2016/1/11 - erliquiose associada a demodicose

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Relatório de Caso Clínico Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Veterinária Departamento de Patologia Clínica Veterinária Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas (VET03/121) http://www.ufrgs.br/bioquimica IDENTIFICAÇÃO Caso Clínico n o 2016/1/11 Espécie: Canina Ano/semestre: 2016/1 Raça: Bul Terrier| Idade: 6 ano(s)| Sexo: fêmea| Peso: 18,4 kg Alunos(as): Dannea Brose, Danny Elis Simioni, Francine Maurer, Talita de Abreu Monteiro Médico(a) Veterinário(a) responsável: Letícia Talita Baretta ANAMNESE O animal em questão é de origem colombiana. Quando filhote teve infecção por E. canis, obtendo controle da doença após o tratamento com antimicrobiano, porém permanecendo com infecção subclínica. Em 8 de outubro de 2015, mudou-se para o Brasil e, devido ao estresse da mudança, apresentou demodicose generalizada. Foi atendida anteriormente por dois veterinários em clínicas distintas: o primeiro receitou ampicilina (antimicrobiano) em dose única, depois o outro prescreveu cefalexina (antimicrobiano) e prednisona (glicocorticóide), sendo que ambos não suspeitaram de sobreposição de doenças e, por isso, receitaram medicamentos apenas para as lesões de pele. Após 4 dias do segundo tratamento os proprietários notaram o agravamento das lesões cutâneas, prostração e dor abdominal aguda, o que os levaram a recorrer a outro veterinário. EXAME CLÍNICO 29/02/2016 (Dia 0) A paciente apresentava ataxia no membro pélvico direito, hiporexia, polaquiúria, poliúria, fraqueza muscular, dor e aumento abdominal, alopecia generalizada, pele eritematosa e presença de comedões. Lesões cutâneas principalmente na região abdominal (pápulas hiperêmicas, crostas hemáticas, e milicéricas) cursavam com infecções secundárias e sem prurido (Figuras 1, 2 e 3). A proprietária notou mudança na cor dos olhos da paciente (acinzentados). Nenhuma outra alteração evidenciada. EXAMES COMPLEMENTARES Ultrassonografia (29/02/2016, Dia 0) Vesícula biliar com mediana repleção, parede fina e conteúdo com imagem hiperecogênica de limites irregulares, medindo cerca de 2 x 1,46 cm em seus eixos maiores, não formadora de sombra acústica (grumo?). Não se observam dilatações de ductos. Baço com dimensões grandemente aumentadas. Bexiga urinária mediana e grandemente distendida, parede normoespessa, conteúdo anecogênico homogêneo. Demais órgãos abdominais visibilizados sem alterações ecográficas visíveis. Radiografia do Joelho Direito (01/03/2016, Dia 1) Incidências crânio caudal e médio lateral. Imagens compatíveis com -Incongruência articular -Platô tibial desviado no sentido transversal -Presença de parafuso (provável fixação de crista da tíbia) com halo radioluscente em topografia da cabeça do parafuso. Ultrassonografia (22/03/2016, Dia 22) Vesícula biliar com conteúdo anecogênico com presença de imagem amorfa, ecogênica, de limites irregulares, não formadoras de sombra acústica (Grumo?). Baço com dimensões bastante aumentadas.

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Relatório de Caso Clínico

Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Veterinária Departamento de Patologia Clínica Veterinária

Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas (VET03/121) http://www.ufrgs.br/bioquimica

IDENTIFICAÇÃO

Caso Clínico no2016/1/11 Espécie: Canina Ano/semestre: 2016/1

Raça: Bul Terrier| Idade: 6 ano(s)| Sexo: fêmea| Peso: 18,4 kg

Alunos(as): Dannea Brose, Danny Elis Simioni, Francine Maurer, Talita de Abreu Monteiro Médico(a) Veterinário(a) responsável: Letícia Talita Baretta

