2.3. fundamento epistemológicos da medicna - problemas fundamentais do conh2eciment

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Fundamentos pistemológicos da Medicina 2.1. Problemas Fundamentais da Teoria do Conhecimento Luiz Salvador de Miranda Sá Jr. A ciência, entendida como conhecimento científico, é uma modalidade superior de conhecimento junto com o conhecimento filosófico. Pode-se sustentar que o conhecimento científico constitui o momento mais refinado do desenvolvimento cognitivo, momento que possibilita o conhecimento do mundo e de si com a maior fidedignidade e validade que é possível em cada momento histórico. Contudo, é necessário que se afirme que tal conhecimento não é o melhor por ser científico ou simplesmente porque é chamado assim; é chamado científico exatamente porque é o mais válido e confiável. Há muito se reconhecem alguns problemas conceituais considerados os mais essenciais para fundamentar qualquer teoria do conhecimento. De fato, como matéria de cogitação filosófica, o conhecimento humano se estrutura a partir da identificação e da solução de seis problemas fundamentais que estão relacionados com ele. Estas questões são chamadas assim porque suas respostas alicerçam tudo o que se sabe sobre o processo cognitivo como cogitação filosófica e porque predeterminam o resultado das demais elaborações mentais sobre este tema. A questão essencial da diferença qualitativa que existe entre o conhecimento, atributo caracteristicamente humano e a aprendizagem animal já foi atratada anteriormente. Como matéria de cogitação filosófica, o conhecimento humano se estrutura a partir da identificação e da solução de oito problemas fundamentais que estão relacionados com

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epistemologia médica, gnosiologia da medicina

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Fundamentos pistemológicos da Medicina

2.1. Problemas Fundamentais

da Teoria do ConhecimentoLuiz Salvador de Miranda Sá Jr.

A ciência, entendida como conhecimento científico, é uma modalidade superior de

conhecimento junto com o conhecimento filosófico. Pode-se sustentar que o

conhecimento científico constitui o momento mais refinado do desenvolvimento

cognitivo, momento que possibilita o conhecimento do mundo e de si com a maior

fidedignidade e validade que é possível em cada momento histórico. Contudo, é

necessário que se afirme que tal conhecimento não é o melhor por ser científico ou

simplesmente porque é chamado assim; é chamado científico exatamente porque é o

mais válido e confiável.

Há muito se reconhecem alguns problemas conceituais considerados os mais

essenciais para fundamentar qualquer teoria do conhecimento. De fato, como matéria

de cogitação filosófica, o conhecimento humano se estrutura a partir da identificação e

da solução de seis problemas fundamentais que estão relacionados com ele. Estas

questões são chamadas assim porque suas respostas alicerçam tudo o que se sabe

sobre o processo cognitivo como cogitação filosófica e porque predeterminam o

resultado das demais elaborações mentais sobre este tema. A questão essencial da

diferença qualitativa que existe entre o conhecimento, atributo caracteristicamente

humano e a aprendizagem animal já foi atratada anteriormente.

Como matéria de cogitação filosófica, o conhecimento humano se estrutura a partir da

identificação e da solução de oito problemas fundamentais que estão relacionados com

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seu entendimento. Estas questões são chamadas assim porque suas respostas

alicerçam tudo o que se sabe sobre o processo cognitivo como cogitação filosófica e

porque predeterminam o resultado das demais elaborações mentais sobre este tema.

Os oito problemas fundamentais do conhecimento humano são:

= o problema da possibilidade de conhecer (cognoscibilidade),

= o problema da estrutura do conhecimento,

= o problema da origem do conhecimento (gênese cognitiva),

= o problema da natureza do conhecimento,

= a possibilidade do conhecimento intuitivo (valor da intuição) e

= o problema da da aparência e da essência do conhecimento,

= problema da forma e conteúdo do conhecimento,

= problema da verdade no conhecimento (a veracidade e verossimilitude ou

verossimilhança).

Estas questões constituem o alicerce de qualquer Teoria do Conhecimento, pois s

decisões toma dasem cada uma delas delineia a gnosiologia de quem as toma.

Quem quer que pretenda se dedicar seriamente ao estudo do conhecimento terá que

se debruçar sobre cada uma dessas questões e tomas uma decisão sobre cada uma

delas. Por isto, os temas listados acima configuram as questões que podem ser tidas

como as mais fundamentais para o estudo do conhecimento, porque as respostas

dadas a cada uma delas e ao seu conjunto circunscrevem aquilo que pode ser

considerado mais importante e de mais básico sobre este assunto. Sem que estejam

adequadamente resolvidas, não há quem possa prosseguir este estudo. E, além disto,

as respostas configurarão um modelo doutrinário que há de dirigir as opiniões sobre o

conhecimento, sobre o homem e sobre a sociedade humana. Inclusive os aspectos

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filosóficos e políticos que assinalam a inserção de cada ser humano nesta sociedade.

Também oor isto. pode-se afirmar que existem muitas formas de conhecimento

embutidas nestas três grande categorias. Por isto, falando estritamente, é possível

dizer que existem conhecimento vulgares, conhecimentos filosóficos e conhecimentos

científicos e não apenas um só conhecimento em cada uma dessas modalidades

principais.

Isto porque, as respostas a estas questões circunscrevem o que há de mais importante

e mais básico sobre este assunto e seu conjunto configura uma posição doutrinária e,

assim, cada um destes pontos de vista define uma modalidade especial de

conhecimento. Sem que estejam adequadamente resolvidas, não se pode prosseguir

neste estudo. E cada conjunto de respostas caracteriza uma determinada posição

doutrinária frente à Gnosiologia e à Epistemologia. Este haverá de ser a primeira lição

deste capítulo, existem tantas gnosiologias (e, portanto, epistemologias e filosofias)

quantos forem os conjuntos possíveis a que se chegue respondedo a estas

indagações. Por isto, muito mais do que por qualquer outra coisa, o conhecimento

filosófico é aberto.

O problema da cognoscibilidade ou a possibilidade de alguém conhecer realmente

algum objeto é o mais essencial e o mais básico de todos eles; pois, caso o

conhecimento for impossível, toda esta temática que se segue estará

irremediavelmente prejudicada. Será possível ao ser humano conhecer alguma objeto,

ter rteza sobre algo? O o que julga conhecer é uma iusão de sua mente? Esta pergunta

sobre a cognoscicibilidade do mundo, da natureza, da sociedade e dos Homens

contém inteiramente o conteúdo essencial da discussão sobre a possibilidade de

alguém conhecer realmente alguma coisa em si ou em seu mundo circundante. Além

de ser o questionamento mais essencial e o mais básico de todas as questões teóricas

relacionadas com os processos da cognição e com a capacidade cognitiva. Aqui está o

primeio passo de toda e qualquer filosofia. Da resposta a esta pergunta, dependem

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todas as outras questões que foram apontadas. Pois, se o conhecimento for

impossível, toda esta temática que se segue estará irremediavelmente prejudicada.

Tendo-se o conhecimento como inexistente, não haverá porque ou como prosseguir

neste trabalho.

O estudo da teoria do conhecimento deve presumir o reconhecimento de sua

cognoscibilidade. Só se pode elabora uma teoria sobre algo existente ou possível de

existir. Segue-se a questão da origem do conhecimento; isto é, sendo possível, o

conhecimento será um processo elaborado pelo ser cognoscente (aquele que conhece)

ou uma qualidade do objeto do conhecimento que se impõe a ele? O será um processo

que envolve a ambos (ser cognoscente e objeto do conhecimento)? A seguir se impõe

uma opinião sobre a origem do conhecimento e dos instrumentos naturais,

psicossociais ou artificiais empregados para conhecer.

