3 - prestes motta, f.; bresser-pereira, l. (2004) introducao a organizacao

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Capitulo 1 A Organizagio Burocrdtica Os fltimos duzentos anos viram o mundo passar por urn procesgo de trans- Iormag5o radical. Com o impulso do desenvolvimento indushial, a Histdria acelelou-se, ganhou outro ritmo. E hoje, quando cornparamos o mundo industdal modeho com o mundo de hi dois ou tres s6culos, ve licamos que muitos elementos, que entao nao existiam ou tinham pouca importan- cia, ganharam particular significado. No setor social, isso particulalmente verdadeiro em relagao as olganizag6es. Estas, sem ddvida, existiam em dpocas anteriorcs: neo seo uma criaqeo da 6poca industiial. Antes de cons- tihrir a regr4 pordm, eram a excegao. Atualnirente, o quadro d outro. As organizag6es s6o indiscutivelmente o tipo de sistema social pledominante das sociedades industtiais. Enquanto antes a sociedade era constituida de um sem-nlimero de pequenos sigtemas sociais desorganizados, hoje s6o as organizag6es - e organizaedes cada vez maiores e mais bem estruturadas - que dominam o panorama social con- temporeneo. Enquanto em um passado is vezes n5o muiio longinquo eram a famflia, a tribo, o cla, o feudo, a pequena empresa familiat de car;ter agliirio artesanal, ou eventualmente comercial os sistemas sociais domi- nante6/ no mundo modetno apenas a falllfli4 embora muito modificad4 consefl'a sua impoftanciaj as pequenas empresas tendem a desaparecer, e aqueles ouhos tipos de sistema social tii degaparcceram, dando lugar )s

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3 - Prestes Motta, f

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Page 1: 3 - Prestes Motta, f.; Bresser-pereira, l. (2004) Introducao a Organizacao

Capitulo 1

A Organizagio Burocrdtica

Os fltimos duzentos anos viram o mundo passar por urn procesgo de trans-Iormag5o radical. Com o impulso do desenvolvimento indushial, a Histdriaacelelou-se, ganhou outro ritmo. E hoje, quando cornparamos o mundoindustdal modeho com o mundo de hi dois ou tres s6culos, ve licamosque muitos elementos, que entao nao existiam ou tinham pouca importan-cia, ganharam particular significado. No setor social, isso € particulalmenteverdadeiro em relagao as olganizag6es. Estas, sem ddvida, existiam emdpocas anteriorcs: neo seo uma criaqeo da 6poca industiial. Antes de cons-tihrir a regr4 pordm, eram a excegao.

Atualnirente, o quadro d outro. As organizag6es s6o indiscutivelmenteo tipo de sistema social pledominante das sociedades industtiais. Enquantoantes a sociedade era constituida de um sem-nlimero de pequenos sigtemassociais desorganizados, hoje s6o as organizag6es - e organizaedes cada vezmaiores e mais bem estruturadas - que dominam o panorama social con-temporeneo. Enquanto em um passado is vezes n5o muiio longinquo erama famflia, a tribo, o cla, o feudo, a pequena empresa familiat de car;teragliirio artesanal, ou eventualmente comercial os sistemas sociais domi-nante6/ no mundo modetno apenas a falllfli4 embora muito modificad4consefl'a sua impoftanciaj as pequenas empresas tendem a desaparecer, eaqueles ouhos tipos de sistema social tii degaparcceram, dando lugar )s

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> lntroduQda e 1tganzatAa Butacd ca

grandes empresas, ao Estado moderno com toda a imensa gama de serviqosque presta, aos clubes, is escolas, ;s igrejas, ;rs associaC6es de classe.

Hoje, raramente o homem trabalha, de{ende seus interesses e mesmose dir€rte por conta pr6pri4 de forma isolada. EIe estil inseddo em organi-zaq6es que coordenam seu trabalho, seu estudo, seus rnteresses, suas leivin-dicae6es, Sao organizaq6es.de cariter econ6mico, politico, cultural, religio-so, que se justap6em, gue se interPenebam, que se enhecruzam/ que entramem rela!6es de cooperaqao e conflito, dependAncia e interdependencia.

4 pottu.rto, licito afirmar que a sociedade modema se caracteriapelas olganizaq6es. Enbe as caracteristicas que tomam fnica a 6poca emque vivemos, o grande ndmero de organ2aq6es. a predominancia dessetipo de sistema social em relagio aos demais 6 uma das mais significativas.Deriva dai a importancia do estudo das organizaq6es. Antes, elas podiamser contadas nos dedos, em cada pais; hoje elas se contam aos milharcs nospaises desenvolvidos e mesmo naqueles em processo de desenvoh,imento,como o Blasil.

Nao 4 todavia, apenas a predominancia das organizae6es que tornapaticularmente importante seu egtudo. H; outras raz6es. Po! urn lado, asorgalizag6es tam um papel essencial na formagSo da personalidade dohomem rnoderno; por outrc, as organizac6es e sua boa administralao saocondigdes do desenvol\ imento de qurlquer pais.

A medida clescente em que as organizaE6es contibuem para adellrrieeo da personalidade de um individuo e condicior-Em seu comporta-mento tem sido motivo de interesse e prcocupaeeo de muitos estudiososmodernos. Alguns, como Max Weber e Robert Mertonl, limitaram-se apenasa estudar o problema do pol-rto de vista cientifico. Outros, como WilliamWhyte, Jr e David Rresmanz, foram al6m. William Whyte, especialmente,descrevendo o homem norte-amelicano que participa das grandes organi-zaE6et chamou-o de lhe organizalion fia11, Um individtlalista apresentandoo quadro de uma sociedade em que o conformismo social 6 crescente, ele adescreveu em termos muitas vezes amargos- Abandonou o ponto de vGtapuramente cientifico para passar para o campo da critica social. O homem

I Max Web€i Ecolmm.,-. y socicddd. M€xicor londo d€ Cultura Econ6nnca, 1944, \,o1. I\i .apniulo vI, e Robe K. \,lerto^. Sadnl theoly. d sociol strr.lrl.,. clencoe, Ilinois: The lree Prcss,19,11 capttulo vL, Wi iamH. Wh),te, Ji T,1e o/grr i:a,ior ,r1nr. Nova Yoik: Simon and Schuste.,1956, pDavidRiesman, "A study of th€ chmging Americ charactet". l^. The lowl! cto,ad. Ne6 Ha\€n:Unn'ersity Press, 1956.

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Clpllul0 1 -A0ruanzalro Eurocrdlca <

da orgadzaEao 6 o homem que pensa em 8rupo, que toma decis6es emgrupo, que Sabalha e se diverte em grupo, 6 o homem cujos valores ecrenlas sao os valoles e as cle{qas das organizag6es de que participa, 6 ohomem cujo comportamento 6 condicionado pela organizaeao, de Iorrna atomar minima, seneo inexisteflte, sua irea de autonomia individual.

A andlise de William Whyte, Jr do conJormismo social contempor6neotem fundo ideol6gico daro. Tal Iato, por€m, neo invalida a contribuisao fun-damental de seu livro. Sua tese 6 a de que as organizaf6es ganlaram tal im-portancia no mundo modemo, que deram origem a um novo tipo de homem -o homem da organizaeao -, que j; se tornou a figura dominante de paisesaltamente desenvolvidos e paJticulamente dos Estados Unidos da Am6rica.

Um terceirc fator que marca a importancia das organizae6es no mundomodeno reside no fato de que elas sao condieeo para o desenvolvimentoecon6mico, politico e social. O desenvolvimento 6 um processo integrado detlansformaqeo social que tem nas organizac6es um de seus plincipais instru-mentos. Como veremos extensamente neste livro, o pdncipio fundamentalque rege a vida das organizaFes d o principio da efici€ncia. Um sistemasocial qualque! nao necessita ser eficiente, produtivo. Jii nas organizag6es aeficiencia - ou pelo nlenos a procura de eficiencia - 6 uma condigao de exis-i6ncia. Se essa condigao neo se verifica, a organizaeeo neo existe, o sistemasocial em quertao neo \e caracteriza como uma organiza(;o.

Isso, ali;s, explica por que o pdmeho objetivo da adminisuagao dasorganizae6es d, pelo menos em tese, o alimento da eficiencia e justifica orelevo que daremos a esse aspecto das organizag6es neste livro. Sem efi-ci€ncia, sem produtividade, nio hii organiza!6es; sem aumento de efici6n-cia, nao existe desenvolvimento. A noeao de produtividade faz parte inte-grante do pr6prio conceito de desenvolvimento. Produtividade 6 u]narelagao entre esforeo e resultado. Quanto maior o segundo em relagio aoplimeiro, maior a produtividade. Por outro lado, o desenvolvimento 6 ufnprocesso de aumelrto da rcnda per caPitn, atravds da recombinaqao sis-temiitica e racional dos fatores de producao.3 Essa recombinaeao visa a ummelhor aprcveitamento dos fatoreg de produgio, \'isa ; obtengeo de ummaior resultado paia urn dado esforqo, visa, enfim. ao aumento de produ-tividade, que 4 portanto, a chave do deserlvolvimento.

Ora, se existe uma rclaeao tao direta entrc prcdutividade e desen-volvimento e, por outro lado, se a produtividade 6 o principio fundamental

3 Luiz Carlos Brcsser-Pereira. "Desenyolvimento econ6hico e o enpr€sddo". RriJ'sid dpadnlinlrtntiia d. e,nprcsas, v.2, nc4, maio/agosto de 1962 p.79-91.

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> lntndugAo e )ryaniza$a Burcctuttca

que oienta as organizagdes, 6 fiicil compreender mais uma vez a imporlanciadestas para o desenvoh'imento e para a sociedade moderna como um todo_

J;i vimos que existe uma estreita corelagao entre o desenvolvimentoindush'ial e o aparecimento e o crescimento das organizaq6es. Tal colrelaqeonao tem nada de acidental. O desenvolvimento industrial deseru.olou-se dentrode dois dos pdncipais fipos de organizae6es: as empresas e o Estado. Quantomais as empresas e o Estado se orgafiiavam, quanto melhor suas relag6es seajustavam, quanto mais o trabalho era racionalizado e sistematizado atrav6sdas organizaq6es, maior era o desenvolvirnento. "Em iltima instanci4 o pro-gresso de uma naqio depende de sua capacidade de organizar a atividadehtrmana, A o€atu,/;!;o d necessanJ p,tri <riar um F-tacjo. para lornar umexdrcito, paaa propagar ideologias e religi6es, ou para levar adiante o desen-voh'imento econ6mico."a E nio 6 preciso tessaltar o significado do desenvolvi-mento para o mundo contemporeneo. Se hii um objetivo, se h;i uma aspiraqdoque € partilhada quase lrnarimemente pelo homem dos meados do s6culoXX, esse objetivo, essa aspiraqio 6 a do desenvolvimento econ6mico.

Todos esses {atores o aparecimento e a predominancia das organiza-edes na sociedade industrial modern4 sua inJlu6ncia no condicionamentosocial dos individuos e sua posiqao estrat6gica em rchqao ao desenvolvi-mento - fizeram com que as organiza!6es atraissem as atenedes de estu-diosos de todas as ciEncias sociais. A Sociologia, na medida em que procuracompreender e analisar a estrutwa social como um todo e cada sistemasocial em particular, interessou-se diretamente por elas. APsicologia, procu-rando estudai o comportamento de cada individuo, e a Psicologia Social,mais interessada nos pequenos gt'upos, tiveram necessaiamente que abot-dar o problema das organizaq6es. A Economia, seja estudando a teoda dospreqos e os tipos de mercado, seja ocupando se dos problemas do plenoemprego e do desenvolvimento, te\:e necessariamente que voltar suaatenqao para as organiza!6es e, em particula! para as organizaq6esecondmicas, para as empresas e para o Estado.

Essas irltimas foram tamb6m objeto de estudo taito da Adminishaqeo deEmprcsas quanto da Administragao Piblica. E aliiis a Administralaos, mais

a fr€derick H. Harbison e Cheles A. Myers. MddL.rr.l in the ind strldl -awl.l, and inkna-Ito&l durjysis. Nova York: Mcciarv'Hill, 1959, p.3.: E oportuno l€mbrar $e, neste livro, Adminisirasao, .oho ci6ncia ou ramo do co$eci-mento, sern, como 6 de regra, gnfada com leba maiiscula, a pritica da adminisiralao eainda a administraeao no sentido de um conjunto de pessoas qre administram uma organizaeao serao, tamb€m como € de regra, g.afadas com letra minisclla.

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Capilul0l A 0rqanzaq;o BLrrocrahca <

do que a qualquer outro ramo do conlecimento, que as organizae6es inte-ressam. Nao existe organizaEao sem administraqeo, e a reciproca 6 quasetotalmente verdadeira, j;i que € precipuamente denho das organizag6es quea adminisbaqao 6 exercida. O estudo geral das organizas6es, com Cnjase emseus aspectos adminiskativos, 6 o objeto deste livro. O tema 6 vasto e suaimportancia j; foi salientada. Vejamos agora o plano do livro.

