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    QUE HISTÓRIA É ESSA?: O SISTEMA DE ENSINO MILITAR E SUASORIENTAÇÕES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA.

    CAROLINA MARIA ABREU MACIEL* INTRODUÇÃO

    Nos últimos anos, o Brasil vem passando por um momento no qual suas “memóriascomeçam a ser reveladas”. Em 2011, aprovamos a Comissão Nacional da Verdade e suasinvestigações, mesmo encontrando diversos empecilhos (resistência de alguns setores das

    Forças Armadas, ocultamento de informações, etc..), em 2014, data que rememoramos meioséculo do golpe civil-militar foi entregue a sociedade brasileira o relatório final da CNV.Muitas informações relevantes foram encontradas e várias ações foram reconhecidas peloEstado brasileiro, como por exemplo, as certidões de óbito onde caracterizavam a morte demilitantes como suicídio ou por outros tipos de problemas foram modificadas e, enfim, foireconhecido como mortes decorrentes de torturas praticadas pelos órgãos repressivos. Asmemórias dos anos de repressão, prisão, tortura e assassinatos, que, por muito tempo, foram

    relegadas ao esquecimento, vão mostrando-nos que as feridas ainda não foram cicatrizadas.Antonio Torres Montenegro (2005: 4) afirma que“nenhum passado passa, todo passado é presente. A questão é saber como ele se insere nas práticas cotidianas e, por extensão, comoinflui na maneira de pensar, sentir e agir no presente”. Assim, ao entendermos que o passadoestá bastante presente em nossa sociedade, o desvelar dessas memórias subterrâneas1, que portanto tempo foram silenciadas, se mostra de extrema importância. Basta ver que todos osanos, nos meses de março e abril, a mídia veicula como as memórias sobre o golpe/revoluçãode 1964 ainda permanecem em conflito.

    Não é, pois, o mero transcorrer do tempo que distancia o passado do presente. Há diasque, próximos na temporalidade, estão distantes das significações que marcam a nossaexistência. E já se foi meio século que a Ditadura de 1964 se instaurou, mesmo assim, ela éum dado presente. Uma experiência que se esgueira nas dobras dos dias, que se insinua nasheranças das gerações que sucedem as décadas de 1960-80.

    *Aluna do Mestrado Acadêmico em História e Culturas – MAHIS, pela Universidade Estadual do Ceará,vinculada a linha de pesquisa: Práticas Urbanas. Sendo pesquisadora do grupo de Estudo e Pesquisa sobreHistória e Documento: Reflexões sobre fontes históricas – GEPHD, certificado pelo CNPQ.1 Para Michel Pollak, as memórias subterrâneas se opõem a uma “memória oficial” e permanecem, por longos períodos, silenciadas pelos órgãos que estão no poder. Assim, essa “memória oficial” passa a ser aceita e/ouimposta pelo poder estabelecido.

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    Por isso, se ficarmos atentos, veremos os ecos daquele tempo em muitas paisagenshistóricas da nossa existência. Nosso questionamento em torno da relaçãoHistória/compreensão da História pelos militares surgiu a partir da leitura de um informativo

    da Associação Nacional de História – ANPUH, divulgado em junho de 2011, o qual problematizava o ensino de história nos Colégios Militares Brasileiros. No artigo intitulado“A História Ensinada às Crianças e Adolescentes dos Colégios Militares”, discorre-se sobrea adoção de um livro didático de História do Brasil utilizado pelas escolas militares, no qual o período de 1964 a 1985 é chamado de Revolução Democrática. Outro indício que referendoua validade do tema foi a pesquisa acerca de algumas diretrizes que fundamentam o ensino dadisciplina história nos Colégios Militares. Em nossas pesquisas, encontramos nos sítios

    oficiais do Sistema de Ensino Militar, no que se refere à Linha didático-pedagógica para oestudo de história nos Colégios Militares,o seguinte argumento: “ A História será estudadacomo conhecimento fundamental para o cidadão culto. Por tanto (sic), não é necessário‘reescrever a História’, como alguns tem feito nestes últimos anos, procurando denegrir

    nossos vultos maiores e estabelecer versões ideológicas ou “descobrindo” outras que nunca

    encontraram apoio nos fatos”. Há, aqui, claramente, a aceitação de que existe uma disputa pelo direito de enunciação das versões históricas.