Existem três grandes grupos de teses sobre o assunto:

- a dos que supõem o conhecimento como unicamente biológico-individual;

- a dos que pretendem o conhecimento unicamente como construção cultural; e

- a dos que explicam o conhecimento como síntese dialética das propostas

anteriores.

Esta questão opõe os que supõem o conhecimento como atributo exclusivamente

decorrente das sensações e da experiência aos que o supõem consequência

unicamente da razão, do raciocínio; aos que pretendem a cognoscibilidade devida

unicamente à intuição; e os que pretendem o conhecimento verdadeiro como

decorrente de qualquer destes mecanismos (ainda que suponham que algum ou alguns

deles sejam mais eficientes ou mais freqüentes). Por fim, segue-se a investigação

sobre a veracidade e a verossimilitude do conhecimento humano, principalmente do

conhecimento científico. O que significa pensar sobre que a confiança que o

conhecimento, seja científico ou filosófico, faz por onde merecer de que o tenha

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elaborado e, principalmente, daqueles a que ele é comunicado.

Assim como não existe apenas uma Filosofia, também não existe apenas uma teoria

do conhecimento, elas são numerosas. Veja-se como e porque isso se dá. Todos os

problemas mencionados provocam respostas diferentes e sempre relacionadas com o

estado do conhecimento de cada época, os interesses sociais em jogo, a influência das

ideologias e dos interesses individuais ou sociais de quem responde. As diferentes

combinações obtidas dessas respostas sobre o conhecimento definem a gnosiologia e

a epistemologia de uma pessoa que estude esta matéria.

Porque não existe apenas uma teoria do conhecimento, mas muitas, pelo menos tantas

quantas forem as possibilidades de combinações dessas respostas. E as diferentes

configurações produzidas pelas diversas combinações delas que irão definir cada uma

delas. Questão que opõe os adeptos do conhecimento como atributo exclusivamente

sensorial e da experiência, aos que supoõem o conhecimento como consequência

unicamente do raciocínio, os que pretendem a cognoscibilidade como atributo

decorrente apenas da intuição e, para terminar, os que pretendem o conhecimento

verdadeiro como possivelmente decorrente de qualquer um destes mecanismos e de

diversos ou de todos deles (ainda que suponham que algum ou alguns destes sejam

mais eficientes que os demais).

Por fim, segue-se a investigação sobre a veracidade e a verossimilitude do

conhecimento humano, principalmente do conhecimento científico. Isto é, da relação do

conhecimento com a verdade. O quanto aquilo que se conhce é ou pode ser realmente

verdadeiro. Trata-se de determinar a possibilidade de se encontrar a verdade das

coisas através do conhecimento que se obtém sobre elas. Todos estes problemas, tais

como foram formulados, costumam provocar respostas muito diferentes, que se

mostram, quase sempre, relacionadas com o estado do conhecimento de cada época,

das influências ideológicas reinantes na cultura ou na subcultura de cada respondedor,

e dos interesses individuais ou sociais de quem se manifesta.

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A seguir, descreve-se, ainda que breve e esquematicamente, o que há de mais

fundamental nestes problemas básicos, de modo a permitir entender o que seria uma

teoria do conhecimento de forma suficientemente clara para ser entendida por qualquer

pessoal que se disponha a fazê-lo.

O Problema da Cognoscibilidade

Cognoscibilidade (ou possibilidade de conhecer algo – coisa ou construto) é a

qualidade daquilo que pode ser conhecido. O estudo genérico da possibilidade de

conhecer tem sido um dos temais mais candentes da filosofia de todos os tempos.

Aparentemente, o problema fisosófico mais importante relativo ao conhecimento

consiste em saber se é possível ao ser humano conhecer realmente alguma coisa do

mundo e de si mesmo. Se o sujeito do conhecimento realmente sabe o que pensa

saber, ou se é unicamente iludido pelos seus sentidos e confunde estas ilusões com

conhecimento do mundo. O conhecimento é um fenômeno real ou será uma simples

ilusão da consciência de quem julga conhecer?

O primeiro problema que pode ser identificado na teoria do conhecimento reside em

saber se o conhecimento realmente existe; se será realmente possível haver uma

relação cognoscente entre o ser humano e o mundo, estabelecendo que a relação

cognoscente seria uma relação especial entre o sujeito e o objeto do conhecimento

(pelo qual aquele pode saber sobre este). Em resumo, o ser humano pode realmente

conhecer o mundo e a si mesmo? O conhecimento será uma realidade para quem o

experimenta ou uma mera fantasia sua? É realmente possível alguém conhecer o que

quer que seja?

Por isso, o problema controvertido mais importante da teoria do conhecimento reside

em saber se será realmente possível haver uma relação especial entre o sujeito e os

objetos a que dedica seu interesse. Uma relação cognoscente entre o ser humano e o

mundo, estabelecendo que a relação cognoscente seria uma relação especial entre o

sujeito e o objeto do conhecimento (pelo qual aquele pode saber sobre este). O estudo

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genérico da possibilidade de conhecer tem sido um dos temas mais candentes da

filosofia em todos os tempos e ão se restringe à Teoria do Conhecimento. Como está

assentado sobre outros temas propedêuticos dos quais decorre, muitas proposições

suas estão predefinidas em pressupostos apriori.

Existem três respostas possíveis para o problema epistemológico da cognoscibilidade e

estas três respostas são formuladas por três tipos diferentes de pensadores, a saber:

√ os que afirmam que o mundo pode ser conhecido (os dogmáticos, os materialistas e

os idealistas objetivos);

√ os que afirmam que o conhecimento é impossível (os agnósticos e os idealistas

subjetivos); e

√ os que julgam que os objetos e fenômenos que ocorrem no mundo podem ser

conhecido, mas nunca de maneira confiável e eficientemente (cépticos, subjetivistas,

objetivistas, relativistas, pragmatistas e utilitaristas).

O dogmatismo é uma modalidade radical de cognoscibilismo, os dogmáticos sustentam

que todo conhecimento é evidente por si mesmo, tal como se apresenta aos sentidos, à

atividade racional ou à intuição do ser cogoscente. Pois, todos estes pontos de vista e

qualquer combinação deles induzem ao dogmatismo. Além dessses, também existe o

dogmatismo dos que acreditam no conhecimento revelado, nas crenças místicas, no

produto do chamado pensamento mágico.

Entretanto, a rigor, não se pode reconhecer esta modalidade de elaboração como

conhecimento, tal como este está sendo aqui definido, porque se trata de superstição

que, rigorosamente, não deve ser chamada do conhecimento.

Entretanto, a rigor, não se pode reconhecer esta modalidade de elaboração como conhecimento, tal como este está sendo aqui definido. Essa é uma variedade particular de dogmatismo, o dogmatismo religioso. Mas também existem outras estruturas dogmáticas, como a política, a da personalidade psicopática fanática, a das super-compensações neuróticas e autoritárias do sentimento de inferioridade.

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Os solipsismos e outros tipos de idealismo subjetivo negam a possibilidade de conhecer,

pretendem que as limitações sensoriais e racionais dos seres humanos e suas

peculiaridades individuais incomunicáveis, impedem o conhecimento objetivo. Para o

solipsista o conhecimento não passa de uma ilusão, como o sonho. O solipsismo pode

abranger todos os objetos e fenômenos do mundo, ou pode se referir apenas a um

grupo deles (fenômenos sociais e psicológicos), por exemplo, há quem acredite na

realidade dos fenômenos naturais, mas neguem realidade aos conceitos (e outras

elaborações mentais) ou aos fenômenos e processos sociais porque estes careceriam

de objetividade;

O ceticismo afirma a impossibilidade de conhecer. Para os cépticos, o sujeito não pode

apreender o objeto cognitivamente. Suas posições variam do ceticismo absoluto (que

se confunde com o solipsismo) a diversos tipos de ceticismo relativo. Existem outras

modalidades mais de ceticismo, tais como o ceticismo lógico que nega possibilidade do

conhecimento metafísico; ou o ceticismo metódico que pretende chegar ao

conhecimento verdadeiro afastando-se do falso; e o ceticismo sistemático que recusa a

possibilidade de alguém atingir algum conhecimento verdadeiro e exato sobre algo.