ANAMNESE

O animal em questão é de origem colombiana. Quando filhote teve infecção por E. canis, obtendo controle da doença após o tratamento com antimicrobiano, porém permanecendo com infecção subclínica. Em 8 de outubro de 2015, mudou-se para o Brasil e, devido ao estresse da mudança, apresentou demodicose generalizada. Foi atendida anteriormente por dois veterinários em clínicas distintas: o primeiro receitou ampicilina (antimicrobiano) em dose única, depois o outro prescreveu cefalexina (antimicrobiano) e prednisona (glicocorticóide), sendo que ambos não suspeitaram de sobreposição de doenças e, por isso, receitaram medicamentos apenas para as lesões de pele. Após 4 dias do segundo tratamento os proprietários notaram o agravamento das lesões cutâneas, prostração e dor abdominal aguda, o que os levaram a recorrer a outro veterinário.

EXAME CLÍNICO

29/02/2016 (Dia 0) A paciente apresentava ataxia no membro pélvico direito, hiporexia, polaquiúria, poliúria, fraqueza muscular, dor e aumento abdominal, alopecia generalizada, pele eritematosa e presença de comedões. Lesões cutâneas principalmente na região abdominal (pápulas hiperêmicas, crostas hemáticas, e milicéricas) cursavam com infecções secundárias e sem prurido (Figuras 1, 2 e 3). A proprietária notou mudança na cor dos olhos da paciente (acinzentados). Nenhuma outra alteração evidenciada.

EXAMES COMPLEMENTARES

Ultrassonografia (29/02/2016, Dia 0) Vesícula biliar com mediana repleção, parede fina e conteúdo com imagem hiperecogênica de limites irregulares, medindo cerca de 2 x 1,46 cm em seus eixos maiores, não formadora de sombra acústica (grumo?). Não se observam dilatações de ductos. Baço com dimensões grandemente aumentadas. Bexiga urinária mediana e grandemente distendida, parede normoespessa, conteúdo anecogênico homogêneo. Demais órgãos abdominais visibilizados sem alterações ecográficas visíveis.

Radiografia do Joelho Direito (01/03/2016, Dia 1) Incidências crânio caudal e médio lateral. Imagens compatíveis com -Incongruência articular -Platô tibial desviado no sentido transversal -Presença de parafuso (provável fixação de crista da tíbia) com halo radioluscente em topografia da cabeça do parafuso.

Ultrassonografia (22/03/2016, Dia 22) Vesícula biliar com conteúdo anecogênico com presença de imagem amorfa, ecogênica, de limites irregulares, não formadoras de sombra acústica (Grumo?). Baço com dimensões bastante aumentadas.

Página 2 UFRGS / Faculdade de Veterinária / Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas - Caso Clínico 2016/1/11

Bexiga urinária bastante distendida e conteúdo anecogênico com presença de sedimento ecodenso (Celularidade?) Presença de pequena quantidade de líquido livre anecogênico.

URINÁLISE

Método de coleta: cistocentese Obs.: Data: 21/03/2016 (Dia 21)

Sedimento urinário*

Células epiteliais: Escamosas (2/Campo)Transição (1/Campo)

Cilindros: Ausentes

Hemácias: Ausentes

Leucócitos: <5 ↑

Bacteriúria: leve ↑

Outros:

Exame químico

pH: 6,5(5,5-7,0)

Corpos cetônicos: negativo

Glicose: negativo

Bilirrubina: negativo

Urobilinogênio: n.d.(<1)

Proteína: traços

Sangue: negativo

Exame físico

Densidade específica: 1,018(1,015-1,045)

Cor: Amarela

Consistência: Fluida

Aspecto: Límpida *número médio de elementos por campo de 400 x; n.d.: não determinado

BIOQUÍMICA SANGUÍNEA

Amostra: soro| Anticoagulante: | Hemólise: ausente Data: 15/03/2016 (Dia 15)

Proteínas totais: g/L (54-71)

Albumina: 22 g/L (26-33)↓

Globulinas: g/L (27-44)

Bilirrubina total: mg/dL (0,10-0,50)

Bilirrubina livre: mg/dL (0,01-0,49)

Bilirrubina conjugada: mg/dL (0,06-0,12)

Glicose: mg/dL (65-118)

Colesterol total: mg/dL Erro! Argumento de opção desconhecido.