    Nessa constante disputa de versões acerca da História do Brasil procuramos refletirsobre a construção dos currículos de história, nessas instituições de ensino castrenses, que têmobjetivos educacionais diferentes das escolas civis. Como afirma Antonio Carlos Ludwig,

    os alunos paisanos são preparados para atuar diretamente no setor produtivo como força de trabalho. Os discentes fardados, enquanto categoria social, não são formados para essa finalidade, e sim para aplicar a violência quando a segurançanacional for ameaçada [...].(LUDWIG, 1998: 26).

    Apesar do tom generalizante que marca a fala do Ludwig, não se pode desconsiderar aexistência de distinções entre as razões de existir dos ensinos civis e militares.

    No campo educacional, atualmente, podem ser vistas reminiscências dos anos deditadura em muitos projetos voltados à educação do país. Pois, de acordo com DermevalSaviani (2008: 298),

    [...] esse legado do regime militar consubstanciou-se na institucionalização davisão produtivista de educação. Esta resistiu às críticas de que foi alvo nos anos de

    1980 e mantém-se como hegemônica, tendo orientado a elaboração da nova LDB, promulgada em 1996, e o Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001.

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    versão que aos poucos vem sendo questionada pela historiografia e, no âmbito estatal, atravésdas investigações feitas pela Comissão Nacional da Verdade.

    AS INSTITUIÇÕES MILITARES DE ENSINO: BREVE HISTÓRICO.

    Pensarmos sobre a história e a educação nas instituições militares no Brasil,especificamente impõe como primeiro desafio a parca produção de trabalhos que se dedicamà pesquisa desses locais de formação dos futuros “oficiais da nação”. Nesse tópico,retomaremos algumas leituras acerca das primeiras escolas com esse caráter militar no Brasil, pensando suas continuidades e métodos de ensino.

    A primeira instituição com características próximas de uma educação militar foi a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, instaurada em 1792, no Rio de Janeiro. Aosfins do século XVIII, os acontecimentos da Europa – sobretudo, na França e na Inglaterra – ena América do Norte, além daqueles vinculados à Inconfidência Mineira, indicavam aosgovernantes do Brasil que a formação de um corpo militar era uma questão cada vez mais premente.

    No Ceará, somente no ano de 1889 uma instituição para formação de oficiais das

    forças armadas é inaugurada. A Escola Militar do Ceará trouxe um sentimento demodernidade para a sociedade fortalezense. Janote Pires (2010) afirma que a instalação deuma escola desse caráter eramais uma marca do “progresso” de Fortaleza.

    De acordo com Simone Vieira de Mesquita (2011), o ensino militar era um campoespecífico de formação, voltado à educação de uma elite brasileira.

    O ensino militar apresenta-se como campo específico de ensino. Desde seu início é possível perceber uma intençãoelitista. Seu foco é a formação de uma ―elite guerreira, responsável por criar e desenvolver estratégias de defesa e de combate para defender o território ―brasileiro de conflitos externos e internos.

    (MESQUITA, 2011:. 17)

    Antonio Carlos Will Ludwig (1998), embora em muitos momentos de seu textosimplifique a dinâmica da sua análise histórica, aproximando-se de uma leitura hermética domarxismo, ao tratar da formação das elites militares, compartilhará das interpretações deSimone Mesquita, descrevendo em sua pesquisa que por serem originários das camadasnobres da sociedade, não haveria dificuldade para que os futuros militares assimilassem aideologia dominante, pois essa estava em consonância com o que é cultivado em casa. Nassuas palavras,

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    Os setores dominantes têm consciência de que a força das armas, deve estar nasmãos de grupos confiáveis. [...] Devido à educação familiar recebida, os discentesem questão trazem dentro de si uma predisposição favorável à sua assimilação, jáque os valores e concepções dominantes também são cultivados em casa.(LUDWIG, 1998: 23-24)

    Porém, em seu livroCasarão do Outeiro – memórias e ilustrações,Janote Pires eKlein Filho (2007) ampliam essa afirmativa, dando ênfase ao fato de que os cadetes,nomeação dada aos alunos, vinham de diversos lugares do país e que seriam de camadassociais diferenciadas.

