78ª promotoria de justiça de goiânia defesa do patrimônio ... · comprovado que o requerido,...
TRANSCRIPT
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
1
AO JUÍZO DA ___ ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA
COMARCA DE GOIÂNIA-GO.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pela
Promotora de Justiça que a presente subscreve, com fundamento nos artigos 37, caput
e § 4º, e 129, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, nas Leis nº
7.347/85, nº 8.625/93 e nº 8.429/92, assim como na Lei Complementar Estadual nº
25/98, vem perante Vossa Excelência propor a presente
em face de:
1. MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, brasileiro,
casado, ex-Governador do Estado de Goiás, portador do RG
nº 1314602 DGPC/GO, inscrito no CPF sob o nº 035.538.218-
09, o qual pode ser encontrado na Rua 115-A, nº 50, Setor
Sul, Goiânia/GO, CEP 74.805-240 (Diretório do PSDB);
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
c/c OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER com
PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
2
2. ESTADO DE GOIÁS, pessoa jurídica de direito público,
inscrita no CNPJ com o nº 01409655/0001-80, com sede na
Rua 82, S/N, Palácio Pedro Ludovico Teixeira, Setor Sul,
neste ato representado pelo Procurador-Geral do Estado de
Goiás, nos termos do art. 132 da Constituição Federal, com
endereço profissional na Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira,
n° 26, nesta Capital;
pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:
I – DOS FATOS
O Ministério Público do Estado de Goiás instaurou Inquérito Civil
Público nº 046/2018-78ªPJ, a fim de apurar irregularidades praticadas pelo ex-
Governador do Estado de Goiás, MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR,
concernentes a não aplicação do percentual mínimo de 12% da arrecadação tributária
no desenvolvimento de ações e serviços públicos destinados à saúde (ASPS),
conforme preceitua o art. 198 da Constituição Federal, regulamentado pela Lei
Complementar nº 141/2012.
A investigação iniciou-se a partir de representação encaminhada pelo
Vereador de Goiânia e médico Paulo Roberto Daher Júnior, noticiando o
descumprimento da aplicação do mínimo constitucional na área da saúde pelo
Requerido e então Governador MARCONI PERILLO desde o ano de 2011.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
3
Os laudos técnicos elaborados pelo Serviço de Contas de Governo do
Tribunal de Contas do Estado de Goiás, exarados no bojo dos processos de Prestação
de Contas de Governo, especialmente nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, apontam
para a existência de irregularidades na aplicação mínima constitucional na área da
saúde.
Não obstante, desde o exercício de 2011, a Unidade Técnica tem
alertado acerca de impropriedades nas prestações de contas do Governador,
referentes ao déficit do Tesouro Estadual.
No relatório referente ao ano de 2011, primeiro ano de governo do
requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, a Unidade Técnica apontou
que “os gastos com ações e serviços públicos de saúde de R$ 991.826.130,58, equivalem a
11,93% do total da receita líquida de impostos que foi de R$ 8.314.882.187,42”.
Adiante, a Unidade Técnica considerou que, “quanto aos restos a pagar
cancelados no exercício, os quais afetaram o índice de sua respectiva inscrição, entende-se que
os mesmos podem ser recompostos até o fim do exercício de 2012, conforme o que determina a
Lei Complementar nº 131/12, art. 24, §§ 1º e 2º. Portanto, no exercício de 2012 o montante de
R$ 25.297.743,00 deverá ser recomposto”.
As constatações decorreram de análise dos relatórios das Unidades
Técnicas do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE/GO), sobre as Contas do
Governador dos exercícios de 2011 a 2017, por meio dos quais ficou cabalmente
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
4
comprovado que o requerido, ardilosamente, lançou mão de várias manobras
contábeis para manipular dados financeiros e simular o cumprimento da aplicação
do mínimo constitucional na área da saúde.
Com as “pedaladas fiscais” praticadas ao longo desses 07 (sete) anos,
MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR criou uma situação em que o Estado de
Goiás, por meio de uma contabilidade maquiada, chegava até a ultrapassar o
percentual de 12% aplicados nas ações e serviços públicos de saúde (ASPS), impostos
pela Lei Maior, quando, na verdade, não havia alcançado sequer esse mínimo
constitucional em cada um dos respectivos exercícios.
É dizer que, de 2014 a 2017, o Governo do Estado só apurou o
cumprimento do investimento mínimo nas ações e serviços públicos de saúde (ASPS)
porque maquiou as contas públicas.
Constatou-se, ainda, que nos exercícios de 2014 a 2017, para alcançar
o percentual mínimo de 12%, o requerido contabilizou indevidamente despesas
inscritas em restos a pagar não processados, como investimento na saúde, no
montante de R$ 553.098.680,00, não amparados por efetiva vinculação financeira.
A Unidade Técnica do TCE/GO, ao analisar as contas do Governador
nos exercícios financeiros de 2014 a 2017, pontuou que os valores inscritos em restos
a pagar não processados não poderiam ser incluídos no cômputo de gastos com
ASPS para fins de apuração do mínimo constitucional, porquanto não havia, ao fim
de cada exercício, recursos disponíveis na Conta Centralizadora do Estado e,
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
5
posteriormente, na Conta Única do Tesouro Estadual, capazes de garantir
financeiramente as despesas.
Como resultado dessas condutas, houve uma simulação do
cumprimento da aplicação mínima em saúde e evidente redução real dos valores
anuais que deveriam ser destinados às ASPS, por força do comando constitucional, e
um montante milionário de restos a pagar de exercícios anteriores concorrendo com
os orçamentos dos exercícios seguintes que, no decorrer dos anos, foram em grande
parte cancelados sem que fossem efetivamente investidos na saúde.
Além disso, foi apurado que, nos exercícios financeiros de 2011 a
2017, o percentual de 12% das receitas resultantes de impostos a ser aplicado na
ASPS foi alcançado determinantemente pela inclusão indevida de despesas com
inativos e pensionistas no cômputo do mínimo constitucional. Esses valores eram
lançados como “maquiagem” para atingir a meta constitucional do exercício,
contudo, no exercício seguinte, tais valores eram cancelados e lançados como restos a
pagar.
A Unidade Técnica apurou, também, que o saldo do Tesouro
Estadual (Conta nº 4204.02355) tem sido deficitário desde 2010, o que impacta no
resultado final da Conta Centralizadora. Veja-se a tabela1 abaixo, que demonstra a
evolução do saldo negativo na conta do Tesouro:
1 Fl. 164 do Relatório sobre as Contas do Governador
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
6
Ressalta-se que a Unidade Técnica do TCE/GO constatou que o
Tesouro Estadual tem se apropriado indevidamente dos rendimentos auferidos por
meio da Conta Centralizadora. No exercício de 2013, por exemplo, o saldo negativo
do Tesouro para com a Conta Centralizadora era de R$ 858.859.813,88, entretanto, o
Governo se apropriou dos rendimentos da Conta Centralizadora, por meio das Guias
de Receita nº 2012.9995.1389 e nº 2013.9995.1520, conforme demonstra a tabela
abaixo:
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
7
Dessa forma, o saldo devedor do Tesouro para com os órgãos e
entidades do Estado no exercício de 2013 atinge o patamar de R$ 987.652.593,86, em
virtude da soma do saldo negativo com os rendimentos apropriados.
No exercício de 2014, o saldo negativo do Tesouro Estadual com a
Contas Centralizadora salta para a cifra de R$ 1.492.774.810 (um bilhão, quatrocentos
e noventa e dois milhões, setecentos e setenta e quatro mil, oitocentos e dez reais).
Nesse deslinde, para melhor contextualização, faz-se mister
individualizar os exercícios financeiros e as irregularidades constatadas pela
Unidade Técnica do TCE/GO.
I.1) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2011
Conforme registrado no relatório técnico da Divisão de Contas do
TCE/GO (Anexo 2011, pág. 192), no ano de 2011, o total da receita líquida de
impostos arrecadado pelo Estado de Goiás foi de R$ 8.314.882.187,42 (oito bilhões,
trezentos e quatorze milhões, oitocentos e oitenta e dois mil, cento e oitenta e sete
reais e quarenta e dois centavos).
De acordo com o Relatório Resumido da Execução Orçamentária –
RREO 2011, o Estado de Goiás informou que as despesas com ações e serviços
próprios de saúde foi na ordem de R$ 1.135.661620,83, que representa o percentual
13,66% do total das receitas.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
8
Não obstante, de acordo com a Unidade Técnica da Corte de Contas,
a SEFAZ considerou, de forma irregular, no cômputo da aplicação do mínimo
constitucional, as disponibilidades financeiras e a despesa com inativos e
pensionistas.
Para melhor visualização, elaborou-se as seguintes tabelas com os
valores e informações extraídos do RREO 2011 e do Relatório da Unidade Técnica:
ESTADO DE GOIÁS – RREO 2011
Receita Líquida de Impostos 8.314.882.187,42 (12% = 997.785.862,49)
Despesa Própria com Saúde Despesa Liquidada Inscrita em RP não processados
Despesas com saúde 1.597.653.667,96 265.566.822
Inativos e pensionistas (-) 2.148.571,55 -
Despesas custeadas com recursos vinculados à saúde
(-) 820.083.066,25 (-) 28.055.022,39
Restos a pagar cancelados (-) 45.777.715,28 -
DP Líquida (Disponibilidade financeira referente à receita em
29/12/11) (+) 168.505.506,37 -
Total Despesas Próprias 898.149.821,25 237.511.799,58
Participação em ASPS 1.135.661.620,83 (13,66%)
RELATÓRIO UNIDADE TÉCNICA
Receita Líquida de Impostos 8.314.882.187,42 (12% = 997.785.862,49)
Despesa Própria com Saúde Despesa Liquidada Inscrita em RP não processados
Despesas com saúde 1.597.653.668 265.566.822
Inativos e pensionistas (-) 2.741.280 -
Despesas custeadas com recursos vinculados à saúde
(-) 820.083.066 (-) 28.055.022
Recomposição RP cancelados em 2010
(-) 20.514.990 -
Total Despesas Próprias 754.314.331 237.511.800
Participação em ASPS 991.826.131 (11,93%)
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
9
Observa-se que o Estado de Goiás considerou a disponibilidade
financeira, na ordem de R$ 168.505.506,37, como ações e serviços públicos de saúde.
