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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM URBANISMO, HISTRIA E ARQUITETURA DA CIDADE

ARQUITETURA INSTITUCIONAL EM CONCRETO APARENTE E SUAS REPERCUSSES NO ESPAO URBANO DE FLORIANPOLIS ENTRE 1970 E 1985

DISSERTAO DE MESTRADO

MELISSA LAUS MATTOS

Orientadora: Prof. Dr. Maria Ins Sugai

Florianpolis, novembro de 2009.

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MELISSA LAUS MATTOS

ARQUITETURA INSTITUCIONAL EM CONCRETO APARENTE E SUAS REPERCUSSES NO ESPAO URBANO DE FLORIANPOLIS ENTRE 1970 E 1985

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Urbanismo, Histria e Arquitetura da Cidade, linha de pesquisa em Urbanismo, Cultura e Histria da Cidade. Departamento de Arquitetura e Urbanismo

Banca Examinadora Prof Dr Maria Ins Sugai (Orientadora) Prof. Dr. Cesar Floriano dos Santos Prof. Dr. Hugo Massaki Segawa Prof. Msc. Luis Eduardo Teixeira Florianpolis, Novembro 2009.PGAU-Cidade | UFSC PGAU-Cidade | UFSC FAU | USP Dep. Arq. Urb. | UFSC

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Catalogao na fonte pela Biblioteca Universitria da Universidade Federal de Santa Catarina M444a Mattos, Melissa Laus Arquitetura institucional em concreto aparente e suas repercusses no espao urbano de Florianpolis entre 1970 e 1985 [dissertao] / Melissa Laus Mattos ; orientadora, Maria Ins Sugai. - Florianpolis, SC, 2009. 1 v.: il., mapas, plantas Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnolgico. Programa de Ps-graduao em Urbanismo, Histria e Arquitetura da Cidade. Inclui referncias 1. Arquitetura. 2. Arquitetura brasileira. 3. Histria da arquitetura. 4. Arquitetura institucional. 5. Concreto aparente - Florianpolis (SC). I. Sugai, Maria Ines. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de PsGraduao em Urbanismo, Histria e Arquitetura da Cidade. III. Ttulo. CDU 72

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Folha de Aprovao A dissertao, intitulada Arquitetura Institucional em Concreto Aparente e Suas Repercusses no Espao Urbano e Florianpolis entre 1970 e 1985, de autoria de Melissa Laus Mattos, foi submetida a processo de avaliao conduzido pela Banca Examinadora instituda pela Portaria No. 039/PGAUCidade/08, para a obteno do ttulo de Mestre em Urbanismo, Histria e Arquitetura da Cidade, tendo sido aprovada sua verso final em 25 de novembro 2009, em cumprimento s normas da Universidade Federal de Santa Catarina e do Programa de Ps-Graduao em Urbanismo, Histria e Arquitetura da Cidade, PGAU-Cidade.__________________________ Prof. Almir Francisco Reis, Dr. Coordenador do PGAU-Cidade

Banca Examinadora

________________________________ Prof Arq. Urb. Maria Ins Sugai, Dra Presidente da Banca Orientadora ________________________________ Prof. Arq. Urb. Cesar Floriano dos Santos, Dr. Membro ________________________________ Prof. Arq. Urb. Luis Eduardo Teixeira, Msc. Membro ________________________________ Prof. Arq. Urb. Hugo Massaki Segawa, Dr. Membro

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RESUMO

Passados quarenta anos desde que foram erguidos os primeiros edifcios institucionais em concreto aparente em Florianpolis-SC, suas presenas na paisagem urbana continuam relevantes. Do mesmo modo, a influncia que suas localizaes exerceram sobre o processo de distribuio espacial na cidade deixou marcas profundas e indelveis em seu desenho urbano e contriburam na consolidao de processos segregativos ao repercutirem na distribuio scio-espacial do municpio. O objetivo deste estudo o de relacionar trs abordagens distintas porm interligadas de como surgiram e repercutiram na cidade as arquiteturas institucionais em concreto aparente nos anos de 1970 a 1985, quais sejam: o contexto social, poltico e econmico que envolve a instalao e transferncia de sedes de rgos institucionais para capital catarinense ou as mudanas de localizao destas dentro da prpria cidade as questes tcnicas e conceituais que atuaram como geradoras da expresso arquitetnica adotada nestas edificaes (a valorizao estrutural e o uso do concreto aparente entre outros) e; por fim, as arquiteturas em si, que, neste caso, testemunham sobre o tempo, a tcnica e tica sob o qual foram construdos. Desta maneira, a primeira abordagem investiga a relao entre os contextos histricos, polticos e econmicos nacional e local, que resultaram em terreno frtil para a expanso das instalaes estatais, na poltica de distribuio espacial nas cidades (em especial quelas que apresentavam carter ou potencial para atuar como centralidade metropolitana) e na ocupao do territrio por rgos e representaes governamentais e institucionais. Um segundo vis procura compreender as origens da linguagem arquitetnica adotada nos projetos para as sedes dos rgos institucionais em Florianpolis no perodo: edifcios em escala monumental (diversa da escala da cidade no perodo), caracterizados pela nfase dada aos elementos estruturais bsicos

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(vigas, pilares, lajes e prticos) de modo a assumirem o papel de prover estabilidade aos edifcios, e de gerar partidos arquitetnicos definidores da distribuio espacial das atividades que encerram, alm de guardarem em si a carga simblica e a fora expressiva transmitida pelo uso do concreto aparente. Neste contexto, se faz cabvel e necessria a considerao sobre a presena do iderio esttico e dos valores que orientaram a arquitetura paulista nos anos de 1960 e a existncia de princpios ticos comuns entre as duas produes. Derivada desta discusso abrimos breve debate sobre a relevncia do crescimento e desenvolvimento da indstria do cimento durante as dcadas de 1960 e 1980 e qual sua contribuio para a consolidao da linguagem arquitetnica do concreto aparente - ento majoritria nos projetos para as representaes do Estado no perodo. Discutimos tambm, brevemente, sobre a polmica classificao das edificaes em concreto aparente produzidas no pas como herdeiras do movimento Brutalista em arquitetura. Por fim apresentamos, sinteticamente, alguns dos principais projetos de edifcios institucionais erguidos em Florianpolis entre 1970 e 1985, onde especial ateno dedicada queles trs que foram pioneiros na cidade, tanto por suas caractersticas arquitetnicas quanto por suas localizaes em reas novas (aterros do centro urbano), ou em reas ainda pouco desbravadas na Florianpolis da dcada de 1970 (bairros da Trindade, Pantanal e Itacorubi).

Palavras chave: Arquitetura Brasileira, Histria da Arquitetura, Arquitetura Institucional, Concreto Aparente, Florianpolis-SC

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ABSTRACT

Forty years since the first institutional buildings were built on exposed concrete in Florianpolis, SC, their presence in the urban landscape are still relevant. Likewise, the influence exerted by their locations on the process of space distribution in the city left deep and indelible marks in its urban design and contributed to the consolidation of segregated process to rebounding on the socio-spatial distribution of the city. The objective of this study is to relate three different approaches however interconnected of how the institutional architecture on exposed concrete have emerged and rebound on the city in the years 1970 to 1985, namely: the social, political and economic context surrounding the installation and transfer of the headquarters of the institutions for Santa Catarinas capital or the location changes in of these within the city itself, the technical and conceptual issues that have acted as generators of architectural expression adopted in these buildings (structural recovery and use of exposed concrete and others) and, finally, the architecture itself, which in this case, testimony about the time, technique and ethics under which they were built. Thus, the first approach investigates the relationship between the historical, political and economic, national and local contexts, resulting in fertile ground for state facilities expansion, of the spatial distribution policy in cities (especially those who had character and potential for act as a central metropolitan area) and the territory occupation by governmental offices and institutional agencies. A second bias seeks to understand the origins of architectural language adopted in the projects for the headquarters of the institutions in Florianopolis in the period: building on a "monumental" (different from the scale of the city at that time), characterized by emphasis on basic structural elements (beams , collumns, slabs and porches) to assume the role of providing buildings stability, and generating architectural design aproach that define the spatial distribution of ending

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activities, as well as keep itself a symbolic and expressive power transmitted by the use of exposed concrete . In this context it is appropriate and necessary to account for the presence of aesthetic ideals and values that guided the architecture of So Paulo in the 1960s and the existence of shared ethical principles between the two productions. Derived from this discussion, was opened a brief debate on the relevance of growth and development of the cement industry during the 1960s and 1980s and what is its contribution to the consolidation of the architectural language of the exposed concrete - so dominant in the projects for the State offices in this period. We also discussed briefly about the controversial classification of buildings on exposed concrete produced in the country as heirs of the Brutalist movement in architecture. Finally we present briefly some of the key projects of institutional buildings built in Florianopolis between 1970 and 1985, when special attention is given to those three who were pioneers in the city, both for its architectural features and by their locations in new areas (landfills Center urban), or in areas still not cleared in Florianpolis 1970s (neighborhoods of the Trindade, Pantanal and Itacorubi).