    De acordo com Janote Pires, um ponto importante para se entender a formação de umespírito nobre e intervencionista entre os cadetes foi adisseminação das ideias positivistas,sendo o ícone da implantação desses ideais, o major Benjamin Constant.

    Analisando o regulamento que reorganizou as escolas militares do Exército, noinício da República, incluindo-se nesse rol a Escola Militar do Ceará, nota-se o predomínio do saber “científico”. A ideia de soldado como um cidadão armado ecom um “dever social” é marcante, ficando esse regulamento conhecido como“Regulamento Benjamin Constant” devido à influência do Ministro da Guerra nacomposição desse estatuto, no qual se defendia a visão do soldado como“cooperador do progresso”. (MARQUES, 2010 : 229)

    Ludwig (1998) afirma que para entendermos sobre as práticas metodológicas queserviam de base para a formação educacional nestas escolas, deveríamos primeiramente noscolocar em diálogo com asteorias educacionais de reprodução.Ludwig apresenta alguns dosautores formuladores destas teorias e exemplifica qual o papel da escola que tinha comofundamento essa prática teórica. Nas palavras do autor,

    Uma dessas teorias afirma, por exemplo, que a escola se comporta como umaunidade fabril, pois o processo educativo que se desenvolve em seu interior pode servisto como um modo de produção que abrange professores e alunos, e cujoconhecimento é considerado simultaneamente capital e propriedade privada. Essateoria, cujo autor é M. Sarup, dá a entender que a escola ao proporcionar ao alunouma vivência numa situação econômica simulada o predispõe às exigências docapitalismo. (LUDWIG, 1998: 25)

    No governo Médici (1969-74) o Brasil passou por um momento de intenso progressoeconômico. Naquele período, uma das metas governamentais era o desenvolvimento daindústria em todo território nacional, para que o país continuasse a se afastar do seu passadoeminentemente agrícola. Por isso, esse novo modelo societal coadunava-se com a ideia deuma escola, como a apresentada acima, produtora de cidadãos que facilitariam o ingresso do país na ordem econômica mundial, aptos ao trabalho fabril, dóceis, ordeiros e disciplinados.

    Esses dois conceitos, ordem e disciplina, aliás, eram o sustentáculo do ensino proposto

    por estas instituições militares. A ação e a formação militar impunham (impõem) comofundamento de sua existência a hierarquia, seja dos sujeitos, seja dos gestos. Uma miscelânea

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    de códigos é incorporada pelo militar que, com seu corpo, expõe o ordenamento e adisciplinarização de sua condição de sujeito.

    A disciplina, como afirma Michel Foucault (2011: 133), associa-se aos “métodos que

    permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante desuas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-funcionalidade”. Ela articula-se a umaeconomia do corpo, cuja característica não é apenas a sua mecanicidade econômico-produtiva,mas espraia-se pelo controle, pela ordem, portanto, dos movimentos, pela métrica e estéticados gestos. Corpos manobrados e manobráveis, cuja movimentação instaura um novo sentidodas gestualidades, visualizado na sequência controlada das ações, na ordem, enfim. Ainda nas palavras de Foucault,

    O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpohumano, que visa não unicamente o aumento das suas habilidades, mas a formaçãode uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto maisútil é. Forma-se então, uma política de coerções que consiste num trabalho sobre ocorpo, numa manipulação calculada dos seus elementos, dos seus gestos, dos seuscomportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que oesquadrinha, o desarticula e o recompõe. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, os chamados "corpos dóceis". A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forçasela dissocia o poder do corpo faz dele por um lado uma "aptidão", uma"capacidade" que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potencia que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita.(FOUCAULT, 2011: 133-134)

    Assim, para Foucault (2011: 146), no que concerne ao controle das atividades, otempo penetra no corpo, e com ele todos os controles minuciosos do poder. Esse controletemporal seria um meio do corpo não permanecer no ócio, assim, retomando o princípio deutilidade. Os gestos e as posturas corporais estariam ligados ao bom uso do corpodisciplinado.