Nota-se, também, que o valor referente a gastos com inativos e pensionistas
informado pelo Estado de Goiás está R$ 592.709,00 a menor do levantado pela
Unidade Técnica.
Nesse sentido, a Unidade Técnica do TCE/GO apurou que o valor
efetivamente gasto em ações e serviços públicos de saúde (ASPS) foi na ordem de R$
991.826.130,58 (novecentos e noventa e um milhões, oitocentos e vinte e seis mil,
cento e trinta reais e cinquenta e oito centavos), correspondente a 11,93% do total da
receita líquida de impostos, o que evidencia a não aplicação do mínimo
constitucional na área.
Dessa forma, considerando que a receita líquida de impostos atingiu
a cifra de R$ 8.314.882.187,42, o Estado de Goiás deveria ter aplicado em ações e
serviços públicos de saúde o valor de R$ 997.785.862,49, ou seja, R$ 5.959.731,91 a
mais do efetivamente aplicado.
É importante esclarecer que a disponibilidade financeira representa a
fonte para a futura despesa, o suporte para o futuro gasto a pagar. Os analistas
ponderaram que as disponibilidades financeiras não poderiam ser computadas como
despesas em ASPS na apuração do mínimo constitucional em saúde, pelos seguintes
argumentos:
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
10
Considerar as disponibilidades financeiras como aplicação efetiva
nos índices constitucionais reflete em um desvirtuamento dos índices,
das metas da LDO e da responsabilidade na gestão fiscal.
Ao considerar como despesa as disponibilidades financeiras, o Estado deixa
de empenhar, diminuindo sua despesa real e, por conseguinte, apresentando
uma situação financeira líquida fictícia, pois tal recurso já deveria
estar comprometido. Isso reflete em uma superavaliação de um superávit
financeiro, servindo de fonte para abertura de créditos adicionais, quando na
realidade tais recursos estariam comprometidos, além de refletir nas metas
previstas na LDO, diminuindo as despesas e, consequentemente, melhorando
os resultados primário e nominal. Ou seja, tal prática afetaria vários outros
dispositivos e demonstrativos contábeis, não encontrando respaldo técnico
em sua efetivação.
[...]
Concluindo, o Demonstrativo da Receita Líquida de Impostos e das Despesas
próprias com Saúde, na forma apresentada pela Sefaz, considerando a
disponibilidade financeira como despesa e recompondo os restos a pagar
cancelados no exercício de 2011, resultaria em 12,07% do total da receita
líquida de impostos.
Entretanto, não computando tais disponibilidades financeiras como se fossem
despesa, e ainda deduzindo-se o total da despesa com inativos e pensionistas,
os gastos ações e serviços públicos de saúde totalizam R$ 991.826.130,58,
equivalentes a 11,93% do total da receita líquida de impostos.
Sem embargo, o Conselheiro Kennedy Trindade, relator do processo
de prestação de contas do Governador, ignorou os argumentos técnicos apresentados
pela Divisão de Contas do TCE/GO, por meio dos quais se comprovou que o Estado
de Goiás não havia aplicado o percentual mínimo em saúde no exercício de 2011, e,
de forma claramente arbitrária e sem qualquer respaldo legal, considerou a
disponibilidade financeira do final do exercício fiscal e parte despesa com inativos e
pensionistas como se fossem despesas executadas em ações e serviços públicos de
saúde, indicando como gastos o percentual de 12,07% do total da receita líquida de
impostos, veja-se a manifestação do relator no Projeto de Parecer Prévio:
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
11
7 . Os recursos destinados às ações e serviços públicos de saúde, totalizaram
em 12,07% do total da receita líquida de impostos, portanto atendendo o
mínimo constitucional que é de 12%. Esta relatoria levou em consideração o
ingresso de recursos financeiros no final do exercício fiscal, gerando uma
disponibilidade para a recomposição do índice constitucional mínimo no
exercício posterior, cabendo a esta Corte de Contas fiscalizar a glosa dos
empenhos, para que não ocorra superposição de dados na composição do
índice do exercício de 2012.2
Extrai-se do Parecer Prévio, também, que os restos a pagar
processados e não processados aos 31 de dezembro de 2011 totalizaram R$
1.629.424.000,00. Na análise do relator, havia disponibilidade de caixa líquida
suficiente para arcar com essa despesa:
6. Os restos a pagar em 31 de dezembro de 2011, estão assim distribuídos:
Processados: R$ 650.621.000,00. (seiscentos e cinquenta milhões,
seiscentos e vinte e um mil reais).
Não processados: R$ 978.803.000,00. (novecentos e setenta e oito
milhões, oitocentos e três mil).
Perfazendo um total de: R$ 1.629.424.000,00. (um bilhão, seiscentos e
vinte e nove milhões e quatrocentos e vinte e quatro mil reais).
Pelo confronto da disponibilidade de caixa líquida com os restos a
pagar não processados, verifica-se que o Estado de Goiás possui, no
final do exercício de 2011, possui recursos suficientes para arcar com
os seus compromissos em restos a pagar não processados.
No entanto, o Tribunal Pleno determinou ao TCE/GO a realização de
inspeção na Conta Centralizadora do Estado e demais contas que a compõem, “com
2 Pág. 06 do documento “2011_Parecer Prévio”.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
12
vistas a apurar os efeitos da não contabilização dos saldos negativos evidenciados nos extratos
gerenciais, uma vez que não refletiram nas disponibilidades apresentadas”3.
Nota-se que, no exercício de 2011, o TCE/GO já havia apurado a
“maquiagem contábil” realizada pelo ex-Governador nas contas públicas. O Estado de
Goiás não contabilizava o saldo negativo das contas para fins de apuração da
disponibilidade financeira real existente para que não evidenciasse o déficit nas
contas públicas e o consequente descumprimento das vinculações constitucionais.
De acordo com o levantamento feito pela Unidade Técnica do
TCE/GO, o Fundo Especial de Saúde terminou o exercício de 2011 com saldo de R$
509.499.141,004. Tal informação induz à aceitação de que os restos a pagar não
processados inscritos na saúde, na ordem de R$ 265.566.822,00, possuíam
disponibilidade financeira que suportasse.
Ocorre que a disponibilidade financeira da Conta Centralizadora,
como dito, sempre foi maquiada pelo Governo do Estado. No exercício de 2011, só o
Tesouro Estadual possuía um saldo negativo na ordem de R$ 597.084.995 para com a
Conta Centralizadora. Pelo confronto da disponibilidade de caixa líquida, na ordem
de R$ 1.797.733.000,00, e o total de restos a pagar inscritos no exercício, na ordem de
R$ 1.629.424.000,00, nota-se, em primeira análise, a existência de disponibilidade
financeira. Todavia, ao considerar o saldo negativo do Tesouro Estadual para fins de
3 Pág. 13 do documento “2011_Parecer Prévio”. 4 Pág. 217 do documento “2011_Relatório”.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
13
mensuração da real disponibilidade de caixa, nota-se que a situação passa a ser
deficitária. Veja-se:
Disponibilidade Financeira com o Saldo Negativo do Tesouro Estadual
Disponibilidade de Caixa Líquida R$ 1.797.733.000,00
Saldo negativo do Tesouro Estadual (-) R$ R$ 597.084.995
Disponibilidade de Caixa Real R$ 1.200.648.005,00
Restos a pagar inscritos (processados e não processados) R$ 1.681.297.000,00
(-) R$ 480.648.995,00
Diante disso, é importante mencionar que o saldo negativo do
Tesouro Estadual reflete na disponibilidade financeira das outras contas, inclusive no
Fundo Especial de Saúde, atual Fundo Estadual de Saúde. Ao contrário do que o
então Governador do Estado tentou demonstrar por meio da “maquiagem contábil”,
no ano de 2011, não foi aplicado o mínimo constitucional de 12% nas ações e serviços
públicos de saúde.
O valor a ser considerado como efetivamente investido na saúde
goiana no exercício de 2011 foi na ordem R$ de R$ 991.826.130,58 (novecentos e
noventa e um milhões, oitocentos e vinte e seis mil, centos e trinta reais e cinquenta e
oito centavos), correspondente a 11,93% do total de receita líquida de impostos
arrecadada no respectivo exercício.
Com efeito, no exercício de 2011, o requerido deixou de aplicar nas
ações e serviços públicos de saúde o montante de R$ 5.959.731,91 (cinco milhões,
novecentos e cinquenta e nove mil, setecentos e trinta e um reais e noventa e um
centavos), conforme demonstrado no quadro abaixo:
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
14
Aplicação em Ações e Serviços Públicos de Saúde
Receita Líquida de Impostos R$ 8.314.882.187,42
Montante que deveria ter sido aplicado (12%) R$ 997.785.862,49
Montante efetivamente aplicado (11,93%) R$ 991.826.130,58
Diferença R$ 5.959.731,91
Diante desse quadro, o TCE/GO, mesmo aprovando as contas do
Governador, determinou ao Governo de Goiás, dentre outras coisas, o seguinte:
1) Garantir a recomposição dos mínimos constitucionais de Educação,
Ciência e Tecnologia e Saúde até o fim do exercício de 2012, fazendo a
glosa dos empenhos indicados nas contas do exercício de 2012.
2) Criação de controle específico para acompanhamento de possíveis saldos
negativos nas contas que compõem a centralizadora estadual e demais
contas do Estado.
Entretanto, conforme se demonstrará adiante, esse saldo negativo
não foi controlado e continuou sendo omitido.