O subjetivismo. O subjetivismo consiste na afirmação de que só a introspecção pode

conduzir ao conhecimento. A posição subjetivista limita o conhecimento ao

conhecimento que o sujeito tem acerca de si mesmo, sobretudo, de sua subjetividade;

para eles o conhecimento se limita ao auto-conhecimento; o conhecimento sobre o

outro seria modelado sobre o conhecimento que alguém tenha sobre si mesmo e o

conhecimento intuitivo, uma crença por analogia a si próprio. Os solipsismo e os

intuicionismos são formas radicais de subjetivismo.

Do ponto de vista histórico, o intuicionismo parece ter sido a primeira maneira dos seres humanos enfrentarem a busca do conhecimento dos fatos que não são evidentes por si mesmos. O intuicionismo é a modalidade de dogmatismo que crie nos fenômenos denominados intuições ou insights inteiramente independentes da razão, da percepção ou da experiência.

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Os solipsismos e outros tipos de idealismo subjetivo negam a possibilidade de conhecer,

pretendem que as limitações sensoriais e racionais humanas e suas peculiaridades

individuais incomunicáveis, impedem o conhecimento objetivo. Os mais radicais negam

a existência do mundo exterior ao sujeito e reduem o mundo real àmente que pensa

iludiando-se que está percebendo. Qualquer tipo de solipsismo pode abranger todos os

objetos e fenômenos do mundo, ou se referir a um grupo deles (fenômenos sociais e

psicológicos). Há quem acredite na realidade dos fenômenos naturais, mas negue

realidade aos conceitos (e outras elaborações mentais) ou aos fenômenos e processos

sociais porque careceriam de objetividade (negam a subjetividade na teoria e na

prática);

O objetivismo. O objetivismo sustenta a posição douytinária oposta, ao menos no que

respeita ao conhecimento da natureza, para eles o objeto impõe ao sujeito aquilo que

ele pode conhecer; para os objetivistas o conhecimento verdadeiro deve se abster de

todo conceito valorativo (por isto, cede ao subjetivismo o terreno da investigação

filosófica, social e humana, negando-lhes terreno na aquisição do conhecimento sobre

a natureza).

O relativismo. Os relativistas negam a possibilidade d e qualquer conhecimento absoluto,

sustentam-no dependente da influência dos fatores do meio e de outras

circunstâncias(como a ideologia e outras condições culturais).

O pragmatismo ou utilitarismo. Os pragmatistas sustentam que o conhecimento deve ser

tido como verdadeiro enquanto for útil aos propósitos para os quais está sendo

elaborado; para eles, a utilidade (ou pragmaticidade) sustenta a validade de qualquer

modalidade de conhecimento.

O materialismo dialético e o materialismo emergente. Desde Marx, a posição dialética sobre a

cognoscibilidade implica em distinguir: as totalidades de seus segmentos particulares,

as coisas de suas propriedades e relações, o fenômeno (aparência) da essência, a

forma do conteúdo e relacionar a modalidade de conhecimento com o critério de

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verdade empregado em sua aferição.

Bunge propõe o materialismo emergente, uma visão materialista e evolucionista do

mundo e do homem bastante adequada aos conhecimento científicos contemporâneos.

O realismo ou materialismo emergentista de Mario Bunge consiste em uma teoria que

sustenta a materialidade do mundo e que pretende que as qualidades novas dos entes

biológicos emergem no processo evolutivos.

E o realismo clássico dos ideólogos católicos também sustenta a realidade da cognoscibilidade. Mas acreditam também na realidade de Deus e buscam meios para provar sua existência. Por muito tempo combateram o conhecimento científico com todos os recursos que dispunham. Hoje, adotam a tese das duas verdades: a da fé e a da ciência e defendem este dualismo gnosiológico a despeito das contradições de suscita. Para os materialistas dialéticos e os emergentistas (Bunge) existem dois critérios de verdade: o critério ideal (coerência das proposições) e o critério factual (compatibilidade com a realidade).

Os positivistas (empiristas, pragmatistas) dirigem sua atenção para as coisas materiais

por si mesmas, enquanto o pensamento dialético se dirige para as coisas como

reultantes de suas relações, pressupondo que as relações fazem as coisas. Enquanto

os primeiros consideram as coisas que estudam como se fossem ou estivessem

isoladas e incomunicáveis, os segundos as concebem como algo em interação.

Os fenomenistas, baseados nas limitações e imperfeições dos recursos senso-perceptivos

dos seres humanos, sustentam que as pessoas não conhecem verdadeiramente os

objetos materiais do mundo, mas apenas têm uma impressão mais ou menos vaga

delas através da percepção dos fenômenos que os expressam.

Como já se viu, denomina-se fenômeno à maneira pela qual alguma coisa se apresenta aos sentidos (sua aparência, as informações sensoriais que comunica ao observador), enquanto a essência se refere às suas propriedades que pudesem ser consideradas essenciais e as relações mais importantes daquela coisa material (objeto conhecido).

A fenomenologia (inclusive a técnica fenomenológica de elaboração da história clínica, que

foi tão importante no momento descritivista do conhecimento cjínico) deve ser

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diferenciada do fenomenologismo (exagero, superestimação ou exclusividade dos

procedimentos fenomenológicos para conhecer).

O Problema da Origem do Conhecimento

As primeira explicações sobre a origem do conhecimento foram sobrenaturais. A

tradição judaico-cristã aponta para a desobediência das primeiras criaturas humanas

quando comeram um fruto proibido pela divindade que as teria criado à sua imagem e

semelhança.

Dados mais confiáveis indicam que os seres humanos sempre manifestaram vocação

para conhecer o mundo e a si mesmos e esta característica parece ser devida a

alguma herança ancestral, anterior à emergência da humanidade. Além da

necessidade de resolver os problemas que a natureza e os outros humanos colocam

diante de si, os primatas são conhecidos pela sua aguçada curiosidade para com o

mundo que o cerca, inclusive para as situações que ele mesmo cria ou complica. Além

do que o ser humano sempre manifestou notável capacidade para transformar esses

conhecimento em coisas úteis. Inclusive, sempre evindenciou especial pendor e grande

interesse em conhecer como se conhece e inventar artefatos que lhe permitam

conhecer mais e melhor os objetos de sua curiosidade.

Quando se trata de conhecer as enfermidades e os recursos para ajudar os enfermos,

tal tendência se revela muito ampliada. Ainda que não se saiba com precisão como

isso se dá, existem diversas propostas doutrinárias para tentar explicar como os

instrumentos anatômicos, fisiológicos e psicológicos humanos conhecidos atuariam

para que alguém possa conhecer alguma coisa ou construto no mundo, dentro e fora

de si, e portanto, de qual seja a origem do conhecimento humano. Estas possibilidades

explicativas são muito numerosas e situá-las extensivamente neste texto foge aos

objetivos de sua realização.

Originalmente e por muito tempo, reconheceram-se duas maneiras fundamentais de

conhecer:

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- primeiro, o conhecimento obtido através das imagens produzidas pelas funções

sensoriais (impressivo-gnósicas) na consciência; e,

- segundo, o conhecimento produzido pelo processamento racional das

informações novas ou pré-existentes, inclusive pelas idéias proporcionadas

imediatamente pelas informações sensoriais ou senso-perceptivas.