Ureia: mg/dL (21-60)

Creatinina: 0,64 mg/dL (0,5-1,5)

Cálcio: mg/dL (9,0-11,3)

Fósforo: mg/dL (2,6-6,2)

Fosfatase alcalina: n.d. U/L (<156)

AST: U/L (<66)

ALT: 68 U/L (<102)

CK: U/L (<125)

: ( )

: ( )

: ( )

: ( )

Observações:

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HEMOGRAMA

Data: 29/02/2016 (Dia 0)

Leucócitos Eritrócitos

Quantidade: 17300/µL (6.000-17.000)↑ Quantidade: 2,23 milhões/µL (5,5-8,5)↓

Tipos: Quantidade/µL % Hematócrito: 16 % (37-55)↓ Mielócitos 0 (0) 0 (0) Hemoglobina: 4.9 g/dL (12-18)↓ Metamielócitos 0 (0) 0 (0) VCM: 71,7 fL (60-77) Neutrófilos bast. 0 (<300) 0 (<3) CHCM: 30,6 % (32-36)↓ Neutrófilos seg. 15051 (3.000-11.500)↑ 87 (60-77)↑ RDW: n.d. % (14-17) Basófilos 0 (0) 0 (0) Reticulócitos: n.d. % (<1,5) Eosinófilos 173 (100-1.250) 1 (2-10) Observações: Hipocromasia

(1+),Excentrócitos, Policromasia (1+), Anisocitose (1+) e Neutrófilos tóxicos (1+).

Monócitos 519 (150-1.350) 3 (3-10) Linfócitos 1557 (1.000-4.800) 9 (12-30) Plasmócitos n.d. (_) (_)

Observações:

Plaquetas

Quantidade: 100000/µL (200.000-500.000)↓|Observações:

TRATAMENTO E EVOLUÇÃO

29/02/2016 (Dia 0) O exame parasitológico de pele (EPP) detectou demodicose generalizada e, para tanto, foi prescrito um tratamento com Ivermectina (antiparasitário de amplo espectro), Cefalexina (antimicrobiano),Omeprazol (antiulceroso inibidor da bomba de prótons), Cloridrato de Ciproeptadina + Cobamamida(estimulante do apetite), Lactulose (laxante hiperosmótico), Dipirona Sódica (analgésico e antipirético)e banhos periódicos com Peróxido de benzoíla (shampoo antibacteriano queratolítico, antipruginoso e desengordurante). Nesse mesmo dia foram realizados ainda os exames de hemograma, ultrassonografia e teste imunocromatográfico (SNAP 4DX) após suspeita de doença associada à sintomatologia apresentada e ao histórico.

15/03/2016 (dia 15) A canina retornou ao HCV-UFRGS prostrada, anoréxica, com midríase e ataxia. Ela apresentou sintomatologia neurológica possivelmente causada pelo uso da ivermectina. A avaliação dos exames anteriormente solicitados revelou anemia acentuada e trombocitopenia. Devido ao seu estado debilitado e à sintomatologia nervosa, decidiu-se pela internação para realização de fluidoterapia. A partir disso, iniciou-se a procura por doador de sangue compatível.

16/03/2016 (dia 16) Confirmou-se a infecção por E. canis através do teste de imunocromatografia (SNAP4DX).

17/03/2016 (dia 17) Foi realizada a transfusão sanguínea (400 mL de sangue total fresco) e se iniciou o tratamento com Doxiciclina injetável (Antimicrobiano Lipossolúvel).

22/03/2016 (dia 22) Houve expressiva melhora devido ao tratamento realizado e, assim, o animal recebeu alta sob prescrição de Doxiciclina, Dipirona Sódica e Imidacloprida +Moxidectina (endenctocida, uso tópico).

04/04/2016 (dia 35) A paciente apresentou hematúria no dia anterior, piora do quadro de demodicose (leve melhora após uso tópico do endenctocida), ocorrência de diarreia e leve melhora no quadro neurológico. Hematúria possivelmente causada pela compressão da bexiga realizada pelo proprietário para forçar a micção. Coleta de amostras para urinálise, para hemograma, para bioquímica sanguínea e para testes de coagulação.

