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UNIVERSIDADE PARANAENSE – UNIPAR ALBINO GABRIEL TURBAY JUNIOR A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA: INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ARTIGO 59 E LEGAIS DOS ARTIGOS 61, 62, 65, 66 DO CÓDIGO PENAL EM ATENDIMENTO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL UMUARAMA 2008

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UNIVERSIDADE PARANAENSE – UNIPAR

ALBINO GABRIEL TURBAY JUNIOR

A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA: INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS

CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ARTIGO 59 E LEGAIS DOS ARTIGOS 61, 62,

65, 66 DO CÓDIGO PENAL EM ATENDIMENTO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

UMUARAMA

2008

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ALBINO GABRIEL TURBAY JUNIOR

A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA: INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS

CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ARTIGO 59 E LEGAIS DOS ARTIGOS 61, 62,

65, 66 DO CÓDIGO PENAL EM ATENDIMENTO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Dissertação apresentada à Universidade

Paranaense - UNIPAR como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Direito

Processual e Cidadania, sob a orientação do

Professor Doutor Fábio Caldas de Araújo.

Umuarama

2008

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TERMO DE APROVAÇÃO

ALBINO GABRIEL TURBAY JUNIOR

A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA: INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS

CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ARTIGO 59 E LEGAIS DOS ARTIGOS 61, 62,

65, 66 DO CÓDIGO PENAL EM ATENDIMENTO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em

Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense – UNIPAR, conforme

a seguinte banca examinadora:

Prof. Dr. Fábio Caldas de Araújo Presidente da Banca e Orientador

(Membro do corpo docente da Unipar)

Prof. Dr. Gilson Bonato (Membro Convidado)

Prof. Dr. José Laurindo de Souza Netto (Membro do corpo docente da Unipar)

Umuarama, 27 de fevereiro de 2009.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, Albino e

Silvani, aos meus irmãos, Andréa, Patrícia,

Leopoldo e Analice, e às minhas sobrinhas,

Stephanie, Stella e Nicoli.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço sinceramente: Ao Doutor Fábio Caldas de Araújo, que se colocou à disposição para me orientar e me transmitiu importantes ensinamentos. Ao Doutor João Gualberto Garcez Ramos, que foi meu orientador na fase inicial do Curso de Mestrado e me apresentou uma nova visão do direito processual. Ao meu amigo, Gleiton Gonçalves de Souza, que sempre esteve próximo e dando apoio. À Vanessa Grisólia do Carmo, que me apoiou nos momentos decisivos.

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RESUMO Trata esta dissertação sobre a aplicabilidade do princípio do devido processo legal no direito processual penal, de forma mais específica a investigação das regras penais e processuais penais e os cuidados que o operador do direito, principalmente o julgador, deve ter no contexto de uma sentença penal condenatória na realização da individualização da pena com a análise das chamadas circunstâncias judiciais e legais presentes no Código Penal. Para esta pesquisa, primeiro foi necessário analisar os métodos de interpretação e a hermenêutica do direito em razão de que a sentença penal representa ambiente de aplicação do direito. Após, o estudo concentrou-se no sistema processual penal e sua conformação com a Constituição Federal, pois, somente com esta conformação é possível entender a natureza jurídica do processo e o sistema adequado para um Estado Democrático de Direito. Surge, então, o devido processo legal, não somente em seu conceito processual, mas também, e mais importante, em seu conceito substantivo. O próximo passo foi analisar o significado de individualização da pena, sua repercussão, como se operacionaliza por meio de etapas; não teve este trabalho a finalidade de esgotar todas as etapas da dosimetria da pena, mas de alertar para o cuidado na prova, interpretação e aplicação das circunstâncias judiciais e legais já que uma análise inadequada, descuidada, desinteressada do operador do direito envolvido no caso penal resulta em uma modificação da quantidade ou qualidade da pena, que deveria estar individualizada na medida do caso concreto e do apenado, para isto foi verificada cada circunstância presente no art. 59, 61, 62, 65 e 66 do Código Penal. Palavras-chave: Estado Democrático de Direito – garantias fundamentais - regras do processo penal - Individualização da pena

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ABSTRACT This dissertation is about the applicability of the due process of law principle in the criminal procedural law, more specifically the research of the criminal procedures rules and the cares that the operator of law, especially the judge, should have in the context of a criminal condemnatory sentence and in the consummation of the individualization of the penalty with the analysis of so-called judicial and legal circumstances in the Criminal Code. For this research it was first necessary to analyze the methods of interpretation and hermeneutics of the law in view of the criminal sentence represents the environment of implementation of law. After, the study focused on the criminal procedure system and its compliance with the Federal Constitution, therefore, only with this configuration it is possible to understand the legal nature of the process and the appropriate system for a Democratic State of Law. It arises, then, the due process of law, not only in the procedural concept, but also and more importantly, in its substantive concept. The next step was to analyze the meaning of individualization of penalty, its repercussions, how it is accomplished through stages; this work did not have the purpose of exhausting all stages of the dosimetry of the penalty, but to alert to the careful in the evidence, interpretation and implementation of judicial and legal circumstances since an inadequate, careless, disinterested analysis of the operator of law involved in the criminal case results in a change of the quantity and quality of the sentence, which should be individualized to the extension of the concrete case and the punished one, for this it was verified every fact present in the article 59, 61, 62, 65 and 66 of the Penal Code. Keywords: Democratic State of Law – fundamental guarantees - rules of the penal procedure – Individualization of penalty

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................................................................... 12

1 DIREITO PROCESSUAL PENAL ......................................................................................................................... 14

1.1 Processo Penal e a ordem constitucional........................................................................................................... 16

1.1.1 Processo Penal democratizado....................................................................................................................... 21

1.2 Natureza jurídica do processo............................................................................................................................23

1.3 Sistemas no processo penal............................................................................................................................... 27

1.3.1 Sistema acusatório.......................................................................................................................................... 28

1.3.2 Sistema inquisitório.......................................................................................................................................... 30

1.3.3 Sistema misto..................................................................................................................................................34

1.3.4 O sistema brasileiro.........................................................................................................................................36

1.3.5 O código de processo penal e alguns exemplos de sua característica inquisitória......................................... 43

2 O DEVIDO PROCESSO LEGAL........................................................................................................................... 44

2.1 Parte histórica..................................................................................................................................................... 44

2.2 O devido processo legal e sua origem na Inglaterra.......................................................................................... 44

2.3 O devido processo legal nos Estados Unidos da América do Norte.................................................................. 47

2.3.1 A constituição dos Estados Unidos e o “bill of rights” ..................................................................................... 47

2.3.2 A incorporação do bill of rigths aos Estados .................................................................................................. 49

2.3.3 Décima quarta emenda “a cláusula do devido processo legal”....................................................................... 50

2.4 O devido processo legal no direito brasileiro...................................................................................................... 53

2.5 Conceito de devido processo legal..................................................................................................................... 54

2.6 O devido processo penal e sua instrumentalidade............................................................................................. 57

3 A SENTENÇA PENAL COMO INSTRUMENTO PROCESSUAL PARA A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA........ 60

3.1 Hermenêutica, interpretação e aplicação do direito........................................................................................... 63

3.1.1 Espécies de interpretação............................................................................................................................... 66

3.1.1.1 Em relação ao sujeito................................................................................................................................... 66

3.1.1.2 Em relação aos processos ou métodos........................................................................................................ 68

3.1.1.3 Interpretação em relação ao resultado......................................................................................................... 70

3.1.2 A filosofia da interpretação jurídica.................................................................................................................. 70

3.1.2.1 Dogmática da interpretação jurídica............................................................................................................. 71

3.1.2.1.1 Dogmática legalista.................................................................................................................................... 71

3.1.2.1.2 Dogmática conceptualista.......................................................................................................................... 72

3.1.2.1.3 Dogmática analítica................................................................................................................................... 73

3.1.2.2 A interpretação zetética ............................................................................................................................... 75

3.1.2.2.1 A interpretação zetética teleológica........................................................................................................... 76

3.1.2.2.2 A interpretação zetética sociológica.......................................................................................................... 77

3.1.2.2.3 A interpretação zetética realista................................................................................................................ 82

3.1.2.2.4 Psicologismo jurídico................................................................................................................................. 83

3.1.2.2.5 Realismo jurídico escandinavo..................................................................................................................84

3.1.2.2.6 A teoria de Hart.......................................................................................................................................... 85

3.1.2.2.7 A zetética em Tércio Sampaio Ferraz Junior............................................................................................. 86

3.1.2.2.8 A teoria tridimensional de Miguel Reale.................................................................................................... 87

3.1.2.2.9 A interpretação do processo...................................................................................................................... 87

3.1.2.3 A interpretação pela teoria crítica do direito.................................................................................................88

3.1.3 Considerações sobre a interpretação do direito .............................................................................................92

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13 4 A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA.........................................................................................................................93

4.1 Princípio.............................................................................................................................................................. 93

4.2 Sistemas............................................................................................................................................................. 97

4.3 Individualização judicial da pena e a discricionariedade vinculada ................................................................... 99

4.4 Individualização da pena – dosimetria da pena ................................................................................................. 100

4.4.1 Sistema trifásico .............................................................................................................................................. 100

5 AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS, AS AGRAVANTES E AS ATENUANTES.................................................... 105

5.1 Teoria das circunstâncias................................................................................................................................... 105

5.1.1 Conceito, classificação e localização das circunstâncias acidentais............................................................... 107

5.1.2 O concurso de pessoas, as circunstâncias, a comunicabilidade e a individualização ...................................111

5.1.3 Garantia do non bis in idem – proibição da dupla valoração das circunstâncias ........................................... 113

5.1.4 As circunstâncias e a repercussão nos limites abstratos da pena ................................................................. 114

5.1.5 Tipo, bem jurídico e importância da correta adequação típica ....................................................................... 118

5.1.6 Aspectos importantes sobre adequação típica ou tipicidade ......................................................................... 122

5.1.6.1 Correlação entre sentença e pedido – Emendatio Libelli e Mutatio Libelli .................................................. 122

5.1.6.2 Adequação típica direta e indireta ...............................................................................................................130

5.1.6.3 Conflito aparente de normas ....................................................................................................................... 131

5.2 As circunstâncias judiciais e legais na fase da individualização da pena ......................................................... 133

5.2.1 Artigo 59 do código penal – circunstâncias judiciais ...................................................................................... 133

5.2.1.1 Culpabilidade ............................................................................................................................................... 133

5.2.1.1.1 Aspectos gerais ........................................................................................................................................ 133

5.2.1.1.2 A culpabilidade e a teoria normativa pura ................................................................................................ 135

5.2.1.1.3 Culpabilidade como circunstância judicial ................................................................................................ 136

5.2.1.2 Antecedentes ............................................................................................................................................... 138

5.2.1.3 Conduta social .............................................................................................................................................143

5.2.1.4 Personalidade do agente ............................................................................................................................. 145

5.2.1.5 Circunstâncias do crime .............................................................................................................................. 147

5.2.1.6 Conseqüências do crime ............................................................................................................................. 148

5.2.1.7 Comportamento da vítima ........................................................................................................................... 149

5.2.2 Artigo 61 do código penal - circunstâncias agravantes .................................................................................. 151

5.2.2.1 Inciso I – a reincidência ............................................................................................................................... 151

5.2.2.1.1 Das limitações legais para a configuração da reincidência ...................................................................... 155

5.2.2.1.2 A discussão sobre os fundamentos da reincidência e o argumento de sua

inconstitucionalidade ................................................................................................................................................ 158

5.2.2.2 Inciso II, “a” - motivo fútil .............................................................................................................................. 161

5.2.2.3 Motivo torpe ................................................................................................................................................. 162

5.2.2.4 Inciso II, “b” - Facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade

ou vantagem de outro crime .................................................................................................................................... 163

5.2.2.5 Inciso II, “c” - Traição de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso

que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido ...................................................................................... 164

5.2.2.6 Inciso II, “d” - Emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio

insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum...................................................................................... 165

5.2.2.7 Inciso II, “e” - Contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge ............................................................166

5.2.2.8 Inciso II, “f” - Abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de

coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica .............................. 168

5.2.2.9 Inciso II, “g” - Abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício,

ministério ou profissão ............................................................................................................................................ 170

5.2.2.10 Inciso II, “h” - Contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida ......................... 172

5.2.2.11 Inciso II, “i” - Quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade ..................................... 174

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14 5.2.2.12 Inciso II, “j” - Em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública,

ou de desgraça particular do ofendido ................................................................................................................... 174

5.2.2.13 Inciso II, “l” - Em estado de embriaguez preordenada .............................................................................. 175

5.2.3 Artigo 62 do código penal - agravantes no caso de concurso de pessoas ..................................................... 177

5.2.3.1 Inciso I - Promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade

dos demais agentes ................................................................................................................................................. 178

5.2.3.2 Inciso II - Coage ou induz outrem à execução material do crime ................................................................ 180

5.2.3.3 Inciso III - Instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-

punível em virtude de condição ou qualidade pessoal ............................................................................................ 181

5.2.3.4 Inciso IV - Executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa .................... 183

5.2.4 Artigo 65 do código penal - circunstâncias atenuantes .................................................................................. 183

5.2.4.1 Inciso I – Ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta)

anos, na data da sentença ...................................................................................................................................... 184

5.2.4.2 Inciso II – O desconhecimento da lei ........................................................................................................... 188

5.2.4.3 Inciso III – Ter o agente ............................................................................................................................... 191

5.2.4.3.1 Alínea “a” - Cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral .......................................... 191

5.2.4.3.2 Alínea “b” - Procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime,

evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano...................................193

5.2.4.3.3 Alínea “c” - Cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem

de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima ................... 196

5.2.4.3.4 Alínea “d” - Confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime ............................ 199

5.2.4.3.5 Alínea “e” - Cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou ................... 201

5.2.5 Artigo 66 – atenuante inominada .................................................................................................................... 202

6 CONCLUSÃO ....................................................................................................................................................... 204

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................................ 208

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15

INTRODUÇÃO

A sentença penal condenatória é o momento processual em que o julgador

impõe ao condenado uma pena, sua espécie e quantidade, conforme a infração

penal (crime ou contravenção) praticada.

Para cada infração penal (considerando o tipo) prevista no Código Penal e

na legislação penal esparsa o legislador atribui um limite mínimo e máximo da pena,

bem como sua espécie. O julgador tomando por base estes limites, mínimo e

máximo, deve fixar a pena em concreto.

A questão é: como fixar a pena em um caso concreto? O que o juiz deve

levar em consideração para fixar uma pena dentro dos limites, e ainda, será que tais

limites podem ser excedidos?

Refletindo sobre estes questionamentos, percebe-se que as respostas estão

na análise da chamada individualização da pena, e que, para esta individualização,

devem ser consideradas várias circunstâncias previstas pelo Código Penal.

Surge, então, outro ponto, quais são os fundamentos que determinam estas

circunstâncias para a individualização da pena? Será a individualização um poder

punitivo atribuído ao juiz que deve usar o processo para reprimir, ou, o fundamento

da individualização seria um direito do acusado à pena adequada? Como devem ser

interpretadas as circunstâncias que determinam a individualização da pena? E

ainda, quais são as regras processuais para aplicação das circunstâncias?

É essencial para a construção destas respostas e a compreensão do

sistema de individualização da pena com a aplicação das circunstâncias, uma

análise do sistema processual conforme a Constituição Federal e seu espírito

democrático.

A Constituição Federal é base e fundamento para o moderno processo

penal, um processo penal inserido no contexto de um Estado Democrático de Direito

que tem como pressupostos a legalidade, a segurança jurídica, e, principalmente a

garantia dos direitos fundamentais.

Neste contexto, deve ser analisada a natureza jurídica do processo penal e

suas teorias, bem como, o sistema processual penal brasileiro com a discussão

sobre a existência de um sistema misto, com fins de caracterização do processo

penal brasileiro.

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Sobre a natureza jurídica é preciso avaliar sobre a teoria da relação jurídica,

mas também, voltar a atenção para a teoria da situação jurídica, buscando as

conseqüências desta alteração de pensamento para o processo penal.

Com relação ao sistema processual penal, se é inquisitório, acusatório ou

misto, também é outro fator importante que o operador do direito precisa reavaliar

urgentemente, bem como, deve haver uma análise crítica sobre a atividade do Poder

Legislativo e a elaboração das leis processuais penais, será que estão ajustadas à

Constituição Federal?

Após analisar o processo penal na Constituição Federal, sua natureza e o

sistema utilizado, ganha relevância o chamado devido processo legal, seu conceito,

seu surgimento histórico e sua tarefa como garantia constitucional.

Desta forma, a análise das circunstâncias judiciais e legais, especialmente

dos arts. 59, 61, 62, 65 e 66, então, deve ser realizada por meio do devido processo

legal.

A única possibilidade de garantia de que a pena será adequada ao crime e

com as condições do acusado é que o operador do direito se certifique de como

cada circunstância deve ser interpretada e aplicada, por isso, este trabalho terá a

preocupação de analisar a sentença criminal e a atividade da interpretação, a

hermenêutica e a aplicação das normas.

A referência ao operador do direito e não somente ao juiz, que é o julgador

da causa e aplicador da pena, é no sentido de que as partes, principalmente a

defesa, podem contribuir com a verificação das circunstâncias em suas

manifestações, sem este cuidado, o acusado, poderá ficar submetido à aplicação da

pena sem o devido critério, prejudicando seu direito como parte processual, e, por

conseqüência seus direitos fundamentais.

Com os objetivos demonstrados, este trabalho se inicia por uma reflexão

sobre direito processual penal e processo, envolvendo seus conceitos frente à

Constituição Federal, a natureza jurídica e os sistemas processuais penais.

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1 DIREITO PROCESSUAL PENAL

Para o início do estudo do direito processual penal é importante

compreender o significado do termo processo. No “Michaelis 2000 - Moderno

Dicionário da Língua Portuguesa” o termo processo tem os seguintes significados:

PROCESSO s.m. (lat. processu) 1 Ato de proceder ou de andar. 2 Sociol Sucessão sistemática de mudanças numa direção definida. 3 Concatenação ou sucessão de fenômenos. 4 Seguimento, decurso: O processo dos tempos. 5 Série de ações sistemáticas visando a certo resultado: O processo de fazer vinho. Ação ou operação contínua ou série de ações ou alterações que ocorrem de uma maneira determinada: Em adiantado processo de decomposição. 7 Ação de ser feito progressivamente. 8 Filos Série de fenômenos que apresentam certa unidade. 9 Med Marcha ou progresso das lesões e sintomas. 10 Dir Ação, demanda. 11 Dir Forma ou maneira de tratar no foro uma demanda ou questão. [...] (2000, p. 1701)

Assim, nota-se o sentido de processo como desenvolvimento, andamento,

seqüencia de fatos conexos entre si, sucessão de operações com um objetivo.

Processo tem a idéia de desdobramento de situações que se realiza ao

longo do tempo, “situação na qual há uma idéia de continuidade, uma sucessão de

mudanças contínuas e definidas”. (CRUZ, 2008, p. 185)

No direito, processo, além de representar sucessão de operações,

seqüência de atos conexos, ganha a característica de instrumento, ou seja, um meio

para se operacionalizar um objetivo.

Conforme Hélio Tornaghi: “O processo é um caminhar para a frente (pro

cedere); é uma seqüência ordenada de atos que se encadeiam numa sucessão

lógica e com um fim, que é possibilitar ao juiz o julgamento”. (1977, p. 313)

Complementa, ainda, Hélio Tornaghi que “o processo não é sempre e em

toda parte a mesma coisa. Varia com a organização do Estado, com a maior ou

menor concentração do Poder, com a maneira de distribuir e exercer funções

soberanas... [...]”. (1977 p. 315)

Nos estudos de Jônatas Luiz Moreira de Paula:

O processo é o instrumento pelo qual a jurisdição se pronuncia; sem o processo, a jurisdição ficaria despida de um mecanismo próprio para seu pronunciamento e extração de efeitos decorrentes desta manifestação. Contudo, o estudo do processo pode ser encarado sob dois ângulos, um vinculado ao procedimento, concebido como ângulo interno, e outro vinculado aos fins sociais, concebido como ângulo externo. (2002b, p. 137)

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18

Desta forma, é possível perceber, preliminarmente, uma característica

instrumental do processo (o tema será abordado adiante), vinculado ao exercício da

jurisdição, sendo uma sucessão de atos na busca de solucionar conflitos.

Jurisdição “pode ser definida como a função estatal de aplicar as normas da

ordem jurídica em relação a uma pretensão. Nisso reside a essência e substância do

poder jurisdicional”. (MARQUES, 2000, p. 192)

Neste sentido, surgindo os conflitos em uma sociedade, e aqui inserimos

tanto no âmbito penal quanto no civil, o Estado exerce sua função de solucionar tais

conflitos, de pacificador, sendo que esta atividade estatal é esperada pela sociedade

que deposita no Estado sua crença (ou descrença) para a realização de Justiça.

Esta função do Estado, chamada jurisdição, além de função também é poder

e atividade estatal. Por meio da jurisdição o Estado soluciona os conflitos aplicando

o direito objetivo ao caso concreto, substituindo os titulares do direito e dizendo o

direito que deve prevalecer para a devida solução.

Nesta linha, o processo penal seria um instrumento para que o Estado, em

atividade jurisdicional, solucionasse os problemas envolvendo o Direito Penal,

pacificando estes conflitos.

Diante disto, o conceito de Direito Processual Penal é “o conjunto de

princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem

como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos

da função jurisdicional e respectivos auxiliares”. (MARQUES, 2000, p. 16)

Estes conceitos estabelecem uma visão generalizada de processo e do

direito processual, contudo, para este trabalho, o conceito de processo e de todos os

institutos decorrentes, deve ir além, deve romper a dogmática processual e buscar

novos paradigmas sistematizados dentro de uma complexidade constitucional.

Em sua obra, Edgar Morin, trabalha os princípios do conhecimento

pertinente, em que para “[...] reconhecer e conhecer os problemas do mundo, é

necessária a reforma do pensamento”. Complementa o autor que:

A esse problema universal confronta-se a educação do futuro, pois existe inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre, de um lado, os saberes desunidos, divididos, compartimentados e, de outro, as realidades ou problemas cada vez mais multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e planetários. (2002, p. 35-36)

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Alerta Morin, que, para o conhecimento ser pertinente a educação deve

evidenciar o contexto, o global, o multidimensional e o complexo.

O contexto no sentido de que conhecer informações ou dados isolados é

insuficiente, o conhecimento ganha sentido quando está no contexto. Para o autor o

global “[...] é mais do que o contexto, é o conjunto das diversas partes ligadas a ele

de modo inter-retroativo ou organizacional [...]”, assim, a sociedade é maior do que o

contexto, é o organizador em que estamos inseridos. Importante que na análise

isolada da parte ela perde qualidade ou propriedade que teria se estivesse no todo,

por isso, somente a partir do todo se conhece adequadamente as partes. No

multidimensional se percebe que as partes de uma sociedade, além de não poderem

se isolar do todo, não podem isolar entre si; dimensões como a história, economia,

religião, sociologia etc, devem ter um inter-relacionamento. Complexidade significa

que “há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de

conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre

si”. (MORIN, 2002, p. 37-38)

Com base nestes argumentos de Edgar Morin, a conclusão é que o direito

processual penal, o processo, não pode ser analisado num sentido reducionista,

isolado, ou seja, tentar entender o todo isolando e conhecendo as partes, por isso,

para analisar o processo e o direito processual penal, e, depois analisar a

individualização da pena por meio das circunstâncias, é necessário inseri-los no

sistema constitucional, que por si só representa uma complexidade (social,

econômico, político etc.).

1.1 Processo Penal e a ordem constitucional

A constituição de um Estado orienta todo seu sistema normativo, assim,

toda construção legislativa deve respeitar a estrutura constitucional e seus valores.

Para entender qual a orientação que o processo penal deve seguir, faz-se

necessário uma breve análise do art. 1º da Constituição da República Federativa do

Brasil:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania;

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III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Neste dispositivo estão previstos os princípios fundamentais de nossa

Constituição, mas para este trabalho, será analisado o Estado Democrático de

Direito.

A idéia de Estado de Direito é oposta a de absolutismo ou soberania de um

rei que tem o poder de fazer as leis. No Estado de Direito deve ser assegurada a

certeza e a segurança jurídica, em que o próprio governo fica submetido à lei do

Estado, lei que deve ser elaborada com a participação popular, mesmo que seja por

meio de representantes.

Conforme Geraldo Ataliba três princípios são de grande importância para o

Estado de Direito: “São, com igual importância, os princípios da legalidade, da

isonomia e da intangibilidade das liberdades públicas, expandidos em clima no qual

se asseguram a certeza e a segurança do Direito”. (2001, p. 119)

Luiz Fernando Coelho leciona que Estado de Direito é uma reação contra o

absolutismo e todas as formas de autoritarismo, para o autor: “O Estado de Direito

evoluiu no sentido de Estado Constitucional, noção que conota a substituição da

idéia da legalidade formal pelo conteúdo de uma legalidade substancial referida ao

respeito aos princípios e direitos fundamentais. [...]”. (2008, p. 91)

Na lição de J. J. Gomes Canotilho os pressupostos materiais subjacentes ao

Estado de Direito são: juridicidade; constitucionalidade e direitos fundamentais.

(1993, p. 357)

Nos ensinamentos do autor, juridicidade se apresenta em três concepções:

1) a primeira como natureza material, procedimental e formal que tem haver

com o conteúdo, extensão e modo de realização da atividade Estatal. Em um Estado

de Direito deve a “medida do direito” orientar as estruturas do poder político e a

organização da sociedade, sendo que para Canotilho, “[...] direito compreende-se

como um meio de ordenação racional e vinculativa de uma comunidade organizada

e, para cumprir esta função ordenadora, o direito estabelece medidas ou regras,

prescreve formas e procedimentos e cria instituições. [...]”. Como medida material o

direito realiza justiça, efetivando os valores políticos, econômicos, sociais e culturais,

como forma o direito limita o poder público para que não ocorram comportamentos

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21 arbitrários, com isso, criando “garantias jurídico-formais”, e, para solucionar os

conflitos de interesses públicos e privados cria processos e procedimentos que

atendam a medida do direito;

2) distanciação/diferenciação: apesar do Estado estabelecer o direito

objetivo, ou seja, padrões de conduta ou comportamentos, por outro lado, promove a

liberdade e as garantias pessoais perante o próprio Estado e as outras pessoas, ou

seja, garante a diferença e a individualidade;

3) função apelativa: significa que o direito em um Estado de Direito deve ser

vinculado à idéia de justiça, constituindo uma ordem justa, uma ordem com

legitimidade plena, sendo que este critério de justiça e legitimidade, deve primeiro

ser fundamentado nos princípios e regras constitucionais. (1993, p. 357-359)

Outro pressuposto é a constitucionalidade. Conforme Canotilho: “O Estado

de Direito é um Estado constitucional”. A constituição de um Estado não é uma

simples lei incluída no sistema jurídico, na verdade a constituição é o fundamento do

sistema:

Trata-se de uma verdadeira ordenação normativa fundamental dotada de supremacia – supremacia da constituição – e é nesta supremacia normativa da lei constitucional que o <primado do direito> do Estado de direito encontra uma primeira e decisiva expressão. (1993, p. 360)

Explica Canotilho que do princípio da constitucionalidade e da supremacia

da constituição extrai-se outros elementos que constituem o Estado de Direito:

(1993, p. 360-362)

1) Vinculação do legislador à constituição: as leis devem estar de acordo

com o processo constitucional determinado, e além disto, como a constituição é

parâmetro material, não basta a lei estar formalmente conforme o processo

constitucional, para ser válida deve estar materialmente adequada á constituição.

Outro ponto da vinculação é estabelecer estrutura de proibição de alteração

constitucional por meio de leis.

2) vinculação de todos os restantes atos do Estado à constituição: é o

princípio da conformidade dos atos do Estado com a Constituição, uma

conformidade intrínseca e formal, inclusive os atos políticos devem sujeitar-se à esta

conformidade e controle constitucional, não só por violações positivas, mas também

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22 por omissões em falta de cumprimento das “imposições constitucionais ou ordens de

legislar”.

3) princípio da reserva da constituição: por este princípio determinadas

questões só podem ser reguladas pela constituição, afastando a possibilidade da

legislação ordinária. Ressalta-se, conforme este princípio, que questões ligadas aos

direitos, liberdades e garantias quando reservadas à constituição só podem sofrer

restrições pela própria constituição ou por lei infraconstitucional somente nos casos

expressamente autorizados pela constituição;

4) força normativa da constituição: a constituição não regulamenta todas as

situações, mas ao regulamentar ganha força normativa constitucional prevalecendo

dentro do sistema.

Completando os pressupostos, conforme Canotilho, o Estado de Direito é

aquele que possui uma estrutura com base antropológica, preservando um sistema

de direitos fundamentais relacionado com a dignidade da pessoa humana. “Pela

análise dos direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados, deduz-se que a

raiz antropológica se reconduz ao homem como pessoa, como cidadão, como

trabalhador e como administrado [...]”. (1993, p. 362-363)

Canotilho após analisar os pressupostos elenca os seguintes princípios

concretizadores do Estado de Direito: 1)princípio da legalidade da administração; 2)

princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos; 3)

princípio da proibição do excesso; 4) princípio da proteção jurídica e das garantias

processuais. (1993, p. 371-389)

Alerta José Afonso da Silva que o conceito de Estado de Direito tem uma

concepção originária liberal, constituindo um Estado Liberal de Direito que tem as

seguintes características: submissão ao império da lei, divisão de poderes e

enunciado e garantias dos direitos fundamentais. Estas características representam

uma conquista da sociedade, demonstrando que o Estado de Direito pode servir de

apoio aos direitos do homem. Contudo, um Estado pode ser formado por uma

concepção formal de Estado de Direito, podendo fundamentar um estado totalitário.

(2008, p. 112-113)

Diante disto, o Estado de Direito nem sempre é um Estado Democrático, por

isso, a Constituição caracteriza nosso Estado com um Estado Democrático de

Direito, ou seja, o princípio Democrático qualificando o Estado, “o que irradia os

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23 valores da democracia sobre todos os elementos constitutivos do Estado e, pois,

também sobre a ordem jurídica”. (SILVA, 2008, p. 119)

O Estado Democrático se fundamenta no princípio da soberania popular,

significando uma participação efetiva do povo na coisa pública, realizando o princípio

democrático “[...] como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana”.

(SILVA, 2008, p. 117)

Explica José Afonso da Silva que:

A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício. (2008, p. 119-120)

A lei é um instrumento relevante no Estado Democrático de Direito, por isso

a adoção do princípio da legalidade, não simplesmente num plano formal, mas sim

uma legalidade democrática, ou seja, a “[...] lei que realize o princípio da igualdade e

da justiça não pela sua generalidade, mas pela sua igualização das condições dos

socialmente desiguais”. (SILVA, 2008, p. 121)

A lei no Estado Democrático de Direito é a concretização do conteúdo da

Constituição, e nesse papel opera a transformação da sociedade, influencia a

realidade social.

Quando o Estado determina modo de condutas, o faz para que os membros

da sociedade saibam como alcançar seus direitos, mais ainda, promove e limita

estes direitos na convivência social, bem como determina a atuação do Estado

dentro de um espírito democrático, limitando a atividade do Estado em relação às

interferências junto aos indivíduos, o que garante os direitos fundamentais.

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24 1.1.1 Processo Penal democratizado

Com a noção de Constituição em um Estado Democrático de Direito, que

tem como função a proteção dos direitos fundamentais, deve ser realizada a

interpretação do processo penal.

Conforme Lopes Jr.:

Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente constituir (logo, consciência de que ela constitui-a-ação), é que se pode compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá através da sua instrumentalidade constitucional. Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição. (2008, p. 7)

A democratização do processo deve refletir sobre sua instrumentalidade, ou

seja, sua utilização para imposição da pena, desta forma, na linha de um Estado de

Direito Democrático a pena não pode ser um instrumento de poder absoluto por

parte do Estado, este poder deve ser limitado, pois, o bem jurídico em jogo é a

liberdade.

Para Lopes Jr:

A liberdade individual, por decorrer necessariamente do direito à vida e da própria dignidade da pessoa humana, está amplamente consagrada no texto constitucional e tratados internacionais, sendo mesmo um pressuposto para o Estado Democrático de Direito em que vivemos. (2008, p. 8)

Em conclusão de seu pensamento sobre a visão constitucional do processo

penal, de forma sintética e substancial Lopes Jr. afirma:

O processo não pode mais ser visto com um simples instrumento a serviço do poder punitivo (direito penal), senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido. Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente, à pena. Daí porque somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal). (2008, p. 9)

O processo penal não é mais um instrumento do poder punitivo. Assim, o

Poder Legislativo e os operadores do direito precisam mudar a visão sobre o

processo penal, vinculando seu conceito, seus institutos e sua legislação ao

princípio democrático e ao Estado de Direito constitucional, para servir como

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25 garantia do indivíduo que sofre a persecução penal e como limitador do poder de

punir.

Eugênio Pacelli de Oliveira afirma que:

Chegou-se então a um perfil do processo, e particularmente o penal, como um instrumento de garantia individual contra eventuais e sempre possíveis abusos da força estatal, instituindo-se, como entre nós, os princípios do juiz natural, do contraditório, da ampla defesa e da afirmação da inocência antes da condenação definitiva, como a base estrutural de um modelo democraticamente garantista. Democrático no sentido de efetivação da participação do réu em todas as fases do procedimento, e garantista no sentido da exigência da instituição de regras e princípios que realizem concretamente a igualdade material (de fato e não só de direito) entre a acusação e a defesa, e, sobretudo, que imponham ao juiz uma atuação imparcial e o dever de motivação de seus julgados. [...] (2004, p. 23)

Evidente, com isto, que sendo um direito constitucional a liberdade individual

deve ser valorizado para a democratização do processo, por outro lado, o poder de

punir do Estado tem a necessidade de sofrer limites, ser legitimado. Este

pensamento reflete na discussão sobre a existência ou não do prevalecimento do

interesse público sobre o interesse privado.

A valorização do indivíduo frente ao Estado, decorrência da teoria dos

direitos fundamentais, acaba por fortalecer o indivíduo como sujeito passivo no

processo penal. O que importa na democratização do processo é a proteção da

liberdade do imputado, tratando-o como sujeito de direitos, com respeito a sua

dignidade. (LOPES JR., 2008, p. 11)

Ainda, sobre o interesse do indivíduo em confronto com o interesse do

Estado em aplicar a pena, mesmo que no final do processo o resultado é pela

condenação, deve ser mantida a valorização do indivíduo no cumprimento da pena.

Neste sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira, refletindo sobre o caráter retributivo ou

meramente sancionatório da pena, num Estado Democrático de Direito que preserva

os direitos fundamentais, conclui que:

Nesse ponto, vale lembrar que também a concepção hegeliana de Estado e de Direito, é suficiente para justificar a pena como intervenção não-retributiva do direito. É que se o direito constitui-se como a eticização máxima da vida em sociedade, fruto da autodeterminação de seus membros, a pena, como resposta a uma violação do Direito, impõe-se, primeiro, como necessidade jurídica, mas também como direito do réu, na medida em que este, pelo cumprimento dela (pena) pode se re-inserir na ética da sociedade. O direito aqui referido, portanto, não o direito à pena, já que essa lhe é imposta necessariamente, mas direito a nova inserção na sociedade pelo cumprimento da pena. [...] (2004, p. 29-30)

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Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, em um parecer sobre ampla defesa e

direito à contraprova, sintetiza nos termos deste estudo a função do processo penal

como instrumento de salvaguarda do cidadão contra o abuso do poder do Estado:

Por sinal, quando o assunto diz com os Direitos Fundamentais, por suas expressões processuais penais, pouco há para acrescer sobre o que foi dito pelos melhores autores, em face da própria função do processo como instrumento de salvaguarda do cidadão contra o abuso do poder. (2005, p. 372-373)

A legalidade, a segurança jurídica, a constitucionalidade e os direitos

fundamentais são valores que fundamentam o Estado Democrático de Direito, por

isso, esta visão de um processo penal democratizado influencia na análise da

natureza jurídica do processo, dos sistemas processuais e de todo o processo penal,

que na Constituição Democrática torna-se devido processo penal, temas a seguir

expostos.

1.2 Natureza jurídica do processo

Para entender o processo é preciso verificar sua natureza jurídica. Na linha

privatista existe a teoria do processo como contrato, de origem romana, que se

caracterizava por um compromisso das partes de participarem do juízo e acatarem a

decisão, era de natureza convencional.

Outra teoria privatista é a teoria do processo como quase contrato, esta

reconhecia que o Poder do Estado por meio da sentença submetia as partes a sua

decisão, o que impedia de caracterizar como um contrato, por outro lado, o processo

não era comparado ao delito que tem natureza pública, assim, numa tentativa de

enquadrar o processo em uma concepção privatista criaram esta teoria.

Estas linhas privatistas sobre o processo não merecem repercussão, já que

o processo penal tem natureza pública, assim, surgem duas principais teorias

publicistas que ainda geram divergências na doutrina: a teoria do processo como

relação jurídica, adotada por Carnelutti, Chiovenda, entre outros, mas com sua força

em Bülow, e, como contraponto, a teoria do processo como situação jurídica, tendo

como principal força James Goldschmidt.

A teoria da relação jurídica evidencia uma relação entre as partes e o juiz,

de natureza pública pelo envolvimento do Estado como administrador da justiça,

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27 criando direitos e obrigações processuais recíprocas. No entendimento de Cintra,

Grinover e Dinamarco:

O grande mérito de Bülow foi a sistematização, não a intuição da existência da relação jurídica processual, ordenadora da conduta dos sujeitos do processo em suas ligações recíprocas. Deu bastante realce à existência de dois planos de relações: a de direito material, que se discute no processo; e a de direito processual, que é o continente que se coloca a discussão sobre aquela. Observou também que a relação jurídica processual se distingue da de direito material por três aspectos: a) pelos seus sujeitos (autor, réu e Estado-juiz); b) pelo seu objeto (a prestação jurisdicional); c) pelos seus pressupostos (os pressupostos processuais). (2008, p. 300)

Aury Lopes Jr. reconhece a importância da teoria da relação jurídica,

principalmente pela separação entre direito material e direito processual, o que

serviu para a autonomia do direito processual, bem como para o estudo do conceito

de partes. (2008, p. 36-37)

Com isso, Lopes Jr., define processo na teoria da relação jurídica como

sendo “uma relação jurídica de direito público, autônoma e independente da relação

jurídica de direito material”. (2008, p. 37)

Sobre esta relação jurídica, gerando direitos e obrigações, houve doutrina

sustentando que a relação processual era linear, entre o demandante e o

demandado (concepção de Kohler); na evolução, em outra concepção, passou-se a

pensar a relação numa visão angular, cada parte vinculando-se ao juiz (Pontes de

Miranda); mas foi com Wach e Bülow que veio a moderna concepção da teoria da

relação jurídica, uma relação triangular, uma relação jurídica entre autor, réu e juiz.

(PAULA, 2002b, p. 141-142)

Outra importante contribuição desta teoria da relação jurídica foi que,

reconhecendo uma relação entre partes com direitos e obrigações, acabou por

desvincular a idéia de que o acusado era somente um objeto do processo, para ser

um sujeito processual, inclusive podendo exigir a tutela jurisdicional por parte do juiz,

respeitando o sistema de garantias constitucionais. (LOPES JR., 2008, p. 38)

A maioria da doutrina adota a teoria do processo como relação jurídica, mas

James Goldschmidt realizou fortes críticas sobre esta teoria, formulando a teoria do

processo como situação jurídica.

Na teoria do processo como situação jurídica Goldschmidt afasta a idéia

de direitos e obrigações, dizendo que no processo há chances dentro da dinâmica

do processo.

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Na obra de Cintra, Grinover e Dinamarco, conforme pensamento de

Goldschmidt:

Observa, inicialmente, o que sucede na guerra, quando o vencedor desfruta de situações vantajosas pela simples razão da luta e da vitória, não se cogitando de que tivesse ou não direito anteriormente; depois faz um paralelo com o que ocorre através do processo. E diz que, quando o direito assume uma condição dinâmica (o que se dá através do processo), opera-se nele uma mutação estrutural: aquilo que, numa visão estática, era um direito subjetivo, agora se degrada em meras possibilidades (de praticar atos para que o direito seja reconhecido), expectativas (de obter esse reconhecimento), perspectivas (de uma sentença desfavorável) e ônus (encargo de praticar certos atos, cedendo a imperativos ou impulsos do próprio interesse, para evitar a sentença desfavorável). (2008, p. 301)

Jonatas Luiz Moreira de Paula embasado na lição de Eduardo Couture,

explica que para esta teoria do processo o que há é “uma situação de estado de

sujeição das partes frente ao ordenamento jurídico”. O ato do juiz sentenciar não é

uma obrigação dele em razão do direito de uma das partes, mas sim seu dever

funcional, e ao invés de direitos, em razão da condição dinâmica do direito, ocorrem

possibilidades de como será a decisão judicial. Jonatas conclui sobre esta teoria que

“[...] a idéia de processo é um instituto que visa transformar a realidade social,

mediante modificação da situação jurídica das pessoas envolvidas”. (2002b, p. 143-

144)

Eugênio Pacelli de Oliveira entende que em processo penal a melhor teoria

é de Goldschmidt, pois, no interior do processo não há uma relação de exigibilidades

entre as partes, mas sim a lei estabelece ônus e faculdades processuais que

poderão ser utilizados pelas partes dependendo da vantagem ou desvantagem.

(2008, p. 88)

Oliveira faz a ressalva de que direito e ação faz parte de uma relação

jurídica, contudo é um direito que acontece anterior a formação processual, e

conclui:

Instaurado o processo, o que se verifica no seu interior está realmente mais para um complexo de situações jurídicas, com expectativas de direito, se e pelo adequado exercício das faculdades processuais e da atuação eficiente diante dos ônus processuais, do que propriamente de uma ou mais relações jurídicas. (2008, p. 88)

Aury Lopes Lr. destaca na teoria de Goldschmidt a epistemologia da

incerteza, reconhecendo a complexidade em que se desenvolve o processo

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29 (dinamismo), é uma sucessão de atos que geram as situações jurídicas, e fica a

cargo das partes a busca de uma direção favorável no processo. Lopes Jr. também

demonstra não haver direitos e obrigações, mas sim, expectativas, perspectivas,

chances, cargas e liberação de cargas, ou seja, a idéia de ônus e bônus processuais

conforme a atuação das partes e o aproveitamento das chances. (2008, p. 41)

A teoria de Goldschmidt é a melhor resposta para a natureza jurídica do

processo penal; não há uma relação jurídica de direitos e deveres entre as partes,

cada parte atua conforme seus interesses conforme suas expectativas, e o juiz

realiza sua função enquanto representante do Estado (Poder Judiciário) no exercício

da jurisdição.

Ainda, para o acusador existe uma carga probatória, e para o réu e sua

defesa existe um risco, o risco de ter uma sentença desfavorável, realizando assim a

dinâmica do processo. Aury Lopes Jr. estabelece o processo como uma expectativa,

uma chance, no sentido da atuação ou não atuação das partes e seus interesses,

recaindo na epistemologia da incerteza, refletindo em que, “[...] a dinâmica do

processo transforma a certeza própria do direito material na incerteza característica

da atividade processual”. (2008, p. 45)

A epistemologia da incerteza, e a assunção do risco do processo pela

defesa, fortalece a teoria do processo como situação jurídica, principalmente, em

razão de que esta incerteza do direito na dinâmica processual chama a atenção para

um discurso retórico, de que a verdade se revelará no processo e ocorrerá a justiça.

A verdade é que, antes da decisão final, ninguém tem certeza do que vai acontecer,

de como o julgador irá interpretar e valorar as provas produzidas nos autos, por isso,

a defesa deve usar de suas “armas” e de suas estratégias para aumentar a chance

de sua expectativa por uma sentença favorável. (LOPES JR. 2008, p. 52-53)

Nesta linha de pensamento o que vale para o processo é o respeito ao

devido processo e suas regras, regras que devem ser esclarecidas e respeitadas por

todos participantes da dinâmica processual, conforme analisado com a inserção no

sistema constitucional; enfim, o que vale são as garantias em favor daquele que está

submetido ao processo judicial.

Ressalta-se na lição de Lopes Jr. (2008, p. 53) que a repressão e as

garantias processuais não se excluem, são simultâneas, a repressão faz parte do

poder punitivo, que é limitado pelas garantias processuais. Assim, é preciso,

urgentemente, para a compreensão do sistema processual penal, aceitar a

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30 incerteza, os riscos e a repressão, para fortalecer, e, definitivamente, ser objeto de

cuidado dos operadores do direito, as garantias processuais.

1.3 Sistemas no processo penal

Conforme Maria Helena Diniz: “O vocábulo ‘sistema’ é de origem grega,

significando aquilo que é construído (syn-istemi), isto é, uma totalidade, cujas partes

apontavam, na sua articulação, para uma ordem qualquer”. (2005, p. 201-202)

Percebe-se no significado do vocábulo a idéia de todo e partes em direção a

uma ordem, pelo que Maria Helena Diniz conclui:

Percebe-se que “sistema” significa nexo, uma reunião de coisas ou conjunto de elementos, e método, um instrumento de análise. De forma que o sistema não é uma realidade, é o aparelho teórico mediante o qual se pode estudá-la. É, por outras palavras, o modo de ver, de ordenar, logicamente a realidade, que, por sua vez, não é sistemática. Todo o sistema é uma reunião de objetos e seus atributos (repertório) relacionados entre si, conforme certas regras (estrutura) que variam de concepção para concepção. O que dá coesão ao sistema é sua estrutura [...]. (2005, p. 202-203)

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, processualista, partindo da noção geral

de sistema para a noção específica do sistema processual penal, sintetiza da

seguinte forma:

Ainda que com uma visão sucinta, tenho a noção de sistema a partir da versão usual, calcada na noção etimológica grega (systema-atos), como um conjunto de temas jurídicos que, colocados em relação por um princípio unificador, formam um todo orgânico que se destina a um fim. É fundamental, como parece óbvio, ser o conjunto orquestrado pelo princípio unificador e voltado para o fim ao qual se destina. Este, no processo penal, como se sabe, joga com conceitos que passam pela instrumentalidade e pela paz social. Aquele, de sua parte, não pode ser desprezado em hipótese alguma. Trata-se, como se tem presente, do princípio inquisitivo e do princípio dispositivo, os quais dão sustentáculo ao sistema inquisitório e ao sistema acusatório, respectivamente. (2001, p. 16-17)

O sistema processual penal é um conjunto de regras que define sua

estrutura que varia de acordo com a concepção do Estado e sua política, e a partir

desta estrutura ordena de forma lógica todo o processo penal e sua aplicação pelos

operadores do direito, ou seja, sua aplicação na realidade.

Na doutrina é possível encontrar dois sistemas principais, acusatório e

inquisitório, concebidos como sistemas puros, porém, conforme a maioria da

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31 doutrina estes sistemas puros não são mais encontrados na atualidade, surgindo o

chamado sistema misto.

O tema deve ser tratado com cuidado e espírito crítico em relação ao

sistema brasileiro, a Constituição Federal e à legislação infraconstitucional, pois há

muita divergência sobre a estrutura, necessitando uma urgente adequação à

estrutura de um Estado Democrático de Direito.

1.3.1 Sistema acusatório

A principal característica do sistema acusatório está na separação dos

poderes exercidos no processo, assim, fica evidenciada a presença de um acusador

que tem os poderes referentes ao exercício da ação, e de outro lado, a presença do

acusado ou imputado que realiza sua defesa, e, sem confundir com a acusação, há

a presença de um órgão que tem a função de decidir, e principalmente, este órgão e

sua atividade de decidir ficam condicionados à atuação do acusador por meio da

ação; não pode quem decide promover a acusação. (MAIER, 2004, p. 444)

José Laurindo de Souza Netto sintetiza a idéia de sistema acusatório da

seguinte forma:

O juiz que preside o processo, é uma entidade suprapartes, conhece das razões de quem acusa e quem se defende e depois decide como um árbitro. Esse tipo de estrutura implica que a pessoa acusada tenha a possibilidade de se defender desde o início; essa estrutura exige também, por isso mesmo, que quem acusa seja uma entidade diferente de quem julga, isto é, a entidade que decide há de ser uma entidade a quem a acusação é trazida por outra entidade. Nesse sentido, a sua imparcialidade está assegurada. E tal tipo de processo está tradicionalmente ligado a momentos da democracia grega e romana, em que o julgamento das pessoas era considerado uma questão a decidir pelo povo, implicando por isso que não seriam apenas pessoas profissionalizadas que decidiriam uma questão de justiça. (2003, p. 24)

A construção do sistema acusatório tem origem no Direito Grego, em que a

acusação e a decisão tinham participação popular, acusação por qualquer pessoa

para delitos graves e acusação particular para delitos menos graves. O Direito

Romano, na época da República, também viveu um período de sistema acusatório,

mas com o Império este sistema foi perdendo espaço, e os juízes foram invadindo

as atribuições de acusação, movidos por um ânimo de vingança por meio do

processo. O processo penal canônico foi marco para a derrocada do sistema

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32 acusatório e a instalação de um sistema inquisitório. Com a Revolução Francesa,

século XVIII e a valorização dos direitos do homem, volta, novamente, a

característica de sistema acusatório nos ordenamentos processuais. (LOPES JR.,

2008, p. 57-58)

Conforme José Antonio Barreiros:

No tipo acusatório o arguido é verdadeiramente uma parte processual, em posição de igualdade com a parte acusadora, pública ou provada, que aqui surge com autonomia e sem qualquer relacionamento com a autoridade encarregue do julgamento, que se encontras numa posição de franca superioridade relativamente a ele. (1981, p. 13)

Conforme Aury Lopes Jr., atualmente as características do sistema

acusatório são as seguintes:

a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes; c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo; d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo); e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente); f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa); h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição. (2008, p. 58)

Aury Lopes Jr. (2008, p. 58-59) aponta como principal crise do sistema

acusatório a característica da inércia do juiz, surgindo a discussão se esta inércia é

benéfica ou prejudicial ao processo e principalmente em relação às garantias do

acusado. Esta discussão envolve o problema de que, em razão da inércia do juiz,

ele acaba tendo a tarefa de decidir com base em material probatório sem qualidade,

o que resulta na atribuição de poder instrutório ao juiz.

Uma grande justificativa da concessão de poder instrutório ao juiz é a busca

da verdade real tão propalada no meio do processo penal, diante disto, já que o

material probatório é de baixa qualidade, para que surja a verdade real as

legislações aumentam o poder do juiz em atividade instrutória, invariavelmente

confundindo-se com a acusação, com características de sistema inquisitório.

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33

A verdade real é uma incógnita, por mais que o processo e seus

procedimentos são o ambiente em que o caso penal é analisado, esta análise é

realizada por versões diferentes da realidade, e, com isso, a incerteza sempre está

presente. Por mais que as provas tentem reproduzir os fatos, o máximo que

conseguirá é se aproximar de como ocorreu, mas nunca em seus totais detalhes.

Lopes Jr. entende que esta atribuição de atividade instrutória para a busca

da verdade real, e com isso, resolver os problemas de provas defeituosas, é um

gravíssimo erro, na visão do autor isto promove a figura do juiz inquisidor, sendo

que:

O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranqüilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal. (2008, p. 59)

Para resolver o problema que instala a crise no sistema acusatório, Lopes Jr.

argumenta, que o sistema deve efetivar a igualdade entre as partes, no sentido de

que, com isto, retira-se a atividade instrutória do juiz e evidencia esta atividade para

as partes. Mas esta solução só será adequada a partir de uma estruturação e do

fortalecimento do serviço de defesa pública por parte do Estado, as defensorias

públicas, igualando-se à estrutura do Ministério Público que é o órgão responsável

pela acusação. (2008, p. 59)

Esta estruturação tem justificativa na hiposuficiência de acusados que não

tem condições de arcar com as despesas de um profissional que, adequadamente,

realize sua defesa. Por isso, com a estruturação das defensorias públicas, o sistema

fortalecerá a estrutura da dialética processualista, e, estará conforme os valores

constitucionais de dignidade da pessoa e de igualdade.

1.3.2 Sistema inquisitório

O sistema inquisitório tem a seguinte definição conforme José Laurindo de

Souza Netto:

O processo tipo inquisitório puro é a antítese do acusatório. Nele, não há o contraditório, e, por isso mesmo, inexistem as regras de igualdade e da liberdade processual. As funções de acusar, defender e julgar encontram-se

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enfeixadas em uma só pessoa: o juiz. É ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e quem, ao final, profere a decisão, podendo, no curso do processo submeter o acusado a torturas (na origem), a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito, nenhuma garantia se confere ao acusado. (2003, p. 25)

José António Barreiros ressalta que o sistema inquisitório começa a

aparecer no Baixo Império Romano, que mesmo tendo um processo penal

formalmente acusatório, ganha características inquisitoriais com o aumento dos

poderes do juiz - permitindo-lhe exercer a acusação e o julgamento, bem como fazer

a instrução (secreta, escrita e não contraditória) -, com a restrição do direito de

acusação e procedimento ex-officio, emprego da tortura e perda sucessiva da

oralidade para implantação de um processo escrito. (1981, p. 19)

Mas o sistema se consolida na decadência do Império Romano pela

influência da Igreja Católica. O marco principal do sistema inquisitório foi o “[...]

processo penal seguido pela Igreja Católica para conhecimento dos delitos religiosos

[...]”, influenciando o direito comum, “[...] sobretudo quando, a partir do século XII, a

Igreja resulta entre nós da circunstância de a organização religiosa ter sido a única a

subsistir, quando das invasões bárbaras”. (BARREIROS, 1981, p. 28-29)

A Inquisição nasce pela necessidade da Igreja Católica em aniquilar as

heresias no campo da fé, principalmente as que colidiam com os interesses

tutelados pela Igreja. No século XII houve uma ameaça político-religiosa contra a

Igreja Católica que motivou o uso da Inquisição, foi o movimento religioso chamado

por catarismo. Em razão desta ameaça o Papa Lucio III e o Imperador Frederico

Barbaruiva nomearam bispos com a missão de fiscalizar as paróquias suspeitas do

exercício do catarismo, entregando os suspeitos à jurisdição religiosa.