I.2) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2012
No exercício de 2012, a Unidade Técnica apurou que os gastos com
ações e serviços públicos de saúde foram na ordem de R$ 1.177.815.700,10, que
correspondem a 12,45% do total da receita líquida de imposto, que foi de R$
9.461.184.532,17.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
15
A aplicação do montante de R$ 1.177.815.700,10 corresponde ao
montante da despesa liquidada, na ordem de R$ 998.781.010,00, somado aos restos a
pagar não processados inscritos no final do período, na ordem de R$ 179.034.690,00.
Não obstante, o Estado de Goiás permaneceu ocultando a real
situação da Conta Centralizadora, tendo em vista que, novamente, não considerou o
saldo negativo do Tesouro Estadual no cálculo da disponibilidade financeira da
referida conta.
Em tabela elaborada pela Unidade Técnica do TCE/GO, nota-se que o
saldo do Poder Executivo para o exercício de 2013 seria na ordem de R$
2.791.759.521,00. Destes, o saldo de R$ 614.030.024,00 representaria o saldo da conta
do Tesouro Estadual (pg. 248 – Doc. 2):
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
16
Ocorre que o saldo negativo da referida conta seria na ordem de
R$522.064.941, inscrito em “outras exigibilidades”, valor que impactaria
drasticamente no saldo real da Conta Centralizadora (pg. 135 – Doc. 2).
Diante desse quadro, o TCE/GO recomendou ao Governo de Goiás
que demonstrasse “o impacto causado pelo saldo negativo da conta do Tesouro Estadual
(4204.02355), levando o respectivo valor aos cálculos dos demonstrativos que compõem os
Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, bem como às
disponibilidades apresentadas no Balanço Geral do Estado, por meio de notas explicativas”.
I.3) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2013
No exercício de 2013, a Unidade Técnica do TCE/GO apurou que o
gasto com ações e serviços públicos de saúde foi na ordem de R$ 1.533.856.133,67,
que representa 12,28% do total da receita líquida de imposto, que foi na ordem de R$
12.489.281.569,69.
O valor aplicado na saúde compreende as despesas liquidadas, na
ordem de R$ 1.239.628.491, e as despesas inscritas em restos a pagar não processados,
na ordem de R$ 294.227.642,00.
Não obstante, o saldo da Conta Centralizadora novamente foi
“maquiado” pelo Estado de Goiás. No Relatório de Gestão do exercício de 2013, o
Estado de Goiás informou a existência de um saldo para o exercício de 2014 na
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
17
ordem de R$ 3.323.234.384,00. Desse valor, R$ 2.804.578.614,00 pertencia ao Poder
Executivo.
Entretanto, a Unidade Técnica apurou que o saldo negativo na conta
do Tesouro Estadual seria de R$ 858.859.813,88. Diante desse saldo negativo, a tabela
abaixo demonstra que a disponibilidade financeira do Poder Executivo seria na
ordem de R$ 130 milhões, e não no valor de R$ 989.632.000,00, conforme informado
pelo Estado de Goiás:
Por mais que o Estado de Goiás tenha cumprido o mínimo
constitucional em aplicações nas ações e serviços públicos de saúde nesse exercício,
os números apontam para um crescente desequilíbrio financeiro na Conta
Centralizadora do Estado.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
18
Não bastasse, o Tesouro Estadual ainda se apropriou dos
rendimentos auferidos pela Conta Centralizadora, pertencentes ao outros órgãos e
entidades. De acordo com levantamento feito pela Unidade Técnica no exercício de
2013, o montante apropriado indevidamente somava R$ 128.792.779,98, representado
da seguinte forma (pg. 147 – Doc. 3):
Ao se apropriar indevidamente dos rendimentos auferidos por meio
da Conta Centralizadora, o Tesouro Estadual aumenta sua dívida para com os
demais órgãos e entidades do Estado.
Cumpre lembrar, também, que esse valor, se somado ao saldo
negativo da conta do Tesouro Estadual (R$ 858.859.813,88), resulta em uma dívida do
Tesouro para com a Conta Centralizadora no valor de R$ 947.647.643,85.
Nesse deslinde, a Unidade Técnica sugeriu ao Conselheiro Relator
das Contas do Governador no exercício de 2013, Sr. Kennedy Trindade, o seguinte:
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
19
Conforme recomendação contida no Parecer Prévio nas contas do
Governador de 2012, esta unidade técnica sugere ao Conselheiro Relator que
determine ao Poder Executivo, que em face do impacto nas
disponibilidades do Estado de Goiás referente ao saldo negativo da
Conta Centralizadora, demonstre a dedução desses valores, nas
disponibilidades financeiras, nos demonstrativos de gestão fiscal
(RGF) e no Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO),
referente ao exercício financeiro de 2014 e subsequentes.
Acolhendo a opinião do Relator, o Tribunal Pleno recomendou ao
Governo do Estado de Goiás que “[demonstrasse] o impacto causado pelo saldo negativo
da conta do Tesouro Estadual (4204.02355), levando o respectivo valor aos cálculos dos
demonstrativos que compõem os Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária e de Gestão
Fiscal, bem como às disponibilidades apresentadas no Balanço Geral do Estado, por meio de
notas explicativas” (pg. 4 – Doc. 3.2).
A SEFAZ informou que “o saldo negativo da conta 4204.02355 é apenas
gerencial e não impacta nos cálculos dos demonstrativos que compõem os Relatórios
Resumidos de Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, já que tal saldo negativo é zerado
em contrapartida com a conta contábil ‘Outros Credores’” (pg. 378 – Doc. 3).
A Unidade Técnica, entretanto, pontuou que “o saldo gerencial
negativo da conta do Tesouro Estadual nº (4204.02355) deve ser considerado na elaboração
dos relatórios contábeis e fiscais, assim como são considerados todos os saldos gerenciais
positivos dos demais órgãos que possuem recursos aplicados por meio da Conta
Centralizadora”.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
20
Evidencia-se, mais uma vez, que a intenção do Governo de Goiás era
de ocultar tais saldos negativos na contabilidade.
I.4) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2014
Nos relatórios dos exercícios anteriores, tentou-se demonstrar a
verdadeira situação financeira do Estado de Goiás, muitas vezes maquiada pelo à
época Governador do Estado, ora requerido, MARCONI FERREIRA PERILLO
JÚNIOR. O orçamento público há muito era tratado com irresponsabilidade. O
desfecho não poderia seria outro, senão o colapso nas contas públicas.
No exercício de 2014, o Estado de Goiás apresentou o Relatório
Resumido da Execução Orçamentária – RREO 2014 em que indica o gasto com ações
e serviços públicos de saúde no valor de R$ 1.656.922.033,70, equivalente a 12,10% do
total da receita líquida de impostos, que foi no valor de R$ 13.693.285.261,62.
Para a Unidade Técnica do TCE/GO, o gasto real com ações e
serviços públicos de saúde foi no valor de R$ 1.655.999.288,37, equivalente a 12,09%
do total da receita líquida de impostos.
De acordo com a Unidade Técnica do TCE/GO, essa diferença
ocorreu em virtude da inscrição indevida de restos a pagar não processados no valor
de R$ 992.745,00, sem que houvesse a respectiva disponibilidade financeira.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
21
Tema que será melhor aprofundado nos fundamentos desta exordial,
a inscrição de restos a pagar enseja a existência de disponibilidade financeira, caso
contrário, seu efeito será o mesmo da emissão de um “cheque sem fundo”.
Nesse deslinde, a Secretaria de Estado da Fazenda manifestou que “o
Estado de Goiás aplicou no exercício de 2014, 12,1% em ASPS, cumprindo assim o mínimo
constitucional, ou seja, houve um excedente de 0,1%, que equivale a R$ 13.693.285,26, valor
este superior à diferença apontada no valor de R$ 922.745,33” (pg. 244 – Doc. 4).
Ocorre que tal variação, por menor que seja, demonstra o
desequilíbrio financeiro em relação aos recursos constitucionalmente direcionados às
ações e serviços públicos de saúde. Ademais, evidencia a inobservância das normas
que regem o orçamento público.
Sobreleva o desequilíbrio financeiro, o fato de o Estado de Goiás não
ter considerado o saldo negativo do Tesouro Estadual na Conta Centralizadora. A
Unidade Técnica apurou que “foi registrado na conta ‘outras exigibilidades’, o valor de R$
1.492.774.810,30, por meio das guias de receita extra orçamentária nº 2012.9995.1447 (R$
522.064.940,59), 2013.9995.1589 (R$ 336.794.873,29) e 2014.9995.1592 (R$
633.914.996,42), referente ao saldo negativo da conta 4204.02355 do Tesouro Estadual” (pg.
339 – Doc. 4).
Significa dizer que dos R$ 1,5 bilhão de recursos centralizados
declarados pelo Estado só restavam disponíveis ao final do exercício R$ 50 milhões.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
22
Tal valor representa menos de 4% do total declarado. Isso quer dizer que, caso o
recurso centralizado da saúde (R$ 829 milhões) fosse demandado, não haveria
disponibilidade financeira para atendê-lo.
Por outro lado, a omissão do saldo negativo do Tesouro Estadual
demonstra que o saldo de R$ 50 milhões seria insuficiente para assegurar os restos a
pagar, sendo, no exercício de 2014, cerca de 370 milhões. Veja-se abaixo, parte da
tabela extraída do Relatório na Unidade Técnica (pg. 161 – Doc. 4):
Nota-se que haviam R$ 1.543.099.8535 na Conta Centralizadora.
Destes, R$ 828.624.752,00 pertenciam ao Fundo Estadual de Saúde, que representaria
53,69% do total. Entretanto, ao considerar o saldo negativo do Tesouro Estadual para
5 Produto da soma do “Tesouro Estadual (Centralizadora do Tesouro)” (R$ 1.492.774.810) com o
“Saldo da Conta Centralizadora do Estado” (R$ 50.325.043).