Apalavra "orgarizaeeo" nao 6 univoca: tem pelo menos dois sentidos.E comun ouvirmos Irases como estas: "a organizagdo em que trabalho 6excelente"i "a Igreja Cat6lica 6 uma organizaqeo muito antiga". Ou, entao,afirmag6es como estas: "a organizaEao de minha empresa 6 funcional,,;"precisarnos modificar a organizagao do departamento de engenharia".Colocando essas qr.ratro frases lado a lado, toma-se evidente que o sentidode "organizageo" nas duas primeiras nao 6 o mesmo que nas duas ilfimas.Em sua p meira acepqao, organizaSeo 6 um tipo de sistema social, 6 umainstituiqao objetivamente existente, enquanto, no segundo sentido, organi-za(;o e a tormd pela qual deierminddd coira se ectrufura. e rnclusi,.e omodo pelo qual as organizac6es em seu pdmeiro senfido se ordenam. Tantoassim que, nao fosse a deselegAncia da Jinguagem, poderiarnos dizer: ,,aorganizagao da organizaeao em que fuabalho 6 excelente". Seda o mesmoafimar que "a estrutura orgAnica, a {orma pela qual se organiza a organ;zaq6o em que trabalho,6 muito boa". Na verdadg a pr6pria dassificaeaogramatical das duas acepe6es da palavra "organizageo" 6 diferente. Nopdmeito caso, trata-se de um substantivo concreto, enquanto no segundocaso estamos diante de um substantivo abstrato.

I O conceito de organizagdo burocrtiticaUm sistema social pode ser muito ou pouco organizado. Hii sistemas sociais,como os pequenos g1'upos ou famili4 que tCm grau de {ormalizagSo daestrutura organizacional muito pequeno, quase inexistente. Um ex6rcitomoderno, por oubo lado, 6 um sistema social altamente organizado.Reconhecendo esse Jato, Georges G!r,.itch, em sua classificagao pluralistados agrupamentos ou sistemas sociais, adota como cdt6io de uma de suasclassificaqSes o glau em que o sistema social € organizado.

Temot enteo, desde o agrupamento praticamente inorganizado at€ oagrupamento completamente organizado.6 Os casos exbemos dos agtupa-

6 Georges Gunitch. rd "ocatiokact

ellc de1B socialogie. Pais:Presses Universitaires de France,19sZ p. 302 326 e seg.

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> tntodrado At Agani2aAao Burccdtica

mentos nao-olganizados seriam r€presentados pelos diversos pr.iblicos,como o conjunto dos consumidores ou dos produtoreg, o povo etc,i noextremo oposto estariam as organizag6es burocrrticas, que tamb6m podemser chamadas simplesmente de organizag6es ou de burocracias. Isso significaque, quanto mais um sistema social 6 organizado, mais se aProxima domodelo ideal da organizagao burocriitica. Um sistema social 6 ou nao umaorganizaEao na medida em que 6 burocraticamente organizado.

Cumpre, portaito, saber o que 6 um sistema social buroclaticamenteorganizado ou uma organizaEao. Todos os estudos modemos a respeitodesse problema t6m por base a obra genial de Max Weber Esse grandesoci6logo alemSo, que escreveu a maioda dag suas obrag nas duas pdmeirasddcadas do s€culo XX. foi o pdmeiro a estudar sistematicamente as orgari-zagdes burocriticas. Sua teoda sob€ buloqacia faz parte de sua pdncipalobr4 Wittschdft utrl Gesellschaft (Economia e Socredada) e a ela estaremos nosreferindo irsistentemente neste capitulo. Max Weber, enhetanto, 1-rao se Preo-cupou em definir burocracia. Preferiu conceifuii-la atrav6s da extensa enu-meraqAo de suas caracteristicas. Uma definigio sucinta de organizagaoburocritica, por6m, 6 sempre conveniente. Antes que a apresentemotcumpre-nos dar dois esclarecimentos a respeito do termo "burocracia".

Em primeiro lugar, Max Webet que o esfudou amplamente, nao con-siderou burocracia um tipo de sistema social mas um tipo de poder ou dedoninagSo. Aburocracia seda um tipo de poder da mesma categoria que opatriarcalismo, o patdmodalismo, o feudalismo e o cadsmatismo, que estuda-remos adiante. Enhetanto, a cada um desses tipos de pode! correspondemum ou mais sistemas sociais diferentes. A burociacia ou poder buloqiiticocoffespondem, na nossa terminologia, as organizagdet organizag6es buro-crihcas, ou simplesmente burocracias. E muito comum, nos escritos poste-riores a Weber, chamar de burocracia uma empresa, um organismo estatalou o exdrcito. Decidimos, portanto, adotar a exprcssao bt,"oa,"cia como sin6-nimo de organizaqeo. para exprimir um tipo de sistema social.

Enr segundo lugar, o tetmo burocracin fefium sentido cientifico, den-tro da Administralao e da Sociologia, e um sentido popular bem divemo doprimeiro. No sentido pop.ular, burocracia stgnifica papelada. ndmero exces-sivo de tlamitaE6et apego excessivo aos regulamentos, ineficioncia. Na ver-dade, o povo deu o nome de burocracra aos defeitos do sjstema, ao queRobert K. Merton chamaria de suas "disfrng6es". Estudaremos tambdmessas disfung6es, mas neste livro o termo ,r,'oc,'aclo se!; usado em seu sen-tido cientifico.

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Capilulo 1 A Oroan zaaao Burocr6lca .(

Mannlreim define organizagAo cofito ".utn lipo de cooperaEeo no qual asfung6es de cada parte do grupo sao piecisamente prd-ordenadas e estabele-cidas e hii uma garantia de que as atividades planejadas sereo executadassem maiores fiicg6es".7 Essa 6 uma definigao descdtiva, que jd plocura adi-antar o modo pelo qual a organizagdo se ordena. Preferimos uma definiqaoque faqa referencia apenas ao elemento essencial que diferencia as organi-zaeoes dos demais sistemas socrais: a rucionalidade. Assim, se adotarmosuma definieao cwta e perfeitamente enquadrada dentro dos rnoldes dafilosofia adstotdlica, diemos que uma organizaeao ou burocracia 6 um sis-tema social racional, ou um sistema social em que a divisao do trabalho €racionalmente realizada tendo em vista os fins visados. O genero prdximo 6o fato de a organizaeao ser um tipo de sistema so€ial de conjunto de indi-viduos qlle mant€m enhe si relae6es sociais. A diferenga especifica 6 o fatode ser racional a divisdo do trabalho existente dentro desse sistema social.

Essa definieeo 6 curta e direta, mas nao suficientemente clara porqueneo explica o que seja "tacior.al". Na Introdugeo deste liwo, jal discutimosem parte esse ploblem4 quando afimamos que a Escola da AdministraeaoCientifica e os pr6prios estudos de AdministiaEao em geral sao um fruto doracronalismo. As organizaq6es sao tamb6m um ftuto desse mesmo taciona-lismo. O desejo de racionalizagio do homem moderno atingiu todos ossetores de sua vida, inclusive o da estrutura dos sistemas sociais de que par-ticipa. Estes sao racionalizados atrav6s de mdtodos administrativos. E oadministador que racionaliza, que orgaroza os sistemas sociais, fuansfor-mando-os em burocracias. Mas o que significa racionalizar, o que 6 um atoracional?

d claro que a discusseo desse tema, com todas as suas implicag6es deordem filos6fica, nao cabe aqui. Sedamos teniados simplesmente a dize!que ato racional6 aquele que 6 de acordo com a razao, como jii dissemos queraciollalismo 6 a crenca ilimitada na razao humana, Mas essa d€finiqao deato racional nao nos levaria a nada, como tambdm nada gignificaria dizer-mos que ato racional € o ato l6gico, pois cabeda, entao, Perguntar: o que 6um ato de acordo com a raz6o, o qr-re 6 um ato l6gico?

Precisamos, na realidade, encontar um (it6rio que nos permita" comrelativa facilidade, afimar se um ato 6 ou nao racional, se est.i ou nao deacordo com a razAo; um cdt6 o que nos permita dizer que o administradorque paga o mesmo saliirio a dois subordinados, quando um deles 6 muitomais qualificado, hierarquicamente superior e tem tanto ou mais tempo de

: Kad Mannheim. Sys|r,raiic sorio1o.Ey. Lonciresr Ro{tledge & Kegan Parl, 1957, p. 116-717.

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> lntraduaaa A 0eanizaQaa Buacfttica

servieo que o outro, estii praticando um ato irracional. Um critddo que nospossibilite afirmar desde logo a iracionalidade do ato de algu6m que tomeum aviao em Sao Paulo, com escala em Dacat quando seu fnico destino 6Nova York.

Esse cdt6do emerge naturalmente dos dois exemplos que acabamos decitar Em ambos os casos, estevamos diante de atos il6gicos porque incoerentesem relaqSo aos fins visados. Admitindo-se que o admrr]Istrador tivesse comoobjetivo obter o miiximo de cooperaqio e produtividade de seus subordinados,o pagamento de sal.irios iguais Para duas pessoas com habilidades muitodilerentes seria irracional, porque nao estada sendo coerente ern relag6oaquele objetivo. No segundo exernplo, haveria tamb6m incoer€ncia entue omeio e o {im, embom o viajante pudesse atingir seu destino, NovaYo& Pas-sando por Dacar

A inadaptaeao dos meios Para atingir os fins visados pode n5o chegara ser de tal ordem que impega que o objetivo seja atingido. Enhetanto, esse

objetivo serii atingido com o dispandio de maiores esfotqos, incorrendo-se emmaiores custos. O cdt€do, pofanto, que distingue o ato racional do ir.racional6 sua coer€ncia em relalao aos firs visados. Um ato serii racionai na medida emque rcprcsent?u o meio mais adaptado Para se atingir determinado obietivo,na medida em que sua coerdncia em relagdo a seus objetivos se traduzrl naexig€ncia de um minimo de es{orqos para se chegar a esses objehvos.

Com essa definieeo de ato racional Podemos voltar e discussao doconceito de orgaruzalao. Diziamos que organizaqao ou bulocracia 6 urn sis-tema social em que a divisao do trabalho 6 racionalmente realizada.Falamos ern divisio do trabalho, porque qualquer sistema social elementar-mente organizado tem Por base a divisao do trabalho, a especiahzaq6o dasfune6es. Em uma burocracia, essa divisao do habalho deverii ser feitaracionalmente, ou seja, sistemedca e coeientemente Chegamos, assim, auma nova e mais precisa conceifua€eo de organizaeao: 6 o sistema social emque a divisio do trabalho 6 sistemiitica e coerentemente rcalizada, tendo emvista os Iins visados; 6 o sistema social em que hd procura deliberada deeconomiar os meios Para se atingir os objetivos.

Ato racional6 aquele coerente em relagao aos fins visados; ato eficienteou produtlvo 6 aquele que nao sd 6 coerente em relagSo aos fins visados,corno tambdm exige o minimo de es{orqos, o minimo de custos, entendidosesses termos em seu sentido amplo, para um miximo de resultados. Daipodermos dize! tamb6m que organizagao 6 o sistema social que se admi-nistra segundo o cdt6do da efici6nci4 no qual as decis6es sao bmadas sem-pre tendo em vista o aumento de Produtividade.

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Capilul0l -A 0r0an agao Eurocrrtm <

Neste momento, poderia ser levantada uma obieeeo nos seguintes ter-mos: tal sistema social neo existe; nao hd nenium sistema social que sejaadminishado segmdo c t6dos raoonais estdtos. De fato, a objegao temrazao de ser. Mas, se f6ssemos levii-la a suas fltimas conseqiiancias, esta-damos impedidos de caractedzar a maiolia dos fen6menos sociais umpouco mais complexos, dada a vaiedade e a mutabilidade que thes siopr6prias. A solugeo enconbada por Max Weber para o problema foram os"tipos ideais".3 Ele estudou burocracia como um tipo ideal, da mesmaforma que o fez com o capitalismo, o racionalismo etc-

O tipo ideal nao tem nenhuma conotaqao de valor, como a expressiopoderia sugerir; o escravismo 6 um excelente exemplo de tipo ideal. Nioprocura tampouco rePresentar as caractefshcas tipicas ou mddias de umdeterminado fenomeno social; o tipo ideal d uma abstraqao, atrav6s da qualas caracteristicas extrelnas desse Ien6meno sao definidas, de forma a lazercom que ele apareea em sua foma "pura". Assim, nenhuma orgarizagiocorlesponde exatamente ao modelo puro de burocracia. Muitas se aproximam grandemente desse modelo, desse tipo ideal, como as grandes empre-sas, o Estado moderno, as igrejas, as escolat as associae6es, os clubes. Porisso, embora neo tenham passado por um processo completo de burocrati-zagao, incluem-se entre asburoclacias, entle as organizae6es, na medida emque t6m objetivos definidos e que procurarn atingi-los de forma sistemiiticae coerente, na medida em que, segundo a definigao de organizaEao deChester Barnald, sao um "tipo (sistema) de cooperagao enfre homens cons-ciente, deliberado, visando objetivos".e

I As organizaq6es entre 05 sisfcmas sociaisA conceituacao de organizagSo ou burocracia nos permite agora sifuiila entreos demais sistemas sociais. Embora se verifique dia a dia um grande cresci-mento, em tuimero e tamanho, das organizae6es em rcheao aos demais siste-mas sociait embora as burooacias tendam a ser o {en6meno social dominantedo mundo moderno, outros sistemas sociais sempre existirao. Cabe, po!-tanto, determinar o lugar da burocracia entre os sistemas sociais.