O que redundou o aparecimento de dois reducionismos: o sensualismo e o

racionalismo. Mas também propiciou uma concepção sintética: a dialética.

O filósofos e cientistas materialistas tendem a superar a perspectiva dualista que separa estas duas modalidades de conhecimento e os considera como vertentes sintetizáveis no procedimento cognitivo. Pode-se sustentar sem grande dificuldade que tais canais cognitivos não são isoláveis nem auto-excludentes. Configuram uma unidade funcional. De qualquer maneira todo (ou quase todo) conhecimento um pouco mais complexo se produz pela interação de elementos cognitivos sensoriais e racionais, ainda que a um destes possa estar reservada uma atividade imperceptível ou unicamente virtual.

A partir daqueles pontos originais, surgiram outras opiniões para explicar como os

instrumentos humanos atuam para alguém conhecer algum objeto de estudo e,

portanto, de qual seja a origem do conhecimento humano. Estas possibilidades

explicativas são muito numerosas e situá-las extensivamente neste texto foge aos

objetivos de sua realização, por isto, elegeram-se algumas delas, levando em conta

sua aceitação.

Aqui e agora, por causa das limitações deste trabalho, mencionam-se quatro destes

sistemas de explicação:

√ = um primeiro sistema de explicações atribui o conhecimento unicamente à

experiência sensorial (sensualismo, empirismo);

√ = um segundo, o atribui exclusivamente à razão, ao raciocínio (o racionalismo);

√ = um terceiro grupo, propõe a intuição como única fonte do conhecimento confiável

(intuicionismo), que inclui aqueles que julgam que todas as pessoas nascem com todas

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as informações que poderão adquirir - e que elas apenas se exteriorizarão, quando isso

se fizer necessário ou oportuno (intuicionismo); e

√ = um quarto grupo atribui o conhecimento a todos estes processos, porque nenhum

deles exclui os demais (ainda que façam restrições às intuição, a não ser como fonte

de hipóteses, como acontece com o intelectualismo, o realismo crítico, o materialismo

emergentista e o materialismo dialético).

Como resultado direto e imediato da separação dualista estabelecida entre o sujeito e o

objeto do conhecimento científico (e de sua intervenção), deu-se na ciência positivista

da modernidade uma outra escisão, essencial do seu ponto de vista: a distinção radical

entre o conhecimento sensível (obtido pelos sentidos e pela experiência) e o

conhecimento racional (que frutifica a partir das conclusões obtidas através do

raciocínio lógico). Um subproduto do dualismo cartesiano, tendência filosófica que

separa o corpo da mente, o espírito da matéria, o real do ideal.

O sensualismo sustenta que todo conhecimento se origina nas sensações e se limitam a elas (o caráter material das sensações fez com que o sensualismo fosse impropriamente confundido com o materialismo filosófico ainda que mecanicista).

O empirismo ou empiricismo é variante do sensualismo e consiste na doutrina que situa a experiência do homem no mundo como fonte de todo seu conhecimento.

O racionalismo situa na razão (e não na experiência ou sensações) a fonte do conhecimento.

Intuição é definida como a apreensão imediata e direta da realidade, sem qualquer intermediação dos sentidos, da razão ou qualquer outro recurso; o intuicionismo consiste na corrente de opinião que superestima ou exclusivisa a intuição como fonte de conhecimento, para os intuicionistas o único conhecimento confiável será o que provém da intuição. Uma modalidade do intuicionismo caracteriza-se como fenomenologista e têm no noumeno (a aparência do objeto) como elemento mobilizador da intuição (apreensão automática da verdade independente das sensações do da razão).

O intelectualismo, o racionalismo crítico e o materialismo dialético consistem em posições mais ou menos ecléticas erigidas a partir das três anteriores que concebem o conhecimento como originado na razão, na experiência e nas sensações (pois, as próprias percepções são mais que soma de sensações, nas verdade, consistem em sínteses inteligentes e afetivamente determinadas).

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Convém recordar a diferença essencial entre o ecletismo (busca da verdade sem qualquer preocupação com a doutrina na qual ele se origina), do sincretismo (mistura de componentes cognitivos incompatíveis para demonstrar um ponto de vista) é o caráter lógico do primeiro.

Como se pode ver, não existe uma resposta única resposta que tenha aprovação

unânime acerca da origem do conhecimento humano e de sua explicação. Deixando de

lado as concepções supersticiosas que situam-na em alguma divindade, é possível

identificar diversas posições naturais e contraditórias acerca do tema. A questão central

parece ser a seguinte: existem duas modalidades possíveis de conhecimento, uma

teórica, especulativa, racional e mediata; e outra, imediata e sensível (decorrente

imediatamente das sensações e percepções).

Como em muitas outras situações análogas ou semelhantes, também aqui, na

resolução deste problema, a verdade também parece estar no meio e não nos

extremos teóricos. Outro fato que chama a atenção nos clássicos, é a omissão

freqüente da afetividade, principalmente como elemento da motivação, na explicação

do processo cognitivo.

A partir daí, abrem-se quatro teorias pretendendo explicar a origem do conhecimento:

- o monismo sensorialista, que reduz o conhecimento à experiência sensorial;

- o monismo racionalista, que restringe o conhecimento à experiência racional, ao

resultado do raciocínio;

- o dualismo sustenta a possibilidade de coexistirem, alternada ou

simultaneamente, as duas modalidades de conhecimento e

- o eclético sustenta que todo conhecimento contém elementos sensoriais e

racionais, teóricos e empíricos. E que a síntese cognitiva resultante deste

processo deve ser mais confiável do que a que resulte do emprego de um

desses elementos. Unicamente na dependência dos resursos de aferição da

fidedignidade e da validade de seus resultados.

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É verdade, muitos superestimam o conhecimento sensorial ou o exclusivisam. Um exagero que a explicação histórica torna inteligível, mas pernicioso do ponto de vista de quem sustenta a unicidade da vida mental e da atividade psicológica. Na sua origem reside o fato de muita especulação ter sido apresentada como se fosse teoria ou conhecimento racional. Isso talvez explique, mas não justifica o erro criticado aqui.

A razão coexiste com a sensorialidade desde o primeiro instante da elaboração dos diferentes níveis de síntese perceptiva com a qual se transforma a sensação (entidade virtual) em percepção (entidade real). O raciocínio inicia na construção da síntese perceptiva e atua até nas conclusões finais dos procedimentos e processos inteligentes.

A dimensão intelectiva do espírito humano influencia mais ou menos poderosamente

todas as demais manifestações psicológicas, tais como a senso-percepcão, a

imaginação, a memória, a consciência, a psicomotricidade e a afetividade. Esta última

situação configura a mal chamada inteligência emocional. Que melhor denominada seria

como a dimensão inteligente da emoção, da emotividade ou da afetividade.

Quando se reduz a possibilidade cognitiva às sensações (sensorialismo), à experiência

(pragmatismo) ou ao raciocínio (racionalismo), en todos estes casos superestimando o

processo adotado e subestimando o outro, comete-se um reducionismo limitador da

capacidade cognitiva por amputação deliberada de uma de suas estruturas essenciais.

Senso-percepção, intelecto e memória são atividades essenciais complementares da

cognição. Ainda que não se possa ou deva duvidar da influência da afetividade nela.

O pragmatismo é a tendência filosófica que emprega um critério de utilidade para substituir o critério de verdade. Para eles, uma proposição deve ser tida como verdadeira enquanto for útil. Por isto, para estes operadores, as definições operacionais são reconhecidas por sua utilidade, não pela sua validade.