(BARREIROS, 1981, p. 29-30)

O combate às heresias tomou tamanha proporção que Inocêncio III em sua

bula publicada em 1199 equiparou a heresia aos crimes de “lesa-majestade”

instituindo à pena de morte como conseqüência. Porém, “o tribunal inquisitorial só

obteve no entanto base jurídica plena com a Constituição Excomuniamus do Papa

Gregório IX editada em 1231”. (BARREIROS, 1981, p. 30)

Com a força da Igreja o sistema inquisitório espalhou-se pelos países

europeus, e, mesmo não sendo uniforme nos países o funcionamento da Inquisição,

algumas características foram comuns: ”O processo inquisitório era além de oficioso,

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35 secreto e escrito, assentado em declarações de testemunhas cuja identificação era

escondida do conhecimento do réu”. (BARREIROS, 1981, p. 31)

Sobre a estrutura inquisitorial, Jorge Figueiredo Dias, explica que:

Daqui uma estrutura processual penal em que ao juiz – degradado, ao menos no plano dos factos, à condição de burocrata da justiça, sem independência perante o poder político – compete simultaneamente inquirir, acusar e julgar; em que a ele pertence o domínio discricionário do processo, quer no seu se (promoção processual), quer no seu como (objecto processual e conseqüente fixação do thema probandum e do thema decidendum), quer na sua concreta tramitação; [...] (1984, p. 62)

O sistema inquisitório corresponde a uma concepção absoluta de poder

centralizado, com extrema valorização da autoridade, sendo que esta centralização

concede a uma única “mão” o poder soberano. Esta valorização extrema da

autoridade, de outro lado, desvaloriza a pessoa humana e torna o imputado como

um objeto da investigação, retirando dele a condição de sujeito de direitos. (MAIER,

2004, p. 446)

Esta característica centralizadora é representada na pessoa do inquisidor,

em um regime absolutista, em que, o inquisidor tem a tarefa de perseguir e decidir,

não como concentração de tarefa, mas no sentido que “perseguir” e “decidir”

significam a mesma tarefa. Para o imputado não havia a faculdade de defender-se,

pois, sendo culpado não merecia esta prerrogativa, e se inocente, esta inocência

seria descoberta pelo investigador. Com esta característica do sistema, não se

coaduna a dialética nem a crítica, e assim, não há processo contraditório. (MAIER,

2004, p. 447)

Ao invés de ser um duelo leal entre o acusador e o acusado, duelo em que

as partes têm iguais poderes e oportunidades, o sistema inquisitório transforma o

processo em uma disputa desigual entre o inquisidor e o acusado. O inquisidor tem

liberdade para coletar as provas, atuando de ofício, inclusive utilizando o acusado

como fonte de conhecimento, preparando o material que vai fundamentar seu

convencimento. Era a busca por uma verdade real, absoluta. (LOPES JR., 2008, p.

61-62)

Jorge Figueiredo Dias assevera que o sistema inquisitório, sob o pretexto de

busca da verdade real, só alcança uma verdade formal, num processo escrito e

secreto, originando a perda do real direito de defesa, e com isto, abre caminho a

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36 todas as formas de extrair do réu a confissão, inclusive a tortura. Destaca o autor,

que a confissão tem o título de rainha das provas, porém quando não é possível

obtê-la, aguarda-se a reabertura do processo com uma prova melhor (1984, p. 62).

O que demonstra o poder autoritário encontrado no sistema.

Como rainha das provas, nenhuma prova valia mais do que a confissão, o

que justifica dois aspectos do sistema inquisitório: primeiro, a prisão é regra do

sistema, pois, assim, facilita ao inquisidor torturar o acusado até obter a confissão;

segundo, com a confissão confirmando a acusação, a defesa tornava-se inútil,

inclusive com a dispensa de advogado, que por sinal, tinha a função de fazer com

que seu cliente se arrependesse e confessasse logo, para que a pena fosse

executada. (LOPES JR., 2008, p. 65)

Sobre a busca da verdade e a lógica do sistema inquisitório, Jacinto Nelson

de Miranda Coutinho expõe que:

[...] O crime (pecado) é dado histórico e à realidade apresenta-se multifário, razão pela qual para reconstituí-lo – senão de forma absoluta (porque impossível), mas ao menos aceitável – seria conveniente e lógico verificar cada um dos aspectos, pelo menos os principais. A lógica deformada do sistema, porem, não o permite, porque privilegia o mecanismo “natural” do pensamento da civilização ocidental (e aí seu grande valor estratégico e, talvez, o motivo da sua manutenção até hoje), ou seja, a lógica dedutiva, que deixa ao inquisidor a escolha da premissa maior, razão pela qual pode decidir antes e, depois, buscar, quiçá obsessivamente, a prova necessária para justificar a decisão. (2001, p. 25)

Em relação a alegada vantagem que o sistema inquisitório traria, que seria a

possibilidade do juiz de forma mais ampla e fácil obter a verdade dos fatos em

virtude de seu domínio sobre o processo, Jorge Figueiredo Dias faz o seguinte

comentário:

Sabe-se já, porém, o preço incomportável por que se pagaria uma tal vantagem: antes de tudo, a impossibilidade de julgamento de um juiz no qual convergissem as qualidades de instrutor, acusador e julgador; e depois, também, o frontal ataque que assim se desencadearia contra a preservação (humanamente impossível) da própria independência judicial face aos poderes do Estado. (1984, p. 247)

A verdade absoluta é vinculada a uma idéia da intolerância empregada pela

Igreja, em que a verdade não era construída, e sim, “dada pelos concílios, encíclicas

e outros instrumentos nascidos sob a assistência divina” (LOPES JR. 2008, p. 62), o

que repercutiu, conforme já informado nas legislações processuais.

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Ainda, como característica do sistema inquisitório a prova era tarifada ou

chamada de prova legal. Gilson Bonato explica que este sistema consiste “[...] na

estipulação pela lei da série de condições para se ter por verdadeiro um fato,

condições essas que podem ser positivas ou negativas.” (2003, p. 98)

A sentença do Período da Inquisição não fazia coisa julgada, o motivo era

voltado para a situação em que não se provava nada contra o acusado, com isto, ao

invés de declará-lo inocente, apenas constatava que nada foi provado, para que,

com novas provas posteriores pudesse dar continuidade no processo contra o

acusado, sem enfrentar a coisa julgada. (LOPES JR., 2008, p. 65)

Na visão de Paulo Rangel:

O sistema inquisitivo, assim, demonstra total incompatibilidade com as garantias constitucionais que devem existir dentro de um Estado Democrático de Direito e, portanto, deve ser banido das legislações modernas que visem assegurar ao cidadão às mínimas garantias de respeito à dignidade da pessoa humana. (2003, p. 47)

1.3.3 Sistema misto

O sistema misto também é conhecido por napoleônico ou reformador, tem

como característica adotar elementos do sistema inquisitório em conjunto com

elementos do sistema acusatório, com isto, o processo penal compõe-se de duas

fases distintas e separadas: “a instrução – destinada a descobrir o crime e os seus

agentes – e o julgamento – no qual se procede ao apuramento das

responsabilidades do agente relativamente ao facto que haja praticado”. O sistema

inquisitório é presente na instrução, processo escrito, secreto, sem o contraditório e

sem a participação do imputado. No julgamento a característica é acusatória,

optando pela oralidade, publicidade e pelo contraditório. (BARREIROS, 1981, p. 14)

Historicamente o sistema misto surge após a Revolução Francesa, em que

os revolucionários, fundamentados em um espírito de valorização da pessoa

humana, pretendiam recuperar o sistema acusatório usando como parâmetro o

processo penal inglês, que apesar do domínio do processo canônico e a Inquisição,

manteve sua tradição acusatória.

Contudo, esta tentativa de devolver ao processo penal características

acusatórias foi frustrada pelo “consulado bonapartista”, que manteve a tradição do

Antigo Regime, comprometendo as idéias liberais e formando um sistema misto.

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38 Este sistema foi adotado pelos códigos criminais dos países europeus e também na

África e Ásia, onde era possível perceber a influência “política, cultural ou

simplesmente militar napoleónica”. (BARREIROS, 1981, p. 37-38)

Paulo Rangel explica que com a formação de um sistema misto pretendeu-

se superar falhas no sistema acusatório, pois nem sempre o cidadão levava ao

conhecimento do Estado o crime praticado, demonstrando desinteresse ou até

mesmo falta de condições de arcar com as despesas do processo, contribuindo para

a impunidade. E, quando levava, muitas vezes era por sentimento de vingança, por

isso, era melhor que a persecução penal ficasse nas mãos do Estado-juiz.

(RANGEL, 2003, p. 50)

As características apresentadas no sistema misto, conforme Paulo Rangel,

são as seguintes:

a) a fase preliminar de investigação é levada a cabo, em regra, por um magistrado que, com o auxílio da polícia judiciária, pratica todos os atos inerentes à formação de um juízo prévio que autorize a acusação. Em alguns países, esta fase é chamada de “juizado de instrução” (v.g. Espanha e França). Há nítida separação entre as funções de acusar e julgar, não havendo processo sem acusação (nemo judicio sine actore); b) na fase preliminar, o procedimento é secreto, escrito e o autor do fato é mero objeto de investigação, não havendo contraditório nem ampla defesa, face à influencia do procedimento inquisitivo; c) a fase judicial é inaugurada com acusação penal feita, em regra, pelo Ministério Público, onde haverá um debate oral, público e contraditório, estabelecendo plena igualdade de direitos entre a acusação e a defesa; d) o acusado, na fase judicial, é sujeito de direitos e detentor de uma posição jurídica que lhe assegura o estado de inocência, devendo o órgão acusador demonstrar a sua culpa, através do devido processo legal, e destruir este estado. O ônus é todo e exclusivo do Ministério Público; e) o procedimento na fase judicial é contraditório, assegurada ao acusado a ampla defesa, garantida a publicidade dos atos processuais e regido pelo princípio da concentração, em que todos os atos são praticados em audiência. (2003, p. 51)

Paulo Rangel conclui que o sistema misto, por manter o juiz na colheita de

provas (fase preliminar da acusação), “não é o melhor sistema”, pois, em um Estado

Democrático de Direito a fase persecutória deve ser atribuição do Ministério Público

(no controle da polícia judiciária), e não do juiz, já que o Ministério Público é o órgão

responsável pelo início da ação penal. (2003, p. 51-52)

Sobre o sistema misto e sua comparação aos sistemas acusatório e

inquisitório, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho faz uma crítica alegando que não

há a formação de um sistema processual novo, mesmo sendo verificáveis novas

fórmulas, a novidade é apenas no aspecto formal em razão da mistura de

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39 características dos dois sistemas (acusatório e inquisitório). Para o processualista,

“[...] da maneira como se pretende, os sistemas acusatório e inquisitório não podem

conviver [...]”, em razão de irracionalidade no plano lógico, e, de que a pratica não

aconselha essa mistura de sistemas. (2001, p. 39)

Acolher as características dos sistemas inquisitório e acusatório em um

mesmo sistema, o sistema misto, significa estabelecer um quadro de idéias

contraditórias dentro do mesmo sistema, pois o acusatório tem fundamento em

idéias liberais, valorizando a pessoa do acusado no sentido de tratá-lo como sujeito

de direitos apesar da acusação, respeitando o direito de defesa.

Pelo contrário, o inquisitório surge em regimes absolutistas, autoritários,

centralizadores, e o que importa é a afirmação da autoridade e não o direito de

defesa. A razão está com Jacinto Coutinho, tal formação de sistema não tem lógica.

O Estado não pode ser “meio” democrático adotando características democráticas,

e, em conjunto, aceitando um regime absolutista.

O problema deste raciocínio é que o sistema brasileiro, conforme boa parte

da doutrina, tem se mostrado um sistema misto, com opções legislativas que tem

sofrido muitas críticas por parte da doutrina.

1.3.4 O sistema brasileiro

A doutrina brasileira está dividida sobre qual o sistema processual adotado,

havendo opiniões afirmando que o sistema é misto, bem como outros afirmando que

o sistema é predominantemente acusatório, e, também, autores caracterizando o

sistema como inquisitório.

Edilson Mougenot Bonfim entende que o sistema brasileiro é misto,

composto de duas fases, a primeira investigatória de caráter inquisitivo, e a

segunda, que seria o processo penal em si, é acusatória. Para o autor há claramente

a constatação das partes (inquisitória, acusatória) e no conjunto das partes, ou seja,

o todo, o sistema é misto (2009, p. 30-31). Esta divisão em fases proporciona o

chamado sistema bifásico.

Aury Lopes Jr., por sua vez, classifica o sistema brasileiro como inquisitório

(2008, p. 72). É preciso analisar atentamente as razões para a conclusão deste

renomado autor.

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Lopes Jr. critica o sistema misto quanto à sua concepção por ser insuficiente

em dois aspectos: que os sistemas puros são sistemas históricos e não

correspondem aos sistemas adotados nas legislações atuais, e quando fazem a

classificação em sistema misto não se enfrenta a identificação de seu núcleo

fundante; classificar o sistema ou uma fase por acusatória ou inquisitória em razão

da divisão da tarefa de acusar e julgar não é o núcleo fundante dos sistemas (2008,

p. 67).

Em relação à divisão das funções de acusar e julgar, Lopes Jr. entende que

é característica importante do sistema acusatório, mas não é seu núcleo fundante,

não é sua essência, um sistema pode definir esta divisão em que a acusação é

titularidade do Ministério Público, mas depois, prever dispositivos que autorizem o

juiz realizar atividade de parte acusadora em busca de provas. O autor cita nosso

sistema que tem tal separação (acusar e julgar), mas que ao mesmo tempo tem

previsões como, por exemplo: o art. 311 em que o juiz de ofício pode determinar a

prisão preventiva; ou, determinar uma busca e apreensão do art. 242, ou, ainda, o

art. 156, I e II que dá poderes ao juiz de determinar diligências de ofício até mesmo

antes de iniciar a ação penal, bem como, o art. 385 permitindo a condenação

mesmo com o pedido de absolvição pelo Ministério Público (todos os artigos citados

do Código de Processo Penal). (2008, p. 69-70)

Assim, classificar um sistema como acusatório porque existe a divisão entre

a tarefa de acusar e julgar não é suficiente, pois não enfrenta seu núcleo fundante.

Mas qual seria o núcleo fundante de um sistema processual?

A resposta, conforme Lopes Jr., identifica como núcleo de um sistema a

Gestão da Prova que é adotada. Explica o autor que o “ponto nevrálgico” dos

sistemas é a identificação de seu núcleo, seu princípio informador, com isso, não

importa os elementos acessórios como a oralidade, publicidade, separação de

atividades e outros, para estabelecer se o sistema é inquisitório ou acusatório.

(2008, p. 70)

Sendo fundamentado em um princípio informador (núcleo), e mesmo com a

presença de elementos considerados inquisitórios e elementos considerados

acusatórios, ou seja, a idéia de misto, um sistema, essencialmente falando, não

pode ser misto, pois, o princípio informador nunca é misto, na essência ele é

inquisitório ou acusatório. O que determina seu núcleo é a gestão da prova:

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Como afirmamos anteriormente, o processo tem como finalidade (além do explicado no Capítulo I) buscar a reconstituição de um fato histórico (o crime sempre é passado, logo, fato histórico), de modo que a gestão da prova é erigida à espinha dorsal do processo penal, estruturando e fundando o sistema a partir de dois princípios informadores, conforme ensina JACINTO COUTINHO: - princípio dispositivo: funda o sistema acusatório; a gestão da prova está nas mãos das partes (juiz espectador). - princípio inquisitivo: a gestão da prova está nas mãos do julgador (juiz ator [inquisidor]); por isso, ele funda um sistema inquisitório. (LOPES JR., 2008, p. 70-71)

Desta forma, o que existe é um sistema essencialmente inquisitório ou

acusatório, conforme seu sistema de gestão de prova, podendo conter elementos

característicos do próprio sistema na essência, mas também, elementos

complementares de outro sistema: um sistema inquisitório com elementos

encontrados no acusatório, ou, um sistema acusatório com elementos acessórios do

inquisitório.

Para Lopes Jr., observando a essência do sistema brasileiro, apesar de

haver a separação das atividades (de início) de acusar e julgar, oralidade,

publicidade, coisa julgada, livre convencimento motivado, ou seja, elementos

acessórios de caráter acusatório, o sistema é inquisitório.

Para o autor o que determina a essência inquisitiva é a gestão da prova em

que são atribuídos poderes instrutórios ao juiz, podendo ser notado em dispositivos

como o art. 156, I e II do Código de Processo Penal, “pois representam uma quebra

da igualdade, do contraditório, da própria estrutura dialética do processo. Como

decorrência fulminam a principal garantia da jurisdição, que é a imparcialidade do

julgador”. (LOPES JR., 2008, p. 72)

Ainda, o que determina o sistema brasileiro como inquisitório é o fato do

processo penal estar centrado na chamada “verdade real ou absoluta”, neste

sistema o imputado é tratado como objeto de investigação detentor da verdade, e o

inquisidor busca esta verdade a qualquer custo. (LOPES JR., 2008, p. 72)

Lopes Jr., com esta idéia da essência do sistema e embasado nos

ensinamentos de Jacinto Coutinho, afirma que o chamado sistema bifásico (uma

fase inquisitória e outra acusatória) é um “monstro de duas cabeças”, uma

verdadeira fraude, em que “a fraude reside no fato de que a prova é colhida na

inquisição do inquérito, sendo trazida integralmente para dentro do processo e, ao

final, basta o belo discurso do julgador para imunizar a decisão”. (2008, p. 68)

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42

A questão é que a prova colhida no inquérito não poderia embasar a

condenação, mas como garantir que a decisão não tenha tomado a prova do

inquérito como base? Esta é a pergunta de Lopes Jr. já que um discurso poderia

disfarçar esta escolha e fraudar todo um sistema que se diz acusatório, mas que

condena com base em provas inquisitórias. (2008, p. 68)

Rogério Lauria Tucci entende haver uma acusatoriedade ao procedimento

da segunda fase da persecução penal, mas é acusatório apenas no aspecto formal.

Na substancialidade, na essencialidade, o sistema brasileiro é inquisitório por se

basear na verdade material. Chama atenção na obra deste autor a alegação de que

o poder inquisitivo conferido ao juiz para a formação de seu convencimento não

significa a ocorrência de um sistema inquisitório como do direito canônico. (2004, p.

44)

Para Tucci, a verdade material é de interesse impessoal, geral, sendo assim,

a inquisitoriedade pela busca da verdade material é forma de proteger o acusado, e

também é benéfica ao particular ofendido que ao invés de ficar submetido à

imparcialidade do Ministério Público conta com a atividade do juiz para vigiar e

tutelar a verdade. (2004, p. 44-45)

Lopes Jr. e Tucci têm a mesma conclusão, o sistema brasileiro é na

essência inquisitório, porém os autores discordam quanto ao efeito desta

inquisitoriedade. Para Tucci a verdade material é uma forma de proteção da

liberdade jurídica do acusado, diverso é o entendimento de Lopes Jr., afirmando que

a verdade material torna o acusado objeto de investigação e não sujeito de direitos.

Por fim, há autores entendendo que o sistema brasileiro é

predominantemente acusatório, apresentando suas justificativas:

Paulo Rangel expressa que o sistema adotado pelo Brasil é o acusatório,

mas que “não é puro em sua essência”. O fundamento do autor está na existência

de um inquérito policial sigiloso, inquisitório, em que o indiciado é objeto de

investigação, e ainda, este inquérito integra os autos do processo, ocorrendo

situações, como o exemplo dado por Rangel, em que o juiz ao tomar o depoimento

judicial de uma testemunha simplesmente faz a leitura do depoimento prestado na

fase policial e questiona se confirma ou não. Repare, neste caso a prova colhida na

fase policial não está submetida ao contraditório, e, mesmo assim, informa o início

da atividade jurisdicional em busca da verdade real. (2003, p. 52).

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43

Para Rangel o que determina o sistema brasileiro como acusatório não é a

legislação ordinária processual, e sim, a Constituição, por isso, o operador do direito

deve interpretar o sistema acusatório conforme a Constituição e o que estiver em

desacordo com seu texto não deve ser recepcionado. (2003, p. 53)

Rangel sugere que o inquérito policial não deve estar presente nos autos do

processo, com exceção das provas não renováveis (perícias e exames de corpo de

delito) que seriam utilizadas, diante disto, estaria em direção a um sistema

acusatório. (2003, p. 53)

Fernando da Costa Tourinho Filho se posiciona pelo entendimento que o

sistema brasileiro é acusatório, não um processo acusatório puro, mas uma forma

que ele denomina de “acusatório ortodoxo”. Para o autor, apesar do juiz poder

requisitar abertura de inquérito, decretar de ofício prisão preventiva, determinar a

realização da prova que bem quiser e entender, existe a separação entre acusar e

julgar, a acusação fica a cargo do Ministério Público (na ação pública), ou, no caso

de ação privada, a acusação é autorizada para a vítima, e ainda, o processo é

eminentemente contraditório. (2009, p. 36)

Eugênio Pacelli de Oliveira é adepto da corrente que classifica o sistema

processual penal brasileiro como um sistema acusatório. O sistema não pode ser

considerado como misto, pois esta classificação da doutrina toma como base a fase

investigativa, e a definição de um sistema processual deve ater-se a atuação do juiz

no processo. Conforme o autor “[...] E porque, decididamente, inquérito policial não é

processo, misto não será o sistema processual, ao menos sob tal fundamentação”.

(2008, p. 11)

Eugênio Pacelli de Oliveira afirma que:

Convém insistir que o inquérito policial, bem como quaisquer peças de informação acerca da existência de delitos, destina-se exclusivamente ao órgão da acusação, não se podendo aceitar condenações fundadas em provas produzidas unicamente na fase de investigação. A violação ao contraditório e à ampla defesa seria manifesta. (2008, p. 11)

Outros fatores, conforme Oliveira, caracterizam o sistema brasileiro como

acusatório: 1) a necessidade da decisão fundamentada, evitando que a sentença se

embase somente no inquérito policial; 2) a iniciativa probatória do juiz no direito

brasileiro é limitada ao esclarecimento de dúvidas sobre as provas produzidas pelas

partes, ressalvando produção de provas de ofício para demonstrar a inocência do

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44 acusado; 3) a possibilidade da participação do acusado e de seu defensor no ato do

interrogatório. (2008, p. 11-12)

Diante das divergências doutrinárias sobre o tema, e, levando em

consideração que todas as opiniões são abalizadas e fundamentadas por

renomados autores, inevitável a dúvida, e mesmo que após uma reflexão se adote

uma das opções esta adoção dificilmente será irreversível em razão da dinâmica do

conhecimento, das mudanças de interpretação e alterações legislativas.

Importante é a análise do sistema brasileiro realizada por Gilson Bonato, o

autor compara o Código de Processo Penal com o sistema Constitucional, sobre o

Código de Processo Penal explica:

Inicialmente, há que se assinalar que toda a legislação processual penal brasileira ainda em vigor foi fruto da influência dos regimes fascista e nazista, tendo o Código de Processo Penal, datado de 1941, forte influência do Código Italiano, lembrando que foi concebido na era getulista. As legislações posteriores não passaram de emendas ao Código, não tendo havido nenhuma reforma substancial nos últimos 60 anos. (2003, p. 101-102)

A Constituição Federal de 1988 “[...] trouxe consigo um novo quadro para o

direito processual penal, evidenciando a adoção de um modelo acusatório”, por este

aspecto, conclui Gilson Bonato, o Código de Processo Penal em muitos dispositivos

não foi recepcionado pela Constituição de 1988, necessitando de uma releitura da

legislação infraconstitucional processual penal para que fique em consonância com

os preceitos constitucionais. (2003, p. 102-103)

Em relação às características do sistema, Gilson Bonato levanta o problema

da autorização ao juiz que busque de ofício a produção de provas (já debatido neste

trabalho), para elucidar ponto relevante (art. 156 do CPP), informando que a

justificativa para esta permissão é a busca da verdade real, contudo, adverte

Bonato, que a Constituição Federal de 1988 não atribuiu ao juiz oportunidade de

colheita de provas que não esteja em consonância com o devido processo legal, e

complementa:

Em verdade, o juiz foi posto na posição de garante do exercício dos direitos fundamentais, cabendo-lhe fazer valer as garantias decorrentes desses direitos. A colheita da prova, principalmente na fase preliminar, compromete a imparcialidade do julgador, pois o juiz não pode ter idéias preconcebidas sobre o que vai decidir. Há um grande risco de se converter os meros atos investigatórios em atos de prova. A verdadeira função da justiça criminal é tornar efetivo o princípio do devido processo legal. (2003, p. 105)

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45

A conclusão de Gilson Bonato é que no plano ideal o sistema brasileiro é de

um processo acusatório, mas para que esse sistema se efetive na realidade é

preciso que a legislação infraconstitucional processual penal seja interpretada e

aplicada conforme a Constituição Federal. (2003, p. 106)

Diante do exposto, demonstra este trabalho que a idealização do sistema

processual penal presente na Constituição Federal de 1988 é de um sistema

acusatório na essência, não só porque em seu artigo 129, I determina que é função

institucional do Ministério Público “promover, privativamente, a ação penal pública,

na forma da lei”, o que expressa no plano ideal a separação das funções de acusar

e de julgar, mas principalmente porque o sistema que está de acordo com os valores

insculpidos na Constituição Federal, valores estes vinculados a um Estado

Democrático de Direito, é o sistema acusatório, pois, em razão dos direitos

fundamentais o acusado deve ser tratado como sujeito de direitos e não como objeto

de investigação em um processo criminal, o que retira, num plano ideal, a

possibilidade do juiz ter poderes instrutórios, devendo assumir de vez o papel de

protetor das garantias constitucionais do acusado.

Não tendo o juiz participação na gestão das provas, então a essência do

sistema é acusatória, refletindo em um processo, de acordo com a Constituição

Federal, em que se privilegia o contraditório, a ampla defesa e a presunção de

inocência, fatores importantes para esclarecer que o acusado não é um objeto de

investigação pra confirmar um pré-julgamento, mas sim um sujeito de direitos dentro

de um processo acusatório.

Como este sistema ainda está num plano ideal, parece que o melhor

posicionamento está com Aury Lopes Jr., Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e

todos aqueles que sustentam uma mudança na legislação processual penal

brasileira urgente,

Mas, enquanto isto não acontece, é preciso reconhecer que o sistema do

Código de Processo Penal é inquisitório, para que isto sirva de alerta aos

operadores do direito, principalmente os juízes, para que tenham o máximo cuidado

na aplicação das regras do Código de Processo Penal, como por exemplo, o artigo

156, I e II, para que garantias constitucionais não sejam quebradas por conta da

aplicação de regras infraconstitucionais.

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46 1.3.5 O código de processo penal e alguns exemplos de sua característica

inquisitória

Vários dispositivos do Código de Processo Penal podem ser contestados

face à Constituição Federal e a idealização de um sistema acusatório, cite-se como

exemplo:

1) art. 5º - permite que o inquérito policial seja iniciado por requisição da

autoridade judiciária, determina atividade acusatória ao juiz ferindo a imparcialidade;

2) art. 13 – permite ao juiz requisitar diligências à autoridade policial, mais

uma vez o juiz na gestão da prova, ou seja, inquisitoriedade;

3) art. 26 – autoriza o juiz iniciar ação penal nas contravenções penais.

Atividade acusatória para o julgador, característica inquisitória;

4) art. 156 – este dispositivo já foi comentado no trabalho e demonstra a

possibilidade da gestão da prova pelo julgador, bem como o princípio da verdade

real ou material. É modelo inquisitório, sendo que o legislador por meio da Lei

11.690/08 alterou o dispositivo dando maiores poderes acusatórios ao julgador,

perdendo a oportunidade de adequá-lo ao sistema constitucional;

5) art. 311 – a possibilidade do juiz de ofício decretar a prisão preventiva na

fase do inquérito policial é atribuição de atividade de acusação;

6) art. 385 – neste dispositivo as atividades de acusar e julgar também se

confundem na pessoa do juiz, o Ministério Público é o titular da ação penal, assim,

ele deveria ter a disposição sobre a pretensão acusatória (objeto do processo penal)

e como conseqüência ao pedir a absolvição o juiz fica vinculado ao pedido. Este

dispositivo é retrocesso ao modelo inquisitivo e atinge a imparcialidade do julgador

(LOPES JR., 2008, p. 103).

As alterações promovidas nos artigos 383 e 384 pela Lei 11.719/2008 serão

analisadas adiante em capítulo específico.

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2 O DEVIDO PROCESSO LEGAL

2.1 Parte histórica

O princípio do devido processo legal teve seu início na Inglaterra, depois

teve um marco histórico nas colônias norte-americanas com a edição do “bill of

rigths” e suas emendas em que houve previsão expressa.

Esta análise histórica do princípio será feita de forma limitada mas com

dados suficientes para uma compreensão da construção e da importância que se

elevou o princípio nos sistemas jurídicos atuais, principalmente a verificação na

Inglaterra e nos Estados Unidos.

Com a consciência dos Estados em valorizar cada vez mais os direitos

fundamentais do homem, o princípio do devido processo legal tem um

inquestionável papel de garantidor destes direitos em relação à atuação estatal, por

isso a necessidade de uma breve visão sobre o processo histórico envolvido.

2.2 O devido processo legal e sua origem na Inglaterra

A Magna Carta das Liberdades é reconhecida como o documento que deu

origem ao princípio do devido processo legal, em data de 15 de junho de 1215,

quando o então Rei João Sem Terra pressionado pelos nobres acabou por apor o

selo real em uma declaração de direitos que tinha como intuito enfraquecer o

autoritarismo que vivia a Inglaterra em função da Monarquia.

Os problemas causados por má administração aconteciam desde o reinado

de Henrique II, o que piorou por meio dos governos seguintes, ou seja, dos filhos de

Henrique II, entre eles Ricardo Coração de Leão que lutou pelo trono com luta contra

seu pai e irmãos e acabou assumindo o trono, e depois o reinado de João Sem

Terra.

Da mesma forma que Ricardo Coração de Leão conseguiu seu trono, com

luta, continuou seu reinado, envolvendo-se em vários conflitos, o que trazia

inúmeros gastos para a Inglaterra gerando maiores crises internas, principalmente a

insatisfação dos barões que se viam ameaçados com as ingerências e o

autoritarismo que o país era dirigido.

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Como Ricardo Coração de Leão sempre se envolvia em batalhas,

especificamente nas Cruzadas, seu irmão João Sem Terra aproveitou para assumir

o trono, na época em que a Inglaterra entrou em conflito com a França.

Neste período os barões ingleses revoltados com o autoritarismo dos

monarcas e não podendo atuar para reivindicar seus privilégios frente a

possibilidade de não agradar o povo inglês, aproveitaram o incidente entre o Rei

João e o Papa Inocêncio III – fato ocorrido por divergência na escolha do arcebispo

de Conterbury em 1206, ocasião que o Rei foi excomungado pelo Papa – e a

retratação do Rei em 1213, e mais, o fracasso da guerra contra a França,

encarregaram o Arcebispo de Conterbury para elaborar uma declaração

reivindicando direitos e encaminharam ao Rei.

O Rei João somente concordou com documento de direitos depois que

ameaçado de guerra interna, em que a igreja e os barões organizaram exércitos e

encaminharam em direção à Londres, conhecidos como Exército de Deus e da

Santa Igreja.

Este documento é a conhecida Magna Carta das Liberdades, e

reconhecidamente o que deu origem ao princípio do devido processo legal, pois nela

foram estabelecidos direitos individuais que o Estado não poderia atingir, forma de

proteção de tais direitos contra o autoritarismo do governo da Inglaterra.

Apesar de que o monarca somente assinou o documento por pressão e não

por intenção de garantir direitos aos indivíduos, e ainda, que os maiores

beneficiados de forma imediata foram a igreja e os barões, ou seja, continuou a

minoria deter o poder, a idéia garantidora do princípio tomou grandes proporções

com a repercussão que teve na história, principalmente como parâmetro e como

fundamento das Constituições modernas.

Conforme Carlos Roberto de Siqueira Castro:

Ao despontar na Idade Média, através da Magna Carta conquistada pelos barões feudais saxônicos junto ao rei JOÃO “SEM TERRA”, no limiar do Século XIII, e embora inicialmente concebido como simples limitações às ação reais, estava esse instituto fadado a tornar-se a suprema garantia das liberdades fundamentais do indivíduo e da coletividade em face do Poder Público. Aqueles revoltados de alta linhagem que, sob a liderança do arcebispo de Canterbury, Stephen Langton, conquistaram a aposição do selo real naquela autêntica declaração dos direitos da nobreza inglesa frente à Coroa, jamais poderiam cogitar que nesse dia 15 de junho do ano de 1215 se estava lançando aos olhos da história da civilização a sementeira de princípios imorredouros, como o da “conformidade com as

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leis”, o do “juiz natural”, o da “legalidade tributária” e o instituto do habeas corpus.(1989, p. 7)

Justamente por estabelecer esta quebra com o absolutismo a Magna Carta

da Inglaterra teve tanta importância, pois certamente foi um grande primeiro passo

para o reconhecimento mais efetivo dos direitos dos cidadãos.

No começo o princípio foi conhecido como law of land, - Lei da terra - tendo

uma inspiração jusnaturalista que influenciava as instituições jurídicas anglo

saxônicas, significava que os direitos naturais elencados na Magna Carta somente

poderiam sofrer a intervenção do Estado por intermédio de procedimentos aceitos

pela sociedade conforme a lei da terra, ou seja, conforme o que se entendia por

direito na commom law, que tinha sua força nos precedentes judiciais.

No estudo de Carlos Roberto de Siqueira Castro com base em Rodney L.

Mott:

Muito embora a Magna Carta não tivesse utilizado a locução due process of law, sabe-se que esta logo sucedeu, como sinônima, a expressão law of the land. É certo nesse sentido, que já no século seguinte, durante o reinado de Eduardo III, no ano de 1354, foi editada uma lei do Parlamento inglês (statute of Westminstee of the Liberties of London) em que o termo per legem terrae é substituído pelo due process of law, o que é curiosamente atribuído a um legislador desconhecido (some unknown draftsman), segundo a meticulosa explicação histórica de Rodney Mott em seu festejado livro sobre o assunto. Na realidade, nesse período da primeira infância do nosso instituto, as expressões law of the land, due course of law e a due process of law, que acabou se consagrando, eram tratadas indistintamente pela mentalidade jurídica então vigorante. (1989, p. 10)

Com a Magna Carta, mesmo não tendo uma tradução predominante, revela

claramente a intenção de preservar os direitos dos súditos restringindo o poder do

soberano, como por exemplo, o princípio da judicialidade em que o homem somente

poderia ser preso por ordem de um juiz, além deste também foi previsto na Magna

Carta o direito à liberdade de ir e vir, a propriedade privada e a proporção entre a

pena e o delito.

A expressão law of land surgiu face às decisões dos magistrados reais que

andavam pelos territórios e na apreciação dos casos se informavam sobre os

costumes locais, e assim podiam analisar qual era o comportamento esperado

daquela região, quais as regras locais.

Importante ressaltar, que na Inglaterra o direito não tem sua base em

legislações, mas sim na commom law, que por meio da razoabilidade resolviam os

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50 casos e criavam os precedentes, desta forma o devido processo legal era analisado

no caso concreto que tinha sua própria solução (razoável) conforme as

circunstâncias apresentadas.

O direito inglês e o princípio estudado influenciaram o direito estadunidense

do norte, primeiro as Colônias e depois a Constituição Norte-americana e sua Carta

de Direitos – Bill of Rights –, sendo que a partir de então, em suas cortes buscaram

a melhor forma de aplicar e interpretar a cláusula do devido processo legal conforme

o caso, o que veremos com a evolução do princípio nos Estados Unidos.

2.3 O devido processo legal nos Estados Unidos da América do Norte

2.3.1 A constituição dos Estados Unidos e o “bill of rights”

Mesmo após a independência das Colônias na América do Norte, continuava

a influência da Inglaterra, fato que incentivou o manifesto das Colônias para se

juntarem e ficarem mais fortalecidas. Surgia então a idéia da formação da

Federação dos Estados Unidos.

O passo seguinte seria realizar a Constituição que criaria a Federação entre

as Colônias, porém não foi tarefa das mais fáceis; a primeira convenção foi em 1787

com sede na Filadélfia que enviou sua proposta da Constituição ao Congresso que

remeteria aos Estados para ratificação.

Nesta primeira convenção os federalistas se movimentaram para que

houvesse a ratificação, o que não aconteceu com o sucesso esperado, pois o grupo

antifederalista ficou irredutível e exigiu uma segunda convenção nacional, resultando

que os grandes estados não ratificaram a proposta da Constituição. (ABRAHAM,

1978, p. 52)

Um dos principais motivos era de que a Constituição formada pelos

federalistas não tinha previsão expressa dos direitos individuais, dando uma grande

abertura para que formasse um governo autoritário que estabelecesse as regras e

determinasse o que era direito e o que não era, conforme sua conveniência.

O ponto desta divergência está no fato que o descontentamento dos

antifederalistas era relacionado com a forma de governo que os federalistas queriam

implantar; achavam, os antifederalistas, que estava desvirtuado dos princípios

defendidos na Independência das Colônias, tratava-se de um documento

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51 aristocrático utilizado no interesse de uma minoria que pretendia o poder.

(GOLDWIN, 1986, p. 190)

Em verdade, conforme os estudos realizados, percebe-se que a formação da

Federação dos Estados Unidos da América do Norte não estava fundamentada em

valores sociais, a história indica que os interesses envolvidos eram muito mais

econômicos, justamente como uma forma de unir as Colônias contra as ações da

Inglaterra, que por vezes criava barreiras para o comércio no novo continente.

Talvez por isso, muitos como Gordon S. Wood, questionam se a

Constituição Americana é realmente democrática como pregam seus defensores, e

como o próprio povo norte americano pensa sobre sua nação e sua Constituição. Se

todo o momento foi iluminado pelo liberalismo em torno da economia, essa

Constituição acaba tendo seus valores sociais e democráticos colocados em

segundo plano. Isto pode ser uma resposta do porque nas primeiras propostas a

Constituição não possuía um rol de direitos do cidadão, mas apenas determinações

dos poderes e ações do novo governo. (GOLDWIN, 1986, p. 187)

Irving Kristol, a respeito do tema, conclui que:

A Constituição Americana é um documento altamente paradoxal. Retoricamente, é seco, legalístico, carente de eloqüência. Substantivamente, embora na verdade não seja “a obra de homens que acreditassem no pecado original”, como pensava James Bryce, revela sem dúvida aquilo que se poderia chamar de visão “realística” da natureza humana – i.e, uma visão mais consciente da ausência de virtudes humanas que de sua presença, uma visão céptica quanto à capacidade dos seres humanos se governarem sem a prévia imposição de severos autocontroles institucionais. Não há “fé democrática” visível nessa Constituição. Mesmo assim é um documento fundamental que é venerado por um povo para quem uma tal “fé democrática” representa um dogma popular tão inquestionável quanto se pode imaginar numa era secular como a nossa. (KRISTOL, 1988, p. 5)

A ação dos federalistas em fazer uma Constituição sem expressar os direitos

acabou por gerar este sentimento de dúvida em relação à democracia. Contudo,

quando os federalistas perceberam que os Estados não ratificariam a Carta

Constitucional, já na Convenção de Massachusetts, colocaram uma proposta de que

fosse ratificado o texto Constitucional e em conjunto com a ratificação fosse

recomendada uma série de emendas para estabelecer os direitos individuais.

(ABRAHAM, 1978, p. 53)

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52

Desta forma, houve a ratificação da Constituição e em 1789 James Madison

introduziu no congresso uma série de emendas, sendo que dez delas foram

ratificadas e constituíram a Carta de Direitos (The Bill of Rights). (ABRAHAM, 1978,

p. 56)

Nesta Carta de Direitos estavam contidas regras para limitação do poder do

governo federal e por outro lado proteção para os direitos individuais dos cidadãos

estadunidenses.

A dificuldade depois da Carta de Direitos era convencer os Estados a

aplicarem os direitos fixados em suas relações, ou seja, incorporar os direitos

individuais previstos. Os Estados criaram muita resistência, o que passaremos a

tratar.

2.3.2 A incorporação do bill of rigths aos Estados

O grande problema da aceitação da Carta de Direitos pelos Estados

membros era o fato que a união dos Estados, para formar a Federação, não retirou a

autonomia dos Estados, ou seja, eles tinham suas próprias Constituições e

entendiam que as restrições representadas na Carta de Direitos somente deveriam

ser aplicadas a nível federal e não em relações envolvendo somente o Estado

internamente.

Casos como Barron v. Baltimore foram levados à Suprema Corte que

acabou adotando o critério de que os Estados não estariam restringidos pelas regras

da Carta de Direitos.

Com a entrada em vigor da Décima Quarta Emenda no ano de 1868, a

chamada cláusula do devido processo legal, começou a grande discussão sobre a

obrigatoriedade dos Estados em incorporar a Carta de Direitos em suas

Constituições e aplicá-las. (FANCHIOTTI, 1987, p. 7)

Duas grandes correntes surgiram, a Total Incorporation Interpretation

(hermenêutica da incorporação total) e a Selective Incorporation Interpretation

(hermenêutica da incorporação seletiva).

Para a Total Incorporation Interpretation a incorporação da Carta de Direitos

aos Estados após a Décima Quarta Emenda deveria ser total, irrestrita e automática,

sendo que seus defensores tinham como objetivo que os direitos individuais

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53 ganhassem efetividade sem distinção do Estado em que o cidadão está localizado,

não foi a tese vencedora, mas adotado por juízes mais preocupados com valores

humanos como por exemplo o Juiz Black que assumiu a posição de incorporação

total no caso Adamson v. Califórnia que houve um problema de auto incriminação,

porém foi voto vencido. (RODRIGUES, 1958, p. 290)

A teoria vencedora foi a da Selective Incorporation Interpretation, para a qual

a incorporação da Carta dos Direitos não foi imediata com o advento da Décima

Quarta Emenda, deveria ser seletiva e respeitar caso a caso, uma visão bem mais

conservadora e que atendia aos interesses políticos dos que detinham o poder.

Entre os formadores desta corrente estavam os Juízes Felix Frankfurter e Benjamin

Nathan Cardozo. No caso Adamson v. Califórnia esta tese foi vencedora por se

tratar a Quinta Emenda de um direito fundamental e não por incorporação

automática, o fundamento de Frankfurter era de que o judiciário não poderia aplicar

as normas arbitrariamente e sim perceber o sentimento de justiça por meio da

decência e da imparcialidade para aplicar a cláusula do devido processo legal.

(RODRIGUES, 1958, p. 289)

Depois destas discussões a Suprema Corte teve algumas variações de

entendimento, mas ficou como tese majoritária a Selective Incorporation

Interpretation.

Concluindo, a Décima Quarta Emenda, apesar das restrições em sua

incorporação, surgiu como garantia para proteção dos direitos individuais

substantivos previstos no Bill of rights.

2.3.3 Décima quarta emenda “a cláusula do devido processo legal”

O princípio do devido processo legal veio com a Décima Quarta Emenda da

Carta de Direitos, conhecida como cláusula do Devido Processo Legal, justamente

pela relevância na incorporação do Bill of Rigths pelos Estados, conforme já

exposto, mas também pelo fato desta cláusula atuar como se fosse o princípio

democrático na Constituição, ou seja, com esta Emenda os direitos da Carta

ganharam uma maior garantia.

A Décima Quarta Emenda entrou em vigor no ano de 1868 com o seguinte

texto:

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54

Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãs dos Estados Unidos e do Estado-membro onde residam. Nenhum Estado-membro poderá fazer ou aplicar nenhuma lei tendente a abolir os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privá-los da vida, liberdade, ou propriedade, sem o devido processo legal; nem poderá denegar a nenhuma pessoa sob sua jurisdição igual proteção das leis. (RAMOS, 2006, p. 269)

A criação da citada emenda é mais uma evidência que a Constituição dos

Estados Unidos, em sua formação inicial, deixou de atender os direitos dos

cidadãos, o que parece razoável o questionamento, conforme visto anteriormente,

por alguns autores de que a Constituição Americana seria realmente democrática.

Como já foi discutido neste trabalho o tema da sua incorporação aos

Estados-membros, passaremos nesta fase para um estudo sobre a denominação

desta Emenda como “Cláusula do Devido Processo Legal”.

A origem do princípio do devido processo legal remonta à Carta Magna de

1215, significando que “ninguém poderia ser processado senão mediante um

julgamento regular pelos seus pares ou em harmonia com a lei do País”.

Importante ressaltar que a Quinta Emenda já trazia em seu texto o devido

processo legal, porém seu alcance era mais restrito do que a Décima Quarta

Emenda, primeiro porque era aplicada em âmbito federal e não estadual, segundo

porque não teve o alcance material que a nova emenda trazia. O texto da Quinta

Emenda é o seguinte:

Ninguém poderá ser detido para responder por crime capital, ou por outra razão infame, salvo por denúncia ou acusação perante um grande júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá ser sujeito, por duas vezes, pelo mesmo crime, e ter sua vida ou integridade corporal postas em perigo; nem poderá ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo, nem poderá ser privado da vida, liberdade, ou propriedade, sem devido processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização. (RAMOS, 2006, p. 265)

Neste aspecto, a cláusula do devido processo legal assegurava um processo

justo e conforme os regulamentos, mas não questionava o conteúdo dos atos do

governo exercendo a jurisdição, o que poderia determinar um processo regular

conforme regras estabelecidas, mas que não respeitasse o direito à intimidade do

acusado.

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55

Nas decisões pela Suprema Corte, a partir da Décima Quarta Emenda,

começou a ser construído um novo conceito para a cláusula do devido processo

legal, agora sim preocupado em garantir direitos substantivos dos envolvidos,

passou a incidir sobre direitos materiais.

Assim, a cláusula do devido processo legal passa a atuar como norma

protetora dos direitos fundamentais previstos nas emendas anteriores, torna-se uma

garantia.

O critério para a construção deste substantive due process é o da

razoabilidade, principalmente utilizado contra ações arbitrárias e irrazoáveis.

Com isso, percebe-se que toda formação jurisprudencial em torno da

proteção dos direitos estabelecidos na Quarta Emenda teve um grande reforço com

a entrada em vigor da Décima Quarta Emenda.

Porém, como já descrito neste trabalho, é preciso lembrar que a

incorporação da Carta de Direitos aos Estados pela Décima Quarta Emenda não foi

automática, foi ocorrendo aos poucos, quebrando barreiras de interesses daqueles

que determinavam as situações e as decisões.

Um dos defensores da incorporação automática da Carta de Direitos foi o

Juiz Hugo Lafayette Black. Interessante sobre este Juiz da Suprema Corte é que

sofreu restrições quando da sua nomeação para assumir o cargo, pois entendiam

que era uma pessoa liberalista ao extremo e que defenderia interesses econômicos.

Porém, o Juiz Black surpreendeu com suas posições em defesa dos direitos

fundamentais do ser humano.

Black fez grandes críticas àqueles que se utilizam da cláusula do devido

processo legal para prevalecer interesses políticos e ideológicos particulares, sem

verificar o verdadeiro sentido dos direitos constitucionais, pois os termos “razoável”,

“chocar a consciência”, “injustiça”, “arbitrariedade”, podem ser utilizados conforme a

conveniência do aplicador e do grupo que ele representa. Black entendia que a lei

deveria ser interpretada igualmente para todos. (BLACK, 1970, p. 52)

Sendo assim, o que transparece é que a cláusula do devido processo legal

agiu como verdadeira tábua de salvação para os direitos individuais, ao contrário do

que ocorre no Brasil onde o sistema é plenamente informado pelo princípio

democrático, no direito norte americano, a salvaguarda está no devido processo

legal no sentido material e processual.

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56 2.4 O devido processo legal no direito brasileiro

O princípio do devido processo legal só teve sua garantia expressa na

Constituição de 1988, antes era aplicado com a utilização do direito comparado,

principalmente o direito norte-americano o que melhor desenvolveu o sentido do

princípio.

No Império não tinha como suscitar o devido processo legal, primeiro porque

não havia previsão expressa, segundo e mais importante porque os poderes do

Imperador eram absolutos, o que inclusive impedia a existência de um Poder

Judiciário independente.

Com a Proclamação da República e com a elaboração da Constituição de

1891 inspirada na Constituição norte-americana de 1787, mesmo não sendo

expressamente prevista a cláusula do devido processo legal, direitos individuais

vieram delineados na Carta Constitucional como forma de garantia dos indivíduos.

Isto possibilitou o surgimento da idéia do devido processo legal, como por exemplo a

ampla defesa e a proibição da prisão sem formação de culpa. Além dos direitos

individuais a Constituição trouxe garantias ao Poder Judiciário o que poderia fazer

com que este órgão fosse o protetor dos direitos aplicando o direito.

Ocorre que as intenções inseridas no texto constitucional de 1891 ficaram

longe de se efetivarem, da mesma forma que os direitos individuais não puderam ser

obtidos.

As Constituições de 1934 e 1937 vieram informadas por um período

autoritário em que os direitos individuais passaram esquecidos, em conseqüência

não houve a previsão do devido processo legal.

A Carta de 1946 trouxe um capítulo com previsão dos direitos individuais,

porém não estava entre eles o devido processo legal, contudo tal constituição foi

formulada com idéias democráticas o que possibilitou a influência do princípio.

As Constituições de 1967 e 1969 surgiram no período do golpe militar, com

isso os direitos individuais foram colocados em segundo plano, assim, também ficou

esquecido o princípio do devido processo legal.

Enfim, preocupado com os direitos e garantias constitucionais a Constituição

de 1988 inseriu expressamente o princípio do devido processo legal em seu art. 5º,

LIV.

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57 2.5 Conceito de devido processo legal

Analisando a origem e a evolução do devido processo legal conclui-se que o

instituto surgiu como instrumento de defesa ou garantia dos direitos fundamentais,

tanto a law of land da Inglaterra como o due process of law estadunidense foram

necessários para resguardar direitos, tutelando a vida, a liberdade, a propriedade,

etc.

De forma específica a doutrina divide em devido processo legal em sentido

processual ou formal e devido processo legal em sentido material ou substantivo.

O devido processo legal em sentido processual significa que os

procedimentos devem ser respeitados conforme as regras estabelecidas, tanto na

investigação quanto na instrução e julgamento. O devido processo é um somatório

de atos preclusivos e coordenados, cumpridos dentro da formalidade estabelecida e

pelas partes envolvidas, principalmente quanto a competência do juiz. (SANCHEZ,

2001, p. 193)

Conforme Paulo Fernando Silveira:

O devido processo legal procedimental refere-se à maneira pela qual a lei, o regulamento, o ato administrativo ou a ordem judicial são executados. Verifica-se, apenas, se o procedimento empregado por aqueles que estão incumbidos da aplicação da lei, ou do regulamento, viola o devido processo legal, sem se cogitar da substância do ato. (2001, p. 242)

Neste sentido o devido processo legal é uma garantia processual com o

objetivo de resguardar a regularidade do processo. (BONATO, 2003, p. 31)

Gilson Bonato cita como exemplo o caso Miranda v. Arizona, de 1966, em

que a Suprema Corte reverteu condenações por estupro e seqüestro, pelo fato de

que Miranda foi preso e interrogado sem o aviso de teria direito a um advogado. No

caso, sem a presença de advogado, a polícia obteve a confissão de Miranda,

servindo para sua condenação. A Suprema Corte entendeu que o procedimento não

foi respeitado, pois não houve demonstração que foi possibilitado a Miranda o direito

de permanecer calado, bem como sobre a presença de um advogado. O que

demonstra a garantia de um processo regular. (2003, p. 33)

Explica Bonato, sobre o sentido processual, que:

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58

Garantidor de um devido processo criminal, o princípio abarcava as garantias explícitas e implícitas das liberdades preconizadas pela Constituição. Dentre as garantias expressas, vale destacar a proibição de Bill of attainder e da retroatividade das leis (ex post facto Law), ambas contidas no artigo 1º da Constituição, bem como as garantias expressas na V Emenda, quais sejam, julgamento por júri (jury trial), proibição de ser julgado duas vezes pelo mesmo fato (doble jeopardy) e a vedação da auto-incriminação forçada (self incrimination). Já a VI Emenda previa o direito a um julgamento rápido e público (speedy and public trial), júri imparcial e competente territorialmente, o direito do acusado ser informado da natureza e causa da acusação (fair notice), além do direito de defesa e ao contraditório. (2003, p. 34)

Sobre esta concepção processual do devido processo Bonato conclui que

“[...] não objetivava analisar e limitar o mérito ou o conteúdo das normas jurídicas,

adstringindo-se a um enfoque estritamente processualístico, não pretendendo

emprestar ao princípio um sentido substantivo”. (2003, p. 36)

O outro conceito de devido processo é o conceito material ou substantivo.

Conforme Sánchez o conceito material é o conjunto entre a noção formal do devido

processo mais o cumprimento dos fins e direitos fundamentais, das garantias

constitucionais, limitando o poder ou função punitiva do Estado. Para o autor há o

devido processo do ponto de vista material se são respeitados a liberdade, a justiça,

a dignidade humana, a igualdade, a segurança jurídica e os direitos fundamentais,

como a legalidade, o contraditório, defesa, celeridade, publicidade, proibição da

reformatio in pejus e do duplo processo pelo mesmo fato. (2001, p. 193)

Conforme Paulo Fernando Silveira:

[...] para o substantivo devido processo, a lei deixa de ser um instrumento afirmativo, positivista, modeladora da sociedade (norma de injunção futurista), para ser encarada pela sua concepção negativa, ou seja, no sentido de que o governo não pode interferir em determinadas áreas sensíveis do direito, notadamente no que concerne aos direitos fundamentais, sem a comprovação prévia, real e concreta, da existência de um sobrepujante interesse público, que o compele, coativamente, a agir, restringindo direitos, sem, contudo, os anular completamente. (2001, p. 245)

João Gualberto Garcez Ramos realizou trabalho aprofundado sobre o

processo penal norte-americano, e em sua obra explica que este caráter substancial

do devido processo legal teve maior repercussão na Suprema Corte a partir da

metade do século XIX (2006, p. 170), sendo possível observar o devido processo

legal como avaliação do conteúdo referente aos direitos fundamentais. O autor cita

vários casos, entre eles o caso Coppage v. Kansas:

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Em Coppage v. Kansas, 236 US 1 (1915), o juiz associado Mahlon Pitney (1858-1924) escreveu pela Suprema Corte que “a 14ª emenda impede os Estados de privarem alguém da liberdade pessoal ou da propriedade, ou de materialmente restringirem o exercício desses direitos, exceto se isso for incidentalmente necessário para o outro objetivo, desde que esse objetivo atenda ao interesse público. A mera restrição da liberdade e propriedade não pode ser por si mesma considerada de ‘interesse público’ e tratada como objetivo legítimo do poder de polícia; essa espécie de restrição é que é verdadeiramente inibida pela 14ª emenda”. (2006, p. 174)

Carlos Roberto Siqueira Castro explica que a cláusula do devido processo

legal é uma forma de controlar as leis e os atos do governo em geral por meio “da

razoabilidade e da racionalidade, ou da justa medida, da medida proporcional”.