    Dentro desse ambiente de formação e adestramento do corpo útil, não se pode deixarde pensar o papel do ordenamento das atividades executadas pelos discentes do CMF, paraque não se tenha uma perca de capacidade produtiva, valor fundamental para manter o progresso do sistema e a ordem dominante.

    A rotina diária é um dos procedimentos mais eficazes para incutir a ideia de ordemna cabeça dos alunos. Existem horários e tipos de indumentária para realizardiariamente, e de modo repetitivo, atividades devidamente previstas e programadasnos diversos calendários escolares, tais como alimentar-se, marchar, assistir àsaulas, fazer provas, dormir, estudar, participar de campeonatos etc. Essasatividades [controladas] são executadas quase sempre por toques de capainha,toques de corneta, ordens verbais e gestos corporais, colaborando sobremaneira para automatizar a conduta discente. (LUDWIG, 1998: 34)

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    E o ensino de história nestas instituições? Qual a história dessa disciplina escolar nesseambiente? As reformas ocorridas na educação nos anos 1970, ao modificarem a estruturacurricular do ensino no país, encontraram na história que se pretendia ensinar os meios

    legitimadores do seu programa intervencionista.

    O ESTADO MILITAR E AS REFORMAS EDUCACIONAIS

    “Oportuno é dizer que esperamos, da História e dos historiadores, a sua contribuição para a

    instrumentação de nossa economia, de nossa sociologia, de nossa ciência política, de umaeducação cívica e democrática brasileira, a sua contribuição para a evolução e o

    aprimoramento das instituições e dos homens, assim como para o fortalecimento do caráternacional ” .5

    A passagem acima nos permite tecer reflexões acerca do entendimento do papel daHistória e dos historiadores pelo governo ditatorial, pós-1964. A História seria uma das forçasque auxiliariam o país em seu programa de desenvolvimento, Brasil um país do Futuro. Adécada de 1970 foi marcada pelas reformas educacionais que iriam inserir o país nohall de países desenvolvidos. Em meio às transformações em prol do progresso, o ensino de História

    não poderia ficar de fora, haja vista, sua importância para aconstrução da autêntica sociedade democrática, tão desejada pelos governantes fardados.

    Sabemos que nestes 21 anos de governo ditatorial (1964 – 1985), os militares não sóconstituíram mudanças nas matrizes curriculares das Ciências Humanas, mas foram além, pois, segundo Elza Nadai (1993: 157), algumas escolas foram fechadas, professores foram presos e tiveram que responder a processos-crimes.

    Assim, nesse contexto de efervescência social, a educação brasileira sofreu sérios

    ajustes para se adequar à Lei de Segurança Nacional, um modelo de ação e compreensão doEstado que legitimava as atrocidades e impunidades ocorridas no período de exceção. Váriosforam os mecanismos utilizados pelo Conselho Federal de Educação (CFE) para que essalegitimação ocorresse de modo organizado e eficaz. Destaca-se, nesse sentido, a publicaçãodo Decreto - lei nº 869, de 12 de setembro de 1969, que“dispõe sobre a inclusão da EducaçãoMoral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos

    5 Trecho do discurso intitulado: “Não se governa sem História”, pronunciado pelo Presidente Emílio GarrastazuMédici, em 1970, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Texto publicado integralmente em livro peloDepartamento de Imprensa Nacional em 1971, sob o Título A verdadeira paz.