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13/04/2016 (Dia 44) A urinálise apresentou infecção por Proteus sp., e apesar de ser uma bactéria resistente á doxiciclina, optou-se pela continuação do tratamento com esta medicação devido a erliquiose. Houve clara melhora na locomoção, porém ocorreu piora no quadro dermatológico.

28/04/2016 (Dia 59) Relata que parou com antimicrobiano por conta no dia anterior. Aconselhado a entrar com Fluralaner via oral dose única a cada 3 meses. Relata piora na pele (Nódulos avermelhados).

Tabela 1.Hemograma.

Parâmetro avaliado (Val. referência) 29/02/16

Dia 0 15/03/16

Dia 15 21/03/16

Dia 21 22/03/16

Dia 22 04/04/16

Dia 35 Hemograma Eritrócitos (5,5-8,5Milh/µL) 2,23↓ 2,18↓ 3,03↓ 3,41↓ 3,66↓ Hemoglobina (12-18g/dL) 4,9↓ 5,0↓ 7,1↓ 8,1↓ 8,4↓ Hematócrito (37-55%) 16↓ 18↓ 24↓ 26↓ 25↓ V.C.M. (60-77fL) 71,7 82,6↑ 79,2↑ 76,2 68,3 C.H.C.M. (32-36%) 30,6↓ 27,8↓ 29,6↓ 31,2↓ 33,6 RDW (14-17%) n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. Leucócitos Totais (6.000-17.000/µL) 17.300↑ 16.600 31.600 ↑ 26.570 ↑ 20.000 ↑ Mielócitos (0/µL) 0 0 0 0 0 Metamielócitos(0/µL) 0 0 0 0 0 N. Bastonetes (<300/µL) 0 0 1580↑ 0 0 N. Segmentados (3000-11.500/µL) 15.051↑ 14.442↑ 27.808↑ 25.507↑ 18.200↑ Eosinófilos (100-1.250/µL) 173 0↓ 316 0↓ 600 Basófilos (0/µL) 0 0 0 0 0 Monócitos (150-1.350/µL) 519 1.826↑ 948 531 600 Linfócitos (1.000-4.800/µL) 1.557 332↓ 948↓ 531↓ 600↓ Plaquetas (200.000-500.000/µL) 100.000 ↓ 80.000 ↓ 308.000 460.000 670.000 ↑ Metarrubrícitos (/100 leuc) n.d. n.d. n.d. 5 n.d. Reticulócitos corrigidos (0-1,5%) 0,16 2,45 ↑ 3,3 ↑ 1,1 Obs.¹ Dia 0: Hipocromasia (1+), excentrócitos, policromasia (1+), anisocitose (1+) e neutrófilos tóxicos (1+) Obs.² Dia 15: Policromasia discreta, hipocromasia (1+) Obs.³ Dia 21: Hipocromasia (1+) e Neutrófilos tóxicos (1+) Obs.⁴ Dia 22:Anisocitose (3+), Corpúsculos de Howell-Jolly (1+),Neutrófilos hipersegmentados e hipocromasia discreta. Obs.⁵ Dia 35: Anisocitose (1+) e Neutrófilos tóxicos (1+)

Tabela 2. Bioquímica sanguínea. Parâmetro avaliado (Val. referência)

29/02/16 Dia 0

15/03/16 Dia 15

21/03/16 Dia 21

22/03/16 Dia 22

04/04/16 Dia 35

21/03/16 Dia 21

Amostra Soro Soro Soro Soro Soro Soro Proteína plasmática total (60-80g/L)**

80 66 66 70 80 66

Globulinas (27-44 g/L) n.d. 44* 43* 43* 52* ↑ 43* Albumina (26-33 g/dL) n.d. 22 ↓ 23 ↓ 23 ↓ 28 23 ↓ ALT (< 102UI/L) n.d. 68.0 n.d. n.d. 57 n.d. Creatinina (0,5 a 1,5 mg/dL)

n.d. n.d. n.d. n.d. 0,75 n.d.

Fosfatase Alcalina (< 156 U/L)

n.d. n.d. n.d. n.d. 50 n.d.

*Valores Estimados. **Medidas por Refratometria.