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
23
com a Conta Centralizadora, o saldo fictício de R$ 1.543.099.853,00 se reduz a R$
50.325.043,00.
Não obstante, posteriormente, a Unidade Técnica do TCE/GO
apurou que o saldo devedor do Tesouro Estadual para com os órgãos/ entidades do
Estado, na realidade, seria na ordem de R$ 1.642.408.314,00, visto que, além do saldo
negativo da Conta do Tesouro, foi constatado que o Tesouro Estadual se apropriou
indevidamente dos rendimentos auferidos por meio da centralizadora na ordem de
R$ 149.633.503,00 (pg. 168 – Doc. 4).
Sobre o saldo negativo do Tesouro para com a Conta Centralizadora,
a Unidade Técnica do TCE/GO elaborou tabela em que demonstra a evolução entre o
exercício de 2010 e 2014 (pg. 164 – Doc. 4):
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
24
Não bastasse, outra irregularidade indica que esse percentual de
investimento na saúde é ainda menor. Traz-se à baila outra tabela elaborada pela
Unidade Técnica do TCE/GO em que indica a insuficiência financeira do Poder
Executivo após a inscrição dos restos a pagar não processados. Nota-se que na linha
referente ao Poder Executivo, a última coluna aponta para a existência de
R$705.948.000 de suficiência após a inscrição dos restos a pagar não processados (pg.
155 – Doc. 4):
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
25
Não obstante, na nota de rodapé da tabela, é informado que “o
montante real da disponibilidade do Poder Executivo (...) é R$ 1.492.774.810,30 inferior ao
apresentado”. Em outras palavras, a aparente suficiência financeira do Poder
Executivo, na realidade, se revela como uma insuficiência na ordem de R$
786.826.810,00, que, se somado ao valor dos rendimentos apropriados indevidamente
pelo Tesouro, atingiria uma insuficiência na ordem de R$ 936.460.314,00.
O impacto dessa insuficiência na Conta Centralizadora, em especial
no cálculo da aplicação do mínimo constitucional na saúde, é devastador.
Rememora-se que o declarado como aplicado em ações e serviços públicos de saúde
foi na ordem R$1.655.999.288,00 (12,09%). Esse valor resulta da soma das dívidas
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
26
liquidadas (R$1.497.084.437,00) com os restos a pagar não processados
(R$158.914.851,00).
Ocorre que, conforme dito anteriormente, a insuficiência financeira
do Poder Executivo representa indisponibilidade de caixa para inscrever restos a
pagar para o exercício seguinte. Isso quer dizer que os R$ 158.914.851 não deveriam
ter sido inscritos como restos a pagar não processados, visto que não havia
disponibilidade de caixa para suportar essa despesa.
Consequentemente, ao excluir esse “cheque sem fundos” emitido
pelo Estado de Goiás no apagar das luzes do exercício de 2014, o valor efetivamente
aplicado nas ações e serviços públicos de saúde seria de R$ 1.497.084.437,00, relativo
às dividas liquidadas – visto que não havia disponibilidade financeira suficiente para
garantir a despesa inscrita, ou seja, abaixo do mínimo constitucional, por representar
apenas 10,93% do total das receitas líquidas de impostos.
Para atingir o mínimo constitucional, faltaria uma aplicação de
R$146.195.477,60, haja vista que os 12% da receita líquida de impostos representava a
o valor de R$1.643.279.914,60.
Importante mencionar, também, que no Relatório do exercício de
2015, a Unidade Técnica do TCE/GO observou que o Tesouro Estadual emitiu, ao fim
do Exercício de 2014, diversas Ordens de Pagamento Extraorçamentárias para
transferência de recursos da Conta Centralizadora ao Fundo Estadual de Saúde,
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
27
dentre outros, com objetivo de cumprir as vinculações constitucionais e legais com a
saúde, a educação e a ciência e tecnologia.
Na oportunidade, observaram que “o valor total transferido via O.P.
Extraorçamentária foi de R$ 614.411.179,00. Em contrapartida, os extratos bancários da
conta centralizadora identificavam estar depositado na conta centralizadora apenas montante
de R$ 51.767.018,90. Portanto, restou evidenciado que o saldo centralizado não era suficiente
para respaldar o envio de recursos aos mencionados entes e fundos, gerando um saldo a
descoberto de R$ 562.644.160,10” (pg. 232 – Doc. 5).
Nesse deslinde, o Conselheiro Relator pontuou que “a existência de
Saldo Negativo na Conta Centralizadora do Estado tem a capacidade de alterar o
resultado dos demonstrativos fiscais e contábeis. Não basta levar em conta o referido
saldo nos resultados, é preciso determinar ao Executivo que elimine definitivamente a
sistemática atual, por absoluta incompatibilidade com a atividade estatal, uma vez que serve
de alavancagem financeira ao Estado, subvertendo completamente a racionalidade e a lógica
contábil e ferindo os princípios contábeis e de responsabilidade fiscal” (pg. 25 – Doc. 4.1).
Novamente, a Unidade Técnica do TCE/GO sugeriu ao Conselheiro
Relator que determinasse ao Governo de Goiás que “[demonstrasse] o impacto causado
pelo saldo negativo da conta do Tesouro Estadual (4204.02355), levando o respectivo valor aos
cálculos dos demonstrativos que compõem os Relatórios Resumidos de Execução
Orçamentária e de Gestão Fiscal, bem como às disponibilidades apresentadas no Balanço
Geral do Estado, por meio de notas explicativas” (pg. 172 – Doc. 4).
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
28
Nessa senda, o Tribunal Pleno emitiu “Parecer Prévio favorável à
aprovação das contas referentes ao exercício financeiro de 2014, com ressalva quanto ao déficit
da Conta Centralizadora do Estado” (pg. 2 – Doc. 4.2).
I.5) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2015
No exercício de 2015, os recursos aplicados em ações e serviços
públicos de saúde foram na ordem de R$ 1.747.226.773,23, que corresponde a 12,01%
da receita líquida de impostos (R$ 14.551.851.176).
Essa aplicação corresponde à dívida liquidada, no valor de
R$1.639.020.001, somada aos restos a pagar não processados, no valor de
R$108.206.773. Não obstante, como ocorreu nos exercícios anteriores, o Governo de
Estado maquiou os valores reais da Conta Centralizadora, omitindo a ausência de
disponibilidade financeira que garantisse o pagamento dos saldos inscritos em restos
a pagar.
Foi apurado pela Unidade Técnica do TCE/GO que o saldo real da
Conta Centralizadora era de R$ 51.423.473, tendo em vista que o saldo negativo do
Tesouro Estadual para com a Conta Centralizadora era de R$ 1.592.819.828. Veja-se a
seguinte tabela (pg. 224 – Doc. 5):
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
29
Dessa forma, a Unidade Técnica pontuou, novamente, que “a
sistemática atual mascara as disponibilidades de recursos por apresentar saldos fictícios para
as subcontas centralizadas. Estes saldos ilusórios são constatados quando se observa que o
Fundo Estadual de Saúde possuía R$ 809 milhões em recursos centralizados ao final de 2015 e
que só restavam disponíveis para aplicação na amplitude da Conta Centralizadora cerca de R$
52 milhões” (pg. 319 – Doc. 5).
Ressaltou, ainda, que, “como o saldo restante na Conta Centralizadora
está totalmente comprometido com Restos a Pagar de exercícios anteriores, a aplicação em
ASPS não deve considerar os valores referentes a restos a pagar não processados inscritos no
exercício de 2015 (R$ 108.206.773,00), pois não há respaldo financeiro para inclusão deste
grupo no cálculo dos recursos mínimos aplicados, como determinado pela Lei Complementar
nº 141/2012. Sendo assim, o valor efetivamente aplicado se reduz a R$ 1.638.840.001,00, e o
índice 11,26% não atende à exigência constitucional” (pg. 320 – Doc. 5).
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
30
Não bastasse, o Tesouro Estadual emitiu, novamente, ao fim do
exercício de 2015, diversas Ordens de Pagamento Extraorçamentárias para dar
cumprimento às vinculações constitucionais. De um total de R$ 727.352.939
(setecentos e vinte e sete milhões, trezentos e cinquenta e dois mil, novecentos e
trinta e nove reais) Ordens de Pagamento Extraorçamentárias, para a saúde foi
transferido R$ 291.197.377 (duzentos e noventa e um milhões, cento e noventa e sete
mil, trezentos e setenta e sete reais), por meio da O.P. nº 2015.9995.8542 (pg. 233 –
Doc. 5)
Todavia, conforme se demonstrou anteriormente, o saldo real da
Conta Centralizadora no final de 2015 foi de pouco mais de 51 milhões, ou seja,
gerando um saldo a descoberto na ordem de R$ 675.929.466,00 (seiscentos e setenta e
cinco milhões, novecentos e vinte e nove mil, quatrocentos e sessenta e seis reais).
Dessa forma, a ausência de disponibilidade financeira demonstra que
a diferença entre o valor executado e o limite mínimo constitucional de aplicação em
ações e serviços públicos de saúde era na ordem de R$ 107.382.141, assim
representado:
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
31
Diante disso, resta demonstrado que no exercício de 2015 o requerido
e ex-Governador do Estado, Sr. MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR,
descumpriu o mínimo constitucional de aplicação em ações e serviços públicos de
saúde.
A Unidade Técnica do TCE/GO sugeriu ao Conselheiro Relator, Sr.
Saulo Mesquita, que recomendasse ao Governo de Goiás que “[demonstrasse] o
impacto causado pelo saldo negativo da conta do Tesouro Estadual (4204.02355), levando o
respectivo valor aos cálculos dos demonstrativos que compõem os Relatórios Resumidos de
Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, à apuração dos índices constitucionais, bem como
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
32
às disponibilidades apresentadas no balanço geral do Estado, por meio de correta escrituração
e notas explicativas” (pg. 467 – Doc. 5).