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    sistemas de ensino do País, e dá outras providências”.6 A partir de tal dispositivo, em todas asesferas e níveis do sistema educacional brasileiro, obrigatoriamente haveria uma disciplinacom teor cívico: Educação Moral e Cívica (EMC) ofertada no ensino do primeiro grau,

    Organização Social e Política Brasileira (OSPB) no segundo grau e Estudo dos ProblemasBrasileiros (EPB) no ensino superior 7. Para os militares intervencionistas, essa organizaçãocurricular ajudaria na formação do novo modelo de cidadão, pautado nos valores do civismo edo patriotismo.

    Já em fevereiro de 1969, meses antes da aprovação do decreto citado, foi aprovado o parecer nº 3/69, cujas motivações explicitavam os elementos fundamentais que regeriam oentendimento sobre a formação de um cidadão-cívico, tido pelos governantes como modelo a

    ser adotado em toda a Nação. Segundo seus formuladores, havia determinados fatores quecolocariam em perigo a sociedade brasileira e justificariam a assinatura do decreto.Primeiramente, a incapacidade da família de afastar da formação das crianças e jovens brasileiros o fantasma de uma possível influência das revoluções comunistas. Em segundolugar, a dificuldade enfrentada pela Escola em lidar com mudanças socioculturais, com odeslocamento da mulher para o trabalho fora do lar resultando, segundo sua avaliação, nafragilidade e descuido da educação moral dos filhos.

    No quadro da Guerra Revolucionária, a população materializa a um só tempo, oobjetivo e o agente da luta. A conquista dessa população pelo marxismo-leninismo será tanto mais fácil quanto maior fôr [sic] a permeabilidade da consciência dasmassas à redução de hábil propaganda subversiva. A família moderna facilita, decerto modo, a implantação e a evolução da Guerra Revolucionária, de vez que perturbada pela evolução econômica e social e por solicitações de tôda [sic] ordem,ela não assegura, de modo completo, sua função educadora. Freqüentemente dissociada, particularmente em razão do trabalho da mulher forado lar e da conjuntura econômica que a aflige, seus membros se vêm obrigado aoperar fora do quadro familiar típico, cada qual atraído por um pólo exterior. A principal consequência dêsse [sic] estado de coisas é a flagrante deficiência naeducação moral dos filhos.Por outro lado a escola moderna ainda não tomou a si o encargo de compensar essa

    lacuna.8

    (Grifo Nosso)

    Em 1971, o governo decretou a Lei Nº 68.065 cujo objetivo era regulamentar oDecreto-lei nº 869/69, sobre o ensino da Educação Moral e Cívica. Após a promulgação daLei 5.692/71, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), sancionada em 11 de

    6 BRASIL.Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969.Dispõe sobre a inclusão da Educação Moral eCívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino do País,e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0869.htm (Acesso em: 01/10/2013)

    7 Com a Lei nº 9.394/96 a terminologia “Ensino de primeiro e segundo graus” foi substituída por EducaçãoBásica, sendo esta dividida em Educação Infantil, Educação Fundamental e Ensino Médio.8 BRASIL. Parecer nº 3/69, de 04 de fevereiro de 1969, do CFE. Torna obrigatório o ensino da disciplinaEducação Moral e Cívica. In: Documenta nº97,Rio de Janeiro, jan/fev. 1969.

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    educação. Enquanto isso, outras áreas de formação profissional mantiveram osmesmos padrões de carga horária e duração. (FONSECA, 1993: 26-27)

    Depois de pautarmos algumas dessas reformas educacionais empreendidas no períododo golpe faremos uma análise comparativa dos dizeres sobre o golpe nos livros didáticos queforam utilizados no período procurando perceber quais as mudanças e/ou permanências nosmanuais de atuais utilizados pelo sistema de ensino militar.

    OS DIZERES SOBRE 1964 NOS LIVROS DIDÁTICOS, ONTEM E HOJE.