O pragmatismo e o empirismo abandonam o antigo conceito de verdade que considera verdadeiro o que for consoante com a realidade (a concordância do pensamento com o ser) e valoriza a atividade e a pragmaticidade, a utilidade do conhecimento. Para eles, a verdade deixa de ser considerado como um valor teórico e passa a ser tida uma expressão que possa ser tida como útil.

O pensamento inteligente (ou pensamento lógico) fundamenta toda atividade racional

dos seres humanos, uma das atividades organísmicas que os diferenciam de todos

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demais seres da série animal; o pensamento inteligente se inicia na senso-perpecção e

se completa no raciocínio abstrato, atributo neuronal e apanágio funcional da atividade

nervosa da espécie humana. Neste ponto, deve-se abrir um parêntese para considerar

que a expressão racionalismo (que serve para designar o ponto de vista filosófico que

exclusivisa a razão ou o intelecto como fonte do conhecimento, muitas vezes se

emprega como substituto de racionalidade (que significa o emprego da razão,

qualidade de tudo que decorre da capacidade racional. E isso pode causar muita

confusão em quem não estiver atento para isto. Ao menos quem fala e escreve em

português não deve confundir racionalidade com racionalismo.

Tudo isto posto, também se deve levar em conta que a sensibilidade inteligente, a

atividade psicomotora inteligente e o pensamento inteligente (sendo possível incluir a

afetividade inteligente – que muitos denominam um tanto impropriamente de

inteligência emocional) são categorias essenciais ao entendimento da existência

humana e seu desempenho cognitivo, reforçando-se a ampliando-se mutamente

durante toda existência. Existência fincada em seus dois alicerces: a natureza e a

cultura.

Não parece ser possível entender a realidade humana, seja genérica, sejaparticular de

alguns conjuntos humanos, ou seja a atividade de cada um dos indivíduos humanos

singular, sem ter presente que toda sua atividade depende da interação dialética dos

seguintes processos: o natural e o sócio-cultural, o objetivo e o subjetivo, o sensorial e

racional, o reacional e o espontäneo, o concreto e abstrato, a conduta e a consciência,

a consciência e a acão, a instintividade e a vontade, a vontade e os atos voluntários.

Quando se pretende reduzir o homem a um animal (ser unicamente natural, objetivo,

sensorial, reacional, material, conduta e instintividade) este caminho veterinário mais

desencaminha que encaminha o pensamento e o conhecimento. No caso contrário, ao

pretender especular um homem ideal (cultural, subjetivo, sentimental, racional,

consciente e voluntário, distante da natureza), obtém-se o desvio oposto. O ser

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humano é cidadão desses dois mundos, vive em ambos simultaneamente: o mundo da

natureza e o mundo da cultura. Existe nas interações e mas contradições deste dois

meios. Não será humano se assim não for.

O naturalismo e o culturalismo, entendidos como procedimentos reducionistas que

reduzem o ser humano a uma destas suas dimensões de sua existência, são

inaceitáveis no estudo da realidade humana. Tantos dos seres humanos enfermos

como nos hígidos.

Também é costume pragmatista de empregar a noção de aplicabilidade prática dos

conhecimentos, tanto imediata como mediata, para classificar o processo de conhecer

e a produção cognitiva que resulta dele. Isto é, classificar os conhecimentos a partir de

sua possibilidade de aplicação imediata ou mediata. Para eses, as informações

cognitivas aplicáveis mais ou menos imediatamente se diferenciam qualitativamente

das não imediatamente aplicáveis. O que induziu uma classificação muito empregada

há muito tempo pelos positivistas pragmatistas de diferenciar os conhecimentos em:

conhecimento teórico e conhecimento prático. E muitos tendem a considerar estas duas

modalidades do conhecer como se fossem qualidades diferentes do saber.

Não se deve omitir aqui, ainda que este não seja o ponto essencial deste momento, a

relação que existe entre o conhecimento e a consciência que conhece; nem do caráter

comportamental dos conteúdos com os processos cognitivos e nem sua racionalidade

essencial , porque são fenômenos de reação a um estímulo; nem, muito menos,

dissociar sua utilidade imediata da mediata.

O entendimento das enfermidades (inclusive das enfermidades mentais e da conduta),

bem como o de qualquer outra faceta essencial da humanidade ou do ser humano só

pode ser dado pela integração destas duas vertentes, as derivadas da teoria e da

prática, em uma síntese dialética. Teoria e prática como categorias aparentemente

opostas que se integram em uma única realidade inseparável. Os pragmatistas

sustentam a primazia da prática e os racionalistas, da teoria. Mas ambos parecem

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equivocados, pois o conhecimento pode estar nas duas vias. O melhor caminho é

sintetizá-los.

Importa destacar o significado do instrumental técnico construído para ampliar as

possibilidades perceptivas humanas (tais como as lentes de aumento e de

aproximação, que foram os primeiros destes recursos, depois, apareceram os

amplificadores sonoros e outros detectores de imagens muito mais poderosos que os

existentes até então, como os microscópios eletrônicos) ou os que lhes acrecentam

novas possibilidades qualitativas (raios x, instrumentos de captação e registro de ondas

elétricas e campos eletro-magnéticos, por exemplo).

Acrescentem-se os recursos lógicos, matemáticos e materiais que ampliaram

imensamente as possibilidades racionais humanas, inclusive os que lhes permitem um

grande número de operações complexas em períodos extremamente curtos de tempo

(como os procedimentos estatísticos e os instrumentos de processamento eletrônico de

dados).

Não existe uma resposta única resposta que tenha aprovação unânime dos estudiosos

acerca da origem do conhecimento humano e de sua explicação. Deixando de lado as

concepções supersticiosas que situam-na em alguma divindade, é possível identificar

diversas posições naturais e contraditórias acerca do tema. A questão central parece

ser a seguinte: existem duas modalidades possíveis de conhecimento, uma teórica,

especulativa, racional e mediata; e outra, imediata e sensível (decorrente

imediatamente das sensações e percepções).

Como em muitas outras situações análogas ou semelhantes, também aqui, na resolução deste problema, a verdade também parece estar no meio e não nalgum dos extremos teóricos surgidos do estudo desta matéria.

Também chama a atenção a tendência a ignorar a vontade de quem estuda epistemologia no resultado de sua atividade.

A ignorar a voluntariedade e a vontade, fazem caso omisso de duas mais importantes característica da humanidade.

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A Natureza do Conhecimento

Trata-se de responder à indagação: o que é o conhecimento? Qual sua característica

mais essencuk e mais geral? O que, a rigor, significa construir uma definição científica

para o conhecimento. Parte importante do processo de conhecer o conhecimento,

como qualidade humana que permite conhecer.

A questão da definição como instrumento para conhecer será tratada adiante, quando se tratar especificamente do assunto. Contudo, para facilitar o trabalho do leitor, adiante-se o seguinte.

Para definir um objeto qualquer, primeiro encontra-se um bom definiendum, (para os propósitos daquele procedimento definidor) que consiste em uma categoria geral na qual aquele objeto esteja inteiramente contido; depois, em segundo lugar, se lhe atribui uma diferença específica (estabelece-se uma qualidade ou característica que individualize o objeto da definição dentro da classe geral em que foi ordenado).

Uma definição tecnicamente perfeita permite que só o objeto que está sendo definido seja situado nela. Ainda que um mesmo objeto possa ser bem definido com mais de uma categoria geral (definiendum) e mais de uma diferença específica (definiens).

Tome-se a clássica definição aristotélica de homem, considerada como modelo de definição científica: o homem é um animal racional. Definendum, o homem (objeto da definição) e definiens, animal (a classe geral mais próxima) e racional (a qualidade especificadora).