(2005, p. 78)

Para Castro:

O abandono da visão estritamente processualista da cogitada garantia constitucional (procedural due process) e o início da fase substantiva na evolução desse instituto (substantive due process) retrata a entrada em cena do Poder Judiciário como árbitro autorizado e conclusivo da legalidade e do próprio mérito axiológico das relações do governo com a sociedade civil. Com isso, os Juízes assumiram o papel de protagonista no seio das instituições governativas, deixando de ser mero coadjuvantes das ações do Executivo e do Legislativo. A dialética do poder e as metafísicas questões do direito público passaram a contar, no plano institucional, com a autoridade dotada de prerrogativa decisória (do final enforcing power) e revestida das credenciais de intérprete derradeiro do sentido e alcance da Constituição: os órgãos da Justiça. (2005, p. 80)

Desta forma, o sentido material ou substantivo do devido processo legal

exige, além do respeito ás regras processuais como forma, como procedimento a ser

seguido, que o Poder Judiciário ao aplicar uma lei estabeleça um juízo sobre o seu

conteúdo, resguardando com isto os direitos fundamentais em um Estado

Democrático de Direito.

Não basta seguir corretamente o processo pré-estabelecido se as regras

aplicadas ferem a vida, a liberdade, a igualdade, a propriedade, neste sentido o

devido processo legal, no caso, o devido processo penal é garantia dos direitos

fundamentais do acusado.

2.6 O devido processo penal e sua instrumentalidade

A partir da idéia de devido processo legal processual e substantivo tem-se

que serve para garantia dos direitos fundamentais, tanto é que a cláusula do devido

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60 processo tem previsão constitucional no art. 5º, inciso LIV: “ninguém será privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Na obra sobre direitos fundamentais, Alexandre de Moraes salienta que a

Constituição Federal atual referiu-se expressamente ao devido processo legal,

conforme citado acima, explicando que:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal). (2007, p. 264)

Diante disto, e levando em consideração o estudo realizado sobre processo

e Constituição, o processo penal no ambiente da Constituição Federal é o devido

processo penal com aspecto garantista.

Para Eugênio Pacelli de Oliveira “o devido processo penal constitucional

busca, então realizar uma Justiça Penal submetida a exigências de igualdade efetiva

entre os litigantes”. Ainda, conforme o autor o processo justo deve ser aquele em

que está garantido o contraditório, a ampla defesa, o juiz natural, e que o

convencimento do juiz seja motivado. (2008, p. 7-8)

No aspecto garantista o devido processo penal torna-se um instrumento para

a concretização do direito penal respeitando os direitos fundamentais. Bonato

explica que em seu caráter instrumental:

Um processo penal realmente democrático e de estrutura acusatória deve estar preocupado precipuamente com as garantias do sujeito passivo, ou seja, do acusado ou investigado. É ele o parâmetro para qualquer modificação evolutiva desse ramo do direito, pois em torno dele gira todo o processo e ninguém mais do que ele tem interesse no seu desenvolvimento regular e justo. (2003, p. 111)

Conforme Lopes Jr. a instrumentalidade do processo está ligada a aplicação

da pena, o autor argumenta que não é possível a reprovação do Estado sem o

prévio processo, acrescenta-se a idéia do autor, que nem mesmo perante o

consentimento do acusado é possível dispensar o processo, reforçando a

instrumentalidade do processo penal. Assevera Lopes Jr. que:

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A strumentalitá do processo penal reside no fato de que a norma penal apresenta, quando comparada com outras normas jurídicas, a característica de que o preceito tem como conteúdo um determinado comportamento proibido ou imperativo e a sanção tem como destinatário aquele poder do Estado, que é chamado a aplicar a pena. (2008, p. 24)

Lopes Jr, conclui que ”em suma, nossa noção de instrumentalidade tem

como conteúdo a máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais da

Constituição, pautando-se pelo valor dignidade da pessoa humana [...]”. (2008, p.

26)

Para eficácia desta instrumentalidade a Constituição Federal elenca algumas

garantias inerentes ao devido processo penal (TUCCI, 2004, p. 71-72):

1) acesso à justiça – art. 5º, LXXIV e LXXVII;

2) juiz natural – art. 5º, XXXVII, XXXVIII e LIII;

3) tratamento paritário – art. 5º, caput e inciso I;

4) plenitude de defesa - art. 5º, LV e LVI;

5) publicidade dos atos processuais e motivação dos atos decisórios – art.

5º, LX e art. 93, IX;

6) prazo razoável de duração do processo – art. 5º, § 2º;

7) legalidade da execução penal – art. 5º, XLV, XLVI, XLVII, XLVIII, XLIX, XL

e LXXV.

Importante para a análise das circunstâncias dentro da individualização da

pena, tema central deste trabalho, é a garantia da motivação da sentença, prevista

na Constituição Federal no art. 93, IX.

A motivação ou fundamentação da sentença serve para o controle da

racionalidade da decisão judicial, é a explicação da decisão, o que levou o julgador a

conclusão sobre autoria e materialidade. (LOPES JR., 2008, p. 196)

Todas as circunstâncias aplicadas na individualização da pena, devem ser

comprovadas e sua aplicação fundamentada, em relação a oportunidade da

aplicação e também ao quantum a ser aplicado, desta forma se revela o devido

processo penal. Conforme Bonato:

Portanto, a fundamentação dos atos decisórios, mesmo que decisão interlocutória, é exigência direta do princípio do devido processo. As motivações decisionais revelam respeito para com a pessoa do acusado e

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sua dignidade, dando-lhe, inclusive, a oportunidade de poder exercer a ampla defesa em eventual recurso, caso a decisão motivada lhe tenha sido desfavorável. (2003, p. 180)

Esta reflexão de instrumentalidade do devido processo penal, assumindo um

papel democrático e garantista, deve ser aplicada na individualização da pena e na

interpretação das circunstâncias judiciais e legais no momento da elaboração da

sentença penal condenatória.

Com isto, o próximo capítulo tratará do conceito de sentença e o exercício

de interpretação realizado neste instrumento processual, para depois analisar a

individualização da pena como tema específico.

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3 A SENTENÇA PENAL COMO INSTRUMENTO PROCESSUAL PARA A

INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

Podemos encontrar como significado da palavra sentença (em latim

sententia): máxima, provérbio, oração. Mas, no plano jurídico, sentença significa

decisão, veredicto, e mais ainda, conforme Jonatas Luiz Moreira de Paula:

Examinar a sentença é estudar a própria essência do direito como ordem jurídica; é estudar o Estado como ente soberano; é estudar a jurisdição como integrante da ciência processual; é analisar as instituições públicas como arquitetas da transformação social. O tema é vasto e muito amplo. Para se ter uma idéia, em dado momento doutrinário, é possível verificar a confusão conceitual entre jurisdição e sentença. É o que ocorre, por exemplo, nos conceitos de Giuseppe Chiovenda – a jurisdição como a atuação da vontade concreta da lei – ou de Francisco Carnelutti – a jurisdição como a aptidão em produzir coisa julgada. Em tais conceitos, é possível fazer a seguinte indagação: quando haverá a atuação concreta da lei? Quando haverá a justa composição da lide? Quando haverá a produção da coisa julgada? Para tais questões, a resposta é a mesma: a partir da sentença. (2005, p. 41)

A verificação das circunstâncias judiciais e legais do crime para fins de

individualização da pena é realizada na sentença penal condenatória, assim, é

importante fazer o estudo sobre a sentença e sua importância como instrumento

processual na interpretação e aplicação do direito.

Eugênio Pacelli de Oliveira faz a seguinte argumentação:

Por meio da sentença o Juiz Criminal julga definitivamente o mérito da pretensão penal, resolvendo-o em todas as suas etapas possíveis, a saber: a da imputação da existência de um fato (materialidade), a imputação da autoria desse fato e, por fim, o juízo de adequação ou valoração jurídico-penal da conduta. (2008, p. 504)

Desta forma, o conceito de sentença no ensinamento de José Frederico

Marques:

[...] Na verdade, a sentença, como instante jurisdicional básico da fase de cognição do processo penal condenatório, é o ato de composição do litígio ou causa penal, em que o preceito normativo abstrato, imposto pela ordem jurídica, transforma-se em preceito concreto e específico. [...] (2000, p. 1)

Aramis Nassif ensina que a essência da sentença penal é o conflito e o

direito, e faz a seguinte definição:

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A sentença penal pressupõe, necessariamente, a existência de um processo com toda a tipologia formal e de um dossiê inquisitorial, e a lhes anteceder um conflito que, na visão da autoridade policial e do Ministério Público, amolda-se a um tipo de direito material. (2004, p. 437)

Estas definições, com a tarefa de identificar o objeto do estudo, já indicam

toda a importância do tema, mas para alcançar a total relevância do ato da sentença

o estudo deve ultrapassar seu significado e sua forma, seguir e revelar toda sua

complexidade, seu significado, forma, uso e função.

Em um pensamento meramente conceitual o ato de sentenciar é o momento

que o juiz aplica o direito ao caso concreto, assim, é um ato processual que

resolverá o processo, tanto com a resolução do mérito, quanto sem esta resolução.

Neste trabalho interessa a sentença que põe termo ao processo resolvendo

a situação fática exposta, ou seja, o mérito, e neste contexto a sentença não pode

ficar reduzida a um aspecto formal de terminar o processo com a aplicação do direito

ao caso concreto, pois, este ato tem reflexos muito mais importantes, reflexos estes

que podem ser individuais, entre as partes do processo, mas que também podem

ser sociais, econômicos, políticos.

O ato de sentenciar é a forma com que o juiz faz a subsunção da lei ao caso

concreto, mais ainda, é o instrumento em que o julgador interpreta o direito de uma

sociedade, é o momento em que realmente o direito se realiza quando colocado em

uma situação de conflito que necessita de seu reequilíbrio.

Na análise de Aramis Nassif o conflito é uma conseqüência da união da

comunidade em resposta contra a violência individual, sendo que o direito nasce da

força dessa comunidade, com isto, a sentença deve levar em consideração a

evolução do direito que reflete a evolução da sociedade em todos seus aspectos.

(2004, p. 438)

Em qualquer hipótese, a evolução do direito, mais do que se pode ver atestada na sentença – e nela deve estar registrado este processo evolutivo da comunidade pela transformação, por exemplo, dos costumes, da política e das novas necessidades -, faz notar que existem forças legislativas que representam os movimentos sociais, revolucionários, reacionários e, mesmo, de inspiração religiosa, que promoverão sua adaptação e a legitimidade normativas e ampliarão a informação do Estado em nova concepção de punibilidade dos conflitos. (NASSIF, 2004, p. 438)

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É preciso estar atento de qual força surge o direito, pois esta força pode ser

aquela que pretende dominar a sociedade para a confirmação de seus interesses

políticos e econômicos, mas não sociais, e neste sentido o direito penal torna-se um

instrumento de legitimação de um poder contrário aos interesses dos direitos

fundamentais. É tratar o crime como uma patologia e o direito como remédio, e de

forma subliminar, destruir o Estado de Direito Democrático.

Em um direito com estas características, a sentença penal se torna

instrumento anti-democrático, significando um enfraquecimento do Poder Judiciário,

atendendo ao poder dominante. (NASSIF, 2004, p. 440)

Por isso, o Poder Judiciário deve reagir para que os valores constitucionais

sejam respeitados, e a sentença é importante instrumento democratizante nesta

reação.

Conforme Nassif:

Impõe-se a radicalização na postura dos juízes para evitar maior exclusão do direito regular nesses meios, deve comprometer-se corajosa e inapelavelmente com a práxis sociopolítica e, por meio da sentença, depurar eventuais abusos do poder econômico, reconhecendo e, tanto quanto possível, intentando resgatar a confiança das comunidades periféricas. (2004, p. 441)

A sentença é um meio de construção e divulgação da cultura jurídica,

representando valores que podem variar desde o atendimento aos interesses do

poder dominante, até a confirmação do princípio democrático.

Com isto, a sentença representa a aplicação do direito e sua cultura

construída na sociedade, tomando importância a interpretação e a hermenêutica

aplicada sobre as normas, para a compreensão desta cultura jurídica.

Aramis Nassif esclarece que:

A sentença penal é, pois, um importante contributo para descobrir o meio mais viável, a partir da hermenêutica, preservado o interesse do indivíduo, cuja tutela é função primordial do processo, de satisfazer o interesse do sistema orgânico-social que integra, ainda que não necessariamente representado pela maioria de seus membros, vez a possibilidade de ser apenas incipiente o momento de ruptura, podendo a decisão judicial, então, representar o alerta para os demais membros comunitários a respeito da necessidade de adequação e de evolução (como proposição de lege ferenda). (2004, p. 445)

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A sentença deve divulgar todos os pensamentos sobre um direito processual

democratizado já exposto neste trabalho, o que representa em termos de

individualização da pena, objeto deste trabalho, que os direitos e garantias

fundamentais do acusado estarão protegidos por uma devida aplicação e

interpretação do direito.

Por isso, antes de estudar o tema específico que é a individualização da

pena por meio da análise das circunstâncias judiciais e legais na sentença penal

condenatória, é necessário uma breve abordagem sobre interpretação,

hermenêutica e aplicação do direito, já que acontecem no ato de sentenciar.

3.1 Hermenêutica, interpretação e aplicação do direito

Ao aplicar o direito ao caso concreto, o juiz deve buscar o sentido da norma

jurídica, ou seja, deve interpretar a lei e determinar seu alcance ou extensão, pois

mesmo que a lei seja clara em sua literalidade, nem sempre ela é clara quanto ao

seu significado. Há fatores como, por exemplo, má redação do texto da lei ou o fato

da lei estar em vigência por muito tempo (sendo criada em um contexto diferente),

que acabam trazendo problemas para o operador do direito em encontrar seu

sentido, daí a necessidade de interpretar.

Para Maria Helena Diniz:

Interpretar é descobrir o sentido e alcance da norma, procurando a significação dos conceitos jurídicos. Devido aos motivos já mencionados – vaguidade, ambigüidade do texto, imperfeição e falta de terminologia técnica, má redação – o magistrado, a todo instante, ao aplicar a norma ao caso sub judice, a interpreta, pesquisando seu significado. Isto é assim porque a letra da norma permanece, mas seu sentido se adapta a mudanças que a evolução e o progresso operam na vida social. Interpretar é, portanto, explicar, esclarecer, dar o verdadeiro significado do vocábulo, extrair da norma tudo que nela se contém, revelando seu sentido apropriado para a vida real e conducente a uma decisão. (2005, p. 422)

Os termos interpretação e hermenêutica, mesmo sendo utilizados como

sinônimos, têm concepções diferentes, conforme André Franco Montoro:

É usual, em português como em outras línguas, o emprego dos termos “interpretação” e “hermenêutica”, como sinônimos. A rigor, entretanto, eles se distinguem: Interpretar é fixar o verdadeiro sentido e alcance de uma norma jurídica; “interpretação, diz Coviello, é a investigação e explicação do sentido da lei”;

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“interpretar é determinar o sentido e o alcance das expressões do direito”, ensina Carlos Maximiniano. Hermenêutica, em sentido técnico, é a teoria científica da interpretação, ou, na palavra de Carlos Maximiniano, hermenêutica jurídica é a ciência que “tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do direito”. (1998, p. 369)

Neste sentido, vale a lição de Vicente Ráo:

A Hermenêutica tem por objetivo investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para o efeito de sua aplicação; a Interpretação, por meio de regras e processos especiais, procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas; a Aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos e assim interpretados, às situações de fato que lhes subordinam. (1999, p. 456)

Concluindo sobre as diferenças entre os termos, Vicente Ráo afirma que, “ao

contrário, aquilo que as distingue é, tão-somente, a diferença que vai entre a teoria

científica, sua prática e os diferentes modos técnicos de sua aplicação”. (1999, p.

456)

Assim, interpretar é a busca do sentido da lei, mas os critérios utilizados

para buscar este sentido ou explicação da lei, fazem parte do estudo científico que é

a hermenêutica do direito.

Também não se confundem aplicação da norma com sua interpretação,

pois, apesar de ambas estarem no campo prático, a interpretação é a utilização de

regras e processos para a compreensão da norma, e, depois desta compreensão, o

julgador aplica então esta norma ao caso concreto.

O juiz, como intérprete da norma para aplicação em um caso concreto, deve

buscar o significado da norma a ser aplicada não somente como um processo lógico

a partir da própria norma, a compreensão de seu significado deve levar em conta as

finalidades sociais e os valores que a norma representa, tanto quanto aos fatos e

valores que fundamentaram a criação da lei, bem como aos fatos e valores que são

supervenientes à criação, o que repercute numa efetiva aplicação de significado.

(DINIZ, 2005, p.424)

Não há apenas uma interpretação para cada norma, quando ela é criada

surgem várias possibilidades e isso se explica em razão das cargas axiológicas em

jogo, podendo determinar várias significações para uma mesma norma. Assim, o juiz

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68 – aplicador do direito – quando busca a solução de um caso concreto deve optar por

uma das várias possibilidades de interpretação existentes, sendo que “este ato

volitivo do órgão, que decide em favor de uma das alternativas possíveis, estaria

fundado em parte do conhecimento dos fatos e em parte em razões axiológicas”.

(VERNENGO apud DINIZ, 2005, p. 425)

Sobre a polêmica discussão se a interpretação busca a vontade da lei ou a

vontade do legislador, tem-se de um lado a teoria subjetiva, partidária de que a

busca é da vontade do legislador (vontade histórico-psicológica), pois no momento

em que a lei foi elaborada, foi necessária uma interpretação de um determinado

contexto histórico, sendo que a vontade da lei depende desta interpretação do

legislador, caso contrário, o significado da lei estaria submetido a uma interpretação

de quem não participou de seu processo de criação, o que poderia prejudicar a

segurança e a certeza da correta vontade da lei. (DINIZ, 2005, p. 426)

Por outro lado, a teoria objetiva ensina que após sua criação a lei se

desvincula de seu criador (legislador), por isso não pode a interpretação buscar a

vontade do legislador e sim da própria lei, em principal porque devem ser

reconhecidas as inevitáveis transformações sociais, e, sendo a interpretação a

busca da vontade do legislador, não seriam levadas em consideração estas

transformações, já que o legislador teve seu pensamento vinculado ao passado.

Com isso, a interpretação da lei deve acompanhar a dinâmica da sociedade;

o texto pode ser o mesmo por vários anos (como de costume, as leis têm uma longa

vigência), mas interpretar com a vontade do legislador seria ignorar que a lei deve

ser adaptada às mudanças ocorridas na sociedade (mudanças tecnológicas,

econômicas, culturais, etc.), e muitas vezes, o legislador, apesar de seus

fundamentos para criar uma norma, não tem o controle das conseqüências que a

regra terá na sociedade a partir de sua vigência, o que justifica ainda mais o

intérprete buscar o significado da lei, seus valores e seus fins sociais, e deixar de

lado a vontade do legislador.

Para Maria Helena Diniz há quatro argumentos centrais que justificam a

teoria objetiva: 1) da vontade, não há como se identificar individualmente o

legislador, a lei é criação de vários pensamentos, pois elaborada em órgão

legislativo em que dificilmente se conseguirá descobrir as razões de cada um que

participou da elaboração da lei, que podem ser vontades diferentes, cada um

buscando seus interesses. Desta forma, como se verificar a exata vontade do

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69 legislador? 2) da forma, a vontade do legislador originário é resultado de uma

competência, não tem forma, e somente a vontade transformada em forma é que

tem a força obrigatória, a força é da lei e não da vontade de seu criador. 3) da

confiança, a relação da norma com o destinatário é de confiança, e essa confiança

só é alcançada num sentido objetivo, ou seja, pela palavra e vontade da lei e não do

legislador. 4) da integração, a tarefa de promover a integração da norma dentro de

um sistema jurídico depende de uma interpretação objetiva, a busca da vontade do

legislador seria prejudicial à correta interação e complementação do direito. (2005, p.

427)

As duas teorias encontram um problema, pois a norma é o resultado de uma

interpretação de seu legislador, concluindo que o ato de interpretar é compreender

uma outra interpretação contida em uma norma.

3.1.1 Espécies de interpretação

3.1.1.1 Em relação ao sujeito

Quanto ao sujeito que interpreta a norma, a interpretação pode ser autêntica,

judicial e doutrinária.

A interpretação autêntica é realizada pelo próprio legislador, ou seja, o

criador da norma é o mesmo que a interpreta. O termo “autêntica” é no sentido que a

interpretação deve ser autorizada somente para quem produziu a norma, então o

legislador tem autenticidade para interpretar aquilo que é da sua produção.

A interpretação autêntica é realizada por meio de uma outra lei, chamada de

lei interpretativa, que sendo secundária em relação à lei interpretada (lei primária)

estabelece o sentido desta lei interpretada.

Um problema que envolve a lei interpretativa é de que, sendo uma lei nova,

pode ao invés de interpretar a lei primária, acabar por promover uma alteração no

próprio conteúdo da lei anterior. Neste caso, ocorre a revogação da lei primária e

não somente uma interpretação.

É aceito pela hermenêutica que, mesmo havendo uma lei interpretativa,

possa acontecer uma interpretação divergente à lei secundária.

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70

Luiz Fernando Coelho, afirmando que ocorre a interpretação autêntica

quando coincide o sujeito da interpretação e o autor da lei a ser interpretada,

estabelece três situações de coincidência:

Essa coincidência pode ocorrer sob três formas: quando se refere à pessoa do agente; quando se refere à autoridade do agente – nesse caso, embora tenha sido a norma elaborada por uma pessoa e interpretada por outra, ambas se revestem de idêntica autoridade -; e quando não há coincidência nem de pessoas nem de autoridade, mas o agente da interpretação é hierarquicamente superior ao autor da norma. Um dos princípios basilares do direito administrativo atribui o superior hierárquico a competência para avocar para a sua própria decisão os atos de seus subordinados; em virtude desse princípio, a autoridade superior hierárquica interpreta autenticamente as normas dimanadas de autoridades hierarquicamente inferiores – o governador do Estado, por exemplo, pode interpretar as resoluções e portarias de um secretário de Estado e, nesse caso, a interpretação também é autêntica. (2004, p. 306)

Ainda em relação ao sujeito, a interpretação pode ser judicial, aquela

realizada no âmbito do Poder Judiciário pela atuação de juízes singulares e

tribunais. Quando uma interpretação judicial ganha força entre os juízes e os

tribunais que acabam por adotar esta interpretação, forma-se a chamada

jurisprudência, e quando esta jurisprudência determina o sentido de uma norma,

ocorre a chamada interpretação jurisprudencial. (COELHO, 2004, p. 306)

Outra espécie é a interpretação administrativa realizada pelos órgãos da

administração pública, não só do Poder Executivo, mas também do Legislativo e do

Judiciário, mas sempre em sua competência no exercício de administrar por meio de

instruções, portarias, despachos, ordens, etc.

A interpretação doutrinária é elaborada pelos juristas na tarefa da construção

da ciência do direito, manifestando suas opiniões nas obras jurídicas.

Há também a interpretação casuística, que conforme Luiz Fernando Coelho

é realizada por profissionais como advogados, promotores de justiça, magistrados e

outros profissionais da área jurídica quando no exercício de suas profissões mas

com o intuito de interpretar uma norma que deverá ser aplicada em um caso

concreto. Para Coelho:

Não é somente o juiz, na prestação jurisdicional, que decide; a sentença e a decisão judicial constituem, na verdade, momento culminante num processo que tem início em atos intersubjetivos privados, cuja essência é já uma decisão, e que passa pelos atos decisórios do advogado, do assessor jurídico, do representante do Ministério Público e outros. Todos eles, relativamente ao caso concreto, decidem em função da norma jurídica, a

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71

qual é objeto do procedimento interpretativo que, em face do contexto onde ocorre, é denominado interpretação casuística. (2004, p. 308)

3.1.1.2 Em relação aos processos ou métodos

Na busca do sentido da norma, o intérprete pode se utilizar de vários

processos interpretativos, dentre eles gramatical, lógico, sistemático, histórico e

teleológico ou sociológico.

A interpretação gramatical, conhecida como literal, semântica ou filológica, é

o processo pelo qual o intérprete desvenda o sentido literal do texto da norma,

recorre às regras da gramática e da lingüística examinando cada termo do texto

levantando seus possíveis significados para limitar qual o significado no texto

normativo, analisando pontuação, origem etimológica e outras regras gramaticais.

É a primeira técnica utilizada na interpretação quando se tem dúvida do

significado de um termo ou da colocação de um texto, contudo, o intérprete deve se

atentar se a técnica gramatical extrai o verdadeiro significado, pois, por não

considerar o sistema jurídico e a realidade social, não é suficiente para encontrar o

sentido da norma, assim, é necessário que utilize outras técnicas de interpretação

como a lógica e a sistemática.

No processo de interpretação lógica, conforme Luiz Fernando Coelho, o

sentido da lei é descoberto por meio de aplicação dos princípios científicos da lógica

formal, que são: princípio da identidade, o princípio da não contradição, o princípio

do terceiro excluído e o princípio da razão suficiente. (2004, p. 312)

Na lição de Coelho:

O princípio da identidade afirma que uma coisa é idêntica a si mesma e não pode ser outra coisa: “O que é, é, o que não é, não é”. O princípio da contradição, formulação a contrario sensu do anterior, enuncia que o contrário do que é verdadeiro é falso e vice-versa, ou que a mesma coisa não pode, ao mesmo tempo, ser e não ser. Seu enunciado é mais adequado como princípio de não-contradição. O princípio do terceiro excluído declara que entre duas proposições contraditórias não há terceira opção entre o verdadeiro e o falso. O princípio da razão suficiente afirma que nada ocorre sem que haja uma causa ou razão determinante, que tudo o que é tem sua razão de ser. (2004, p. 312)

Contudo, Coelho entende que os princípios se reduzem a dois, o da

identidade e o da razão suficiente, pois o da identidade abrange o da contradição e

do terceiro excluído, e o da razão suficiente fundamenta a finalidade das atividades.

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72

O que deve se levar em conta nesta forma de interpretação é o raciocínio

jurídico sobre a norma e seu conteúdo. Neste contexto, em busca de seu conteúdo é

importante a razão ou motivo da existência da norma (ratio legis), a eficácia a que a

norma se pretende (vis legis) e o conjunto de fatores que condicionaram a existência

da norma (occasio legis).

A interpretação sistemática procura inserir a norma interpretanda dentro de

um sistema jurídico mais amplo, pois sua interpretação isolada pode criar

dificuldades ao alcance de seu verdadeiro significado. A norma integra um sistema

como se fosse parte de um organismo e deve ser interpretada em harmonia com os

objetivos do sistema a qual pertence.

Importante a constatação de Luiz Fernando Coelho sobre a interpretação

sistemática:

No contexto da teoria crítica, contudo, o sistema em que a lei se insere não é uma ordem lógica, mas uma ordem real, caracterizada por uma estrutura política de poder. Sistema, portanto, pode ser o sistema social, o político, o moral, o econômico etc. Sistema é interpretado como interdisciplinaridade, o que exige conhecimentos básicos de praticamente todas as ciências sociais, bem como de filosofia, como condição de uma interpretação jurídica mais próxima do real concreto. (2004, p. 317)

Assim, o operador do direito, ao interpretar a norma em busca de sua

aplicação, neste trabalho em específico a atividade do julgador, deve conhecer não

somente a questão jurídica, mas toda a realidade do sistema social em que está

inserido para apurar qual as conseqüências da aplicação da norma a ser

interpretada.

Outra técnica é a interpretação histórica que “baseia-se na averiguação dos

antecedentes da norma”. O sentido da lei pode ser esclarecido com a análise do

momento histórico em que surgiu, os fatores históricos que determinaram a

elaboração da norma, seu processo legislativo, as características do Poder

Legislativo no momento da produção da norma e os aspectos culturais daquele

momento. (DINIZ, 2005, p. 433)

As fontes históricas do direito podem ser remotas, incluindo elementos

filosóficos, éticos, religiosos e sociológicos que influenciaram na vontade do

legislador para a produção da norma. E também podem ser próximas, que são as

circunstâncias vinculadas à elaboração da lei, anteprojetos, projetos, exposições de

motivos, debates, estudos do impacto da lei, etc. (COELHO, 2004, p. 319)

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73

Numa visão crítica, a interpretação histórica tem a missão de revelar a

ideologia que condicionou a construção de uma norma no passado, e por meio desta

revelação questionar sua aplicação no presente, já que historicamente a sociedade

sofre transformações e o contexto atual pode ser muito diferente de quando uma

determinada norma foi criada.

3.1.1.3 Interpretação em relação ao resultado

Quanto ao resultado que chegará o intérprete em sua atividade, a

interpretação pode ser extensiva ou restritiva, isso significa que os termos do texto

em sua literalidade podem representar alcance maior ou menor da lei em seu

sentido. Diante do exposto, quando a letra da lei parece restringir sua aplicação,

mas seu alcance, de acordo com seu verdadeiro sentido, deve ser maior do que

representa a letra, a interpretação é extensiva, como se o alcance mais amplo

estivesse implícito na norma.

Por outro lado, se aparentemente uma norma tem efeitos muito amplos, mas

seu sentido é restrito a determinadas situações, a interpretação deve ser restritiva,

ou seja, o alcance da norma deve ser mais restrito do que representa seu texto

literalmente.

3.1.2 A filosofia da interpretação jurídica

Além das técnicas interpretativas apresentadas acima, importante se faz

uma análise de qual é a visão do direito para o intérprete, qual o seu saber jurídico e

seus fundamentos filosóficos, refletindo inclusive na forma em que se relaciona a

norma interpretada e a vida social. (COELHO, 2004, p. 326)

Para o estudo das orientações hermenêuticas será adotada como parâmetro

a obra de Luiz Fernando Coelho, que estabelece três principais orientações:

dogmática, zetética e crítica.

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74 3.1.2.1 Dogmática da interpretação jurídica

Numa concepção dogmática a interpretação deve vincular-se estritamente à

norma jurídica, sem questionar seus fundamentos filosóficos ou éticos, mas a norma

como um dogma social.

Este pensamento justifica-se pelo fato que somente a aplicação estrita da lei

pode alcançar a ordem social e assim a segurança, situações que não estivessem

conforme a lei não podem servir como solução, caso contrário se instalaria a

insegurança. (COELHO, 2004, p. 326)

Na lição de Coelho a interpretação dogmática tem três enfoques: legalista,

conceptualista e analítica:

Na dogmática legalista, o princípio jurídico dogmatizado é a lei. A dogmática conceptualista procura preservar os conceitos gerais subentendidos nas normas positivas de toda a espécie e delas racionalmente inferidos. A dogmática analítica, por sua vez, identifica o princípio com a vontade do Estado e privilegia a racionalidade dos métodos hermenêuticos para discernimento do princípio jurídico aplicável, não abrindo espaço para a intuição ou quaisquer formas de sentimentalismo. Ocorre, assim, uma dogmatização do método, na medida em que os procedimentos decorrentes da ciência da lógica passam a catalisar a investigação científica no campo das ciências jurídicas, concentradas na análise do direito. (COELHO, 2004, p. 326)

3.1.2.1.1 Dogmática legalista

A dogmática legalista é representada pela escola da exegese que tem como

característica essencial o apego à lei, ou seja, o intérprete deve revelar o sentido da

norma limitando-se rigorosamente ao seu texto legal, assim, uma identificação com

a lei escrita. (DINIZ, 2005, p. 50)

O que fundamenta este rigor ao texto legal é o racionalismo empregado na

construção do Código Civil Francês de 1804, promulgado por Napoleão Bonaparte.

Antecede a este Código Civil a Revolução Francesa, que nas palavras de Luiz

Fernando Coelho, “havia consagrado um conjunto de princípios considerados de

direito natural, imprescritíveis, imutáveis e eternos, inerentes ao ser humano” (2004,

p. 327).

Assim, na busca de realizar os direitos naturais estabelecendo direitos

subjetivos fundamentais para o ser humano, a partir da Revolução Francesa o que

se objetivava era a construção de uma legislação que fosse válida para todos os

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75 povos civilizados, representando a razão humana, resultando no Código Civil

Francês. (COELHO, 2004, p. 327)

Importante ressaltar que neste sentido a escola da exegese não negou o

direito natural, e sim, ao empregar a razão humana na construção de uma lei que

fosse perfeita, entendeu que a lei representa o próprio direito natural.

O termo exegese era utilizado para a interpretação das sagradas escrituras,

e como o Código Civil foi tomado como um verdadeiro dogma, pois representava a

racionalidade do pensamento jurídico humano, a sua interpretação devia ser da

mesma forma das sagradas escrituras, ou seja, como se a lei fosse a única fonte do

direito, a lei e o direito como uma única realidade. O intérprete não tem arbítrio ao

interpretar a lei, pois o direito está completo, pleno, realizado pela lei.

Conforme Coelho:

A escola da exegese trouxe conseqüências importantíssimas para a prática do direito: era ultralegalista e a conseqüência mais relevante desse espírito é que nenhuma solução jurídica – nenhuma decisão judicial – seria mais do que a conclusão de um silogismo, em que a premissa maior é a lei e a menor, o enunciado do caso concreto; a função do intérprete e do julgador é subsumir os fatos concretos à norma geral, uma função mecânica de lógica dedutiva. (2004, p. 329)

A postura exegética influenciou o pensamento jurídico, resultando na

passagem do racionalismo para o positivismo. Com isto, o positivismo exegético à

ciência jurídica ao estudo da lei positiva. (COELHO, 2004, p. 329)

3.1.2.1.2 Dogmática conceptualista

A escola exegética acabou por influenciar o pensamento jurídico europeu,

inclusive em países que não tinham estrutura jurídica baseada em sistema

codificado. Países como a Alemanha e a Inglaterra tinham o direito baseado em

costumes e tradição, a chamada escola histórica. (COELHO, 2004, p. 330)

Na Alemanha ocorreu o chamado pandectismo que era uma conciliação do

direito romanista e do historicismo alemão, culminando na escola da jurisprudência

conceitual ou conceptualismo jurídico. Na lição de Coelho:

O historicismo alemão desenvolveu-se em duas direções: de um lado, agrupavam-se os juristas que se apegavam ao direito alemão, procurando estabelecer as origens autênticas das instituições germânicas e excluindo

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76

tanto quanto possível influências alienígenas, dentro de um romantismo que procurava a alma da nação, revelada em seus costumes e tradições, em seu direito. Essa direção germanista iniciou com Eichhorn e desenvolveu-se com Jacob Grimm e Gierke. De outro lado, temos a escola romanista, que, seguindo o próprio Savigny, fundador da escola e seu representante maior, abeberava a tradição jurídica alemã a partir das fontes romanas. (2004, p. 330)

A diferença entre os exegetas franceses e os pandectistas alemães era que

os franceses tinham como base a lei, e a aplicação do direito era um silogismo entre

lei e fato, devido ao seu sistema de prevalência dos códigos. Já na Alemanha,

devido a influência do direito romano, a interpretação do direito alemão tinha como

ponto de partida os textos do direito romano, ou seja, o direito romano era fonte

direta do direito alemão. Apesar desta diferença, a interpretação rígida sobre o texto

da norma, o método dedutivo e o processo silogístico era comum nos exegetas e

nos pandectistas. (DINIZ, 2005, p. 55)

O pensamento positivista dos pandectistas fez com que o direito alemão

voltasse para o racionalismo, porém houve a influência da escola de Savigny que

introduziu o elemento histórico na interpretação, o que levaria o intérprete à busca

da gênese do direito interpretado, o espírito do povo. (COELHO, 2004, p. 331)

Contudo, os pensadores da escola de Savigny abandonaram o elemento

histórico e se apegaram aos conceitos, pois estes estavam acima das modificações

históricas, criando, assim, um dogmatismo que ao invés de estar voltado para a lei,

como os exegetas, acabou vinculando-se a um fetichismo dos conceitos,

dogmatismo conceptualista. (COELHO, 2004, p. 331)

3.1.2.1.3 Dogmática analítica

A dogmática analítica surge nos países da common law, que, superando a

diferença entre o racionalismo exegético e o irracionalismo historicista, criou a

escola da jurisprudência analítica, tendo como precursor John Austin que tinha como

idéia a implantação de um processo lógico-analítico na interpretação e aplicação do

direito costumeiro. (COELHO, 2004, p. 332)

O common law é um sistema jurídico em que o direito é criado pelos juízes,

tendo no corpo das decisões um conjunto de normas que podem solucionar

qualquer problema. Este sistema tem a influência da escola histórica, mas sofreram

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77 modificação por meio da escola exegética admitindo a vinculação aos textos da lei e

a função mecânica da atividade judicial. (DINIZ, 2005, p. 55)

Conforme Maria Helena Diniz:

O ponto de vista convencional que prevalecia no common law, em meados do século XIX, era o de que o direito constituía-se por um conjunto de normas permanentes, que só podiam ser modificadas pelo legislador. Os juízes não podiam alterá-las, mas apenas aplicá-las. A função judicial era descobrir e não criar direito novo, como dizia Blackstone. Quando um tribunal se afastava da doutrina consagrada em sentenças anteriores, não estava criando um novo direito, mas liberando o velho direito de uma interpretação errônea. Observa Beale que esse direito constava de leis, de normas declaradas (não elaboradas) nos precedentes judiciais e de princípios científicos aceitos como critérios fundamentais da jurisprudência. Estes princípios não podiam ser alterados nem pelo legislador, nem pelo juiz. (2005, p. 55)

Como característica importante do pensamento de Austin, temos que o

direito positivo deve ser aquele que emana do soberano, e a interpretação do direito

não podia levar em consideração a ética, mas somente o direito por meio das leis,

separando o direito da moral.

A tradição da common law que era da escola histórica em que o direito deve

acompanhar as necessidades e transformações sociais, ao tomar o racionalismo

exegético passou a cristalizar o direito por meio das decisões passadas, o chamado

precedente.

Neste sentido, a teoria analítica do direito se fundamenta em um direito

completo, sem lacunas, que tem resposta para todos os casos, podendo ser na

forma da lei ou de decisões (precedentes). A característica analítica está no fato de

que a aplicação do direito acontece pela análise do direito já formulado (lei ou

precedente) e que neste direito do passado já se encontram todos os conceitos e

princípios necessários para a solução de casos, deixando o direito estático.

(COELHO, 2004, p. 332)

Esta linha exegética, jurisprudência analítica, fez com que as normas

jurisprudenciais só constitua direito quando expressar a vontade do Estado, o que

impediu que os juízes evoluíssem nas interpretações do direito já que não havia uma

flexibilização nas interpretações, devendo as decisões judiciais ficar restritas às

interpretações anteriores, sem inovação, caracterizando o dogmatismo.

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78 3.1.2.2 A interpretação zetética

Orienta-se este estudo sobre a interpretação zetética na obra do Professor

Luiz Fernando Coelho: Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. (1981)

A interpretação dogmática, como já observado, enfatiza princípios contidos

nas normas, fazendo com que ocorra uma subsunção entre fato e norma,

desvinculado de qualquer outro valor político, sociológico, econômico, etc.,

característica de concepção das escolas positivistas.

Desta forma, o direito só existe a partir das normas, que sendo a priori,

deveriam trazer respostas para as situações ocorridas no meio social, sem qualquer

espécie de crítica sobre a aplicação de tais normas, como por exemplo, questionar

se podem alcançar todos os fatos ou se efetivamente encontraria a verdade ou

realizaria a justiça.

A dogmática estabelece seu próprio sistema estruturado sobre os interesses

do grupo que detém o poder, que formula os princípios que regem as relações

jurídicas expressados nas normas e que estas seriam as respostas para todos os

conflitos.

Com isso cria um sistema fechado que facilmente pode entrar em crise, pois,

nenhum sistema de leis escritas conseguirá prever todas as situações possíveis, e

entre as situações que prevê abstratamente não poderá alcançar as peculiaridades

de cada fato social, significando injustiça.

Essa forma apriorística de estabelecer as regras retira a idéia de

construtividade, pois trás a idéia de retrospectiva, e em um sistema pré-concebido

conforme o contexto de sua época coloca amarras para que ocorra uma evolução, o

que tem acontecido com o direito que, vivendo de normas formuladas em épocas

anteriores, não consegue adaptar o novo momento social a estas normas,

resultando em várias decisões realizadas com uma interpretação dogmática em

nítida injustiça.

Percebeu-se assim, conforme Luiz Fernando Coelho, que o conhecimento

do direito, enquanto fenômeno, não pode ter exaurimento em um princípio jurídico

encontrado nos dogmas, mas deve ter todo um reflexo dos fatos e nos valores que

são observados, surgindo então a zetética jurídica que procura analisar os fatos e

valores que são definidos em uma norma jurídica. (COELHO, 2003, p. 180)

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79

Esta forma de pesquisa chamada zetética procura afastar a idéia de

determinismo para o direito, sob o ponto de vista de que a verdade científica é

provisória, pois começa-se a questionar as soluções preestabelecidas pelas normas

como a fonte de conhecimento do direito, vislumbrando que podem ocorrer novas

situações que não estão previstas mas que precisarão de uma solução.

A zetética parte de uma vinculação às situações sociais, objetos das

normas, ou seja, existe uma complementação entre dogmática e zetética.

Ressalta-se o importante trabalho do professor Luiz Fernando Coelho sobre

as formas de orientações zetéticas na interpretação, em sua obra que tomamos

como base para explicitar as escolas zetéticas: a teleológica, a sociológica e a

realista. (COELHO, 1981, p. 241-297)

3.1.2.2.1 A interpretação zetética teleológica

A orientação teleológica, zetética teleológica, inspirou-se principalmente na

hermenêutica de Rudolf von Ihering, que fazendo oposição à causalidade,

caracterizou o direito como ciência de fins, buscando uma interpretação finalística do

direito levou em consideração aspectos sociais, históricos e sociológicos.

Esta nova forma de interpretação demonstrou que a finalidade do direito é a

proteção dos interesses, com isso a aplicação do direito tinha como ponto principal

garantir os interesses e as condições que uma sociedade pretende sobreviver.

Sob este novo paradigma a norma serve como expressão em busca das

finalidades, pois tais normas são criadas partindo das situações reais da vida

conforme os valores a serem preservados segundo o entendimento possível de

determinada sociedade.

Nesta linha de pensamento, o homem, enquanto organizado em sociedade

buscando objetivos comuns, culturalmente se estrutura e cria seus regulamentos, o

direito, que não pode ter outra finalidade a não ser atender às necessidades do

homem na sociedade, e desta forma possibilitar que esta convivência organizada

seja duradoura e construtiva.

Na dogmática prevalece a abstração e generalidade de seus princípios que

se tornam rígidos e absolutos como respostas às situações criadas. A zetética

teleológica não se insurge contra a existência destes conceitos abstratos, mas

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80 entende que tais conceitos não podem prosperar estabelecendo verdades absolutas,

pois estes conceitos que na verdade são conclusões de um processo histórico não

podem negar a própria história engessando a transformação, como ocorre na

dogmática.

Estes conceitos são os processos históricos que revelam a busca do homem

pela satisfação de seus interesses, assim, a criação destes conceitos – processo

histórico – é totalmente vinculado à satisfação das necessidades do homem e da

sociedade.

O direito tem um fim, e não é formular verdades que não podem ser

confrontadas, mas sim possibilitar a construção de uma sociedade organizada e

justa.

Percebe-se com isto que a verdade formulada nas normas é relativa já que

não pode ir contra o próprio sistema de idéias que a formulou desde que este

buscava um fim. Neste sentido, a verdade das normas é relativa em relação aos fins

que pretende atingir, finalmente o que importa é atender às inúmeras situações

possíveis, reconhecendo que cada situação pode ter uma particularidade e,

aplicando uma regra geral, acaba-se por tratá-las de forma igual, ocorrendo a

desigualdade e a injustiça.

3.1.2.2.2 A interpretação zetética sociológica

A zetética sociológica tem como foco principal os casos concretos, agora

como dados que ocorrem no meio social e que devem, necessariamente, ser

ponderados para que sejam solucionados. Verifica-se com isso que a lei não pode

responder tudo, assim, ocorrendo uma lacuna da lei outros meios servirão na busca

da solução, como o costume e, principalmente pela doutrina de Gény, a livre

investigação científica.

Com isso observa-se no direito dois enfoques, segundo Luiz Fernando

Coelho, a ciência e a técnica. A ciência como conhecimento objetivo dos fatos

sociais enquanto reais, fatos que são dados, sendo que a atuação do jurista é

aplicar sua técnica sobre estes fatos somente, pois o jurista não pode modificá-lo ou

criá-lo, já que a existência destes fatos não dependem da atividade dos juristas.

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81

Sobre estes fatos reais, chamados por Luiz Fernando de dados, conjunto de

realidades sociais, o jurista elabora os conceitos utilizados em direito. Deve-se notar

que estas realidades não dependem do legislador para que existam, mas mesmo

nesta verificação real estes fatos não deixam de ser normativos a partir do momento

que estabelecem regras sobre o comportamento humano, procurando dar um

caminho dentro da organização de uma sociedade. São a matéria prima para o

surgimento das regras de direito e se dividem em quatro categorias:

a) Dados reais ou naturais. Consistem nas realidades físicas e psicológicas, como os fatos do sexo, clima, tradições religiosas e costumes sociais, são as expressões simples e puras da própria natureza das coisas, tendências e inclinações fundamentais do ser humano e dos grupos sociais. b) Dados históricos. São os resultantes de fatos, tradições e circunstâncias do meio que moldam os fatos físicos e psicológicos de uma maneira particular. Tais dados são espécies de sedimento dos dados reais, por exemplo, o folclore, o vestuário, determinadas práticas religiosas, etc. c) Dados racionais. Consistem nos princípios que decorrem da consideração racional das relações humanas. São os dados inferidos racionalmente dos dados reais. Compreendem a maioria de direito natural clássico, os postulados fundamentais da justiça, como o caráter sacral da vida humana, o desenvolvimento das faculdades humanas e, em especial, os bastiões da fé liberal como a liberdade de pensamento e a inviolabilidade da pessoa. d) Dados ideais. Consistem nos princípios jurídicos exigidos por uma situação histórica real e concreta. Esses princípios são capitados intuitivamente da realidade social e fornecem um elemento dinâmico, pois compreendem as aspirações morais de um período e de uma civilização particulares. Eles resultam mais da intuição do que da razão, pois constituem aspirações coletivas de uma espécie toda. (COELHO, 1981, p. 249-250)

Importante para o direito são os dados racionais, pois estabelecem uma

conexão racional entre os dados reais e históricos com uma racionalidade para

implementar e dirigir comportamentos criando o direito.

Gény ainda propõe uma hierarquia entre os dados em três planos, os dados

absolutamente gerais – que são indiscutíveis -, os dados menos gerais – que podem

gerar uma certa flexibilidade -, e os dados mais precisos – variáveis, contingentes e

por isso discutíveis adaptando-se aos fatos concretos da vida.

Estes dados que representam a realidade são os objetos de conhecimento

do direito e neste sentido é necessário que o jurista utilize uma técnica para aplicar e

fazer com que esses dados surtam efeitos pretendidos por uma sociedade.

A função desta técnica é moldar o direito à realidade da vida, aos fatos

sociais, com isto os conceitos que são construídos por meio da técnica devem

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82 atender fundamentalmente às necessidades do homem enquanto indivíduo e

enquanto ser social.

Criando esta vinculação necessária de que a técnica e suas construções

devem atender às necessidades, deixa-se de lado o formalismo da aplicação das

normas, e fundamenta-se o direito, não nas leis ou nas normas que criam estas leis,

mas sim na própria sociedade, que oferece dados normativos que dirigem os

anseios sociais e que demonstram todo um dinamismo em busca de uma evolução

social. Com isso revela que a sociedade tem uma finalidade e esta finalidade deve

ser respeitada, inclusive pelo direito que deve se adaptar às transformações e aos

fins almejados.

Conforme Luiz Fernando Coelho, a técnica jurídica é utilizada para que os

instrumentos jurídicos sirvam aos fins do direito e que este direito atenda às

exigências reais da sociedade, sendo que por meio destes instrumentos jurídicos

são construídos os conceitos que sistematizam o direito. (COELHO, 1981, p. 252)

Neste compasso a livre investigação científica não autoriza o jurista a criar

livremente o direito ou criar de forma arbitrária, nem mesmo interpretar o direito com

base somente em seus valores e conceitos pessoais, pois esta liberdade é relativa a

uma liberdade na investigação dos fatos, mas inteiramente voltada para encontrar a

melhor solução para a sociedade e não para o direito como algo separado ou

atender a um interesse pessoal.

Assim, percebe-se na idéia de François Gény que a lei não é a única fonte

do direito, pois a verdadeira fonte material, aquela que produz os padrões de

comportamento, são os fatos reais que, representando a dinâmica da sociedade,

exigem que o direito ao elaborar suas normas e oferecer seus instrumentos sempre

faça adaptação às transformações.

A zetética sociológica da livre investigação científica acentuou a controvérsia

entre fundamentar-se apenas na lei ou nos fatos reais para elaborar a solução

judicial, e chega-se à conclusão de que a lei não pode exercer um absolutismo em

relação ao direito aplicado, mas sim que esta aplicação deve ser embasada nos

fatos sociais que produzem a normatividade e que demonstram as necessidades da

sociedade que a lei tem que observar, o que reafirma uma concepção sociológica do

direito.

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83

Depois da livre investigação científica surgiram duas importantes escolas do

movimento sociológico, escola do direito livre, na Alemanha e, escola de

jurisprudência sociológica dos Estados Unidos.

O pensamento da escola do direito livre tem como um dos principais nomes

Eugen Ehrlich, sociólogo do direito, para quem o fundamento do desenvolvimento

jurídico era centrado na própria sociedade humana, e não na legislação ou na

decisão judicial, a chamada dogmática jurídica é apenas uma tecnologia para o

alcance dos fins do direito.

Defendia que o Estado era formado por vários grupos e cada grupo tem

regulamentos ou ordenações próprias que constituem o verdadeiro direito da

sociedade.

Com isso, não havia ordenação única, mas sim um pluralismo jurídico, e as

diferenças nas ordenações deveriam ser observadas, o que não ocorria com a

dogmática que determina uma legislação como centro do direito e que não leva em

consideração as especialidades existentes nos grupos, por ser criação de um

monismo jurídico com a intenção de impor a ideologia do grupo dominante.

O direito do Estado representa a estática e, por conseguinte o atraso em

termos de direito, pois nunca acompanha a dinâmica social e sua evolução.

Com este pensamento sociológico, Ehrlich, estabelece algumas ficções, e

dentre elas se opõe à ficção de que o juiz sempre está sujeito à proposições pré-

concebidas, fixadas em lei, proposições que implicitamente revelam os valores,

interesses e ideologias do Estado e do grupo dominante, o que impediria o juiz de

observar as diferenças de ordenações, direito vivo dos variados grupos.

O juiz deve analisar o pluralismo representado pelos direitos vivos da

realidade de cada grupo social, e não decidir com base em uma ficção previamente

formulada, e assim dar efetividade ao direito e a justiça.

Outro importante nome da teoria sociológica é Kantorowicz para quem o

ordenamento jurídico só tem existência pela vontade livre dos homens que atuando

nos grupos determinam comportamentos servindo como verdadeira fonte das

normas.

As leis estatais não podem sobrepor-se ao poder da sociedade,

representada pelo sentimento dominante, com isso, inaceitável o chamado direito

positivo construído por conceitos impostos já que são revelados anteriormente aos

fatos reais sem considerar que os fatos são mutáveis, assim, o direito estatal

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84 depende desta liberdade de criação das regras verificadas nos acontecimentos reais

e sua mutabilidade, e o jurista deve utilizar este direito livre para delinear o

ordenamento jurídico.

Neste pensamento constata Luiz Fernando Coelho que Kantorowicz propõe

quatro diretrizes em matéria de interpretação:

a) se o texto da lei é unívoco e sua aplicação não fere os sentimentos da comunidade, o juiz deve decidir de acordo com a lei; b) se o texto da lei não oferece solução pacífica, isto é, insusceptível de ser argüida de injusta, o texto da lei aplicado ao caso concreto conduz a uma solução que o próprio legislador do estado, ao elaborar a lei, não poderia querer; nesse caso deve o juiz ditar a sentença que, segundo a sua convicção, o legislador ditaria se tivesse pensado naquele caso concreto; c) se o juiz não pode formar uma convicção sobre como o legislador resolveria o caso concreto, deve o juiz se inspirar no direito livre, isto é, no sentimento da coletividade; d) quando, mesmo apelando para o sentimento da coletividade, o juiz não encontra a solução, deve então julgar discricionariamente. (COELHO, 1981, p. 259)

Conforme a escola do direito livre, o exercício de interpretar e o de decidir

devem ser realizados como se o jurista fosse um sociólogo, buscando na realidade

social, onde a vida acontece, o verdadeiro sentido de justiça.

Sobre a escola da jurisprudência sociológica seus maiores pensadores

foram Oliver W. Holmes, Roscoe Pound, Benjamin Cardozo e Luis Brandeis.

Inspiraram-se em John Dewey, evidenciando que antes de realizar a

interpretação das normas jurídicas da sociedade americana expressa nos costumes,

leis e precedentes era preciso que se voltasse as atenções para a realidade daquela

sociedade, alcançando uma maior compreensão.

Num plano histórico o pensamento da escola sociológica situa-se entre as

duas grandes guerras, momento onde vários acontecimentos mostraram a

necessidade do Poder Judiciário dos Estados Unidos ajustar a interpretação dos

precedentes ao novo momento que a sociedade americana passava, o que foi

prontamente atendido e fundamentado na jurisprudência sociológica.

Para a jurisprudência sociológica o juiz tem papel importante como

constituinte do direito, pois é ele quem verifica o efeito concreto dos princípios do

direito quando acontece no caso real, e com muito mais sucesso pode produzir uma

sentença justa.