Key-words: Brasilian Arquitecture, Architecture History, Institucional Architecture, Exposed Concrete, Florianpolis-SC

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LISTA DE FIGURAS, QUADROS E MAPAS

Figura 1 - Ilustrao do relatrio Graeff, de 1952 - Vista do projeto de ocupao da Baa Sul. 1952. [Fonte: Paiva, Ribeiro e Graeff, 1952] .................................................... 24 Figura 2 - Perspectiva do Plano Diretor de Florianpolis de 1969 (lei em 1976). [Fonte: ESPLAN, 1971]............................................................................................... 25 Figura 3 - Esq. Ilustrao do Plano Diretor 1976. [Fonte: Damio, 2009] Dir. Mesma rea da ilustrao em foto da dcada de 1990 [Fonte: Tempo Editorial, 2009] .............. 26 Figura 4 - Capa da revista Acrpole 232, de setembro de 1957, com projeto vencedor para Assemblia Legislativa do Estado, 1957. [Fonte: Projeto Design 2006] ............ 28 Figura 5 - Eletrosul e parte da UFSC, 2007. [Fonte: Vicenzo Berti, 2009] ............................ 32 Figura 6 - Terminal Rodovirio Rita Maria e o aterro da Baa Sul, 2002 [Fonte: Tempo Editorial, 2009]................................................................................................ 32 Figura 7 - Obras de canalizao do Rio da Bulha [192-][Fonte: Arquivo DAEX/UFSC, 2004]34 Figura 8 - Florianpolis. Vista da cidade. [193-][Fonte: Silva, 2002]..................................... 36 Figura 9 - Centro de Florianpolis. Vista do Campo do Manejo e Baa Sul. [194-][Fonte: Silva, 2002] .............................................................................................................. 37 Figura 10 - Modelo da cidade universitria a se implantar na regio da Prainha, conforme relatrio de 1952. [Fonte: Paiva, Ribeiro e Graeff, 1952] .................................. 40 Figura 11 - Florianpolis. Vista do centro e Baa Sul. [196-][Fonte: Foto B, 2005] ................ 41 Figura 12 - rea do Forte Santa Brbara (ainda uma ilhota). [196-] [Fonte: Silva, 2002] ...... 42 Figura 13 - Florianpolis. Vista area a partir do Continente, 1971. [Fonte: Sugai, 1994] ..... 51 Figura 14 - Aterro da Baa Sul. Inicio da urbanizao. Incio das obras do Terminal Rodovirio Rita Maria. Final dcada de 1970. [Fonte: Acervo Casa da Memria, 2007] .............................................................................................................. 53 Figura 15 - Florianpolis. Incio das obras do aterro da Baa Sul. 1972. [Fonte: Sugai, 1994] ...................................................................................................................... 55 Figura 16 - Florianpolis. Vista area a partir da ilha. Aterro da Baa Sul, ponte Colombo Salles e Via de Contorno Norte. 1975. [Fonte: Sugai, 1994] ............................. 56 Figura 17 - Aterro da Baa Sul. Paisagismo de Roberto Burle Marx - Meados da dcada de 1980. [Fonte: Desconhecida] ........................................................................... 57

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Figura 18 - Praa XV de Novembro, primeiro ncleo administrativo de Florianpolis. Final do sculo XIX. [Fonte: IHGSC] ............................................................................. 62 Figura 19 - Vista panormica da cidade - A esquerda o Campo do Manejo, futura localizao do Centro Cvico de Florianpolis.[193-] [Fonte: IHGSC, 2008]......................... 62 Figura 21 - Vista do Campus da Trindade - Universidade Federal de Santa Catarina. [197-] [Fonte: Acervo LDA UFSC, 2008] .................................................................... 66 Figura 22 - Proposta de Graeff, Paiva e Ribeiro para o centro cvico de Florianpolis. [Fonte: Paiva, Ribeiro e Graeff, 1952].......................................................................... 68 Figura 23 - Vista area da regio da futura Praa Tancredo Neves. A esquerda as obras do Tribunal de Justia, ao lado edifcio do DNER. Do outro lado da praa a sede da CELESC, ocupada pelo executivo catarinense a partir da dcada de 1980. [197][Fonte: Skyscrape, 2009]................................................................................ 69 Figura 24 - Vista area do aterro da Prainha. Palcio da Justia, Assemblia Legislativa e Palcio do Governo [197-][Fonte: Tribunal de Justia de Santa Catarina, 2001] 70 Figura 25 - Regio a nordeste do morro da cruz. Primeiro plano os bairros Agronmica e parte da Trindade. Ao centro Manguezal do Itacorubi cortado pelo bairro Santa Mnica. Ao fundo bairro do Itacorubi. 2009 [Fonte: Skyscrapercity, 2009] ......... 78 Figura 26 - Vista area dos bairros Itacorubi e Joo Paulo. Em primeiro plano o edifcio sede da CELESC. [199-][Fonte: Tempo Editorial, 2009]............................................ 79 Figura 27 - FAU-USP Projeto: Artigas, 1962-69 [Fonte: Renata Malachias, 2009] ............... 83 Figura 28 - Tribunal de Justia e a escala da cidade no final dos anos 1970. Projeto: Saraiva, Petracco e Bussab, 1968. [Fonte: Acervo LDA UFSC, 2008] ............................ 85 Figura 29 - Movimentos dos principais arquitetos que participaram da produo da arquitetura institucional em concreto aparente em Florianpolis. [Fonte: Autora] ..................................................................................................................... 100 Figura 30 - Concretagem do primeiro nvel do Tribunal de Justia de Santa Catarina [196-] Projeto: Saraiva, 1968 [Fonte: Acervo Tribunal de Justia, 2005].................... 107 Figura 31 - Unidade de Habitao de Marselha. Projeto: Le Corbusier, 1947 [Fonte: Andrew Littlewood, 2007] ........................................................................................... 115 Figura 32 - Croqui de projeto para Braslia - Pedro Paulo de Melo Saraiva e equipe, 1977 [Fonte: www.ppms.com.br] ............................................................................ 125 Figura 33 - Projeto do Clube XV de Santos, Pedro Paulo de Melo Saraiva e Francisco Pretacco, 1967 [Fonte: www.ppms.com.br, 2009] .......................................... 126 Figura 34 - Vistas externa e interna de projeto para o Pao Municipal de Florianpolis, Pedro Paulo de Melo Saraiva, 1977 [Fonte: www.ppms.com.br, 2009]...................... 127

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Figura 38 - Projeto Centro Administrativo da Unisinos, 2005 [Fonte: Arquivo Pessoal Brena, 2009] ............................................................................................................ 131 Figura 42 Plantas baixas da Residncia Becker. Projeto: Ademar Cassol, 1966.[Fonte: Alberton, 2006] .................................................... Erro! Indicador no definido. Figura 43 - Localizao da Assemblia Legislativa do Estado de Santa Catarina .............. 136 Figura 47 - Plantas apresentadas no concurso para projeto da Assemblia Legislativa de Santa Catarina praa Pereira Oliveira [1957][Fonte: Projeto Design, 2007] .. 139 Figura 48 - Proposta da esplanada ligando a Assemblia Legislativa ao Tribunal de Justia. Projeto: Saraiva, Rocha e Paesani [1957][Fonte: Projeto Design, 2007] ......... 141 Figura 49 - ALESC. Projeto: Saraiva, Rocha e Paesani [1964] Vista a partir do Centro Cvico Tancredo Neves [196-][Fonte: Acervo Casa da Memria, 2009] ..................... 141 Figura 50 - ALESC. Projeto: Saraiva, Rocha e Paesani [1964] - 2005 ............................... 141 Figura 53 - Fachada para a Rua Jorge Luiz Fontes, j com novo anexo. Projeto de Reforma: PPMS Arquitetos Associados [2003][Fonte: Projeto Design, 2007] ................. 148 Figura 54 - Fachada para Av. Governador Gustavo Richard [2007][Fonte: Projeto Design, 2007] ............................................................................................................ 148 Figura 55 - Localizao da sede da Eletrosul ................................................................... 149 Figura 56 - Eletrosul - Entrada do auditrio. ..................................................................... 151 Figura 57 - Eletrosul Vista a partir do morro do Pantanal [198-] Projeto: Netto [1975] [Fonte: Acervo LDA UFSC, 2009].............................................................................. 152 Figura 58 - Eletrosul Vista a partir da Rua Dep. Antnio Edu Vieira [198-] Projeto: Netto [1975][Fonte: Acervo LDA UFSC, 2009] ........................................................ 152 Figura 59 - Eletrosul Vista a partir da Rua Dep. Antnio Edu Vieira [198-] Projeto: Netto [1975][Fonte: Acervo LDA UFSC] .................................................................. 156 Figura 60 - Eletrosul Edifcio e esplanada da entrada principal [2003] Projeto: Netto [1975] .................................................................................................................... 156 Figura 61 Eletrosul Croqui apresentado por ocasio do concurso [1975] Projeto: Netto [1975][Fonte: www.arq.ufsc.br, 2007] ............................................................ 157 Figura 62 - Eletrosul Detalhe brises em alumnio [2003] Projeto: Netto [1975] ................ 157 Figura 63 - Sede da Petrobras Rio de Janeiro - Detalhe Brises [2009] Projeto: Netto [1968][Fonte: Joo Pedro Perassolo, 2009] ................................................... 158 Figura 64 - Eletrosul Hall Central [1999] Projeto: Netto [1975][Fonte: Tempo Editorial, 2009] .................................................................................................................... 158

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Figura 66- Localizao do Terminal Rodovirio Rita Maria................................................ 160 Figura 67 - Perspectiva para concurso [1976] Projeto: Brena e Carlevaro [1076][Fonte: Acervo Enrique Brena, 2009]......................................................................... 161 Figura 68 - Terminal Rodovirio Rita Maria. Projeto: Brena e Carlevaro [1976] Ao fundo, Ponte Colombo Salles. Paisagem continental parcialmente preservada [198][Fonte: Acervo LDA UFSC, 2009] ................................................................. 162 Figura 69 - Terminal Rodovirio Rita Maria. Projeto: Brena e Carlevaro [1976] Ao fundo, pontes Colombo Salles e Pedro Ivo Campos. Ocupao e verticalizao da rea continental [2008].......................................................................................... 162 Figura 70 - Aterro da Baa Sul e obras do Terminal Rodovirio Rita Maria [1980][Fonte: Silva, 2002] ............................................................................................................ 163 Figura 71 - Esquemas de fluxo de veculos, posio solar e ventilao cruzada. Desenho de Yamandu Carlevaro [s.d.][Fonte: Projeto, 1981] ............................................. 163 Figura 73 Esquema de zoneamento .............................................................................. 165 Figura 75 - Esquema instalaes. Adaptado de [Projeto, 1981] ........................................ 167 Figura 76 TRRM - Esquema da elevao do conjunto estrutural. [Fonte: Hanai, 1992] ... 169 Figura 81 - Localizao do Palcio da Justia .................................................................. 172 Figura 82 - Palcio da Justia. Projeto: Saraiva, Petracoo e Bussab [1968] Planta baixa pavimento tipo (com divisrias). [Fonte: Arquivos do arquiteto, 2008]. ............ 174 Figura 83 - Palcio da Justia. Projeto: Saraiva, Petracoo e Bussab [1968] Planta baixa sala do jri. 6 pavimento. [Fonte: Arquivos do arquiteto, 2008]. ............................ 174 Figura 85 - Palcio da Justia. Projeto: Saraiva, Petracoo e Bussab [1968] Esquema estrutural. 2008. ............................................................................................ 175 Figura 86 - Palcio da Justia e Assemblia Legislativa. Ao fundo, obras do aterro da Baa Sul [197-][Fonte: Tribunal de Justia de Santa Catarina, 2001] ....................... 176 Figura 87 - Palcio da Justia. Projeto: Saraiva, Petracco e Bussab [1968] Volume destacado na paisagem urbana [197-][Fonte: Tribunal de Justia de Santa Catarina, 2001] ..................................................................................................................... 176 Figura 88 - Palcio da Justia, Assemblia Legislativa e SESC [197-][Fonte: Tribunal de Justia de Santa Catarina, 2001] ................................................................... 177 Figura 89 - Palcio da Justia e Frum da Capital. Ao fundo novo anexo do palcio, 2007. ..................................................................................................................... 177 Figura 92 - Palcio da Justia. Projeto: Saraiva, Petracco e Bussab [1968] Detalhe estrutura externa e escada auxiliar. 2008. .................................................................... 179