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Tabela 3.

SNAP 4DX. 16/03/16

Dia 16 Amostra Soro Dirofilária immitis NEGATIVO Borrelia burgdoferi NEGATIVO Ehrlichia canis POSITIVO Anaplasma phagocytophilum NEGATIVO Tabela 4.Antibiograma.

Parâmetro avaliado. 05/04/16

Dia 36 Antimicrobiano Amox + Ac. Clavulânico Suscetível Cefalexina Intermediário Doxiciclina Resistente Enrofloxacina Suscetível Marbofloxacina Suscetível Norfloxacina Suscetível Oxacilina Resistente Amostra Urina Método coleta Cistocentese Tabela 5. Urinálise.

Parâmetro avaliado. 21/03/16

Dia 21 05/04/16

Dia 36 Método de coleta Cistocentese Cistocentese Sedimento urinário

Células epiteliais Escamosas (2/Campo) Transição (1/Campo)

Escamosas (2/Campo) Transição (4/Campo, Aglomerados)

Cilindros Ausentes Ausentes Hemácias Ausentes > 100/Campo Leucócitos < 5/Campo 5-20/Campo Bacteriúria 1+ 1+ Outros Estruvita (2+) Exame físico Densidade específica 1,018 1,044 Cor Amarela Marrom Consistência Fluida Fluida Aspecto Límpida Turvo Exame químico pH 6,5 7,0 Corpos cetônicos Negativo Negativo Glicose Normal Normal Bilirrubina Negativo 1+ Urobilinogênio Normal Normal Proteína Traços 3+ (300mg/dL) Sangue Negativo 3+

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Tabela 6. Testes de Coagulação.

Parâmetro avaliado (Val. referência) 05/04/16

Dia 36 Amostra Plasma Citrato Tempo de Protrombina (<10 seg.) 7 seg. Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (10-20 seg.) 22 seg.

DISCUSSÃO

Hemograma (Dias 0, 15, 21, 22 e 35) No dia 0, o eritrograma revelou anemia normocítica hipocrômica com policromasia e anisocitose. A repetição dos exames nos dias 15, 21 e 22 revelou o contínuo aumento nos valores de hematócrito e C.H.C.M., mas que continuavam abaixo dos valores de referência. Um hematócrito progressivamente crescente, mesmo se não apresentasse reticulocitose, indica uma medula responsiva e uma anemiaregenerativa13. Os eritrogramas dos dias 0 e 22 revelaram anemia normocítica hipocrômica, que pode ser encontrada quando os eritrócitos estão hipocrômicos (por imaturidade ou falta de ferro) e que se originam da supressão da medula óssea ou da anemia da doença crônica9. Os exames realizados nos dias 15 e 21 revelaram uma anemia macrocítica hipocrômica, que sustentam a presença de eritrócitos imaturos, e, dessa forma, a anemia é provavelmente causada por perdasanguínea13 através da demodicose generalizada com lesões cutâneas e infecções secundárias. No dia 21, após transfusão sanguínea, a macrocitose e hipocromasia foram provavelmente causadas também pela dupla população eritrocitária presente na amostra proveniente da transfusão. A contagem de reticulócitos, nos dias 21 e 22, indicam que a medula encontra-se responsiva e que a anemia é regenerativa. No eritrograma do dia 22 verificou-se a presença de corpúsculos de Howell-Jolly, sendo que sua quantidade aumenta durante a resposta medular regenerativa a uma anemia13. A fase crônica da erliquiose monocítica canina (EMC) instala-se devido à ineficiência do sistema imune do cão. Nessa fase, ocorre anemia normocítica normocrômica em decorrência da supressão da medula óssea ou à anemia da doença crônica. Em cães com infecção crônica, é possível observar a redução do depósito de hemossiderina na medula óssea, mostrando que a deficiência de ferro associada à perda crônica de sangue pode estar envolvida na anemia em vez de ser totalmente em função do seqüestro inflamatório ou da insuficiência mielóide6. Os exames dos dias 0 e 15 revelaram trombocitopenia, que se deve à produção de anticorpos antiplaquetários (consequente aumento da destruição de plaquetas), diminuição da meia-vida(provável consequência da intensificação do sequestro esplênico e da destruição imunomediada) e disfunção plaquetária nos cães infectados por E. canis. Além disso, há uma citocina sérica (o fator inibidor de migração plaquetária, ou PMFI) produzida pelos linfócitos de cães com erliquiose, e o nível dessa citocina na corrente sanguínea está inversamente relacionado à contagem de plaquetas15, 6. No dia 35, o exame revelou uma trombocitose possivelmente causada pelo processo inflamatório causado pela demodicose generalizada, que aumenta a liberação de interleucinas (IL), que induzem os hepatócitos a produzir mais trombopoietina. Essa resposta estava ausente anteriormente devido aos mecanismos patogênicos da erliquiose que prejudica a produção e migração plaquetária, mas com o início do tratamento com doxiciclina, a resposta plaquetária frente à inflamação voltou ao normal. Todos os leucogramas apresentaram neutrofilia (segmentados) e, em sua maioria, com exceção do dia15, teve presença de leucocitose. A inflamação crônica generalizada e a resposta leucocitária ao estímulo antigênico prolongado causado pelo ácaro Demodex podem ser responsáveis por essas alterações. A observação de neutrófilos tóxicos nos dias 0, 21 e 35 coincide com o período em que a demodicose não é tratada (pela priorização do tratamento da erliquiose, exceto no dia 0 onde o tratamento ainda