Entendia a escola da jurisprudência sociológica, que o fato de aceitar um

direito posto antecipa os efeitos que devem ser causados na ciência do direito

podendo resultar em decisão injusta, pois não atende às transformações sociais,

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85 com isso combatiam o método dedutivo, técnica utilizada pelo dogmatismo, criando

uma enorme distância entre os princípios gerais do direito e os fatos concretos.

3.1.2.2.3 A interpretação zetética realista

Em uma terceira fase surgiu a zetética realista que, segundo Luiz Fernando

Coelho, é uma pesquisa que procura desvendar fatores histórico-sociais perceptíveis

no mundo real, pois justamente nestes fatores (fenômenos) que se verificam os

fundamentos do direito da realidade conforme as condições vividas em um certo

contexto; assim, não basta identificar o direito nos princípios formulados, nas leis ou

em noções metafísicas. (COELHO, 1981, p. 272)

Consiste a zetética realista em determinar a realidade e fazer com que os

princípios sejam adequados a esta realidade, não esquecendo que a realidade não

pode ser considerada como forma única de compreensão, mas de acordo com a

compreensão possível e com as tendências influenciáveis sobre o pesquisador ou

grupo de pesquisadores criam-se entendimentos diferentes de realidade.

A expressão realismo jurídico, empregada muitas vezes com significado

idêntico ao do positivismo jurídico e empirismo jurídico, indica o conjunto de escolas

e doutrinas que repelem quaisquer indagações de caráter metafísico ou ideológico

no terreno filosófico-jurídico, e negam todo fundamento absoluto à idéia do direito,

levando em conta apenas a realidade jurídica, isto é, o direito efetivamente existente

ou os fatos sociais e históricos que a ele deram origem.

Um dos problemas da zetética realista é justamente a concepção de

realidade, o que faz surgir diferentes escolas com diferentes enfoques sobre esta

realidade, enfoque psicológico conforme as motivações psicológicas da decisão

judicial, enfoque lingüístico, no sentido da pragmática e enfoque cultural segundo os

variados elementos que formam o fenômeno jurídico, o que torna o direito um

produto cultural.

3.1.2.2.4 Psicologismo jurídico

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Manifesta-se pelo entendimento de fundamentar a forma de interpretação da

lei compreendendo o que aconteceu na vida real e a sensibilidade daqueles que

operam o direito, no entanto sem destruir a criação normativa e seus princípios e

conceitos.

A teoria do direito para o psicologismo baseava-se pelo irracional,

prevalecendo a intuição e os sentimentos dos julgadores, ou seja, elementos

psicológicos destes que analisam e aplicam o direito ao caso concreto.

Quando um juiz faz sua percepção do fato real, na verdade não utiliza

nenhum método racional, pois mesmo a preocupação com a imparcialidade não

elimina a presença de fatores psicológicos do juiz em seu exercício intelectual de

decidir e dar a solução ao caso, seus conceitos, valores culturais e intuição têm

reflexos na sentença.

Joaquim Dualde influenciou com seu pensamento ao asseverar que a

formação de uma lei não ocorre em um momento único, mas é fruto de um processo

e é o efeito de causas anteriores que determinam a necessidade e a elaboração de

uma legislação.

Incluído neste processo o legislador realiza o ato culminante, porém não tem

total consciência da série causal de uma lei, pois o legislador, enquanto homem que

possui valores e fatores psicológicos próprios, tem suas limitações, desta forma,

interpretar buscando a relação do legislador com a lei seria um erro, seria deixar de

verificar a completude da série causal que determinou a formação da lei.

O ato de interpretar necessita de que o intérprete utilize não só a leitura da

lei, mas sua própria intuição e emprego da lei na vida real, somente assim

conseguirá descobrir os sentimentos que causaram efetivamente a lei interpretada;

existe uma colaboração do intérprete na criação da lei e o método utilizado é

irracional, envolvendo intuição e preconceitos.

Neste contexto a interpretação jurídica é normativa, pois após estabelecer

a norma esta precisa ser revitalizada a todo momento, ou seja, atualizada conforme

a dinâmica da vida, o papel do intérprete da lei é possibilitar o dinamismo adaptando

a lei ao momento de sua aplicação e a especialidade do caso que se apresenta, e

isso só é alcançado quando se conhece a realidade.

É nos Estados Unidos que surge importante movimento do psicologismo,

tendo como maiores nomes John Chipmann Gray, Oliver Wendell Holmes, Karl

Llewellyn, Jerome Franks.

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87

Para esta escola o verdadeiro direito é o criado nos órgãos jurisdicionais

quando solucionam o caso concreto e não o conjunto de leis e princípios pré-

formulados, este trabalho de declarar o direito é feito pelos juízes com seus

preconceitos, opiniões, valores culturais, o que significa processo psicológico.

Os defensores desta escola procuram derrubar o mito de que existe a

segurança do direito criada pela dogmática.

A dogmática pretende prevalecer com o fundamento de que a existência de

leis anteriormente estabelecidas, que todos deveriam seguir, daria segurança para a

sociedade que não correria o risco de uma decisão inovadora.

Mas esta idéia de segurança é ilusória, pois o direito vem dos fatos reais e

não de uma construção ideal, e a partir do momento que se determina a realidade

pela norma, retira toda possibilidade de transformação, ou seja, de vida, pois a vida

é construtiva.

As mentalidades se alteram dentro de um processo histórico, criar leis e

interpretar friamente estas leis significa impedir que os fatos não possam ser

alterados, é negar a própria essência da vida. Revela esta idéia que muito mais

inseguro é utilizar um sistema que trave a própria dinâmica social como a dogmática

propõe.

Concluem os pensadores desta escola realista que nem mesmo suas

propostas podem chegar a uma segurança jurídica, pois o juiz, verdadeiro criador do

direito, coloca na sentença todos seus fatores psicológicos, como por exemplo,

preconceitos e decepções, o que pode quebrar de uma certa forma o sentido de

imparcialidade; porém, como ponto positivo o realismo permite que o direito avance

no sentido da transformação social, que todas as circunstâncias inseridas no meio

social são analisadas no momento da decisão de um juiz, o chamado direito vivo.

3.1.2.2.5 Realismo jurídico escandinavo

Esta escola realista teve como importante nome Alf Ross, que também

preocupava-se com o aspecto real e não algo meta-empírico.

Dois pontos eram muito importantes na ciência do direito, o primeiro a

conduta verbal do juiz que revela a decisão judicial e em segundo o psicologismo

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88 deste julgador que pode estar influenciado por uma ideologia normativista, conforme

Luiz Fernando Coelho. (1981, p. 289)

Para Ross, as experiências jurídicas concretas atingida no mundo dos fatos

prevalecia sobre o aspecto conceitual, porém estes conceitos pré-estabelecidos, ou

seja, a priori, eram racionalizações justamente de experiências já vividas, por isso

tais conceitos não poderiam ser considerados como meta-empíricos, mas sim como

parte da experiência empírica, o que dava uma conotação realista para estes

conceitos.

A validade da norma jurídica conforme Ross dependia do comportamento do

juiz ou do tribunal, se a conduta verificada no meio social por meio das experiências

eram consideradas obrigatórias e os tribunais tinham consciência desta

obrigatoriedade, então a norma era válida.

Ross tinha uma tendência empírica para teorizar o direito e a justiça, a

validade da norma tinha uma concepção semântica em que a norma é um signo que

determina um comportamento real, desde que aceito pelos tribunais como efetivo.

Outro fator importante é sobre a política jurídica que em Ross deixa de

simplesmente orientar o legislador no seu exercício de elaborar a lei para alcançar

toda operação de aplicação do direito na atuação do judiciário que deve considerar

os aspectos políticos em suas decisões.

3.1.2.2.6 A teoria de Hart

Hart aceita a idéia de sistema jurídico como fenômeno social o que o

aproxima do realismo, contrariando o pensamento de que o direito tem validade em

critérios meta-empíricos.

Procura destacar que o importante é a realidade social, e que o

conhecimento do direito é realizado de forma empírica sendo que todas as

implicações, quer seja de ordem dos ideais jurídicos ou até mesmo morais, estão

inseridos dentro do fenômeno da juridicidade, não para estabelecer uma validade

dogmática, mas para servir de parâmetro para a própria realidade social, de onde

estes critérios e conceitos são retirados.

Entendia que em uma hipótese de sociedade sem leis ou tribunais, as regras

ditadas seriam regras primárias, e que se não devidamente colocadas e recebidas

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89 pelo sistema tornam-se estáticas com o grande risco de não realizarem as devidas

adequações às transformações sociais e de não oferecerem a devida garantia de

regramento.

Por isso estas regras chamadas primárias de obrigação deveriam ser

complementadas por outras regras, de reconhecimento, câmbio e adjudicação.

De reconhecimento que esclarece e especifica as características das regras

de obrigação, justamente para que estas sejam aceitas pelo meio social como

autênticos instrumentos de utilização da sociedade conforme sua realidade.

As regras de câmbio combatem o caráter estático de um direito posto como

a regra de obrigação, possibilitando que outras regras novas substituam as antigas e

atendam às exigências reais do momento, e por conseguinte sempre fazendo

adequações.

Por fim existem as regras de adjudicação que garantem a observação das

regras primárias.

Estas regras de reconhecimento, câmbio e adjudicação são verificáveis em

um sistema mais avançado, porém a forma com que serão utilizadas e interpretadas

depende do pensamento que fazem sobre elas.

Para Hart os tribunais determinam o direito e têm a última palavra dentro do

sistema, justamente aqui percebe-se seu critério realista, pois a decisão transita pelo

concreto e a lei não, com isso admite-se a possibilidade do tribunal errar, contudo

isto não representará um desprestígio junto à sociedade.

3.1.2.2.7 A zetética em Tércio Sampaio Ferraz Junior

Para Tércio Sampaio a zetética tem aplicação pragmática relacionada com a

validade da norma.

O valor da norma é relativo, entendendo que não há valores absolutos nas

normas, por isso dependem dos fins que deverão ser atingidos.

A validade da norma não pode ser o formalismo da teoria de Kelsen, mas

também não pode enfrentar a questão da probabilidade verificada por Alf Ross, pois

a validade só pode ser considerada válida ou não conforme o ordenamento em que

ela está colocada, mas para não cair no formalismo é importante a relação com os

usuários das normas e suas reações.

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Para que uma norma seja válida tem que haver uma validade condicional,

referente à sua forma, mas também deve haver uma validade finalística, ou seja,

saber se os fins na aplicação da norma foram atingidos ou não, daí o pragmatismo.

3.1.2.2.8 A teoria tridimensional de Miguel Reale

Para Miguel Reale o direito deve ser observado em um tríplice aspecto:

histórico-social, axiológico e normativo; fato, valor e norma.

Na concepção de Miguel Reale, a norma não pode estar desvinculada do

fato e do valor, que são o conteúdo e o fim da norma, uma norma considerada em si

mesmo, em um sentido atribuído por Kelsen, não atinge a finalidade que ela revela

no meio social.

Assim, a análise do problema jurídico deve ter como premissa a experiência

do caso concreto, e a partir daí aplicar a norma levando em consideração seus

valores. O direito não é só os fatos, ou só os valores, ou só a norma mas sim a

transitação de uns nos outros, atingindo uma maior realidade e justiça no caso

concreto.

Porém, Reale, apesar da tridimensionalidade, volta o conhecimento do

direito, sua ciência, à norma como objeto, uma teoria normativa do direito.

3.1.2.2.9 A interpretação do processo

A zetética implementou grande contribuição para o sistema interpretativo,

pois com seu enfoque voltado para a realidade da vida, quer seja no momento

teleológico, sociológico ou realista, ultrapassa a idéia da chamada interpretação fria

da lei para buscar um entendimento do direito que se aproxima mais da almejada

justiça.

Analisar o processo por uma visão zetética já faz referência a uma crítica do

modelo dogmático que, determinando comportamentos para buscar o direito,

burocratiza e cria barreira para a efetivação do direito material.

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Significa buscar na aplicação e interpretação das leis processuais a

finalidade e os valores envolvidos na sua criação para no caso concreto dar mais

realismo às decisões.

Assim, o papel do julgador é de no momento de produzir sua sentença

interpretar a lei incluindo suas próprias convicções psicológicas e seus valores

culturais, além de analisar a lei não como um conceito estático criado para

determinar os comportamentos, mas sim buscar seu verdadeiro sentido, sua

finalidade, a ideologia apresentada, e neste exercício fazer uma adequação do

direito, enquanto normativo, com a dinâmica social, mutável e transformadora.

Contudo, como bem observado por Luiz Fernando Coelho, a zetética é um

início para a teoria crítica do direito, pois ainda não rompe com os conceitos

positivistas, não realiza um verdadeiro corte epistemológico como pretende a teoria

crítica, pois toma como base uma complementação ao dogmatismo e não uma

oposição.

A interpretação zetética realiza uma crítica em relação ao direito, mas usa

como objeto de conhecimento a norma, envolvendo variados elementos que a

dogmática afastava, o que resulta na perspectiva crítica, porém utilizando o

dogmatismo no sentido de intercomplementariedade.

Desta forma, tendo como objeto de conhecimento a norma ou uma situação

a ser normada, a zetética, além de não romper com o positivismo, faz avaliação da

realidade e de valores que devem ser analisados sob o enfoque da ideologia da

própria norma ou do comportamento a ser normado, ou seja, ideologia do grupo

dominante naquele contexto, por isso a necessidade de um verdadeiro corte

epistemológico que vem propor a teoria crítica.

3.1.2.3 A interpretação pela teoria crítica do direito

A orientação para a teoria crítica toma como base a obra de Luiz Fernando

Coelho, bem como, na leitura da obra de Jonatas Luiz Moreira de Paula, por ser

base filosófica nos estudos do curso de mestrado.

Primeiro é importante traçar a diferença entre a teoria crítica e o uso

alternativo do direito. Conforme Luiz Fernando Coelho:

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Enquanto a teoria do uso alternativo do direito lança suas bases epistemológicas no conceito sociedade em transição, a teoria crítica procurou canalizar para o saber jurídico as contribuições das várias vertentes interdisciplinares à formação de um pensamento crítico social. O resultado dessa convergência foi a elaboração de novo estatuto teórico, com o projeto de nova maneira de interpretar, integrar e aplicar o direito revelado por meio de suas fontes tradicionais, mas enfatizando a emergência de fontes alternativas de produção jurídica. Trata-se da teoria crítica do direito, objetivo do estudo a seguir. (2004, p. 382)

Para a teoria crítica, o papel do sujeito do conhecimento não é neutro e

desinteressado, mas sim realizado por meio de engajamento em razão de sua

experiência, assim, mesmo levando em conta os conceitos, juízos e raciocínios do

senso comum teórico, o sujeito do conhecimento cria seu objeto causando uma

transformação em sua realidade.

Esta transformação é justificada porque os objetos envolvidos, o direito, a

justiça, o Estado e os valores não têm uma existência factual, pois existem por

discurso ideológico, e sendo criação do discurso eminentemente ideológico tais

objetos podem ser transformados e com isso transformar a própria realidade social.

(COELHO, 2004, p. 383)

O papel do sujeito do conhecimento é ativo e constitutivo, pois realiza uma

crítica à realidade social, e na interpretação do direito, não simplesmente descreve

os nexos causais de sua interpretação, mas pelo saber jurídico demonstra a

possibilidade de uma melhor realidade, voltada para o futuro, envolvendo todos os

saberes do homem e da sociedade.

Para Coelho: “Tal é a nova dimensão que se atribui ao direito, tal é o papel

da interpretação jurídica, que assim passa a configurar instância crítica do que

ocorre no mundo, e não mero espectador do que os outros fazem”. (2004, p. 383)

Ressalta-se que a teoria crítica não despreza o conhecimento teórico

acumulado, contudo não os dogmatiza, pois sua meta é, por meio da crítica deste

conhecimento teórico, reconstruir a sociedade e o homem, ou seja, é a visão do

direito para o futuro. Neste contexto, se desmascara o conteúdo ideológico da

ciência do direito e seu projeto político em busca do que é melhor para a sociedade.

(COELHO, 2004, p. 383)

A teoria crítica do direito é construída sobre as seguintes categorias:

sociedade, ideologia, alienação e práxis.

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Conforme Coelho:

A sociedade é vista não como ordem e progresso, mas como movimento social, ou seja, organização dos movimentos sociais de grupos marginalizados que tendem à ascensão social, em conflito com indivíduos e grupos que tendem à manutenção do status quo. A ideologia é a imagem que a sociedade projeta dela mesma e dos indivíduos e agrupamentos que a integram, imagem geralmente inconsciente, manipulada por meio dos instrumentos de que dispõem os segmentos dominantes, no sentido de induzir comportamentos que atendam a seus interesses. Entre esses instrumentos, destacam-se a mídia, a educação e a indústria cultural. A alienação é o produto da ideologia, e significa a inconsciência dos membros da coletividade acerca do papel que realmente desempanham na sociedade. Ou seja, existem atitudes, crenças e comportamentos induzidos pela ideologia e aceitos como legítimos, mas que ocultam e dissimulam a atuação verdadeira; por exemplo, o representante político que se diz defensor do povo, mas que na verdade defende interesses particulares, ou o advogado que se julga honesto defensor de seus clientes, mas que se vale da corrupção e da mentira, o industrial que se julga criador de empregos e da riqueza do país, mas que contribui para a miséria de populações inteiras na medida em que polui os rios e se entrega a práticas oligopolistas, e o magistrado “dogmático” que se declara defensor das leis, em nome da certeza jurídica e da segurança jurídica, e ao mesmo tempo ignora as exigências da justiça material e os valores mais altos que pairam acima das leis, o juiz que se isola em sua solidão e não se mistura com o povo, em nome de falsa neutralidade ideológica. Finalmente, a práxis é a união entre o saber e o fazer. Equivale à dimensão ética da teoria crítica e importa a irrenunciável tarefa de engajamento político do jurista na defesa dos direitos fundamentais do homem, como ser humano e como cidadão, e a utilização das expressões históricas do direito para construção e reconstrução da sociedade e do próprio direito como justiça. (2004, p. 384)

O que importa na teoria crítica é que estas categorias não são analisadas do

ponto de vista do direito, “mas se estuda o direito do ponto de vista da sociedade, da

ideologia, da alienação e da práxis”. Assim, o direito passa a ser um instrumento

para a realização da justiça conforme as necessidades e os saberes sociais,

transformando a própria realidade social. (COELHO, 2004, p. 384)

A metodologia interpretativa é transformada pela teoria crítica, pois

desvincula-se de um pensamento restrito em relação à lógica formal, e submete a

atividade de interpretar à epistemologia, à lógica e à semiologia (no sentido de

sistemas de signos).

Na lição de Luiz Fernando Coelho, quanto aos métodos interpretativos, o

gramatical torna-se lingüístico-semiológico, com isso o mais importante são os

efeitos gerados na sociedade por meio das decisões jurídicas.

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Na interpretação lógica, incluem-se aspectos materiais à chamada lógica-

formal, sendo a lógica elaborada pela lógica material, lógica do razoável, tópica,

nova retórica e lógica paraconsistente. (COELHO, 2004, p. 386)

A interpretação sistemática escapa ao sistema jurídico como parâmetro para

a interpretação e percebe o macro sistema que é a sociedade – formada por vários

sistemas, como o familiar, o econômico, o político, etc. Desta forma, o sistema

jurídico deve se articular com todos os outros sistemas, havendo a chamada

interdisciplinaridade, o que contribui para a alteração do sistema lógico-formal para

prevalecer aspectos materiais da realidade social.

Em relação à interpretação histórica, não cabe mais a discussão se

interpretar é buscar a vontade do legislador, do Estado ou da lei, o que vale é o

reconhecimento das necessidades atuais da vida social em confronto com as

circunstâncias sociais que fundamentaram a existência da lei a ser interpretada, pois

as circunstâncias que determinaram no passado a elaboração de uma lei nem

sempre são as mesmas no momento da aplicação desta lei, assim, a crítica precisa

verificar sua aplicabilidade dentro do sistema atual.

Sobre o resultado da interpretação, que pode ser declarativo, restritivo ou

extensivo, deixa-se de lado a lógica formal, e a partir de uma postura crítico-

epistemológica o intérprete deve resolver as lacunas do direito com uma perspectiva

material conforme as necessidades sociais.

A teoria crítica revela a ideologia implícita nas normas, promove uma revisão

crítica, reelabora conceitos jurídicos, constrói novos conceitos jurídicos, tornando

possível a construção de uma nova realidade social que se pretende. (COELHO,

2004, p. 388)

A grande inovação da teoria crítica é o reconhecimento do papel político e

ideológico do direito, e com isso desprezar uma ciência construída sob dogmas, seja

em razão da lei, seja em razão de conceitos aceitos pelo senso teórico. O direito é

instrumento das categorias (sociedade, ideologia, alienação e práxis) e serve para a

transformação social acompanhando suas necessidades materiais conforme a

evolução do homem e da sociedade, o que representa a expressão de justiça, desta

feita, a aplicação da lei deve ter o significado de fazer justiça.

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95 3.1.3 Considerações sobre a interpretação do direito

A partir das noções de interpretação, hermenêutica e aplicação do direito a

conclusão é de que analisar o direito numa visão dogmática legalista em que as

regras ficam isoladas de todo o contexto social está inadequado para os avanços

conquistados no campo do direito. Para uma sociedade que busca a realização da

justiça por meio do direito, necessariamente, deve ser levado em consideração os

valores sociais, os problemas, as necessidades da sociedade, e assim, o direito

cumprirá seu papel como transformador de realidade contribuindo com a evolução

da sociedade.

Há várias correntes doutrinárias filosóficas que escapam de um dogmatismo

estático, engessado, seja numa linha zetética ou crítica, mas o importante é

reconhecer que o aplicador do direito deve ter como meta a satisfação dos

interesses e valores da sociedade, por isso, a idéia de uma interpretação das

normas que busque nos sistemas envolvidos o sentido da norma aplicada é a que

melhor aproxima da efetividade do direito como agente de transformação da cultura

jurídica.

Após este estudo sobre a sentença penal, interpretação, hermenêutica e

aplicação do direito, há uma estrutura teórica para melhor abordagem do tema da

individualização da pena e suas circunstâncias.

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4 A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

A individualização da pena pode ser compreendida como um conjunto de

regras para determinar a pena da pessoa condenada, que tem um lado material

(direito subjetivo) e outro processual (regras a serem seguidas pelo juiz na

elaboração da sentença). Mas, além deste conceito, é importante pensar como

princípio constitucional, e, principalmente, como garantia fundamental.

Não sendo as pessoas iguais, como também não são iguais os crimes e as

conseqüências dos crimes, mesmo que entre crimes de mesma espécie, a pena a

ser estabelecida deve respeitar estas diferenças.

A individualização da pena serve para que seja realizado o justo, não no

sentido de que a pessoa tem o direito à pena, mas sim de que a pessoa condenada

por um crime tem o direito a cumprir devidamente a pena correspondente

proporcionalmente ao comportamento criminoso praticado, conforme suas

características pessoais, e desta forma tem o direito de que sua readaptação social

se realize efetivamente.

Para Guilherme de Souza Nucci:

A individualização da pena tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que co-autores ou mesmo co-réus. Sua finalidade e importância é a fuga da padronização da pena, da “mecanizada” ou “computadorizada” aplicação da sanção penal, que prescinda da figura do juiz, como ser pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve à pena pré-estabelecida, segundo um modelo unificado, empobrecido e, sem dúvida, injusto. (2007, p. 30)

4.1 Princípio

Respeitando todo o contexto filosófico e social em que se inspira nosso

sistema constitucional, como analisado anteriormente, voltado para os direitos e

garantias fundamentais da pessoa humana, a Constituição Federal expressa em seu

art. 5º, XLVI: “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as

seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d)

prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos”.

Presente, também, nas Constituições de 1946 (art. 141, § 29), de 1967 (art.

150, § 13º, segunda parte) e na Emenda Constitucional de 1969 (art. 153, §13º, 2º

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97 parte), a individualização da pena passa a ser em nosso sistema um princípio penal

constitucional que serve como garantia individual e como forma de limitação do

poder punitivo do Estado.

No estudo de Guilherme de Souza Nucci (2007, p. 33) é traçada correlação

do princípio da individualização da pena com outros princípios aplicáveis à pena:

O primeiro princípio que se relaciona com a individualização é o princípio da

legalidade previsto no art. 5º, XXXIX da Constituição Federal: “não há crime sem lei

anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Para cumprir o

escopo político do princípio da legalidade, o que demonstra seu contexto

democrático, não só a descrição do crime deve ser anterior ao fato, mas também a

pena, no sentido de que lei posterior que define crime não pode retroagir e alcançar

fatos anteriores a ela (anterioridade).

Ou seja, o fundamento político serve como garantia de liberdade

(democrático) e desta forma a cominação abstrata da pena, seus critérios, seu

quantum, sua execução, deve ser anunciada antes para que as pessoas saibam

quais são as conseqüências para determinado crime, e por outro lado, limita o poder

punitivo do Estado em relação à liberdade da pessoa.

Existe discussão doutrinária sobre a equivalência do princípio da legalidade

e da reserva legal, Nucci se posiciona a favor desta equivalência, apesar de parecer

melhor a doutrina que entende ser o princípio da legalidade o gênero, tendo como

espécies a anterioridade e a reserva legal, como por exemplo, Damásio de Jesus,

não há dúvida que como conseqüências destes princípios estão a taxatividade, a

anterioridade e a irretroatividade da lei penal, que devem ser características, não só

da descrição da figura típica, mas também da pena.

Com relação ao princípio da isonomia, Nucci argumenta que:

Assim como se sabe que os seres humanos são naturalmente desiguais, desse modo nascem e nessa perspectiva crescem, desenvolvem-se e morrem, o direito deve tratá-los todos de maneira igualitária, o que significa prever, nas normas, que possuem os mesmos destinatários, critérios que possam assegurar a cada um o que é seu, bem como, quando necessário, tratar desigualmente os desiguais, fórmula mais próxima do ideal de isonomia material e não meramente formal. A igualdade perante a lei, portanto, é um princípio que se volta ao legislador e ao aplicador do Direito, determinando ao primeiro a construção de um sistema de normas viáveis de modo a garantir, no momento da aplicação, que as diferenças naturais entre os destinatários dessas normas sejam respeitados, viabilizando a concretização da isonomia. (2007, p. 35)

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Assim, se tivermos várias pessoas condenadas por um mesmo crime, no

mesmo fato ou em fatos diferentes, a pena de cada pessoa será diferenciada em

razão das desigualdades entre elas, por circunstâncias subjetivas ou até mesmo

objetivas, mas que revelam que cada pessoa tem a necessidade de um quantum de

pena ou de uma espécie de pena para a justa medida repressiva do Estado.

Outro princípio correlato é o da proporcionalidade, para Nucci, levando em

consideração a intervenção mínima do direito penal e sua missão de proteção de

bens jurídicos, deve haver uma proporcionalidade entre o crime e a pena, não

podendo crimes de menor importância ter penas exageradas.

Desta forma, o princípio da proporcionalidade é utilizado pelo legislador na

construção dos tipos penais, descrevendo o comportamento e sua pena

proporcional, conforme a gravidade maior ou menor dos crimes (envolvendo a

conduta e o bem jurídico protegido), permitindo, então, que a individualização da

pena aconteça respeitando critérios de proporcionalidade ao crime que o condenado

cometeu.

Também correlatos são os princípios da responsabilidade pessoal e da

culpabilidade. Conforme o art. 5º, XLV da Constituição Federal, a pena não poderá

passar da pessoa do delinqüente, o que evita a possibilidade de outras pessoas

pagarem pelo crime de alguém, como, por exemplo, o pai pagar pelo crime do filho

em virtude de sua fuga. Este é o princípio da responsabilidade pessoal, e para Nucci

a individualização da pena tem a finalidade de concretizar este princípio. (2007, p.

39)

Lembra Nucci que a própria Constituição Federal não abrange nesta

responsabilidade pessoal da pena o dever de reparar o dano e o perdimento dos

bens quando forem considerados produto ou proveito do delito, pois tais

conseqüências são efeitos da pena e podem alcançar o sucessor em razão do

enriquecimento sem causa, e o Estado tem o dever de, verificando a ilicitude,

confiscar os bens herdados, o que demonstra o respeito ao limite do patrimônio que

pertencia ao condenado e que foi transferido, não podendo alcançar bens próprios

do sucessor. (2007, p. 39)

O princípio da culpabilidade tem a tarefa de ser o fundamento da pena, ser

critério de medida da pena (limitação) e proibir em direito penal a responsabilidade

objetiva. Como a culpabilidade é pessoal, o fundamento e limite da pena é uma

forma de personalizar a pena, ou seja, individualização.

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O outro aspecto do princípio da culpabilidade, proibição de responsabilidade

objetiva em direito penal, obriga que o crime só aconteça com dolo ou culpa, para

Nucci isto decorre da garantia constitucional da dignidade da pessoa humana, e

seguindo:

Quão arbitrária seria a atuação estatal buscando punir pessoas que causam danos ou criam situações de perigo fortuitamente, obra do acaso, sem desejar, nem atuar com falta do dever de cuidado objetivo. Assim, preservando-se a esfera de intimidade do ser humano, levando-se em conta que o Direito Penal é a ultima ratio (princípio da intervenção mínima ou subsidiariedade), devendo ser o instrumento punitivo utilizado quando outro se torne ineficaz ou inadequado ao ilícito cometido, não se pode admitir, como regra, o direito penal sem culpa. (2007, p. 40)

Por último, o princípio da humanidade, que em relação à pena pode ser

verificado na Constituição Federal no art. 5º, XLVII e XLIX:

XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Conforme Guilherme de Souza Nucci, o principal vínculo da individualização

da pena com o princípio da humanidade é em relação à etapa de execução da pena,

e o maior problema são as condições carcerárias no Brasil, superlotação, falta de

condições sanitárias, contribuindo para um tratamento desumano para os presos.

Com isso, é importante que o juiz da execução penal atue para evitar estas

situações, ou pelo menos amenizar. (2007, p. 41)

As penas privativas de liberdade ainda são a solução para crimes graves,

por enquanto não se encontrou outra medida que possa fazer uma substituição

eficaz. Com isso, o que deve se ter como meta não é criar um alto padrão de vida

para os presos, pois esta não é a realidade da sociedade brasileira que sofre com

situações de miserabilidade, mas sim criar um sistema carcerário que mantenha o

“status de pessoa humana” para o apenado, buscando a chamada humanização do

presídio, o que tem se mostrado um processo muito lento. (NUCCI, 2007, p. 41)

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100 4.2 Sistemas

O processo de individualização da pena, que inclui a espécie, o quantum da

pena, e eventual substituição ou suspensão condicional, pode ser realizado

conforme três sistemas (PRADO, 2008, p. 574):

Primeiro, sistema da absoluta determinação, em que o legislador fixa o

processo de determinação da pena, com sua individualização, espécie e medida da

pena, não dando margem ao juiz para interferir na individualização, assim fica

adstrito ao previamente fixado pela lei.

Conforme Luiz Regis Prado:

Exemplo emblemático da absoluta determinação é o Código Criminal do Império (1830), que, inspirado no Código Penal francês de 1791, perfilha rígido esquema de dosimetria penal. Conferia à sanção penal aplicação matemática, feita segundo três graus distintos – máximo, médio e mínimo (art. 63). Nessa trilha, também o Código Penal de 1890 dividia a sanção em graus: máximo, submáximo, médio, submédio e mínimo. Nesse Estatuto, somente os graus máximo e mínimo encontravam-se previamente fixados; o grau médio era resultado da média aritmética daqueles, enquanto o submédio era extraído da média entre os graus mínimo e médio, e o submáximo, da média entre os graus médio e máximo (art. 62). (2008, p. 574)

Segundo, o sistema da absoluta indeterminação, neste o julgador tem

poderes ilimitados para determinar a espécie de pena e seu quantum conforme o

caso concreto levado ao judiciário é o livre-arbítrio judicial.

Terceiro, o sistema da relativa determinação, que é o sistema adotado pelo

nosso Código, tanto pelo Código de 1940 quanto por sua atualização com a nova

Parte Geral de 1984. Conforme Regis Prado: “Por esse sistema, a individualização

legislativa é complementada pela judicial, ou seja, a pena se encontra determinada

no que concerne às espécies e seu quantitativo, cabendo ao juiz, observando seus

limites mínimo e máximo, fixá-la discricionariamente”. (2008, p. 575)

No mesmo sentido Gilberto Ferreira afirma que:

A história demonstrou que a individualização feita exclusivamente pelo legislador não era proporcional sendo, portanto, injusta. Comprovou, também, que deixar a tarefa ao livre arbítrio do magistrado poderia levar a abusos. Chegou-se, então, ao meio termo. O legislador estabeleceria um mínimo e um máximo em valores abstratos para cada crime, deixando ao juiz a incumbência de fixar, dentre esse mínimo e esse máximo, a pena cabível a cada espécie. (2004, p. 49)

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Nota-se que com o sistema adotado, sistema da relativa determinação, que

a individualização da pena ocorre pelo menos em duas etapas ou fases, uma no

legislativo e outra no judiciário, contudo não pode ser esquecido que a

individualização também tem sua fase administrativa que se estabelece no momento

da execução da pena. Assim, verificam-se três etapas ou fases da individualização

da pena: legislativa, judiciária e administrativa ou executiva.

No importante estudo realizado por Paulo S. Xavier de Souza ele demonstra

a discussão sobre as três etapas. (2006)

Existe corrente doutrinária defendendo a existência somente das etapas

judicial e executória, ou seja, uma concepção dualista em que a individualização se

iniciaria somente com a atividade do juiz.

Ainda, esclarece o autor, citando Zaffaroni, que há outro conceito binário, em

que se teria uma etapa legislativa, com a quantificação dos bens que o condenado

pode ser privado, e uma outra etapa com a conexão entre a judicial e a executiva,

que seria a aplicação da lei ao caso concreto.

Apesar da discussão, conclui Paulo S. Xavier de Souza que:

No entanto, além das atividades judicial e executiva, a individualização deve abarcar, também, o aspecto legislativo, não só para possibilitar a escolha da quantidade e qualidade da sanção a ser cominada em abstrato; mas, como se verá adiante, diante do implemento da noção de bem jurídico, que importe um conceito mais amplo de individualização (Cap. III. 2.4), esta se caracteriza também pela seleção de condutas individuais ou consideradas socialmente lesivas, que devam ser tipificadas pelo Direito Penal, mediante a elevação de um bem ou valor à categoria de “bem jurídico-penal” (Cap. III. 2 ss.). A ampla conexão do princípio de individualização com o ideal de Estado Democrático pressupõe composição afinada entre as “atividades consideradas individualizadoras”, e não apenas as atividades legal, judicial (strafzumessung) e administrativa ou executiva, interagindo em planos diferentes (legislativo, judicial, executivo), devendo harmonizar-se para, ao final, atingirem um “fim específico”, ou seja, uma completa individualização da pena, momentos que combinados, convergem-se numa mesma tarefa individualizadora, pretendendo a realização da vontade da lei a um caso específico. (2006, p. 27)

Ante o exposto, para cumprir o papel garantista de um Estado Democrático

de Direito, a individualização da pena deve ser pensada nos três planos, no

legislativo em que se gradua a proporcionalidade entre o crime e as possíveis penas

correspondentes limitando a atuação do juiz no caso concreto; no judiciário em que

o aplicador do direito pode realizar a individualização para um determinado caso

concreto dentro dos limites estabelecidos; e, por fim, na execução da pena, quando

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102 o apenado cumpre a pena de acordo suas características pessoais e com o crime

que praticou.

Não há dúvidas que as três fases ou etapas são extremamente importantes

e devem interagir, como disse Paulo S. Xavier de Souza, porém neste trabalho a

etapa que será aprofundada é a judicial, ou seja, a atividade do juiz no momento de

aplicação da pena.

4.3 Individualização judicial da pena e a discricionariedade vinculada

Para esta atividade judicial é importante lembrar que se trata de um ato

realizado na sentença penal condenatória, por isso, ato processual, e assim, deve

estar submetido ao princípio do devido processo legal e da instrumentalidade do

processo. Por isso, neste momento será analisada a individualização e sua atividade

cumprindo as regras determinadas em lei, mas pensando no devido processo legal

processual e substancial e na instrumentalidade do ato processual do ato de

individualizar a pena.

Joaquim Canuto Mendes de Almeida citado por Gilberto Ferreira dizia que:

A individualização da pena, no sentido restrito, é tarefa do juiz, consistente em que, de acordo com as regras da lei, proporcionar a pena, dentro dum certo arbítrio, não só ao fato e as circunstâncias objetivas do fato, mas, sobretudo e principalmente, às condições, às qualidades, aos característicos da personalidade do agente. (2004, p. 50)

A atividade judicial processual de individualizar a pena, além de necessária,

é muito importante. Faz parte da técnica jurídica em que o juiz terá que analisar

todas as circunstâncias do fato, além da conduta do acusado no momento do crime,

bem como, conforme veremos entre as circunstâncias, o passado do acusado, pois,

por exemplo, sua conduta social e sua personalidade são colocadas como critérios

de individualização.

A atividade do julgador na individualização da pena é discricionária, mas isto

não significa liberdade total na avaliação e individualização, conforme já estudado o

sistema aplicado em nosso Direito Penal é o da relativa determinação, por isso, o

julgador fica vinculado as regras pré-estabelecidas para a determinação da pena e

sua individualização. Neste sentido, Luiz Regis Prado explica que: ”A

individualização judiciária da sanção penal implica significativa margem de

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103 discricionariedade, que deverá ser balizada pelos critérios consignados no art. 59 do

Código Penal e pelos princípios penais de garantia”. (2008, p. 576)

Neste sentido, Luiz Luisi realiza a importante reflexão:

É de entender-se que na individualização judiciária da sanção penal estamos frente a uma “descricionariedade juridicamente vinculada”. O Juiz está preso aos parâmetros que a lei estabelece. Dentro deles o Juiz pode fazer as suas opções, para chegar a uma aplicação justa da lei penal, atento as exigências da espécie concreta, isto é, as suas singularidades, as sua nuanças objetivas e principalmente a pessoa a que a sanção se destina. Todavia é forçoso reconhecer estar habitualmente presente nesta atividade do julgador um coeficiente criador, e mesmo irracional, em que, inclusive inconscientemente, se projetam a personalidade e as concepções da vida e do mundo do Juiz. Mas como acentua Emílio Dolcini, não existe uma irremediável e insuperável antinomia entre “o caráter criativo e o caráter vinculado da discricionariedade”, pois este componente emocional e imponderável pode atuar na opção do Juiz determinando-lhe apenas uma escolha dentre as alternativas explícitas ou implícitas contidas na lei. (2003, p. 54)

Desta forma, esta característica discricionária permite ao juiz do caso avaliar

as particularidades concretas de um fato, escapando de um “engessamento da lei”,

usando sua capacidade criativa e sua sensibilidade para a aplicação da pena, por

outro lado, em razão do princípio da legalidade que também se aplica a pena, e

como garantia da pessoa em relação ao Poder do Estado, a discricionariedade deve

ser exercida dentro dos limites legais.

4.4 Individualização da pena – dosimetria da pena

4.4.1 Sistema trifásico

Sobre a dosimetria da pena (cálculo da pena) prescreve o art. 68 do Código

Penal: “A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código;

em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por

último, as causas de diminuição e aumento”.

Há dois sistemas para realização da dosimetria da pena, o sistema bifásico

que no direito penal brasileiro foi representado por Roberto Lyra, e, o sistema

trifásico, defendido por Nélson Hungria.

A discussão entre os sistemas (bifásico e trifásico) se deu em razão de que

no Código Penal de 1940, nos arts. 42 e 50 que determinavam a aplicação da pena,

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104 não ficou claro qual sistema teria sido adotado (FERREIRA, 2004, p. 56). Conforme

os artigos:

Artigo 42. Compete ao juiz, atendendo aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau da culpa, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime: I) determinar a pena aplicável, dentre as cominadas alternativamente; II) fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicável.

Artigo 50. A pena que tenha de ser aumentada ou diminuída, de quantidade fixa ou dentro de determinados limites, é a que o juiz aplicaria se não existisse causa de aumento ou de diminuição.

Interpretando estes dispositivos, Roberto Lyra entendeu que a dosimetria da

pena deveria ser realizada em duas fases: na primeira seria a observação das

circunstâncias judiciais em conjunto com as agravantes e atenuantes, e, na segunda

fase faria a apreciação das causas de aumento e de diminuição, que podem ser

gerais ou especiais. Nesta linha, as circunstâncias atenuantes e agravantes eram

consideradas como circunstâncias judiciais e não como fase separada de dosimetria

da pena. (PRADO, 2008, p. 579)

A argumentação de Roberto Lyra, para a adoção do sistema bifásico, é no

sentido de diminuir o risco do juiz considerar duas vezes a mesma circunstância

como judicial e agravante, o que resultaria em uma dupla aplicação da mesma

causa. Conforme Damásio E. de Jesus:

Argumenta-se que as três operações preconizadas por Nélson Hungria podem levar o juiz a considerar duas vezes a mesma circunstância. É o caso de o agente cometer o delito por motivo torpe. O juiz, na fixação da pena-base (primeira operação), teria de levar em conta o motivo (art. 59, caput). Após, na segunda operação, deveria considerar outra vez o mesmo motivo, por força do disposto no art. 61, II, a, pois as circunstâncias agravantes são obrigatórias. (2005, p. 588)

Para Nélson Hungria, na interpretação dos dispositivos citados do Código de

1940, primeiro se observaria as circunstâncias judiciais, depois as agravantes e

atenuantes aumentando ou diminuindo o resultado da pena já com o resultado das

circunstâncias judiciais, e, por fim, numa terceira fase, observaria as causas de

aumento ou diminuição. (FERREIRA, 2004, p. 56)

O argumento para o sistema trifásico é que a existência de três fases não

ocasiona prejuízo ao réu – que é a alegação da teoria bifásica – pelo contrário, se a

sentença deve ser motivada e pormenorizada para que o réu tenha conhecimento

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105 por que o juiz fixou determinada pena, a individualização em três etapas, e não

apenas duas, atende à pormenorização pretendida. Desta forma, o juiz ao realizar a

individualização da pena deve atentar para não aplicar novamente circunstância já

aplicada em fase anterior, é parte da missão do julgador. (DAMÁSIO, 2005, p. 588)

Com a alteração da Parte Geral do Código Penal em 1984, foi vencedora a

tese de Nélson Hungria, e conforme se percebe no art. 68 citado acima a dosimetria

da pena é realizada em três etapas. Dispõe o item 51 da Exposição de Motivos do

Código Penal:

Decorridos quarenta anos da entrada em vigor do Código Penal, remanescem as divergências suscitadas sobre as etapas da aplicação da pena. O projeto opta claramente pelo critério das três fases, predominante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Fixa-se, inicialmente, a pena-base, obedecido o disposto no artigo 59; consideram-se, em seguida, as circunstâncias atenuantes e agravantes; incorporam-se ao cálculo, finalmente, as causas de diminuição e aumento. Tal critério permite o completo conhecimento da operação realizada pelo juiz e a exata determinação dos elementos incorporados à dosimetria. Discriminado, por exemplo, em primeira instância, o quantum da majoração decorrente de uma agravante, o recurso poderá ferir com precisão essa parte da sentença, permitindo às instâncias superiores a correção de equívocos hoje sepultados no processo mental do juiz. Alcança-se, pelo critério, a plenitude de garantia constitucional da ampla defesa.

Na linha de interpretação das regras escapando ao dogmatismo legalista, e

aderindo a uma hermenêutica constitucional embasada nos direitos fundamentais, e

ainda, atendendo o devido processo legal processual e substancial, bem como a

instrumentalidade do processo, a opção do legislador pelo sistema trifásico parece

ser o melhor caminho para que a individualização seja clara, e, com isso, ofereça

maior oportunidade de oposição quanto aos critérios por parte do sentenciado.

Com as três etapas, assim, separando as circunstâncias judiciais das

agravantes e atenuantes em etapas diferentes, pode ocorrer o risco do bis in idem,

porém com o juiz tendo o devido cuidado, ele conseguirá aplicar a pena concreta

promovendo a individualização que diferencie o réu de acusados de delitos

similares. (NUCCI, 2007, p. 166)

Alguns autores defendem hoje uma quarta fase, que seria a substituição da

pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, conforme art. 59, IV do

Código Penal: “a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra

espécie de pena, se cabível”. (DAMASIO, 2005, p. 588)

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106

Guilherme de Souza Nucci discorda da existência desta quarta etapa,

asseverando que o art. 68 do Código Penal, que determina as etapas, só trata do

quantum da pena privativa de liberdade ou da multa, sendo que a substituição por

pena restritiva de direitos é um benefício legal, e necessariamente, primeiro deve ser

imposta a pena privativa de liberdade para depois haver a substituição, assim, não

se trata de etapa e sim de efeito de benefício legal. (2007, p. 166)

As fases de cálculo da pena de acordo com o sistema trifásico, em uma

análise preliminar são:

Primeira fase, chamada de pena-base: nesta fase o juiz fará uma avaliação

das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 caput do Código Penal e

estabelecerá as penas aplicáveis dentre as cominadas (por exemplo, escolher entre

a alternativa de pena privativa de liberdade e pena de multa) e a pena concreta de

acordo com os limites fixados pelo tipo penal.

Segunda fase, é a verificação da presença de circunstâncias agravantes

(arts. 61, 62 do Código Penal) e atenuantes (arts. 65 e 66 do Código Penal),

proporcionando aumento ou diminuição sobre a pena-base estabelecida na primeira

fase.

Terceira fase, é a aplicação de causas de aumento ou de diminuição

presentes na Parte Geral ou na Parte Especial do Código Penal, sendo que o

cálculo da pena é realizado sobre a pena estabelecida na segunda fase, caso não

se verifique uma das circunstâncias atenuantes ou agravantes, a pena da segunda

fase corresponderá à pena-base.

Apesar da adoção do sistema trifásico pelo Código Penal, constata Gilberto

Ferreira a existência de 8 (oito) etapas de acordo com o Código Penal:

1º) escolha da pena a ser aplicada quando ao fato for cominada mais de uma alternativamente (art. 59, I); 2º) análise das circunstâncias judiciais para estabelecimento da pena-base (art. 59 – caput e art. 68, primeira parte); 3º) análise das circunstâncias legais (agravantes e atenuantes – arts. 68, segunda parte; 61, 62 e 65); 4º) análise das causas especiais de aumento ou diminuição de pena, previstas na parte geral e na parte especial (art. 68, terceira parte); 5º) estabelecimento do regime inicial do cumprimento da pena (art. 59, III, e 33); 6º) realização das substituições cabíveis (art. 59, IV; 43; 44; e 60, §2º); 7º) concessão de suspensão condicional da pena (art. 77); 8º) fundamentação dos efeitos da condenação referidos no art. 92. (2004, p. 59)

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107

Tendo como parâmetro as 8 (oito) etapas, Gilberto Ferreira demonstra que

no procedimento de aplicação da pena é possível: 1) oito etapas; 2) podem ser

reduzidas para seis em caso de não concessão do sursis e de não haver a presença

das hipóteses do art. 92 do Código Penal que são os efeitos da sentença

condenatória, como, por exemplo, perda de cargo ou função pública; 3) ainda pode

acontecer em cinco etapas, quando não ocorrerem as situações já descritas na

alínea “b” e não ocorrer substituições de pena; 4) somente três etapas, quando só

houver circunstâncias judiciais e configurar a situação da alínea anterior; 5) em duas

etapas em caso de pena de multa sem causas modificadoras. (2004, p. 59)

Apesar de reconhecer a importância de todas as etapas da individualização

da pena, este trabalho se concentrou na análise das circunstâncias judiciais, das

agravantes e atenuantes, consideradas circunstâncias genéricas. A finalidade é

demonstrar a importância para toda a individualização que os operadores do direito,

em principal o juiz, verifiquem no curso do processo a presença destas

circunstâncias, bem como a interpretação e a motivação na sua aplicação.

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5 AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS, AS AGRAVANTES E AS ATENUANTES

5.1 Teoria das circunstâncias

As fases da dosimetria da pena são formuladas em razão de circunstâncias

que podem representar uma maior ou menor gravidade para o fato criminoso, com

isso aumentando ou diminuindo a pena, por isso, para entender as fases e suas

circunstâncias é preciso uma noção de tipo básico, tipo derivado e circunstâncias.

Estruturado com base no princípio da legalidade (Constituição Federal art.

5º, XXXIX) no direito penal brasileiro, para um comportamento ser caracterizado

como crime deve estar descrito em lei. A descrição do comportamento acontece por

meio do tipo, que é um modelo legal.

Conforme Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 258): “Tipo é o conjunto dos

elementos do fato punível descrito na lei penal. O tipo exerce uma função limitadora

e individualizadora das condutas humanas penalmente relevantes”.

Para Luiz Regis Prado “o tipo é a descrição abstrata de um fato real que a lei

proíbe (tipo incriminador)”. (2008, p. 309)

Em um sistema jurídico com orientação democrática é necessária a

presença do princípio da legalidade (nullum crimen nulla poena sine lege), pois não

há crime nem pena sem previsão legal, e o tipo concretiza esta previsão legal. Em

seu aspecto político esta previsão legal (tipo) tem a missão de especificar,

individualizar, qual é o comportamento que o legislador considera como crime.

Num contexto democrático, o legislador escolhe os bens jurídicos protegidos

(intervenção mínima) e as condutas que merecem ser punidas penalmente

(fragmentariedade), bem como sua conseqüência jurídica, a pena, e as pessoas têm

conhecimento destes comportamentos e de suas conseqüências, assim, para Luiz

Regis Prado:

Com lastro no princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, da CF; art. 1º do CP), o tipo legal de delito engendra uma série de funções: a) função seletiva - indica os comportamentos que são protegidos pela norma penal, que interessam ao Direito Penal; b) função de garantia e de determinação – diz respeito ao cumprimento do princípio da legalidade dos delitos e das penas, formal e materialmente, inclusive quanto ao requisito da taxatividade (lex scripta, lex praevia, lex stricta e lex certa); c) fundamento da ilicitude – (ilicitude tipificada – uma ação atípica e lícita); d) função indiciária da ilicitude – é a tipicidade a ratio cognoscendi da ilicitude; e) criação do mandamento proibitivo – a matéria proibida ou determinada; f) delimitação

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109

do iter criminis – assinala o início e o fim do processo executivo do crime. (2008, p. 309)

O tipo compõe-se de duas partes, o preceito primário com a descrição do

comportamento e seus aspectos (sujeitos, bem jurídico, objeto material), e o preceito

secundário com a cominação da espécie ou espécies de pena e do mínimo e do

máximo da respectiva pena.

Exemplo: crime de homicídio, art. 121 do Código Penal – preceito primário

“Matar alguém”, preceito secundário “pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos”.

Esta descrição prevista no caput do artigo é chamada de tipo básico ou

fundamental, que é a essência para que uma conduta seja caracterizada como

crime, é composto por elementos chamados de elementares, e a ausência destes

elementares em um caso concreto faz com que o delito “desapareça”. (NUCCI,

2007, p. 149)

Cezar Roberto Bitencourt explica que “elementares do crime são dados,

fatos, elementos e condições que integram determinadas figuras típicas”. (2008, p.

436)

No estudo realizado por Luiz Luisi (1987) sobre o tipo penal e a teoria

finalista, verifica-se sobre a descrição do tipo básico:

A parte objetiva dos tipos penais apresenta, por um lado, requisitos comuns e necessários para a sua configuração, e, por outro, elementos constitutivos de certos, específicos e singulares tipos, porém não comuns, que se poderão chamar – talvez com uma certa impropriedade semântica – acessórios. Os primeiros, isto é, os elementos constitutivos comuns e necessários a todo tipo penal, são: a) sujeito ativo primário; b) conduta externa; c) bem jurídico protegido ou tutelado. Os segundos são os elementos circunstanciais e normativos. (1987, p. 43)

Em nota explicativa da citação acima, Luis Luisi complementa que a palavra

“acessórios” é inspirada em estudo de Mariano Jiménez Huerta, jurista espanhol,

mas que na essência não tem estes elementos característica de ser secundário à

estrutura do crime, mas sim tem a tarefa de constituir a estrutura do tipo,

complementando e integrando-se aos elementos necessários e comuns, ou seja,

elementares.

Logo depois, em sua obra, Luiz Luisi explica que os elementos acessórios

que constituem a estrutura do tipo dividem-se em circunstanciais e normativos,

sendo que os circunstanciais são relativos ao lugar, ao tempo, aos meios

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110 empregados e ao modus faciendi do crime, e os normativos dependem de uma

atividade valorativa, como, por exemplo, o termo “indevidamente” que se vincula à

idéia de ilicitude. (1987, p. 43 e ss.)

Mas na lição de Luisi é importante diferenciar as circunstâncias que

compõem a essência, a estrutura do tipo, das circunstâncias acidentais:

No concernente aos primeiros, convém desde logo esclarecer que são circunstâncias do tipo aqueles que o constituem, isto é, que integram a sua estrutura. Distinguem-se das chamadas circunstâncias do delito, que são acidentais e não essenciais à existência do crime. Este existe sem elas, isto é, inexistentes as circunstâncias o delito subsiste. Ou, em outras palavras: as circunstâncias típicas pertencem e integram o tipo, e estão nele descritas ou ínsitas, enquanto as outras pressupõem o delito, isto é, que esteja integrado por todos os seus elementos estruturais e constitutivos, ou melhor, que o fato seja típico, antijurídico e culpável. (1987, p. 52)

Estas circunstâncias acidentais, das quais não depende a existência do tipo

básico ou fundamental, formam o chamado tipo derivado. O tipo derivado pode vir

na forma de qualificadora ou privilegiadora, ou ainda, como causa de aumento ou de

diminuição de pena, mas que, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci. “Alterar

uma dessas circunstâncias, previstas no tipo penal, em sua forma derivada, não

altera a figura básica, refletindo tão-somente na quantificação da pena, para mais ou

para menos”. (2007, p. 150)

Ainda, devem ser consideradas no rol de circunstâncias acidentais do delito

as agravantes e atenuantes previstas nos arts. 61, 62, 65, 66 do Código Penal e as

circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal que servem para

análise do juiz. Tais circunstâncias estão presentes na Parte Geral do Código Penal,

não integrando um tipo específico, mas que fazem “conexão” com a tipicidade

derivada. (NUCCI, 2007, p. 150)

5.1.1 Conceito, classificação e localização das circunstâncias acidentais

As circunstâncias serão analisadas individualmente dentro de suas etapas

na aplicação da pena nos capítulos posteriores, mas neste item será cuidado do

conceito, classificação e localização.