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Figura 93 - Palcio da Justia. Projeto: Saraiva, Petracco e Bussab. 2006........................ 179 Figura 94 - Localizao do Palcio Santa Catarina........................................................... 180 Figura 96 - Secrtariat Chandigard. Projeto: Le Corbusier [1953] [Fonte:panoramio.com, 2009] ............................................................................................................ 182 Figura 97 - Usine Claude & Duval - Le Corbusier, 1[949] [Fonte: www.flickr.com/ people/nomios [2009] .................................................................................... 182 Figura 99 - Terreno onde foi erguido o prdio administrativo da CELESC, posterior Palcio Santa Catarina, s vesperas da obra. [1960][Fonte: Acervo Fabrcio Boppr, 2009] ............................................................................................................ 183 Figura 100 - Palcio Santa Catarina. Detalhe dos brises da fachada original (retirados em 2008). Projeto: Broos [1967] 2009 .............................................................. 184 Figura 101 - Palcio Santa Catarina. Detalhe dos brises da fachada voltada para Praa Cvica Tancredo Neves. Projeto: Broos [1967] - 2005 .................................... 184 Figura 102 - Localizao do Edifcio da Secretaria Estadual de Educao ........................ 185 Figura 104 - Secretaria Estadual de Educao vista do aterro da Baa Sul [198-] Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1972][Fonte: Acervo LDA UFSC, 2009] ............................ 187 Figura 105 - Secretaria Estadual de Educao - Vista do aterro da Baa Sul. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1972] - 2008 .................................................................... 187 Figura 106 Secretaria Estadual de Educao. Esquema planta do pavimento trreo. ..... 188 Figura 107 - Secretaria Estadual de Educao. Esquema pavimento tipo. ........................ 188 Figura 108 - Secretaria Estadual de Educao - Detalhe da estrutura. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1972] 2008 ................................................................................ 189 Figura 109 - Secretaria Estadual de Educao - Detalhe estrutural. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1972] - 2007 .................................................................................. 189 Figura 110 - Secretaria Estadual de Educao [198-] Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1972][Fonte: Acervo LDA UFSC] .................................................................. 190 Figura 111 - Secretaria Estadual de Educao. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1972] - 2007 .................................................................................................................... 190 Figura 112 - Secretaria de Educao e arquitetura do entorno. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1972] 2007. ................................................................................................. 190 Figura 113 - Localizao da sede da antiga TELESC ....................................................... 191 Figura 114 - Sede da TELESC [198-] Projeto: Liz e Monteiro [1972][Fonte: Acervo LDA UFSC, 2009]................................................................................................. 192

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Figura 115 - Sede da TELESC Vista a partir da esplanada da entrada principal. Projeto: Liz e Monteiro [1972][Fonte: Tempo Editorial, 1999] ............................................ 193 Figura 116 - Sede da Unesco em Paris, Marcel Breuer, 1958. [Fonte: www.unostamps.nl, 2009] ............................................................................................................ 193 Figura 117 - Logotipo da TELESC ................................................................................... 193 Figura 118 - Sede da TELESC [198-] Projeto: Liz e Monteiro [1972][Fonte: Acervo LDA UFSC, 2009] ................................................................................................. 194 Figura 119 - Sede da TELESC Vista a partir da guarita do acesso principal. Projeto: Liz e Monteiro [1972] - 2003 .................................................................................. 194 Figura 120 - Sede da TELESC Detalhe da estrutura e brises. Projeto: Liz e Monteiro [1972] - 2003 ........................................................................................................... 195 Figura 121 - Sede da TELESC reas de trabalho [198-] Projeto: Liz e Monteiro [1972][Fonte: Acervo LDA UFSC, 2009]......................................................... 195 Figura 122 - Localizao do edifcio do Tribunal de Contas do Estado de SC. ................... 196 Figura 123 - Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina Vista Rua Bulco Viana. Projeto: Liz [1973] - 2007 .............................................................................. 197 Figura 124 - Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina - Vista Rua Jos da Costa Moellman. Projeto: Liz [1973] 2007 ............................................................. 197 Figura 125 - Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina - Detalhe de frisos decorativos. Projeto: Liz [1973] 2009.............................................................................. 198 Figura 128 - Localizao do CREA-SC ............................................................................ 199 Figura 129 - Sede do CREA-SC. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1976][Fonte: www.creasc.org.br, 2009] ............................................................................................. 200 Figura 130 - Arquiteto Ademar Cassol apresenta o projeto da atual Sede do CREA-SC no Lanamento da Pedra Fundamental [1976] [Fonte: www.crea-sc.com.br, 2009] ..................................................................................................................... 200 Figura 131 - Localizao da sede da CELESC. ................................................................ 201 Figura 132 - Sede da CELESC - Vista a partir do acesso de veculos. Projeto: Liz, Monteiro e Brena [1986] - 2003. ..................................................................................... 202 Figura 133 - Sede da CELESC - Entrada principal. Projeto: Liz, Monteiro e Brena [1986][Fonte: Tempo Editorial, 2000] ............................................................. 202 Figura 134 - Sede da CELESC - Vista a partir do jardim. Projeto: Liz, Monteiro e Brena [1986][Fonte: Tempo Editorial, 2000] ............................................................. 203

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Figura 135 - Sede da CELESC - Detalhe estrutura. Projeto: Liz, Monteiro e Brena [1986] 2003 ............................................................................................................. 203 Figura 140 - Localizao Agncia do Banco Safra. ........................................................... 206 Figura 142 - Praa Pereira Oliveira [192-] Assemblia Legislativa e Tribunal de Justia no terreno hoje ocupado pelo Banco Safra. [Fonte: IGHS, 2009] ......................... 208 Figura 143 - Agncia do Banco Safra Detalhe estrutura e aberturas. Projeto: Liz e Monteiro [1973] - 2003 ................................................................................................ 209 Figura 144 - Agncia do banco Safra Detalhe estrutura em grelha diagonal. Projeto: Liz e Monteiro [1973] - 2003 .................................................................................. 209 Figura 145 - Localizao do Ceisa Center ........................................................................ 210 Figura 146 - Ceisa Center. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1975] - 2007 .......................... 211 Figura 147 - Ceisa Center Fachada para a Av. Osmar Cunha. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1975] - 2003 ................................................................................. 212 Figura 148 - Ceisa Center Detalhe escada helicoidal. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1975] - 2005 ........................................................................................................... 212 Figura 149 - Ceisa Center Detalhe fachada em curva e aberturas. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1975] - 2007 ................................................................................. 213 Figura 150 - Ceisa Center Entrada pela Av. Osmar Cunha. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1975] - 2003 ............................................................................................... 213 Figura 151 - Ceisa Center Fachada em curva e escada helicoidal. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1975] - 2007 .................................................................................. 214 Figura 152 - Ceisa Center Fachada para a Av. Osmar Cunha. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1975] - 2007 .................................................................................. 214 Figura 153 - Ceisa Center Detalhe aberturas. Projeto: Liz, Cassol e Monteiro [1975] - 2007 .................................................................................................................... 214 Figura 154 - Localizao da sede da Tractebel ................................................................ 215 Figura 155 - Sede da Tractebel Fachada para a Rua Antnio Dib Mussi. Projeto: Liz e Monteiro [1982] - 2007 .................................................................................. 216 Figura 156 - Sede da Tractebel Detalhe estrutura e brises. Projeto: Liz e Monteiro [1982] 2007 ............................................................................................................. 216 Figura 157 - Sede da Tractebel - Detalhe aberturas. Projeto: Liz e Monteiro [1982] - 2009 217 Figura 158 - Sede da Tractebel - Detalhe fachada. Projeto: Liz e Monteiro [1982] - 2009 .. 217

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LISTA DE ABREVIAES E SIGLAS

ALESC BESC CELESC CREA/SC

Assemblia Legislativa do Estado de Santa Catarina Banco do Estado de Santa Catarina Centrais Eltricas de Santa Catarina Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Santa Catarina Empresa Brasileira de Telecomunicaes S.A Escritrio Catarinense de Planejamento Integrado Federao das Indstrias do Estado de Santa Catarina Instituto de Arquitetos do Brasil Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis Instituto de Planejamento Urbano de Florianpolis Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social Manual de Implantao de Terminais Rodovirios de Passageiros Plano de Catarinense de Desenvolvimento Plano de Desenvolvimento da rea Metropolitana de Florianpolis Plano Nacional de Desenvolvimento Servio Federal de Habitao Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros da Grande Florianpolis Telecomunicaes de Santa Catarina Telecomunicaes do Paran Universidade Federal de Santa Catarina Organizao das Naes Unidas para a Educao

ELETROSUL Eletrosul Centrais Eltricas S. A. EMBRATEL ESPLAN FIESC IAB IBAMA IPUF INAMPS MITERPE PCD PDAMF PND SERPHAU SETUF TELESC TELEPAR UFSC UNESCO

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SUMRIORESUMO .......................................................................... 7 ABSTRACT ....................................................................... 9 LISTA DE FIGURAS, QUADROS E MAPAS........................ 11 LISTA DE ABREVIAES E SIGLAS ................................ 19 INTRODUO ................................................................ 23 CAPTULO I Antecedentes ........................................... 33 1.1 Modelos de desenvolvimento urbano e atuao do Estado em Florianpolis at a dcada de 1970 ................................................. 33 CAPTULO II - As transformaes do espao urbano de Florianpolis entre 1970 e 1985....................................... 44 2.1 Breves consideraes sobre o contexto nacional ...................... 44 2.2 O contexto catarinense e o papel de Florianpolis .................. 49 2.3 As aes do Estado..................................................................... 542.3.1 O Plano de Desenvolvimento da rea Metropolitana de Florianpolis e o Plano Diretor de 1976 ................................................ 54 2.3.2 Instalao de rgos governamentais e empresas estatais em Florianpolis ........................................................................................... 58 2.3.3 A localizao dos rgos governamentais e empresas estatais em Florianpolis ............................................................................................61 Primeiro perodo: Sculos XVII e XVIII - A praa colonial e os edifcios pblicos ....................................................................................................61 Segundo perodo: Dcadas de 1960 a 1980 Construes e transferncias de sedes institucionais/administrativas em Florianpolis. .......................................................................................... 63 Terceiro perodo: Dcadas de 1990 aos dias de hoje - A descentralizao ..................................................................................... 80