    Ao analisarmos os livros didáticos utilizados no período posterior à intervenção militar

    de 1964, propormos uma análise comparativa com o material didático que é utilizado nasinstituições de ensino militar na atualidade. Assim, buscamos identificar as mudanças e/ou permanências de uma temporalidade distante cronologicamente, meio século se passou desdeo golpe civil-militar, porém presente nos estabelecimentos de ensino militar. Dito de outromodo, o que propomos é uma reflexão acerca das disputas que permeiam a construção dasversões da História desse período traumático do Brasil. Principalmente, por estarmos vivendoum momento em que essas versões se mostram contraditórias, onde de um lado a História

    vem sendo ensinada nessas instituições com o intuito de manter uma memória que a todomomento é contradita pelas investigações da CNV e pela Comissão de Anistia do Ministérioda Justiça.

    Primeiramente, para analisarmos os dizeres sobre o golpe civil-militar nos livrosdidáticos adotados pelos Colégios Militares, na atualidade, devemos refletir sobre amaterialidade e produção da Coleção Marechal Trompowsky, pois é através da análise destelivro que poderemos compreender qual visão da História os alunos dessas instituições têm

    acesso. Porém, não podemos esquecer que a relação ensino-aprendizagem é mais do que aleitura e explicação do conteúdo presente nos livros. O método do professor e o conhecimento prévio dos alunos interferem diretamente no que é dito e imposto como verdade no livrodidático. Destarte, este trabalho busca analisar o conteúdo em si do material de consulta dosalunos, já que o livro é o principal recurso onde os discentes vão buscar apoio durante asaulas.

    Para a análise deste trabalho utilizamos a sexta edição da Coleção Trompowsky, publicada em 2012. Publicação realizada pela Biblioteca do Exército, a BibliEx, que é

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    Estado militar fora, na verdade, extremamente autoritária e conservadora.(ASSUNÇÂO, 2009: 61)

    Nos livros analisados pela autora13, o Governo de João Goulart, com exceção dos

    livros de Sérgio Buarque de Hollanda e Marlene Ordoñez & Célia Puff, vai ser apresentadocomo um governo de “caráter esquerdista” e com medidas populistas. Se fizermos umacomparação com o texto que descreve o mesmo período aos alunos dos CMs, observamosque, no material atual, as ações do presidente são descritas com incapazes. Como podemosver na citação abaixo:

    O governo de João Goulart encontrou sérias dificuldades em razão da inflação, doinsucesso da política das reformas e da oposição feita por significativa parcela daopinião pública, da Igreja e das Forças Armadas. Seu governo não soube enfrentarcom firmeza e equilíbrio necessários o extremismo crescente que, na época, semanifestou.(FERNANDES et. al., 2006:191) (Grifos nossos)

    Os diversos termos utilizados na descrição do governo de Goulart têm como objetivo alegitimação da ação golpista e tenta a todo o momento desmoralizar os movimentos sociaisque se mostravam ativos na cena política nos anos 1960. Como por exemplo, na passagem emque definem as greves como“desnecessárias e ilegais” , onde desqualificam os militares quenão coadunavam com a ideologia da Segurança Nacional.

    No tópico, ainda tratando do Governo de João Goulart, A Igreja, as Forças Armadas eo meio estudantil , as Forças Armadas são retratadas como única instituição que poderiaintervir contra as investidas subversivas. Porém, mesmo com a solidez de sua organização e por seu espírito democrático, as forças subversivas se utilizavam de métodos para abalar ahierarquia e a disciplina da instituição, através doenfraquecimento de seus salários.

    Ao tratar da Igreja, o texto afirma que o Partido Comunista (PC) ao perceber que estainstituição seria um dos entraves à instalação da doutrina no Brasil, usa da“ tática dainfiltração” em seus quadros, porém não somente a Igreja sofre com esta manobra do PC, o