A primeira explicação para a natureza do conhecimento parece ter sido mágica e

sobrenatural. O conhecimento seria presente de alguma divindade ou manifestação de

algo sobrenatural que o formeceria às pessoas. As primeiras tentativas de obter

explicações naturais (ou quase) para a capacidade que têm os humanos de conhecer

se desdobraram em duas vertentes: a platônica e a aristotélica.

Platão supunha que os conhecimentos que uma pessoa viesse a ter em sua vida já

estariam pré-formados em sua mente. Os processos de conhecer configurariam

experiência de descobertas. Ao longo de sua vida, as pessoas iriam descobrindo as

mensagens que estariam previamente excritas em sua mente.

Para Aristóteles, os conhecimento seriam construções humanas. Ao longo de suas

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biografias, os humanos construiriam seu cabedal de conhecimento, acumulando-os em

sua mente que seria, originalmente, vazia- a noção de tabula das. Para ele, o saber ce

onhecimento não preexistiria na mente do seu agente, como querem os platônicos e

idealistas de todos os gêneros ou se é uma constução do ser cognoscente. Imitação,

reflexo, representação. Todas as outras soluções que vieram depois destas, em

essência, repetiram uma destas duas.

No que respeita a natureza do conhecimento, os materialistas têm-no como reflexo

dinâmico na consciência das coisas do mundo, suas propriedades e do que acontece a

elas. Assim, o conhecimento teria duas vertentes, uma vertente objetiva (o objeto do

conhecimento) e outra, subjetiva o procedimento mental de conhecer (refletindo na

consciência a coisa conhecida) e o resultado deste processo, o conhecimento

assimilado na mente (resultante deste processo reflexo de conhecer). Outros

especialmente os fenomenistas, denominam representação ao que os materialistas

chamam reflexo.

A Aparência e da Essência do Conhecimento

Mais um aspecto da dinâmica do conhecimento é a discrepância entre a aparência e a

essência dos objetos. A aparência das coisas materiais se refere às manifestações

exteriores, derivadas diretamente dos sentidos do observador; nem sempre

corresponde à sua essência (conjunto das características, conexões e relações mais

profundas que determinam os traços principais da existência de um sistema material).

Também costuma ser denominado fenômeno. Isto é, as impressões perceptivas e as

conclusões do raciocínio nem sempre conduzem ao conhecimento da realidade. Por

isso, Marx afirmou que se a aparência das coisas fosse idêntica à sua essência, a

ciência seria completamente desnecessária. E Também neste sentido que o primeiro

aforisma hipocrático reza que “a arte é longa, a vida é breve, a ocasião é fugidia e a

experiência, enganadora”.

A ciência existe para superar as discrepâncias entre a aparência e a essência e entre a

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forma e o conteúdo das coisas, das pessoas, dos acontecimentos e das situações. A

maior parte do esforço dos construtores da Metodologia, especialmente da Metodologia

Científica, consiste em descobrir, criar e aperfgeiçoar recursos capazes de superar

essa contradição que existe entre a aparência e a essência dos objetos materiais.

Na Antigüidade e ao longo da Idade Média, acreditava-se que a Terra tivesse sido

posto pela divindade criadora bem no centro do universo. De todo o universo e não

apenas do sistema solar. Pretendia-se que o sol e os outros astros girassem em volta

dela. Isso era o que informavam os sentidos acerca de sua aparência e algumas

informações bíblicas.

No Renascimento, descobriu-se o contrário. Não bastasse a Reforma protestante,

desfez-se também a cosmologia católica que vigorava até então e que colocava a

Terra no centro do universo, supondo que todo o resto existia à sua volta. A teoria

heliocêntrica do sistema solar e a ausência de um centro universal fizetam recurar

ainda mais as teorias supersticiosas.

O golpe seguinte foi o evolucionismos darwiniano pondo por terra a super-simplificação

criacionista dos dogmatistas religiosos. Não foi só a Terra que deixos de ser o centro

do universo. Seguiu-se a teoria freudiana da sexualidade infantil, derrubando o mito da

inocência natural do filhote humano. A vulgarização da consciência da igualdade

essencial dos machos e das fêmeas da espécie humana e da igualdade essencial das

pessoas de todas as raças completaram o trabalho de libertar a condição humana de

seus últimos grandes mitos.

No início do século XX, os cientistas acreditavam, a partir do conhecimento disponível,

que os átomos eram as menores partículas existentes na natureza e que seriam

indivisíveis, como se diz em sua designação. Depois, descobriu-se que os átomos

eram fracionáveis (o que resultou na energia atômica) e que era compostos por

elementos menores, as partículas elementares sub-atômicas, as quais passaram a ser

consideradas como as menores frações da matéria; e também acreditadas como

Page 22: 2.3. fundamento epistemológicos da medicna -   problemas fundamentais do conh2eciment

indivisíveis. Sendo de se supor que essa seja apenas a primeira camada de seus

componentes.

Entretanto, este conhecimento também já foi desmentido, sabe-se, hoje, que as

partículas sub-atômicas elementares também têm uma estrutura de componentes mais

elementares na qual não se distinguem as partículas das ondas, a matéria tangível da

energia. O que põe fim a antigas disputas para explicar a natureza do mundo como a

relação matéria e energia, corpúsculos e ondas também são bons exemplos das

perpectivas dualista e monista da natureza.

Esta questão tem como fulcro a problema da prioridade com respeito à relação sujeito-

objeto (inclusive na relação cognoscente – a relação para conhecer). O sujeito

determina o objeto (quem conhece produz o conhecimento?) ou, ao contrário, o objeto

determina o sujeito (os fatos se impõem à consciência de quem, por isto, passa a

aconhecê-los?) Esta pergunta é respondida de maneira diferentes por diferentes

tendências doutrinárias e ideológicas.A resposta objetivista (ou objetiva) é que o objeto

determina o conhecimento do sujeito; no processo de conhecer, o objeto é algo

independente do sujeito que o reconstrói em sua consciência. A teoria da tábula rasa

de Aristóteles.

Os subjetivistas (ou subjetivos) spretendem que os conhecimento já preexistem na sub-

consciência das pessoas ou que o sujeito cognoscente cria o objeto de seu

conhecimento que são apenas mobilizados pelo processo cognitivo (teoria platônica do

conhecimento inato, pre-existente no espírito do sujeto cognoscente). Platão supunha

que os conhecimentos já preexistem na sub-consciência das pessoas e são apenas

mobilizados pelo processo cognitivo (teoria do conhecimento inato).

A resposta subjetivista também se afirma na noção da primazia do objeto, consiste em

afirmar que o sujeito cria o objeto que julga apreender, em negar realidade e, em última

análise, em negar até a objetividade de tudo o que estiver sendo conhecido. Afirma que

o conhecimento é produto exclusivo da atividade mental do sujeito, independe de um

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objeto, pois, este nem mesmo existe ou, se existir, não guarda correspondência

necessária com o conhecimento que pode ter sobre ele.

A resposta realista afirma a primazia do objeto sobre o sujeito (pois existe

independente do sujeito) e integra sua subjetividade como reflexo, imagem ou

representação do objeto que está sendo conhecido volutária ou involuntariamente,

direta ou indiretamente. Pois a consciência, tanto pode criar (na imaginação) quanto

refletir (na percepção, na evocação), como pode criar voluntária ou involuntariamente.

A criação artística deve ser um exemplo emblemático da criação voluntária. E os

sonhos, da criação involuntária, espontânea.

A resposta fenomenológica há de ser que é impossível conhecer as coisas como são,

apenas como parecem, como se apresentam à sensibilidade do observador e como ele

pode representá-las em sua consciência.