CAPTULO III As origens formais das arquiteturas institucionais em concreto aparente em Florianpolis entre 1970 e 1985 ..................................................................... 82 3.1 Contexto da criao arquitetnica nacional.............................. 84 3.2 A Escola Paulista de arquitetura ............................................90 3.3 Paulistas, Gachos e Uruguaios: os arquitetos migrantes em Florianpolis .................................................................................... 99 3.4 O uso do concreto aparente..................................................... 102

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3.5 Parnteses: Ser ou no ser Brutalista ...................................... 110 CAPTULO IV Estudos de Caso ................................... 119 4.1 Os arquitetos ............................................................................ 1244.1.1 Pedro Paulo de Melo Saraiva (1933-) ........................................... 124 4.1.2 Luis Forte Netto (1935-) ...............................................................128 4.1.3 Enrique Hugo Brena Nadotti (1937-) e Yamandu Jorge Carlevaro (1934-)....................................................................................................130 4.1.4 Moyss Elizaldo da Silva de Liz ................................................... 132 4.1.5 Odilon Figueiredo Monteiro......................................................... 133 4.1.6 Ademar Cassol .............................................................................. 134

4.2 As Arquiteturas .........................................................................1364.2.1. Assemblia Legislativa do Estado de Santa Catarina (1964-1970) Palcio Barriga Verde ............................................................................ 136 4.2.2 Eletrosul (1975-1978) ...................................................................149 4.2.3 Terminal Rodovirio Rita Maria (1976-1981) .............................160

4.3 Outros Projetos de Destaque ................................................... 1724.3.1 Palcio da Justia Ministro Luiz Galotti (1968-1975) Tribunal de Justia do Estado de Santa Catarina .................................................... 172 4.3.2 Palcio Santa Catarina (1967 - 1970) ......................................... 180 4.3.3 Secretaria Estadual de Educao................................................. 185 4.3.4 TELESC (1972 - 1976) .................................................................. 191 4.3.5 Tribunal de Contas (1973-1976) ..................................................196 4.3.6 CREA-SC (1973-1978) ..................................................................199 4.3.7 CELESC (1986-1988) ...................................................................201

4.4 A Reproduo dos Modelos Arquitetnicos ........................... 2044.4.1 Sede do Banco Safra (1973-1974)................................................ 206 4.4.2 Ceisa Center (1975-1978) .............................................................210 4.4.3 Sede da Tractebel (1982-1984) .................................................... 215

Concluses.................................................................... 218 Bibliografia ................................................................... 227 6.1 Referncias Bibliogrficas e Bibliografia Consultada ............ 227 ANEXOS ....................................................................... 237 7.1 Linha do Tempo ....................................................................... 237

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INTRODUO

A produo arquitetnica nacional entre os anos de 1970 e 1985 fragmento ainda pouco presente na historiografia arquitetnica brasileira. A tradio linear dos relatos histricos no guarda lugar adequado a este perodo de criaes arquitetnicas altamente relevantes e simblicas de uma busca por uma nova identidade nacional expressa tambm no campo do espao construdo. A trade Movimento Modernista, Braslia e Ps Braslia que habitualmente capitula a histria recente da arquitetura brasileira vm relegando a produo arquitetnica freqentemente denominada escola paulista ou Brutalismo paulista papel de coadjuvante no cenrio nacional. Dentre as razes para esta pouca expresso podemos supor, entre outros: 1) a relativa heterogeneidade da produo arquitetnica do perodo, ou seja, a dificuldade de reconhecimento de uma unidade (neste caso formal) que abarque suas obras; 2) a oposio escola modernista carioca, subentendida a este tempo como a prpria escola brasileira em arquitetura; 3) a dificuldade de atrelamento tico e terico do movimento com o movimento do novo Brutalismo ingls (embora seja comum encontrar essa associao, presente mesmo em uma de suas nomenclaturas Brutalismo Paulista e; 4) por ltimo, percebe-se tambm uma freqente relao entre a produo arquitetnica do perodo com circunstncias polticas nacionais negativas: o golpe militar de 1964 e a ditadura posterior que, de certo modo, atravs de sua postura desenvolvimentista, foi batizar inmeros exemplares da arquitetura institucional erguidos entre as dcadas de 1960, 1970 e meados de 1980. Em Florianpolis, no diferente do resto do pas, o estudo, a avaliao, e mesmo a crtica da arquitetura produzida neste perodo ainda no teve vez, mesmo sendo estas algumas das edificaes de presena mais significativas na paisagem construda da cidade. A busca de um olhar crtico sobre sua posio de, ao mesmo tempo resultante e agente de impacto no cenrio urbano da cidade tambm se mostra esmaecida.

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O aparecimento do primeiro projeto relevante da arquitetura institucional em concreto em Florianpolis a Assemblia Legislativa do Estado, projeto vencedor de concurso em 1957, sob autoria de Paulo Mendes da Rocha, Pedro Paulo de Melo Saraiva e Alfredo Paesani coincide com o tempo das primeiras experincias de planejamento urbano na cidade, tal como o conhecemos hoje. No incio da dcada de 1950 o municpio contratou uma equipe de arquitetos ligados prefeitura de Porto Alegre, que elaborou um plano diretor para o permetro urbano de Florianpolis, tornado lei em 1954. Quinze anos depois foi elaborado outro plano que acabou por vigorar at 1995. Ambos os planos apresentam em sua raiz a importao de conceitos modernistas de zoneamento funcional e a idia de progresso, comum ao movimento moderno.

Figura 1 - Ilustrao do relatrio Graeff, de 1952 - Vista do projeto de ocupao da Baa Sul. 1952. [Fonte: Paiva, Ribeiro e Graeff, 1952]

Foi no perodo de vigncia do plano de 19761 que se proliferaram os novos prdios administrativos na cidade. O contexto scio poltico tinha como caracterstica mais marcante a ditadura militar instalada no pas desde 1964 e sua ideologia desenvolvimentista e de modernizao. Neste perodo1

Os princpios gerais dos planos propostos para Florianpolis e regio at a dcada de 1970 sero apresentados no Captulo II.

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Florianpolis vivia uma grande defasagem entre seu desenvolvimento urbano e os elementos para seu controle. A elaborao de um novo plano diretor para a capital no seria, poca, apenas um vetor de mudana scio-econmica (Pereira, s.d., p. 15), como indicava seu texto, mas o caminho mais curto para o recebimento de recursos federais que lhe viabilizassem a aplicao. 2

Figura 2 - Perspectiva do Plano Diretor de Florianpolis de 1969 (lei em 1976). [Fonte: ESPLAN, 1971]

Corresponde ao perodo desenvolvimentista do incio da dcada de setenta, quando as determinaes tcnico-econmicas predominavam e todo o espao passa a ser enquadrado numa lgica estritamente2

As dcadas de 1960 e 1970 representaram um perodo de realizao de grandes emprstimos junto instituies internacionais de crdito, alm de pesados investimentos estatais destinados desde a implantao de universidades at a construo de infra-estrutura de base para o desenvolvimento do pas. Proliferavam obras pblicas em diversos campos, como a ampliao da malha rodoviria, construo de usinas hidroeltricas e mesmo a construo de edifcios institucionais e administrativos localizados, sobretudo, nas capitais dos estados. Estes investimentos, todavia, estavam condicionados a criao de planos de desenvolvimento e controle urbano, entre os quais figura o Plano Diretor para Florianpolis, aprovado em 1976.

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funcional e estratgica. Se o plano anterior buscava o equilbrio na distribuio das funes, este caracterizava-se pela clara atribuio funcional aos diversos setores espaciais. Buscava a integrao com a rede urbana, atribuindo ao aglomerado urbano de Florianpolis um papel especfico, j sugerido pela sua condio de capital: ela devia tornar-se um grande centro urbano-industrial porturio (Vaz, 1991, p. 57)

Figura 3 - Esq. Ilustrao do Plano Diretor 1976. [Fonte: Damio, 2009] Dir. Mesma rea da ilustrao em foto da dcada de 1990 [Fonte: Tempo Editorial, 2009]

A elaborao deste novo plano diretor fica a cargo do ESPLAN (Escritrio Catarinense de Planejamento Integrado) que, como dissemos, adota o conceito da arquitetura e urbanismo modernos como meios para a criao de novas formas de associao coletiva, em outras palavras, as premissas da cidade funcional, ditadas no IV CIAM. O plano vislumbrava Florianpolis como plo regional de desenvolvimento a ser concretizado atravs de, via primeira, a implantao de estratgias que garantissem a acessibilidade rodoviria que a capital no apresentava at ento (fato este amplamente utilizado

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como justificativa para a estrutura urbana no integrada que Estado de Santa Catarina dava a conhecer). Alm da integrao rodoviria, o plano previa, entre outras coisas, um claro zoneamento funcional, a construo de um porto para a grande Florianpolis e uma nova ponte ligando a ilha e o continente que ia dar em uma grande rea aterrada e ocupada por grandes edifcios de arquiteturas modernistas e carter basicamente administrativo. Boa parte da estrutura rodoviria ento prevista foi implantada e contribuiu fortemente para a consolidao de uma distribuio scio-espacial que ainda perdura em Florianpolis. O porto, por sua vez, nunca foi construdo, e o zoneamento no se implantou com tanto impacto3, mas a proposta do aterro veio a co e neste se lanou a nova ponte, projeto do arquiteto Pedro Paulo de Melo Saraiva. Saraiva foi tambm responsvel poca pelo planejamento fsico da parte urbana da capital, e foi atravs de seus projetos que Florianpolis viu construdos os primeiros exemplares dessa nova arquitetura que se implantava na cidade: os edifcios da Assemblia Legislativa do Estado e o Palcio da Justia, erguidos no aterro da Prainha, dando fechamento a perspectiva do aterro da Baa Sul. Muito embora Saraiva j em 1957 tivesse vencido concurso de projeto para a Assemblia Legislativa do Estado4, trabalho em parceria com Paulo Mendes da Rocha e Alfredo S. Paesani, s em 1964, com um segundo projeto para a Assemblia, de autoria do mesmo grupo de profissionais, que vai se introduzir na3

Entre as propostas no executadas estava, por exemplo, um novo plano de zoneamento para a regio sudeste da ilha e a criao do chamado Setor Turstico Ocenico. 4 Pedro Paulo de Melo Saraiva e os jovens arquitetos recm formados Paulo Mendes da Rocha e Alfredo Paesani, participaram do concurso para a sede da Assemblia Legislativa do Estado de Santa Catarina com uma proposta arquitetnica de base funcionalista, em cujo volume esguio sobre pilotis abrigava as atividades administrativas e um auditrio em volume destacado do corpo central conformava o plenrio. O local de implantao do edifcio tambm no era o mesmo em que se encontra o prdio atual da ALESC. O concurso do final dos anos de 1950 previa a construo da nova Assemblia Legislativa no mesmo terreno em que se encontrava sua sede anterior, incendiada nesta mesma dcada: a Praa Pereira Oliveira, de posio de geogrfica elevada no tringulo central.