O significado da palavra circunstância é: “ao redor de, em torno de”, em

Damásio “circunstância deriva de circum stare, ‘estar em redor’”. (2005, p. 551). Para

Damásio E. de Jesus:

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Ao lado dos elementos que compõem o crime, podem concorrer certos dados ou fatos, de natureza objetiva ou subjetiva, com função específica de aumentar ou diminuir a pena. Não incidem sobre a qualidade do crime, mas sobre a quantidade da pena. São as circunstâncias. [...] (2005, p. 551)

Este conceito complementa a idéia exposta no item anterior por meio do

estudo de Luiz Luisi, que estabeleceu a existência de circunstâncias essenciais à

estrutura do tipo e circunstâncias que são acidentais, pois não alteram o crime

enquanto sua essencialidade, mas demonstram uma maior ou menor gravidade no

fato, resultando uma alteração no quantum da pena, para mais ou para menos.

A diferença entre circunstâncias que são essenciais ao tipo e as que são

acidentais pode ser realizada por método de exclusão: se excluir a circunstância e o

crime desaparecer (atipicidade absoluta) ou o crime se modificar (atipicidade

relativa), significa que a circunstância é essencial; contudo, se promover a exclusão

da circunstância e o crime continuar existindo é caso de circunstância acidental,

lembrando que as circunstâncias essenciais estão presentes na descrição típica

como elementares do tipo. (JESUS, 2005, p. 552)

A característica acidental também é reconhecida por Luiz Regis Prado, que

afirma a incidência destas circunstâncias na mensuração da pena, mas que apesar

desta influência não pode fundamentar o delito. Para o autor: “a sua razão de ser na

lei penal constitui exigência do princípio da proporcionalidade – na necessidade na

individualização dos delitos e de suas respectivas conseqüências”. (2008, p. 469)

A missão destas circunstâncias acidentais (qualificadoras e privilegiadoras,

agravantes e atenuantes, causas de aumento e diminuição, circunstâncias judiciais)

é proporcionar uma aplicação da pena se aproximando ao que é justo para um caso

específico conforme suas características (de fato e do autor), respeitando a

existência individual daquele fato; para Prado: “[...] em virtude da maior ou menor

gravidade do injusto ou da culpabilidade, ou, simplesmente, por considerações

político-criminais (exigências de prevenção especial, favorecimento da eficiência da

administração da justiça, proteção à pessoa da vítima etc.)”. (2008, p. 469-470)

Estas circunstâncias “colocam-se entre o crime e a pena, permitindo a

graduação desta”, o que possibilita uma melhor ligação entre a realidade do fato

analisado judicialmente e a pena a ser estabelecida. (JESUS, 2005. p. 553)

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112

Luiz Regis Prado discorda do entendimento de que as circunstâncias estão

inseridas no estudo das conseqüências jurídicas do crime, teoria da pena, para ele

as circunstâncias devem ser vinculadas na teoria do delito, pois operam na

graduação do injusto ou da culpabilidade. (PRADO, 2008, p. 470)

Quanto à classificação as circunstâncias podem ser:

1) objetivas ou reais: “são as que se relacionam com os modos e meios de

realização da infração penal, tempo, ocasião, lugar, objeto material e qualidades da

vítima”. Ex. meio de execução do crime, art. 61, II, d (veneno, fogo, explosivo), art.

157, §2º, I; conseqüências do delito, art. 59, etc. (artigos do Código Penal). (JESUS,

2005, p. 554)

2) subjetivas ou pessoais: “são as que só dizem respeito à pessoa do

agente, sem qualquer relação com a materialidade do crime, como os motivos

determinantes, suas condições ou qualidades pessoais e relações com o ofendido”.

Ex. reincidência do art. 61, I; motivos: art. 61, II, a; personalidade, conduta social,

antecedentes do art. 59; estado psíquico do art. 65, III, c, etc. (artigos do Código

Penal). (JESUS, 2005, p. 554)

Destaca-se que Luiz Regis Prado tem posicionamento contrário a esta

classificação em objetivas e subjetivas em razão da concepção do injusto adotada

pelo autor (2008, p. 470).

Para Prado, o conceito de injusto penal é composto pelo desvalor da ação e

do resultado, sendo que o desvalor da ação não é somente um desvalor de

intenção, e sim complementado pelo desvalor de elementos objetivos, como por

exemplo, o modo de execução do crime, o que faz não importar na classificação

entre circunstâncias objetivas e subjetivas, já que todas elas integram o desvalor da

ação. (2008, p. 312)

Contudo, a doutrina tem reconhecido esta classificação, principalmente

porque por esta classificação se resolve a questão da comunicabilidade entre as

circunstâncias no caso de concurso de agentes (art. 30 do Código Penal), como

também em razão da verificação de circunstância preponderante (art. 67 do Código

Penal), temas que serão analisados neste trabalho em capítulo próprio. (FERREIRA,

2004, p. 101)

Ainda, as circunstâncias podem ser classificadas em (MIRABETE, 2008, p.

298):

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113

1) circunstâncias judiciais são as presentes no art. 59 do Código Penal e são

utilizadas para escolha da pena, para determinação da pena-base, escolha do

regime inicial da pena e para análise das substituições;

2) circunstâncias legais, que podem ser genéricas quando presentes na

Parte Geral do Código Penal, ou especiais quando presentes na Parte Especial:

2.1) as legais genéricas podem ser: agravantes (art. 61 e 62), atenuantes

(art. 65); causas de aumento (art. 70), causas de diminuição (art. 14, P.ú., art. 16);

2.2) as legais especiais podem ser: causas de aumento (art. 155, §1º),

causas de diminuição (art. 121, § 1º); qualificadoras (121, §2º), privilegiadoras (317,

§ 2º).

Em uma primeira análise, as circunstâncias agravantes, causas de aumento

de pena e qualificadoras têm a mesma função, aumentar a pena.

Por outro lado, as circunstâncias atenuantes, causas de diminuição e

privilegiadoras também exercem a mesma função, diminuir a pena.

Contudo as semelhanças entre estas circunstâncias ficam no plano de

aumentar ou diminuir a pena, pois para a atividade de aplicação da pena, atendendo

à individualização e sua complexidade, cada uma tem momento e regras diferentes

de aplicação:

1) quanto ao sistema trifásico: já foi descrito acima que as agravantes e

atenuantes são aplicadas na segunda fase; as causas de aumento e de diminuição

são observadas na terceira fase; quanto às qualificadoras e privilegiadoras são

aplicadas na pena-base, primeira fase.

2) quanto à localização no Código Penal: as agravantes estão nos arts. 61 e

62 e as atenuantes nos arts. 65 e 66; as causas de aumento podem estar tanto na

parte geral quanto na parte especial em diversos artigos; as qualificadoras e

privilegiadoras estão na parte especial.

3) em relação ao quantum (questão matemática): as agravantes e

atenuantes não têm especificado na lei o quantum, é um exercício do aplicador

conforme o crime e a proporcionalidade diante da pena abstrata; as causas de

aumento e de diminuição têm quantum estabelecido pela lei (ex: art. 14 p.ú. 1 a 2/3,

art. 71 p.ú. até o triplo); as qualificadoras e privilegiadoras são circunstâncias que

alteram os limites da pena, seu mínimo e máximo (ex. 121, § 2º altera os limites do

homicídio de 6 a 20 anos na forma simples para 12 a 30).

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114 5.1.2 O concurso de pessoas, as circunstâncias, a comunicabilidade e a

individualização

O concurso de pessoas acontece quando várias pessoas (autores, co-

autores, partícipes) contribuem para um crime, podendo ser concurso necessário,

quando o tipo exige a participação de duas ou mais pessoas (ex. bando ou quadrilha

do art. 288 do CP), ou, eventual, quando o tipo não exige tal participação, mas pode

ocorrer o crime com várias pessoas (ex. furto art. 155 do CP).

Para que ocorra o concurso são necessários alguns requisitos: pluralidade

de condutas, relevância das condutas, liame subjetivo e identidade da infração.

(JESUS, 2005, p. 420)

O art. 29 do Código Penal adota a teoria monista ou unitária sobre a

natureza jurídica do concurso de pessoas, dispõe o artigo que: “Quem de qualquer

modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua

culpabilidade”.

Mesmo determinando que os participantes de um crime respondem

conforme as penas estabelecidas para aquele crime, o Código Penal possibilita que

as penas sejam diferentes entre os participantes, inserindo na parte final do art. 29 a

expressão “na medida de sua culpabilidade”, ficando em sintonia com o sistema da

individualização da pena já que a culpabilidade, como será analisada adiante,

depende das características pessoais de cada agente.

Com base na individualização, o § 1º do art. 29 do CP estabelece que “se a

participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de 1/6 (um sexto)

a 1/3 (um terço)“, configurando uma causa de diminuição de pena, que deve ser

aplicada na terceira fase do cálculo da pena.

E ainda, no sistema do concurso, a individualização pode ocorrer na

chamada “participação dolosamente distinta” com previsão no § 2º do art. 29 do

Código Penal que tem a seguinte redação: “se algum dos concorrentes quis

participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será

aumentada até a ½ (metade), na hipótese de ter sido previsível o resultado mais

grave”. Hipótese em que o agente tinha o elemento subjetivo voltado para um crime

menos grave sem saber que na realidade acontecia outro crime mais grave. É um

reflexo do princípio da culpabilidade que não admite responsabilidade objetiva, por

isso, o tratamento diferenciado para este agente.

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115

Na linha de concurso de agentes, circunstâncias e individualização é

relevante o art. 30 do Código Penal, que faz a seguinte previsão: “Não se

comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando

elementares do crime”.

O tema da comunicabilidade das circunstâncias é importante para que em

um caso de concurso de pessoas possa ocorrer a devida individualização da pena,

pois, apesar de todos terem uma participação no crime, a pena é individualizada e

tem sua particularidade para cada participante de acordo com as circunstâncias que

podem alcançá-lo.

Em um concurso de pessoas pode estar envolvidas várias circunstâncias

pessoais ou objetivas, assim, o que busca responder este dispositivo é a questão de

que se estas circunstâncias podem se comunicar de um agente para outro, por

exemplo, num concurso em que um dos agentes é reincidente, será que afeta o

outro que contribuiu para o crime? Ou, no caso em que o executor de um crime de

homicídio utilizou um meio cruel, será que qualifica para o executor e para o

mandante?

A resposta é extraída do art. 30 citado acima, que contém três regras sobre

comunicabilidade:

1) não se comunicam as condições ou circunstâncias de caráter pessoal;

2) as circunstâncias objetivas se comunicam desde que sejam conhecidas

pelo co-autor ou partícipe;

3) as elementares, de caráter pessoal e as objetivas, comunicam-se, desde

que sejam conhecidas pelo co-autor ou partícipe. (JESUS, 2005, p. 439)

Ressalta-se que mesmo nos casos de comunicabilidade das circunstâncias,

quando forem elementares e nas objetivas, em razão do princípio da culpabilidade o

co-autor ou partícipe só poderá recepcionar a circunstância se esta entrou na sua

esfera de conhecimento, caso contrário, configura responsabilidade objetiva.

Exemplo, o partícipe de um funcionário público em um crime de peculato-furto (art.

312 § 1º do CP), um extraneus, deve saber que ajuda um funcionário público para

responder pelo crime de peculato; não tendo este conhecimento, responde por furto

(art. 155, d, do CP).

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116 5.1.3 Garantia do non bis in idem – proibição da dupla valoração das circunstâncias

Em algumas situações a mesma circunstância pode ser prevista em

momentos diferentes do sistema trifásico, assim, pode ser uma circunstância judicial

e uma qualificadora ou agravante (ex. o motivo torpe pode ser circunstância judicial,

agravante do art. 61 ou qualificadora do crime de homicídio), ou até mesmo ser

prevista na estrutura elementar do tipo e ser considerada uma circunstância (ex. art.

244 do Código Penal pelo fato da vítima poder ser ascendente ou descendente).

Porém, por um critério de proporcionalidade, a mesma circunstância não

pode incidir mais de uma vez na determinação da pena, assim, quando uma

circunstância estiver presente em mais de uma fase da aplicação da pena deve ser

utilizada em apenas uma, ou seja, proibição do bis in idem.

Paulo S. Xavier de Souza atento a este problema, traça as seguintes regras

básicas:

1) na fixação da pena-base não cabe a aferição de circunstâncias judiciais, quando constituírem qualificadoras, privilegiadoras, causas de aumento ou diminuição de pena, ou agravantes e atenuantes legais; 2) cada circunstância deve derivar de fato autônomo, porquanto, um único fato não pode servir de fundamento para a dupla agravação da pena, ou seja, como circunstâncias judiciais diferentes (ex. antecedentes e conduta social), circunstância judicial e legal (ex. antecedentes e reincidência), causa de aumento e circunstância judicial ou legal, ou então qualificadora; 3) se qualquer das circunstâncias integrar as elementares do tipo penal, não poderá ser levada em conta na fixação da pena, pois já foram consideradas pelo legislador na criação da figura típica e para a cominação dos marcos penais. (2006, p. 148)

Neste sentido, foi elaborada a Súmula 241 do Superior Tribunal de Justiça:

“A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e,

simultaneamente, como circunstância judicial”.

Quando uma circunstância é utilizada como elementar do tipo significa que o

legislador já utilizou um critério de valoração ético-social para determinar a pena

levando em consideração aquela circunstância, ou seja, o mínimo e o máximo da

pena são elaborados conforme valoração de tal circunstância, por isso não pode

uma avaliação do aplicador do direito utilizar a mesma circunstância como forma de

agravação ou atenuação da pena já prevista com fundamento nesta circunstância.

(WELZEL apud SOUZA, 2006, p. 150)

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117 5.1.4 As circunstâncias e a repercussão nos limites abstratos da pena

Na primeira etapa da individualização da pena, etapa legislativa, o legislador

comina para cada tipo penal os limites da pena, atendendo a proporcionalidade

entre o bem jurídico e a lesão causada, prevendo assim, o mínimo e o máximo da

pena para cada crime.

Foi objeto de estudo neste trabalho que o sistema adotado para a

determinação da pena é o da relativa determinação, bem como, foi analisado que o

juiz exerce uma discricionariedade juridicamente vinculada na tarefa de individualizar

a pena, por isso, surge uma polêmica sobre os limites abstratos da pena. Será que o

juiz pode aplicar a pena abaixo do mínimo ou acima do máximo previsto

abstratamente na lei?

A resposta gera controvérsias, com entendimentos radicalmente opostos, às

vezes numa concepção extremamente legalista, e, de outro lado, com pensamento

embasado somente em critérios de política criminal.

O problema está na interpretação do art. 59, II do Código Penal que

determina ao juiz a observação das circunstâncias judiciais, e com isso, estabelecer

“a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos”.

A orientação do Superior Tribunal de Justiça contido na súmula 231 é a

seguinte: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da

pena abaixo do mínimo legal”. Diante disto, doutrina e jurisprudência em sua maioria

adotaram o seguinte critério em relação ao sistema trifásico do cálculo da pena e os

limites legais:

Na primeira fase, análise das circunstâncias judiciais (art. 59 do CP), não é

possível o juiz fixar pena abaixo do mínimo ou acima do máximo previsto em lei;

Na segunda fase, agravantes e atenuantes, também não é possível a

fixação da pena abaixo do mínimo ou acima do máximo, pelas seguintes razões: 1)

o art. 59, II é peremptório em determinar a quantidade das penas dentro dos limites

previstos; 2) que a fixação fora dos limites seria uma violação a individualização da

pena legislativa e ao sistema da relativa determinação, sem contar com a separação

dos Poderes; 3) uma influência do sistema bifásico (já exposto neste trabalho) de

aplicação da pena, em que na primeira fase, pena-base, são analisadas as

circunstâncias judiciais em conjunto com as agravantes e atenuantes; 4) resquício

da interpretação do art. 48 do Código Penal de 1940 (anterior a reforma de 1984)

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118 que aplicava uma causa de diminuição, mas impedia que a pena cominada ficasse

abaixo do mínimo legal.

Na terceira fase, diante da previsão expressa dos valores de cálculo nas

causas de aumento e de diminuição, a pena pode extrapolar o limite mínimo e

máximo previstos em lei.

Quanto à primeira fase, o melhor entendimento é de que devem ser

respeitados os limites legais, pois é o previsto no art. 59, II do Código Penal, que é o

dispositivo da primeira fase, pois, conforme art. 68 que manda aplicar na pena-base

o art. 59.

A grande polêmica é em relação à aplicação da pena fora dos limites na

segunda fase, ou seja, na aplicação das agravantes e atenuantes.

Primeiro, no que diz respeito ao limite mínimo, a interpretação de que não

pode a aplicação abaixo do mínimo no reconhecimento de atenuantes não é a

melhor, pois parte do ponto de que nesta fase deve ser respeitada a limitação

imposta pelo art. 59, II.

Porém, numa interpretação sistemática, no art. 65 do Código Penal, que

prevê as circunstâncias atenuantes, está expresso: “São circunstâncias que sempre

atenuam a pena”. Assim, o termo “sempre” afasta a possibilidade de restrição a

atenuação quando verificada qualquer circunstância, pelo contrário, em respeito à

individualização da pena, e por valores de respeito a dignidade da pessoa humana,

o termo indica uma obrigatoriedade de adequação da pena às características

favoráveis ao apenado.

Mesmo quando após a primeira fase a pena fica estabelecida no mínimo

previsto em lei, presente uma atenuante, a pena deverá ser fixada abaixo do mínimo

previsto. Esta interpretação é mais harmônica em relação ao sistema constitucional.

Rogério Greco, favorável a redução na segunda fase pelos mesmos

argumentos, faz o seguinte alerta para o tema:

Além de inviabilizar um direito do sentenciado, essa interpretação faz com que, na prática, alguns juízes tentem observar a sua aplicação aumentando um pouco a pena-base para que, no momento posterior, possam vir a reduzi-la em consideração à existência de uma circunstância atenuante, o que fere, ainda mais, a mens legis. Essa “boa vontade” em aplicar a circunstância atenuante nada mais é do que uma forma de burlar a lei. Se o réu tinha em seu favor todas as circunstâncias judiciais previstas pelo art. 59, era direito seu que a pena-base fosse fixada em seu mínimo legal. O fato do juiz aumentá-la um pouco para, mais adiante, vir a decotá-la a fim

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de aplicar a redução pela circunstância atenuante nada mais é do que ludibriar a sua aplicação. (2006, p. 599)

Paulo S. Xavier de Souza também entende ser possível a aplicação de

atenuante com a redução da pena abaixo do mínimo legal, e, embasado nos

estudos de Luiz Vicente Cernicchiaro, justifica que o intérprete do direito deve

buscar a finalidade da norma, uma “lógica concreta, aquela que penetra na natureza

das coisas para explicar a gênese, a estrutura e a função da norma”. Alega, ainda, o

autor, que mesmo na visão de ser incompatível com o princípio da reserva legal, os

princípios e garantias constitucionais servem para proteção do acusado e não para

prejudicá-lo, o que permitiria a aplicação benéfica. (2006, p. 199-200)

Vale lembrar que o princípio da individualização da pena tem relação com o

princípio da isonomia (conforme já exposto) e por isso deve ser respeitada a

situação de cada pessoa, refletindo na medida da pena, diante da verificação da

culpabilidade pessoal e dos fins de prevenção especial da pena.

Reforçando a tese de que é possível a redução aquém do mínimo legal na

aplicação das atenuantes, verifica-se o art. 66 do Código Penal, pois, esta regra cria

um sistema aberto para atenuação da pena, sistema em consonância com um

Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, mesmo com a condenação, não podem ser deixados à

margem os merecimentos do apenado, e, se tudo indica uma situação de que uma

pena modesta ou abaixo dos limites estabelecidos na lei terá o efeito pretendido pelo

sistema, e ainda, de que estas regras têm como meta atender os direitos

fundamentais da pessoa, limitando o poder punitivo do Estado e protegendo o

cidadão, a interpretação deve ser favorável ao acusado.

A aplicar a pena abaixo do mínimo na segunda fase não é inventar e agredir

a separação dos Poderes, como se o juiz estivesse legislando, mas sim, significa

interpretar as normas existentes conforme seus valores e fundamentos, o que

importa é a razoabilidade da aplicação da lei.

Em uma análise formal, o texto do Código Penal, com a reforma de 1984,

não cria nenhuma barreira ou empecilho para que a aplicação de uma atenuante

possa resultar em pena abaixo do mínimo previsto abstratamente, diante disto, tal

aplicação é permitida. (BITENCOURT, 2008, p. 603)

Por outro lado, parece não ser possível que na segunda fase, em razão das

agravantes, a pena possa ultrapassar o limite máximo previsto na lei.

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120

Em primeiro plano parece incoerente, pode no mínimo e não pode no

máximo, mas esta incoerência é derrubada por uma interpretação sistemática. A

justificativa inicia pelo fato de que o sistema de agravantes é taxativo – diferente das

atenuantes como visto acima -, ou seja, o sistema é fechado, pois, justamente nas

agravantes, o interprete deve ficar mais atento a função de limitação do poder

Estatal na intervenção sobre as pessoas.

Além disto, verificando os limites legais de alguns tipos, exemplo, homicídio

simples de 6 a 20 anos, roubo de 4 a 10 anos, furto de 1 a 4 anos, o tempo de pena

que dá margem para a discricionariedade do juiz na aplicação da pena é muito

extenso, e, partindo do mínimo, atingir o máximo da pena já significaria uma

avaliação muito desfavorável ao acusado, questionando a proporcionalidade da

pena imposta, imagina ultrapassar este limite.

Importante, também, é que a Constituição Federal usa um sistema de

limitação de pena em seu art. 5º, inciso XLVII, impedindo, inclusive a pena perpétua,

o que justifica uma maior limitação em relação à pena máxima abstrata.

Sobre o tema, argumenta Paulo S. Xavier de Souza:

No espaço de liberdade conferido ao julgador na aplicação da medida da pena, impõe-se a composição harmônica dos princípios da individualização, da culpabilidade, da proibição do excesso e prevenção especial, permitindo com a aplicação da sanção o favorecimento da ressocialização do delinqüente, porque, embora a liberdade do indivíduo possa ser tolhida por meio da pena, no Estado Democrático de Direito, a quantidade ou a qualidade desta não devem produzir efeitos estigmatizantes ou insuportáveis para o delinqüente, em respeito a sua dignidade constitucionalmente protegida (art. 1º, III, CF/88). (2006, p. 203)

Na terceira fase, aplicação de causas de aumento e de diminuição da pena,

o próprio sistema, em razão de determinadas circunstâncias que aumentam ou

diminuem a reprovabilidade ou gravidade do fato, determina o valor para o cálculo, o

que significa a alteração dos limites na lei, admitindo ficar aquém do mínimo ou

acima do máximo da pena prevista na forma simples.

Por fim, as qualificadoras e privilegiadoras são analisadas na primeira fase,

e, em sua existência, os limites mínimo e máximo da pena já sofrem uma alteração

em relação ao tipo simples, assim, não há que se falar em exceder os limites.

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121 5.1.5 Tipo, bem jurídico e importância da correta adequação típica

Após analisar a teoria das circunstâncias, para que a pena seja

individualizada corretamente, é de suma importância que o fato verificado no

processo seja adequado ao tipo correspondente, conforme o tipo básico ou

derivado.

Objeto de estudo no capítulo anterior, o tipo é um modelo legal que descreve

a conduta e os demais elementos que configuram um determinado crime,

decorrência necessária do princípio da legalidade, composto pelo preceito primário

(descrição da conduta) e pelo preceito secundário (previsão dos limites da pena).

O preceito primário ou norma primária estabelece, delimita o âmbito do

proibido, podendo ser proibitiva, nos crimes de conduta positiva, ou mandamental,

nos crimes omissivos, mas o importante é que define qual comportamento e quais

as circunstâncias que configuram o crime. O preceito secundário ou norma

secundária “delimita o âmbito do castigo”. (GOMES, 2004, p. 147-148)

Explica Luiz Flavio Gomes que a norma primária possui dois aspectos

importantes, um valorativo e outro imperativo. O aspecto valorativo demonstra que a

lei penal em sua norma primária protege um bem jurídico e fundamenta o injusto

penal determinando como crime uma lesão ao bem jurídico protegido; no aspecto

imperativo determina a conduta a ser seguida, por isso fundamenta a culpabilidade,

já que, sendo culpável o agente, e, não seguindo a conduta imposta torna-se

reprovável. (2004, p. 148-149)

Quando o legislador descreve na lei a configuração de um crime (tipo) - além

de atender o princípio da legalidade, catalogando os comportamentos eleitos como

crime numa sociedade, o que está conforme ao princípio democrático que inspira

nosso sistema constitucional, e que serve como garantia de liberdade para as

pessoas – ele escolhe um bem jurídico para ser protegido.

O bem jurídico penalmente tutelado, no conceito de Zaffaroni, “[...] é a

relação de disponibilidade de um indivíduo com um objeto, protegida pelo Estado,

que revela seu interesse mediante a tipificação penal de condutas que o afetam”.

Verifica-se neste conceito que é protegido não o bem jurídico em si, mas sim

a relação de disponibilidade do titular do bem jurídico com o próprio bem jurídico,

assim, nos dizeres de Zaffaroni o bem jurídico não é a honra, e sim o direito a dispor

da própria honra. Concluindo o autor afirma que: “[...] os bens jurídicos são os

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122 direitos que temos a dispor de certos objetos. Quando uma conduta nos impede ou

perturba a disposição desses objetos, esta conduta afeta o bem jurídico, e algumas

destas condutas estão proibidas pela norma que gera o tipo penal”. (grifo do autor).

(2006, p. 397)

São bens jurídicos, então, a relação de disponibilidade do indivíduo com a

vida, a honra, a integridade física, a liberdade, a propriedade, lembrando que

Zaffaroni adverte que a disposição utilizada em seu conceito é no sentido de fruir,

utilizar e não de destruir.

Para Luiz Regis Prado bem jurídico “é um ente (dado ou valor social)

material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou

metaindividual reputado como essencial à coexistência e desenvolvimento do

homem e, por isso, jurídico-penalmente protegido”. (2008, p. 252)

Esclarece-se, no conceito acima, que a titularidade dos bens jurídicos pode

ser tanto individual, como a propriedade ou a vida, quanto “não pessoal, de massa

ou universal (coletiva ou difusa)”, como a administração pública, a saúde pública, o

meio ambiente. (PRADO, 2008, p. 251)

O bem jurídico tem funções importantes:

1) função de garantia ou de limitar o direito de punir do Estado: o bem

jurídico serve como limitador para o legislador e sua missão de produzir normas

punitivas, ou seja, tem função de caráter político-criminal; somente podem ser

tipificadas condutas que efetivamente causem lesão ou perigo ao bem jurídico, o

que é conforme um “Estado Democrático e Social de Direito”;

2) função teleológica ou interpretativa: verificando qual o bem jurídico

protegido, consegue-se interpretar a norma que descreve o tipo penal, seu alcance e

sua finalidade;

3) função individualizadora: o bem jurídico e a gravidade da lesão que o

atinge serve como critério de medição da pena no momento de sua fixação;

4) função sistemática: a lei penal em sua parte especial é formulada de

forma sistemática, organizada, conforme os grupos de bens jurídicos, pois estes

bens são pontos centrais dos tipos. (PRADO, 2003, p. 60-61)

A escolha dos bens jurídicos a serem protegidos pelo direito penal cabe ao

legislador, e esta tarefa é informada pelo princípio da intervenção mínima do direito

penal, que apresenta duas características, a fragmentariedade e a subsidiariedade.

(BATISTA, 2002)

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123

Na lição de Nilo Batista a fragmentariedade é a característica de um direito

penal como um “sistema descontínuo de ilicitudes”, ou seja, para que um bem seja

escolhido para proteção do direito penal deve haver necessidade, o que implica na

escolha dos bens jurídicos mais importantes, bem como o sistema é descontínuo em

relação às condutas e a forma que afetam o bem jurídico, somente algumas

condutas conforme promovam a ofensa caracterizam-se como crime. (2002, p. 86)

Nesta linha de raciocínio, ressalta-se o princípio da proporcionalidade. Em

um Estado Democrático de Direito que preserva os direitos fundamentais da pessoa,

mesmo que tenha um sistema penal com características preventivas da pena, as

penas previstas para os crimes devem ser proporcionais ao bem jurídico tutelado e à

gravidade da conduta que promove a lesão neste bem jurídico.

A proporcionalidade da pena ao crime cometido foi objeto da obra de Cesare

Beccaria “Dos delitos e das penas”, que no § XXIII (Que as penas devem ser

proporcionais aos delitos) afirma: “[...] os meios de que se utiliza a legislação para

impedir os crimes devem, portanto, ser mais fortes à proporção que o crime é mais

contrário ao bem público e pode tornar-se mais freqüente” (2002, p. 68). Na

conclusão de sua obra (§ XLII) Cesare Beccaria afirma:

De tudo o que acaba de ser exposto pode-se deduzir um teorema geral de muita utilidade, porém pouco conforme ao uso, que é o legislador comum dos países: É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei. (2002, p. 107)

No entendimento de Luiz Regis Prado:

Desse modo, no tocante à proporcionalidade entre os delitos e as penas (poena debet commensurari delicto), saliente-se que deve existir sempre uma medida de justo equilíbrio – abstrata (legislador) e concreta ( juiz) – entre a gravidade do fato ilícito praticado, do injusto penal (desvalor da ação e do resultado), e a pena cominada ou imposta. (grifos no original) (2008, p. 141)

Com isto, a proporcionalidade, o equilíbrio entre a pena e a lesão realizada

pela conduta contra bem jurídico determinado, deve ser observada tanto na

construção do tipo pelo legislador, quanto no momento da aplicação da pena em um

caso concreto (individualização).

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124

No plano concreto a proporcionalidade deve ser observada pelo juiz, pois,

dentro das limitações pré-fixadas pelo legislador, o julgador deve avaliar as

circunstâncias presentes no fato e estabelecer a pena, para isto o julgador deve

observar os parâmetros dos arts. 67 e 68 do Código Penal.

Contudo, para que esta proporcionalidade se efetive no plano concreto, deve

ocorrer a adequação típica correta, o fato deve corresponder estritamente a um tipo

legal, já que o tipo legal tem a mensagem de valorar um bem jurídico e de

determinar a conduta e a lesão (resultado), e é justamente para aquela conduta que

promove a lesão ou perigo de lesão em um determinado bem que o legislador

pretendeu impor uma sanção, revelando um limite de pena adequada.

Neste sentido importante os conceitos encontrados na obra de Zaffaroni:

“Tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza

predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas

humanas penalmente relevantes (por estarem penalmente proibidas)” (2006, p. 381).

E complementando, adequação típica ou tipicidade “é a característica que tem uma

conduta em razão de estar adequada a um tipo penal, ou seja, individualizada como

proibida por um tipo penal”. (2006, p. 382)

De acordo com o exposto na teoria das circunstâncias, situações mais

graves ou menos graves podem determinar o chamado tipo derivado, podendo ser

tipos qualificados ou com aumento de pena, ou, tipos privilegiados ou com

diminuição de pena.

Atenta a estas diferenças a doutrina criou uma classificação dos tipos em

razão da intensidade de ofensa dos bens jurídicos afetados, que podem ser

qualificados agravados ou qualificados atenuados, em relação ao tipo básico ou

fundamental. (ZAFFARONI, 2006, p. 401)

Estas noções são importantes em razão de que justamente na avaliação do

fato e de suas circunstâncias o juiz poderá realizar a devida adequação típica, em

um determinado tipo básico ou derivado, ou até mesmo optando entre dois tipos

diversos, mas que tem características comuns.

Esta adequação típica é importante, pois, para cada tipo há uma pena

estabelecida, e não adequar corretamente existe o risco do fato em si sofrer uma

pena maior, ou seja, desproporcional, do que a deveria receber.

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125 5.1.6 Aspectos importantes sobre adequação típica ou tipicidade

5.1.6.1 Correlação entre sentença e pedido – Emendatio Libelli e Mutatio Libelli

Na lição de José Frederico Marques deve existir a correlação entre a

denúncia (pedido) e a condenação (sentença): “Na sentença condenatória, não pode

o juiz fugir dos limites que lhe são traçados pela imputação, de acordo com os

princípios e regras que regulam as relações entre o pedido acusatório e a

condenação”. (2000, p. 33-34)

Quando se pensa na decisão final do juiz, dentro da teoria do processo, a

idéia é que esta decisão corresponda ao pedido realizado por quem promoveu a

ação, caso contrário, o julgador poderia ir além do que foi pedido, aquém, ou até

mesmo decidir de forma diversa daquilo que foi pedido.

A correlação da sentença ao pedido é tão importante que Jonatas Luiz

Moreira de Paula afirma ser o pedido “[...] um eventual modelo da sentença, tanto

que se tornou clássico na doutrina processual afirmar que a ação é um projeto de

sentença. [...]”. Conclui o autor que ao ser julgado procedente o pedido, a sentença

conforma-se com o pedido formulado. (2005, p. 144)

Quando a sentença não se ajusta ao pedido classifica-se em citra petita,

extra petita ou ultra petita: a) a sentença é citra petita ou infra petita quando deixa de

examinar alguma questão importante suscitada pelas partes ou julga o pedido

concedendo menos do que foi requerido; b) extra petita é a sentença que julga

procedente, mas de forma diversa do que foi pretendido; c) ultra petita é a sentença

que além de julgar procedente o pedido, acaba decidindo a mais do que foi

requerido. (PAULA, 2005, p. 144-145)

Destaca-se que a diferença entre extra petita e ultra petita é que na extra

petita a sentença concede algo que não foi pretendido, ou seja, fora do pretendido

pelo autor da ação, e, na ultra petita a sentença julga procedente conforme o pedido,

e ainda, decide algo a mais do que foi requerido, existe uma cumulação. (PAULA,

2005, p. 145)

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126

Para Francesco Carnelutti, citado por Edilson Mougenot Bonfim, o processo

penal:

[...] refere-se, tipicamente, não a um juízo de realidade, mas a um juízo de existência, na medida em que este alude ao passado, isto é, a um fato em sua materialidade histórica, um núcleo em torno do qual gira o debate da instrução criminal e a decisão. [...] (2009, p. 453-454)

Por ser um juízo de existência a sentença deve representar a correlação

entre o “fato criminoso, o processo e a pena”, o que resulta em uma sentença

proferida conforme as provas produzidas no processo, conforme as alegações das

partes, suas teses, suas postulações. Não pode o juiz surpreender com fatos que

não foram mencionados no processo pelas partes, pois resultaria numa condenação

fora do que foi requerido pela acusação. (BONFIM, 2009, p. 454)

Desta adequação entre pedido e sentença surge o princípio da correlação, e

na definição de Edilson Mougenot Bonfim este princípio “é, portanto, a norma que

obriga o julgador a guardar respeito ao fato descrito na denúncia ou queixa, dele não

se afastando quando da prolação de uma decisão condenatória”. (2009, p. 455).

Acrescenta Bonfim, que o princípio da correlação constitui uma garantia

processual para o acusado, pois, este se defende no processo conforme as

acusações que lhe são imputadas, e, caso o juiz se afaste destes fatos imputados

acaba prejudicando o direito de defesa e o devido contraditório (2009, p. 455).

Importante ressaltar que a ampla defesa e o contraditório são correlatos do princípio

do devido processo legal, e tem previsão constitucional (art. 5º, LV da CF).

Apesar da limitação delineada pelo princípio da correlação, no processo

penal vigora o princípio do jura novit curia, ou seja, o juiz conhece o direito,

conhecido como princípio da livre dicção do direito. Conforme Fernando da Costa

Tourinho Filho: “Em outras palavras, vigora o princípio do narra mihi factum dabo tibi

jus (narra-me o fato e te darei o direito). A errada classificação do crime não impede,

em princípio, a prolação de sentença condenatória”.

O que importa no processo penal, na linha deste estudo, é que ocorra um

provimento judicial absolvendo o acusado, ou condenando, e neste último caso deve

haver uma correlação entre os fatos narrados e comprovados e a decisão do juiz. O

que implica uma importância maior na exposição dos fatos e sua prova, do que a

descrição típica realizada na denúncia, pois a instrumentalidade do processo penal

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127 deve preocupar-se com a pena que será imposta, e esta deve ser justa e

correspondente ao fato.

Na situação da descrição típica não estar de acordo com os fatos expostos

ou apurados por meio das provas produzidas, deverá haver uma correção, caso

contrário, percebendo o juiz que a adequação típica está incorreta e condenando

com base nesta adequação, por lógica a pena atribuída não estará correspondendo

ao caso concreto, ferindo a proporcionalidade e a individualização da pena conforme

os fatos reais.

Por isso, Eugenio Pacelli de Oliveira afirma que o princípio da correlação se

apresenta diferente no processo penal, em razão das “peculiaridades e

especificidades dessa modalidade de tutela jurisdicional”. (2008, p. 506)

Neste sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira assevera:

Afirma-se, com isso, que o pedido seria sempre genérico, no sentido de com ele se viabilizar a correta aplicação da lei penal, independentemente da alegação do direito cabível trazida aos autos pelas partes. O Juiz Criminal estaria vinculado apenas à imputação dos fatos, atribuindo-lhes, uma vez reconhecidos, a conseqüência jurídica que lhe parecer adequada, tanto no que respeita à classificação (juízo de tipicidade) quanto à pena e à quantidade de pena a ser imposta. (2008, p. 506)

Cabe ao autor da ação penal definir o fato, a causa petendi, pois, na

descrição deste caso se revelará a conduta e as circunstâncias que determinam o

crime, configurando um tipo penal ou tipos penais específicos, mas este juízo de

adequação típica, o enquadramento, a pena e sua dosimetria, é decorrência da

interpretação e aplicação da lei, tarefa do juiz. (OLIVEIRA, 2008, p. 507)

Mesmo com esta particularidade do processo penal quanto ao princípio da

correlação, é importante afirmar que tal princípio é aplicado, bem como, é uma

garantia do acusado frente o devido processo legal. Diante disto, o acusado não

pode ser condenado por fatos de que não teve oportunidade de se defender por não

estarem presentes na denúncia ou queixa. Ocorrendo problemas de correlação o

juiz deve observar os arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal, conhecidos

como emendatio libelli e mutatio libelli. (OLIVEIRA, 2008, p. 507)

Recentemente com a publicação da Lei 11.719/2008 (23.06.2008), houve

alterações nos arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal, o que será observado

neste estudo.

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128

O art. 383 do Código de Processo Penal faz referência à uma providência

para correção da adequação típica chamada de emendatio libelli, descrita da

seguinte forma:

Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1º Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. § 2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.

Diante da análise dos problemas de adequação já expostos, por este

dispositivo, a emendatio libelli é uma correção da definição jurídica, ou seja, da

capitulação contida na denúncia ou queixa.

Neste caso não há inovação quanto aos fatos narrados na inicial e

demonstrados por meio das provas, simplesmente é a tarefa do juiz promover a

adequação correta entre a lei e o caso concreto.

No processo penal que se fundamenta no devido processo legal, com

garantia dos direitos fundamentais, é importante a igualdade entre as partes, o que

consiste no Estado Democrático de Direito. Diante disto, para Eugênio Pacelli de

Oliveira:

Por isso, e porque ao Estado interessa tanto a condenação do culpado quanto à absolvição do inocente, o que efetivamente deve ser buscado é a correta aplicação da lei penal ao caso concreto, independentemente do papel desempenhado pelas partes, no que se refere especificamente ao direito cabível. [...] (2008, p. 508)

Conforme o dispositivo não é necessário qualquer providência em relação a

instrução do processo, já que não há alteração nos fatos que embasaram a

condenação e que foram objeto de discussão tanto pela acusação quanto pela

defesa, bastando que o juiz elabore a sentença com a definição jurídica correta,

mesmo que a pena aplicada com a correção seja mais grave.

Conclui Eugênio Pacelli que em razão de não necessitar instrução pela

correção, a emendatio libelli pode acontecer em qualquer grau de jurisdição, contudo

deve ser observada e respeitada a regra de proibição da reformatio in pejus. (2008,

P. 509)

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129

Há discussão doutrinária sobre a necessidade do juiz baixar os autos para a

defesa se manifestar no caso da aplicação da emendatio libelli, mesmo que a lei não

tenha tal previsão.

O problema parece ser simples, ou seja, é uma questão de direito,

correlação do fato à norma, o que não traria nenhum prejuízo ao acusado, pois

promoveu sua defesa conforme os fatos apurados nos autos, sendo que estes fatos

não foram modificados ou inovados. Contudo, alega Ivan Luis Marques da Silva que

a tese de defesa pode variar conforme a capitulação jurídica presente nos autos, e

cita um exemplo:

[...] imagine um agente delitivo ser denunciado por porte de drogas para uso próprio (art. 28 da Lei 11.343/2006). Não aceita os benefícios da Lei 9.099/1995 e, no momento do magistrado lavrar sua decisão, valendo-se do que diz o art. 383 do CPP, atribui definição jurídica diversa daquela presente na denuncia, alterando a capitulação para o art. 33 da Lei de Drogas, que cuida do tipo penal do tráfico de drogas. Para quem milita na área das ciências criminais, fica evidente o prejuízo criado por força desta modificação, já que uma das teses da defesa para o tráfico de drogas é discutir a quantidade apreendida, o que restou prejudicado no caso da condução da defesa pelo porte para uso próprio. (2008, p. 26)

Eugênio Pacelli de Oliveira discorda deste posicionamento, entendendo que

a defesa tem o dever de discutir os fatos e também manifestar-se sobre a

adequação destes fatos à uma norma penal, voltando-se para o ordenamento

jurídico e não contra a adequação incorreta feita na acusação. (2008, p. 509)

Apesar da discussão, parece que, com fundamento no devido processo

legal, se a correção por meio da emendatio libelli se embasar num fato que, apesar

de narrado na inicial, não era foco na instrução processual em razão da capitulação

original, e a adequação incorreta trouxer qualquer óbice de teses para a defesa

ocorrerá um prejuízo na ampla defesa e contraditório, e por isso deverá o juiz abrir a

oportunidade para manifestação sobre a modificação, dentro do espírito democrático

de nosso sistema jurídico.

As novidades da alteração da lei ficaram por conta dos §§ 1º e 2º do art. 383

do Código de Processo Penal.

O § 1º alerta para a possibilidade da aplicação da suspensão condicional do

processo, art. 89 da Lei 9.099/1995. Este benefício criado pela Lei dos Juizados

Especiais tem como objeto os crimes com pena mínima igual ou inferior a 1 (um)

ano, sendo que cumprida a proposta do Ministério Público, e passado o tempo de

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130 suspensão, ocorre a extinção da punibilidade (§ 6º do art. 89). Por isso, não

ocorrendo a proposta anteriormente diante de uma pena acima do limite permitido

por lei (1 ano) em razão de adequação típica incorreta, e, com a nova capitulação

ser possível a proposta, o juiz deve convocar as partes para o previsto no art. 89 da

Lei dos Juizados Especiais.

No § 2º está disposto regra referente à competência, informando que com a

nova capitulação houver modificação de competência, os autos devem ser remetidos

ao juízo competente. Mas Eugênio Pacelli de Oliveira chama a atenção que na

mesma reforma foi incluído no art. 399 § 2º do Código de Processo Penal o princípio

da identidade física do juiz, assim, para ajustamento do sistema os autos devem ser

remetidos apenas no caso de alteração de competência absoluta, no caso de

relativa é melhor prevalecer a identidade física do juiz.

Com relação ao art. 384 do Código de Processo Penal, tem-se a chamada

mutatio libelli, prevista da seguinte forma:

Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. § 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código. § 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento. § 3º Aplicam-se as disposições dos §§ 1o e 2o do art. 383 ao caput deste artigo. § 4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento. § 5º Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.

Há situações que após a definição jurídica descrita na denúncia ou queixa,

em virtude da instrução criminal, são evidenciados novos fatos que alteram a própria

definição jurídica, neste caso ocorre a chamada mutatio libelli. Estes fatos que

surgem por meio da produção probatória, conforme o dispositivo em estudo,

modificam a definição jurídica, pois, tratam-se de elementos ou circunstâncias da

infração penal.

Os elementos ou elementares do tipo e as circunstâncias foram objetos de

estudo no tópico “teoria das circunstâncias”, sendo verificado que um elemento ou

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131 elementar é essencial para o crime, assim, sua alteração de acordo com os fatos

demonstrados pode modificar o próprio crime em questão; da mesma forma é a

circunstância, sua existência é relevante para que um tipo seja básico ou derivado,

por isso, o surgimento de uma nova circunstância antes não percebida pode tornar o

fato mais grave ou menos grave. Com isto, a importância da mutatio libelli como

instrumento de correção da adequação típica conforme o caso concreto e suas

características.

A diferença entre a emendatio e a mutatio libelli é que na emendatio os fatos

estavam presentes no processo desde sua descrição na denúncia ou queixa, o que

permite em sua generalidade sua constatação pela defesa; na mutatio, a

modificação acontece por causa de um fato não percebido na denúncia, e, que

surge a partir das provas. Na emendatio o problema é de direito (adequação do fato

à lei), na mutatio é um problema do fato.

Conforme Edilson Mougenot Bonfim:

Demonstrando-se a partir desses elementos de prova fatos novos, não mencionados na denúncia, não apenas será caso de nova qualificação jurídica, mas sim de alteração dos próprios fatos sobre os quais versa o processo, pela inclusão de fato novo, até então não aventado no processo. Diversamente do que ocorre na hipótese de emendatio libelli, portanto, a própria causa petendi será alterada. Será hipótese, então, da chamada mutatio libelli.

Respeitando a diferença entre os instrumentos processuais (emendatio e

mutatio) as conseqüências também devem ser diferentes, o que pode ser

constatado pela leitura do disposto no art. 384 do Código de Processo Penal e seus

parágrafos, já com a alteração da Lei 11.719/2008.

Na descrição revogada do art. 384 do Código de Processo Penal a lei dava

um verdadeiro poder acusatório para o magistrado. Com a nova descrição o

dispositivo ficou em harmonia com o sistema acusatório, pois, independente da

modificação da pena, se mais ou menos grave, deverá haver o aditamento pelo

Ministério Público, e o juiz, nos termos do § 4º, ficará adstrito ao aditamento.

(OLIVEIRA, 2008, p. 511)

Na mutatio não há uma nova ação com a renovação de toda a instrução

criminal, na verdade é aproveitada a ação já instaurada, agregando-se o novo fato

surgido por meio das provas realizadas. Não ocorre modificação na interrupção da

prescrição. (OLIVEIRA, 2008, p. 512)

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132

Diferente seria se com as provas fosse descoberto outro crime praticado

pelo autor, diante disto deverá haver nova acusação, por aditamento ou em outra

denúncia, proporcionando uma nova instrução criminal. (BONFIM, 2009, p. 460)

No § 1º do dispositivo não havendo o aditamento pelo Ministério Público,

aplica-se o art. 28 do Código de Processo Penal, assim, o Procurador-Geral de

Justiça tomará as providências pelo aditamento ou não, nos termos da lei.

Com a decisão pelo não aditamento o juiz, então, deverá julgar conforme a

imputação realizada na denúncia ou queixa, podendo inclusive absolver por não

haver tipicidade entre o fato e a norma. (OLIVEIRA, 2008, p. 514)

Extrai-se da nova redação que a mutatio libelli não se aplica em ação penal

privada, neste sentido Eugênio Pacelli Oliveira (2008) e Edilson Mougenot Bonfim

(2009).

O § 2º estabelece o procedimento no caso de aditamento: no prazo de cinco

dias dará vista ao defensor do acusado; depois decidirá sobre a admissão do

aditamento; se não admitir o aditamento o juiz prolatará a sentença, admitindo o

aditamento designará a continuação da audiência a requerimento das partes,

podendo inquirir testemunhas, interrogar o acusado, promover debates, e por fim,

julgar o caso.

O § 3º remete a aplicação dos §§ 1º e 2º do art. 383 do Código de Processo

Penal, a questão da suspensão condicional do processo e da competência, já

debatidas neste trabalho.

Questão importante foi levantada por Eugenio Pacelli de Oliveira. No caso

do problema de competência, primeiro o juiz deve esperar pelo aditamento para

confirmar o problema de definição jurídica e de competência, pois, não havendo o

aditamento a questão fica prejudicada. Outro problema é a questão que envolve a

incompetência absoluta já que neste caso o Ministério Público também terá

problemas de atribuição de suas atividades, como no exemplo de um caso que era

de competência estadual e passa a ser de competência federal. Uma solução é o

acordo entre o magistrado e o Ministério Público, encaminhando, assim, os autos

para o órgão competente; porém, não havendo o acordo a solução pode estar no art.

28 do Código de Processo Penal. (2008, p. 516-517)

No § 4º estabelece o número de testemunhas (três) para cada parte, que

deverá apresentar o rol em 5 dias. Também determina que o juiz fica limitado aos

termos do aditamento.

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133

Conforme o § 5º, não recebido o aditamento o processo prosseguirá, neste

caso, Bonfim (2009) entende ser cabível o recurso em sentido estrito por aplicação

extensiva ao art. 581, I do Código de Processo Penal, já Eugênio Pacelli de Oliveira

(2008) entende que melhor seria o recurso de apelação.

A orientação do Supremo Tribunal Federal (súmula 453) é de não poder ser

aplicada a mutatio libelli em segunda instância, caso contrário, haveria supressão de

instância, pois, a matéria não foi apreciada em primeira instância.

5.1.6.2 Adequação típica direta e indireta

A adequação típica pode ser direta ou indireta. Na adequação típica direta

ou de subordinação imediata a subsunção do fato ao modelo legal (tipo) não

necessita de outra norma, ou seja, o enquadramento é perfeito, o que acontece na

realidade está ajustado ao previsto na lei. Para Damásio “[...] o fato se enquadra no

modelo legal imediatamente, sem que para isso seja necessária outra disposição

[...]”. (2005, p. 270)

Na adequação típica indireta ou de subordinação mediata o fato não se

enquadra perfeitamente na norma, necessita de outra norma para fazer a ligação, –

a adequação típica é necessária para atender o princípio da legalidade “mullum

crimen nulla poena sine lege” – esta outra norma é chamada de norma de extensão,

como por exemplo, a tentativa (art. 14, II do Código Penal). Explica Cezar Roberto

Bitencourt que:

“[...] No entanto, a adequação típica mediata, que constitui exceção, necessita da concorrência de outra norma, secundária, de caráter extensivo, que amplie a abrangência da figura típica. Nesses casos, o fato praticado pelo agente não vem e adequar direta e imediatamente ao modelo descrito na lei, o que somente acontecerá com o auxílio de outra norma ampliativa, como ocorre, por exemplo, com a tentativa e a participação em sentido estrito. Na hipótese da tentativa, há uma ampliação temporal da figura típica, e no caso da participação a ampliação é espacial e pessoal da conduta tipificada”. (2008, p 260)

Com isto, se o operador do direito não conseguir enquadrar o

comportamento do agente diretamente no tipo, deve verificar a possibilidade da

adequação indireta. A importância do tema, por exemplo, é que no caso de tentativa

o art. 14 Parágrafo único do Código Penal estabelece uma causa de diminuição da

pena, refletindo na individualização da pena.

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134

5.1.6.3 Conflito aparente de normas

Outro tema que repercute na adequação típica, e com isso, na

proporcionalidade da pena em relação ao fato concreto, implicando na

individualização da pena, é o chamado conflito aparente de normas.

O conflito aparente de normas, também chamado de conflito aparente de

tipos, é um problema que ocorre quando para um determinado fato é possível a

adequação em vários tipos, como por exemplo, o acusado proporcionou a morte da

vítima, neste caso pode se enquadrar, aparentemente, aos tipos de homicídio (art.

121 do CP), infanticídio (art. 123 do CP), lesão corporal seguida de morte (art. 129 §

3º do CP), ou até mesmo latrocínio (art. 157 § 3º do CP). Ou ainda, um fato que gera

dúvidas sobre a correta adequação ao tipo de roubo (157 do CP), ou

constrangimento ilegal (art. 146 do CP), ou até mesmo ao tipo da ameaça (art. 147

do CP). Este problema deve ser resolvido, pois, o conflito é aparente e o fato deve

se enquadrar à um tipo, com isto, determinando os limites de sua pena conforme o

tipo adequado e correspondente.

Rogério Greco define o concurso aparente de normas:

Fala-se em concurso aparente de normas quando, para um determinado fato, aparentemente, existem duas ou mais normas que poderão sobre ele incidir. Como a própria denominação está a sugerir, o conflito existente entre normas de Direito Penal é meramente aparente. Se é tão-somente aparente, quer dizer que, efetivamente, não há que se falar em conflito quando da aplicação de uma dessas normas ao caso concreto. (2006, p. 32)

O concurso aparente de normas não tem previsão legal, sendo um problema

de interpretação dos tipos penais, que cabe à doutrina e à jurisprudência realizar

esta interpretação e diante de problemas de adequação promover a solução.

Construiu-se, assim, três princípios que solucionam o conflito aparente de normas:

princípio da especialidade, da consunção e da subsidiariedade. (ZAFFARONI, 2006,

p. 628)

O princípio da especialidade é decorrente da regra de que uma lei especial

afasta a aplicação da lei geral, neste sentido a lei especial na essência é igual a

geral, porém, contém elementos especializantes para uma situação específica, como

por exemplo, o crime de contrabando do art. 334 do Código Penal (regra geral) em

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135 relação aos arts. 18 da Lei 10.826/2003 e art. 33 da Lei 11.343/2006 (regras

especiais), em todos eles há a conduta de contrabandear (importar ou exportar),

mas nas regras especiais o objeto material do contrabando é especializado.

Assim o princípio da especialidade evita o bis in idem, pois a regra especial

prevalece. (BITENCOURT, 2008, p. 200)

É importante sobre este princípio que a relação de especialidade pode

determinar tanto uma lei especial com a pena maior quanto com a pena menor,

como é o caso do infanticídio (art. 123 CP) em relação ao homicídio (art. 121 do

CP).

Ainda, entende a doutrina que no caso de tipos básicos e derivados

(determinados por circunstâncias) a relação entre eles é de especialidade, assim,

configurando um tipo derivado afasta a aplicação do tipo básico ou fundamental.

(ZAFFARONI, 2006, p. 629)

O segundo princípio é da consunção. Ocorre quando um tipo sendo mais

grave ou mais abrangente consome outro que está contido em sua fase de

preparação ou execução, uma relação de todo e parte, como por exemplo, a

ameaça que está contida dentro de um crime de homicídio. Neste caso o crime mais

grave absorve o crime menos grave, prevalecendo como adequação típica.