A classificaq;o de Georges Gun ilch a que nos rcfefimos no jni(io destecipihrlo .erve como LLrn ponto de paJtida. E nece\sano, po€m. adapi<l-la. pois

s Max webea op. l:ii., vol.I, p. 19.

o Chester Bamard. Ti!, nctiofls af the exrcttipe. Cambddge, Massachusetts: Han-ard Uru-lersiry Press, 1958, p.4.

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10 > lntrcdugeo a &nniaSlo Butoctttica

Gurvitdr entmde organizagio de uma forma diferente da nossa. A primeiraclassificagao que sugeimos, como fruto dessa adaPheao, aPtsenta tres tiPosde sistemas sociaisr (1) sistenas sociais Praticamente desolganizados, como amulddeo, "um compacto agregado de seres humanos, colocados em contatodireto, tempoifuio e inorganizado"ro, e os divertos P(blicos, entendendo-s€

QUADRO 1.1 - A o/Sariza1io bu/ocrdti& entre os sistemas sociais'Er*€@

Inorganiados:multidaop[blico

castagrupo de idadena96or€gleocidade

Sami"organizadds:famlliagrupo inlormalclatriboleudoempresa iamiliarturrna

Oryanizados:Oryaniza$es o!BurocraciaEstadog6nde ompresalgr€jaclubeas€ociaqaopartido poliuco

ex6rcitoetc.

r0 Karl Mduheim/ op .it./ p. 104,

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Gap'lulo 1 - A Oroanhaaao Burocr,tica < 11

por pr.iblico "uma integraqao de muitas pessoas baseada nao em relag6espessoais, mas em r.rma realeo ao mesmo estimulo"l1, as classes sociais; os gru-pos de idade, a naeao, a cidade, a regiao etc,, (2) sistemas sociais semi-orga-nizados, como a Iamili4 o grupo primllio (pequeno grupo inlormal no qualas relag6es sociais sao face a face) a tdbo, o cla, o feudo, a pequena empre-sa familiar etc.; e (3) organizae6es ou burociacias. E claro que nesta, comona maioria das classficag6es, as "ireas cinzentas" enhe os diversos tiposs;o enormes, mas ela jii facilita nosso trabalho de conJrontar e distinguir asorgrnizdqdes dos demdis sictemas -ociar(.

Outra classifiCageo das mais interessantes, e que nos permite salientaro fato de que as burocracias, aldm de seu careter racional seo geralmentesistemas sociais de grandes proporq6es,6 aquela que R. M. Maclve! eCharles H. Page apresentam. Seguado essa classificaeao, teriamos: (1) asunidades territoriais inclusivat cujo tipo genddco seria a comunidade ecujos tipos especificos sedam a tlibo, a nagdo, a regiio, a cidade, a vila etc.;(2) as unidades baseadas na conscr€ncia de um interesse comum mas semuma olganizageo definida, cujos tipos genddcos sao (a) a classe social, (b) osgrupos 6tnicos e raciais e (c) a multidao, com seus respectivos tipos especi-ficos; e (3) as unidades baseadas na consci€ncia de um interesse comum ecom organizaqao definida: as associaq6es, cujos tipos gen6ricos sao (a) ogrupo primiirio e (b) a grande associagao, e os rcspectivos tipos especificos:a tamilia, o grupo despoltivo, a tulma etc., para os grupos prim;;rios, e oEstado, a Igreta, a empresa, o sindicato etc., para as grandes associae6es.l2

6 fiicil ver que Maclver e Page usam a expressao "grandes associag6es"com o mesmo sentido que estamos usando "organizag6es" ou "burocia-cias". Aterminologia no campo das ciencias sociais € extremamente impre-cisa e, geralmente, nao faz sentido discutir por motivos de ordem semantica.A terminologia dos dois soci6logos 6 tao viilida quanto a noss4 e a classifi-calao que apresentam, pelo seu cardter inclusivo, 6 sem drivida ritil, al6mde tel a vantagem de sifuar muito bem as organizag6es. Aliiit ambos usamtambdm a expressdo "organizag6es em grande escala" como sinonima de"grandes associae6es" e baseiam sua arrfis€ delas nos escdtos de MaxWeber sobre burocracia.l3

lden! p. 106

R. M. Madver e Charles H. Page. sorioloji,. Madri: Editorial Temos, 1950, p- 223.

Idern, p. 238-245.

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12 > tnr,adue;o; orqantzdF| Buro.ralM

I A burocracia e os tipos de dominagdoOutra forma de delinear os limites que separam a burocracia dos demais sis-temas sociais 6 afavds da classificagdo dos tipos de dominag6o. SeguadoMax Weber, s6o tr€s os seus tipos fundamentais: o caism.itico, o fradicionale o racional-legal.l4 Cada um desses tipos diferencia-se dos demais pela suaodgem, pela sua "legitimidade", conforme a expressio de Weber A legitimi-dade da dominagSo 6 o fato que a torna efetiva, d o motivo que explica porque determinado nrimero de pessoas obedece es ordens de algu€m, con-{erindo-lhe poder Ai6m disso, a forma pela qual a dominagao 6 exercida 6tambdm dilerente para cada um dos tr€s tipos.

A dominaqSo cadsmetica 6 aquela que tem por odgem o "cadsma".Esse temo foi usado antedormente com sentido religioso, significando domSratuito de Deus, graqa. O batismo conjerc o caisma; o dom da sabedoriaque Cristo deu aos apdstolos 6 um tipo de carisma. Modemamente, Weber eoutios estudiosos usaram esse termo com o sentido de qualidade extraor-dinairia e indefinivel de ulna pessoa. H, algo de misterioso e de m.igico noindividuo que the conlere poder. O grande lider politico, o capit5o de indis-tria" o her6i, o chefe de expedi!6es pioneiras sao freqiientemente pessoascom poder carismdtico. "A legitimidade de seu dominio baseia-se na crenla ena devoqeo, ao extaordiniido, que 6 valodzado porque vai a16m das quali-dades humalas normais,,. baseia-se na crenea empoderes miigicos, na reve-laeao e no culto de her6is."1s

A dorninagdo carismdtica € uln poder sem base racional. E instrivelarbitr.i o e facilmente adquire caracteristicas revolucionifuias. Sua instabili-dade deriva da fluidez de suas bases. O lider carismdtico mantdm seu poderenquanto seus seguidores reconiecem nele Ioreas extraordin;das e, natu-ralmente, esse reconhecimento pode desaparecet a qualquer momento, Poroutro ladq a dominaeao cadsmiitica nao pode ser delegada nem concedida emheranga, como a racional-legal e a tadicional. 6 uma dorninagdo essencial-mente pessoal, intrans{erivel. Sua arbitrariedade explica-se pela aus€ncia deleis, estatutos e tradig6es que a regulamentem. E um poder cujos limites seodados pela sua pr6pria personalidade. Por isso mesmo ele tende a ser uminstrumento de trans{ormaqao social. Os grar-rdes lideres revolucioniirios

ta Mai Weber. "The social psyclmlogy of the world religioN".In: H. H. certh e C. WrightMills (organizadolEs), r/"n Mda Webel. Nova York: OxJord University Press, 195E, p. 294 e300. veja tamb6m Md Webet, Ecotuftia y saciedad, op. cit., y.1, p.224.i5 Max Weber, "The social ps)'chology of the world Eligions", op. .ii., p. 296.

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Capilulo 1-A Organ zaqa0 Eurocrdlha < 13

exercem geralmente uma dominagao cadsmiitica, que vem romper com aestabilidade e a solidez das normas legais e dos costumes hadicionais.

E {iicil compreender por que a dominaqao ca smdtica nao 6 pr6pia daburocracia. Sua inacionalidade, instabilidade e arbitrariedade chocam-sediretamente com as bases do conceito de organizaeao. hso nao quer dizetpordm, que as bLuocracias neo possam conter em seu seio pessoas compoder carismiitico. O problema da lideranga nafural, que 6 de importanciafundamental para o bom funcionamento das organizaqdes, este indma-mente ligado ao conceito de dominaqao carismdtica. E certo que a definigeode lideranga geralmente adotada pelos tepresentantes dessa EscolaProclriou negai que o poder do lider tenia base em sua personalidade, emcertas caracteristicas especiais e extraordinilias de sua pessoa. Mas esse 6um problema de como conceifuar lideranga, o qual apenas acenfua aimportancia da dominalao carismitica na Adminish-aeao.

A dominalao tadicional 6 aquela que se baseia no tradicionalismo,"na crenea na rotina de todos os dias como uma invioliivel norma de con-duta".16 O tradicionalista acredita na "santidade" da tradieao. Tudo o que osnossos antepassados aceitaram como viilido deverd continuar a s6-1o. Osusos e costumes sao a fonte liltima de poder E urn tipo de dominagSoextremamente conservador Op6e-se a mudanqa social porque nada a legi-tima. Pelo contriirio, toda mudanea social implica rompimento mais oumenos violento das tradi!6es, abandono de usos e cosfumes ;s vezes ime-moriais e, portanto, deve ser combatida. Aquele que exerce a dominalaotradicional nao 6 simplesmente um superior i 'estido de autoiidade, masujn "senho/', e seus subordinados, que constifuem seu quadro administra-tivo, nao sao "funcionirios", mas "servidores", enhe os quais encontramosos nobres, os empregados dom6sticos, os clientes, os escravos, os colonos, osservos, os vassalos, os favoritos etc.17 Na medida em que as normas tradicionais nao sao perfeitamente definidas, o senlor tradicional usufrui certaiirea de arbitrio.

Todas essas caracteristicas tiram da dominaqao hadicional qualquerbase racional. Ela n6o 6 exercida com uma preocupagao de eficioncia. Naose procuram escolher os meios mais eficientes para atingir os fins visados.As normas tradicionais, o tipo de subordinados e o arbitrio do senhor nao opermitem. Max Weber distingue dois tipos biisicos de dominageo hadicional:

Iden! p.296.

Md Weber E.ommtd y s. cieddn, op. cit., \a1. I, p. 235-237 .

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14 > lmrodryeo a &ganiza|eo Eotocalica

o patdarcalismo e o pahimonialismo. O primeiro, que se ap@xima muito dagelontoclaci4 do dominio dos majs veLhot 6 a dominafao hadicional oiginal.Suas bases sao nao apenas tradicionais mas tambdm familiares e heredi-t6!ias. O que exerce a dominalao patiarcal obedece estritamente es normashadroonais, e seus subordinados sio iguais e ndo inferiores, companheiros enao sfditos. J:t o patiimonialismo gurge com o aparecimento de um quadroadministrativo. O poder do senhor patrimonial ap6ia-se nao 96 na tradiEao,mas tambdm no dominio de escravos, servos, colonog de forma que seuarbitrio i muito maior do que a do senhor pat arcal. Sao dpicos do patd-monialismo os privildgiot as honranas e o favoritisrno. De um modo genl,a dominalao patriarcal tende a transformar-se em dominaeao patrimonial.rs

A dominafeo Eadicional serii rnais bem compreendida qualdo com-parada ao terceiro tipo de dominalao, a racional-legal, tambdm chamada debulocriitica. A dominaeao burocrdtica 6 aquela cuja legitimidade se baseiaem no4nas legais racionalmente definidas. O predominio desse tipo dedominaeAo dentro de um sistema social define a exist€ncia de uma organi-zagao ou burocracia. Da mesma forma que a dominagao hadicional corres-ponde a sistemas sociais como a Iamfi4 o cle, a tribo, o feudo, a corte etc,,a dominaqao racional-legal coffesponde d burooacia. Depois de termosconceifuado burocracia de forrna ampla, cumprc-nos verificar quais saosuas caractedsticas.

> Caructelisticns das btrounciasAs burocra.ias t€m sua fonte de legitimidade no poder racional-legal, e niono poder pat arcal, patimonial ou cadsmitico. Em seu tipo jdeal, puro, asorganizae6es seo sistemas sociais racionais. Perguntamos agora: como seexpressa essa lacionalidade da burocracia, como se distingue ela dos demaissistemas sociais que nao tem por base o poder racional-1e6ai? Procurandoreduzir as organizaedes ; sua expressao mais simples, diriamos que sao h6sas caractedsticas biisicas que traduzeo seu careter lacional: s6o sistemassociais (1) formais, (2) impessoais, (3) dirigidos por administladores profis'sionais, que tendem a controlii-los cada vez mais completamente.