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não havia iniciado), causando reação inflamatória aguda e, consequentemente, a produção acelerada de neutrófilos, resultando no aparecimento de neutrófilos tóxicos na corrente sanguínea12. A linfopenia está presente em quase todos os exames, exceto no do dia 0, com os valores mais baixos registrados no exame do dia 15, onde houve também presença de monocitose.A linfopenia relatada pode ter ocorrido devido à imunidade celular, que executa um papel importante na luta contra demodicose11. Os exames dos dias 15 e 21 também apresentaram eosinopenia. Essa alteração tem pouco significado diagnóstico, mas pode ser parte de um leucograma inflamatório agudo12. O exame do dia 21, realizado após a transfusão sanguínea, apresentou neutrofilia com desvio à esquerda (DNNE), provavelmente causado pela presença de neutrófilos jovens provenientes do sangue·transfundido. O mesmo exame realizado no dia seguinte (dia 22) mostrou uma redução nos valores de leucócitos totais e neutrófilos segmentados (com presença de neutrófilos hipersegmentados), mas que ainda se encontravam acima dos valores de referência. A presença de neutrófilos hipersegmentados (velhos) na corrente sanguínea se deve ao envelhecimento dos neutrófilos oriundos do sangue transfundido. No exame hematológico, identifica-se trombocitopenia, anemia normocítica normocrômica,eosinopenia, linfopenia e desvio nuclear de neutrófilos para esquerda, sendo esses predominantesdurante a infecção por E. canis4.

Urinálise (Dias 21 e 36) A urinálise realizada no dia 21 possui concentrações levemente elevadas de proteína, piúria discreta e bacteriúria, sendo que nas coletas realizadas por cistocentese, a presença de leucócitos ou de microorganismo é indicadora de doença6. A urinálise realizada no dia 36 apresentou aspecto turvo, coloração marrom, presença de eritrócitos, elevação dos valores de densidade específica comparadas com o último exame, proteinúria, bacteriúria, piúria, cristais de estruvita, presença de células escamosas e aglomeradas de células de transição (acusado na ultrassonografia). Células escamosas no sedimento urinário são observadas algumas vezes em amostras obtidas por cistocentese, presumivelmente como resultado de aspiração de células epiteliais da derme e, nesse caso, também podem ser provenientes da urina ascendente em consequência da compressão vesical, o que geralmente não tem importância diagnóstica. Aglomerados de células de transição podem ser observados como uma reação a inflamações, geralmente na presença de leucócitos e eritrócitos3. A urina turva geralmente contém maior número de elementos celulares (leucócitos, eritrócitos, células epiteliais), cristais, muco ou elevada quantidade de cilindros, entretanto, bactérias podem contribuir para a turvação da urina. Esse aspecto é indício de alguma alteração como inflamação, hemorragia oucristalúria7; 3. A urina marrom revela a presença de hemoglobina (confirmada pela presença de eritrócitos no sedimento), e a elevação da densidade urinária, comparado ao exame anterior, sugere desidratação do animal. A alcalinidade associada à infecção no trato urinário (ITU) sugere infecção por microorganismos que decompõem ureia (Proteus sp.), ocorrendo urolitíase com cálculos de estruvita como sequela6. A proteinúria é do tipo pós-renal, confirmando a inflamação do trato urinário inferior, pois, além da proteína, ocorre também a presença de eritrócitos, leucócitos, aglomerados de células de transição, cristais de estruvita (fosfato triplo) e bactérias7. Conforme dito pelo proprietário, ele fazia a compressão vesical para forçar a micção. Pela força necessária para expelir a urina, esse procedimento pode contaminar a amostra com eritrócitos e proteínas, envolvendo o risco de ruptura vesical. Os traumas não necessariamente contribuem para o aumento de leucócitos no sedimento urinário, mas é comum encontrar eritrócitos nesse sedimento por consequência de traumas2.