O termo fenômeno costuma ser empregado na linguagem científica e filosófica com dois sentidos:

- um primeiro, mais amplo e mais amplamente utilizado, que se refere a tudo o que acontece aos objetos (tudo o que puder ser conhecido pelo sujeito; e,

- um segundo, bem mais restrito, já visto antes, como um termo específico e típico da fenomenologia, significando a aparência das coisas como elas se apresentam aos sentidos de quem as observa e estuda, ou seja, o resultado da apreciação imediata e superficial das coisas.

Em Ontologia materialista designa-se como coisa ao objeto material e como construto tudo que o investigador atribua ele – como suas propriedades, funções, qualidades ou o que quer que suceda a ele.

Os fenomenologistas empregam o termo fenômeno (seguramente, a mais importante de

suas categorias) com o sentido específico de maneira pela qual as coisas se

apresentam aos sentidos de quem as observa, conhece ou reconhece. Com o sentido

oposto de essência (e, mesmo, de conteúdo). Por isto, as fenomenologias e os

fenomenologismos (de esquerda e de direita) podem se situar como modalidades

especiais de ceticismo filosófico. Quem não é fenomenologista emprega o termo

fenômenos para designar ps acontecimentos que sucedem aos objetos.

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O termo fenômeno tem na linguagem científica e filosófica dois sentidos: um, mais amplo e mais amplamente usado, que se refere a tudo o que acontece aos objetos (tudo que puder ser conhecido pelo sujeito; e, outro, mais restrito, já visto como específico da fenomenologia, significando a aparência dos objetos de conhecimento, como eles se apresentam aos sentidos de quem as observa, o resultado da apreciação imediata e superficial das coisas.

Neste sentido mais amplo, pode-se denominar de fenômeno todas as ações das coisas, tudo o que acontece a um objeto do conhecimento e pode ser percebido.

A grande contribuição da fenomenologia para as ciências factuais há de ter sido a sistematização do momento descritivo do conhecimento, etapa indispensável antes da explicação. Contribuição que deve ter decorrido da crença alimentada por aquela escola na impossibilidade da explicação.

A Forma e o Conteúdo do Conhecimento

O que se denomina forma em filosofia do conhecimento, a noção de forma corresponde

à de estrutura material ou externa de um objeto, suas qualidades acidentais, como a

distribuição espacial de seus elementos contituintes; enquanto a noção de conteúdo (ou

substância) se refere às qualidades que fazem aquela coisa ser o que é.

No caso particular da Medicina, quando se trata de aplicar estas categorias às

enfermidades, notadamente em seu diagnóstico, a forma seria dada por seus sintomas

e outros elementos acidentais, enquanto, a substância seria constituída pelos fatores

etiológicos e mecanismos patogênicos. Noutro plano, a anatomia encerraria os

elementos de forma e a fisiologia os de conteúdo.

Como parece óbvio, forma e conteúdo se completam e existem como categorias

dialéticas que só devem se pensadas como uma unidade real, por mais que pareçam

diferentes ou distantes.

As noções de forma e conteúdo e as diferentes concepções que os cultivadores das

diferentes doutrinas filosóficas fazem destas categorias podem se manifestar em

praticamente todas as modalidades da cultura (inclusive na arte, na ciência, na

filosofia).

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Os reducionismos que exclusivisam ou exageram a importância da forma se

denominam formalismos.

O formalismo consiste no comportamento reducionista pelo qual se superestima a forma

em detrimento da substância ou conteúdo no estudo de qualquer onjeto. Em Medicina,

a principal manifestação deste reducionismo parecem ser o descicionismo e o

fisicalismo.

O descricionismo consiste no reducionismo positivista que pretende ser a descrição dos

objetos e dos fenômenos o único dever cognitivo da ciência (dos cientistas), devendo-

se prescindir da explicação e negar a previsão como finalidades da ciência ou da

atividade de quem se dedique a ela.

Importantes subprodutos do descricionismo são o operacionalismo e o quantificacionismo, que têm as definições operacionais e a quantificação dos dados como condições sine qua non para a atividade científica. Mesmo que as descrições operacionais e as quantificações sejam de qualidades contingentes e sem qualquer importância para produzir conclusões aceitavelmente válidas.

O fisicalismo é o reducionismo característico do positivismo lógico que sustenta que a

validade e a autencidade de qualquer proposição científica depende de suia

possibilidade de ser expressa na linguagem da física (daí sua denominação). As

proposições que não admitem este tratamento são recusadas como não científicas.

Todas estas posições doutrinárias conservam em comum o sensualismo e o empirismo, característicos de todas as doutrinas positivistas. O positivismo surgiu como justa reação à filosofia e à ciência especulativas, mas exagerou na dose, caindo no desvio oposto. Confundiu todo uso da razão com o racionalismo especulativo.

Ao recusarem o psicologicismo dos que especulavam com as idéias, os positivistas substituíram os recursos da Psicologia pelos da Física e da Matemática como únicos recursos comunicativos adequados para expressar os conteúdos científicos.

O Problema do Conhecimento Intuitivo

Este problema consiste em saber se, além de um conhecimento sensível, de um

conhecimento discursivo e de um conhecimento racional, também existe um

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conhecimento intuitivo indepenente das sensações e da razão (insight). A defesa da

existência de conhecimento intuitivo presume que o produto da intuição possa ser

classificado como uma forma de conhecimento.

Aqui, na verdade não se trata de discutir a existência da intuição, mas de decidir se os

fenômenos intuitivos devem ser tidos como manifestações particulares do

conhecimento ou se devem ser pareados com as especulações. 1

Para muitos existencialistas, fenomenologistas e, sobretudo para os psicoanalistas, a intuição (que eles chamam interpretação) pode e deve ser considerada como modalidade de conhecimento.

Os condutistas, como todos os objetivistas, não aceitam o produto subjetivo da intuição como manifestação cognitiva (muitos, os mais intransigentes, negam sua existência.

Os idealistas estão propensos a opinarem pela validade das intuições e este é sempre um viés a ser identificado em suas posições neste tema. Os materialistas situam-se no campo oposto.

A intuição, como já se viu anteriormente, consiste na compreensão global e instantânea

de um objeto do conhecimento que seria baseada em uma capacidade especial de

formar uma impressão global e imediata sobre um objeto de esudo; inclui o insight,

noção que se refere à compreensão súbita de uma situação ou resolução instantânea

de um problema. A noção de intuição se opõe às de impressão analítica (modalidade

de decodificação da expressão), conceito, dedução ou outro tipo de raciocínio ou

inferência lógica).

Intuicionismo é a doutrina filosófica baseada exclusivamente ou quase na importância da

intuição no processo de conhecer (os fenomenologistas, inclusive os psicoanalistas,

que são fenomenistas também).

Para os objetivistas (como os behavouristas e neo condutistas) e muitos realistas (como muitos reflexologistas), que renegam todo emprego da intuição (a não ser para levantar hipóteses experimentais), basta recorrer uma única vez à intuição para merecer a designação de intuicionista.

1 ) Existe um trabalho brasileiro muito interessante sobre o assunto: Bazarian, J., Intuição Heurística, Ed. Alfa-Ômega, S.Paulo, 1986.

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Os racionalistas extremados negam qualquer valor à intuição como forma de conhecer; ainda que outros, menos radicais, admitam que a intuição pode fornecer hipóteses a serem testadas objetivamente; mas só poderão ser tidas como conhecimentos depois de testadas objetivamente na prática experimental ou da observação ou, ainda, demonstradas racionalmente por algum procedimento lógico de comprovação teórica.

Os intuicionistas (Bérgson e Freud) afirmam que o conhecimento sensível e o conhecimento racional somente informam mecanicamente sobre a realidade e esta informação é imperfeita e insuficiente; que somente a intuição pode levar o conhecimento a penetrar o objeto e desvendar sua essência e, por isto, explicá-lo em sua plenitude.