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arquitetura de Florianpolis alguns dos elementos da gramtica construtiva habitualmente relacionada a escola paulista de arquitetura, neste caso o grande vo que abriga atividades diversas e a estrutura exposta em concreto aparente. Pouco depois, em 1968, com o projeto para o Tribunal de Justia do Estado, Saraiva aprofunda a experincia construtiva de modelo paulista e abre frente para a reproduo de inmeros outros edifcios institucionais com caractersticas estticas e funcionais semelhantes. Elementos como: a estrutura externa e aparente, planta baixa livre com ncleo duro de servios, valorizao dos elementos de circulao vertical, o uso do concreto aparente, a simetria bilateral das plantas e uma eficiente distino funcional nos espaos, vo se repetir na grande maioria dos exemplares da arquitetura institucional erguida na cidade no perodo compreendido entre 1970 e 1985.

Figura 4 - Capa da revista Acrpole 232, de setembro de 1957, com projeto vencedor para Assemblia Legislativa do Estado, 1957. [Fonte: Projeto Design 2006]

Na dcada de 1970 soma-se a esta tradio da escola paulista o trabalho de arquitetos formados no Rio Grande do Sul, sobretudo atravs da atuao do escritrio Liz Cassol Monteiro Arquitetos Associados, que vai ser responsvel por boa parte da arquitetura institucional nesses moldes na ilha. No final da

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dcada entra na mistura a influncia da arquitetura uruguaia (que j se fazia indiretamente atravs do RS) pela atuao dos arquitetos Enrique Brena e Yamandu Carlevaro que aprofundaram os estudos em pr-fabricao em concreto e argamassa armada iniciados por Liz, Cassol e Monteiro. Cabe observar que, assim como em boa parte do pas, Santa Catarina s foi ter sua primeira escola de arquitetura j em finais dos anos de 1970. Em 1977, especificamente, tendo sua primeira turma formada apenas em 1981. Desta maneira, toda a arquitetura produzida oficialmente no Estado ficava a cargo de profissionais formados em outros Estados, em particular Rio Grande do Sul, So Paulo, Rio de Janeiro e Paran. Frente a este quadro geral, foi objetivo primeiro desta pesquisa estudar e resgatar para a historiografia da arquitetura brasileira e para a histria do municpio de Florianpolis a arquitetura institucional /administrativa entre os anos de 1970 e 1985 - projetadas sob influncia da chamada Escola Paulista - e investigar suas possveis conexes com os conceitos de Brutalismo em arquitetura, inserindo assim a produo arquitetnica local no cenrio nacional e relacionando-a a produo internacional deste perodo to relevante mundialmente em termos histricos, filosficos e polticos. Para tanto, alm de pesquisa bibliogrfica sobre o momento histrico do pas e do municpio poca destas produes, lanamos mo tambm da realizao de estudos de caso de edificaes significativas tanto por sua fora simblica, quanto por sua presena formal e programtica, ou ainda por seu destaque entre as demais arquiteturas da Iilha de Santa Catarina. Atravs destes estudos buscamos tambm investigar a possvel relao entre a arquitetura institucional/administrativa produzida em Florianpolis entre 1970 e 1985 com os princpios ticos e estticos da chamada Escola Paulista, aprofundar conhecimentos e discutir sobre a validade da utilizao do termo Brutalismo na classificao das edificaes analisadas e investigar a relao da arquitetura produzida em Florianpolis neste perodo com o contexto poltico e social do pas, em particular o regime militar vigente na poca.

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Alm destes temas, especial ateno foi dedicada ao estudo da inter-relao entre as propostas urbanas previstas para a cidade da poca e a produo desses exemplares de arquitetura. De mesmo modo, pretendeu-se dar incio discusso acerca das determinantes adotadas na definio de suas localizaes, buscando identificar as relaes entre estas, o direcionamento dos investimentos estatais poca e o processo de distribuio espacial resultante em Florianpolis. Para alcanar os objetivos propostos, foi adotada metodologia de pesquisa que uniu fontes de carter primrio entrevistas no estruturadas com os arquitetos, levantamentos arquitetnicos e fotogrficos dos edifcios eleitos como estudo de caso e fontes de carter secundrio, atravs de estudo bibliogrfico divido em trs momentos: 1 - Pesquisa bibliogrfica local, referente ao contexto histrico-poltico-urbano da cidade no perodo de implantao dessas arquiteturas (planos diretores, discusses sobre planejamento urbano local, publicaes, etc.). 2 - Pesquisa bibliogrfica para fundamentao terica, tendo por base inicialmente as discusses sobre arquitetura brasileira entre os anos de 1970 e 1985, as bases ticas e estticas da chamada Escola Paulista e introduo a anlise das obras desta corrente arquitetnica, assim como pesquisa bibliogrfica para fundamentao terica voltada a compreenso dos conceitos de Brutalismo em arquitetura, suas derivaes no cenrio internacional e a discusso sobre sua possvel influncia na escola paulista. 3 Pesquisa de fontes documentais do perodo de levantamento proposto, desde publicaes que tenham apresentado algumas das arquiteturas institucionais em concreto aparente erguidas na cidade, bem como sobre seus autores, at os registros pblicos originais dos concursos e projetos apresentado estudados. O trabalho que segue apresenta trs diferentes escalas de anlise: a escala nacional, atravs de breve contextualizao dos momentos histrico, social, econmico e da produo arquitetnica entre os anos de 1970 e 1985; uma escala local,

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analisando as repercusses do cenrio histrico e poltico nacional na cidade de Florianpolis, bem como as particularidades de sua prpria histria poltica; e por fim a escala da arquitetura, atravs da apresentao e breve anlise de alguns dos edifcios institucionais em concreto aparente mais relevantes na paisagem e na memria da cidade. Para tanto esta dissertao encontra-se estruturada do seguinte modo: No primeiro captulo apresenta-se sinteticamente um histrico dos modelos de desenvolvimento urbano e da atuao do Estado em Florianpolis at a dcada de 1970, destacando a caracterstica histrica da cidade de to somente sede administrativa do Estado e suas conseqncias na economia e configurao urbana. O segundo captulo traz observaes sobre as transformaes do espao urbano de Florianpolis entre 1970 e 1985, inicialmente tecendo breves consideraes sobre o contexto nacional (em termos polticos, sociais e econmicos) para em um segundo momento descrever o contexto scio econmico local no perodo e as aes do Estado na promoo e manuteno do perfil administrativo da cidade, como, entre outros, a elaborao de um novo plano diretor entre 1969 e 1971 (aprovado em 1976), a instalao de rgos governamentais e empresas estatais em Florianpolis e construo de infra-estrutura de apoio ao desenvolvimento urbano da regio. O terceiro captulo dedicado discusso terica acerca da arquitetura institucional em concreto aparente produzida neste perodo na cidade e suas relaes com a produo nacional do mesmo perodo. Neste captulo so exploradas tambm as hipteses da influncia da Escola Paulista de arquitetura, o simbolismo de poder atrelado aos prdios pblicos (sobretudo neste perodo de governo militar), a adoo do concreto aparente como escolha formal e tcnica e, por fim, a validade do atrelamento desses projetos ao que se convencionou chamar de Brutalismo em arquitetura. No quarto e ltimo captulo so apresentados os estudos de caso, sendo dedicada especial ateno a trs dos edifcios administrativos em concreto aparente mais importantes no perodo, tanto por suas caractersticas arquitetnicas quanto por

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sua localizao espacial e relao com o desenvolvimento de algumas regies da ilha: O edifcio da Eletrosul, de importncia mpar para o desenvolvimento dos bairros leste da pennsula central, o Terminal Rodovirio Rita Maria, como primeiro grande edifcio pblico implantado no aterro da Baa Sul, e a Assemblia Legislativa do Estado de Santa Catarina , encontrado junto aos demais poderes executivo e judicirio - junto a Praa Cvica Tancredo Neves.

Figura 5 - Eletrosul e parte da UFSC, 2007. [Fonte: Vicenzo Berti, 2009]

Figura 6 - Terminal Rodovirio Rita Maria e o aterro da Baa Sul, 2002 [Fonte: Tempo Editorial, 2009]

Alm destes edifcios o captulo traz ainda os levantamentos de outros sete projetos icnicos da arquitetura institucional em concreto aparente em Florianpolis, como o Palcio da Justia, a Secretaria de Educao e as sedes da TELESC e CELESC, entre outros. Por fim, com a apresentao de mais trs projetos, comenta-se sobre a reproduo do modelo dos edifcios em concreto aparente em Florianpolis para alm da funo institucional e administrativa, buscando, deste modo, ilustrar a representatividade da esttica do concreto aparente na paisagem urbana da capital a partir dos anos de 1970.

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CAPTULO I Antecedentes

1.1 Modelos de desenvolvimento urbano e atuao do Estado em Florianpolis at a dcada de 1970 Florianpolis enfrentou, historicamente, uma srie de dificuldades para sua consolidao como centro urbano e como capital do Estado de Santa Catarina. Desde sua fundao como Vila de Nossa Senhora do Desterro at meados do sculo XX, muitas foram as idas e vindas das polticas locais e nacionais que acabaram por manter a cidade margem do centro poltico e econmico brasileiro. Vaz (1991) aponta dois perodos histricos como os de maior impacto na paisagem local: o primeiro perodo seria a segunda metade do sculo XIX, com o crescimento da atividade porturia, impulsionada pela imigrao europia para fins de ocupao territorial, que dinamizou as atividades de importao e exportao dos produtos regionais (farinha de mandioca, milho, feijo e arroz).Com o crescimento da atividade porturia, atravs da importao e exportao de produtos da regio, a populao cresceu. O funcionalismo pblico que se ampliava com as novas funes de capital da provncia de Santa Catarina tambm contribuiu para a dinamizao do mercado interno. (Vaz, 1991, p. 34)

Desta poca datam ainda a construo do primeiro mercado pblico municipal (e sua posterior demolio e transferncia de funes para um novo prdio, erguido na ento rua do prncipe, atual Conselheiro Mafra) o incremento das aes de pavimentao e iluminao pblica (iniciados na primeira metade do sculo), e a implementao de um sistema de transporte coletivo de trao animal. O segundo perodo histrico referido data de meados do sculo XX, particularmente os anos entre 1950 e 1970, marcados no pas pela transferncia da hegemonia poltica para um setor

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social dominado pelos interesses do capital internacional (...) cuja conseqncia a formao das classes mdias urbanas e a ampliao do [setor] tercirio (Vaz, 1991, p. 32), e a introduo de um modelo de integrao de rede urbana. Estas ltimas transformaes urbanas, embora tenham seu perodo culminante entre as dcadas de 1960 e 1970, vo ter sua origem j na dcada de 1930, com os primeiros reflexos da industrializao no Estado. Alm destes dois perodos descritos por Vaz (1991), cabe citar um terceiro perodo histrico em que a cidade passou por relevantes transformaes, ainda que suas resultantes no tenham gerado grande impacto na paisagem da cidade. Foi durante as duas primeiras dcadas do sculo XX que se executaram as primeiras obras de infra-estrutura urbana de cunho sanitarista, como a proviso das redes de abastecimento de gua, em 1910, e de recolhimento de esgotos, em 1916. Todavia, como dissemos, a exceo da construo da Av. Herclio Luz sobre o recm canalizado Rio da Bulha, este perodo no trouxe grandes modificaes a paisagem urbana da capital.