O Conselheiro Saulo Mesquita, Relator das contas, ressaltou a
orientação, no seguinte sentido:
Também deverá o Estado demonstrar o impacto causado pelo saldo
negativo da Conta Centralizadora, levando o respectivo valor aos
cálculos dos demonstrativos que compõem os Relatórios Resumidos da
Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, bem como às disponibilidades
apresentadas no balanço geral, por meio de notas explicativas, de modo a
assegurar a transparência e fidedignidade de seus dados contábeis, o que já
foi objeto de reiteradas recomendações nos exercícios anteriores, as
quais não foram atendidas.
Com efeito, a ressalva do exercício anterior, inerente à sistemática da Conta
Centralizadora, deve ser reiterada no presente Parecer Prévio, contudo, de
forma mais assertiva e, ainda, com a devida delimitação relacionada a tempo
e modo de execução. (pg. 9 – Doc. 5.1)
Nesse sentido, o Tribunal Pleno recomendou a “[realização] a
contabilização e distribuição de forma tempestiva dos rendimentos auferidos pela Conta
Centralizadora, bem como reconhecer um passivo do Tesouro Estadual com os demais órgãos e
fundos que tiveram recursos centralizados e não receberam as devidas receitas de juros
proporcionais ao saldo gerencial aplicado desde a criação da conta” (pg. 2 – Doc. 5.2).
Deve-se reiterar que essa recomendação também foi emitida nos
exercícios anteriores. Entretanto, até o exercício de 2015 não havia sido cumprida.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
33
I.6) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2016
No exercício de 2016, observou-se que a receita líquida de impostos
utilizada para cálculo do índice de aplicação em ações e serviços públicos de saúde
foi de R$ 15.449.703.387,00. A aplicação, na avaliação da Unidade Técnica, foi na
ordem de R$ 1.857.642.447,00, que corresponde a 12,02% da receita.
Compõem esse valor ao montante referente às despesas liquidadas,
na ordem de R$ 1.662.754.569,00, e o montante referente às despesas inscritas em
restos a pagar não processados, na ordem de R$ 194.887.878,00.
Não obstante, em mais um exercício, o Governo de Goiás ignorou as
recomendações exaradas pelo Tribunal de Contas do Estado e maquiou as contas
públicas para ocultar a real situação da Conta Centralizadora, ante o saldo negativo
do Tesouro Estadual, comprometeu, novamente, a inscrição dos restos a pagar por
ausência de disponibilidade financeira suficiente a suportar essa despesa.
A Unidade Técnica do TCE/GO constatou a “insuficiência liquida de
caixa para cumprimento das obrigações financeiras do Poder Executivo, atingindo déficit no
importe de R$ 441.192.000,00 antes da inscrição de restos a pagar não processados do
exercício e R$ 1.379.445.000,00 após a inscrição, mesmo sem considerar as demais obrigações
financeiras independentes da execução orçamentária como depósitos restituíveis, consignações
e outros, denotando desequilíbrio das contas do Estado de Goiás, em desatendimento ao
estabelecido no art. 1º da LRF”(Pg. 230 – Doc. 6). É o que demostra a seguinte tabela:
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
34
No exercício de 2016, foi editada a Lei Complementar nº 121/2015,
em que o Estado de Goiás criou a Conta Única do Tesouro Estadual – CUTE. Com o
advento da Lei, os recursos originários do orçamento do Estado passariam a ser
acolhidos na CUTE, inclusive os recursos referentes ao Fundo Estadual de Saúde –
FES.
Entretanto, a Conta Centralizadora não pôde ser encerrada, haja vista
a existência de saldo negativo na conta do Tesouro Estadual. Durante o exercício de
2016, as duas contas estiveram ativas. A Unidade Técnica do TCE/GO fez um balanço
dos saldos dessas duas contas e chegou à seguinte conclusão:
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
35
O Tesouro Estadual apresentou ao final do exercício um déficit de R$
1.164.154.674,33 junto à Conta Centralizadora. Todavia, apresentou
também déficit junto à Conta Única no importe de R$ 354.361.581,71,
totalizando R$ 1.518.516.256,04 no exercício, o que representa uma redução
de apenas R$ 74.303,572,00 se comparado com 2015.
Observou-se ainda que o saldo registrado junto à CUTE, não representava a
realidade. Ao final do exercício de 2016 constava registrado na Contabilidade
do Estado como saldo final da CUTE o montante de R$ 2.337.021.016,40, o
que difere substancialmente do valor apurado por meio de seu extrato
bancário, R$ 16.288.811,78, denotando, portanto, uma diferença de R$
2.320.732.204,62 entre o valor contabilizado e o existente de fato. (pg. 492 –
Doc. 6)
Importante mencionar que o Fundo Especial de Saúde – FUNESA,
mesmo com após a instituição do Fundo Estadual de Saúde – FES, continuou ativo e
vinculado à Conta Centralizadora. Dessa forma, no ano de 2016, o FUNESA possuía
um saldo fictício de R$ 418.242.056,53 em recursos na Conta Centralizadora. Na
Conta Única do Tesouro Estadual – CUTE, o FES possuía um saldo fictício na ordem
de R$ 8.752.053,19 (pg. 233/235 – Doc. 6).
Não obstante, restaram centralizados ao final de 2016 e disponíveis
para aplicação na amplitude da Conta Centralizadora e CUTE menos de R$ 45
milhões, nos termos da seguinte tabela:
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
36
Posto isso, ao considerar o impacto do saldo negativo do Tesouro
Estadual, nota-se que os saldos restantes da Conta Centralizadora e CUTE estavam
totalmente comprometidos com restos a pagar de exercícios anteriores, na cifra
aproximada de R$ 97 milhões (pg. 332 – Doc. 6).
Em uma atitude totalmente ilegal e que reforça a maquiagem nas
contas públicas, o Estado de Goiás emitiu, aos 29/12/2016, a Ordem de Pagamento
Extraorçamentária nº 2016.9995.6502, para que fosse transferido o valor de R$
414.684.474,45 ao Fundo Especial de Saúde, “destinado ao pagamento de despesas
relativas ao exercício de 2016, para cumprimento das vinculações constitucionais” (pg. 228 –
Doc. 6).
Na realidade, o Estado de Goiás emitiu, novamente, um verdadeiro
“cheque sem fundos”, na tentativa de maquiar a situação decadencial que vivia o
orçamento público.
A Unidade Técnica do TCE/GO pontuou que “pela comparação do saldo
real da Conta Centralizadora e Cute com os valores das Ordens de Pagamento
Extraorçamentárias acima citadas, constatou-se que o saldo centralizado não era
suficiente para respaldar o envio de recursos aos mencionados entes e fundos,
restando um saldo a descoberto de R$ 557.713.092,73” (pg. 229 – Doc. 6).
Diante disso, não deveria ter sido considerado como ações e serviços
públicos de saúde os restos a pagar não processados inscritos no exercício de 2016, na
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
37
ordem de R$ 194.887.878,00, ante a ausência de respaldo financeiro que garantisse
essa despesa.
Sendo assim, o valor efetivamente aplicado se reduz a R$
1.662.754.569,00, relativo à despesa liquidada. O índice, na mesma linha, reduz a
10,76%. Considerando que a receita líquida de impostos foi de R$ 15.449.703.387,00 e
que o mínimo constitucional de 12% representa R$ 1.853.964.406, restaria
descumprido a aplicação em ações e serviços públicos de saúde no montante de R$
191.209.838,00.
A Unidade Técnica do TCE/GO ponderou, novamente, sobre a
metodologia do Estado de Goiás que omite dos cálculos o saldo negativo no do
Tesouro (pg. 473 – Doc. 6):
Entretanto, nos relatórios desta unidade técnica sobre as Contas do
Governador dos anos de 2014 e 2015 foi destacado que a Sefaz deveria
revisar a metodologia de cálculo dos índices inerentes às vinculações
constitucionais, de modo a considerar o saldo negativo do Tesouro Estadual
com a conta centralizadora, uma vez que a inscrição em restos a pagar não
processados não possui sustentação financeira real.
Assumindo-se que os saldos das subcontas componentes da conta
centralizadora são fictícios em virtude do saldo negativo do Tesouro
Estadual, entende-se que o montante inscrito em restos a pagar não
processados em 2016 (R$ 194.887.878,00) não poderia ser levado ao cálculo
da vinculação constitucional. Nesse sentido, ao recalcular o índice sob esse
cenário, foi possível verificar que o valor efetivamente aplicado atingiria R$
1.662.754.569,00 e, portanto, o cumprimento efetivo do índice resta
condicionado à eliminação do saldo negativo do Tesouro junto à Conta
Centralizadora.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
38
Dessa forma, o TCE/GO determinou que se “[realizasse] as baixas
nos saldos remanescentes da conta centralizadora e reduzir o saldo negativo do
Tesouro junto à centralizadora apresentado ao final de 2016, eliminando-o
gradativamente, até o final do exercício de 2020” (pg. 2 – Doc. 6.2), bem como
recomendou que o Governo “[controlasse] as disponibilidades de caixa e a geração de
obrigações, observando o saldo de caixa para adimplemento ano a ano, em todos os exercícios”
e “[Repusesse] os valores acumulados como saldo negativo junto a Conta única” (pgs. 2/3 –
Doc. 6.2).
I.7) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2017
No exercício de 2017, a receita líquida de impostos foi de
R$16.061.260.187, sendo o valor mínimo a ser aplicado de R$1.927.351.222 (12%).