O formalismo da burocracia expressa-se no fato de que a autoridadededva de um sistema de nolmas racionais, escdtas e exaustivas, que definemcom precjsao as relae6es de mando e subordinagao, dishibuindo as ahvidadesa serem executadas de forma sistemitica, tendo em vista os 6ns visados. Sua

r3 Idem, p 240-241.

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Capiluh 1 A orsanraqao ELrroDilca <

administraqao 6 formalmente planejad4 organizada, e sua execucao se rcalizapor meio de documentos esc tos. Analisemos agora mais pormenodzada-merlte as caractedstjcas que definem o cariiter formal das burocracias.

Em p meiro lugat a autoridade, em uma burocracia, deriva de nor-mas racional-legais, em vez de tradicionais. Assim, as normas sao viilidasnao porque a tradigao as legitime, mas porque, sendo racionais, nos levamaos fins visados. A16m disso, essas normas s6o legais_ Elas conferern A pes-soa investida de autoddade o poder de coagao sobre os subordinados ecoloca a sua disposieeo meios coercitivos capazes de impor disciplina. Emoukas palavras, a autoridade burocr;itica 6 baseada no Direito, entendendo-sepor Dircito um sistema de normas cuja obedi6ncia pode ser imposta pelacoaqao. Em uma empresa pdvada, por exemplo, dentro do sistema capita-Iista, a autoridade do propdetiirio 6 definida basicamente pela Constituicaodo par.. que dc\eg,U.d a propriedade privadd. e a autorrddde dor demaisadministradores 6 definida nos estatutos e regulamentos da empresa, atrav6sde um processo de delegaEao de autoridade. Para exercer suas fung6es, osadrninishadores t6m a sua disposiqao meios coerciti\ros, que lhes asseguram,ielo 'nenoi teoril:a'nente. obedierrcia por pdrLe do- -ubordtnado-. \ore-"e.por6m, que essa autoddade d estritamente limitada pela norma legal. EIa 6mu to dJ\er\d dd .lutoridrde ampi,l e maldelinidd do pa' -obre o t'lho dosenrhor sobre o escravo ou o sen'o, O adminisfuador buroffiitico nao temnenhuma autoddade sobre a vida pdvada de seu subordinado e, mesmodentro da organizaeao, seu poder estii definido pelas suas fune6es e asfurq6es do subordinado.

Em seguldo lugat, as normas sAo escritas e exaustivas, Neo seia pos-sivel definfu todas as rela!6es de autoddade dento de um sistema, de formaracional e precisa, sem esffev6-1as. A norma hadicional nao precisa setescdta porque ela pouco nuda, 6 aceita e obedecida atrav6s das geraqdes. Anonna racional, por6m, prccisa a todo iistante ser modificad4 adaptando-seaos {atores novos que surgem no ambiente, je que visa i consecuqao dosobjetivos colimados da {orma mais econ6mica e e{iciente possivel. Aneces-sidade de escrever as normas burocr;ticas, de Iormaliz:i-1as, acentua-seainda mais devido ao cariitet exaustivo que elas tendem a ter. Elas procu-ram cobrir todas as iireas da organizageo, prcver todas as ocon€ncias eenquadrd-las dentro de um comportamento definido. Dessa forma, nao s6a alta administragao mantdm mais firmemente o controle, reduzindo oarnbito de decisao dos administradores subordinados, como tamb6m faci-lita o trabalho destes, que nao precisam estar a cada momento medindo asconseqr.iencias vantajosas e desvantajosas de um ato antes de agir Em face

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de determinada situagao, o funcioniido jri sabe como agir, baseando-se nasdiret zes, nas normas organizacionais e disciplinares, nos mdtodos e ro-tinas, nos padr6es previamente definidos. Seu comportamento, o compor-tamento de todos os participantes da organizagao, torna-se entao muitomais previsivel, muito mais preciso, muito mais control;vel- Ora, esse obje-tivo de tornar exaushvas as normas s6 pode ser cumpddo na medida emque elas seo escitas e Iomalmente promulgadas em forma de estafutos,regulamentos e rcgimentos.

Em terceiro lugar, a burocracia se caractedza pelo seu car;terhieriirquico, ou seja, por "um sistema firmemente organiado de mando esubordinagSo mritua das autoddades, mediante supeNisao das inJeriorespelas superiorcs, sistema esse que ofercce ao subordinado a possibilidadede apelar da decisio de uma autoddade inJe or a uma autoridade supe-do/'.]e A organizaeao toma, assim, uma forma de piralnide. Cada supeiortem sob suas ordens um determinado (e geralmente pequeno) ruimero desubordinados, os quais, por sua vez t6m sob si outirs subordinadot e assimpor diante. O inJerior deve obedecer ao supedot embora sempre tenia apossibilidade de recorrcr a uma autoddade mais alta, quando discordar daordem recebida. Weber afirma que, em uma burooacia plenamente desen-volvid4 a hierarquia de funq6es 6 "monocriitica", ou seja, existe apenas umche{e para cada subordinado, em vez de com;ss6es. Isso ton'Ia a "adminis-traEao mais r;ipida e com diretrizes constantes, livre dos compromissos evariag6es da opiniao da maioda".2o

Os sistemas sociais neo burocriiticos, desde que atinjam certa di-menseo, tendem tambdm a apresentar-se em Iorma hieriirquica. Mas ahierarquia jamais 6 tdo bem definida como nas burocracias. Em um feudoou em uma pequena empresa familiar, geralmente existe uma hierarquia,mas ela 6 imprecisa, conflituosa, os supedores de um escalao mais alb daoordens a inJedores, passando por cima dos superiores imediatos destes rilti-mos; ou entao a hierarquia tende a manifestar-se mais em termos de castase classes sociais, em termos de "status" ou posiq6es sociais di{erentes, doque em temos de niveis e amplitude de autoidade definidos. Segundo essesistema, todo um grupo 6 supedor ao outro, porque pertence a uma classesocial mais elevad4 porque 6 constifuido de pessoas mais velhas, mais ricas,

> tntrcduqeo i AryantzaQao Euacfttica

1, Idem, vo1.IV p. s6.As cdacteristicas da buocracia e da autondade racional-legal sao dis-cuiidas por Webd nessa obra, enke as p.85 e 96 do vol.IV e 225 e 235 do !ol. Lru ldem, vol. L p.231.

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Capilul0l -A 0rqanizaqao Burocritica < 17

mais cultas. Neo temos, realmente, um sistema hierdrquico do mesmo tipoobsewado nas buroctacias.

Em quafto lugar, al6m da {orma hiererquic4 que divide o trabalho edetine o. ni\ei- de autoridade verti(,rlmente, a buroc.acia aD.erenta umddiviseo horizontal do trabalho, em que as diferentes atividldes s6o dis-tribuidas de acordo com os objetivos a serem atingidos. E o processo cledepartamentalizaqeo, que setd apresentado postedormente. De;corclo como tipo ideal, weberiano, de burocracia, cuja validade mais adiante discuti-remos, a divisao do trabalho em fung6es 6 realizada em termos de cargosabstratamente definidos e nao de pessoas. A autoridade e u ,".porr"ibi-lidade pertencem ao cargo, seja qual for a pessoa que o ocupe. Em outraspalavras, a divisdo do trabalho 6 impessoalmente realizada, o que nos levai segunda caracte stica das burocracias.

_ O car;ter impessoal das organizagdes 6 a segunda forma biisica pela

qual elas expressarn sua racionalidade. A administraqeo burocriitica 6 reali-zada sem consideragao a pessoas. Burocracia significa, efimologicamente,"governo de escrit6do". E, portanto, o sistema sociil em que, por u-ma abstra-eao. os esoit6 os ou os cargos govemam. O govemo das pessoas existe apenas, d medida em que e,a\ or-llpcm cargo". t--o jalie,rt.r o carjrer e-tritrntenreimpessoal do poder de cada individuo, que nao de va da peisonalidade doirdrviduo. como a(onte(e na liderdnqa cari-matica. nem de u na herangarecebida, como no poder tradicional, mas danorma que cria o cargo e deline-ud- dtribui(oe.. L. "e a auioridade p rmpe-soal d obedier)(,.r prertada pelosubordinado tarnblm o €, de {orma que "os membros da associaqio, namedida em que obedecem o superiol, nao o lazem em consideragAo iL suapessoa, mas obedecem a uma norma impessoal; e s6 esteo obrigados a obe-dec6-1o dentro da compet6ncia limitada, racional e objetiva a ele outorgadapela refedda ordem".2l

Observe-se que Max Webet fazendo essa afimaeeo, como ali.is todasas demais a respeito de burocracia, neo pretende com isso dizer que as orga-{,,a(de- de\dm .er dc\in I nbord reierindo,e ao tipo ideal puro. javimos que esse tipo ideal nao apresenta conotag6es de valor e, portanto, asafirmaeoes feitas por ele nao representam um julgamento, mas uma simplesobsewacio. Dessa Iorma, fazendo tais alirmacdes sobre o cariiter impesioaldas burocracias, ele nao estava realmente tomando posiqdo na luti que aEscola da Administraeao Cientifica e a Escola de Relaqdes Humanas tra\ra-dan.I a respeito, a pdmeira defendendo e a segunda condenando acerbamente

rr Idem vol.I F 22b.

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18 > lnlrcduAAo A A@anizaOaa 1urccfttica

a adminisiraqeo impessoal, que nio leva em consideraeao as pessoas. Eleestava simpiesmente afirmando que as burocraciat em seu estado puro,eram ou tendiam a ser unpessoais,

O cariiter impessoal da burocracia d clatamente definido por Weberquando ele diz que ela obedece ao pdncipio da adminishaqao sine i/d ac sf',diqsem 6dio ou paixao. "A burocracia 6 mais plenamente desenvolvida quantomais se desumaniza" quanto mais completamente alcanea as caracteristicasespecificas que seo consideradas como virfudes: a eliminaeao do amot docidio e de todos os elementos pessoars, emocionais e irra.ronais, que eccapafiao cilcrJo".z2 Ern outras palavras, dentro de uma buroqaci4 em seu estadopuro, nAo hii lugar para sentimentos, para o {avoritismo, para a graddao paraas demonstraq6es de simpatia e antipatia. O adminishador burocritico € umhomem imparcial e objetivo, que tem como missao cump r as obrigaqdes deseu cargo e contibuir para a consecueao dos objetivos da organizagao,

Tal situagao, diz Max Webe1, 6 bem diferente da que prevalecia ern sis-temas sociais anhgos, em que as considerae6es de ordem pessoal domi-navam todas as outras. A administraeao da Justig4 por exemplo, s6 perdeuseus pressupostos jracionais e se desligou da hadiqao quando pasgou porum proc€sso de burocratizacao. A imparcialidade e a objetividade sao teonecessdrias para a administraeao da Justiga quanto para a diieqio das orga-dza!6es. Por exemplo, a intromissSo de fatores de otdem emocional naadministraseo de pequenas enrpresas familiares 6 um dos ptiftipais moti-vos q e explicam sua freqiiente ineficiencia e a tend6ncia a serem substitui-das por empresas burocriiticas.

Um aspecto essencial atrav6s do qual se expressa o caiiiter impessoaldas burocracias rcIerc-se A forma de escolha dos funcionairios. Nos sistemassociais nao burocrdticos, os administradores seo escolhidos de acotdo comcrit€ios eminentemente irracionais. Fatores como linlugem, prestigio sociale rela!6es sociais determinario a escolha. O novo rei ou o senhor {eudal6escolhido porque € filho primogenito do iltimo soberano. Na emptesa fa-miliar, o filho sucede o pai por direito herediLirio. Esse mesmo filho, parentese aJithados sio colocados em postos de lelevo dentlo da emprcsa, sem seremlevadas em consideraqao sua competdncia e sua habilitaqeo para o cargo.

O nepotismo e o filhotismo fazem pa e dos sistemas sociais neo buro-cr;iticos e nao podem ser considerados aberraE6es dentro deles. Ningudmpensava em criticat em um feudo, que o filho sucedesse o pai, ou que o s€nhor

r Idem, vol.lV p.104e 105.

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Capitul0l -A Orqanzaqao Burocilica < 19

escolhesse para seus atxiliares dtetos aqueles que Pertencessem e mesmalinhagem, :r mesma classe social. Ta1 fato, com todas as suas conseqiientesineficiencias, fazia parte do sistema. Tanto assim, que o termo "nePotismo"n6o surge dento de um sistema sooal nao burocr;hco, mas dento de umaburocracia, dentro da Igreja Cat6lica, para designal uma {alha dessa buro-cracia, que se esperava racional. O nepotismo significava odginalmente a

autoddade que os sobinlos e outros Parentes do Papa gozavam na admi-nistraqao eclesiestica. Segundo seu tipo idea| n6o h6 lugar para o nepotismona burocraoa. Os administradores burocriiticos sao administradorcs Profis-sjonais, que fazem uso do conhecimento t6o1ico especializado, obtido geral-mente ahavds de treinamento esPecial. Mas com esta afirmaqao jii estamosabordando a terceira caracteristica besica das organiza!6es: o fato de que elassao sistemas sociais em que domila a adminishaqeo prcIissional.