O conceito de compreensão, tal como empregado em psicologia pela maioria dos autores, costuma estar impregnado de intuicionismo, não sendo raro que autores psicoanalistas mencionem compreensão ou compreender quando estão se referindo a intuição e intuir (o que nem sempre é percebido por um leitor incauto). No sentido estrito com que se emprega em psicologia, muito mais que simplesmente entender (estabelecimento de conexões explicativas), compreender significa apreensão empática (sempre mais ou menos intuitiva) da essência de um objeto, seja uma coisa material, um processo ou um construto.

O Problema Cognitivo da Verdade

O problema cognitivo da verdade é um dos problemas mais importantes da teoria do

conheciment, notadamente da Epistemologia, pela própria natureza desta discipina. Há

de ser mais detalhado no capítulo seguinte, contudo algumas informações devem ser

adiantadas aqui.

A possibilidade de saber a possibilidade de verdade (na natureza, na sociedade ou nos

seres humanos e em seu pensamento) ou a de estabelecer um certo teor ou

probabilidade de verdade em uma proposição, em um conhecimento ou em uma

informação, talvez seja o mais candente dos problemas de ciência em geral e da

epistemologia, em particular.

Entendendo-se a epistemologia (ou teoria do conhecimento científico) como ramo da

gnosiologia que estuda a construção do conhecimento científico. E a gnosiologia (ou

teoria do conhecimento) como o ramo da filosofia que trata do conhecimento em geral.

A possibilidade de uma informação ser verdadeira é avaliada em termo de veracidade e

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verossimilitude e medida em termos de probabilidade.

A veracidade (grau de verdade contida em uma assertiva), a verossimilitude (probabilidade

de ser igual ao verdadeiro) e as possibilidades heurísticas e preditivas da observação são

reconhecidamente inferiores ao da experimentação. Provavelmente por causa disto, a

observação seja considerada como aplicação metodológica secundária e

desimportante na ciência por quem emprega a experimentação.

Analogamente, por sua maior probabilidade de veracidade demonstrada com seu

emprego nas ciências naturais, a experimentação vem sendo considerada por muitos

como o instrumento natural da verificação, mas alguns radicalizaram demais esta

tendência, e para estes, o método experimental é tido como o único instrumento da

verificação, portanto, desqualificando-se e excluindo-se a observação do arsenal da

metodologia científica destinada à comprobabilidade.

Pela influência desta influência da ideologia naturalista e de interesses materiais

concretos de muitos investigadores (como o acesso às verbas de pesquisa de

organismos oficiais ou privados), a experimentação foi promovida por muitos a

metodologia exclusiva das ciências factuais, restando à observação, no máximo, o

papel secundário de possibilitar o levantamento das hipóteses a serem verificadas

experimentalmente. Pretender que somente a experimentação deva ser considerada

como metodologia respeitável, financiável ou aceitável é uma tendência ideológica que deve

ser combatida por sua parcialidade.

Esta tendência integra a chamada ideologia neo-naturalista e pretende fazer crer que as

ciências naturais são o modelo obrigatório para as demais e que a metodologia das

ciências sociais seria insuficiente para produzir verdades científicas. Na Medicina esta

ideologia se revela muito claramente no esforço, muitas vezes comovente de seus

autores, de apresentar a epidemiologia, uma típica interciência de fronteira entre as

ciências sociais e as biológicas, como ciência natural. O mesmo acontece com o assim

chamado método clínico.

Page 29: 2.3. fundamento epistemológicos da medicna -   problemas fundamentais do conh2eciment

O teor de verdade reconhecido em uma proposição é denominado veracidade.

Enquanto que a semelhança de uma proposição com a verdade se denomina

verossimilitude.

Os filósofos que se contentam com a verossimelhança ou verossimilitude cognitiva (conceitos que se referem à aparência de veracidade), como acontece com os fenomenistas em geral, pretendem ser impossível ter certeza na identidade com a realidade como critério de veracidade de um conceito ou de uma proposição, pois têm a realidade como algo inacessível.

Enquanto que muitos os realistas e os materialistas confiam na possibiolidade desta relação existir e ser reconhecida. Sustentam que tal correlação pode ser verificada pela avaliação dos critérios empregados em seu estabelecimento.

O que transforma o problema epistemológico em um problema metodológico. Outros, pretendem que os métodos e critérios de verossimilitude devem ser tidos por suficientes desde que forneçam a maior probabilidade possível de consonância coma realidade.

O principal problema teórico aparecido aqui consiste em verificar se basta existir

semelhança entre o pensamento e a realidade ou se esta relação que caracteriza a

existência da verdade deve ser, necessariamente, de identidade. Se, para ser

considerado verdadeiro, basta que um conceito ou uma proposição se assemelhe com

a realidade ou se deve ser idêntico a ela. Considerar as diferenças entre os conceitos

de semelhança e identidade parece ser o fulcro desta questão.

Acontece que o conceito de semelhança (ou similitude) entre o pensamento e a

realidade a que ele se refere é, além de impreciso, icapaz de satisfazer a definição de

veracidade e, muito menos ainda, o de identidade. Porquanto, desde outro lado, a

certeza de identidade entre os dois, parece ser impossível de se obter em um número

muito grande de casos, senão em todos eles.

Já que os conceitos de semelhança e identidade se mostram incapazes de permitir o

estabelecimento da veracidade e como a veracidade é importante para estabelecer o

conhecimento comum (gnose, do gr. gnosis) em conhecimento científico (ou verdadeiro,

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episteme), tratouse de estabelecer um novo critério: o de correspondência entre o

pensamento expresso por um conceito ou uma proposição, e a realidade. E a

correspondência se expressa pelo critério que for considerado como mais confiável e

mais válido em cada caso concreto.

Neste caso, a possibilidade de conhecer a verdade em um conceito ou em uma

proposição se expressa por uma de duas maneiras:

- pela consonância com a realidade ou

- pela probabilidade de ser verdadeira ou pela satisfação dos critérios lógicos ou

convencionados que devam ser considerados finais e irrevogáveis para o seu

estabelecimento.

Situações que confluem para o critério de verdade como coerência, como mostra

Adjukiewicz), 2 quando se atinge a verdade por meios lógicos, como se faz na

demonstração de uma equação ou de uma argumentação lógica.

Outro fato que parece claro é que o critério final e irretorquível de estabelecimento da

veracidade não é igual em todos casos. Tal critério de verdade depende do tipo de

verdade a ser considerado: a verdade factual (a correspondência com a realidade); a

verdade lógica (a racionalidade lógica da conclusão inferida em um raciocínio); a

verdade convencional (a fidelidade com o convencionado) e a verdade narrativa (mais

ou menos influenciada pela subjetividade do narrador). Como se pode verificar, cada

tipo de conhecimento impõe seu critério de verdade. Como se há de ver adiante.

Para os dialéticos existem três critérios de verdade:

- o critério ideal (coerência das proposições) que é usado nas ciência formais;

- o critério factual (compatibilidade com a realidade), típico das ciências factuais; e

- o critério convencional (o que foi convencionado como realidade), como os nomes das 2 Adjukiewicz, K., Introducción a la Filosofia (p. 26).

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pessoas e das coisas, por exemplo.

Noutro plano de avaliação o conceito de verdade pode conter diversos significados na

dependência do tipo de disciplina em que esteja sendo tratada: em gnosiologia e em

epistemologia, como já se viu, a verdade se opõe ao erro; quando se estuda lógica, a

verdade se opõe à contradição; quando se trata de uma convenção, a verdade se opõe

ao não convencionado; nos estdos ontológicos, opôe-se à falsidade; enquanto que em

moral e em ética, coloca-se em oposição à mentira (desde que deliberada, pois uma

inverdade involuntária, quando avaliada moral eou eticamente, configura um engano).