Conforme apurado, o valor aplicado foi na ordem de R$1.941.887.960 (12,09),
compreendida a despesa liquidada (R$1.822.468.020) e inscritas em restos a pagar
não processados (R$119.419.940), conforme se vê:
AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE – ASPS
A Disponibilidade de Caixa Líquida R$ 16.061.260.187
B 12% R$ 1.927.351.222
C Despesa Liquidada R$ 1.822.468.020
D Inscrita em Restos a Pagar não Processados R$ 119.419.940
E Valor Aplicado (C + D) = 12,09% R$ 1.941.887.960
Ocorre que, novamente, não havia disponibilidade financeira para
suportar a inscrição dos restos a pagar não processados. O Estado de Goiás
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
39
informou, no RREO 2017, que o Fundo Estadual de Saúde – FES, no fechamento do
exercício de 2017, dispunha do valor de R$ 492.500.854,19 (pg. 336 – Doc. 7), todavia,
a disponibilidade real de caixa para todas as contas bancárias das unidades
orçamentárias da CUTE, incluindo a conta do FES, era de R$ 162 milhões.
Como exaustivamente citado, o impacto do saldo negativo do
Tesouro Estadual na Conta Centralizadora e CUTE é devastador. Extrai-se do
relatório da Unidade Técnica que o saldo negativo do Tesouro na Conta
Centralizadora, aos 31/12/2017, era de R$ 445.319.116, ao passo que o saldo negativo
do Tesouro na CUTE era de R$ 694.390.817.
Soma-se a esse valor o saldo negativo indevido das demais Unidades
junto à CUTE, na cifra de R$ 3.830.726, e a reversão indevida de saldo financeiro ao
Tesouro, na ordem de R$ 53.226.490. O resultado do saldo negativo do Tesouro
Estadual é de R$ 1.196.767.151 (pg. 233 - Doc. 7).
Não bastasse, o Tesouro Estadual emitiu as Ordens de Pagamento
Extraordinárias nº 2017.9995.5644, no valor de R$291.103.417, e nº 2017.9995.5610, no
valor de R$ 37.492.206, para que os valores fossem transferidos às contas do Fundo
Estadual de Saúde na CUTE e na Conta Centralizadora, respectivamente.
Ocorre que, como dito, o Tesouro Estadual não possuía respaldo
financeiro para suportar essas despesas, haja vista que o saldo negativo do Tesouro
Estadual era de R$ 1.196.767.151. Tais Ordens de Pagamentos foram emitidas para
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
40
que, ilusoriamente, houvesse o cumprimento da aplicação mínima constitucional na
saúde. Não obstante, em não havendo recursos na fonte emissora, não haverá
efetivação no repasse. Novamente, o Estado de Goiás emitiu o cheque sem fundos
para maquiar o orçamento público.
Considerando que esse valor não foi repassado, não houve
disponibilidade financeira suficiente para suportar os restos a pagar não processados
inscritos no final do exercício de 2017, na ordem de R$ 119.419.940, contabilizados
como gastos em ações e serviços públicos de saúde (pg. 337 – Doc. 7).
Nesse deslinde, pode-se considerar que o Estado de Goiás aplicou
apenas 11,35% das receitas líquidas de impostos, ou seja, o valor de R$1.822.468.020,
o que evidencia o descumprimento da vinculação constitucional mínima na saúde
em R$104.883.203.
Posto isso, o Tribunal Pleno emitiu Parecer Prévio pela aprovação
das Contas do, à época, Governador MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, réu
nesta demanda. Entretanto, a Corte de Contas fez as seguintes determinações ao
Governador, dentre outras:
5.1 Promover a efetiva extinção do saldo negativo do Tesouro Estadual junto
à Conta Única do Tesouro Estadual - CUTE, até o exercício de 2022,
adotando redução proporcional a cada exercício de no mínimo 20,00%;
6.1 Ausentar-se de efetuar Ordens de Pagamento Extraorçamentárias sem o
devido respaldo financeiro.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
41
Não obstante as inscrições de restos a pagar sem disponibilidade
financeira, ocorridas entre os exercícios de 2011 a 2017, foram constatados novos
cancelamentos nos exercícios seguintes, em total descompasso às normas que regram
a matéria e à Moralidade Administrativa.
1.8) DOS CANCELAMENTOS DE RESTOS A PAGAR INSCRITOS EM
EXERCÍCIOS ANTERIORES
Primeiramente, é importante esclarecer que os restos a pagar
representam despesas empenhadas e não pagas dentro do exercício orçamentário de
referência. Divididos em processados e não processados, os restos a pagar
constituem-se em dívidas de curto prazo e, como tais, precisam de cobertura de
caixa.
Os restos a pagar processados são aqueles cuja obrigação por parte
do prestador foi cumprida, conforme prevê o Manual de Demonstrativos Fiscais –
MDF, ao passo que os restos a pagar não processados representam “despesas
empenhadas e não pagas no encerramento do exercício, que não percorreram a fase
de liquidação” (pg. 151 – Doc. MDF_2017)
Feitas essas considerações, foi observado ao longo dos exercícios o
cancelamento de grande parte dos restos a pagar inscritos nos exercícios anteriores.
A título de referência, no exercício de 2017 houve o cancelamento de R$997.303.144
de restos a pagar. Destes, R$210.226.882 (duzentos e dez milhões, duzentos e vinte e
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
42
seis mil, oitocentos e oitenta e dois reais) representam cancelamentos ocorridos no
âmbito do Fundo Estadual de Saúde.
Em detida análise, observa-se que esse montante de R$ R$210.226.882
(duzentos e dez milhões, duzentos e vinte e seis mil, oitocentos e oitenta e dois reais)
é composto de restos a pagar processados, na ordem de R$87.110.953 (oitenta e sete
milhões, cento e dez mil, novecentos e cinquenta e três reais) e restos a pagar não
processados, na ordem de R$123.115.929 (cento e vinte e três milhões, cento e quinze
mil, novecentos e vinte e nove reais).
Em análise geral, na data de 01/01/2017 constava inscrito em restos a
pagar o total de R $3.102.128.651,82, sendo R$ 2.476.583241,28 concernente ao
exercício de 2016 e R$ 625.545.410,54 de exercícios anteriores a 2016. No decorrer do
exercício de 2017, foram pagos R$ 1.721.638.296,05 e cancelados R$ 997.303.144,45,
restando inscrito o saldo total de R$ 383.187.211,32.
A Unidade Técnica do TCE/GO ressaltou a quantidade excessiva de
valores cancelados no exercício de 2017, “atingindo montante próximo a 1 bilhão, ou seja,
mais de 30% dos valores inscritos inicialmente em 2017 foram cancelados, havendo inclusive
cancelamento de cerca de 216 milhões de restos a pagar processados, ou seja, despesas que já
haviam passado pela fase de liquidação, ferindo, no mínimo, o princípio da moralidade
administrativa, conforme prevê o Manual de Demonstrativos Fiscais – MDF” (pg. 517 –
Doc. 7).
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
43
Como exaustivamente explanado, o mínimo constitucional de
aplicação na saúde é composto pelas dívidas liquidadas e os restos a pagar não
processados. Ocorre que, no exercício seguinte, no qual deveria haver o pagamento
dos restos a pagar, houve, na realidade, o cancelamento das obrigações. Esse
cancelamento dos restos a pagar não processados aponta, mais uma vez, para o não
cumprimento do mínimo constitucional.
No exercício de 2014, por exemplo, constatou-se que houve o
cancelamento de R$ 116.913.066,43 de restos a pagar inscritos na saúde. Para a
Unidade Técnica, esse cancelamento caracteriza grave desequilíbrio financeiro.
A Unidade Técnica do TCE/GO realizou levantamento dos
cancelamentos ocorridos na saúde no exercício de 2016. Na tabela é possível observar
a existência de restos a pagar não processados inscritos em exercícios anteriores, que
ainda não haviam sido executados no exercício de 2016 (pg. 308 – Doc. 6):
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
44
Nota-se o desequilíbrio financeiro do Estado de Goiás, haja vista que
os restos a pagar inscritos em um exercício, deveriam ser adimplidos no exercício
seguinte.
Já no exercício de 2017, foram cancelados R$87.110.953 (oitenta e sete
milhões, cento e dez mil, novecentos e cinquenta e três reais) em restos a pagar
processados no Fundo Estadual de Saúde. Significa dizer que o fornecedor de boa-fé
cumpriu a obrigação contratada, mas o Estado simplesmente cancelou a
contraprestação devida.
Em análise geral, na data de 01/01/2017 constava inscrito em restos a
pagar o total de R $3.102.128.651,82, sendo R$ 2.476.583241,28 concernente ao
exercício de 2016 e R$ 625.545.410,54 de exercícios anteriores a 2016. No decorrer do
exercício de 2017, foram pagos R$ 1.721.638.296,05 e cancelados R$ 997.303.144,45,
restando inscrito o saldo total de R$ 383.187.211,32.
Essa “pedalada fiscal” evidencia o desequilíbrio financeiro que vive
o orçamento público. Como demonstrado, o Tesouro Estadual inscrevia os restos a
pagar para o exercício seguinte, como se estivesse cumprindo com as metas
estabelecidas e com as vinculações constitucionais, mas, no exercício seguinte,
cancelava parte dessas obrigações.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
45
Não se pode olvidar, também, que nos anos de foram feitas
inscrições de restos a pagar não processados sem que houvesse disponibilidade
financeira que assegurasse o adimplemento das obrigações.
No exercício de 2014, constatou-se que houve o cancelamento de R$
116.913.066,43 de restos a pagar inscritos em exercícios anteriores. Para a Unidade
Técnica, esse cancelamento caracteriza grave desequilíbrio financeiro. Não obstante,
tal assunto será tratado mais adiante em tópico específico.
No curso das investigações foram requisitados documentos e
informações constantes nos bancos de dados do Estado de Goiás, foram expedidas
notificações para oitivas de testemunhas e do Requerido MARCONI PERILLO, o
qual compareceu à Promotoria de Justiça, oportunidade em que refutou a denúncia e
ressaltou que todas suas contas foram aprovadas pelo TCE/GO e pela ALEGO –
Assembleia Legislativa de Goiás.