As organizae6es sao dirigidas por adnrinistradores Proissionais. Admi-nistrar, para o flrnciolldrio burocrata, d sua Profissao. E esta 6, em nossa exPo-siqao, a terceira caractedstica b.isica da buroclacia. Vejamos agora quais saoos traqos que distinguem o administrador profissional figura que ganhouespecial rclevo na sociedade modema

Em prirneiro lugar, o administrador Profissional, antes de mais nada,6 um especialista. Esta 6 uma caractedstica fundamental. As burocraoas saosistemas sooais geralmente de grandes dimens6es, nos quais o uso do conhe-cimento especializado d essencial para o funcionamento eficiente. Sao neces-siirios, pois, especialistas, homens esPecialmente teinados pala exercer asdiversas funE6es ciadas atravds do processo de diviseo do trabalho, quegeralmente devem ter um diploma e/ou exPeriancia Para Poder ocupar ocargo. Ao serem escolhidos, esses homens devem aPresentar tifulos e sao,geralmente, submetidos a testes. Seus conhecimentos, Por6m, nao se devemLimihi a sua especialidade. Participaado de um sistema Prodigo em normatdtetdzes e rotinat eles devern conhec6-1as peffeitamente. As vezet 6 no conie-cimento dessas normas que consiste sua esPecializalao, quando se trata deadmiaistradores de baixo t-fvel. Em relaeeo aos adm.inistradorcs de toPo, suaespecialidade 6 simplesmente a de administuar' Eles nio sao esPecialistasern finangas, produgdo, mercadologia, pessoal Sio generalistas, que Podemconlecer um pouco mais um setor do que outro, dentro da organizaqeo

Em segundo lugar, o administrador Pro{issional tem em seu cargo suainica ou pelo menos principal atividade. Ele neo 6 administradol Por aci-dente, subsidia amente, como o eram os nobrcs dentro da administraeeopalaciana, ou como ainda o sio os conselheiros e mesmo os dil€toles de um

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20 > lntrcdoQea a oganizaQaa Euacrilica

clube esportivo. O cargo nao d uma hotuada, embora possa envolver prestigio:6 um meio de vida. E geralmente sua principal fonte de rend4 e dele deli-vam fundamentalmente seu prestigio e posigdo social.

Em terceiro lugat o administrador burocr;tico nao possui os meios deadministraqao e produq;o. Ele administra em nome de telceirosr eln nomedos cidadios, quando se trata de administlar o Estado, em nome dosacionistas. quaMo se tiata de administrar uma sociedade ar6nima, emnome dos s6cios, dos crentes, dos contdbuintes etc. O empresdrio, que 6proprietdrio da empres4 que a fundou ou desenvolveu atravds de umprocesso arrojado de inovalao, r€o 6 um adminisirador burocrlitico. A figu-ta deste iltimo e a do empresiirio s6 se confundiiao se a agao inovadota forrealizada por um administrador que nao possua os meios de produgio.Estaremos, entao, diante de um administrador profissional-empresi o,figun comum nos antigos paises socialistas e nos paises capitalistas adi-antados, especialmente nos Estados Unidos.

Em quarto lugar, o adminrstrador burocritico desenvolte um espiritode 'hdehdade ao car8o'. segundo a expressdo u-ada por Ma\ Weber. L oque modernamente d chamado de processo de identificaEao do funciorfriocom a emplesa. Essa identilicaeao 6 impessoal, O administrador ndo seidentifica com o chefe, o propdetilrio, o senhot mas com os objetivos daorganizagao. Na medida em que ele n5o 6 um empregado palticr ar dessaspessoas, mas um membro da organizagao, 6 com ela que se identifica. Oeclesiistico identi6ca-se com os objetjvos de sua lgreja. O administradorpdvado adota os objetivos de sua empresa.

Em quinto lugal, o administrador profissional recebe uma remunera-gio em Iorma de dinheio. Em outras palavras, ele recebe um saliirio em trocade seu trabalho, em vez de hoftarias, titulos, gratidao, direito a participar damesa e da casa do senhot preseites, pagamento em forma de mercadorias,direito de cultivar parte da terra do senhor, como 6 pr6prio dos sistemasneo burocriticos. Diz Max lveber que essa remrlneraeao 6 fixa, ou seja, naovaria com a prodlrqeo, como acontece freqlientemente com o saliirio dosoperiirios. Isso d verdade apenas em parte, i; que 6 muito comum nasempresas privadas burocraiticas que os diretores tenham comissdes sobreos lucrcs. E acrescenta Weber: "o saliirio n5o 6 deteminado em principio, deacordo com o trabalho realizado, rnas de acordo com as funs6es desem-penhadas (com o 'escaleo') e eventualmente com base na antigriidade".23Isso nao significa que a eficiancia do trabalho do funcioniido nao esteja sendo

,r ldem vot l\'. p ,r2.

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Caprluh 1 A Organzaq;0 BLrrorralca < 21

constantemente medida, sem o que n6o seda possivel o contole da organi-zagao, e todo um sistema de promogdes, transferCncias e rcbaixamentos.Neo 6 possivel, por6m, medfu o desempenho de um administrador com amesma preciseo gue se rnede a produqSo de um opererio. Por outro lado, hiioutras lormas mais eficientes e dtetas para incentivar administradores doque o saliiio vad;ivel de forma que o saldrio Iixo e, eventualrnente, a par-ticipagao nos lucros constituem a iegra.

Em sexto 1ugar, o administrador burocr;tico d nomeado por um supe-fior hierdrquico. Diante de uma afirma€eo dessa natureza, como diante daanterior de que o funciondrio recebe um sal:ido, nossa pdmeira reagao, taoacostumados estamos ;s burocracias nos tempos atuais, d perguntar: maspoderia ser de outra forma? Sem divida, o funcion;rio pode a ser eleito. Ea eleiqAo nao 6 pr6pria da burocracia, a nao ser que se trate de uma eleiq6omeramente formal, de uma a.lamaeao, estando o "eleito" realmente jilnomeado pelo supedot que controla os eleitores. A verdadeira eleigio doadninistrador acarreta uma s6de de dificuldades. O administrador passa adepender dos subordinados, ficando sua autoddade diminuida. A16m disso,a escolha de um administrador, atrav6s de nomeaqao, geralmente levardmuito mais em consideraeeo suas aptid6es, sua capacidade, objetivamenteconsideradas, para desempenhar o carto, do que atrav€s de eleiqao. Nesteriltimo caso, fatores emocionais e compromissos politicos podem interfe rna escolha racional do adminisirador. E claro que o sistema de nomeaq6esdii lugar a Ia\'odtismo, Por isso, sao comuns nas burocracias os co11c11rsosde admissSo e as exigdncias de diplomas especiais. E, de qualquer Iorma,sempre 6 possivel haver falhas e defici6ncias em um sistema burocriitico.Discutiiemos mais adiar1te essas limita!6es, que constifuem desvios do tipopuro de burocracia, cLrjas caracteristicas estamos apresentando, ao seguircom certa liberdade o pensamento de Max Weber.

Em s6timo lugar, o mandato do administrador 6 dado por tempoindefinido. Isso nAo signi{ica que o ca€o seja vitalicio. O funcionido poderiiser promovido, despedidq transfeido. Signilica apenas que nao h6, emregra, prazo para o seu cargo. Ao contriirio dos administradores eleitos, quelleralmente possuem um mandato fixo, o mandato do administrador buro-criitico 6 indefinido no tempo. Ele neo tem a posse ou a propriedade docargo. Ele neo pode vend€-lo, alugai-lo ou troczi-lo, como acontecia emadministrag6es neo burocriiticas, nas quais em ce*os casos o cargo faziaparte do patdmdnio do individuo. Na verdade, seu supeior tem sempre apossibilidade, em maior ou menor grau, de demiti-lo ou pelo menos afastii-lodo cargo. E essa depend6ncra 6 a maior garantia que o supedor tem de obterobediencia iLs Ilormas por parte do subordinado.

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22 > lntroduCda a AryanEaQda Eutacratica

Finalmente, o administrador bulocriitico segue uma calleira, tendodircito, no final i aposentadoda. Os possiveis movimentos verticais - Promoe6es e rcbaixamentos e hodzontais - transfer6ncias estao, inclusive,em maior ou menor gtau, incorporados nos regulamentos das organizagdes.Na administrag6o priblica, os movimentos horizontais sao menos comunsdo que na administraqao Pdvada. Nest4 "movimentos holizontais e verticarsionfundem-se e mufuamente suPortam uns aos outros. Por um lado, o

movimento hoiizontal pode ser considerado como estando a setviqo do ver-tical na medida em que a companlia se prcocuPa em treinar e educar pessoas e em testar administradorcs potenciais. Por outro lado, as transferenciaspodem servir como um ponto terminal para admirustradores mediocres",2lEm outras palavras, as transferancias tanto seo utilizadas nas burocraciascomo um meio de testar e ampiiar a exPeriencia de administradores queestao pata ser promovidos, como Para encerrar a careira dos mediocres

A carreira de um administrador prolissional tende, mesmo nas orga-nizagdes privadas, a limitar-se a uma emPresa Segundo Pesquisa realizadapor Mabel Newcomer,4l,2% dos Presidentes e Presidentes dos conselhos deadministra€ao (boald cftairmen) das grandes emPresas r-rorte-americanas, emexercicio em 1950, levaram mais de 21 anos dentro da emPresa antes de atin-gir tal posiqeo. A duraqao mediana de suas cadeiras at€ chegar ao Postomiiximo foi de 16 anos;22,1 % deles trabalharam em apenas uma organiza-96o para atingir a presidEncia 25

Existe, geralmente, uma corresPondancia entue a idade do individuo e

sua posiqao na hierarquia. Quando essa corresPond€ncia deixa de existir,passando o administrador de urn nivel de idade Para outo sem ser Promo-;ido, 6 geralmente sinal de que nao estii sendo bem-sucedido- A existenciade umaiarreir4 com a possibilidade de promosao Por m6dto e antiguidade,constitui um incentivo biisico que as organizag6es oferecem aos fmcion;riosPor outro lado, a priitica amPlamente adotada pelas orgadzaqSes de promo-g5o "de dentro", ou seja, a diretnz de procurar primeiro dentro da organiaqeoua p"""ou"

^ ""r"^ p.omovidas e, s6 em caso de inexist€ncia de Pessoas habi-litaclas, piocurar fota, conshfui ao mesmo tempo urrra garanba de que a cat-reira realmente existe e de que a Possibilidade de promoq6es 6 um fato e ummeio atrav6s do qual as orgatizae6es Prendem seus administradores.

2a Noroan lt. Marhn e Anselm L. Strauss "Pafterns of mobilily a'idrin industrial o$ani-zations". lnr !V. Lloyd Wainer e Norman H Marhn (orgdizadores) I'dusilr1l md' NovaYork: Harper & Brolhers, 1959, P E9

r Mabel Newcomer "The big bNhess execulive" I lndllsltiaLnaa, rp. cit 'P 131e 132

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Capilul0l A 0rganDaqao Burocratica < 23

I O poder r1o arlministrador profissional capilalista(l crescente contole dos administradores profissionais sobre as burocracias,que tendem a ser completamente dominadas por eles, 6 a nosso ver a quartacaracteristica fuildamental das organizaq6es, ao lado de seu fonnalismo, de seucardter impessoal e do {ato de serem administradores profissionais aquelesque as administram. Max Weber aJirmou o cariiter profissional do administlador burocriliico e salientou seu poder e seu prcstigio social. A verificagao ecoistatalao, por6nr, de que esse poder tende a crescer de tal maneir4 atd lograro controle completo das orgarizaq6es privadas, nio {oram feitas por ele, maspor Adolf Berle e CardinerMeans. Ambos realizaram, por volta de 1930, umaampla pesquisa, financiada pelo Social Sciences Research, Council, a respeitodas tenddncias do desenvolvimento das sociedades al16nimas.

C)s resultados dessa pesquisa apareceram em .ur:r.Tt.vto, The modern car-porafiotl alldltri,rale |rcper,ly26, que se transformou em um cl;ssico no campodos estudos sociais, econ6micos ejuddicos. Atese central do livro € a de queas grandes companhias nofte ame canas sao entidades "quase-ptib1icas",que deixaram ou esiao deixando de ser corlholadas pelos propdetiidos, parasercm conkoladas por administradores profissionais. Nessa pesquisa de1929, vedficou-se que 44% das empresas pesquisadas eram dirigidas poradministradores profissionais, que controla\:am menos de 20% do capitalvotante das empresas. Em 1963, essa pesquisa foi novamente realizada porRobefi J. Lamet o qual vedficou que efteo E45% das 200 maiorcs emprcsasindustriais norte-amedcanas jii eram didgidas por administradores profis-sionais que confolavan menos de 10% do capital votante.2T O processo dehansformaeeo do capital monopolista em um capital burocratizado continua,poftanto, intenso.