Bioquímica sanguínea (Dias 15, 21 e 35) Nos exames dos dias 15 e 21, observou-se hipoalbuminemia, que tanto pode ter sido causada pela

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hiporexia e anorexia10, quanto pela degradação e perda excessivas de proteínas pela extensa lesão da pele provocada pela demodicose generalizada11. No dia 35, o exame apresentou hiperglobulinemia (valor estimado), e essa alteração sugere uma resposta imune exacerbada e, provavelmente, ineficiente, ocorre na fase aguda da doença e persiste durante as fases subclínica e crônica10.

Ultrassonografia (Dias 0 e22) Ambas ultrassonografias revelaram esplenomegalia, e a do dia 22 revelou a presença de sedimentos celulares na bexiga, confirmado pela urinálise (células escamosas e de transição). A esplenomegalia é decorrente da hiperplasia do sistema fagocítico mononuclear do órgão e da dilatação de sua microvasculatura interna em resposta à liberação sistêmica de mediadores inflamatórios10.

SNAP 4DX. (Dia 26) Teste ELISA de alta especificidade realizado com sangue total detectou a presença de anticorpos para E. canis, o que indica que o animal está ou esteve em contato com o antígeno. Esse resultado é condizente com diversos sintomas apresentados, dentre eles apatia, infecções secundárias, hematúria, esplenomegalia, dor abdominal, poliúria e polidipsia, articulações aumentadas e dolorosas a palpação, claudicação4, trombocitopenia, depressão, petéquias e equimoses cutâneas, hipoalbunemia15, entre outros.

CONCLUSÕES

Devido á imunossupressão causada pelo estresse da mudança, a erliquiose que se encontrava subclínica tornou-se um quadro clínico, assim como a demodicose. A cistite apresentada pela paciente é possivelmente traumática, causada pela compressão da bexiga efetuada pelo proprietário para forçar a micção.

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FIGURAS

Figura 1. Lesões Cutâneas . Pápulas, crostas hemáticas, e milicéricas apresentadas pela paciente no Dia 0. (© 2016 Letícia Baretta)

Figura 2. Demodicose generalizada. Extensão da lesão cutânea da paciente no Dia 0. (© 2016 Letícia Baretta)

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Figura 3. Lesões cutâneas. Pápulas, crostas hemáticas, e milicéricas apresentadas pela paciente no Dia 0. (© 2016 Letícia Baretta)

Figura 4. Lesões cutâneas. Membro anterior direito (Dia 35). Melhora das lesões após tratamento com Imidacloprida +Moxidectina. (© 2016 Letícia Baretta)

Figura 5. Lesões cutâneas. Membro posterior esquerdo. Melhora das lesões após tratamento com Imidacloprida +Moxidectina (Dia 35). (© 2016 Letícia Baretta)

Figura 6. Lesões cutâneas. Paciente no dia 40.Melhora das lesões após tratamento com Imidacloprida +Moxidectina (Dia 35). (© 2016 Letícia Baretta)