O princípio da consunção pode acontecer na figura do crime progressivo,

quando o agente quis desde o começo o crime mais grave, ou, na forma da

progressão criminosa, quando o agente queria o crime menor, mas acaba realizando

o crime maior por mudança de decisão no mesmo iter criminis, começa querendo o

menos grave e realiza o mais grave. (JESUS, 2005, p. 117)

Envolve, também, o princípio da consunção o antefato impunível e o pós-fato

impunível. No antefato um crime é realizado para preparar outro a ser realizado,

serve como meio, como por exemplo, o falso em relação ao estelionato. No pós-fato

há uma forma de exaurimento do crime, como por exemplo, a ocultação do cadáver

em relação ao crime de homicídio. Tanto o antefato quanto o pós-fato ficam

absorvidos pelo crime principal.

Por fim, o princípio da subsidiariedade. Na lição de Cezar Roberto Bitencourt

“há relação de primariedade e subsidiariedade entre duas normas quando

descrevem graus de violação de um mesmo bem jurídico, de forma que a norma

subsidiária é afastada pela aplicabilidade da norma principal”. A doutrina tomou uma

expressão elaborada por Nelson Hungria, “soldado reserva”, para explicar que a

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136 norma subsidiária funciona como um soldado reserva, ou seja, a norma subsidiária

representa uma lesão menor ao bem jurídico tutelado, por isso na comparação de

gravidade prevalece a norma principal ou primária. Contudo, se no caso concreto

não for possível, mediante a análise das provas, fazer adequação à norma principal

(mais grave) sobra a norma reserva que é a subsidiária, por exemplo, num caso que

se discute se houve uma tentativa de estupro, não sendo possível sua prova, no

mínimo pode ocorrer adequação à uma ameaça ou constrangimento ilegal que são

crimes subsidiários em relação ao estupro. (2008, p. 200)

Desta forma, o operador do direito deve estar atento a este problema de

adequação e aos princípios solucionadores deste conflito aparente.

5.2 As circunstâncias judiciais e legais na fase da individualização da pena

5.2.1 Artigo 59 do código penal – circunstâncias judiciais

5.2.1.1 Culpabilidade

5.2.1.1.1 Aspectos gerais

A compreensão de culpabilidade é tarefa de extrema dificuldade frente às

variadas teorias encontradas na doutrina, que em geral buscam sua força na crítica

sobre outra doutrina do que propriamente afirmar positivamente um conceito sobre o

tema, assim, encontramos conceitos psicológicos e normativos, e ainda, relacionado

ao livre-arbítrio discutindo se a base da culpabilidade é indeterminista ou

determinista, bem como, com base nos fins da pena.

Por isso, para este trabalho, ao invés de discutir os conceitos de

culpabilidade na doutrina, será analisada a culpabilidade, como circunstância

judicial, mas tendo como base o conceito da teoria normativa pura da culpabilidade,

construída pelo finalismo de Hans Welzel. É claro, que críticas poderão surgir sobre

a opção do conceito de culpabilidade, contudo o foco principal não é o conceito em

si, mas como entender o termo culpabilidade no art. 59 do Código Penal e quais são

os cuidados para sua análise na individualização da pena.

Na doutrina formulou-se o chamado Princípio da Culpabilidade, que segundo

Luiz Regis Prado: “[...] Esse princípio diz respeito ao caráter inviolável do respeito à

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137 dignidade do ser humano”. Neste sentido, para o autor o princípio estaria implícito

em alguns dispositivos constitucionais: “[...] no artigo 1º, III (dignidade da pessoa

humana), corroborado pelos artigos 4º, II (prevalência dos direitos humanos), 5º,

caput (inviolabilidade do direito à liberdade), e 5º, XLVI (individualização da pena)

[...]”. (2008, p. 135)

Ainda, enquanto princípio, em um sentido amplo, a culpabilidade deve ser

entendida como o princípio da responsabilidade penal subjetiva, ou seja, não é

possível em direito penal uma responsabilidade sem dolo ou culpa, o que acaba

colocando em discussão temas como actio libera in causa e a responsabilidade

penal de pessoas jurídicas.

A responsabilidade penal objetiva deve ser afastada do direito penal, pois

determina uma punição (responsabilidade) simplesmente pelo nexo de causalidade,

ou seja, pura ligação física, colocando à margem, para fins de responsabilidade, o

elemento psicológico do crime ou o comportamento imprudente. A vedação à

responsabilidade objetiva em direito penal está de acordo com os valores

constitucionais de respeito à dignidade da pessoa humana, por isso, em sentido

amplo á analisada dentro do principio da culpabilidade.

Outros dois sentidos demonstram um conceito mais específico de

culpabilidade, ou seja, culpabilidade como fundamento e como limite ou medida da

pena.

Conforme Luiz Regis Prado, sobre o princípio da culpabilidade:

Postulado basilar de que não há pena sem culpabilidade (nulla poena sine culpa) e de que a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade – proporcionalidade na culpabilidade – é uma lídima expressão de justiça material peculiar ao Estado democrático de Direito delimitadora de toda a responsabilidade penal. A culpabilidade deve ser entendida como fundamento e limite de toda pena [...]. (2008, p. 135)

Como fundamento da pena, a análise da culpabilidade está dentro do

conceito analítico de crime; depois de verificar a conduta, tipicidade e

antijuridicidade, somente pode sofrer a pena aquele que for culpável, ou seja, ser

imputável, ter potencial consciência da ilicitude e lhe for exigível uma conduta

diversa da que realizou. (BITENCOURT, 2008, p. 16)

A doutrina mais tradicional trabalha a culpabilidade fora do conceito de

crime, com isso, trata-se apenas de um pressuposto de imposição de pena, sendo

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138 que crime se configura com a conduta, típica e antijurídica. Não parece ser a melhor

corrente, principalmente pelo fato da culpabilidade ser fundamento da pena, pois, se

a pena é a conseqüência do crime não poderia pensar em crime sem pena, ou, pena

sem crime, desta forma para que um fato seja caracterizado como crime deve haver

a culpabilidade presente já que esta fundamenta a própria pena.

Neste sentido, caso o juiz entenda não estarem presentes os elementos da

culpabilidade ocorrerá a absolvição do denunciado, e não uma condenação por

crime sem imposição de pena, conforme o disposto no art. 386, VI do Código de

Processo Penal (redação pela Lei 11.690/2008):

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: [...] VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; [...]

5.2.1.1.2 A culpabilidade e a teoria normativa pura

A teoria normativa pura é produto do conceito finalista de conduta criada por

Hans Welzel. A mudança da teoria causal para a finalista demonstrou que o dolo e a

culpa eram elementos que não poderiam pertencer à culpabilidade, pois a conduta

jamais poderia ficar desvinculada de sua finalidade (dolo).

Diante disto, com a retirada do dolo e da culpa, a culpabilidade ficou com

caráter normativo, juízo de reprovação sobre a decisão da vontade. A partir desta

mudança de concepção os elementos da culpabilidade são: imputabilidade,

potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa, elementos que

implicam em juízo de reprovabilidade.

Conforme Luiz Regis Prado: “A culpabilidade é a reprovabilidade pessoal

pela realização de uma ação ou uma omissão típica e ilícita. Assim, não há

culpabilidade sem tipicidade e ilicitude, embora possa existir ação típica e ilícita

inculpável [...]”. (2008, p. 365)

O que importa para a verificação da culpabilidade é a realização de um juízo

de reprovação sobre o comportamento do agente, ou seja, tem uma carga

valorativa.

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139

Ao estabelecer a antijuridicidade do fato, percebe-se a discordância entre a

ação realizada e o ordenamento jurídico, o que significa uma discordância entre

ação e o direito objetivo, sendo uma ação não desejada pelo direito em meio às

relações sociais. A análise da culpabilidade vai além desta relação objetiva, busca

um juízo de valoração sobre o autor da ação e a ação realizada, questionando o

porquê atuou contra o direito se podia ter determinado sua atuação conforme a

norma. Na explicação de Hans Welzel:

A culpabilidade não se conforma com essa relação de discordância objetiva entre a ação e o ordenamento jurídico, mas lança sobre o autor a reprovabilidade pessoal por não haver omitido a ação antijurídica apesar de tê-la podido omitir. A culpabilidade contém, pois, dupla relação: a ação do autor não é como exige o Direito, apesar de o autor ter podido realizá-la de acordo com a norma. Nessa dupla relação, do não dever ser antijurídica com o poder ser lícita, consiste o caráter específico de reprovabilidade da culpabilidade. [...]. (2001, p. 87)

5.2.1.1.3 Culpabilidade como circunstância judicial

No sentido do art. 59 do Código Penal, culpabilidade como limite ou medida

da pena, a culpabilidade serve para determinar a pena dentro de uma medida

conforme a culpabilidade do agente, em conjunto com outros critérios, como por

exemplo, importância do bem jurídico protegido e os fins preventivos da pena.

(BITENCOURT, 2008, p. 16)

Culpabilidade como circunstância judicial prevista no art. 59 do Código Penal

é aplicada na fase individualização da pena, assim, o juiz já analisou a culpabilidade

como fundamento da pena, o que é realizado quando fundamenta a sentença

condenatória, a tarefa, então, passa a ser a determinação da pena dentro dos limites

previstos pela lei, e o primeiro critério na primeira fase é justamente a culpabilidade,

neste caso melhor seria dizer “grau da culpabilidade”, pois a culpabilidade em si já

está presente com a condenação.

Conforme o item 50 da Exposição de Motivos da Lei 7.209/84 sobre a

aplicação do art. 59 do Código Penal com a reforma: “Preferiu o Projeto a expressão

‘culpabilidade’ em lugar de ‘intensidade do dolo ou grau de culpa’, visto que

graduável é censura, cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade da pena”.

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140

A análise da culpabilidade neste momento implica em uma maior ou menor

censurabilidade do agente, é um critério de valoração que irá repercutir na

dosimetria da pena.

Explica Welzel que:

Culpabilidade é o que reprova o autor que podia atuar conforme as normas ante a comunidade jurídica por sua conduta contrária ao Direito. A culpabilidade é um conceito valorativo negativo e, portanto, um conceito graduável. A culpabilidade pode ser maior ou menor, segundo a importância que tenha a exigência do Direito e segundo a facilidade ou dificuldade do autor em satisfazê-la. (2001, p. 89)

Conforme Mirabete:

Além disso, a utilização na lei da palavra “culpabilidade”, que tem caráter de juízo de reprovação, deve levar o julgador a atentar para as circunstâncias pessoais e fáticas, no contexto em que se realizou a ação, conduzindo-o a uma análise de consciência ou do potencial conhecimento do ilícito e, em especial, da exigibilidade de conduta diversa, como parâmetros do justo grau de censura atribuível ao autor do crime. (2008, p. 300)

Nucci assevera que a tarefa de graduar a culpabilidade para fins de

individualização da pena não é fácil, é preciso analisar as provas presentes nos

autos com o máximo de cuidado, pois a medida da culpabilidade necessita de um

juízo de valor em relação a aspectos subjetivos e objetivos. Para o autor: “[...] não

deixa de resultar da apreciação pessoal do julgador, conforme sua sensibilidade,

experiência de vida, conhecimento e cultura, bem como intuição [...]”, estes fatores

são importantes para a avaliação das provas. (2007, p. 173)

Desta forma, para análise do grau de reprovabilidade ou grau de

culpabilidade do agente, é preciso estabelecer uma relação entre o fato e a

culpabilidade do agente (já que esta foi comprovada pela condenação), e as reais

condições pessoais, culturais e sociais do agente no momento do crime, para avaliar

sua censurabilidade, ou seja, conforme Welzel citado acima, verificar a exigência da

norma (proibitiva ou mandamental) e a dificuldade ou facilidade do agente em

cumprir esta norma. Esta é a tarefa do julgador, e não simplesmente constar que a

culpabilidade é normal para o caso e suas circunstâncias, isto significa não avaliar.

Discute-se sobre a aplicação da culpabilidade na individualização da pena

ser uma culpabilidade de autor em razão de verificar condições pessoais do agente,

contudo a verificação destes aspectos subjetivos não significa adotar uma

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141 culpabilidade de autor, até porque, no momento da pena a culpabilidade já foi

analisada, ou seja, no conceito analítico de crime a culpabilidade é do fato, mas na

dosimetria da pena vale uma individualização efetiva para adequar a pena ao agente

e suas características.

Explica Guilherme de Souza Nucci que:

Fatores psicológicos, sociológicos, antropológicos, entre tantos outros, fazem parte do exigente contexto idealizado pelo legislador para a eleição da pena justa, cujo alicerce é, como já frisado, constitucional. O que de útil nos legou a Escola Antropológica do Direito Penal é justamente a constatação de que não se pode igualar o desigual e que, se a pena busca regeneração como um dos seus fins, não se pode afastar a matéria extra-penal desse processo. A missão do julgador na avaliação subjetiva do réu, longe de representar desapego à legalidade, insegurança par ao acusado, fomento à discricionariedade exagerada ou mesmo incremento do abuso punitivo, representa seu dever legal e constitucional. (2007, p. 176-177)

Nucci (2007, p. 177) faz uma referência a Michel Foucault que é importante

para implementar a idéia da utilização de fatores extra-jurídicos na punição.

Conforme Foucault, a utilização destes fatores não tem a pretensão de torná-los

jurídicos, e sim, para evitar que a operação de punir seja simplesmente uma punição

legal (FOUCAULT, 1987, p. 23), ou seja, existem fundamentos psicológicos,

sociológicos e antropológicos que influenciam na necessidade e finalidade da pena.

O mais importante para que a culpabilidade verificada para medida da pena

na individualização da pena, desta forma, o grau de culpabilidade, é que esta

censurabilidade seja realizada em razão do crime cometido, e não simplesmente por

características pessoais do agente, isto seria uma afronta ao Estado Democrático de

Direito.

5.2.1.2 Antecedentes

Conforme Guilherme de Souza Nucci, “trata-se de tudo o que ocorreu, no

campo penal, ao agente antes da prática do fato criminoso, ou seja, sua vida

pregressa em matéria criminal” (2007, p. 179). Para Cezar Roberto Bitencourt:

Por antecedentes devem-se entender os fatos anteriores praticados pelo réu, que podem ser bons ou maus. São maus antecedentes aqueles fatos

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que merecem a reprovação da autoridade pública e que representam expressão de sua incompatibilidade para com os imperativos ético-jurídicos. A finalidade desse modulador, como os demais constantes do art. 59, é simplesmente demonstrar a maior ou menor afinidade do réu com a prática delituosa. (2008, p. 590)

Os antecedentes não podem ser confundidos com a conduta social, pois

após a reforma de 1984, questões voltadas ao relacionamento do réu com família e

trabalho, e relacionamentos sociais de forma ampla ficaram para análise em conduta

social. Assim, antecedentes são relacionados à folha criminal do acusado. (NUCCI,

2007, p. 180)

O princípio constitucional da presunção de inocência, art. 5º, LVII da

Constituição Federal, exerce papel importante na interpretação do que pode entrar

no critério de “maus antecedentes”, pois a questão é a seguinte: pode ser

considerado como maus antecedentes para fins de agravação da pena um fato que

não foi julgado com trânsito em julgado pela justiça criminal?

No entendimento de Nélson Hungria, inquéritos arquivados por causas

impeditivas de ação penal, inquéritos em andamento, processos em andamento ou

que não têm decisão passada em julgado, ou mesmo absolvições por deficiência de

provas, podem ser considerados como maus antecedentes para majorar a pena do

réu (apud BITENCOURT, 2008, p. 590). É também o posicionamento de Roberto

Lyra e Luiz Vicente Cernicchiaro. (NUCCI, 2007, p. 180)

Gilberto Ferreira sustenta que a utilização de inquéritos, mesmo que

arquivados, bem como processos mesmo que em andamento ou sem trânsito em

julgado não ferem a Constituição, pois o fundamento de se considerar os

antecedentes para fixação da pena é a verificação do comportamento do acusado, já

que por meio dos antecedentes é possível concluir sua propensão para o crime.

Assim, Inquéritos, por exemplo, são indicativos negativos para o acusado dentro

destes parâmetros. Neste contexto, sustenta que o réu sempre terá a oportunidade

de combater o quantum aumentado se a sentença do processo que foi utilizado para

antecedentes reconheceu a negativa de autoria. (2004, p. 84)

Com o mesmo entendimento, Jorge Vicente Silva alega que o princípio da

presunção da inocência não é absoluto, e que tem a tarefa de preservar o

processado dos efeitos penais principais e secundários da condenação, mas não

evita uma conclusão sobre o comportamento do acusado em matéria de vida

pregressa criminal. Argumenta o autor, sobre o fato de não ser garantia absoluta a

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143 presunção de inocência, que a Constituição Federal autoriza medidas constritivas

anteriores ao trânsito em julgado: “Basta ver os casos de prisão preventiva e

temporária, seqüestro de bens, quebras de sigilo em geral [...]”. (2004, p. 252)

Além disto, Jorge Vicente Silva afirma que não é possível que a conduta

anterior do acusado não possa ser utilizada na mensuração da pena só porque não

houve decisão definitiva, o que criaria um problema para alcançar pessoas com

envolvimentos habituais em fatos considerados criminosos, mas que por razão

formal (ex. renúncia, perdão, decadência) não chegam à final condenação, por isso

deve prevalecer o livre convencimento do juiz. (2004, p. 252)

De outro lado, há doutrinadores entendendo que somente pode ser

considerado como maus antecedentes as condenações transitadas em julgado,

tendo como principal fundamento o princípio da presunção de inocência e o Estado

Democrático de Direito.

Bitencourt sustenta que:

Com efeito, sob o império de uma nova ordem constitucional, e “constitucionalizando o Direito Penal”, somente podem ser valorados como “maus antecedentes” decisões condenatórias irrecorríveis. Assim, quaisquer outras investigações preliminares, processos criminais em andamento, mesmo em fase recursal, não podem ser valorados como maus antecedentes. (2008, p. 591)

É o melhor entendimento, não só porque atende ao princípio constitucional

da presunção de inocência, mas também porque evita confusão entre antecedentes

e conduta social, que é outra circunstância judicial – importante destacar que a

confusão entre as circunstâncias incorre no risco da dupla valoração (bis in idem),

caso contrário a pena sofreria majoração por haver antecedentes, e, também, por

uma conduta social reprovável em razão de um modo de vida voltado para ações

criminosas.

Para Guilherme de Souza Nucci, “[...] Não se poderia aumentar a pena de

quem foi anteriormente absolvido, fundado no fato de que possui antecedente

criminal [...]”. (2007, p. 181)

Não há segurança jurídica na concepção ampla de maus antecedentes, pois

uma valoração negativa levando em consideração a simples existência de inquéritos

em andamento ou arquivados, ou processos em andamento ou arquivados, ou com

decisões absolutórias de qualquer forma, seria uma mera suposição de que o

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144 apenado realmente fosse culpado das acusações anteriores, o que é característica

de um direito penal de autor, antidemocrático, e não do fato que aconteceu.

Assim, Paulo S. Xavier de Souza enumera situações que não podem servir

na apreciação da pena como antecedentes:

1) inquéritos policiais ou ações penais em andamento, arquivadas ou pendentes de recurso, ou sobre as quais incidiu a prescrição da pretensão punitiva e suas modalidades (retroativa, subseqüente, art. 110, §§ 1º, 2º, CP); 2) Causas de extinção da punibilidade ocorridas antes do trânsito em julgado da ação penal (ex. art. 107, V, CP); 3) decisões absolutórias; 4) Ações penais concernentes a fatos posteriores à infração penal judicialmente apreciada, logicamente, porque, os antecedentes referem-se à vida anteacta do agente. Ademais, o comportamento do autor posterior ao delito, sem ligação com este é estranho ao fato que está em julgamento. (2006, p. 134)

Desta forma, somente as condenações transitadas em julgado anteriores ao

cometimento da infração apenada é que poderiam servir como maus antecedentes,

e ainda devem ser aquelas condenações que não podem ser utilizadas como forma

de reincidência, caso contrário há o risco do bis in idem já que a reincidência incide

na segunda fase como circunstância agravante (art. 61, I do Código Penal).

A saída é considerar como maus antecedentes somente as condenações

anteriores transitadas em julgado após a prática da nova infração que sofre a pena,

pois conforme art. 63 do Código Penal, tal situação não geraria reincidência.

(SOUZA, 2006, p. 137)

Outra possibilidade encontrada para não ferir a presunção de inocência é

considerar como maus antecedentes as condenações com trânsito em julgado

anteriores ao fato em julgamento, que tenham passado o prazo de cinco anos

conforme o art. 64, I do Código Penal, pois neste caso a pessoa volta a ser primária

e não seria considerada como reincidência para fins de aplicação da pena. Porém,

nas palavras de Paulo S. Xavier de Souza: ”[...] Em todo caso, também não seria

coerente que a condenação transitada em julgado, não gerando reincidência, fosse

considerada como antecedente negativo”. (2006, p. 136)

O legislador optou pelo critério da temporariedade para a reincidência, com

isso percorrido o prazo estipulado, cinco anos a partir da data do cumprimento ou

extinção da pena, perde-se os efeitos da reincidência para que a pessoa não sofra

pelo resto da vida por fato criminoso cometido, o que justifica o entendimento de

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145 Paulo S. Xavier de Souza de, sob o mesmo argumento, não poder recair como

antecedentes as condenações depois de expirado o prazo da reincidência.

Há também discussão sobre a constitucionalidade da previsão de

antecedentes como parâmetro para fixação da pena, pois aumentar a pena de

alguém por seus antecedentes, levando em consideração que antecedentes dizem

respeito a condenações transitadas em julgado, equivale a dupla valoração (bis in

idem), pois o acusado já sofreu a pena quando condenado e o mesmo crime

contribui para majoração da pena de crime posterior. O que pode ocorrer é a

utilização destas condenações na avaliação da conduta social. (SOUZA, 2006, p.

137)

Há na jurisprudência do STF decisões reconhecendo que a utilização de

inquéritos e ações em andamento como antecedentes para fixação da pena não fere

o princípio da presunção da inocência, desde que fundamentados, porém não

induzem automaticamente a majoração.

Além da discussão com base na presunção de inocência, há algumas

situações que não podem ser consideradas como maus antecedentes: 1) na Lei

9.099/95, Lei dos Juizados Especiais, foi criada a transação penal que é uma

proposta de aplicação de pena pelo Ministério Público, porém, sem formação do

juízo de culpa, sem processo, com isto, no art. 76, § 6º da referida lei está expresso

que não constará de certidão de antecedentes criminais a imposição da pena

mediante transação penal, no mesmo sentido o parágrafo único do art. 2º da Lei

10.259/2001 que dispõe sobre os Juizados Especiais Federais; 2) a suspensão

condicional do processo prevista no art. 89 da Lei 9.099/95 por seguir o modelo de

composição consensual dos Juizados Especiais, apesar da aplicação para crimes

mais graves (pena mínima igual ou inferior a 1 ano), retira a idéia de culpabilidade e

deve ser preservada sua publicidade, assim, não pode ser utilizado como maus

antecedentes; 3) também, não podem ser considerados maus antecedentes

situações que resultaram em medida sócio-educativa, pois foram realizadas em fase

de inimputabilidade penal, o que não repercute no âmbito de culpabilidade.

Com uma concepção mais ampla ou mais restrita sobre os antecedentes é

importante a comprovação de cada antecedente indicado na aplicação da pena.

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146 5.2.1.3 Conduta social

Conforme Jorge Vicente Silva: “Ao aferir este referencial, o juiz analisa a

conduta do acusado no meio social em que vive, seu entrosamento e atuação na

sua comunidade, na sua vida familiar e no seu trabalho”. (2004, p. 255)

Esta circunstância judicial não era prevista no Código de 1940, e surgiu com

a reforma de 1984. Antes disso a conduta social era analisada nos antecedentes,

por isso há uma tendência em confundir as duas circunstâncias.

O aplicador do direito no processo de individualização deve atentar-se para

não confundir as circunstâncias e promover majoração na pena em razão de mesmo

fato gerador para as duas circunstâncias, ocorrendo a dupla valoração. (SOUZA,

2006, p. 138)

Guilherme de Souza Nucci utiliza um outro termo incluído no conceito de

conduta social, inserção social:

É o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança, dentre outros, motivo pelo qual além de simplesmente considerar o fator conduta social preferimos incluir a expressão inserção social. Não somente a conduta antecedente do agente em seus vários setores de relacionamento, mas sobretudo o ambiente no qual está inserido são capazes de determinar a justa medida da reprovação que seu ato criminoso possa merecer. (2007, p. 183)

Nucci aponta alguns fatores importantes para avaliação da conduta social

(2007, p. 182 e ss.):

1) a importância do interrogatório do réu para a constatação de sua conduta

social, que o juiz usará na aplicação da pena. Mas é importante que o defensor e a

acusação estejam atentos para as perguntas que possam esclarecer teses sobre os

fatores de individualização da pena. Também é importante a tarefa de arrolar

testemunhas, pois é preciso indicar pessoas que conheçam a vida do acusado;

2) pessoa que tenha uma excelente conduta social, em âmbito de

culpabilidade, merece menor censura do que alguém envolvido em episódios de

confusão na família, ou na comunidade, formando uma avaliação negativa sobre seu

comportamento. Admite Nucci que esta circunstância judicial tem características de

culpabilidade de autor, fatos da vida do acusado, e não do fato criminoso apurado,

mas que o impedimento para a culpabilidade de autor é só para a análise da

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147 culpabilidade como elemento do crime, podendo ser considerada na aplicação da

pena;

3) há uma ligação entre a personalidade do réu e seu comportamento social:

“[...] O relacionamento social do indivíduo é fruto e função do seu caráter”.

4) deve ser observada a situação social do réu, pois “a educação e boas

condições de vida proporcionam maior equilíbrio emocional e acurada formação da

integridade física e mental, preservando o ser humano do descumprimento de regras

sociais que o levariam ao crime”. Para o autor, os fatores de inserção social ou a

falta deles influenciam na prática ou não de comportamentos criminosos, por isso o

juiz deve analisar estes fatores. Um ambiente social pode gerar comportamento

violento, de acordo com o grau de competitividade e fatores econômicos, mas a

capacidade de resistir à prática criminosa influenciada por estes fatores depende da

situação social do réu, o que determina uma valoração em sua culpabilidade,

podendo ser mais reprovável, pois estava inserido socialmente, ou, menos

reprovável se tem problemas de inserção social.

5) outro ponto importante de conduta do réu é a família, é neste contexto

que se realiza uma parcela da educação da pessoa, sendo que muitas vezes esta

educação é por meio de atos violentos, o que estimula o uso da força física para

solucionar problemas. Caso o juiz constate este tipo de relação educacional familiar

deve avaliar na individualização da pena, contudo, o maior problema é a produção

de provas neste sentido. Entende Nucci que o juiz tem papel importante na produção

destas provas, inclusive estimulando as partes, e com isso poderá se aproximar ao

máximo do conhecimento de quem é o apenado.

Por causa da dificuldade de diferenciar conduta social de antecedentes há

uma discussão visando verificar se é possível ser tratado em termos de conduta

social os antecedentes criminais, como inquéritos ou processos em andamento, que

não entram no conceito restrito de antecedentes para fins de aplicação de pena.

Rogério Greco entende que tais antecedentes criminais que não integram o

conceito de maus antecedentes (na idéia de presunção de inocência) não podem ser

avaliados como conduta social, pois os conceitos são diferentes “[...] os

antecedentes traduzem o passado criminal do agente; a conduta social deve buscar

aferir o seu comportamento perante a sociedade, afastando tudo aquilo que diga

respeito à prática de infrações penais [...]”. Conforme o autor, uma pessoa pode ter

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148 antecedentes criminais, mas ter uma boa conduta na sociedade, como por exemplo,

ser participativo positivamente na comunidade. (2006, p. 603)

Em sentido contrário, Cezar Roberto Bitencourt afirma que a presença de

folha de antecedentes com vários inquéritos e processos em andamento, mesmo

que prescritos, indicam uma conduta socialmente inadequada, por isso podem ser

valorados como conduta social. (2008, p. 592)

5.2.1.4 Personalidade do agente

No estudo de Cezar Roberto Bitencourt, em partes citando Aníbal Bruno, a

personalidade do agente:

Deve ser entendida como síntese das qualidades morais e sociais do indivíduo. Na lição de Aníbal Bruno, personalidade “é um todo complexo, porção herdada e porção adquirida, com o jogo de todas as forças que determinam ou influenciam o comportamento humano”. Na análise da personalidade deve-se verificar a sua boa ou má índole, sua maior ou menor sensibilidade ético-social, a presença ou não de eventuais desvios de caráter de forma a identificar se o crime constitui um episódio acidental na vida do réu. (2008, p. 592)

O conceito de personalidade não é elaborado pelo plano jurídico, mas sim é

conceito ligado à psicologia, psiquiatria e antropologia, conforme Guilherme de

Souza Nucci citando Mario Fedeli:

[...] a personalidade “representa a totalidade completa, a síntese do Eu: constitui o núcleo inconfundível, irrepetível, peculiar de cada indivíduo. (...) A ela devem-se a particular visão dos valores de um indivíduo, os seus centros de interesse e o seu modo de chegar ao valor predominante para o qual tende. ‘A personalidade é que vai constituir a originalidade e a nobreza da individualidade, pois ela revela as escolhas e as preferências dadas a um determinado valor”. (2007, p. 187)

O autor Guilherme de Souza Nucci realizou um excelente estudo sobre a

personalidade como circunstância judicial na aplicação da pena e aponta alguns

elementos da personalidade que servem na análise do modo de ser do acusado:

“aspectos positivos: bondade, alegria, persistência, responsabilidade nos afazeres,

franqueza, honestidade [...]” e outros; como aspectos negativos: “agressividade,

preguiça, frieza emocional, insensibilidade acentuada, emotividade desequilibrada,

passionalidade exacerbada, maldade [...]” e outros. Não é necessário um estudo

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149 aprofundado sobre cada um destes aspectos pra perceber que: 1) são vinculados ao

modo de ser do agente; 2) são aspectos que exigem um conhecimento por parte do

operador do direito que atua na aplicação da pena. (2007, p. 187/188)

Por isso, há duas polêmicas importantes sobre a utilização da personalidade

como circunstância judicial na aplicação e individualização da pena: a primeira

polêmica é sobre a caracterização de um direito penal de autor, o punir pelo seu

modo de ser; a segunda é sobre a capacidade técnica do operador do direito para

tratar destes aspectos vinculados à personalidade, já que exige conhecimento

extrajurídico.

Sobre a primeira polêmica, Nucci entende não haver problemas, pois a

avaliação da personalidade não significa a punição pelo seu modo de ser, já que o

juízo sobre a existência do crime não considera a personalidade do agente, ou seja,

a conclusão pelo crime não é pelo modo de ser do acusado e sim pelo fato que

cometeu (2007, p. 191). Contudo, para que efetivamente seja aplicada a

individualização da pena, é necessário considerar o modo de ser do agente, fugindo

da padronização da pena, e estabelecendo uma maior ou menor censura. Na

mesma obra, Nucci (p. 188) esclarece que para que a pena seja aumentada deve

haver um “nexo de causalidade entre o delito e o elemento negativo da

personalidade”.

Assim, o aspecto negativo da personalidade usado como elemento de

majoração da pena deve ser evidenciado no momento em que o fato ocorreu, tendo

uma ligação com o cometimento do fato (nexo de causalidade), evitando um puro

direito penal de autor.

Sobre a outra polêmica, o questionamento sobre o conhecimento técnico do

operador do direito, Guilherme de Souza Nucci assevera que:

O juiz não precisa ser um técnico para avaliar a personalidade, bastando o seu natural bom senso, utilizado, inclusive e sempre, para descobrir a própria culpa do réu. Inexiste julgamento perfeito, infalível, pois sempre se trata de simples justiça dos seres humanos, de modo que o critério para analisar o modo de ser e agir de alguém constitui parte das provas indispensáveis que o magistrado deve recolher. (2007, p. 192)

O que deve ser evitado pelo aplicador do direito são termos como, por

exemplo, “o réu tem personalidade deturpada” ou “personalidade voltada para o

crime”, e por meio destas constatações superficiais majorar a pena acima do

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150 mínimo. Cabe ao juiz tomar cuidado em busca de elementos que fundamentem uma

avaliação sobre a personalidade do acusado, bem como as partes devem contribuir

neste sentido, como produção de provas técnicas (avaliação psicológica), arrolar

testemunha especializada profissionalmente com técnicas de avaliar personalidade.

(NUCCI, 2007, p. 193)

Em matéria penal praticamente é inevitável avaliações de subjetividade do

acusado, cite-se a conclusão se o crime foi doloso ou culposo num caso em que se

discute dolo eventual ou culpa consciente. Ainda, o fato do juiz poder refutar a

avaliação realizada no exame criminológico em pedido de progressão de regime de

pena, e se fosse exigir uma técnica para solucionar estas questões, além da

experiência e do senso comum, o juiz deveria ser um “autêntico psicólogo”. (NUCCI,

2007, p 193-194)

Lembra Nucci que quanto mais forem afastados da avaliação da pena os

critérios subjetivos (personalidade, antecedentes, etc.), aumenta-se a chance da

padronização das penas, o que fere o princípio constitucional da individualização da

pena. (2007, p. 193)

5.2.1.5 Circunstâncias do crime

As chamadas circunstâncias do crime presentes no art. 59 do Código Penal,

são circunstâncias acidentais que não fazem parte da estrutura do tipo, mas também

não são aquelas previstas a título de circunstâncias legais que são as agravantes e

atenuantes, qualificadoras e privilegiadoras, causas de aumento e de diminuição,

todas com previsões específicas na lei.

Para Guilherme de Souza Nucci, “trata-se de elemento residual”, pois se não

houver previsão como circunstâncias legais o juiz pode considerar como

circunstância judicial, como, por exemplo, a prática do crime em local ermo. (2007, p.

204)

Paulo S. Xavier de Souza também entende que elementos acidentais fazem

parte da prática do delito sendo relevantes para o caso, elencando as seguintes

circunstâncias:

[...] a forma e a natureza da conduta criminosa, os tipos de meios utilizados, objeto, tempo, lugar, ocasião, modo ou forma de execução e outras

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semelhantes, a atitude do agente durante ou após a conduta delituosa (insensibilidade, indiferença ou arrependimento). (2006, p. 142)

O juiz, ao avaliar estas circunstâncias do art. 59 do Código Penal, deve ter o

cuidado de primeiro verificar se a circunstância já é prevista como circunstância

legal, caso seja, deve ser aplicada na fase correspondente e não como circunstância

judicial na primeira fase, caso contrário haveria o risco de bis in idem. (FERREIRA,

2004, p. 92)

5.2.1.6 Conseqüências do crime

As conseqüências avaliadas para fins de mensuração ou individualização da

pena, conforme art. 59, não são as conseqüências tipificadas para caracterização do

delito, pois estas são utilizadas para adequação típica, como, por exemplo, a morte

da vítima no crime de homicídio.

Conforme Paulo S. Xavier de Souza:

As conseqüências do crime representam os efeitos decorrentes da conduta do agente (fato típico), a maior ou menor gravidade do dano ou risco de dano para a vítima ou para a coletividade, inclusive aquelas indiretamente derivadas do crime, como por exemplo, o drama ou trauma (físico ou psicológico) da vítima no crime de estupro (art. 213 CP).

Ainda:

O resultado não é uma conseqüência do delito, mas da conduta, é parte integrante do crime, e não seu efeito, sendo equivocado afirmar, por exemplo, que no crime de homicídio as conseqüências foram graves porque a vítima morreu, pois a morte da vítima é o resultado natural do homicídio. [...]. (2006, p. 142)

Assim, conseqüência não é o resultado do crime, mas sim seu efeito.

Aproveitando o exemplo do homicídio citado acima, Bitencourt assinala que a morte

da vítima é o resultado natural do crime, mas no caso da vítima ser arrimo de família,

deixando a família ao desamparo, considera-se como graves conseqüências, e é

neste sentido que o juiz deve avaliar este elemento da aplicação da pena. (2008, p.

593)

Estas conseqüências representam uma lesão, um dano causado pelo

comportamento criminoso (lembrando que não se trata do resultado típico), que

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152 pode ser material ou moral, e o juiz deve avaliar a extensão destes danos para fins

de reprovação pela pena. (FERREIRA, 2004, p. 93)

5.2.1.7 Comportamento da vítima

Esta circunstância acidental do crime requer que o juiz analise o fato com

enfoque no comportamento da vítima, pois em muitas ocasiões a vítima colabora

para que o crime aconteça, por meio de provocações, por exemplo.

Rogério Greco aborda o tema como uma contribuição da vítima para que o

crime aconteça, e acrescenta:

[...] Quando nos referimos à contribuição, não estamos colocando a vítima na condição de partícipe ou co-autora, mas sim aferindo o seu comportamento no caso concreto, que pode ter influenciado, em seu próprio prejuízo, a prática da infração penal pelo agente. (GRECO, 2006, p. 607)

A inclusão na lei desta circunstância como parâmetro para aplicação da

pena ocorreu com a reforma de 1984, com isso o legislador reconheceu que a

contribuição da vítima no crime afeta a culpabilidade do sujeito ativo, podendo

resultar em uma maior ou menor reprovação. Porém, esta constatação não é uma

novidade no Código Penal, pois já haviam dispositivos que demonstravam a

influência na culpabilidade pelo comportamento da vítima, exemplos: art. 65, III, c;

121, § 1º; 129, § 4º.

O estudo da vitimologia é que impulsionou a preocupação de se analisar a

vítima dentro do fato criminoso, Julio Fabbrini Mirabete assevera que:

Estudos de Vitimologia demonstram que as vítimas podem ser “colaboradoras” do ato criminoso, chegando a falar-se em “vítimas natas” (personalidades insuportáveis, criadoras de casos, extremamente antipáticas, pessoas sarcásticas, irritantes, homossexuais e prostitutas, etc.). [...]. (2008, p. 301)

Em seu trabalho sobre a aplicação da pena Gilberto Ferreira, citando o

renomado René Ariel Dotti, elenca os aspectos sobre o estudo da vítima:

a) a qualidade ou condição do sujeito passivo; b) a natureza do interesse juridicamente protegido; c) as várias formas de relação entre o sujeito ativo e o sujeito passivo da infração; d) o sujeito passivo e o elemento subjetivo do crime;

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e) a conduta do sujeito passivo para a prática da infração (investigação, consentimento, concorrência de culpa); f) o sujeito passivo quanto às condições do crime, notadamente em relação às causas de justificação do ilícito: legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal; de isenção de pena e circunstâncias; g) o comportamento do sujeito passivo após a consumação do delito, no que se refere aos aspectos processuais (perdão, renúncia, retratação). (2004, p. 97)

Nucci elenca alguns exemplos de comportamento da vítima que devem ser

observados na aplicação da pena: “o exibicionista atrai crimes contra o patrimônio; o

mundano, delitos sexuais; o velhaco, que gosta de viver levando vantagem, atrai o

estelionato; o agressivo, o homicídio e as lesões corporais [...]”. (2007, p. 206)

Ainda sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci cita a importância da

culpabilidade apresentada pela vítima, por meio de um quadro elaborado por

Antonio Beristain:

1 – Vítima completamente inculpável: é o tipo de vítima “ideal”, pois não tem participação alguma na atividade delituosa. Exemplo: pessoa que é ferida pela explosão de uma bomba ao passar por um estacionamento; 2 – Vítima parcialmente culpável: subdivide-se em: a) vítima por ignorância ou imprudência: confere maior ou menor contribuição para o delito, conforme o caso. Exemplo: mulher que morre ao permitir que nela se pratique um aborto; b) vítima com escassa culpabilidade: fornece maior ou menor contribuição para o crime, conforme o caso. Exemplo: mulher que entrega ao falso noivo a sua caderneta de poupança; c) vítima voluntária: confere maior ou menor contribuição ao delito, conforme o caso. Exemplo: morte do enfermo incurável por seu próprio desejo; 3 – Vítima completamente culpável: subdivide-se em: a) vítima provocadora: sua contribuição é fundamental e exclusiva para a ocorrência do crime, não havendo punição ao agente. Exemplo: agressor que morre quando a vítima reage em legítima defesa; b) vítima que propicia a concretização do delito: tem contribuição predominante no cometimento do crime. Exemplo: aquele que tenta enganar e é vítima de estelionato; c) falsa vítima (delito simulado): é a ocorrência de denúncia falsa. Exemplo: mulher que, desejando vingar-se de um homem, acusa-o de estupro. (2007, p. 207)

Importante lembrar, na lição de Mirabete, que o comportamento da vítima

que contribui para o fato, não justifica o crime, porém acaba por diminuir a

culpabilidade do autor do crime, o que importa numa avaliação do juiz para fins de

redução da pena. (2008, p. 301)

Nesta idéia de não justificar o fato, a doutrina tem orientado para que o

operador do direito realize a aplicação da pena com proporcionalidade, ou seja, não

é possível que os estudos de vitimologia, ainda mais quando é possível constatar

uma culpabilidade da vítima, resultem em uma inversão da culpa como se a vítima

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154 assumisse toda a responsabilidade (não se refere aqui à legítima defesa, já que

neste caso não há crime), mas por outro lado, é dever do juiz verificar a participação

da vítima no fato, pois esta participação pode ter influenciado na ocorrência do

crime. (SOUZA, 2006, p. 145)

5.2.2 Artigo 61 do código penal - circunstâncias agravantes

5.2.2.1 Inciso I – a reincidência

A reincidência tem a natureza jurídica de circunstância agravante, sendo

que, no sistema do Código Penal, sua definição está no art. 63 e seus efeitos sofrem

limitação conforme art. 64:

Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Art. 64. Para efeito de reincidência: I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; II – não se consideram os crimes militares próprios e políticos.

O art. 63 do Código Penal deve ser interpretado em conjunto com o art. 7º

da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41), que estabelece o seguinte:

“Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de

passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro,

por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção”.

Assim, a ocorrência de reincidência tem as seguintes possibilidades:

1) o agente deve ser condenado em sentença definitiva por um crime,

condenação esta que pode ocorrer no Brasil ou estrangeiro, e depois, praticar o

novo crime;

2) o agente deve ser condenado em sentença definitiva por um crime,

condenação esta que pode ocorrer no Brasil ou estrangeiro, e depois, praticar uma

contravenção;

3) o agente deve ser condenado em sentença definitiva no Brasil por

contravenção, e depois, praticar nova contravenção.

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155

Com isto, caso o agente seja condenado em sentença definitiva por

contravenção, e depois pratica um crime, não será considerado reincidente

conforme o sistema penal brasileiro.

Pode haver ainda reincidência entre crimes dolosos, entre culposos, ou entre

um doloso e outro culposo e vice-versa, bem como não há diferença entre crime

tentado ou consumado para a aplicação desta agravante.

Há na doutrina algumas espécies de reincidência:

1) reincidência genérica – também chamada de heterogênea, quando o

crime anterior e o posterior podem ser de naturezas diferentes, como por exemplo, o

homicídio e o furto;

2) reincidência específica – chamada de homogênea, quando o crime

anterior e o posterior são da mesma natureza. Conforme Aníbal Bruno, considera-se

da mesma natureza aqueles crimes que estão no mesmo artigo, bem como aqueles

que “apresentem caracteres fundamentais comuns, assim julgados segundo um

critério objetivo ou segundo um critério subjetivo, ou porque se atenda à índole dos

fatos ou porque se considerem os motivos que os determinaram”. Esclarece o autor

que, fora os crimes do mesmo artigo, a natureza pode ser homogênea quando

prejudicar o mesmo bem jurídico, podendo inclusive estar previstos em leis

diferentes, e ainda, por motivos iguais como “ódio, vingança, ambição,

concupiscência” que estabelece uma relação íntima entre os crimes; (BRUNO, 1976,

p. 129)

3) reincidência ficta – para consideração da reincidência basta a condenação

definitiva anterior e a prática do novo crime, não precisando ter cumprido a pena do

crime anterior;

4) reincidência real – para consideração da reincidência, o agente deve ter

sido condenado em sentença definitiva e cumprido a pena pelo crime anterior, e

depois, praticar o novo crime.

Na descrição do art. 63 do Código Penal nota-se que o legislador, com a

reforma da Parte Geral de 1984, optou pela reincidência genérica e ficta.

Antes da reforma, conforme a descrição do Código de 1940, o sistema

adotava a reincidência genérica e específica, descrevendo a diferença na própria lei.

Divergente é o fato do afastamento da reincidência pela condenação de

crime anterior se foi imposta pena de multa, pois o art. 63 do Código Penal dispõe

sobre condenação anterior, não exigindo ser por pena privativa de liberdade.

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156

Nucci relata que há posição doutrinária alegando que a condenação por

multa não resulta em reincidência, pelas seguintes razões:

a) o art. 77, § 1º, do Código Penal menciona que a pena de multa não impede a concessão do sursis, de modo que não seria suficiente para gerar a reincidência, visto não ser cabível a suspensão condicional da pena ao reincidente (art. 77, I, CP); b) a multa é pena de pouca monta, aplicável a crimes mais leves, não sendo apta, portanto, para gerar efeitos tão drásticos como os previstos para o caso de reincidência. (2007, p. 214)

Nucci, conclui pela possibilidade da reincidência na pena de multa, pois a

exceção do art. 77, § 1º do Código Penal é uma questão de política criminal em

razão do sursis, contudo, lembra o autor, que mesmo em casos de substituição por

pena restritiva de direitos, não se afasta a reincidência. (2007, p. 214)

Reforçando esta idéia, a interpretação do art. 95 do Código Penal admite

expressamente a possibilidade de reincidência em pena de multa, pois exclui a

revogação da reabilitação condicional no caso da reincidência por infração apenada

por multa. (ZAFFARONI, 2006, p. 719)

No mesmo sentido, aceitando a reincidência no caso de multa, Mirabete

(2008, p. 309) e Damásio (2005, p. 567).

Sobre o argumento de que a pena de multa é menos grave do que a

privativa de liberdade e por isso afasta a possibilidade de reincidência, deve ser

levado em consideração que com a Lei 9.268/96 a pena pecuniária passou a ser

dívida de valor, não podendo mais ser convertida em pena privativa de liberdade, o

que tornaria desproporcional o agravamento da pena posterior pela pena de multa

anterior. (SOUZA, 2006, p. 164)

Já argumentava, em sentido contrário, Aníbal Bruno:

Em contraposição a esses inconvenientes, tem a multa as vantagens de não segregar o condenado do seu meio familiar e social, da vida em comum, do seu trabalho livre, de não trazer-lhe uma desmoralização pública e de não submetê-lo aos efeitos perversores e aviltantes do encarceramento. Pode ter caráter pouco aflitivo, mas impõe ao réu a qualidade de condenado e assim adverte-o para a comissão de novo crime, que lhe comunicaria a condição de reincidente, com as graves conseqüências daí resultantes. (1976, p. 82)

Desta forma, ainda que de menor expressão, na imposição e execução da

pena de multa continua havendo uma sentença penal condenatória, produzindo seus

efeitos penais, entre eles, a reincidência, conforme art. 63 do Código Penal.

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157

Contudo, pela proibição da conversão da pena de multa em privativa de

liberdade, cabe uma reflexão sobre a aplicação da reincidência de crime apenado só

com multa se a pena posterior também for por multa.

Damásio expõe em sua obra algumas situações de discussão sobre a

configuração da reincidência (2005, p. 566-567):

1) no crime anterior o réu foi beneficiado pelo sursis da pena, tal benefício

não afasta os efeitos da sentença condenatória, com isso, pode ser considerado

como reincidente;

2) no caso de extinção da punibilidade do crime anterior pode ocorrer o

seguinte: 2.1) a extinção da punibilidade foi anterior a sentença transitar em julgado,

neste caso afasta-se a reincidência, pois é preciso o trânsito em julgado da sentença

(art. 63); 2.2) verificando a extinção da punibilidade após a sentença condenatória

transitar em julgado, com o novo crime configura a reincidência, pois a extinção da

punibilidade não rescinde a condenação anterior. Contudo, nos casos de anistia e

abolitio criminis afastam-se os efeitos da sentença penal condenatória, excluindo a

reincidência. Também no caso de perdão judicial não gera reincidência, em razão do

disposto no art. 120 do Código Penal.

3) conforme o disposto no art. 30, 1º parte do Código Penal, a reincidência é

circunstância incomunicável, pois é pessoal ou subjetiva.

Quando o agente sofre mais de três condenações com reconhecimento da

reincidência, denomina-se como multirreincidente. (JESUS, 2005, p. 567)

Quanto aos efeitos da reincidência, Mirabete enumera os seguintes:

a) agrava a pena (art. 63); b) prepondera essa circunstância na fixação da pena (art. 67); c) quando um crime doloso impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou multa (arts. 44, inciso II, e 60, § 2º); d) impede a concessão do sursis quando se tratar de crimes dolosos (arts. 77, inciso I); e) impede que se inicie o cumprimento da pena em regime semi-aberto (a não ser quando se tratar de detenção) ou aberto (art. 33, §2º, b e c); f) aumenta o prazo para concessão do livramento condicional (art. 83, inciso II); g) aumenta o prazo para a prescrição da pretensão executória (art. 110, última parte); h) interrompe o prazo da prescrição (art. 117, inciso VI); i) revoga o sursis, obrigatoriamente em caso de condenação por crime doloso (art. 81, inciso I) e facultativamente na hipótese de crime culposo ou contravenção (art. 81, § 1º); j) revoga o livramento condicional, obrigatoriamente em caso de condenação à pena privativa de liberdade (art. 86) e facultativamente na

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158

hipótese de crime ou contravenção quando aplicada pena que não seja privativa de liberdade (art. 87); l) revoga a reabilitação quando o agente for condenado a pena que não seja de multa (art. 95); m) causa eventualmente a conversão de pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade (art. 44, § 5º); n) possibilita o reconhecimento da infração penal prevista no art. 25 da LCP; o) impede a liberdade provisória para apelar (art. 594 do CPP); (este artigo foi revogado pela Lei 11.719/2008); p) impede a prestação de fiança em caso de condenação por crime doloso (art. 323, inciso III, do CPP); q) impede o reconhecimento de causas de diminuição de pena (art. 155, § 2º, 171, § 1º, etc.); etc. (2008, p. 312-313)

5.2.2.1.1 Das limitações legais para a configuração da reincidência

A primeira limitação, conforme já exposto acima, é a necessidade de uma

sentença condenatória transitada em julgado para que no novo crime seja aplicada a

reincidência, desta forma, o fato posterior deve acontecer depois do trânsito em

julgado.

Caso o réu tenha sofrido condenação pendente de recurso, ou esteja sendo

processado ou indiciado criminalmente, e pratica novo crime, não é considerado

reincidente pela falta do trânsito em julgado anterior ao novo crime, porém estas

circunstâncias (processos pendentes, inquéritos) geralmente são utilizadas como

circunstâncias judiciais em razão de antecedentes (em item próprio foi discutido o

problema com o princípio da presunção da inocência e o reconhecimento de

antecedentes).

Importante mencionar, sobre o tema, a súmula 241 do Superior Tribunal de

Justiça: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância

agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”. Esta orientação

jurisprudencial impede a dupla valoração na aplicação da pena, se a condenação

anterior gerar a reincidência não pode ser valorado na primeira fase como

antecedentes. Nucci entende que esta orientação não impede que um fato anterior

gere a reincidência pelo trânsito em julgado e outros processos pendentes sejam

considerados como antecedentes na aplicação da pena de um determinado caso.

(2007, p. 213)

As outras limitações estão previstas no art. 64 do Código Penal.

No inciso I, com a Lei 6.416/77, o legislador adotou o sistema da

temporariedade, limitando os efeitos da reincidência pelo prazo de 5 anos, ao

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159 contrário da previsão conforme o Código de 1940 que adotava o sistema da

perpetuidade. Este limite é chamado de prescrição da reincidência, pois a

condenação anterior perde a eficácia de gerar a reincidência, é um limite temporal.

Para Damásio:

Alega-se em favor do sistema da temporariedade que o longo período entre o primeiro fato e sua repetição obsta que se entenda persistente o vínculo criminológico capaz de ligar os dois crimes, com o acréscimo da reprovabilidade sobre o sujeito e, portanto, de sua culpabilidade. Os dois fatos surgem isolados no tempo, sem que a prática de ambos possa fundamentar a conclusão de que neles se exprime aquele querer antijurídico obstinado que justifica o tratamento particular do reincidente. Deve, pois, exigir-se que a reiteração ocorra, para que não perca a sua relevância como indício de desatenção do agente diante da condenação anterior, dentro de um lapso de tempo relativamente curto após a decisão condenatória. [...] (2005, p. 569-570)

A alteração da lei, passando do sistema da perpetuidade para o da

temporariedade, elimina o chamado “estado de reincidência”, que tinha um efeito de

estigmatizar a pessoa do condenado pelo resto de sua vida. (ZAFFARONI, 2006, p.

721)

O prazo de 5 anos é contado a partir do cumprimento da pena ou de sua

extinção. Quanto ao cumprimento da pena, a lei não faz distinção, podendo ser

privativa de liberdade, restritiva de direito ou multa. Se houver imposição cumulativa

de penas, exemplo, privativa de liberdade e multa, o prazo começa a correr após a

satisfação das duas penas, cumprindo apenas uma, ainda não começa a correr o

prazo. No caso de multa a ser paga em parcelas mensais (art. 50 do Código Penal),

o prazo é contado a partir do pagamento da última parcela. Havendo unificação de

penas o prazo começa com o cumprimento das penas unificadas. (JESUS, 2005)

Em relação à extinção da pena pode ser a prescrição, graça, indulto, etc.

Ressalta-se que a extinção por abolitio criminis, pela anistia e por perdão judicial não

gera reincidência, conforme já exposto.

Conforme descrição do dispositivo é computado, para o prazo de cinco anos,

o prazo da suspensão da pena ou do livramento condicional, com isto, o prazo se

inicia com a audiência admonitória já que é o dia em que começa o período de

prova. (MIRABETE, 2008, p. 311)

Para a contagem deste prazo conta-se o dia de início, conforme art. 10 do

Código Penal.