    13 A autora usou como fontes para a pesquisa os seguintes livros: História do Brasil: segunda série ginasial deEuclides Pereira e João de Deus (1964),Compêndio de História do Brasil para o curso ginasial de VicenteTapajós (1969), História do Brasil II para o ensino médio de Washigngton dos Santos e Umberto AugustoMedeiros (1969 ), História do Brasil: Da Colônia à República de Francisco M. P. Teixeira e José Dantas(1970), História do Brasilde Arnaldo Fazolli Filho de 1977, Ensino Moderno de História do Brasil de L. g>Motta Carvalho e História do Brasil: ocupação do espaço, formação da cultura – 5ª seriee História para aescola moderna de Julierme de Abreu Castro. Em sua dissertação, a autora diz que os últimos três livroscitados são da década de 1970, mas que ela não conseguiu precisar o ano de publicação. Já entre os manuais

    que a autora, também, utiliza na análise se destacam História do Brasil: Estudos Sociais de Sergio Buarquede Hollanda (1975), História do Brasil: colegial e vestibulandos de Maria Célia Puf e Marlene Ordoñez(1970), Brasil: uma história dinâmica de Ilmar Mattos, Ella Dottori e José Werneck L. da Silva (1972). Esteúltimo não faz referência ao período da Ditadura, mas cita a deposição de João Goulart.

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    livro afirma que outros segmentos sociais, também, são infiltrados pelos subversivos. Omovimento estudantil é tratado como um alvo fácil de corromper-se por sua ingenuidade.

    Ao comentar como se deu o levantedas lideranças democráticas,o Golpe se

    transforma em Revolução. De acordo com o material didático“a Revolução foi levada aefeito, não por extremistas, mas por grupos moderados e respeitadores da lei e da ordem” .

    Quando voltamos a leitura para os livros de História escritos nesse período, o discursomostra-se o mesmo que apresentamos acima. Num momento de caos social, fomentado pelaslideranças subversivas e ao alinhamento do Presidente à estas forças, as Forças Armadas não podiam manter-se estáticas e a intervenção é legitimada pelaameaça comunista.CristinaAdelina Assunção (2009: 61), afirma que nessas publicações as reformas de base, propostas

    pelo governo, são medidas com caráter ideológico e osagitadores políticos “estavaminseridos em todos os escalões do governo, nos sindicatos, entre os estudantes e ruralistas,esse tipo de insinuação estava sempre presente nos discursos conservadores”.

    Na Coleção Marechal Trmposwsky, os anos de governo militar são expostos aosalunos como o momento de grandeza do país. Todos os problemas que o Brasil herdou dosgovernos passados seriammilagrosamenteresolvidos. Cada presidente, cujo rosto estampaseus feitos durante a governança, apresentam aos discentes uma história onde os conflitos são

    sanados, pois a preservação da ordem legitimava as ações arbitrárias dos governantes.A decretação do Ato institucional nº 5, é posta como a solução para o combate do

    terrorismo. Ao citar que Costa e Silva“enfrentou e sufocou” a Guerrilha de Caparaó, o textooculta suas ações violentas e a todo momento tenta dar ao estudante conceitos negativos aosmovimentos contestatórios ao regime ditatorial.

    Para combater as atividades terroristas, o Governo aplicou, inicialmente, osdispositivos previstos pela Constituição de 1967. Sem contar com o apoio do partido governista – a aliança Renovadora Nacional (ARENA)-, decidiu o presidente decretar o AI5; mas sua aplicação não terminou com a onda de

    atentados terroristas e demais ações praticadas pelos integrantes das diferentes facções comunistas. ( FERNANDES et. al., 2006: 198)

    O capítulo concernente ao período da Ditadura Militar, apresentado aos alunos dasinstituições militares, mostra uma versão da História que a muito tempo vem sendo debatida erevisada. Porém, de acordo com a linha didático-pedagógica para o ensino de história nessesColégios, essas versões que contradizem averdade militar, é apenas uma estratégia paraapagar ou distorcer o papel grandioso que as Forças Armadas representam para o país. No

    decorrer das páginas da coleção não há uma frase se quer que mostre o outro lado, as outrasversões sobre a temática. Pois, o documento que rege a concepção de História dessas escolas

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    se perdeu nas várias temporalidades e é carregado por uma visão de História absoluta, onde averdade histórica é apenas uma. Limitando os discentes ao debate, à verdadeira construção doconhecimento histórico, que se dá pelo embate das fontes.

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