentos prisionais sergipanos - nos quais, repita-se, é comum

encontrarem-se celas infestadas de ratos e outras pragas, sem nenhuma

higiene, sem local para descanso, sem separação de custodiados de acordo

com a periculosidade, com superlotação, com indivíduos amontoados e

ociosos a trocarem experiências de práticas criminosas, entre outras tragédias

humanas - estão muito distantes de assegurarem o mínimo existencial aos

presos.

Não há, por conseguinte, qualquer possibilidade de aplicação, ao caso ora

posto, da teoria da reserva do possível; ao contrário, o Poder Público tem o

dever de observar os parâmetros mínimos de permanência de presos

provisórios ou condenados nas edificações destinadas ao cumprimento da pena

ou à segregação temporária. Esses padrões básicos estão delimitados nos

vários diplomas normativos, nacionais ou internacionais, expostos nos

parágrafos acima.

Inclusive é esse o pensamento esboçado pelo Pleno do Excelso Supremo

Tribunal Federal, por unanimidade, no Recurso Extraordinário nº 592.581/RS,

citado pela União em sua peça contestatória. A ementa do julgado está assim

redigida:

"Ementa: REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO DO MPE CONTRA ACÓRDÃO

DO TJRS. REFORMA DE SENTENÇA QUE DETERMINAVA A EXECUÇÃO

DE OBRAS NA CASA DO ALBERGADO DE URUGUAIANA. ALEGADA

OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E

DESBORDAMENTO DOS LIMITES DA RESERVA DO POSSÍVEL.

INOCORRÊNCIA. DECISÃO QUE CONSIDEROU DIREITOS

CONSTITUCIONAIS DE PRESOS MERAS NORMAS PROGRAMÁTICAS.

INADMISSIBILIDADE. PRECEITOS QUE TÊM EFICÁCIA PLENA E

APLICABIILIDADE IMEDIATA. INTERVENÇÃO JUDICIAL QUE SE MOSTRA

NECESSÁRIA E ADEQUADA PARA PRESERVAR O VALOR FUNDAMENTAL

DA PESSOA HUMANA. OBSERVÂNCIA, ADEMAIS, DO POSTULADO DA

INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO

PARA MANTER A SENTENÇA CASSADA PELO TRIBUNAL. I - É lícito ao

Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na

promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em

estabelecimentos prisionais. II - Supremacia da dignidade da pessoa humana

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que legitima a intervenção judicial. III - Sentença reformada que, de forma

correta, buscava assegurar o respeito à integridade física e moral dos detentos,

em observância ao art. 5º, XLIX, da Constituição Federal. IV - Impossibilidade

de opor-se à sentença de primeiro grau o argumento da reserva do possível ou

princípio da separação dos poderes. V - Recurso conhecido e provido." - Sem grifo

no original.

(RE 592581 / RS - RIO GRANDE DO SUL - RECURSO EXTRAORDINÁRIO -

Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI - Julgamento: 13/08/2015 -

Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Publicação: ACÓRDÃO

ELETRÔNICO - REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO - DJe-018 DIVULG 29-

01-2016 PUBLIC 01-02-2016)

Afasta-se, ainda, nos termos do julgado retro, também a justificativa de que o

acolhimento da pretensão autoral viola o princípio da separação de Poderes,

porquanto é dever do Poder Judiciário, assim como dos demais Poderes

constituídos, garantir aos indivíduos que sejam observados os seus

fundamentais.

III - PARTE DISPOSITIVA

Posto isso, julgo procedente a pretensão autoral para:

a) condenar o Estado de Sergipe à obrigação de:

a.1) no prazo máximo de 30 (trinta) dias, transferir todos os detentos para as

cadeias públicas (presos sem condenação) e presídios (sentenciados) mais

próximos e que ostentem condições mínimas aos reclusos;

a.2) no prazo máximo de 30 (trinta) dias, remover para o sistema

penitenciário todos os presos condenados, com sentença transitada em

julgado, que estejam cumprindo pena nas delegacias de polícia do Estado de

Sergipe."

a.3) no prazo máximo de 90 (noventa) dias, ofertar vagas para todos os presos

do Estado de Sergipe, conforme as regras mínimas para tratamento dos

reclusos, adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a

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Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Genebra

em 1955, e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas

através das suas resoluções 663 C (XXIV), de 31 de Julho de 1957 e 2076 (LXII),

de 13 de Maio de 1977 e art. 88, alínea b da Lei de Execuções Penais;

a.4) imediatamente após a transferência de todos os presos encarcerados nas

Delegacias do Estado de Sergipe, interditá-las;

a.5) no prazo máximo de 90 (noventa) dias, construir ou reformar os xadrezes

das Delegacias de Polícia do Estado de Sergipe, a fim de que possam atender

de maneira digna aos presos transitórios, até a realização da audiência de

custódia respectiva, oferecendo conforto, higiene e tratamento humano

adequado, disponibilizando, nesses espaços, catres individuais, banheiro

compatível com a situação, respeitando-se a individualidade e a higiene;

a.6) no prazo máximo de 1 (um) ano, construir cadeias públicas, com número

de celas que possam atender à média de presos provisórios, incluindo espaços

para detentas do sexo feminino, no prazo determinado judicialmente, de

modo a atender as condições legais previstas na Lei N° 7.210/84 (Lei de

Execuções Penais);

a.7) abster-se, imediatamente, de manter pessoas presas nas delegacias de

polícia do Estado de Sergipe antes que as respectivas unidades atendam aos

requisitos legais, que deverão ser verificados e atestados pelos órgãos

públicos competentes.

b) condenar a União à obrigação de:

b.1) financiar e apoiar o Estado de Sergipe nas atividades e programas de

modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário sergipano, conforme

determinações estabelecidas no item "a" acima, com os recursos provenientes

do FUNPEN;

b.2) auxiliar o Estado de Sergipe a aplicar os recursos do Funpen para

construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais

sergipanos; formação, aperfeiçoamento e especialização do serviço

penitenciário; implantação de medidas pedagógicas relacionadas ao trabalho

profissionalizante do preso e do internado; formação educacional e cultural

do preso e do internado e para os custos de sua própria gestão, excetuando-

se despesas de pessoal relativas a servidores públicos já remunerados pelos

cofres públicos.

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Deixo de fixar, neste momento, multa diária por eventual descumprimento

desta sentença, porquanto a presunção inicial deve ser sempre no sentido de

que as partes irão cumprir, de forma espontânea, as decisões proferidas pelo

Poder Judiciário.

Todavia, em caso de recalcitrância, será imposta multa, pelo descumprimento

da decisão, além de outras sanções processuais.

Concedo, nos termo do art. 311 do CPC, tutela de evidência em relação aos

pleitos acolhidos no item "a", subitens a.1, a.2 e a.4 desta parte dispositiva da

sentença.

Deixo de condenar os requeridos ao pagamento de custas processuais, com

fulcro no art. 18 da Lei nº 7.347/1985 e art. 4º, I, da Lei nº 9.289/1996. Por

outro lado, condeno-os ao pagamento de honorários advocatícios, pro rata,

fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 85, §§ 2º e 5º, do

CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Juiz Federal Edmilson da Silva Pimenta

Processo: 0802595-46.2015.4.05.8500

Assinado eletronicamente por:

EDMILSON DA SILVA PIMENTA - Magistrado

Data e hora da assinatura: 18/03/2019 18:51:44

Identificador: 4058500.2490760

Para conferência da autenticidade do documento:

https://pje.jfse.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam

19030814283933300000002493230