Esse Ien6meno, essa burocratizaeeo das empresas privadas, independen-temente da utilizaqao poljtica que Adolf Berle, Peter Drucker e muitos outosfizelam dele depois, harsformando-o em instrumento ideol6gico do neoca-pitalismo burocritico e monopolista do s€culo XX, 6 pofianto um Iato indis-cutivel. Foi ele resultado de um processo, no qual se poden distinguir dir.ersasfases. Em primeiro lugar, tivemos o aparecimento do sistema corporativo, coma cdagao das grandes companhias monopolistas de comdrcio e navegaqao,

:i Adolf A. Berle,lr e Gardiler C. Meffi. Tl. nrd.tn corytatutiall dad ptiut. yaperry.Na$York: MacMillm, 1950.

r: Robelt]. Lamer "Ownerchip d control in 200largest non'fin cial corporations". ndrli.n,..ondrlt. /eriea, setembro de 1966, p. 777-7A7.

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24 > httDdtfiD e Qed lza$a Burc(nrca

dentre as quais a Companhia das indias Ocidentais 6 a mais conhecida noBrasil. Essas companluas etam criadas por Holard4 Inglaterrq Porhgal,Franga, Espanha. VerificaGm-se, entao, as pdmeiras crises de especulaeao,valo zag6es excessivas das ae6es dessas companhias, seguidas po! quedasviolentas nos valores dessas ae6es. O desenvolvimento riipido das sociedadesan6nimas, entretanto, s6 se realizou depois da Reroluqao Induskial: naEuropa e nos Estados Unidos, a partir do comeeo do s6culo XIX, e no Brasil apaftir de 1930. O sistema industrjal, exigindo a inversao de grandes capitaisna inddstri4 nos transportet nos sewigos priblicos, nas instituig6es finan-ceiras, pro\,ocou o riipido desenvolvimento das sociedades an6nimas.Verificou-se, enteo nos paises mais desenvoh'idot um processo de grandeconcentragao de iqleza nas mios de um pequeno nirmero de companhias.

Segundo pesqrdsa realizada por Berle e Meant as 200 maiores empre-sas norte-americ;rnas da 6poca controlavam 49% de toda a riqueza corpoia-tiva e 38% de toda a riqueza aplicada em neg6cios. Isso em 1929, quando foircalizada a pesquisa. E a taxa de crcscimento dessas grandes empresas eramaior do que a das pequenas e mddias empresas, de forma que a tend€ncia6 para concentraqao do poder econ6mico em maior grau ainda. Aliiis, opr6prio Berle inform4 em liwo publicado em 1954, que, segundo pesquisasmais rccentes do p!of. M. A. Adelman, apenas 135 empresas seo detentorasde 45% de todo o acervo irldusirial nolte-ame cano.l3

Essa concentraqao do poder econ6mico nas maog de algumas empre-sas nos Estados Unidos foi acompanhada pela dispersAo da propriedadedas aq6es. Os acionistas das grandes comparrhias passaram a contar-se emdezenas e centenas de milharcs. Po! outro lado, os diretores das companhiasconkolavam frcqiientemente um nfmero reduzido de aq6es. Das 200 com-parhias pesquisadas por Berle e Meais, os diretores controiavam em m6dja10,7% das aeSes ordiniirias e 5,8% das agoes preferenciais. Muito comu-mente, o principal acionista nao tinha mais do que 1% das aq6es.

Em conseqiiancia desses fatot veri{icou-se a separagio do controle eda propdedade. Em outras palavras, o processo de bu rocratizagao envolveutodo o sistema de poder. Jii nao eram mais os prop etiirios, em funqao desua riqueza, que conholavam as glandes empresat mas os administradoresprofissionais, os burocratas, que chegavam a essa posieao ap6s uma longacarrcira e uma ampla demonstralao de capacidade administrativa. De umtado, tiniamos uma imensa massa de acionistas, cujos dnicos dircitos, em

a Adolf A. Bede, Ii A ffvol"eao Ipitslish do t{cnh) xX, preficio datado de 19s4 Ipanem4Rro de Janeiro, p. 25.

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CapiluL0l A 0.0an raqlo Burocrilca < 25

termos piiticos, eram os de receber dividendos e vender suas aq6es, e, deoutro, administradores profissionais controlando a organizagio.

Ber'1e e Means apresentaram em seu livlo cinco tipos de controle dascompanhias: (a) controle por propriedade quase completa das a96es; (b)co11tuole por maioria; (c) controle por meio legal (os meios legais maiscolnuns sao o sistema de "piramide", com uma empresa roldirg relativa_mente pequena controlando por maioria de ae6es uma empresa quase duasvezes maio! que, Por sua vez, controla Por maioda outra emPresa quaseduas vezes maioi, e assim por diante; ou, entao, a t6cnica de emissao dea(6es preferenciais sem direito a voto); (d) controle por minoria, no qlral umindir-iduo ou peclueno gropo de individuos possui a miloda das at6es, masessa minoria 6 sulicientemente grande para, combinada com procuragdes deouhos acionistas, mairter a maioria de \rotos na assembl6ia geral da emprcsa;(e) finalmente, conuole pelos administradores profissionais, quando nenhumgrupo de acionistas consegue reunir suliciente ndnero de votos para domi-nar a empresa, enquanto seus adminjstradores Profissionais, maniPulandoprocurag6es que enviam a todos os pequenos acionistas para serem assi-

,d:. ma rle -) o co '. o e dq emP'e-d P-n -u,l- -n;u-.

TABELA 1.1 Clt:tssifcteio das 200 naiores cDnrynnhirs nrttc attlctlcdntE stg ndo a

Conhole por adhinistador.sControle por mcio legalControle por hnroriaConilole por majoriaControle por propdedade plena

21",23?;

51'.

58?,22aL

2'k

E ficil ver que, dentreentre os dois liltinos neo 6.livis6ria nos 20o..b. Quando

os cinco tipos de controle, apenas a distineaomuito clara. Berle e Means traqaran a linha

nenium grupo possuia mais do que 20% das

: Adolf A. Berle,la e Galdner C. Mem,.f .;t., p.9,1. Essa clissific.sio de enrprcs$ 6 feitaiegando o citirio a qre os aulores chaman de ".ontde final" das emFlesas. Nap i16,€1esrpresentamouira classificatao bastante semelhmte, seghdo o crit6rio de "coniDle jmediad'

Pelo nlimero Pela dqueza

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26 > tntrcdulioa Arqaniala0 EuouattLa

aq6es, a empresa era considerada como controlada pelos administradores.Eles reconhecem, por6m, que essa porcentagem talvez sejamuito alt4 e afir-marn que, em certos casos/ consideraram a empresa como controlada pelaminoria quando o grupo acionista dominante possuia menos de 20% dasae6es. A classificaqao das empresas por esses cinco tipos de controle aparecena Tabela 1.1. Jii por volta de 1930, segundo essa tabela, tl4% das empresasnorte-americanas e 58% da riqueza das empresas (ativo) eram contuoladaspor administradores profissionais. E, se somarmos a essas porcentagensaquelas referentes ao controle por meio legal teremos 65% das empresas eE0% da riqueza dessas empresas fora do controle dos acionistas.

Comprova-se, portanto, o dominio do administrador burocriitico sobreas empresas privadas. O mesmo fato pode ser obseNado na pesquisa deMabel Newcorner a que nos reterimos anteriormente. Esta procurou determinar os pdncipais fatores que levaram os administradores a diregao dasgrandes empresas norte-amedcanas, Sua concluseo apatece/ a seguir, naTabela 1.2. Em 1950, 70% dos diretores atingiram a diretoda por seguir car-reira dentro da pr6pria companhia, ou por ter sucesso em outra companhia,enquanto apenas 26% atingiram a mesma posiqao graqas ao Iato de teremorganizado a empresa, herdado ou investido. E observe-se o progrcssivocrescimento dos adminishadores profissionais em relaqSo aos demais, de1900 para 1950, e p ncipalmente o crescimento dos administradores quefizeram cadeira dentro da empresa. Enquanto em 1900 31,5% dos diretoresatingiram essa posieao por serem administradores pro{issionais (porseguirem careira dentro da pr6pria companhia ou por terem sucesso emoutra companl-ia, em 1950 essa porcentagem eievava se aos jii rcfeddos 70%.O crescimento mais extraordiniido, pordm, 6 o dos administradores tipica-mente buroffdticos, que fizeram careira dentro da cornpaniia: 17,9% em1900 contra 50,8% em 1950.

Todas essas cifras comprovam um {ato: o crescente poder dos admi-nistradores profissionais, aos quais este sendo atdbuido o controle final dasempresas privadas. Eles nao mais se limitam a controlar a emPresa em nomedos proprietiirios. Eles cada vez mais passam a adminishar a empresa em seupr6p o nome. O acionista, perdido entre milhares e milhares de outros acio-nistas, lilnita-se a receber dividendos e a assinar procuraq6es em beneficioda diretoda da empresa constituida de administradores burocr6ticos. Emmuitos aspe.tos eles ainda seo assessorcs da classe capitalista. Sio funcio-n;rios do capital. Mas em outros jii alcangaram suficiente autonomia paraser consjderados associados com objetivos pr6pdos. Como os capitalistasse apropdam do excedente atrav6s de lucros, os burocratas o fazem ahavds

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Capirurol A Orqanizalao Eurocttr0a < 27

de ordenados. E uma ideologia eficientista, que privilegia o planejamento ecoloca o administradot profissional como her6i do sistema, vai aos poucosse inserindo no quadro da velha ideologia liberal e individualista da bur-guesia, apoiada na concotlancia e no mercado.

I O poder do administrudor prcfissional os pqises comunistasSe nos paises capitalistas desenvolvidos, e particlllarmente nos EsfadosUnidos, o poder dos adminishadores profissionais d descente em rclaCaoaos propdetdrios, cabe perguntat o que acontecia com os administradoresprofissioiais dos paises comunislas em relagio ao Partido Comunist4 quenesses paises mantinha o conhole final sobre a sociedade. Em primeiro lugat6 preciso observar que os partidos comunistas dos pafses comunistas eram,€les pr6pdos, grandes organizae6es admirlistradas por administradoresburocriiticos. O lider comunista era, via de regra, um administrador buro-cr;tico, qLle atirrgia altos postos depois de longa cafeira e de te! demons-trado de sobejo sua fidelidade e capacidade. Na verdade, a Uniio Sovidticaestava toda organizada rlos termos de uma sociedade bulocriitica ou tec-noburocriitica, em que o Estado - orfianizaEao burocrdtica maior - abrangiae coordenava administrativamente todo o sistema econ6mico e social. Nessesentido, os burocratas assumiam cada vez mais o cariiter de uma classe aut6-noma, j;i que nao mais havia os capitalistas a cluem assessorar.

Mas e os administradores das empresas? Possuiam eles algum grau deautonomia ou estavam inteiramente subordinados ao Partido? Sendo

TABLLA 1.2- r, t't'aslrnn- t.t,,t o'tn)r o t1 \ tu a

1900 192s 19s0 1900 1925 1950Organl4r a.mpresa

Obte! $cesso cm dutla empresaScgui! carrcira dentro da empresa

17 45 11460 46 5842 38 15155 120 42143 19 35

29,5 16,3 6,05,5 1.1,1 13,8

19,3 74,4 7,073,6 71,9 r8,217,9 37,4 51),8140 5,9 4,2

Tolal 309 :120 829 100,0 100,0 100,07 10 53

' \4abel NeNcomer, ry. .it., p. 136.

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28 > httuduQio a AryanintAo Burocfitica

economias centralizadas, nelas o glau de autonomia dos administradoresdas empresas era sempre menor que o existente em eaonomias capitalistas,descentralizadas, Mas, mesmo assim, essa autonomia variar'a conlorrne opais. Na Iugosliivia, por exemplo, na qual o planejamento econ6mico eramenos cenado e impositivo, os administradorcs burocriiticos eram consi-deravelmente mais independentes do Partido e dos 6rgeos governamentaisdo que na Uni6o Sovi6tica. Entuetanto, devido ao sistema de co-gestao e par-ticipagao nos resultados a1i aplicado, os administadores tinham que estarconstantemente prestando contas e mesmo seguindo diretries traqadaspelos Conselhos de Opereirios. E, na pr6pda Uni6o Sovi6tica, segurdo DavidGranick, os poderes dos admrnistradores, embora limitados, eram maiorcsdo que comumente se pensa.sr Em qualquer hip6tese, por6m, a autor:idadedo administrador sovi6tico ia pouco a16m dos problemas rotinefos. Seucontiole sobre salifuios e preEos, investimentos e metas de produqSo erapequeno.32 E sua permajrancia no posto dependia diretamente da e{ici6nciade seu trabalho, que estava sendo sempre medido e conholado pelos 6rgaosgovernamentais que the eram supedores e pelos diversos niveis do PartidoComurusta.