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160

Discute-se se a pessoa volta a ser primária depois de passados os cinco

anos referidos acima. Guilherme de Souza Nucci entende que o sistema define o

reincidente e o primário, não havendo uma situação intermediária, como o chamado

“tecnicamente primário”, por isso, depois dos cinco anos, a pessoa volta a ser

considerada primária, e a condenação sobre a qual recaiu a prescrição da

reincidência serve como antecedentes (lembrando que há discussão doutrinária

sobre esta possibilidade). (2007, p. 212)

Damásio entende da mesma forma, assim decorrido o prazo do art. 64, I a

pessoa retorna à qualidade de primário. (2005, p. 574)

Diferente é o entendimento de Mirabete, para ele há três categorias: o

primário, que é quem nunca sofreu condenação irrecorrível; o reincidente, aquele

que está na situação descrita pelo art. 64, I do Código Penal, ou seja, ter praticado o

crime após o trânsito em julgado de uma condenação criminal, dentro do prazo de 5

anos; e uma terceira categoria, aquele que não é primário nem reincidente, podendo

ser aquele que praticou o novo fato antes da sentença irrecorrível, ou, praticando o

fato depois da sentença irrecorrível depois de expirado o prazo de 5 anos do

cumprimento ou da extinção da pena. (2008, p. 312)

A doutrina classifica esta última categoria de “tecnicamente primário”.

No inciso II a limitação é quanto a algumas espécies de crimes, não

considerando para efeito de reincidência os crimes militares próprios e os crimes

políticos.

Os crimes militares próprios, conforme definição de Nucci são “[...] os crimes

militares previstos unicamente no Código Penal Militar, portanto, praticados

exclusivamente por militares. O civil não pode praticá-los, pois não preenche o tipo

penal [...]”, pelo contrário, gera reincidência os crimes militares impróprios, já que

são condutas previstas no Código Penal Militar e também no Código Penal comum,

por exemplo, homicídio, leões corporais, etc. De acordo com o art. 71 do Código

Penal Militar ocorre a reincidência entre crimes militares próprios. (2007, p. 216)

Quanto aos crimes políticos, podem ser:

a) crimes políticos próprios – os que ofendem a organização política do Estado;

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161

b) crimes políticos impróprios – os que ofendem um interesse político do cidadão. Fala-se ainda em: a) crimes políticos puros – de exclusiva natureza política; b) crimes políticos relativos – que compreendem os delitos políticos mistos ou complexos – são os que ofendem simultaneamente a ordem político-social e um interesse privado (crimes não puramente políticos). (JESUS, 2005, p. 574)

Percebe-se pelo art. 2º da Lei 7.170/83 que há dois critérios para verificar se

o crime é comum ou político, um objetivo, que leva em conta o bem jurídico

protegido que está sendo ameaçado ou ofendido, e outro subjetivo, que consiste na

análise da motivação que determina a conduta criminosa.

Para Damásio, não importando a classificação, os crimes políticos não

geram a reincidência (2005, p. 575), é a posição também de Mirabete (2008, p. 310).

Por outro lado, Nucci entende que os crimes políticos relativos podem gerar a

reincidência, pois “são crimes comuns determinados, no todo ou em parte, por

motivos políticos”. (2007, p. 217)

No art. 4º da Lei 7.170/83 fica estabelecido que há a reincidência entre

crimes políticos.

5.2.2.1.2 A discussão sobre os fundamentos da reincidência e o argumento de sua

inconstitucionalidade

Sobre o fundamento da existência da reincidência como causa agravante,

chama atenção a sistematização das principais respostas na obra de Zaffaroni e

Pierangeli: (ZAFFARONI, 2006, p. 717-718)

1) o fundamento mais difundido, que tem base no positivismo, é que a

reincidência demonstra uma maior periculosidade do agente, por isso merece a

agravação na pena. Contudo, a crítica que se faz a este fundamento, que toma

periculosidade como a maior probabilidade de se cometer um crime, e em principal

num sistema que adota a reincidência ficta e genérica, é que não dá pra presumir de

forma absoluta que alguém que praticou um crime vá praticar outro, como exemplo,

a prática de um crime culposo não determina que o autor seja mais perigoso do que

alguém que nunca foi condenado por crime. Ainda, não é possível afirmar que

alguém que foi intimado de uma sentença condenatória irrecorrível tenha mais

possibilidade de praticar outro delito. Contra esta crítica criou-se a chamada

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162 “periculosidade presumida”, mas esta resposta doutrinária perde o valor por tratar-se

da reincidência de um fato, e quanto a fato não é questão de presunção e sim de

ficção.

2) outro fundamento se encontra na teoria psicológica da culpabilidade, em

que o dolo está presente na culpabilidade, assim, a reincidência seria “[...] uma

decisão da vontade do autor mais forte ou dotada de maior permanência [...]”, mas

tal resposta não consegue sustentar os casos de crimes diferentes, pois desta forma

não há mesma vontade para ser reforçada ou que seja permanente.

3) com base na teoria normativa da culpabilidade, a condenação anterior

teria a tarefa de contramotivar a prática de crime, e, se mesmo assim voltou a

praticar crime significa que deve ser reforçada a condenação pelo segundo crime.

Este fundamento não leva em consideração que a reincidência no sistema brasileiro

é ficta, pelo que a simples intimação da condenação não serve como

contramotivação, e ainda, a pena em nosso sistema ao invés de contramotivar, vem

condicionando um papel desviado do condenado.

4) critica-se, também, o fundamento pela teoria normativa da culpabilidade

em razão da aplicação de um direito penal de autor, isto é, a reprovação pela

personalidade do agente, pela sua conduta de vida, que seria o fundamento da

reincidência.

5) justifica-se a agravação da pena pela reincidência em razão de “um maior

conteúdo do injusto do fato”, pois quem já foi condenado e depois pratica novo crime

atingiria dois bens jurídicos: um seria o bem jurídico protegido contra o segundo

crime, e o outro seria a imagem do Estado por sua função de promover a segurança

jurídica. Esta explicação estaria mais de acordo com o direito penal de garantias.

Para os autores, Zaffaroni e Pierangeli, não importando qual dos

fundamentos se adote, há um problema de difícil solução quando se aplica a

reincidência, que é a questão da violação do princípio do nom bis in idem. Quando

se agrava a pena do crime posterior, se faz em razão do crime anterior, ou seja,

além da condenação, o crime anterior gera reflexos no crime posterior. (2006, p.

718)

No estudo de Paulo S. Xavier de Souza o princípio do nom bis in idem se

fundamenta no princípio da legalidade, sendo que atingir este princípio é a mesma

coisa de atingir o próprio Estado Democrático de Direito. Ainda, como argumento,

utilizando os ensinamentos de L. Vicente Cernicchiaro, o agravamento pela

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163 reincidência afronta o princípio da individualização da pena, pois para cada crime

existe a pena correspondente, não podendo a pena de um crime se estender para

um crime posterior. Neste sentido, ressalta-se que o Código Penal adota a

reincidência genérica, como por exemplo, a pena de um crime de homicídio pode se

estender para um crime de falsificação. (2006, p. 159-160)

Numa tentativa de justificar a agravação pela reincidência, eliminando o bis

in idem, Armin Kaufmann elaborou uma teoria dizendo que quando o agente realiza

o segundo crime há a violação de duas normas, a norma conforme o tipo do

segundo crime e a norma que estaria implícita no tipo do primeiro crime, proibindo

cometer um segundo crime. Com isso, cada tipo teria como conteúdo duas normas,

uma que tutela um bem jurídico específico e outra que de forma genérica proíbe a

prática de um crime no futuro. Desta forma, a reincidência afetaria bem jurídico

diferente do bem jurídico específico protegido pelo tipo, o que evitaria o bis in idem.

(ZAFFARONI, 2006, p. 718)

Contudo, a ressalva é que o bem jurídico genérico que aponta a teoria acima

mencionada é a segurança jurídica, que na verdade é a somatória de todos os bens

jurídicos e não um bem independente que possa ser protegido concretamente, por

isso rejeita-se esta teoria e confirma-se que a agravação pela reincidência agride um

direito penal de garantias. Para Zaffaroni e Pierangeli: “Na realidade, a reincidência

decorre de um interesse estatal de classificar as pessoas em ‘disciplinadas’ e

‘indisciplinadas’, e é óbvio não ser esta função do direito penal garantidor”. (2006, p.

719)

Nucci tem entendimento contrário, para o autor a agravação da pena pela

reincidência não tem foco na punição em si, mas sim na aplicação da pena, e

respeitando o princípio da individualização da pena não haveria razão para tratar da

mesma forma o réu reincidente e o réu primário, pois o autor que cumpriu pena ou

que foi condenado e depois pratica novo crime, demonstra desprezo aos valores

sociais, e, por isso, merece maior censura. (2007, p. 217)

Lembra, ainda, Guilherme de Souza Nucci que:

Não se deve olvidar a existência dos microfatores que geram a reincidência, para que não se perca de vista a necessidade de investir convenientemente

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164

no sistema prisional, especialmente no tocante ao regime fechado, de modo a incentivar a ressocialização. (2007, p. 218)

Citando Sá, Nucci indica entre estes microfatores os externos positivos com

a função de evitar a reincidência, como o “apoio da família e o tratamento carcerário

humano e reconfortador, atividades construtivas”; e de outro lado, os externos

negativos que contribuem para a reincidência como a ”severidade no trato com o

preso, disciplina muito rigorosa, persecutoriedade, castigos, confinamento severo,

ameaças constantes”. (2007, p. 218)

Contrariando o pensamento de Nucci, ressalta-se que nosso sistema adota a

reincidência ficta, ou seja, basta a condenação anterior com trânsito em julgado. Não

é necessário para a reincidência que o condenado cumpra a pena, assim, os

microfatores apontados, apesar de existirem, não tiveram efetividade com o

condenado que não cumpriu a pena, não justificando a agravação da pena no novo

crime. Caso contrário está claro o bis in idem, pois o agente já teria que cumprir as

duas penas unificadas (crime anterior e posterior), e mais um acréscimo na pena do

crime posterior pelo crime anterior com pena não cumprida.

A agravação da pena pela reincidência ficta é pura opção de uma política

criminal repressiva, não tem respaldo na individualização da pena, pois este

princípio também tem seus limites, não podendo ser puramente aplicação de direito

penal de autor, bem como não se sustenta nas teorias da função da pena, já que

esta ainda não foi executada, portanto, fere o princípio do nom bis in idem.

5.2.2.2 Inciso II, “a” - motivo fútil

Conforme Luiz Regis Prado, motivo fútil “é aquele insignificante,

flagrantemente desproporcional ou inadequado se cotejado com a ação ou a

omissão do agente”. (2008, p. 473)

Mirabete relaciona o motivo fútil ao motivo insignificante, mesquinho, “que

normalmente não leva o homem a delinqüir, demonstra elevada periculosidade do

agente que, por quase nada, chega a prática delituosa”. O autor cita como exemplo:

“agredir a esposa porque deixou queimar o feijão do almoço ou o garçom por ter

encontrado uma mosca na sopa [...]”. (2008, p. 302)

A prática do crime por um motivo fútil, insignificante, desproporcional ao

contexto do fato, demonstra uma falta de sensibilidade por parte do agente, uma

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165 agressividade injustificada, por isso é considerada como uma circunstância

agravante para a pena, merece uma maior punição.

Há na doutrina e jurisprudência algumas polêmicas em torno do motivo fútil:

1) equiparação da ausência de motivo ao motivo fútil: para Fernando Capez

a prática de um crime sem motivo é pior do que motivo insignificante, por isso,

equipara a ausência de motivo ao motivo fútil (2006, p. 441). Contudo, para Paulo S.

Xavier Souza, inclusive citando Nélson Hungria, não há crime sem motivação, o

motivo é que determina a ocorrência de um crime, assim, se porventura em um caso

concreto não for possível identificar o motivo do crime, não significa ausência de

motivo, e sim, que o motivo é desconhecido, por isso não pode o juiz num caso

deste ser categórico em afirmar que o motivo desconhecido é fútil. (2006, p. 221-

222)

2) em relação ao ciúme, a doutrina vem caminhando em não considerar

como fútil, “pois esse sentimento doloroso de um amor – ou até mesmo paixão –

inquieto, egoísta e possessivo, apesar de injusto, não pode ser considerado ínfimo

ou desprezível”. (NUCCI, 2007, p. 223)

3) sobre a embriaguez a doutrina e a jurisprudência têm caminhado no

sentido de entender incompatível com o motivo fútil, mas é importante avaliar o grau

desta embriaguez, pois nem sempre o agente perde noção total de sua conduta, o

que revela que mesmo embriagado seu comportamento pode ser caracterizado

como fútil.

5.2.2.3 Motivo torpe

Conforme Gilberto Ferreira:

A palavra torpe (ô) deriva do latim turpe significando feio, disforme, horrendo, desagradável, vergonhoso, desonroso, infame, ignóbil. Motivo torpe, portanto, é aquele infame, vil, abjeto, repugnante, ignóbil, que provoca repulsa ao sentimento comum das pessoas, por se constituir num enorme contraste ético. É, enfim, aquele que mais ofende a moralidade média e os princípios éticos dominantes. Exemplo típico de motivo torpe é o crime cometido mediante paga ou por qualquer outra recompensa, como caluniar o colega por carta anônima com o fim de desprestigiá-lo perante o chefe e obter o seu posto. (2004, p. 111-112)

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166

O motivo torpe denota aspectos negativos da pessoa, para Mirabete “[...] em

regra, a circunstância em estudo deriva de uma paixão anti-social, como a inveja, o

despeito, a cobiça, a concupiscência etc.[...]”. (2008, p. 303)

Costuma-se relacionar a vingança ao motivo torpe, mas esta relação não é

absoluta, pois a vingança é um sentimento que pode nascer tanto de um motivo

torpe quanto de um motivo de relevante valor social ou moral, assim, a vingança não

é a própria torpeza, mas pode ser conseqüência de um motivo torpe. Por isso, é

importante que o juiz tenha cuidado ao analisar esta circunstância agravante quando

fundada em vingança, pois terá que examinar a motivação da vingança. (NUCCI,

2007, p. 223 e ss)

Da mesma forma que no motivo fútil, há a discussão do ciúme em relação ao

motivo torpe com a mesma solução já exposta.

5.2.2.4 Inciso II, “b” - Facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade

ou vantagem de outro crime

Na lição de Luiz Regis Prado:

Pressupõe a existência de dois crimes, entre os quais há conexão teleológica (meio/fim) ou conseqüencial (causa/efeito). A prática delitiva para facilitar ou assegurar a execução de outro crime (conexão teleológica) ou sua ocultação, impunidade ou vantagem (conexão conseqüencial) agrava a pena por ser maior a medida da culpabilidade. (2008, p. 473-474)

Esta agravante é uma forma específica de torpeza, pois o agente pretende

por meio de um crime garantir outro objetivo ilícito (execução, ocultação, impunidade

ou vantagem de outro crime).

Na conexão teleológica, facilitar ou assegurar a execução de outro crime, o

crime fim pode acontecer concomitante ao crime-meio ou posterior. Na conexão

conseqüencial, facilitar ou assegurar a ocultação, impunidade ou vantagem de outro

crime, o crime fim pode ser antes, durante ou depois da execução do crime meio.

(FERREIRA, 2004, p. 112)

A diferença entre ocultação e impunidade consiste que na ocultação

pretende o agente que não se conheça do crime fim, ou seja, encobri-lo, já na

impunidade o crime é conhecido, mas o que se pretende desviar ou encobrir é a

autoria.

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167

Facilitar ou assegurar a vantagem de outro crime significa garantir o lucro ou

qualquer outro proveito obtido por outro crime.

5.2.2.5 Inciso II, “c” – À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro

recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido

Estas circunstâncias acidentais justificam-se como agravantes da pena em

razão de representarem situações em que a vítima tem a possibilidade de defesa ou

reação diminuída, às vezes até anulada totalmente.

Jorge Vicente Silva define como: “Configura-se esta hipótese quando o

agente age de forma a retirar da vítima qualquer chance de defesa própria, de

terceiros ou de seus direitos”. (2004, p. 326)

O dispositivo é de interpretação analógica, pois o legislador descreve alguns

casos (traição, emboscada, dissimulação) e depois insere uma fórmula genérica

para alcançar as outras situações semelhantes, Mirabete cita “a fraude, a ‘dopagem’

da vítima etc”. (2008, p. 303)

O termo traição tem a idéia de quebra de confiança, da fidelidade, da

lealdade, o que requer uma relação entre o autor do crime e a vítima, nesta situação

o autor se aproveitaria da confiança da vítima para lhe surpreender.

Apesar desta concepção, a doutrina estabelece dois aspectos: um material

ou objetivo no caso do autor “atingir a vítima pelas costas ou desprevenida”; outro é

o aspecto moral ou subjetivo “quando quebra a confiança que lhe depositava a

vítima, agindo com deslealdade”. Com isso, se questiona a necessidade de uma

relação de lealdade, confiança entre autor e vítima para configurar traição. Pelo

aspecto material parece que não há esta necessidade, basta a surpresa que dificulte

a defesa da vítima. (NUCCI, 2007, p. 227)

De qualquer forma, trata o dispositivo de interpretação analógica, por isso,

mesmo que se entenda pela necessidade de haver uma relação de confiança entre

autor e vítima para a traição, os casos em que tal relação não se estabelecer serão

alcançados pela fórmula genérica configurando surpresa.

Emboscada “[...] é o ato de esperar alguém passar por algum lugar para

atacá-lo, sendo vulgarmente conhecida por tocaia ou cilada. Não deixa naturalmente

de ser espécie de traição material”. (NUCCI, 2007, p. 228)

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168

Dissimulação, conforme a lição de Mirabete, é a idéia do disfarce, é a

situação em que o autor encobre seu intuito criminoso, assim diminui a possibilidade

de defesa da vítima, pois está desprevenida. O autor cita como exemplo “aquele

que, utilizando-se de uniforme de companhia telefônica, penetra na residência para

a prática de um roubo”. (2008, p. 303)

Por fim, pela fórmula genérica, pode ser usada para agravar a pena qualquer

situação, além das previstas em específico, que dificulte ou torne impossível a

defesa da vítima.

5.2.2.6 Inciso II, “d” - Emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio

insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum

Trata-se, mais uma vez, de interpretação analógica, pois o legislador

relaciona alguns casos que representam meios de realização do crime e depois

lança uma fórmula genérica para alcançar casos semelhantes.

Nucci (2007) divide o dispositivo em três grupos:

1) o primeiro é representado pelo emprego de veneno que serve de

casuística para a fórmula genérica que é o meio insidioso. Meio insidioso “denota

estratagema, perfídia, enfim autêntica traição”, por isso o autor entende que foi

desnecessária esta previsão já que no inciso anterior constava como agravantes

circunstâncias de caráter insidioso.

Veneno, conforme Mirabete, “pode conceituar-se, para efeitos penais, o

veneno com toda substância mineral, vegetal ou animal que, introduzida no

organismo, é capaz, de mediante ação, química, bioquímica ou mecânica, lesar a

saúde ou destruir a vida”. Ainda pode ser ministrado via oral, nasal, retal, vaginal,

intravenosa, etc., podendo ser sólido, líquido ou gasoso (2008, p. 303). Gilberto

Ferreira relata que inclusive remédio pode ser considerado veneno se utilizado em

proporção excessiva. (2004, p. 114)

Importante para a configuração desta agravante é a substância ser

ministrada de forma insidiosa, dificultando a defesa da vítima por não alcançar o

conhecimento do cometimento do crime, caso contrário pode configurar outra

agravante, como meio cruel, por exemplo.

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169

2) O segundo grupo é relacionado com o meio cruel, “que significa a

imposição à vítima de sofrimento além do necessário para alcançar o resultado

típico pretendido”. (NUCCI, 2007, p.229)

O agente que utiliza meio cruel para o cometimento do crime em geral tem

“personalidade malévola, sádica ou insensível”, realizado por comportamento brutal

que despreza os valores humanos, por isso merece uma atenção especial por parte

do juiz para a aplicação da pena quando se constata a crueldade. As espécies de

crueldade previstas no inciso são: tortura, fogo e veneno. (NUCCI, 2007, p. 229-230)

Desta forma, caracterizado o sofrimento desnecessário da vítima por

qualquer meio, a pena merece uma majoração.

3) No terceiro grupo estão as circunstâncias que representam perigo

comum, pois além de atentar contra a vítima, colocam em perigo outras pessoas,

como é o caso de desabamento, incêndio, desastre, etc.

Considera-se no rol de perigo comum o fogo, o explosivo e o veneno (este,

no exemplo de Nucci, no caso de contaminação de uma caixa d’água de um prédio

para atingir uma vítima, mas colocando os moradores na situação de perigo). (2007,

p. 230)

5.2.2.7 Inciso II, “e” - Contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge

Está previsto no art. 226 da Constituição Federal que “a família, base da

sociedade, tem especial proteção do Estado”. Significa que a família é de extrema

importância em nossa sociedade, pois existe entre os membros deste grupo social

um mútuo respeito, auxílio, estima, confiança, criando um laço íntimo que a prática

de delito contra as pessoas determinadas pelo inciso demonstra uma insensibilidade

moral por parte do autor, o que justifica a agravante.

Para Aníbal Bruno, nestes casos “a exacerbação da pena corresponde à

grave insensibilidade moral dada pelo agente, provocando a maior reprovabilidade

que lhe atribui a consciência do Direito”. (1976, p. 113)

Deverá constar nos autos a prova do parentesco, ascendente (pai, mãe, avô,

etc), descendente (filho, neto, etc), irmão (unilaterais ou bilaterais), cônjuge (casado

legalmente), para que incida a agravante, em regra a prova é documental

(certidões).

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170

O art. 227, § 6º da Constituição Federal, os arts. 20 e 41 do Estatuto da

Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e o art. 1.596 do Código Civil não permitem

a diferença entre parentesco legítimo (casamento) ou ilegítimo (união livre ou

extralegal), bem como da diferença entre parentesco natural (consangüíneo) e civil

(mediante adoção), por isso a agravante deve ser aplicada em qualquer destas

situações. (MIRABETE, 2008, p. 305)

Com relação ao termo “cônjuge” surgem algumas discussões:

A primeira é se há a aplicação da agravante no caso de união estável

(companheiros). Fernando Capez, em seu Curso de Direito Penal Parte Geral,

entende que é possível a aplicação da agravante. O fundamento está no art. 226 §

3º da Constituição Federal que reconhece a união estável como entidade familiar,

sendo assim, não há razão para a diferença já que nesta relação estão envolvidos

os mesmos aspectos de intimidade estabelecidos pelo casamento (estima, respeito,

confiança). (2006, p. 444)

Contudo, Autores como Mirabete (2008), Luiz Regis Prado (2008), Damásio

(2005), Gilberto Ferreira (2004), entendem que não é possível a aplicação da

agravante em razão do princípio da legalidade ou reserva legal, pois o termo

“cônjuge” tem significado jurídico que é a sociedade conjugal estabelecida pelo

casamento civil, o que afastaria a aplicação até no caso de casamento religioso sem

efeitos civis. Em direito penal é proibida a analogia in malam partem.

O princípio da legalidade estrutura o direito penal, por isso é forte o

fundamento da não aplicação da agravante se não há o casamento civil. Mas,

nestes casos, poderia incidir a agravante da alínea “f” que é quando o agente se

prevalece de relações domésticas ou de coabitação.

A segunda discussão é no caso de separação. Para Damásio E. de Jesus, a

agravante deve prevalecer neste caso “pois não retira a qualidade pessoal”, mas no

caso de divórcio, pelo rompimento conjugal, não se aplica a agravante. (2005, p.

562)

Com outra interpretação, Mirabete entende que mesmo na separação de

fato não há a incidência da agravante. O autor toma como base o sentido teleológico

da norma, que é a relação de fidelidade e proteção entre o casal, e na separação

rompe-se o afeto e a estima, assim, não se justifica a agravante. (2008, p. 305)

Importante citar a existência do art. 129, §§ 9º, 10 e 11 do Código Penal que

prevê no crime de lesão corporal como tipo derivado as mesmas circunstâncias

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171 acidentais que configuram agravantes genéricas, com isso, as circunstâncias

servem para adequação típica como formas qualificadoras ou de aumento de pena,

respectivamente aplicadas na primeira fase e na terceira fase do cálculo da pena,

não podendo ser aplicadas nesta fase (proibição do bis in idem).

5.2.2.8 Inciso II, “f” - Abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações

domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na

forma da lei específica

O abuso de autoridade deste inciso é decorrente de relações de direito

privado, e acontece em relações de tutela, curatela ou até mesmo empregatícia.

(FERREIRA, 2004, p. 116)

Explica Luiz Regis Prado que: “O abuso de autoridade ocorre quando o

agente excede ou faz uso ilegítimo do poder de fiscalização, assistência, instrução,

educação ou custódia derivado de relações familiares, de tutela, de curatela ou

mesmo de hierarquia eclesiástica”. (2008, p. 476)

As relações domésticas acontecem num ambiente de convívio familiar, mas

não é necessário o parentesco entre as pessoas, podendo ocorrer a relação entre

empregados e empregadores em uma residência, e até mesmo amigos que

freqüentem a casa. (MIRABETE, 2008, p. 306)

Relação de coabitação é aquela que acontece entre pessoas que convivem

sob o mesmo teto, sendo parentes ou não, podendo ser conviventes, amigos em

uma pensão, padrasto e enteado, ou qualquer outra relação que se encontre nesta

situação.

Hospitalidade faz referência a uma coabitação temporária, em que o

hospedante consente tácita ou expressamente, como nas pernoites ou convite para

refeição (PRADO, 2008, p. 476). Não é necessário que haja intimidade entre as

partes, nem mesmo “permanência demorada no local”, o que importa é a cortesia

social que acontece entre o hóspede e o hospedeiro. (MIRABETE, 2008, p. 306)

Com o advento da Lei 11.340/2006 (chamada de Lei Maria da Penha),

houve um acréscimo neste dispositivo configurando como agravante genérica

quando há violência contra a mulher na forma da lei específica. O art. 7º da lei prevê

como formas de violência contra a mulher a violência física, a psicológica, a sexual,

a patrimonial e a moral, mas no caput do artigo nota-se que o rol é exemplificativo,

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172 pois usa o termo “entre outras”, abrindo a possibilidade para outras formas de

violência.

Questiona-se a necessidade do legislador realizar este acréscimo em razão

de que o dispositivo já previa a agravante nas relações domésticas e de coabitação,

além do inciso anterior prever circunstância agravante em relação de parentesco

(ascendente, descendente e cônjuge).

Apesar disto, a Lei 11.340/2006 quando em seu art. 5º estabelece o que é

violência doméstica e familiar contra a mulher, além das relações de efetiva

coabitação ou domésticas, ampliou o alcance da norma em seu inciso III, para os

casos de “relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido

com a ofendida, independentemente de coabitação”, o que justificaria o acréscimo,

alcançando casos em que não há relação doméstica ou coabitação, nem parentesco

ou casamento, como por exemplo, ex-namorados, casais separados ou divorciados.

Registre-se a crítica realizada por Luiz Regis Prado sobre a discriminação

estampada nesta agravante decorrente da Lei 11.340/2006:

[...] Esta circunstância agravante estabelece uma presunção geral fundada exclusivamente no gênero da vítima (feminino), uma discriminação positiva. Ora, essa posição de se considerar tão-somente o gênero, alheio ao fato material, é incompatível com o Direito Penal do fato, e portanto, inconstitucional. (2008, p. 476)

Para Guilherme de Souza Nucci, a Lei 11.340/2006 e sua alteração para

acrescentar a circunstância agravante em parte repetiu o que já era previsto pelo

Código Penal no art. 61, II, “e” e “f” (relações domésticas, coabitação, descendentes,

ascendentes, irmãos ou cônjuges), analisando os incisos I e II do art. 5º da lei.

Quanto ao inciso III do art. 5º da Lei 11.340/2006, entende Nucci, que houve

lesão ao princípio da legalidade no sentido da taxatividade, pois prevendo que não

há necessidade de convívio entre autor e vítima (“tenha convivido com a vítima,

independentemente de coabitação”), e ainda, a previsão no parágrafo único que a

relação independe da orientação sexual, ampliou demasiadamente o alcance da

norma com uma abertura para interpretações. O risco é a agravante a ser aplicada

em situações que não configurem a violência no lar ou no âmbito familiar, que é a

idéia de violência doméstica, cita como exemplo, ex-namorado, que agride ex-

namorada depois de longo tempo do fim do relacionamento. (2007, p. 232)

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173

Da mesma forma que no inciso anterior, ressalta-se o art. 129, §§ 9º, 10 e

11, que faz previsão das circunstâncias ora analisadas como qualificadoras ou

causas de aumento, não sendo aplicadas nesta fase.

A justificativa destas circunstâncias serem tratadas como agravantes da

pena é pela quebra de confiança estabelecida nas relações citadas, que configuram

intimidade, dependência, hospitalidade, situações em que a vítima geralmente não

espera ser ofendida pelo autor, o que torna sua defesa prejudicada, implicando

numa maior reprovação à conduta do autor do crime.

5.2.2.9 Inciso II, “g” - Abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício,

ministério ou profissão

A razão desta circunstância agravante é que a vítima está submetida ao

autor do crime por um poder de mando, ou é o caso de quebra de confiança

estabelecida por meio de profissão. (MIRABETE, 2008, p. 306)

Para Luiz Regis Prado (2008):

Cuida-se de agravante que opera sobre a medida do injusto, demonstrando maior desvalor da ação. Exige um elemento objetivo – maior facilidade ou menor risco para prática do delito – e um elemento subjetivo – uso (consciente e voluntário) ilegítimo ou além dos limites legais do poder inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão.

A primeira circunstância é sobre abuso de poder, e neste inciso, diferente do

anterior, está relacionado com função pública. Refere-se aos excessos praticados

por autoridades públicas ou funcionários públicos no exercício ou em razão de sua

profissão. (FERREIRA, 2004, p. 117)

Já lembrava Aníbal Bruno que “é preciso que os atos abusivos praticados

pelo agente do poder público não constituam elemento do fato punível”. (1976, p.

114)

Neste sentido, adverte Guilherme de Souza Nucci para não haver confusão

com o crime de abuso de autoridade (Lei 4.898/65). Ocorrendo adequação típica ao

crime de abuso de autoridade, a circunstância não pode ser usada como agravante

para não gerar o bis in idem. (2007, p. 233)

Também incide como agravante, quando o agente viola dever inerente a

cargo, ofício, ministério ou profissão. Jorge Vicente Silva explica que “cargo público

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174 é exercido pelo funcionário com provimento, seja em razão de aprovação em

concurso público, seja em razão de nomeação comissionada”. (2004, p. 329)

Quanto ao termo “ofício”, há divergência na interpretação doutrinária.

Gilberto Ferreira entende que o termo refere-se a atividades com habilidade manual,

citando o carpinteiro ou marceneiro como exemplos (2004, p. 117). No mesmo

sentido é a lição de Mirabete (2008).

Apesar do respeito aos autores citados, parece que a melhor interpretação é

a de que o termo tem a ver com atribuições dadas ao serviço público. É a

interpretação que mais se aproxima do sentido teleológico do dispositivo, pois inicia

a descrição das circunstâncias falando em abuso de poder ou violação de dever, e a

acepção destas palavras relaciona-se com atribuições reconhecidas por lei, função

pública. (NUCCI, 2007, p. 233)

No estudo de Jorge Vicente Silva: “Ofício é a atividade de pessoas que

prestam serviços públicos, através de atividade autorizada, sem que detenham o

cargo público. Exemplo de ofício são os leiloeiros oficiais, onde a atividade pública é

transitória”. (2004, p. 330)

Com isso, por interpretação extensiva, além do cargo e da função pública,

configura também a agravante para quem comete o crime violando dever inerente a

um emprego público, que é atividade com vínculo contratual com a administração

pública sob o regime da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). (NUCCI, 2007, p.

234)

Ministério é atividade vinculada à atividade de religiosos, a religião é uma

forte instituição da sociedade e envolve um sentimento de fé nas pessoas, algo que

traz as respostas sobre os questionamentos da vida e suas dificuldades, por isso

cria-se entre o freqüentador da religião e o sacerdote ou chefe religioso uma relação

de confiança, que quando quebrada por meio de um crime, aproveitando desta

relação, a pena merece ser majorada.

Profissão é a “atividade remunerada ou liberal predominantemente

intelectual”, exemplo: médico, advogado, engenheiro, psicólogo, professores, etc.

(MIRABETE, 2008, p. 307)

Nucci assevera que esta atividade deve ser especializada e regulamentada

por lei, em razão do dispositivo citar “violação de dever inerente” à atividade, o que

recairia em profissões como a de médico e advogado que tem regulamentação legal.

Por outro lado, não incide a agravante em profissões que não tenham estabelecido

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175 em lei seus deveres, como por exemplo, vendedores, modelos, etc, caso contrário

estaria quebrando o sentido da norma. (2007, p. 235)

5.2.2.10 Inciso II, “h” - Contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou

mulher grávida

Há duas justificativas para que estas circunstâncias sejam agravantes da

pena: a presumida vulnerabilidade da vítima e a periculosidade da ação. (PRADO,

2008, p. 478)

As pessoas indicadas como vítimas neste dispositivo estão em situações

que trazem maior dificuldade de promover sua defesa, com isto, aumenta a

possibilidade do agente atingir seu objetivo se aproveitando desta vulnerabilidade.

Luiz Regis Prado conclui que:

Assim, o aumento do desvalor da ação está calcado não apenas na presumida vulnerabilidade da vítima, na desproporção de forças entre sujeito ativo e passivo e no prevalecimento voluntário e consciente pelo agente de tal superioridade, mas também na maior periculosidade da ação. (2008, p. 478)

Analisando as situações descritas, a melhor interpretação é que o legislador

usou um critério biológico, ou seja, é questão de resistência, de capacidade física de

se defender, o que afasta o uso apenas do critério cronológico no caso da criança e

do maior de 60 anos.

Desta forma, Guilherme de Souza Nucci explica que “[...] é fundamental

haver nexo entre o crime praticado e a situação de inferioridade da pessoa ofendida

[...]”, o que afasta a aplicação da agravante em casos que a resistência física ou

capacidade de defesa não influenciam no crime. O autor cita, como exemplo, um

furto de veículo de uma pessoa maior de sessenta anos quando o carro estava

estacionado na rua, se fosse a vítima um jovem de 20 anos, a ação do autor seria a

mesma, não há diferença. Pelo contrário, num crime de roubo importa no critério

biológico da vítima, o que se impõe a agravante. (2007, p. 236)

Em relação à criança, o Código Penal não fixou um limite de idade, por isso

há interpretação de que seria a pessoa entre 7 ou 8 anos, como também alguns

interpretam no sentido da presunção de violência nos crimes contra os costumes

(art. 224, “a” do Código Penal) que o limite seria a idade de 14 anos. Contudo, com o

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176 advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) o limite adotado

juridicamente para que a pessoa seja considerada criança está no art. 2º:

“considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até 12 (doze) anos de

idade incompletos [...]”.

Mas, apesar do limite de idade na lei, alguns autores entendem que

prevalece o critério biológico, ou seja, vulnerabilidade da vítima, e com isso,

relevante para a configuração da agravante é que em razão da pouca idade da

vítima ocorra uma maior facilidade do autor pela fragilidade física ou psíquica da

vítima, neste sentido é a posição de Jorge Vicente Silva. (2004, p. 331)

O texto do Código Penal trazia a palavra “velho” que era interpretado como

critério biológico no sentido de senilidade, fragilidade, questão física e psíquica, e

com isso presumia-se a velhice a partir dos 70 anos, conforme dados de

especialistas, pois em geral esta idade representa um declínio das funções da

pessoa tornando-a mais frágil. (NUCCI, 2007, p. 237)

Com a edição da Lei 10.741/2003, o Estatuto do Idoso, a doutrina tem se

posicionado pela alteração do critério de biológico para cronológico, pois promoveu

uma alteração no Código Penal, retirando a palavra “velho” e incluindo o termo

“maior de 60 (sessenta) anos”. Assim, o que vale para a agravante é a prova da

idade maior de 60 anos da vítima, não importando sua saúde e capacidade física.

Mesmo com esta nova interpretação, lembra Nucci que deve haver “um nexo lógico-

causal entre a conduta do agente do crime e a maior proteção que se deve conferir

aos maiores de 60 anos”, ou seja, a idéia de que a idade da vítima tornou o crime

mais fácil para o agente, caso contrário, nos casos em que a idade da vítima não

influencia a facilidade do crime não se aplica a agravante. (2007, p. 238)

O enfermo é aquela pessoa que padece de uma moléstia física ou mental, a

pessoa doente, que tem suas funções diminuídas ou até mesmo a impossibilidade

de exercer alguma função. A interpretação deve ser em sentido amplo, alcançando

deficientes físicos e mentais, desde que tenham sua resistência diminuída.

(MIRABETE, 2008, p. 308)

Importante para fins de aplicação da agravante que a enfermidade, por meio

da moléstia ou deficiência, diminua a capacidade física ou psíquica da vítima em

relação ao crime cometido, assim, deve-se analisar qual é a moléstia, bem como,

avaliar a espécie de deficiência e seu grau, verificando em que interfere na

capacidade da vítima. (NUCCI, 2007, p. 239)

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177

Por fim, também é circunstância agravante cometer crime contra mulher

grávida. A majoração da pena acontece quando a gravidez afeta a capacidade de

resistir da vítima, sendo assim, deve-se observar o estágio da gravidez. Além do

crime se tornar mais fácil em virtude da capacidade diminuída da vítima, também se

justifica a agravante pelo desrespeito a condição da vítima, podendo inclusive

prejudicar a gravidez. Para evitar uma responsabilidade objetiva, o autor deve ter

conhecimento da gravidez da ofendida, ou, no mínimo, ter dúvida sobre o estado,

configurando o dolo do agente. (MIRABETE, 2008, p. 308)

5.2.2.11 Inciso II, “i” - Quando o ofendido estava sob a imediata proteção da

autoridade

Na situação de estar sob imediata proteção da autoridade pode ser

enquadrado, por exemplo: “o preso, o doente mental recolhido a estabelecimento

oficial, o estudante que atravessa a rua após interrompido o tráfego pelo guarda de

trânsito para este fim”. (PRADO, 2008, p. 478)

A circunstância demonstra desrespeito à autoridade que tinha a tarefa de

proteger a vítima, o que implica numa maior reprovação à conduta do autor do crime

contra vítima que estava em situação de garantia. (PRADO, 2008, p. 478)

5.2.2.12 Inciso II, “j” - Em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer

calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido

Mais uma vez o legislador prevê situação de interpretação analógica, pois

descreve casos específicos (incêndio, naufrágio, inundação) e depois cria fórmula

genérica, no caso duas: 1) qualquer calamidade pública; 2) desgraça particular do

ofendido.

O que justifica a agravante, aumentando a medida da culpabilidade, é o

desprezo do autor do crime ao sentimento de solidariedade e fraternidade, pois há

um desvalor maior à sua conduta realizada quando pelas circunstâncias referidas

ocorre dificuldades de defesa por parte da vítima, bem como dificuldades da própria

atuação da segurança pública, o que facilita sua impunidade. (PRADO, 2008)

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178

Mirabete exemplifica os casos de “terremoto, seca (calamidade pública) ou

velório, acidente, enfermidade de parentes da vítima (desgraça particular)”. (2008, p.

308)

Ainda podem ser citados como exemplo casos de enchente em que o agente

criminoso se aproveita da situação, pois em geral, nestes casos as autoridades

públicas estão envolvidas com os problemas da calamidade, tendo dificuldades

inclusive para policiamento.

Nos casos de desgraça particular da vítima, sua defesa está reduzida em

razão de estar preocupada e ocupada com outros problemas (acidente, doença de

parente), o que tira sua atenção e revela uma maior periculosidade do agente que se

beneficia do momento.

5.2.2.13 Inciso II, “l” - Em estado de embriaguez preordenada

O tema embriaguez e imputabilidade penal (culpabilidade) é tratado pelo

Código Penal em seu art. 28:

Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal: I – [...] II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. § 1º. É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. § 2º. A pena pode ser reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços), se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Na interpretação deste dispositivo surgiu a seguinte classificação para

embriaguez e suas conseqüências:

Embriaguez voluntária, que pode ser voluntária em sentido estrito e culposo:

Diz-se voluntária em sentido estrito a embriaguez quando o agente volitivamente, faz a ingestão de bebidas alcoólicas com a finalidade de se embriagar [...]”. “Culposa é aquela espécie de embriaguez, também dita voluntária, em que o agente não faz a ingestão de bebidas alcoólicas querendo embriagar-se, mas, deixando de observar o seu dever de cuidado, ingere quantidade suficiente que o coloca em estado de embriaguez [...]. (GRECO, 2006, p. 433)

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179

A conseqüência jurídica para estas duas modalidades de embriaguez

voluntária é que o autor do fato vai responder criminalmente, havendo dolo ou culpa,

mesmo que no momento do fato seja inteiramente incapaz de entender o caráter

ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com seu entendimento.

Apesar de apontar para uma característica de responsabilidade objetiva em

razão da possibilidade de não ter compreensão do fato pela embriaguez, a doutrina

construiu para estes casos a teoria da actio libera in causa.

Conforme Aníbal Bruno, a teoria da actio libera in causa “na sua significação

clássica, ato que foi praticado em estado de turbação psíquica pelo álcool, mas

deliberado em condições de consciência e vontade livres [...]”. Isso significa que o

momento da decisão de ingerir a bebida alcoólica é um ato de livre consciência e

vontade do agente, por isso se mantém sua culpabilidade. (1976, p. 110)

A embriaguez preordenada que é prevista como agravante do art. 61 do

Código Penal é caso de embriaguez voluntária em que “[...] o agente

deliberadamente se embriaga para, com mais coragem, determinação,

insensibilidade moral, praticar o crime idealizado anteriormente [...]”. (FERREIRA,

2004, p. 125)

Neste caso utiliza-se, sem dúvidas, a teoria da actio libera in causa e

encontra-se o dolo no momento em que deliberou ingerir a bebida alcoólica ou a

substância de efeitos análogos com livre consciência e vontade, permanecendo a

culpabilidade no caso de ser inteiramente incapaz ou mesmo de não possuir a plena

capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se conforme o

entendimento, mesmo que esteja em embriaguez completa em sono profundo, pois

ainda pode ocorrer uma conduta omissiva. Merecendo, assim, a punição.

Interessante na lição de Aníbal Bruno é a solução entre a teoria da actio

libera in causa e o respeito ao princípio da culpabilidade. Utilizou-se a autoria

mediata, sendo que o agente que delibera o crime “faz de si mesmo instrumento

dessa deliberação”, se coloca em estado de embriaguez e pratica o crime nesta

situação (1976, p. 110 e ss). Anibal Bruno toma a expressão de Sauer e diz que o

agente “é ao mesmo tempo um agente mediato imputável e um instrumento

inimputável” que deve responder pelo crime. (BRUNO apud SAUER, 1949, p. 77)

Nucci chama a atenção que a agravação na pena é merecida, pois além de

tomar coragem para a prática do crime (talvez em estado normal não cometeria), o

agente pode ter a pretensão de alegar a embriaguez para excluir sua imputabilidade,

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180 dificultando a punição, situação resolvida pela actio libera in causa. (2007, p. 240-

241)

Ainda há a embriaguez involuntária, que pode ser por caso fortuito ou força

maior, nestes casos pode ocorrer a exclusão da imputabilidade quando a

embriaguez for completa ou a diminuição da pena quando a embriaguez for

incompleta, (art. 28, II, §§ 1º e 2º).

Por fim, a embriaguez pode ser patológica e neste caso equipara-se a

doença mental para fins de imputabilidade.

5.2.3 Artigo 62 do código penal - agravantes no caso de concurso de pessoas

Quando várias pessoas participam de um mesmo crime há o chamado

concurso de pessoas ou agentes. Em regra os crimes podem ser cometidos por

apenas um agente, o homicídio, por exemplo, denominando-se como crimes

unissubjetivos. Neste caso, quando várias pessoas colaboram para o crime tem-se

um concurso eventual.

Mas há crimes em que a descrição típica exige a participação de duas ou

mais pessoas, como o crime de bando ou quadrilha, classificando-se como crimes

plurissubjetivos, e nestes casos o concurso é necessário.

Em relação ao concurso de agentes, o Código Penal com a reforma de 1984

em seu art. 29 adotou a teoria monista ou unitária, que tem em sua origem uma

ligação com a teoria da equivalência das condições, desta forma não faz diferença

entre autor e partícipe, já que todos que colaboram de qualquer forma para o fato

respondem pelo mesmo crime. Porém, o Código Penal reformado acabou

estabelecendo graus de participação entre os agentes, e, conforme Luiz Regis

Prado, houve um “verdadeiro reforço do princípio constitucional da individualização

da pena (na medida de sua culpabilidade)”. (PRADO, 2008, p. 444)

Prescreve o art. 29 do Código Penal:

Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominada, na medida de sua culpabilidade. § 1º. Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço). § 2º. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a ½ (metade), na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

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181

Percebe-se no dispositivo citado a conclusão de Luiz Regis Prado, pois

mesmo adotando a teoria unitária do concurso de pessoas, o Código Penal

reconhece que a participação de cada agente pode ser diferente. Estas diferenças

são representadas pela parte final do caput (na medida de sua culpabilidade), bem

como pelos dois parágrafos, nos casos de participação de menor importância e de

participação dolosamente distinta, o que demonstra uma maior ou menor gravidade

na conduta de cada agente que participou do mesmo fato. Por isso, reflete na

individualização da pena, justificando penas diferentes.

Já dizia Aníbal Bruno em sua obra de 1976 que:

Mas seria contrário à lógica e à justiça e à própria orientação do sistema penal recusar-se a reconhecer, em certos casos, a diferença que separa a responsabilidade de cada um, a maior intensidade da participação de determinado agente e as condições da sua culpabilidade mais grave no crime comum, com a conseqüência natural da exasperação da pena. (1976, p. 115)

Nucci faz uma crítica ao título legal do art. 62 do Código Penal que

denomina-se como “agravantes no caso de concurso de pessoas”. Lembra o autor

que entre os casos previstos está a autoria mediata por coação moral irresistível,

sendo que neste caso não há uma co-autoria ou participação, assim, não configura

um concurso de pessoas. Para Nucci, o título deveria ser “agravantes aplicáveis aos

crimes cometidos por mais de uma pessoa”. (2007, p. 241)

Apesar da crítica, os casos arrolados representam uma maior culpabilidade

de determinadas pessoas dentro de crimes com participação de duas ou mais

pessoas, configurando um autêntico concurso ou não.

5.2.3.1 Inciso I - Promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade

dos demais agentes

Esta agravante é relacionada ao chamado autor intelectual do crime, aquele

que comanda as ações. Para Mirabete “trata-se de punir mais severamente o

organizador, o chefe, o líder, o ‘cabeça pensante’ do delito, mais perigoso por ter

tomado iniciativa do fato e coordenado a atividade criminosa”. (2008, p. 313)

Assim, não basta um conselho ou convite para a ação criminosa, merece a

agravante o agente que tem uma ascendência sobre os demais e atua como

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182 comandante ou um dos comandantes. Diante disto, não é necessário que o agente

que promova, organize ou dirija as ações participe da execução material do crime. A

direção das atividades pode ser dividida por vários agentes, o que acontece

normalmente em organizações criminosas.

Justifica-se, também, a agravante pelo fato de que os meros executores que

atuam sob o comando do “chefe” talvez não cometessem o delito se não fosse este

comandante, talvez não tivessem coragem de praticar o fato sozinhos (como

executores), o que demonstra que o organizador ou o que tem o comando intelectual

é um incentivador de práticas criminosas.

Ressalta-se que o nome “autor intelectual” tem sentido na teoria do domínio

do fato sobre autoria, pois neste caso este agente pode não ser um dos executores,

somente ficando com a organização e o comando, mas como tem o domínio final do

fato, ou seja, tem nas mãos o acontecimento do fato, é considerado autor. Por outro

lado, na teoria restritiva em que autor é aquele que realiza a ação descrita no tipo, o

agente que organiza ou comanda, mas não executa o crime, seria apenas um

partícipe.

Jorge Vicente Silva apresenta em seus estudos importantes características

desta agravante: 1) promover significa impulsionar o crime, incitar, estimular a

participação dos outros; aquele que promove cria um ambiente para que os outros

participantes acreditem que valerá a pena e que haverá o sucesso do crime; 2)

organizar a cooperação significa estabelecer as bases do grupo, ordenando aos

demais as regras de atuação da empreitada criminosa, como cada um irá atuar e

como deverá ser a atuação; 3) atuar na direção da atividade dos demais agentes é o

ato de administrar a prática do crime, é questão hierárquica, é comandar os demais

participantes. (2004, p. 335-336)

É importante para configuração da agravante que haja um prévio ajuste

determinando a submissão da vontade de um agente ao comando de outro agente,

ou seja, que fique claro quem comanda a atividade criminosa. Com isso, é possível

perceber quem organizou, promoveu ou dirigiu as atividades dos outros participantes

do crime. (MIRABETE, 2008, p. 313)

Jorge Vicente Silva levanta a discussão sobre a aplicação da agravante com

a exasperação da pena no caso de crime de bando ou quadrilha (art. 288 do Código

Penal) ou em crimes com a mesma característica como é a associação criminosa

para tráfico (art. 35 da Lei 11.343/2006), pois estes crimes têm em suas descrições

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183 típicas o “associar-se” que requer certa organização, mesmo não exigindo uma

organização sofisticada. Desta forma, o concurso é necessário e é quase

indispensável a presença de um líder, o que faria a aplicação da agravante ser uma

dupla valoração em razão da circunstância fazer parte da configuração típica. (2004,

p 336)

O afastamento da agravante nestes casos não é pacífica, e, mesmo a

organização estando presente na descrição típica (mesmo que implícita), o fato é

que entre os participantes de uma quadrilha ou bando ou de uma associação para o

tráfico há aqueles que comandam e aqueles que são comandados, por isso, o que

resulta em culpabilidades diferentes com maior reprovabilidade dos comandantes,

justificando a manutenção da agravante.

5.2.3.2 Inciso II - Coage ou induz outrem à execução material do crime

A coação tem a idéia de constrangimento e pode ser física (vis absoluta) ou

moral (vis compulsiva), e ainda, resistível ou irresistível.

Na coação física o coator usa a força física para constranger o coato, neste

caso se a coação for irresistível o coator responde pelo crime com a agravante e

para o coato é considerado ausência de conduta, eliminando a possibilidade e crime.

Na coação resistível o coator continua respondendo com a agravante e o coato

responde pelo crime com a incidência da atenuante do art. 65, III, “c”.

A coação moral é a ameaça, também chamada de coação psicológica.

Sendo irresistível é causa de exclusão da culpabilidade para o coato (art. 22 do

Código Penal), pois sua vontade não pode ser determinada livremente, assim, o

coator responde pelo crime com a incidência da agravante, configura-se como

autoria mediata. Quando for resistível o coato responde pelo crime com a atenuante

do art. 65, III, “c”, e o coator por esta agravante. (BITENCOURT, 2008, p. 362)

Conforme Mirabete “[...] Induzir significa criar a idéia em outrem da prática

do crime, referindo-se a lei, portanto, ao idealizador do ilícito penal [...]”. (2008, p.

313)

Não configura a agravante a mera instigação (incentivar idéia já existente),

sendo apenas um concurso de pessoas.

Nesta circunstância, mesmo que o agente que induz possa ser um partícipe

do crime, o que denota um comportamento acessório, sua pena pode ser maior do

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184 que a do autor, aquele que é induzido, caso não concorra nenhuma outra

circunstância que exaspere a pena. (GRECO, 2006, p. 621)

Apesar do entendimento de que a coação, além de gerar a agravante,

configura o crime de constrangimento ilegal (art. 146 do Código Penal), assim, o

coator seria responsabilizado pelo crime praticado por meio da coação incidindo a

agravante em concurso com o crime de constrangimento ilegal, a melhor doutrina é

que esta aplicação conduz ao bis in idem. (MIRABETE, 2008, p. 314)

Neste sentido, Jorge Vicente Silva argumenta que: “Na eventualidade de a

instigação ou coação configurar delito autônomo (v.g. arts. 122 e 146 do CP), não

incidirá esta em agravante, face à conduta fazer parte integrante do tipo.” (2004, p.

336)

Como há os casos de coação resistível ou irresistível é possível, na

exasperação da pena pela agravante, estabelecer um grau de reprovação pela

pressão exercida na coação em relação à capacidade de resistência do coato,

assim, quanto maior a pressão na relação atuação do coator, resistência do coato,

maior será a exasperação da pena. O mesmo critério pode ser aplicado para o

induzimento. (SILVA, 2004, p. 337)

5.2.3.3 Inciso III - Instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua

autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal

Instigar é prestar um incentivo para alguém que já tenha a idéia de uma

realização, diferente do induzir que é criar a idéia. Conforme Nucci:

Instigar é fomentar ou acirrar idéia já existente, o que significa maior chance de se concretizar o delito. Se alguém está vacilando na perpetração da infração penal, contando com a incitação de outrem, especialmente quando este é mais preparado intelectualmente ou possui forte poder de influência, termina chegando ao resultado. (2007, p. 242)

Determinar é no sentido de poder de mando. Jorge Vicente Silva explica

que:

O ato de determinar cinge-se à conduta de prescrever, ordenar, estabelecer, decretar, fixar, firmar, assentar etc. Todas estas condutas estão relacionadas com o procedimento de mando. Portanto, cuida-se de uma ordem que, para o mandante, deve ser obedecida pelo ordenado. (2004, p. 337-338)

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185

A agravante se configura quando, por instigação ou determinação, alguém

comete um crime, sendo que este que comete o crime pode estar em duas

situações: na primeira está agindo sob a autoridade do instigador ou do mandante, e

na segunda não é punível em razão de condição ou qualidade pessoal.

Na primeira situação a autoridade de quem instiga ou determina “[...] pode

ser pública ou privada, tais como a relação hierárquica entre servidores públicos, a

familiar entre pais e filhos, a religiosa, etc. [...]”. O que importa para a agravante é o

poder de quem determina ou instiga de sujeitar a vontade de quem está sob sua

autoridade, este comportamento é determinante para o crime, por isso a

exasperação da pena.

No caso de determinação do crime numa relação hierárquica, ou seja, de

direito público, é possível a configuração da chamada obediência hierárquica do art.

22 do Código Penal, excluindo a culpabilidade do subordinado, ou, não havendo

exclusão pode ocorrer a atenuante do art. 65, III, “c” do Código Penal. (NUCCI,

2007, p. 243-244)

Em relação à segunda situação, quando quem sofre a instigação ou

determinação não é punível em razão de condição ou qualidade pessoal, existe uma

polêmica sobre qual é a interpretação para o termo não-punível.