Figura 7 - Obras de canalizao do Rio da Bulha [192-][Fonte: Arquivo DAEX/UFSC, 2004]

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Na historiografia de Florianpolis quase consenso entre os autores o posicionamento poltico e econmico da cidade margem do estado e do pas. De fato, na dcada de 1930, Florianpolis era uma das poucas capitais do Brasil que no tinha seu desenvolvimento diretamente atrelado ao crescente processo de industrializao porque passava o pas e, justamente por isso, no sofria um processo de metropolizao como outras capitais nacionais. No Estado, as regies do Vale do Itaja (com centro em Blumenau) e Nordeste (com centro em Joinville), j se iniciavam em um processo de industrializao, se alinhando com a poltica de desenvolvimento nacional. Florianpolis, por sua vez, vivia o declnio da atividade porturia e o advento de uma nova economia urbana, baseada quase que exclusivamente na funo de sede de governo.At 1930, Florianpolis, apesar de sua precariedade como capital, era a maior cidade e o maior centro comercial do Estado (e para isso contribuiu a ligao ilha-continente), exercendo certa centralidade sobre todo o litoral, convergindo para ela as importaes, bem como o excedente provindo da tributao, por ser capital administrativa (CEAG, 1980 p.42 In: Michels, 2001 p. 57)

Vamos ver adiante que a propalada estagnao econmica5 da capital neste perodo, que transformou sua base econmica de porturia para administrativa, acaba exercendo papel determinante no futuro da cidade. A manuteno da funo administrativa vai gerar, num primeiro momento, j nas dcadas de 1950/1960/1970, um modelo de ocupao territorial da cidade pelo Estado atravs de suas instituies que vai deixar grandes marcas na configurao urbana e paisagem locais. Num segundo momento vai privar a cidade dos efeitos diretos da economia industrial neo-liberal que vem causando grandes impactos nas cidades de economia baseada na indstria e prepara terreno frtil para a implantao do atual modeloA estagnao econmica da capital na dcada de 30 freqentemente justificada pelos autores pela j citada decadncia da atividade porturia, pelos efeitos da crise internacional de 29 e pela oposio Getlio Vargas na revoluo de 30.5

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adotado de cidade-mercadoria, com capacidade competitiva no mercado mundial.

Figura 8 - Florianpolis. Vista da cidade. [193-][Fonte: Silva, 2002]

Nas dcadas de 1930 e 1940, ainda em funo do crescimento das atividades administrativas (logo, da mquina do Estado e do corpo do funcionalismo) e da reduo das atividades porturias, comea a se esboar um movimento de definio das reas prioritrias de expanso residencial das elites de Florianpolis nas regies norte/nordeste da Ilha. Sugai (1994) aponta, alm desta, outras razes para a definio destas reas, como:2. A ampliao das atividades de construo civil, impulsionadas pelo aumento da demanda, pela melhoria do setor energtico regional e pela mo de obra disponvel (...) 3. Ampliao do sistema de fornecimento de guas tratadas (...) 4. Incio da construo da atual BR 101, que iria concentrar o trnsito de cargas na rea continental

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[n.d.a: desvalorizando as terras da poro continental da cidade] 5. O potencial que a ampliao das classes mdias urbanas representavam para o desenvolvimento do turismo e o grande interesse que, conseqentemente, passavam a ter as praias situadas ao norte da ilha (Sugai, 1994, p. 60)

Figura 9 - Centro de Florianpolis. Vista do Campo do Manejo e Baa Sul. [194-][Fonte: Silva, 2002]

A esta poca as elites florianopolitanas passam a priorizar a ocupao residencial das reas ao norte da pennsula central (em detrimento regio sul da poro continental da cidade, para onde j haviam esboado interesse) e se amplia o interesse nos balnerios ao norte da ilha, onde vo ter terras as famlias mais ricas e influentes na poltica local e estadual. A partir da dcada de 50 o Estado adota aes por meio da elaborao de planos urbanos, alterao de legislaes de uso e ocupao do solo, implantao de equipamentos urbanos e grandes intervenes virias que vo reforar a ocupao das

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regies sob posse das elites locais e que vo repercutir fortemente na estrutura urbana de Florianpolis. Dentre essas aes cabe citar o Plano Diretor de 1952 (tornado lei em 1954) que, na contramo do processo de consolidao da cidade como centro administrativo exclusivamente, propunha a adoo de atividades industriais modernas e dinmicas. Alm disso, o plano propunha a construo de um novo porto como fator importante para seu desenvolvimento econmico (Paiva, Ribeiro e Graeff, 1952), a construo de uma avenida em direo ao norte da pennsula (futura av. Beira Mar), e a instalao de uma cidade universitria na rea do atual aterro da Prainha, abrangendo, deste modo, com o plano, todo o limite urbano em vigor at ento. De forte cunho funcionalista, o plano negava a cidade tradicional e destacava seu atraso econmico, industrial e comercial que, para os autores, se traduzia na fisionomia da cidade.Atualmente, a razo se der de Florianpolis , ainda principalmente, a sua funo de capital do Estado ou, mais exatamente, a de sede do Governo Estadual. Florianpolis est atrasada, do ponto de vista industrial e comercial e seu hinterland no atingiu um nvel econmico capaz de sustentar uma grande cidade moderna (Paiva, Ribeiro e Graeff, 1952, p. 12).

Para os autores a modernizao da cidade passaria necessariamente pela transformao via plano das atividades econmicas de base (com a introduo da indstria e de comrcio diversificado como atividades de apoio ao porto) e um adensamento populacional mediante racionalizao da distribuio das zonas residenciais na ilha e continente. Tendo, portanto, o zoneamento funcional como seu instrumento principal, o plano propunha basicamente:a) Regulamentar a utilizao e a percentagem de ocupao dos terrenos da rea urbana e regulamentar os gabaritos de altura das construes.

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b) Constituir zonas residenciais bem definidas, melhorando as reas j loteadas e prevendo o arruamento das reas vacantes prximas ao centro atual. c) Localizar convenientemente as reas destinadas cultura do esprito e do corpo, prevendo, para esse fim, espaos verdes correspondentes (praas), que seriam obtidas por meio de desapropriao de reas convenientemente localizadas. d) Caracterizar uma via tronco desde o acesso terrestre na zona do Estreito, at o lugar atualmente denominado aterro. Localizar ao longo dessa via tronco todos os centros de atividades, comercial e administrativa (centros comerciais, centro cvico, centro universitrio, etc.). Criar novas vias e melhorar as existentes, quando necessrio () a fim de conseguir uma trama viria equilibrada e completa" (Pereira, 2004)

Pouco das propostas foi posto em prtica, como a construo, quase 15 anos depois, da av. Beira Mar Norte (pavimentada em 1969). Em relao a localizao da cidade universitria, cabe observar que, embora o plano de 1954 fosse taxativo ao considerar que a idia de crescimento da cidade em direo a regio da Trindade fosse incabvel (Rizzo, 1993, p. 25), sua localizao foi, por anos, objeto de uma extensa e acirrada disputa poltica regional, vencida uma dcada depois pelo grupo que desejava sua implantao no interior da pennsula central.[A] atrao pelos balnerios situados ao norte e a leste da ilha impulsionava e direcionava o eixo de expanso das reas residenciais das camadas de mais alta renda, que se desenvolviam na rea norte da pennsula. Os bairros situados nordeste-leste da rea urbana central, em especial a Agronmica e a Trindade, constituam-se, portanto, na passagem para aqueles balnerios e no eixo natural de expanso urbana. A implantao do campus universitrio da UFSC na Trindade constituiu-se, portanto, numa interveno que procurava marcar a rea como futuro local para ocupao e expanso das elites, evitando intervenes que viessem a desvalorizar a regio, como aquelas

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efetuadas ali em dcadas anteriores (cemitrio, penitenciria, aterro sanitrio, etc.) Tratava-se (...) da abertura de novas frentes para o capital imobilirio (Sugai, 1994, p. 90).

Figura 10 - Modelo da cidade universitria a se implantar na regio da Prainha, conforme relatrio de 1952. [Fonte: Paiva, Ribeiro e Graeff, 1952]

Pode-se observar tambm, atravs da polmica sobre a implantao da universidade, que j neste perodo nasce a idia hoje enaltecida da vocao da cidade como bero de atividades acadmicas e de desenvolvimento tecnolgico: atividades limpas e que alimentariam uma populao de mais alto nvel de escolaridade e conseqentemente de maior renda. Na dcada de 1960, o desenvolvimento passa a ser um objetivo estratgico de escala nacional, sobretudo aps 1964, com o golpe militar e a centralizao de decises, recursos pblicos e monitoramento das aplicaes com repercusso espacial nas mos do governo federal (Vaz, 1991, p. 46). a partir deste perodo, at o final da dcada de 1970, que se d o pice do

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processo de ampliao das funes do Estado, iniciado na dcada de 1930.