Pordm, se o poder dos administradores prolissionais das empresassovi€ticas era limitado, tudo parecia indicar que essa limitaEao tenderia adiminuir. Pouco antes da Revoluqao Comunista de 1917, Lenin descrevera oprocesso de desapa:recimento do Estado e da adminishagao instifuciona-lizada: "Pode-se, depois de ter liquidado os capitahstas e os funciondrios,substitui los imediatamente, da noite para o dia, no que concerne ao aorfloleda produgSo e da repartiqao, no que concerne ao reglstro do trabalho e dosprodutos pelos operdrios armados, por todo o povo armado".r3 Os admi-nistradores, segundo Lenin - nio o pessoal cientificamente preparado, nioos engenheiros , sedarn substifuidos facilmente porque "o regrstro e o con-tole foram simphficados ao extremo pelo capitalismo"-34 Tal substituieao {oitentada logo ap6s a vit6da da Revolulao. Politrcos pertencentes ao PartidoComunista {oram colocados no lugar dos administradores e empresiirioscapitalistas. Como se poderia prever, por€m, o {racasso da iniciativa Ioi

ri David crmick. Tte rsd drccrtirc. Garden Ciq/, Nova York: Dorbleday, 1960, p. 2s.

r2 Ralph C.Iames. "Managemeni in the Soviet Union". Mann\(nent i, the intl,stti.l uotht,and intcrnntio nl dtl.htsis, op. cit., p.334.33 V I. Lenin. O l:s frdo c ? Rerohrqr'o. Rio de Jmeiro: Vii6ria, 1961, p. 123.

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Caplluh 1 AOrqanzaqaoBurocrdrca < 29

total e, ap6s a passagem do periodo rcvolucionido propdamente dito e o t6r-mino da guerra civil e da interveneao estrangeira, por volta de 1922, os antigosdqminisfadore- foram noramente cnamados a drngir a empre-a. Comeq6u.enteo, um periodo que se estendeu at6 os gtandes expurgos e a consolidaeaodo rcgime estalinista de 1936-193& em que a adminishagao das empresasficou dividida entue os antigos gerentes e os politicos, embora estes riltimosconservassem ainda maior podet na maiotaia dos casos.

Por ocasieo dos grandes expurgos, pordm, a Revoluedo jd tinla 20anos- Um novo grupo de engenheiros com capacidade administrativa seformar4 jei dentro do regime, e nesses jovens o Partido podia confiar politi-camente. Por outro lado, todos os eslorqos de Stalin voltavam,se para aindust alizaEao, e ele via que o sistema de administraeao das empresas porpoliticos nao se coadunava com a efici€ncia necessiria para industuializarrapidamente o pais. Stalin era tao impiedoso quanto pragmatista. Esqueceuimediatamente as teodas de Lenin e passou sistematicamente a demitir ospoliticos da direqao das empresas, substituindo-os por administradoresprofissionais, geralmente com trcinamento em engenl-uria. Era o processode burocratizagao que atingia o topo das empresas.

No inicio da d6cada de 80, os administradores sovidticos constituiamuma elite burocr;tica capaz bem pag4 gozando de "status" elevado nasociedade sovidtica. Cada vez mais conJuldiam-se com a burocracia ooliticasovidtica. Para serem admitidos i carreira administrativ4 eles geraimentenecessitavam de um diploma universitiirio. "A16m disso, a manutengio deuma posiqao administrativa depende grandemente da qualidade do desem-penho. Acaffeira do administrador 6 insegur4 nao por raz6es politicas, masPorqu* ple le'n Lonlinua nerrle que demor.lrar e redemon-iro. .ra con--petencia. A mobilidade dentro da administracao sovidtica 6 noto amentegrande. O administrador serii promovido e altamente recompensado seatingir suas metas de produlao, e serii rebaixado se Ialhar O acesso combase em compet€ncia indiscutivelmente se consolidou, sendo esse fatoacompanhado por uma Iorte tendencia para o dominio de administradoresprofissionais de calleira."35

Por esta r.ipida aniilise do sistema de conhole das empresas privadasnorte amedcanas e das empresas estalais sovidticas, vemos que, taito no rcgi-m- cJprtali.id qudnto no (ocidlt-ta a (endenfi a e.l mecma: a de d- orga,a z:qoer.denhe as quais as empresas s5o, sem ddvida, o tipo mais importante ao ladodo Estado, estarem sendo cada rrez mais controladas, independentemente de

" Ralph C.Iames, ot. .ii.

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30 > lnltoduQeo d qrganizaaeo Buroc ljca

injung6es de ordem politica nos regimes comunistas, e de ordem {amiliat epatrimonial nos regimes capitalistas, por adminishadores profissionais.Definimos esse fato como a quarta e fltima caracteristica fundamental dasburocracias ou organizag6es. Podemos, agorar passar para o estudo das con-diq6es necessiiias para sua emergCncia.

I A euergtncia das burouaciasAs burocncias nao constifuem um fato novo. F na Antiguidade temos orga-nizae6es burocriiticas, dentre as quais a mais famosa € a do Imp6rio Novoegipcio (1580-712 a.C.), que Max Webe! considera o modelo de todas asdemais. Outlos exemplos de buroqacias muito anfigas seo o Impddo Romano,o Estado Bizantino, o Imp6rio Chin€s desde sua furdaqio em 221, quandoShih-huang-ti subjuga os senhorcs feudais independentes -, os Estados euro-peus que se organizam a partir do fim da Idade M€dia e, Iinalmente, a maisantiga das burocracias ainda hoje existentes, a lgrEa Cat61ica. Todos essessistemas sociais, embora amplamente influenciados poi latores de otdemtradicional e particulalmente pah'imonial, podem ser considerados buro-clacias. Estao longe do tipo puro, ideal de organizagSo, mas sao sistemasSociais em que a adminishaeao a cargo dos funcioniirios 6 suficientementeformalizada e tornada impessoal para se incluirem enhe as burocracias.

Entretanto, aldm de pouco desenvolvidas, as organizag6es antigasconstituem exceg6es dentro do panorama social global. Seu sistema de ptodu-qao, agiicola ou artesanal, 6 ainda tipicamente familiar. Seu sistema politicotoma a forma da tribo, do cld, do feudo. E s6 a partir dos fins da IdadeMddia que comegam a aparecer as pdmeiras empresas e o Estado moderno.

As empresas surgem com o desenvolvimento do com6rcio e o apareci-mento da bujguesia, atrav6s da separaeao da contabilidade pdvada da comer-cial e do apalecimento da sociedade por cotas de responsabilidade limitada.Separam-se, assim, o patrimonio e as receitas e despesas familiaies das daempresa- Mas ainda nio se pode Ialar na existancia de uma verdadeira orga-niaqao. 56 mais taid€/ com o aparecimento da sociedade an6nima, quandoas grandes empresag passam a perder paulatinamente seu cariiter nitida-mente patrimonial, 6 que o sistema de pioduqSo comega a ser dominado porburocracias. Isso, por€m, s6 ocorre bem depois da Revolugio Induseial.

O mesmo se diga em rehgao aos Estados europeus, que surgem tamb6nnos fins da Idade M€dia, mas esteo ainda profundamente ligados ao sistemafeudal, de cariiter estritamente tladicional. O feudalismo sd vem a so{rcr apimeira sd a derrota com a emerg€ncia das monarquias absolutistas e s6 6

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Catliulo t -AOrqanrzagao Burocriiiica < 31

eliminado dos paises europeus com a industrializaqao, o predominio socialda classe burguesa e o estabelecimento do sistema capitalista. Surge, entao,o Estado liberal" que passa a se burocratizar e se racionalizar de forma cles-cente. Esse prccesso teve prosseguimento com as evolue5es socialistas dosdculo passado, que tenderam a levar o sistema poiitico a uma etapa aindamaior de burocratizalao.

As buroclacias sao, po anto, um {en6meno antigo, mas sd modema-mente se tonam um fato! social dominante. A razao imediata dessa mu-danga d clara: a unidade bilsica do sistema de produlao era a farDilia; hojepassou a ser a empresa burocritica. O mundo moderno 6 um mundo deoiganiza!6es. Nao 6 s6 no setor da produqeo e do sistema politico que asorganizae6es - respectiYamente as grandes emplesas e o Estado - domi-nam. O mesmo acontece no setor da cultura, com as escolas, fundaq6es,museus; no setor religioso, com as diversas Igrejasi no setor a*istlco, com asorgalizag5es teatlais, cinematogriificas, as orquestras sin{6nicas; no setorespo*ivo e social, com os clubes; no setor dos grupos de intelesse, com ossindicatos, associaq6es de classe; no setor militat com as forgas armadasregulares constituidas de soldados profissionais. Todos esses setores saodominados por organizag6es. Algumas delas jA existiam em tempos passa-dos, mas s6 recentemente multiplicaram-se e adquiriram form a burocriitica.

Os ex6rcitos sao um exemplo tipico do que afirmamos. Na Antigui-dade, na Idade Mddia e mesmo no comelo da ldade Moderna, os exdlcitosregllares constifuiam excegeo. Os grupos armados privados, em clue os sol-dados possuiam as armas/ constifuiam a regra. 56 a patir do s6culo X\III 6que os Estados eulopeus passam a organizar ex6rcitos permanentet quepouco a pouco se profissionalizam e burocratizam. O primeiro ex6rcito, jdcom fortes caracteristicas burocriiticas, foi o de Frederico II, da Prissia, nosdculo XVIU. No Brasil, o Ex6rcito regular s6 se organizou em termos defini-tivos, substifuindo a Guarda Nacional, dominada por potentados locais, apartir da Guerra do Palaguai.

As emprcsas brasileiras s6 nos dltimos anos da d6cada de 70comelararn a passa! por um processo de bulocratizaeeo. o mesmo se diga doEstado brasileiro, que perde pouco a pouco suas calacteristicas semifeudais,que vai deixando de se caractedzar Pelo nepotismo e pelo empreguismo,para se transfolma! em uma grande organizagao burocrdhca, habilitada apromover o desenvolvimento econ6mico e social.

Vemos, portanto, que as buro€racias s6 modernamente ganharamespecial rclevancia, transformando-se em um dos fen6menos sociais domi-nantes do fiundo atual.

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32 > lntrcdteAa e 1ryanizaQAa Euac tiea

I As causas da emergAncia das burolacias e a ertciAncia

Quais as causas da relevancia que as organiza!6es ou burocracias ganlaramentre os sistemas sociais do mrndo model11o? Sao virias, mas todas estaointirnamente relacionadas com o problema da eficiancia. No comeqo destecapitulo, ao definilmos as organizae6es, dissemos que existe um estreitoparalelismo entre eficiancia e racionalidade. EficjCncia 6 uma folma especi-{ica de racionalidade, na qual a coeroncia dos meios em relagao com os finsvisados se traduz no emprego de um minimo de esforgos (meios) para aobtenqao de um miiximo de resultados (fins). Dessa forma, tanto poderia-nlos dizer que burocracia i um sistema social em qre a divisao do trabalho6 racionalmente realizada, como afirmar que d o sistema social que seadministra segundo critdrios de eficioncia. O fato de ser eficiente 6, portanto,condiqeo para que um sistema social seja considerado rLma burocracia. E 6e\rtamente essa m. or eficiinci.r das burocratias a prlmerra e mai( impor-tante causa de sua multiplicaeeo atualmente.

Uma segunda causa estd na crescente plessao por maior eficiAncia quese obsen,a no mundo modelno. E, finalmente, as dificuldades para se lograressa maior eficiAncia administrativa, devido ao desen\'olvimento tecnoi6gicoe ao crescimento dos sistemas sociais, constihlem a terceira causa dO rele\'oque adquidram as burocracias na 6poca de hoje.

Vejamos cada uma dessas tt€s causas mais pormenorizadamerlte.Enl relaeeo .l primeira causa por n6s apresentada, diz Max Weber: "A

razao decisiva que explica o desenvolvimento da organizaq:o burocrziticafoi sempre sua superioridade tecnica sobre qualquer outra organizagAo. Ummecanismo burocr;tico perfeitamente deserrvolvido atua em relaqeo esdemais organizaC6es da mesma forma que a miiquina em rclagao aos mdtodosnio mecAnicos de fabricaqao. AprecisSo, a rapidez, a urrir'ocidade, o cardteroficiaL a continuidade, a disc eao, a unifomidade, a rigorosa subordi-naeao, a reduedo de fricA6es e de custos materiais e pessoais sao infinita-mente maiores em ma administraqao sevenmente burocritica".36 lal a6r-maqao precisa ser entendida no coDjunto da obra de Weber e no marcohist6tico de sua produeao. O soci6logo insere a butoclacia na hist6ria docapitalismo, na sua necessidade crescente de c:llculo e prcvisao.

ro Max Webei E.onorrri? y todtda.l, o/. .1r., vol. I, p. 103. Ob*rve que W'eber n;irdrio do qle fazemor a expressno "oiganizateo" .omo sin6njma d€ burocracia, nlas co,nog€nero do qual burocracia seria a €spdcie. Trata-se de simples qresEo de teiminologr4 quevaria de um cientisia social para outro, de 6po.a pda 6poca, de pais para pais. Devemos teressas varialoes claras enl nossa nente pda €vitar mal-eniendidos.