II – DIREITO
É sabido que a Constituição Federal de 1988, também conhecida
como Constituição Cidadã, foi a primeira a encampar o princípio do respeito à
dignidade da pessoa humana dentre seus basilares.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
46
Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes6:“pela primeira vez na
História do nosso constitucionalismo, apresentava o princípio do respeito à dignidade da
pessoa humana e o Título dos direitos fundamentais logo no início das suas disposições, antes
das normas de organização do Estado, estava mesmo disposta a acolher o adjetivo cidadã, que
lhe fora predicado pelo Presidente da Assembleia Constituinte no discurso da promulgação”.
Nessa senda, o art. 6º da Carta Magna estabeleceu que “são direitos
sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia...”. O art. 196, por sua vez,
estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Nas palavras de Lenir Santos7, o art. 196 da CF pode ser desdobrado
em duas partes:
a) A primeira de linguagem mais difusa que corresponde a programas
sociais e econômicos que visem à redução coletiva de doenças e seus
agravos, com melhoria da qualidade de vida do cidadão. Esta primeira
parte diz respeito muito mais à qualidade de vida, numa demonstração
de que saúde tem conceito amplo que abrange o bem-estar individual,
social, afetivo, psicológico, familiar etc. e não apenas a prestação de
serviços assistenciais; e
6
7 SUS e a Lei Complementar 141 Comentada. 2ª Ed. Saberes Editora, 2012, p. 58.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
47
b) a segunda parte, de dicção mais objetiva, obriga o Estado a manter, na
forma do disposto nos arts. 198 e 200 da Constituição e na lei 8.080/90,
ações e serviços públicos de saúde que possam promover a saúde e
prevenir, de modo mais direto, mediante uma rede de serviços
regionalizados e hierarquizados, os riscos de adoecer (assistência
preventiva) e recuperar o indivíduo das doenças que o acometem
(assistência curativa).
À vista disso, o art. 198 da CF tratou de estabelecer as diretrizes das
ações e serviços públicos de saúde assim como a forma de financiamento, com
alterações posteriores pela Emenda Constitucional nº 29/2000:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas,
sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
[...]
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão,
anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos
derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:
[...]
II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e
159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem
transferidas aos respectivos Municípios; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 29, de 2000)
Destarte, o art. 77 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, incluído, também, pela Emenda Constitucional nº 29, estabeleceu o
percentual mínimo de 12% a ser aplicado nas ações e serviços públicos de saúde,
assim definido:
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
48
Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados
nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:
[...]
II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que
tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas
que forem transferidas aos respectivos Municípios;
[...]
§ 3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União
para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que
será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do
disposto no art. 74 da Constituição Federal.
Posteriormente, editou-se a Lei Complementar nº 141/2012, que
regulamentou o § 3º do art. 198 da CF e manteve a porcentagem de 12%, conforme se
vê no art. 6º da referida Lei:
Art. 6º Os Estados e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, em ações e
serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) da arrecadação
dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam o art.
157, a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da
Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos
respectivos Municípios.
A Lei Complementar estabelece, ainda, em seu art. 16, que “O repasse
dos recursos previstos nos arts. 6º a 8º será feito diretamente ao Fundo de Saúde do respectivo
ente da Federação”.
Nesse prisma, a Lei Estadual n° 17.797/2012 instituiu o Fundo
Estadual de Saúde e o Decreto nº 7.824/2013 o regulamentou. O Fundo Estadual de
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
49
Saúde – FES foi instituído por meio da reestruturação do Fundo Especial de Saúde –
FUNESA8, cujo objetivo é a gestão dos recursos destinados ao financiamento das
ações e dos serviços de saúde.
A receita do Fundo Estadual de Saúde integra a Conta
Centralizadora do Tesouro Estadual, criada pelo Decreto nº 5.525/2001. A Conta
Centralizadora foi criada com objetivo de centralizar todos os recursos financeiros
que ingressassem no âmbito da administração pública direta e indireta do Poder
Executivo estadual. É o que prevê o art. 1º do Decreto:
Art. 1º Fica determinada a centralização na Conta nº 070001-1 - Tesouro
Estadual de todos os ingressos de recursos financeiros de caráter ordinário ou
extraordinário e de natureza orçamentária ou extra-orçamentária, que
tenham sido decorrentes, produzidos ou realizados, direta ou indiretamente,
na forma da legislação pertinente, por órgãos e entidades das administrações
direta e indireta, integrantes da estrutura do Poder Executivo.
No ano de 2015, todavia, editou-se a Lei Complementar nº 121, de 21
de dezembro de 2015. A referida Lei instituiu o “Sistema de Conta Única do Tesouro
Estadual”. Com o mesmo objetivo de gerenciamento dos recursos financeiros do
Estado, a implementação da Conta Única seria gradual e, até o exercício de 2017,
alcançaria a totalidade dos recursos, conforme prevê o art. 8º da Lei.
8 O Fundo Especial de Saúde – FUNESA, criado pela Lei Estadual nº 9.593/84 e regulamentado pelo
Decreto nº 2.470/85, era responsável pela gestão dos recursos da saúde antes da criação do FES.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
50
Entretanto, no relatório de 2016, a Unidade Técnica do TCE/GO
pontuou que “a Conta Centralizadora não será encerrada com a implantação da Cute, tendo
em vista que a mesma apenas poderá ser encerrada após a cobertura do saldo negativo
do Tesouro Estadual, o que segundo o §1º, do art. 1º do Decreto nº 8.849/2016, se dará no
prazo de 48 meses” (pg. 469 – Doc. 6).
Dessa forma, nota-se que nos exercícios de 2016 e 2017 as duas contas
estiveram ativas e gerenciando recursos do Fundo Estadual de Saúde – FES.
Feitas essas observações, deve-se ressaltar que a gestão do orçamento
público obriga o gestor a observar as regras estabelecidas no ordenamento jurídico. A
Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal e outras normas correlatas
estabelecem as regras a serem seguidas pelo Administrador Público.
Instituída pela Lei Complementar nº 101/2000, a Lei de
Responsabilidade Fiscal determina, em seu art. 1º, § 1º, que “a responsabilidade na
gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem
desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas
de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a
renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas
consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão
de garantia e inscrição em Restos a Pagar”.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
51
A mesma Lei, em seu art. 50, § 2º, estabelece que “a edição de normas
gerais para consolidação das contas públicas caberá ao órgão central de contabilidade da
União”, que se trata da Secretaria do Tesouro Nacional.
A fim de dar cumprimento a essa atribuição, a Secretaria do Tesouro
Nacional edita os Manuais de Demonstrativos Fiscais – MDF para cada exercício
financeiro, com aplicação a todos os entes federados, inclusive ao Estado de Goiás.
Entretanto, ao analisar as Contas do Governador no período de 2011
a 2017, a Unidade Técnica do TCE apurou diversas irregularidades na gestão dos
recursos públicos. Como demonstrado em linhas pretéritas, essas irregularidades
resultaram em um verdadeiro colapso do orçamento público.
Importante lembrar que, em reportagem recente, a imprensa
informou que as dívidas com as Organizações Sociais da saúde somavam R$ 283
milhões9, conforme dados levantados em setembro deste ano, o que representa uma
consequência lógica da abordagem feita pelo ex-Governador MARCONI FERREIRA
PERILLO JÚNIOR com as contas públicas.
Ressalta-se que o ESTADO DE GOIÁS, alegando que a saúde estava
deficitária, passou a gestão da saúde às Organizações Sociais (OS). Isso há uns 05
(cinco) anos aproximadamente.
9https://www.opopular.com.br/editorias/cidades/d%C3%ADvidas-com-oss-da-sa%C3%BAde-somam-
283-milh%C3%B5es-1.1642354
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
52
Posto isso, observou-se, em primeira análise, que o Estado de Goiás
não cumpriu o mínimo constitucional de 12% em ações e serviços públicos de saúde
nos exercícios de 2011, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017. A tabela a seguir demonstra os
valores que deixaram de ser aplicados nos exercícios:
Exercício
Valor não aplicado,
abaixo do mínimo
constitucional
2011 R$ 5.959.731
2014 R$146.195.477
2015 R$ 107.382.141
2016 R$ 191.209.838
2017 R$ 104.883.203
Total R$ 555.630.390
Contudo, a não aplicação do mínimo constitucional na saúde decorre
de algumas irregularidades perpetradas pelo Governo de Goiás, algumas de forma
reiterada, entre os exercícios de 2011 a 2017. Nesse deslinde, é importante ressaltar as
irregularidades detectadas e que influenciaram no descumprimento da vinculação
constitucional na saúde.
Primeiramente, observou-se que a SEFAZ computou a
disponibilidade financeira e gastos com inativos e pensionistas no cômputo do
mínimo constitucional.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
53
No ano de 2011, o Estado não cumpriu a vinculação constitucional na
saúde, pois considerou a disponibilidade financeira (R$ 168.505.506,37) e os gastos
com inativos e pensionistas (R$ 592.709,00) no cálculo da aplicação.
A disponibilidade financeira, conforme já mencionado, se trata do
saldo para uma nova despesa. Contabilizar a disponibilidade financeira como ações e
serviços públicos de saúde é realizar uma contagem duplicada, haja vista que os
restos a pagar não processados já representavam a referida disponibilidade que
estava sendo contabilizada.
Sobre o tema, o Manual de Demonstrativos Fiscais previa o seguinte
(pg. 168 – Doc. 1):
Durante o exercício, não deverão ser incluídos os valores das despesas
empenhadas que ainda não foram liquidadas. No encerramento do exercício,
as despesas empenhadas, não liquidadas e inscritas em restos a pagar não-
processados, por constituírem obrigações preexistentes, decorrentes de
contratos, convênios e outros instrumentos, deverão compor, em função do
empenho legal, o total das despesas executadas. Portanto, durante o
exercício, são consideradas despesas executadas apenas as despesas
liquidadas e, no encerramento do exercício, são consideradas despesas
executadas as despesas liquidadas e as inscritas em restos a pagar
não-processados.