Figura 11 - Florianpolis. Vista do centro e Baa Sul. [196-][Fonte: Foto B, 2005]

A enorme expanso do Estado ocorreu de vrias formas, com a criao de empresas estatais, atuando diretamente no setor produtivo, a criao de um complexo sistema financeiro, como rgo arrecadador e investidor e atravs da criao de rgos de pesquisa e assistncia produo, entre outros. Em nenhum outro momento da histria do Brasil ocorreu um aumento to grande do aparelho de Estado. Uma das conseqncias da poltica de governo de ampliao e centralizao das funes do Estado, foi o aumento do nmero de rgos pblicos, tanto estaduais como federais. O aparelho de Estado em Santa Catarina representado pela criao de novos rgos pblicos, teve um crescimento extraordinrio, nas dcadas de 60 e 70. Nesse perodo, foram criados quase 60% do total de rgos pblicos estaduais surgidos ao longo dos ltimos 100 anos. (Faccio, 1997, p. 179)

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Sem desconsiderar a ao estatal em perodos anteriores, deve-se notar alguma diferena nas aes do Estado neste novo perodo. Neste, as aes de Estado passam por profundas modificaes que vo possibilitar um maior poder de interveno enquanto suporte ao enriquecimento privado em Santa Catarina. No por acaso, a este tempo se d um grande crescimento do capital industrial catarinense, que vai repercutir decisivamente na configurao urbana regional e na consolidao dos centros produtivos regionais que perduram at hoje.

Figura 12 - rea do Forte Santa Brbara (ainda uma ilhota). [196-] [Fonte: Silva, 2002]

Florianpolis, em especfico, vai ser a sede de todo esse novo aparato institucional, o que lhe impe, juntamente com o advento da poltica rodoviarista (que liga a cidade em definitivo com o restante do estado), um novo ritmo de crescimento urbano, como veremos nos captulos subseqentes. Cabe observar tambm que a presena dessa grande mquina estatal e seu corpo funcional vo ser os grandes impulsionadores do crescimento de todo o entorno da regio da UFSC, atravs da criao de bairros residenciais que atendessem

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essa populao, como o Santa Mnica, e o desenvolvimento dos bairros da Trindade, Pantanal, Crrego Grande e Carvoeira. Outra observao relevante acerca da influncia das aes estatais mediante implantao de suas instituies em Florianpolis se refere a coincidncia entre a ao incisiva do Estado na cidade e a forte poltica das elites locais de busca de consolidao da cidade como capital de Santa Catarina.Na segunda fase do perodo rodoviarista (...) implantaram-se progressivamente grandes obras infraestruturais de transportes rodovirios, com as rodovias BR 101 (litornea) e BR 470 (buscando o interior) no mbito federal; pavimentaram-se rodovias estaduais e ampliaram-se os servios de transportes. (...) Florianpolis continuou a receber recursos estaduais e federais para a manuteno de seu status de capital. Os anos setenta foram para a capital o coroamento do perodo do milagre ao receber grandes obras como o aterro da baa Sul, a ponte Colombo Sales, a avenida Beira Mar Norte [n.d.a. Via de contorno norte, em adio a Av, Beira mar j implantada], as ligaes com os balnerios, etc. (Vaz, 1991, p. 51)

J na dcada de 1980, com a crise financeira deflagrada (o fim do milagre econmico j iniciado em fins da dcada de 1970) e o incio de um grande processo de destituio do poder poltico e econmico da esfera central de governo, Florianpolis, que at ento tinha suas base econmica assentada quase que exclusivamente nas atividades administrativas e no suporte as atividades que davam manuteno ao seu status de capital, passa agora a enfatizar a atividade turstica j em expanso, e ser esta, a partir de ento, a grande responsvel pelas grandes transformaes infra-estruturais e da paisagem urbana da cidade.

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CAPTULO II - As transformaes do espao urbano de Florianpolis entre 1970 e 1985

No captulo anterior tratamos dos principais eventos histricos e das circunstncias polticas, econmicas e administrativas que repercutiram no espao urbano de Florianpolis at o incio da dcada de 1970, indo culminar na instalao de um grande nmero de empresas estatais na capital catarinense, alm do conseqente direcionamento das polticas pblicas no campo da infra-estrutura para as regies central e Norte da Ilha. Neste captulo comentaremos brevemente algumas questes chave da situao poltica, social e econmica do pas na dcada de 1970 e at meados da dcada de 1980, em especifico os traos desenvolvimentistas do regime militar em curso, o Milagre Econmico, os investimentos em infra-estruturas regionais e urbanas de apoio ao desenvolvimento nacional e as estratgias de controle locais atravs da presena massiva de novas sedes de rgos governamentais e de empresas estatais que deixavam os centros administrativos habituais: Braslia, Rio de Janeiro e So Paulo. Pretendemos demonstrar tambm que, por um breve perodo, apesar do descompasso histrico do desenvolvimento da cidade em relao aos rumos do pas, Florianpolis teve sua administrao e seu projeto de desenvolvimento alinhados com projetos de carter nacional e, no por acaso, sofreu transformaes econmicas e em sua estrutura espacial que perduram at hoje.

2.1 Breves consideraes sobre o contexto nacional Uma das maiores marcas poltica, econmica e social dos anos de 1960 no Brasil foi o regime militar imposto ao pas logo aps o golpe de abril de 1964. Perdurando at meados da dcada de 1980, o governo militar ficou caracterizado pela prtica de uma

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intensa represso poltica e por uma postura autoritria e centralizadora que, entre outras repercusses, transformou rapidamente o perfil das grandes e mdias cidades brasileiras. Em 1961, aps o breve e conturbado perodo de governo do presidente eleito Jnio Quadros, que culminou em renncia, toma posse o vice-presidente e ministro trabalhista, Joo Goulart. Sua subida ao poder, no entanto, no foi de todo aceita por diversos setores da sociedade civil brasileira bem como pelo setor militar. Graas a sua poltica populista e sua aproximao com governos socialistas, Jango, como era conhecido, foi visto por estes setores como um perigo comunista e, para limitar seu poder poltico, sua ascenso Presidncia da Repblica foi condicionada instalao do regime parlamentarista no pas. Este regime vigorou at 1963, quando Joo Goulart reassume a chefia de governo mediante realizao de plebiscito nacional que aprovou a volta do presidencialismo. Todavia, seu governo legalista e defensor da reforma agrria, continuou a sofrer dura oposio do setor militar (que o acusava de permitir a indisciplina militar e manter um governo de carter esquerdista), da Igreja Catlica e de setores conservadores da sociedade, cujo descontentamento mximo foi declarado em maro de 1964, atravs da Marcha da Famlia com Deus e Pela Liberdade. Em 1 de abril de 1964 o Exrcito Brasileiro, com o apoio do governo norte-americano, executou um golpe de Estado que destituiu Joo Goulart do poder e instalou um regime de exceo que perdurou at meados da dcada de 1980. Neste perodo, mais do que o poder poltico militar que se evidenciou atravs do regime autoritrio, evidencia-se tambm o poder crescente de uma burguesia industrial vinculada aos setores mais influentes da tecnocracia estatal (Sugai, 1994, p. 94). Economicamente vamos ter:(...) um grande arrocho salarial e aes do Estado favorveis ao fortalecimento do grande capital nacional e internacional que geraram grande acumulao de capitais e uma crescente concentrao de renda. Estas medidas, paralelamente a recuperao da economia mundial a partir de 1967, garantiram a consolidao da expanso capitalista no Brasil e o boom econmico do

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perodo 1968-73, chamado milagre brasileiro. (Sugai, 1994, p. 94)

Dentre as estratgias desenvolvimentistas traadas para o pas poca, recebem especial destaque as polticas de desenvolvimento urbano, marcadas por seu carter altamente centralizado e por sua inteno de regular os processos de conurbao mediante a criao de regies metropolitanas. Estas regies seriam reas de concentrao generalizadas no plano fsico e econmico e das decises e comando no plano central cuja delimitao se baseou em trs critrios: a continuidade dos espaos urbanizados; os fluxos de transportes, notadamente do transporte de passageiros; e as funes exercidas por cada um dos centros urbanos circunvizinhos capital do Estado. (Land, 1972, p. 25) A funo de determinar quais seriam estas regies metropolitanas coube ao Governo Federal (atravs do SERFHAU Servio Nacional de Habitao e Urbanismo, criado em 1966) conforme pargrafo 10 do artigo 157 da Constituio de 1967:A Unio, mediante lei complementar, poder estabelecer regies metropolitanas, constitudas por Municpios que, independentemente de sua vinculao administrativa, integrem a mesma comunidade scioeconmica, visando realizao de servios de interesse comum. (BRASIL, 1967)

Para o governo militar, a importncia da criao das regies metropolitanas no se restringia apenas organizao fundiria de regies que, com as rpidas transformaes econmicas dos anos anteriores (em especial o governo do presidente Juscelino Kubitscheck) e das relaes de trabalho (sobretudo a relao campo cidade), se tornariam foco de intenso crescimento populacional desacompanhado de uma poltica de planejamento urbano. Para este, a criao destas regies era tambm a base de um necessrio novo modo de atuar sobre questes consideradas chave para modernizao da estrutura social de um pas que buscava seu desenvolvimento. funo do governo central formular a poltica nacional de desenvolvimento urbano, atentando para o

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papel de especial relevo que toca s regies metropolitanas, como plo de desenvolvimento de primeira ordem, ou seja, como principais centros de irradiao da modernizao necessria s transformaes estruturais da sociedade brasileira sobre as quais se assentam todo o processo de desenvolvimento (SERFHAU, 1972, p. 206 in Rizzo, 1993, p. 54)

Coube ao SERFHAU, j na dcada de 1970, o debate acerca de solues institucionais de nvel metropolitano que viessem a subsidiar a estrutura administrativa necessria ao controle central dessas regies. No entanto, a tentativa de soluo da questo institucional relacionada gesto de uma esfera administrativa metropolitana - ento inexistente na estrutura estatal brasileira que composta por trs esferas: municpios, estado e unio - no logrou o xito esperado. Para Monte-Mr (2007), uma das razes para este fato foi a dificuldade de congruncia entre um regime de natureza centralizadora e a ao do SERFHAU no sentido de conferir maior capacidade decisria ao poder municipal.Partindo da perspectiva do desenvolvimento local integrado, o planejamento urbano promovido pelo SERFHAU se baseava no municpio enquanto entidade autnoma, capaz de decidir sobre seus problemas urbanos. O carter integrado dos planos, abrangendo a viso fsico-territorial, social, econmica e administrativa, se por um lado abria uma nova dimenso tentativa de organizao do espao urbano, por outro desconhecia a centralidade crescente observada no pas a partir de 1964. (Monte-Mr, 2007, p. 86)

A partir de 1972, com a criao do I PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), as regies metropolitanas receberam uma maior importncia estratgica. Foi por meio deste plano que se estabeleceu a criao das primeiras nove regies metropolitanas no pas: So Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Salvador e Belm. Alm disso, o I PND procurou projetar o pas como futura potncia mundial (...) e caracterizava-se por uma forte interveno estatal, marcada