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Gapfllh 1- A oruanizaqao Burocratjca < 33

O sistema burocr;tico lormal, impessoal, dirigido por administa-dores, 6 normalmente relacionado com: (a) precisao, na medida em quecada membro da organizagao sabe perleitamente quais sao as suas funsoes,o que lhe cabe e o que nao lhe cabe fazet quais s:o os objetivos de sua ativi-dade em particular e da organizaqao como um todo; (b) rapidez, fla medidaem que a tramitaqao das ordens segue canais j;i previamente conhecidos edefinidos; (c) univocidade, r,a medida em que, via de regra, obserya-se aunidade de comando e cada subordinado presta contas a apenas um chefe,de forma que nAo lii conflitos de ordensj (d) cariiter oficial, na medida emque aqueles que seo revestidos de autoridade o sio formal e oficialmente,na medida em que as comunicae6es internas sao geralmente escdtas e assi-nadas, ganhando cunho oficial; (e) continuidade, na medida em que, dadasua impessoalidade, a organizasao nao depende de pessoas para funcionar;se, por qualquer motivo (mofte, aposentadoria, demisseo), algu€m se afastade cargo da mais alta importancia para a organizalao, tal pessoa ser; imedia-tamente substifuida e a bulocracia continuarii a funcionar normalmentet (f)disciqeo, na medida em que o segredo prolissional faz parte da 6tica doadministrador; na medida em que as informa!6es de ordem colJidencialcontidas em documentos podem perfeitamente ter sua tramitagao restringidaa apenas aqueles que delas devam tomar conhecimento; (g) uniformidade,na medida em que se pode esperar dos funcioniidos um compoltamentoreldtivamente unitorrne, dada a preci$o com que seu5 enL.lrgos s;odefinidos; (h) reduqio de h'icq5es, na medida em que as ircas de autoridade ercsponsabilidade sao definidas com clareza; (i) redugao de custos materiaise pessoais - esta 6 rcalmente a coiseqiiancia geral de todas as vantagensacima enumeradas; d a forma pela qual se consubstancia a maior efici€nciada organizaeeo.

Vemos que todas essas vantagens resultam, de uma forma ou de outra,do formalismo, do car;ter impessoal e do car.ite! profissional, que saopr6pios das organizag6es. Esses tragos podem ser resumidos em um sci: aplevisibilidade do comportamento dos membros da organizasAo. A pre-cisao, rapidez uniformidade, oficialidade etc. das buroclacias resultam, emLiltirna anilise, na possibilidade, para os administradores burocriiticos, depredizet de calcular com relativo grau de cefieza qual serii o comporta-nento de seus subordinados, de que {orma eles reagirao ;s comunicag6esrecebidas, como agirao rotineiramente e que tipos de decisao poderao tomarem face de determinadas situac6es. E neo 6 preciso salientar aqui a impor-iancia da previsao para a efici€ncia da administlaeao. Sem previsao, nao saopossiveis nem o planejamento nem o conhole de lrma organizaeao. E atrav€s

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34 > lntroduqAo A Ar@niaqeo Burochttca

da pre\ i.;o que -e estabelecem r. melas a -erem ahngidr. -eir pe'aorga-nila(;o como um todo. re]d po. cada LUr de \pu\ fL nc,ona flo-. F airr\ ec dJprevisao que se controla por antecipaqeo, evitando-se que a diferenea enhe oplanejado e o realizado aumente. Todos os conlecimentos cientificos se tradu-zem em leis e hip6teses que, em fltima andlise, neo passam de previs6essobre o mundo que nos cerca, previs6es essas que nos permitem controli-lo.O sistema burocriitico € exatamente aquele que, dado especialmente a seucariter formal, permite a maior previsibilidade do comportamento daque-les que dele participam.

A previsibilidade d, pois, o piincipal traeo das orgarizae6es, 6 a carac-teristica que assegura a "eficiencia" desse tipo de sistema social. Isso nao querdize4 porem, que, na realidadq as prcvisdes a rcspeito do comportamento dosfuncionifuios, deteminadas pela organizaeeo formal, se e{etivem. Mrdtas vezesessas previs6es {alham completamente e a orgarizagao tende a tornar-se ine-ficiente, tende a desorgarizar-se. Ocorrcm entao as "disfunq6es", os efeitosnao previstos nem desejados da burocracia, que decorem geralrnente doexcesso de buloqatizaqao, do {ormaiismo exagerado, da impessoalidade, quetermina por deixar de ver em cada ftncionifuio, em cada operiirio, uma pessoa,um ser humano rinico. Discutiremos esse problema no capitulo seguinte.

O segundo {ator respolrsiivel pela importancia adquidda pelas buro-cracias nos tempos que correm deriva da prossao por maior e{ici6ncia quecatactedza o murdo moderno. Essa Pressao leva os homens a Procurarm6todos de administrar os sistemas sociais cada vez mais apedeigoados,leva os a c arum nfmero cada vez maior deburocracias o tipo de sistemasocial mais racional e eficiente que atd hoje se conhece.

Caberi4 por6rn, perguntar: essa presseo por maior e{iciencia nao exis-tiu sempre no mundo? A resposta 6 negativa. Essa preocupaeao por maiorefici6ncia faz parte do racionalismo do homem modemo. E um fen6menoque surgiu praticamente com a emergancia do capitalismo. Este era emi-nentemente racionalista. Representava uma ruptura violenta com o sistematradicionalista e irracional do feudalismo. Sua base econ6mica era a concor-rancia entre as empresas; era, portanto, um sistema em que apenas os efi-cientes, os capazes de produzir a custos comparativamente baixos, eramcapazes de sobreviver.

Por outro lado, a forma de produ-cao do capitaiismo industrial a produ-ceo mecanizada - permiti4 dad a a padronizaqeo dos produtos, que se medissecom rclativa facilidade a efici€ncia de cada empresa. 6 dificil se nao impossivelmedir a eficiencia do habaiho de um arteseo, na medida em que os produtosque fabdca constituem obras fnicas que nao podem ser comparadas com asdemais. Se duas obras, de dois afteseos, nao sao diretamente compar:iveis,

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Caoilulo 1-A 0$anzacao Brccrrica < 35

nao 6 possivel comparar a e{iciencia no trabalho de arnbos. Com a produgdoindustdal, pordm, esse problema desaparece. No momento em que o siste-ma da conconencia enfe as emprcsas exigia uma comparaqao de e{ici€nci4essa comparaqao se tomou possivel gracas ao sistema indushial. E foi nomomento em que o homem percebeu que a efici6ncia do trabalho ndo s6 eraeconomicamente impotante como tamb6m podia ser medida, que a preo-cupaceo, a pressSo por maior eficioncia teve verdadeiramente inicio.

QUADRO 1.2 O sistema burcctdtica

Neo desejadas:37disfunA6es da

br.rrocracia i

i

Yi --..-. -l: lnefici6ncia

' As conseqii€ncias nao desejadas da bumcracia serao um dos temas discuridos no p1-6xjho

OrcanizaQeo ou

Desejadas:

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36 > htrcdDgaa t atqannl ao Euot:td tt. a

Esse fato ocorreu na Europa e nos Estados Unidos em fins do s€culoXVIII e pdncipalmente no sdculo XIX. No Brasil s6 ocorreu no s6culo pas-sado. Mas, entao, a presseo {oi redobrada, com o surgimento de uma novaprcocupa€ao corelata a do desenvolvimento econ6mico - que, a parhr do fimda Segunda Guera Mundial tansformou-se em um dos objetivos miiximosde quase todos os povos do mundo. Or4 sabemos que o desenvolvimentoecon6rnico de um pais 6 funqeo direta da efici6ncia com que produz. Cresceu,pois, a prcssao por maior efici6nci4 tanto nos paises capitalistas quanto nossocialistas, e com o aumento dessa pressao cresceu o ftimero de organizae6es,

O aumento das dificuldades em se lograr maior e{ici€ncia € a terceirarazao que apresentamos para o crescimento do nrimero de burocracias nomundo moderno, Vemos duas raz6es para esse Iato, ambas refletindo oaumento da complexidade da tarefa de administrar

Em pdmeiro lugar, ternos o desenvolvrmento tecnoldgico. Enquanto ast6cnicas de produeeo eram relativamente simples, os m6todos de adminis-iraqao tambdm o eram. Mas, no momento em que a produqSo se complica,que a relaeao "capital fixo-mio-de-obra" aumenta em favor do pdme;o, astarefas administrativas tornam-se extrcmamente mais complexas, faz-senecessdrio um maiot nLimero de administradores, e acaba-se por introduzirum sistema burocriitico, a fim de planejar e controlar a produqao. Harbisone Myers citam o caso de duas usinas de aqo, uma nos Estados Unidos, outuana Alemarira, Arnbas possuiam aprcximadamente o mesmo nrimero deempregados, mas o equipamento da primeira era muito mais modemo doque o da segunda. Al€m disso, o quadro administrativo da primeira eramuitissimo maior do que o da segunda. Por exemplo, o grupo de assessorestdcnicos da usina norte-ame cana era constituido de 420 funcioniidos, con-tra 43 na empresa a1eme. A collelagio enhe o equipamento mais moderno eo maior nrimero de administradores neo 6 considerada acidental pelos doisautores. Maior complexidade tecnoldgica implica aumento das atividadesadministrativas e, conseqiientemente, maior grau de burocratizaeeo. Oresultado seri, nahralmente, maior eficiencia. No caso das duas usinas deago, a produgio da norte-ame cana era duas vezes maior que a da a1em6.33

Em segundo lugar, temos, como causa do aumento das dificuldadespara se logIar efici€ncia admimstrahva, o crescimento dos sistemas sociais emgeral e, particularmente, das ernpresas. Devido ao desenvolvimento tecnol6-gico ante ormente citado, o mundo moderno caracteriza-se pela produq6o

33 FEdedck Ha$ison e Chdl€s A. Myeo 0t. cit, P. 24 e 5.

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em massa de produtos padronizados e relativamente baratos. Or4 tal tipo deproduqao s6 6 possivel em grandes empresas, que em pouco tempo passama dominar o panorama ecoi6mico dos paises industdalizados. Mas apenasa produlao em massa nao justificada a existencia de organizaq6es taograndes como as que vemos. Um seSundo {ator Passa a oPerar: a necessi-dade sentida pelos grandes admirustradores de aumentar seu poder, decontrolar melhor o mundo que os rodei4 de depender menos dos azares daconcorr6ncia. Surgem, entao, os grandes sistemas oligoPolistas, collstituidosde empresas desmesuladamente grandes, Ora, com o crescimento dasemprcsas, torna-se impossivel administrii-las eficientemente, a nao seratavds da introduqeo de urn sistema burocrihco. (l vendeiro, ou mesmo opequeno industdal, pode controlar inlormalmente seus subordinados, masem uma empresa com milhares ou mesrno centenas de empregados, a rinicaforma de controlar a atividade de cada um deles 6 enquadril-los dentro deu-n.r orgdri/a(io blrrocratica. L 'd\rl ob-e1ar que. cuanto _iaior a empre-.a. mdi- el.r te rde r bu rocrdtiz.lr-.e. A med ida que o conlrole por .u perr rsiodireta do propietdrio sobre a maioria dos subordinados vai-se tornarrdojnvi;vel, conforme as relag6es pessoais entue os individuos vao sendo sobie-pujadas pelas relaq6es funcionais, i medida que a sobrevi\'€ncia da orga-nizaqao comeqa a depender da contratagao de administradores e t6cnicosprofissionais competentes, dada a crescente comPlexidade das tare{asadministrativas e tecnol6glcas, mais tende ela a se burocratrzar.

Finalmente, devemos aarescentar uma dltima causa para a cescenteimport6ncia da burocracia no mLrndo modemo: a necessidade que logo sen-tiu a classe capjtalista, na medida em que crcsciam as emPresas, de garanfu adisciplina dos tmbalhadores. Em muitas ocasi6es, do ponto de l'rsta estrita-mente t6cnico, poderia ser duvidoso se seda mais conveniente estabelecerumsistema hierarquicamente figldo ou um sistema mais demoff;tico, em que ostrabalhadores pudessem participar das decis6es e, se possivel se autogerir aonivel da produgdo. Enhetanto, mesmo nesses casos a opqao burocrdtica erasempre a adotad4 uma vez que garantia a disciplina dos h-abalhadotes.Nesse quadro, a organizaEao buiocriitica 6 neo apenas um instrumento t6c-nico, ao nivel do desenvolvimento das forqas produtivas, mas tambdm uminstlumento politico de luta de classes a servigo das classes dominantes.3e

Capiluh 1 A 0rqan za9a0 Burocrdtlca <

r! Para uma mdlise desse ponnr de vista, vd especialnente as contnbuigoes de Stephen A.varglin, "What do bosses ,1a" . rhe rcL"tr af ndical Folitic1l ecanofti1, !. 6, n! 2, lerno de 1974e v Z rc 2, primavera de 1975, e de Herbert Gintit "Alienaiion md power" rtu rexiew aJntlicdl toliticrl eananics, \. 4 n! 5, outono de i972

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