Rogério Greco afirma que o termo não se confunde com “inculpável”, então

o fato é típico, antijurídico e culpável, e o problema está, por exemplo, nas

chamadas “escusas absolutórias, ou imunidades penais de caráter pessoal previstas

no art. 181 do Código Penal”, ou seja, o problema é no âmbito da punibilidade e não

de culpabilidade. (2006, p. 621-622)

Contudo, a doutrina tem entendido que o termo não-punível trata-se de

causas de isenção de pena, enquadrando tanto as imunidades penais, quanto as

causas de exclusão da culpabilidade, já que a conseqüência da exclusão é a

isenção da pena (arts. 21, 22, 26 do Código Penal). Parece a interpretação mais

razoável, caso contrário haveria a agravante no caso de alguém determinar ou

instigar uma pessoa a praticar um crime sob uma das escusas absolutórias do art.

181 do Código Penal, exemplo, praticar um furto contra o próprio pai, e não haveria

quando um imputável comanda a ação de um inimputável (autoria mediata), situação

pior em termos de gravidade do que a anterior.

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186 5.2.3.4 Inciso IV - Executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de

recompensa

É aquele que comete o crime buscando uma vantagem que pode ser

econômica ou de qualquer natureza, podendo receber antes de praticar o crime

(paga) ou primeiro pratica o crime na promessa de recompensa.

Guilherme de Souza Nucci (2007), Gilberto Ferreira (2004) e Jorge Vicente

Silva (2004), entendem desnecessário este inciso, pois a agravante é caso

específico de torpeza e no art. 61, II, “a”, conforme estudado, já tem a agravante

genérica por motivo torpe, não podendo incidir as duas agravantes ao mesmo tempo

pela proibição do bis in idem.

Ressalta-se que em crimes contra o patrimônio a obtenção de vantagem

econômica é da essência do crime, por isso não se aplica esta agravante genérica.

(MIRABETE, 2008, p. 314)

5.2.4 Artigo 65 do código penal - circunstâncias atenuantes

As circunstâncias atenuantes, que podem ser objetivas ou subjetivas, são

aplicadas na segunda fase do cálculo da pena (art. 68 do Código Penal) e

representam situações em que o agente merece ser tratado com menor reprimenda.

Aníbal Bruno diz que: “A pena atenua-se por ser menor a culpabilidade em que ela

se assenta [...]”. (1976, p. 134)

Dentre os sistemas penais, as circunstâncias atenuantes podem ser abertas

conferindo ao magistrado amplos poderes para determinação da pena e avaliação

das causas que atenuam esta pena; por outro lado, alguns sistemas adotam

circunstâncias específicas limitando o poder do juiz de avaliação das causas que

atenuam a pena, e em outros sistemas, apesar de circunstâncias específicas,

adotam uma fórmula genérica permitindo circunstâncias não previstas em lei.

(PRADO, 2008, p. 480)

Com a reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984, o sistema

brasileiro adotou circunstâncias específicas, descritas no art. 65 e chamadas de

circunstâncias nominadas, porém, criou uma fórmula genérica no art. 66

possibilitando circunstâncias inominadas. Com isso, conclui-se que o rol de

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187 atenuantes no Código Penal não é taxativo, pois outras circunstâncias, além das

específicas, podem ser utilizadas pelo juiz.

Importante destacar que a redução da pena é obrigatória quando existir uma

das circunstâncias previstas. (MIRABETE, 2008, p. 314)

A polêmica sobre a possibilidade da pena ser reduzida abaixo do mínimo

legal para cada crime já foi analisada anteriormente, assim, passa-se à análise das

circunstâncias:

5.2.4.1 Inciso I – Ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior

de 70 (setenta) anos, na data da sentença

Esta circunstância é subjetiva, levando em conta critérios cronológicos que

afetam a imputabilidade e a capacidade de suportar os efeitos da prisão pelo agente,

com isso, uma menor censurabilidade.

Na lição de Mirabete:

As razões que levam à diminuição da pena são a imaturidade do agente, que não completou ainda seu desenvolvimento mental e moral, sendo fortemente influenciável em decorrência do menor uso de reflexão (quanto aos menores), e a decadência ou degenerescência provocada pela senilidade, em que o raciocínio é mais lento, a memória mais fraca, o índice de sugestionabilidade e desconfiança maior, sendo menor a periculosidade (quanto ao ancião). Em ambos os casos, também não estão em condições iguais às do delinqüente adulto para suportarem o rigor da condenação. (2008, p. 314-315)

A primeira circunstância é o agente ser menor de 21 anos na data do fato. A

súmula 74 do Superior Tribunal de Justiça firmou o posicionamento de que: “Para

efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento

hábil”. Neste sentido deveria estar presente nos autos certidão de nascimento ou

outro documento que comprove a idade do agente, mas, apesar da súmula, há

decisões de que se a alegação da menoridade não for contestada aplica-se a

atenuante. (MIRABETE, 2008, p. 315)

Caso ocorra dúvida quanto a idade do agente, e, para a solução houver

necessidade de uma decisão sobre o estado de pessoa, o que foge de uma simples

constatação, a questão deverá ser dirimida pelo juízo cível.

Esta atenuante para o menor de 21 anos foi criada na época em que o

Código Civil considerava plenamente capaz o maior de 21 anos, e, com a alteração

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188 da lei civil e a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei 10.406/2002) que fixou a

plenitude da capacidade civil para os maiores de 18 anos, surgiu a discussão sobre

a revogação deste dispositivo para esta atenuante.

Jorge Vicente Silva posicionou-se pela derrogação da atenuante para o

menor de 21 anos, entendendo que houve nova conceituação de incapacidade

relativa conforme art. 4º, I do Novo Código Civil, que fixou entre 16 e 18 anos, e não

mais entre 16 e 21 como era o código anterior, por isso não se aplica mais a

atenuante. (2004, p. 304)

Para fins de individualização da pena, parece melhor o entendimento

exposto por Mirabete (2008), Nucci (2007) e Prado (2008), afirmando a aplicação da

atenuante apesar da alteração da incapacidade relativa pelo Novo Código Civil, sob

os seguintes argumentos: 1) o critério utilizado pelo legislador penal no art. 65, I é

cronológico, 21 anos, não se fundando na incapacidade civil, lembrando Mirabete,

que mesmo antes da alteração da lei civil abaixando para 18 anos a idade da plena

capacidade, os menores de 21 não eram prejudicados na aplicação da atenuante

em razão de casamento ou outra forma de emancipação (2008, p. 315); 2) o Código

Penal não utilizou a palavra “menor” deixando em aberto a idade, o que poderia ser

interpretado conforme o Código Civil e suas alterações; 3) por razões de política

criminal, aplicando a norma penal que é mais benéfica. (PRADO, 2008, p. 481)

Afirma-se, conforme explicado acima, que o casamento ou a emancipação

do agente não excluem a aplicação da atenuante.

Outra polêmica é sobre a preponderância da atenuante do menor de 21

anos. Mirabete reconhece que na jurisprudência predomina que esta atenuante é

preponderante sobre as demais, inclusive sobre antecedentes, em razão de um

critério biopsíquico; porém o autor discorda desta preponderância, sob o argumento

de que o art. 67 do Código Penal não inclui expressamente a menoridade como

circunstância preponderante, reforçada esta tese, pela redução da maioridade civil

para os 18 anos. (MIRABETE, 2008, p. 315)

Com o mesmo entendimento Guilherme de Souza Nucci alega “[...] que o

fator idade não se liga nem a personalidade do agente, nem aos motivos do crime,

elementos que a tornariam preponderante, nos termos do art. 67 do Código Penal”.

(2007, p. 245)

Apesar do entendimento dos nobres Autores citados, a jurisprudência

predominante está com a razão, pelos seguintes motivos:

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189

O art. 67 do Código Penal prescreve que no confronto entre atenuantes e

agravantes deve prevalecer as circunstâncias preponderantes, indicando como

preponderantes os motivos determinantes do crime, a personalidade do agente e a

reincidência.

Quando se avalia a culpabilidade do agente (que é critério de

reprovabilidade e de medida de pena) um dos elementos é a imputabilidade que

conforme o Código Penal em seu art. 26 é “a capacidade de entender o caráter ilícito

do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Para os casos de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou

retardado, o Código Penal usou o critério biopsicológico para aferir a imputabilidade

ou inimputabilidade, assim, o inimputável é aquele que não possui a plena

capacidade por fator biológico (doença ou desenvolvimento mental incompleto ou

retardado) e que este fator biológico afete o psicológico do agente no tempo da ação

ou omissão.

Mas no caso da menoridade, tanto o Código Penal (art. 27) quanto a

Constituição Federal (art. 228) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 104)

adotaram o critério biológico para a inimputabilidade pela idade, fixando por

presunção a idade de 18 anos, reconhecendo que o ser humano neste período está

em desenvolvimento, em formação da própria personalidade, o que significa que a

questão cronológica tem relação com a personalidade do agente, lembrando que

alguns amadurecem mais cedo outros mais tarde, e por isso, como critério de

individualização a atenuante para agente menor de 21 anos atende esta diferença,

apesar de imputáveis nem sempre têm uma formação psicológica adequada.

Desta forma, a atenuante se vincula à personalidade do agente e conforme o

art. 67 do Código Penal deve ser considerada preponderante.

A outra circunstância é ser o agente maior de 70 anos na data da sentença,

note-se que a atenuante da menoridade verifica a idade na data do fato, e esta

atenuante verifica a idade na data da sentença.

A atenuante se justifica não como critério de análise da imputabilidade do

agente no momento do crime, pois sua verificação é na data da sentença, mas sim

como uma forma de amenizar os efeitos da sentença condenatória em razão de

idade avançada do agente, podendo ser pelo motivo de que nesta faixa etária a

expectativa de prolongamento da vida é pequena, e assim, a pena poderia significar

a morte, bem como por condições físicas e psíquicas que a senilidade reduz de uma

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190 forma contundente, o que afeta tanto a imputabilidade quanto a resistência para

suportar a prisão.

Conforme Aníbal Bruno: ”A velhice é um processo de degeneração que se

instala da maneira progressiva e irreversível em todos os setores do organismo,

debilitando-lhes as funções, e que alcança também, necessariamente, o psiquismo”.

Ressalta-se que na época o Código Penal (antes da reforma de 1984) não remetia a

análise da idade na data da sentença, sendo um critério de imputabilidade na data

do fato. (1976, p. 135)

O advento do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) gerou outra polêmica, pois

em seu art. 1º estabeleceu que é idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60

anos. A discussão é em torno da derrogação ou não da causa atenuante para

diminuir a idade de 70 para 60 anos.

Luiz Regis Prado se posicionou no sentido de que houve alteração

fundamentando na prevalência da lei penal mais benéfica, ou seja, numa

interpretação mais benéfica da lei penal:

Para os efeitos dessa atenuante o marco etário de 70 (setenta) anos, conforme a Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) passa a ser de 60 (sessenta) anos, numa interpretação constitucional mais benéfica assegurada pelo artigo 5º, XL, da Constituição Federal. (2008, p. 481)

Em sentido contrário, Nucci entende que a atenuante continua sendo

aplicada somente para o agente maior de 70 anos, pois a lei penal não utiliza a

palavra “idoso” ou “velho”, se usasse deveria acompanhar o critério da legislação

que trata destas pessoas, a lei penal quis alcançar expressamente o maior de 70

anos, em razão do declínio físico e psíquico acentuado a partir desta idade. (2007, p.

245)

Ainda, como fundamento para sustentar que o Estatuto do Idoso não alterou

a lei penal com relação a esta atenuante (70 anos), é o fato de que no art. 110 da

Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) houve a previsão das alterações que esta lei

promovia no Código Penal, como por exemplo, na agravante do art. 61, II, “h”, e

neste artigo não há qualquer alteração para o art. 65, I do Código Penal, assim, o

que o legislador pretendia alterar foi alterado expressamente.

Além disso, caso o juiz se depare com uma situação em que o agente na

data da sentença tenha 60 anos ou mais, mas ainda, menos de 70 anos, e que esta

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191 pessoa esteja com suas condições físicas e psíquicas debilitadas pelo processo da

velhice, apesar de não enquadrar nesta atenuante por causa da idade, é possível

aplicar a atenuante genérica do art. 66 do Código Penal.

Quanto à interpretação do momento em que pode ser reconhecida a

atenuante para maiores de 70 anos, Guilherme de Souza Nucci entende que “na

data da sentença” quer dizer na decisão de 1º grau, com isso, “[...] Se o magistrado

não pôde aplicar a atenuante na ocasião da sentença porque o réu possuía, por

exemplo, 69 anos, é ilógico que no julgamento de eventual recurso o tribunal possa

fazê-lo: afinal, o juiz não se equivocou na fixação da pena”. Por outro lado, para o

mesmo autor, se o caso é levado ao tribunal em hipótese de absolvição em 1º grau,

pode ser aplicada a atenuante, pois o acórdão é considerado como “sentença” por

ser a primeira condenação. (NUCCI, 2007, p. 246)

A melhor forma de interpretar a palavra “sentença” deste dispositivo que

descreve a atenuante é entendê-la como qualquer decisão, pois enquanto houver

possibilidade de recurso a pena ainda não é certa e pode ser alterada. Somente

após a decisão definitiva a pena poderá ser executada, e o fundamento da

atenuante para o maior de 70 anos é preservar, por sua condição de senilidade, sua

dignidade na execução da pena com um tempo menor, assim, se ocorrer o

prolongamento do processo no tempo e o agente completar 70 anos, o mais

adequado é em qualquer decisão aplicar a atenuante, ficando conforme o princípio

constitucional da presunção da inocência. Por isso, a atenuante pode ser aplicada

inclusive em reexame feito pelo tribunal.

Destaca-se que no sistema do Código Penal, além desta atenuante, há

outros benefícios para pessoas enquadradas nas faixas etárias deste dispositivo. No

art. 115 do Código Penal é previsto redução da prescrição pela metade, nas

mesmas circunstâncias, ao menor de 21 anos ao tempo do crime, e maior de 70 na

data da sentença. No art. 77, § 2º o tempo da pena é aumentado de 2 para 4 anos

para fins do benefício do sursis da pena.

5.2.4.2 Inciso II – O desconhecimento da lei

No direito brasileiro existe a presunção de que todos conhecem a lei,

expresso pelo art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil: “Ninguém se escusa de

cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

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192

O Código Penal, na mesma linha, prescreveu em seu art. 21 que: “O

desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável,

isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço)”.

O art. 21 do Código Penal regulamenta duas situações diferentes: o

desconhecimento da lei e o erro sobre a ilicitude da lei.

A primeira situação é a ignorância da lei, ou seja, ignorância da norma legal,

da forma do direito. A segunda é a ignorância da antijuridicidade de um fato que se

pratica.

Alcides Munhoz Netto citado por Cezar Roberto Bitencourt afirma que:

A diferença reside em que a ignorância da lei é o desconhecimento dos dispositivos legislados, ao passo que a ignorância da antijuridicidade é o desconhecimento de que a ação é contrária ao Direito. Por ignorar a lei, pode o autor desconhecer a classificação jurídica, a quantidade da pena, ou as condições de sua aplicabilidade, possuindo, contudo, representação da ilicitude do comportamento. Por ignorar a antijuridicidade, falta-lhe tal representação. As situações são, destarte, distintas, como distinto é o conhecimento da lei e o conhecimento do injusto. (2008, p. 375)

A ignorância da lei gera a atenuante em estudo, a ignorância (erro) da

antijuridicidade ou ilicitude do fato recai no chamado erro de proibição podendo

eliminar a culpabilidade do agente.

A tarefa do juiz em relação a esta circunstância é ter primeiro, na

fundamentação da sentença, avaliado se é caso de eliminação da culpabilidade pelo

erro de proibição. O erro de proibição é causa excludente de um dos elementos da

culpabilidade, o potencial conhecimento da ilicitude.

Potencial conhecimento da ilicitude conforme Luiz Regis Prado:

É o elemento intelectual da reprovabilidade, sendo a consciência ou o conhecimento atual ou possível da ilicitude da conduta. Trata-se, então, da possibilidade de o agente poder conhecer o caráter ilícito de sua ação – consciência potencial (não real) da ilicitude. (2008, p. 379)

Percebe-se que não se exige para a presença de culpabilidade que o agente

tenha o conhecimento da lei, ou que tenha um conhecimento atual (no momento da

ação, com clareza) da ilicitude sobre o fato que realiza, basta a possibilidade de

alcançar este conhecimento conforme as condições para aquele fato.

Destaca-se, que apesar da presunção de que todos conhecem a lei, o

efetivo conhecimento fica por conta, em geral, para profissionais da área jurídica,

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193 contudo o convívio social revela às pessoas os comportamentos que são proibidos e

os que são permitidos, é o chamado conhecimento “profano”, e este conhecimento

tem a ver com a carga cultural de cada um, seu nível de informação, sua condição

social.

Desta forma, o que se exige para a culpabilidade não é um conhecimento

técnico da lei, mas sim este conhecimento do convívio social. Por exemplo, as

pessoas não precisam ter lido o Código Penal ou saber da existência desta lei, para

terem o conhecimento que o comportamento do homicídio é proibido, ou que o furto

é proibido, pois a vinculação com o proibido destes comportamentos é do próprio

convívio social.

O erro de proibição é analisado neste nível da culpabilidade, caso o agente

não tenha condições da alcançar a compreensão da ilicitude do ato que realiza,

apesar de ter consciência do que realiza, ele estará em erro de proibição.

Quando o erro for inevitável, ou seja, além de não ter a consciência da

ilicitude do fato que praticou o agente, nas circunstâncias em que a conduta foi

realizada, não tinha a possibilidade de alcançar a compreensão da ilicitude, mesmo

com esforço, não há culpabilidade. (GOMES, 1999, p. 135)

Já no caso de erro de proibição evitável, a culpabilidade é mantida, mas a

reprovação não é completa, pois apesar de não ter a consciência da ilicitude do fato,

nas condições em que os fatos aconteceram, com certo esforço o agente poderia

alcançar esta consciência. Assim, conforme art. 21 do Código Penal, a pena tem

redução de 1/6 a 1/3. (GOMES, 1999, p. 135)

O erro de proibição ainda pode ser direto, “[...] quando recai sobre o

conhecimento da norma proibitiva [...]”, ou indireto, “[...] quando recai sobre a

permissão da conduta, podendo consistir na falsa suposição de existência de um

preceito permissivo não reconhecido pela lei [...], ou em admitir falsamente uma

situação de justificação que não existe [...]” (ZAFFARONI, 2006, p. 548). É possível

encontrar na doutrina o erro de proibição mandamental considerado aquele que “[...]

recai sobre uma norma mandamental, sobre uma norma impositiva, sobre uma

norma que manda fazer, o que está implícita, evidentemente, nos tipos omissivos

[...]”, podendo ser omissivo próprio ou impróprio. (BITENCOURT, 2008, p. 395)

Não sendo os casos de erro de proibição, pois o inevitável elimina a

culpabilidade, e o evitável é aplicado na terceira fase do cálculo da pena por ser

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194 causa de diminuição da pena, então, o juiz deve analisar a atenuante de

desconhecimento da lei.

Justifica-se a atenuante em razão da amplitude legislativa e da intensa

atividade legislativa de nosso Estado, o que dificulta o conhecimento das leis, e além

disto, conforme Nucci, “[...] é razoável supor que há normas em desuso ou de rara

utilização, motivo pelo qual tornam mais distantes no dia-a-dia. [...]”. O que acaba

atingindo, em um nível menor do que o erro de proibição, a culpabilidade na relação

dever jurídico de obedecer às normas em razão de seu conhecimento. (2007, p.

247)

O critério para avaliar esta atenuante é residual (por causa do erro de

proibição) e o juiz deve levar em consideração a lei desconhecida, seu nível de

repercussão social, bem como as condições pessoais do agente, para chegar a

conclusão de que não conhecia a lei. Vale lembrar, que a presunção de que todos

conhecem a lei não é a realidade social, apesar de ser publicada no Diário Oficial e

ser exigida a todos.

Por fim, Mirabete remete ao art. 8º da Lei das Contravenções Penais que

diz: “No caso de ignorância ou errada compreensão da lei, quando escusáveis, a

pena pode deixar de ser aplicada”. Caso de perdão judicial. (2008, p. 316)

5.2.4.3 Inciso III – Ter o agente

5.2.4.3.1 Alínea “a” - Cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral

Na conceituação de relevante valor Guilherme de Souza Nucci explica que

“[...] é um valor importante para a vida em sociedade, tais como patriotismo,

lealdade, fidelidade, inviolabilidade de intimidade e de domicílio, entre outros [...]”.

Demonstrando a atenuante que, apesar do crime não ser justificado, sua motivação

vincula-se com valores importantes para a sociedade. (2007, p. 247)

O que não é unânime na doutrina é a conceituação de valor social e valor

moral, bem como a diferença entre eles.

Luiz Regis Prado não estabelece diferença entre valor moral e valor social

dizendo que os dois são motivos aprovados pela moral prática, citando, como

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195 exemplo, a eutanásia pelo irremediável sofrimento da vítima e a indignação contra

um traidor da pátria. (2008, p. 481)

Gilberto Ferreira entende que valor social diz respeito aos maiores

interesses da comunidade, do Estado, da pátria, e cita o seguinte exemplo:

Uma pessoa que danifica os diques de uma represa de uma indústria altamente poluidora com o objetivo de proteger a comunidade, age por motivo de relevante valor social e a sua conduta, embora injustificada do ponto de vista jurídico, faz-se merecedora da atenuante em epígrafe. (2004, p. 133)

Para o autor “[...] valor moral é aquele que se coaduna com os valores

morais e éticos constantes da consciência comum [...]”. Cita como exemplo o agente

que agride uma prostituta que se comporta inconvenientemente em público.

(FERREIRA, 2004, p. 133)

Nucci (2007), Mirabete (2008), Greco (2006), Damásio (2005), entendem

que valor social se refere a interesses de ordem social, coletivos, como, por

exemplo, invadir o domicílio do traidor da pátria. Valor moral leva em consideração

interesse de ordem individual, pessoal do agente. Exemplo, realizar a eutanásia para

quem se encontra desenganado ou seqüestrar o estuprador de sua filha.

Não importando a linha conceitual que o juiz adotar, o que deve ser avaliado

para a atenuante é a relevância do valor do interesse envolvido seja social ou moral,

refletindo em uma menor reprovabilidade da conduta do agente.

Importante se atentar, conforme Nucci (2007) e Mirabete (2008), que esta

atenuante é de um grau menor do que as circunstâncias previstas. Por exemplo, nos

arts. 121, §1º e 129, § 4º, pois nestas situações o legislador utilizou-se da palavra

“impelido” pelo motivo de relevante valor social ou moral, ou seja, tem a idéia de um

motivo de relevante valor muito forte, que causasse um domínio sobre o agente,

significando um grau maior de diminuição na reprovabilidade.

Assim, nestas situações não se aplica a atenuante, pois há descrição

específica em tipos derivados, sendo em geral causas de diminuição (terceira fase).

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196 5.2.4.3.2 Alínea “b” - Procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo

após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do

julgamento, reparado o dano

Duas circunstâncias estão presentes neste dispositivo: 1) procurado, por sua

vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as

conseqüências; 2) reparar o dano antes do julgamento.

São circunstâncias que fazem referência ao arrependimento ativo do agente,

ativo no sentido de realizar algo para evitar ou minorar as conseqüências ou reparar

o dano. Conforme Aníbal Bruno:

É o sentimento de humanidade ou de justiça que se manifesta no gesto pelo qual, por assim dizer, o agente renega do seu crime e procura restaurar a normalidade das coisas em benefício da vítima, que faz diminuir a reprovabilidade da ação punível, sob o ponto de vista subjetivo, e justifica a atenuação da pena. A piedade que demonstrou o agente e um certo grau de consciência do dever e decisão de cumpri-lo, em oposição à aversão ao Direito, justificam a atitude do legislador em reduzir-lhe a punição. (1976, p. 140)

Vários aspectos que influenciam na medida da reprovabilidade fundamentam

a atenuante por arrependimento: primeiro, é o menor grau de reprovação ao agente

pelo seu arrependimento; segundo, por questões de política criminal, podendo ser

relacionado “[...] exigências de prevenção especial, favorecimento da administração

da justiça e proteção à vítima do delito [...]”. (PRADO, 2008, P. 482)

Ressalta-se a importância deste dispositivo não só pelo benefício ao réu

pelo seu arrependimento, mas também por ser uma norma que privilegia a vítima na

pretensão de proteger seus interesses, inclusive com a possibilidade de uma

reconciliação para fins de pacificação social. Neste sentido, Guilherme de Souza

Nucci (2007, p. 249).

Na questão sobre exigências de prevenção especial citada por Luiz Regis

Prado, acima referida, se a pena tem em uma de suas concepções a função de

atuar sobre o condenado para fins de integração social, reeducação, bem como se

redimir do ato criminoso, nada melhor do que ele próprio promover esta reeducação,

por meio de uma auto-censura ou auto-crítica – termos usados por Nucci –

merecendo, com isso, uma menor reprovação. (2007, p. 250)

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197

Na prática, antes de aplicar o arrependimento como atenuante, o juiz deve

avaliar a possibilidade de ter configurado outras circunstâncias legais fundadas no

arrependimento: o arrependimento eficaz e o arrependimento posterior.

O arrependimento eficaz (art. 15, 2ª parte do Código Penal) é um

comportamento do agente que ocorre antes da consumação do crime, evitando, com

eficácia, a consumação do crime, é relacionado com a tentativa perfeita, e tem

natureza jurídica de ausência do tipo, ou exclusão da tipicidade. (ZAFFARONI,

2006)

O arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal) é uma conduta do

agente depois da realização do crime, configurando uma causa de diminuição de

pena (terceira fase do cálculo da pena). Sua diferença com a atenuante em análise é

em relação aos limites estabelecidos pelo legislador para concessão deste benefício

que resulta em uma maior redução da pena. Seus limites são: 1) somente para

crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa; 2) reparação integral do dano ou

restituição da coisa; 3) como limite temporal, até o recebimento da denúncia ou

queixa; 4) voluntariedade, não exigindo espontaneidade. (ZAFFARONI, 2006)

Cite-se, ainda, que em alguns casos a reparação serve como extinção da

punibilidade: art. 312, § 3º, 1ª parte – peculato culposo; art. 168-A, § 2º - apropriação

indébita previdenciária; art. 143 – retratação dos crimes contra a honra. (todos

artigos do Código Penal)

Também, algumas leis têm previsão de formas específicas de

arrependimento ou reparação, exemplos: Lei 9.613/98 art. 1º § 5º , Lei 9.249/95 art.

34.

Não sendo os casos citados acima ou outros específicos previstos em lei,

abre a possibilidade para aplicar o arrependimento como atenuante.

Na primeira hipótese o agente procura, por sua espontânea vontade e com

eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências.

A configuração da atenuante exige a espontaneidade do agente. Na lição de

Aníbal Bruno a atividade do agente deve ser deliberada à atenuação ou extinção do

dano, deve haver empenho por parte do agente e não uma simples simulação com o

objetivo de conseguir redução da pena. (1976, p. 140)

Nucci entende que a ação deve ser realizada pelo próprio agente,

possibilitando a verificação da espontaneidade. O que importa é constatar que o

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198 agente buscou diminuir as conseqüências do crime, inclusive procurando a vítima.

(2007, p. 250)

A lei requer uma espontânea vontade e não uma mera voluntariedade, não

adianta somente consentir que alguém realize o ato pelo agente.

Outra característica é “procurar com eficiência” evitar ou diminuir as

conseqüências. Eficiência não significa evitar o crime, pois, assim, seria

arrependimento eficaz, o que importa é o esforço realizado pelo agente, procurando

evitar ou diminuir as conseqüências do crime, conseqüências no sentido de efeitos e

não do resultado do crime (PRADO, 2008, p. 481). Significa uma atitude capaz de

evitar conseqüências maiores ou minorar estas conseqüências, Mirabete cita o

exemplo do agente que depois de realizar lesões corporais na vítima a leva para o

hospital (2008, p. 316).

Sobre o requisito temporal “logo após o crime”, para Aníbal Bruno o juiz deve

avaliar cada caso, mas vincula-se a idéia de eficiência para evitar ou abrandar os

efeitos do crime. Quanto mais rápido o agente atua, maior a possibilidade de evitar

ou diminuir as conseqüências (efeitos). (1976, p. 140)

A outra hipótese é a reparação do dano antes do julgamento. Não se

confunde com a causa de diminuição do art. 16 do Código Penal, pois o

arrependimento posterior só se aplica para crimes sem violência ou grave ameaça à

pessoa, e o tempo da reparação é até o recebimento da denúncia ou queixa. A

atenuante cabe para qualquer crime e o limite é antes do julgamento.

Reparar o dano é o ressarcimento, a indenização. O legislador não prevê a

reparação parcial, assim, em primeira interpretação, a reparação deve ser total.

Contudo, é razoável entender, da mesma forma que parte da jurisprudência e da

doutrina vem tratando a reparação no arrependimento posterior, que se a vítima ficar

satisfeita com a reparação parcial é melhor aplicar a atenuante. Até porque, em

último caso, pode ser aplicada a atenuante genérica do art. 66 do Código Penal.

(JESUS, 2005, p. 348)

Em relação ao requisito temporal “antes do julgamento”, o melhor

entendimento é o exposto por Damásio afirmando que a reparação deve acontecer

antes do julgamento de primeira instância, ou seja, antes do juiz de 1º grau proferir a

sentença, pois somente assim demonstra a espontaneidade para o arrependimento,

que é a lógica desta atenuante. (2005, p. 577)

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199

Não há impedimento para aplicação da atenuante a qualidade do sujeito

passivo, podendo ser pessoa física ou jurídica, bem como não há impedimento para

configuração em crimes tentados, pois estes também podem gerar conseqüências e

danos.

5.2.4.3.3 Alínea “c” - Cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em

cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta

emoção, provocada por ato injusto da vítima

As circunstâncias caracterizadas neste dispositivo como atenuantes são de

caráter residual, ou seja, existem outras circunstâncias parecidas que representam

uma maior redução na reprovabilidade do agente, com isso, mecanismos de maior

redução da pena. São três as hipóteses neste inciso: (NUCCI, 2007, p. 252)

1) Coação resistível – sobre coação remeto o leitor aos comentários ao

inciso II do art. 62 realizados neste trabalho. Mas para reflexão desta atenuante é

importante o seguinte: a) se a coação é física irresistível o caso é de exclusão da

conduta; b) se a coação é moral irresistível, a culpabilidade fica eliminada (art. 22 do

Código Penal); c) sendo a coação, física ou moral, resistível aplica-se esta

atenuante.

Importante a lição de Aníbal Bruno sobre o tema:

Mas, quando se trata de coação a que o coagido pode resistir, há sempre no resultado uma manifestação da sua vontade, embora tolhida e deformada pela compulsão que sobre ele se exerce, e porque ele podia e devia resistir a essa pressão que o impele ao crime e com aquela parcela de vontade o realiza, há culpabilidade sua no fato praticado. Pune-se o agente, mas toma-se em consideração esse querer e, em conseqüência, essa culpabilidade diminuída para atenuar-lhe a punição. (1976, p. 141)

Em um grau maior de coação, ou elimina a conduta (física) ou elimina a

culpabilidade (moral); numa coação menos intensa atenua a pena do agente.

Ressalta Jorge Vicente Silva que o juiz deve analisar a efetividade da coação

realizada conforme os meios empregados pelo coator, bem como as características

do coagido, sendo elencadas pelo autor “[...] medos, complexos, crença etc.[...]”,

podendo a circunstância depender de cada pessoa avaliada. (2004, p. 309)

2) Cumprimento de ordem de autoridade superior – esta circunstância

atenuante refere-se ao dever de obediência, de subordinação, numa relação

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200 hierárquica, portanto de direito público, em que o subordinado realiza um fato

criminoso sob a ordem de seu superior, questiona-se, com isto, o nível de

reprovabilidade do subordinado que executa a ordem.

Sobre cumprimento de ordem, se o agente estiver em estrito cumprimento

do dever legal (art. 23, III do Código Penal) é causa de exclusão da ilicitude, o que

significa o agente estar cumprindo um dever legal dentro dos limites

(proporcionalidade) de sua execução. Caso a ordem, apesar de ilegal, não for

manifestamente ilegal, ou seja, transparecer legal, o agente que obedece seu

superior hierárquico tem sua culpabilidade excluída (art. 22 do Código Penal).

(NUCCI, 2007, p. 252)

Assim, residualmente, se o agente realiza uma ordem manifestamente ilegal,

mas em razão de seu dever de obediência, o que gera no próprio agente uma

pressão pela imposição do superior, sua reprovabilidade é diminuída, merecendo a

atenuante.

3) Atuação sob influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da

vítima – esta atenuante possui dois elementos que devem estar presentes, um

subjetivo e outro objetivo: a violenta emoção, que é o elemento subjetivo, refere-se

ao agente; a provocação por ato injusto da vítima, elemento objetivo, que é

comportamento do ofendido. (NUCCI, 2007, p. 253)

Sobre o elemento subjetivo, apesar da emoção causar um desequilíbrio no

psicológico do agente, em regra geral a emoção e a paixão não são excludentes da

culpabilidade, conforme prescreve o art. 28 do Código Penal: “Não excluem a

imputabilidade penal: I – a emoção ou a paixão; [...]”. Significa que o agente continua

culpável e merecedor de pena.

Mesmo sendo o agente culpável, o sistema do Código Penal reconhece que

a reprovabilidade sofre uma atenuação, prevendo casos de redução da pena.

Conforme Aníbal Bruno:

Na posição adotada pelo nosso Código em face do problema passional, emoção ou paixão não diminuem a culpabilidade. Mas não poderiam escapar totalmente à consideração do Direito punitivo os efeitos perturbadores dos emotivos sobre as condições normais do entender e do querer do agente, que fazem naturalmente baixar o grau da sua culpabilidade, com justo reflexo sobre a intensidade da pena.

Ainda,

Emoção ou paixão podem alterar profundamente o conhecimento dos fatos e das circunstâncias que os envolvem sobretudo sob o aspecto emocional,

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201

e, por outro lado, o impulso emotivo pode desregrar inteiramente o processo de elaboração da vontade, tornando-se o motivo único ou preponderante da deliberação. (1976, p. 141)

Aspecto importante para configuração desta atenuante é a violenta emoção,

ou seja, aquela que ultrapassa um pequeno dissabor psicológico. Na lição de Aníbal

Bruno é aquela “[...] em condições de afetar profundamente o psiquismo do agente,

transformando-lhe o processo normal de entendimento e vontade e explicando,

assim, o arrebatamento do crime”.

Para esta atenuante basta a influência da violenta emoção, neste caso o

agente atuará quando poderia ter evitado, “mas a violenta emoção o impulsionou a

praticá-lo[...]”. (GRECO, 2006, p. 626)

Caso o agente seja dominado pela violenta emoção, a circunstância pode

configurar causa de diminuição de pena (terceira fase), como, por exemplo, no art.

121 § 1º e no art. 129 § 4º, ambos do Código Penal. A diferença para a atenuante

em estudo é que o domínio significa “[...] perder completamente o controle da

situação [...]” (GRECO, 2006, p. 626). Para Nucci, a influência é “[...] um estágio

mais ameno, mais brando, capaz de conduzir à perturbação do ânimo [...]”. (2007, p.

253)

Em relação ao elemento objetivo, o ato injusto da vítima, Aníbal Bruno

chama a atenção que é requisito mais importante do que a própria violenta emoção

(1976, p. 142). A justificativa para esta consideração é que a violenta emoção do

agente do crime é causada pelo ato injusto da vítima, por isso sua relevância.

Lembra Nucci que deve haver um nexo de causalidade entre a violenta emoção e o

ato praticado pelo ofendido. (2007, p. 253)

Aníbal Bruno explica que é um “ato injusto, não necessariamente punível,

nem mesmo verdadeiramente antijurídico [...]”. (1976, p. 142)

Na verdade a questão da injustiça do ato não é vinculada com a idéia de

crime, ou seja, o ato injusto da vítima não precisa ser um crime, nem mesmo precisa

ser um ato ilícito. Como a agravante depende da união entre os dois elementos,

subjetivo e objetivo, o injusto deve ser analisado pelo prisma de quem sofre o ato, o

agente, que provocado pelo ato acaba entrando em violenta emoção e é

impulsionado para o crime. Pode ser qualquer ato da vítima que, dentro de um

consenso social, não é considerado bom ou é considerado provocador. Até mesmo

porque, se o ato configurar uma agressão injusta a situação é de legítima defesa.

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202

O ato pode ser praticado contra o agente ou contra terceiro, desde que

cause a violenta emoção no agente.

5.2.4.3.4 Alínea “d” - Confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria

do crime

Conforme Edilson Mougenot Bonfim confissão “é o reconhecimento, pelo

indiciado ou acusado, da imputação que lhe é feita” (2009, p. 346). Como

característica da confissão, o autor esclarece que:

Para que seja reconhecida como confissão, a afirmação do acusado deverá ser, no plano formal: a) espontânea ou voluntária; b) expressa e c) pessoal. Alguns autores incluem no rol de requisitos para sua admissibilidade, ainda, elementos de caráter material: a) a verossimilhança da confissão; b) a clareza e a existência de coerência entre os motivos, as causas e os fatos confessados; c) a persistência, ou seja, que ao longo do processo seja mantido o teor da confissão; d) a coincidência entre o conteúdo da confissão e os demais elementos de prova existentes nos autos.

Guilherme de Souza Nucci explica que:

Confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade competente, em ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum fato criminoso. (2007, p. 253-254)

Antes da reforma do Código Penal em 1984 a atenuante era limitada para

autoria ignorada ou imputada a outrem, com isso, se o agente já sofria a imputação

do crime, sua confissão não valia como atenuante. No Código atual não existe mais

esta limitação, mesmo que o agente esteja indiciado em um inquérito ou processo,

enfim, que se conheça a autoria do fato, inclusive podendo recair sobre o próprio

agente sua confissão, desde que presentes os outros elementos, deve valer como

atenuante.

A confissão deve ser espontânea, no sentido de ser uma decisão livre, que

seja desejo do agente confessar. A lei não exige arrependimento ou que a confissão

seja realizada por motivos morais, pode até mesmo ser realizada para conseguir o

benefício da atenuante. (FERREIRA, 2004, p. 137)

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203

Nucci (2007) entende que a espontaneidade, neste caso, não exige uma

iniciativa própria do agente, pode até mesmo seguir conselho de alguém, o que

importa é a sinceridade no propósito da confissão, o que diferencia da simples

voluntariedade.

Com entendimento oposto, Mirabete entende que é necessário o

arrependimento, um motivo moral, para configurar a espontaneidade. (2008, p. 317)

A confissão pode ser realizada perante autoridade policial ou judiciária,

admitindo inclusive a confissão no caso de revelia se houver a confissão no inquérito

policial, perante a autoridade policial. (FERREIRA, 2004, p. 137)

Ainda, a confissão pode ser realizada em qualquer fase do inquérito policial

ou da ação penal, antes do julgamento. (MIRABETE, 2008, p. 317)

Rogério Greco entende que a confissão, para fins da atenuante, pode ser

realizada perante o Promotor de Justiça, pois permanece à frente das investigações

policiais, sendo considerado autoridade. (2006, p. 627)

Quando o agente em juízo retrata a confissão que realizou perante a

autoridade policial, esta perde o valor como atenuante.

Não é admissível a aplicação da atenuante se a intenção do agente com a

confissão é configurar uma situação de excludente de ilicitude ou culpabilidade, pois

a confissão deve ser completa para fins de atenuação de pena. Vale lembrar que ao

configurar uma causa excludente de ilicitude o agente será absolvido, e, no caso de

excludente de culpabilidade será isento de pena. (MIRABETE, 2008, p. 317)

A necessidade da confissão ser completa e irretratável serve para gerar a

atenuação, pois há de se ressaltar que, como meio probatório, o Código de

Processo Penal admite a confissão divisível, bem como sua retratação (art. 200).

Algumas leis específicas tratam de forma diferenciada a confissão, por

exemplo: Lei 8.137/90 art. 16, parágrafo único (causa de diminuição de pena); Lei

9.034/95 art. 6º (causa de diminuição de pena); Lei 9.613/98 art. 1º, § 5º (causa de

diminuição de pena ou perdão judicial); Lei 9.807/99 art. 13 (perdão judicial); Lei

11.343/2006 art. 41 (causa de diminuição de pena). Nestes casos, e em outros

específicos, a confissão deixa de ser atenuante genérica, sendo aplicada na forma

específica prevista na lei.

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204 5.2.4.3.5 Alínea “e” - Cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se

não o provocou

Existe uma influência no comportamento das pessoas quando se encontra

na situação de multidão em tumulto, como, por exemplo, linchamentos, brigas de

rua, brigas em estádio de futebol, confusões em eventos com grande público (feiras

de exposição, shows), é como se o sentimento que toma a coletividade submetesse

a vontade do agente, mitigando seu poder de decisão.

Na explicação de Aníbal Bruno:

A atenuação da pena assenta na deformação transitória da personalidade que sofre o indivíduo sob a pressão das paixões violentas que agitam o grupo em sublevação. A lei toma em conta essa turvação acidental que acomete o espírito dos amotinados, em quem falta a serenidade necessária para pesar razões e decidir conforme o Direito, atribuindo-lhe, então, uma responsabilidade diminuída e com ela a minoração da pena. (1976, p. 143)

Importante para a configuração desta atenuante que o agente não tenha

provocado o tumulto. A lei não faz a distinção entre a provocação dolosa ou culposa

(imprudente) Gilberto Ferreira se posiciona no sentido de que não pode ser

beneficiado aquele que provoca dolosamente o tumulto, abrindo a possibilidade da

atenuação a quem o provoca por ato imprudente, já que não tem vontade finalística.

(2004, p. 138)

Há de se pensar em três hipóteses: 1) o agente quer provocar o tumulto, por

exemplo, inflamando a multidão; 2) o agente não tinha intenção voltada para o

tumulto, mas mesmo percebendo estar numa multidão iniciou uma briga com outra

pessoa, sabendo que isso poderia gerar confusão generalizada, e podendo evitar

não se preocupa; 3) o agente num local público com multidão esbarra

imprudentemente em alguém, e o fato acaba gerando uma confusão generalizada.

Pode-se usar como parâmetro a análise da discussão sobre a expressão

“que não provocou por sua vontade” no estado de necessidade (art. 24 do Código

Penal). Há duas posições doutrinárias, uma entendendo que não pode alegar estado

de necessidade quem provoca a situação de perigo dolosa ou culposamente

(MIRABETE, 2008, p. 173) na linha de Nelson Hungria; outra corrente entende que a

limitação é só para quem provoca a situação dolosamente (GRECO, 2006, p. 347).

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205

Parece acertada a última corrente, pois na provocação culposa falta

elemento subjetivo voltado para a confusão, o que justifica a atenuação. Mas vale

ressaltar que o dolo pode ser direto ou eventual, assim, quem provocou o tumulto

por dolo direito ou dolo eventual não pode ser beneficiado pela atenuante. Refletindo

sobre as hipóteses acima expostas, seria merecedor da atenuante o agente da

terceira hipótese, alínea “c”.

Com a reforma de 1984 da Parte Geral não é mais requisito a licitude da

reunião, ou que o agente não seja reincidente.

5.2.5 Artigo 66 – atenuante inominada

Além das circunstâncias previstas no art. 65 como atenuantes, o legislador

criou uma cláusula aberta para verificação de circunstâncias que possam atenuar a

pena, conforme previsão do art. 66 do Código Penal: “A pena poderá ser ainda

atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime,

embora não prevista expressamente em lei”.

Gilberto Ferreira entende que esta atenuante inominada só tem utilidade

para aplicação de circunstâncias ocorridas posterior ao crime, pois as que ocorreram

anterior ou concomitante ao crime devem ser analisadas nas circunstâncias judiciais

do art. 59 do Código Penal. Para o autor seria uma forma de miniperdão judicial, já

que permite a aplicação de circunstancia posterior que não contribui na formação da

culpabilidade. (2004, p. 138)

Importante na previsão da atenuante inominada que a circunstância não

precisa estar relacionada com o crime, pois pode ser uma circunstância anterior ou

posterior ao crime, o que deve ser analisado é a influência que ela realiza em

relação ao agente que sofrerá a pena, sendo que esta influência deve ser relevante.

Mirabete entende que a pretensão deste dispositivo é possibilitar a

flexibilização da individualização da pena, apesar de entender, como acima referido,

que estas atenuantes podem ser verificadas nas circunstâncias judiciais do art. 59

do Código Penal. (2008, p. 318)

Para Guilherme de Souza Nucci “trata-se de circunstância legal

extremamente aberta, sem qualquer apego à forma, permitindo ao juiz imenso

arbítrio para analisá-la e aplicá-la”. Conforme o autor esta circunstância é chamada

de atenuante da clemência, citando os seguintes exemplos:

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206

Um réu que tenha sido violentado na infância e pratique, quando adulto, um crime sexual (circunstância relevante anterior ao crime) ou um delinqüente que converta a prática constante da caridade (circunstância relevante depois de ter praticado o delito) podem servir de exemplos. (2007, p. 258)

Outros exemplos que podem ser encontrados na doutrina:

1) indivíduo que fica paraplégico após o cometimento do crime, mas antes

de proferida a decisão definitiva. Ou então, quando a mãe do infrator fica

paraplégica após o cometimento do crime pelo autor, sendo ele responsável por

seus cuidados. (SILVA, 2004, p. 311);

2) a extrema penúria do autor de um crime contra o patrimônio, o

arrependimento do autor do crime etc. (FERREIRA, 2004, p. 139)

Ainda, pode ser considerado atenuante genérica o autor que contraiu uma

doença grave, ou que alguém da família tenha contraído a doença, ou até mesmo o

desespero por situação de desemprego, ainda, a facilitação do trabalho da justiça

criminal, etc.

A alegação da situação de pobreza como circunstância que ensejaria a

aplicação da atenuante inominada é discutível, Nucci entende que a atenuante

inominada deve ser “importante, de grande valor, pessoal e específica do agente”,

sendo que a pobreza é comum a grande parcela da população, assim como o

descaso do Estado. Por isso, só é possível a influência na individualização da pena

quando a pobreza for extrema, mas aplicada nas circunstâncias judiciais. (2007, p.

260)

Zaffaroni e Pierangeli indicam como possibilidade de atenuante inominada a

análise da chamada co-culpabilidade. Co-culpabilidade está envolvida com a

autodeterminação do agente e o condicionamento por causas sociais, no sentido de

que os problemas sociais, como por exemplo, falta de oportunidades ao agente,

influencia em seu comportamento, e, assim, a sociedade tem co-culpabilidade e

deve arcar com isto, amenizando a culpabilidade do agente. (2006, p. 525)

Pelo exposto, percebe-se divergências na aplicação e reconhecimento de

atenuantes inominadas, contudo, como instrumento de individualização da pena esta

cláusula aberta é um dispositivo que atende ao Estado Democrático de Direito por

possibilitar ao juiz uma análise mais ampla em relação às circunstâncias que

atenuam a pena, por conseqüência, realizar uma melhor adequação da pena.

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6 CONCLUSÃO

O Direito Processual Penal não pode ser visto, simplesmente, como um

conjunto de normas que regulam a aplicação do Direito Penal e a atuação do Estado

na persecução penal.

A legislação processual penal, bem como, a orientação doutrinária e

jurisprudencial sobre o processo penal, deve estar conforme a Constituição Federal,

pois, representa a base da estrutura de nosso sistema jurídico.

Para que isto aconteça, é necessário um processo penal que esteja

inserido no espírito de um Estado Democrático de Direito, um Estado que prioriza o

princípio da legalidade, a segurança jurídica, a proteção da confiança dos cidadãos,

a proibição do excesso por parte do Estado e suas atividades, mas principalmente,

um processo penal que promova as garantias processuais com a proteção dos

direitos fundamentais.

Neste contexto, é a idéia de um processo penal democratizado, constituído

por meio da Constituição Federal e seus valores, como a dignidade humana e a

igualdade.

O processo penal não pode mais ser utilizado como instrumento do Estado

para exercício de seu poder de punir, mas sim, sendo o processo penal o

instrumento para aplicação da pena, ele deve garantir a proteção dos direitos

fundamentais do acusado, prevalecendo a vida e a dignidade do cidadão.

Ser democrático, significa que o processo penal deve ter garantias como,

por exemplo, a presunção da inocência, o contraditório a ampla defesa, o que

decorre no chamado modelo garantista, resultando numa participação efetiva do

acusado no processo.

Desta forma, a pessoa, como ser individualizado, deve ser valorizada frente

ao poder de punir do Estado, até mesmo quando o resultado final seja a condenação

pelo reconhecimento da prática de um crime.

Com relação à natureza jurídica do processo penal, frente ao princípio

democrático e de proteção dos direitos fundamentais, a melhor teoria é a da

situação jurídica.

Deve ser reconhecido que não existe uma relação entre as partes de direito

e obrigações, mas sim, prevalece a incerteza. O processo penal tem um caráter de

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208 risco, a defesa tem uma expectativa de que suas estratégias podem prevalecer, no

entanto, não há certeza de como as provas serão valoradas.

Por isso, é importante que as regras processuais penais estejam conforme a

Constituição Federal, e que sejam claras e respeitadas dentro do processo,

diminuindo os riscos e a incerteza, que fica por conta da situação, quase que

paradoxal, entre a existência simultânea da repressão e das garantias processuais.

Sobre o sistema processual ser acusatório, inquisitório ou misto, a

Constituição Federal orienta para um sistema acusatório, em razão da titularidade do

Ministério Público para a ação penal, representando, assim, a separação entre

acusar e julgar.

Contudo, levando em consideração o ponto central para configurar o

sistema, que é a gestão da prova, na legislação processual penal brasileira há

dispositivos, como por exemplo, o artigo 156 e seus incisos, que dão poder

instrutório ao juiz, além, de estar centrado na busca da chamada verdade real,

características de um sistema inquisitivo.

Estas características inquisitivas ferem a igualdade, o contraditório, e

acabam por tratar o acusado como um objeto da investigação por parte do Estado, e

não como sujeito de direitos a serem protegidos.

Fazer a defesa que nosso sistema processual é acusatório, mas na prática

ter como base característica inquisitorial, significa promover um discurso vazio, mas

principalmente, acaba por fomentar um sistema que trata o acusado como objeto

dentro do processo, e não como parte.

Talvez o que sustente o poder instrutório por parte do juiz, seja o fato que

nem sempre o acusado tem condições econômicas de proporcionar uma defesa

qualificada, ainda mais, quando na maioria dos Estados não existe uma Defensoria

Pública estruturada.

Enquanto não houver estruturação das Defensorias Públicas e modificação

da legislação processual penal para que seja toda orientada pelo sistema acusatório,

é melhor que seja assumido que nosso sistema é inquisitório, em razão do poder de

gestão de provas dada ao juiz. Desta forma, fica em alerta o fato de que as regras

processuais penais devem ser aplicadas atentamente, para que os direitos

fundamentais e as garantias processuais não sejam prejudicados, tratando o

acusado como sujeito de direitos na situação do processo.

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209

O processo penal que esteja de acordo com as idéias expostas acima pode

ser qualificado como devido processo penal, não apenas em seu sentido processual,

que é o respeito às regras, mas também, em seu sentido material, respeitando a

liberdade, a justiça, a igualdade, a dignidade, a segurança jurídica, enfim, os direitos

fundamentais.

A sentença penal deve investigar o direito, e reagir contra forças que

pretendem dominar a sociedade por meio da descriminação e pela quebra dos

direitos individuais.

A cultura jurídica que se orienta pelos princípios constitucionais deve

prevalecer, e a sentença tem papel importante como instrumento de divulgação e

confirmação destes valores.

A elaboração da sentença penal e a aplicação das regras de

individualização da pena devem atender ao devido processo penal, tanto no aspecto

formal quanto no material, ou seja, deve respeitar aos valores constitucionais.

As circunstâncias judiciais e legais são variadas e tem previsão nos

dispositivos do Código Penal, sendo classificadas em circunstâncias objetivas e

subjetivas, por vezes fazendo referência ao fato e sua gravidade, e, outras vezes a

pessoa do acusado.

Apesar da complexidade das regras para individualização, a interpretação

destas regras poderia ser formalista, dogmática, sem preocupar-se com os efeitos e

as conseqüências da aplicação, o que tornaria o trabalho do juiz mais fácil, pois

bastaria conferir a existência da circunstância e aplicá-la.

É claro que a simples aplicação conforme a formalidade das regras poderia

ser vista como respeito às normas, porém, em um Estado Democrático de Direito tal

concepção formalista do direito não tem mais espaço.

O devido processo não pode ser somente “o seguir” os procedimentos

formalmente previstos, o devido processo no Estado Democrático de Direito deve

verificar o conteúdo das normas a serem aplicadas, e, é tarefa do julgador em

interpretar as regras conforme os ditames constitucionais, ou seja, a legalidade, a

constitucionalidade, a segurança jurídica e os direitos fundamentais.

O processo penal, como já exposto, não pode ser instrumento do poder

punitivo do Estado, sua instrumentalidade constitucional deve ser voltada para a

devida aplicação das regras do direito penal, e, se a conclusão é pela condenação a

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210 imposição da pena deve observar todos os cuidados na aplicação das regras de

individualização.

É preciso ter cuidado na interpretação e aplicação das circunstâncias

judiciais e legais de caráter pessoal, o direito penal não pode transformar-se num

instrumento de perseguição ou de dominação do Estado, por isso deve ser evitado o

chamado direito penal de autor e a culpabilidade de autor, as circunstâncias

referidas devem sempre ter vinculação ao crime ocorrido como caso concreto.

A aplicação das agravantes deve ser motivada e de aplicação restritiva,

somente quando a lei permitir, ao contrário, conforme foi verificado, as atenuantes

são abertas em razão do art. 66 do Código penal, permitindo ao aplicador do direito

uma melhor adequação da pena às características do autor e seus merecimentos.

A mensagem deste trabalho pode ser resumida no seguinte aspecto: tendo

como fonte um espírito democrático, o que deve ser limitado é o poder punitivo do

Estado, pois, este, o Estado, valorizando a dignidade da pessoa humana, tem o

dever de garantir os direitos fundamentais conforme a estrutura de sua Constituição

Federal no momento da aplicação da pena.

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