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pelo centralismo e pelo carter tecnocrtico do governo. (Faccio, 1997, p. 60) O II PND, de 1975, teve como meta geral a consolidao de uma economia industrializada atravs da proviso de infraestrutura de base que atendesse as necessidades de aumento de atividade das indstrias nacionais. Alm disso, objetivava o alinhamento do Brasil com as novas realidades da economia mundial, buscando, deste modo, assegurar a passagem do pas para um nvel superior de desenvolvimento. Alm de manter as nove regies criadas pelo I PND, o II PND busca ainda solues para a desconcentrao intra-regional do sistema urbano dominante na regio sudeste (Rizzo, 1993, p. 57)Esta estratgia consistia em investir nas cidades mdias com possibilidade de serem plos irradiadores de desenvolvimento regional e, explicitamente para os estados do sul, propunha a ordenao do processo de desenvolvimento do sistema urbano da regio sul, mediante expanso ordenada das metrpoles regionais e o fortalecimento dos ncleos urbanos de mdio porte (Rizzo, 1993, p. 56)

Neste sentido, o II PND lana como linha mestra na busca pela integrao nacional reforar, como nunca antes o pas testemunhara a presena ativa do Estado (Faccio, 1997, p. 61). Esta deveria ento se dar no apenas atravs da centralizao normativa e financeira, mas tambm pela criao de um grande aparato institucional a se instalar nas cidades de mdio porte. O Estado deveria se mostrar presente. Sob esta condioA poltica ps 1964, especialmente a partir de 1968, colocou as empresas estatais com papel de destaque no processo de industrializao brasileira. As empresas estatais surgiram, pois, como os instrumentos mais eficientes para a promoo de uma lgica nacionalista de acumulao, isto , uma lgica que d acumulao nacional prioridade sobre a maximizao global. O crescimento do setor estatal foi a mais substancial modificao estrutural da propriedade da indstria,

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durante o perodo do milagre. Em termos quantitativos, o Estado tornou-se a fonte mais importante de capital de investimento. Mais crucialmente ainda, as empresas estatais tiveram papis-chave no rompimento dos estrangulamentos que o capital nacional era incapaz de superar e o capital estrangeiro no se dispunha a enfrentar independentemente (Evans, 1980, p. 238 In: Faccio, 1997 pag. 62)

Temos ento que, a partir de 1964, o governo militar adotou uma poltica centralizadora cujo objetivo declarado era o de promover a modernizao da produo industrial e agrcola, e criar condies para o desenvolvimento da indstria no pas. Sob essa gide, entre as aes do Estado que melhor demonstram esta centralizao, esto os projetos de metropolizao de reas urbanas consolidadas ou em vias de consolidao, e a conseqente gerao de novas funes pblicas. Foi por meio desta poltica, juntamente com as novas discusses sobre planejamento urbano introduzidos no perodo, que passamos a ver um intenso processo de concentrao de aparelhos do Estado, tanto em Braslia quanto nas capitais dos estados. Considerando ainda o grande crescimento da indstria da construo civil, impulsionado pela concentrao de renda experimentada no perodo batizado de milagre brasileiro, as cidades brasileiras sofreram uma rpida e profunda transformao de sua organizao espacial e de sua paisagem urbana.

2.2 O contexto catarinense e o papel de Florianpolis Santa Catarina no possua uma regio metropolitana. Os Planos Nacionais de Desenvolvimento I e II, no apenas desconsideraram Santa Catarina, mas tambm fizeram entrever ao Governo do Estado e as elites dominantes a condio secundria de sua capital no contexto econmico catarinense. Dada a poltica nacional vigente a partir da dcada de 1930, que atrelava o desenvolvimento do pas ao crescimento e consolidao de reas industriais, em Santa Catarina as cidades

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que na poca apresentavam sinais de industrializao como Joinville e Blumenau ocupavam posio de maior destaque no contexto do Estado do que sua capital. Alm disso, essas cidades no tinham Florianpolis como um plo irradiador de crescimento, mas sim as capitais vizinhas Curitiba, Porto Alegre e, sobretudo, So Paulo. Diante deste quadro, governo e elites com interesses econmicos ligados capital catarinense, passam a despender grande esforo no sentido de transformar Florianpolis e as cidades vizinhas em Regio Metropolitana (a receber os recursos nacionais) e em plo irradiador de desenvolvimento. As discusses acerca da criao de um plo urbano em Santa Catarina se iniciaram j na dcada de 1960 (Silva, 1978, p. 134), especificamente em 1967, quando a prefeitura da capital determinou a reviso do plano diretor de 1954 - trabalho realizado pelo CEAU (Conselho de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo) - rgo ligado administrao do municpio e coordenado pelo arquiteto e urbanista Luis Felipe Gama DEa. O primeiro resultado apresentado pela equipe foi o Estudo Preliminar do Plano de Desenvolvimento Integrado da Grande Florianpolis, desenvolvido entre 1969 e 1971. Deste estudo derivou o Plano de Desenvolvimento da rea Metropolitana de Florianpolis (PDAMF), de carter regional, que considerava em seu texto, alm de Florianpolis, mais vinte cidades de seu entorno. Tendo como uma de suas bases fundamentais o PDAMF, em 1971 o governo do estado deu a conhecer o Plano Catarinense de Desenvolvimento, o PDC. O objetivo primeiro deste plano era a promoo da integrao estadual e o conseqente alinhamento da poltica urbana catarinense com poltica urbana nacional. O PDC, na contramo da realidade econmica do Estado e da relao direta que o SERFHAU fazia entre desenvolvimento econmico, crescimento urbano e metropolizao, tambm vai apontar (como fez o PDAMF, seu modelo) a capital do estado como a cidade que deveria assumir a posio central no desejado processo de integrao catarinense.

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Figura 13 - Florianpolis. Vista area a partir do Continente, 1971. [Fonte: Sugai, 1994]

Se em 1952 os urbanistas com seu Plano combatiam o atraso de Florianpolis convictos de que a cidade moderna e industrial viria com a instalao de um porto, vinte anos depois os planejadores estaro convictos de que a cidade, mesmo no se tendo industrializado, poder ser elevada condio de plo integrador do Estado de Santa Catarina (Rizzo, 1993, p. 62)

Uma vez que o plano vai concluir que cidades plo no precisavam necessariamente localizar-se em cidades industriais, o passo seguinte do Governo do Estado vai ser a elevao artificial da cidade de Florianpolis a plo integrador catarinense. Um plo planejado, ou seja: um plo formado no em funo das foras de mercado, mas criado mediante ao do governo. Sugai (2002) ressalta o papel do iderio do planejamento a servio da validao de aes governamentais como esta, que no mais das vezes buscavam to somente ocultar as razes verdadeiras que lhes motivavam: a busca da perpetuao da hegemonia poltica das elites catarinenses, a manuteno destas

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mesmas elites polticas e econmicas frente do poder pblico no Estado e, sobretudo, escamotear seu processo crescente de acumulao capital.Diversos estudos j evidenciaram os interesses de classe que estavam subjacentes ao iderio do planejamento, que desempenhou papel marcante nas dcadas de 1960 e 1970. Procuravam mostrar que a eficincia atribuda ao planejamento vinculava-se sua capacidade de encobrir projetos de acumulao de capital, ou seja, de transformar decises polticas em decises tcnicas, que aparentam ser de interesse universal (Sugai, 2002, p. 96)

Como veremos adiante, Florianpolis no foi exceo na maneira de adotar o planejamento como condio sine qua non para seu desenvolvimento. Para ratificar condio de capital e centro administrativo de Santa Catarina, cabia ao Governo do Estado trabalhar no sentido de, via Projeto Catarinense de Desenvolvimento, buscar o reconhecimento de sua regio metropolitana junto ao Governo Federal. No entanto, para alcanar tal objetivo, Florianpolis precisaria necessariamente de um plano de desenvolvimento, uma vez que a prpria injeo de recursos pblicos nas cidades brasileiras estava condicionada, segundo critrios do SERFHAU, a existncia do planejamento urbano na esfera municipal. Cabe observar que, embora no tenha sido classificada como metrpole regional, j se evidenciava um processo de conurbao de Florianpolis com as cidades limtrofes de So Jos, Palhoa e Biguau. No plano econmico sobressaem as atividades tercirias que atendiam crescente populao migrante, provinda tanto do interior do Estado quanto das principais cidades do pas, e que veio formar o corpo funcional de inmeras empresas estatais transferidas ou criadas em Florianpolis, ou mesmo da recm criada Universidade Federal de Santa Catarina.Florianpolis , por excelncia, na condio de capital do Estado, um ncleo cuja posio poltica estratgica engendra uma dinmica de crescimento cumulativo. O desenvolvimento econmico de vrios ncleos do

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interior, associados s transformaes lideradas pelo centro do pas, no se verifica diretamente na capital de Santa Catarina, que praticamente mantm a sua estrutura econmica tradicional. Indiretamente, contudo, com a progressiva ampliao das funes do poder pblico, o crescimento geral do Estado continua beneficiando capital na medida em que seu excedente viabiliza o redimensionamento do aparato governamental e de segurana; em conseqncia, incrementada a economia urbana. (Silva, 1978, p. 127)

Todo este movimento poltico e econmico porque passava a cidade vai se evidenciar, em especial, no(...) aumento da especulao e das atividades imobilirias, na ampliao de rgos da administrao pblica, no afluxo de migrantes que se instalaram nas encostas dos morros da ilha e, principalmente nas periferias urbanas da rea continental, e, ainda, na intensificao da construo civil e nas diversas intervenes urbanas efetuadas pelo Estado, a partir de 1970. (Sugai, 2002, p. 96-97)

Figura 14 - Aterro da Baa Sul. Inicio da urbanizao. Incio das obras do Terminal Rodovirio Rita Maria. Final dcada de 1970. [Fonte: Acervo Casa da Memria, 2007]

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2.3 As aes do Estado

2.3.1 O Plano de Desenvolvimento da rea Metropolitana de Florianpolis e o Plano Diretor de 1976 Elaborado segundo os ditames do SERFHAU, o Plano de Desenvolvimento da rea Metropolitana de Florianpolis (PDAMF), como vimos, apresentava como prioridadeA transformao de Florianpolis em um grande centro urbano, capaz de equilibrar a atrao de So Paulo, de Curitiba e de Porto Alegre, polarizando progressivamente o espao catarinense e catalisando a integrao e o desenvolvimento harmnico do estado, tratando este como uma Unidade Autnoma