No encerramento do exercício, as despesas com ações e serviços públicos de
saúde inscritas em Restos a Pagar poderão ser consideradas para fins de
apuração dos percentuais de aplicação estabelecidos na Constituição, desde
que haja disponibilidade financeira vinculada à saúde.
Constatou-se, também, no mesmo exercício, a contabilização de
gastos com inativos e pensionistas no cálculo da aplicação do mínimo constitucional
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
54
na saúde. Extrai-se do Manual de Demonstrativos Fiscais vigente à época, que a
orientação já era no sentido de que esse tipo de despesa não se enquadrava nas ações
e serviços públicos de saúde, veja-se:
TOTAL DAS DESPESAS COM AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE
SAÚDE – Nessa linha, registrar o total das despesas em ações e serviços
públicos de saúde de acesso universal, deduzidas as despesas com
inativos e pensionistas; com juros, encargos e amortização da dívida; e as
despesas custeadas pelo Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Esse
total representa todo o gasto do ente em ações e serviços públicos de saúde de
acesso universal, financiado com recursos próprios, apurado para fins de
verificação do cumprimento do limite mínimo constitucionalmente
estabelecido. (pg. 213 – Doc. 8.1)
Entretanto, ignorando o regramento financeiro, o Governo do Estado
contabilizou tais gastos como aplicação no mínimo constitucional.
Por outro lado, o Governo não contabilizou o saldo negativo do
Tesouro Estadual na apuração da disponibilidade financeira, consequentemente,
inscreveu restos a pagar não processados sem que houvesse saldo suficiente para
suportar a despesa.
Sobre o tema, o art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece o
seguinte:
Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos
últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de
despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
55
que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja
suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.
Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão
considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do
exercício.
Importante esclarecer que o dispositivo legal baliza a vedação
apenas nos últimos 2 (dois) quadrimestres do mandato do Governador, no caso.
Não obstante, há orientação da Secretaria do Tesouro Nacional para que seja
observado em todos os exercícios
Foi possível observar que a Superintendência do Tesouro Estadual,
desde o exercício de 2011, não contabilizava o saldo negativo do Tesouro para fins de
apuração da disponibilidade de caixa na Conta Centralizadora.
Considerar o saldo negativo do Tesouro para com a Conta
Centralizadora é importante para que se saiba, realmente, qual o limite de caixa
disponível (disponibilidade financeira) para inscrição de restos a pagar.
Ocorre que, para o Governo, desconsiderar o saldo negativo na
apuração da disponibilidade de caixa representou o cumprimento das metas e
vinculações constitucionais.
Aliado a isso, a Conta Centralizadora há muito tem estado com o
saldo negativo em decorrência da alavancagem financeira exercida pelo Estado de
Goiás.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
56
Extrai-se do relatório de análise das contas que o “saldo negativo é
decorrente da alavancagem financeira citada no item anterior, na qual o Tesouro se apropriou
dos recursos da Conta Centralizadora, ficando devedor para com a mesma, e
consequentemente com os demais órgãos e entidades do Estado, sendo obrigado a restituí-los
na forma do § 1º, art. 2º, do Decreto nº 6.542/2006” (pg. 165 – Doc. 4).
A Unidade Técnica ressaltou, ainda, que o procedimento adotado
pelo Estado é inverso do adotado pela União:
“Por meio do caixa único o Tesouro Nacional se vale de suas disponibilidades
para socorrer os órgãos e entidades federais, mas não utiliza das
disponibilidades dos órgãos e entidades federais para se socorrer
financeiramente. Conforme evidenciado anteriormente, o Tesouro do Estado
de Goiás se vale dos saldos financeiros dos órgãos e entidades para se socorrer
e o inverso não ocorre” (pg. 165 – Doc. 4)
A apropriação desses recursos pode ocasionar dificuldades
financeiras aos órgãos e entidades que tiveram seus recursos suprimidos. Diante
disso, o art. 2º do Decreto nº 6.542/2006 previu que só em casos excepcionais a
Secretaria da Fazenda poderia se utilizar desses recursos. Veja-se:
Art. 2º Excepcionalmente, no interesse do cumprimento da
programação mensal de desembolso e do atendimento a despesas
prioritárias, fica a Superintendência do Tesouro Estadual da Secretaria da
Fazenda autorizada a utilizar, para provisão financeira aos órgãos e às
entidades do Estado, o saldo total dos recursos aplicados na Conta
Centralizadora mencionada no “caput” do art. 1º, inclusive os oriundos de
receitas próprias de empresas estatais dependentes, autarquias, fundações,
sociedades de economia mista, empresas públicas e fundos especiais,
ressalvados os previstos no § 2º do art. 1º, e os oriundos das subcontas dos
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
57
órgãos da administração direta do Poder Executivo e dos fundos de outros
Poderes, na forma da autorização prevista no § 4º do art. 1º.
Ocorre que, conforme demonstrado exaustivamente nas linhas
pretéritas, a utilização dos recursos centralizados tornou-se prática rotineira por
parte do Tesouro Estadual. É tão evidente a apropriação desses valores que o saldo
negativo do Tesouro Estadual aumentou de forma significante entre os 2011 e 2017,
período em que houve um impacto substancial na saúde financeira do Estado de
Goiás e no resultado final da Conta Centralizadora. Veja-se a tabela abaixo, que
demonstra a evolução do saldo negativo na conta do Tesouro:
EXERCÍCIO SALDO NEGATIVO DO TESOURO ESTADUAL
2011 R$ 597.084.995
2012 R$ 522.064.941
2013 R$ 858.859.814
2014 R$ 1.492.774.810
2015 R$ 1.592.819.828
2016 R$ 1.518.516.256
2017 R$ 1.196.767.151
Em gráfico, os valores ficam assim representados:
0
500.000.000
1.000.000.000
1.500.000.000
2.000.000.000
2011
2013
2015
2017
Saldo Negativo
do Tesouro
Estadual
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
58
Ressalta-se que a Unidade Técnica do TCE/GO constatou, também,
que o Tesouro Estadual tem se apropriado indevidamente dos rendimentos auferidos
por meio da Conta Centralizadora.
No exercício de 2013, por exemplo, o saldo negativo do Tesouro para
com a Conta Centralizadora era de R$ 858.859.813,88, entretanto, o Governo se
apropriou dos rendimentos da Conta Centralizadora, por meio das Guias de Receita
nº 2012.9995.1389 e nº 2013.9995.1520, conforme demonstra a tabela abaixo:
No exercício de 2014, houve a apropriação pelo Tesouro Estadual dos
rendimentos no importe de R$ 20.840.723, por meio da Guia de Receita nº
2014.9995.1569. (pg. 167 – Doc. 4)
No exercício de 2015, a apropriação foi na ordem de R$5.862.020 (pg.
241 – Doc. 5). Dessa forma, a Unidade Técnica do TCE/GO apurou que, desde o
exercício de 2002, o Tesouro se apropriou de R$164.444.717 dos rendimentos, que
representa mais de 90% do total de rendimentos obtidos (R$ 181.395.436,39). Desse
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
59
montante, R$ 155.495.523, ou 85% do total, foi apropriado entre os exercícios de 2012
e 2015, no Governo do requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR.
Esse valor representa prejuízo aos fundos e entidades, pois não
obtiveram a remuneração devida, e, consequentemente, aumento da dívida do
Tesouro para com a Conta Centralizadora.
O Decreto nº 6.542/2006, em seu art. 1º, § 1º, dispõe que “o produto
resultante da aplicação financeira referida no “caput” deste artigo, referente a recursos
oriundos das empresas estatais dependentes, autarquias, fundações, sociedades de economia
mista, empresas públicas e fundos especiais constitui, proporcionalmente, receita
financeira de cada entidade ou fundo, devendo ser contabilizada como “Juros de Depósitos
Bancários”, à conta de recursos diretamente arrecadados”.
Dessa forma, o Governador do Estado violou a legalidade ao
apresentar prestação de contas com dados maquiados e em desconformidade às
regras estabelecidas.
Ademais, o ex-Governador não pode alegar desconhecimento, haja
vista que, já no exercício de 2012, a Unidade Técnica recomendou ao Governo de
Goiás que regularizasse tal situação e passasse a considerar o saldo negativo do
Tesouro para fins de inscrição em restos a pagar. Todavia, a Secretaria da Fazenda
não regularizou.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
60
Isso porque, nos exercícios de 2014 a 2017, para alcançar o percentual
mínimo de 12%, o requerido contabilizou indevidamente despesas inscritas em restos
a pagar não processados como investimento na saúde, no montante de R$
Consta do Relatório sobre as Contas do Governador que o
“7 . Os recursos destinados às ações e serviços públicos de saúde, totalizaram
em 12,07% do total da receita líquida de impostos, portanto atendendo o
mínimo constitucional que é de 12%. Esta relatoria levou em consideração o
ingresso de recursos financeiros no final do exercício fiscal, gerando uma
disponibilidade para a recomposição do índice constitucional mínimo no
exercício posterior, cabendo a esta Corte de Contas fiscalizar a glosa dos
empenhos, para que não ocorra superposição de dados na composição do
índice do exercício de 2012”. (pg. 6, Doc. 1.3)
Corroborando tal informação o MDF – ANEXO II assim dispõe:
Durante o exercício, não deverão ser incluídos os valores das despesas
empenhadas que ainda não foram liquidadas. No encerramento do exercício,
as despesas empenhadas, não liquidadas e inscritas em restos a pagar não-
processados, por constituírem obrigações preexistentes, decorrentes de
contratos, convênios e outros instrumentos, deverão compor, em função do
empenho legal, o total das despesas executadas. Portanto, durante o
exercício, são consideradas despesas executadas apenas as despesas
liquidadas e, no encerramento do exercício, são consideradas despesas
executadas as despesas liquidadas e as inscritas em restos a pagar não-
processados.
No encerramento do exercício, as despesas com ações e serviços públicos de
saúde inscritas em Restos a Pagar poderão ser consideradas para fins de
apuração dos percentuais de aplicação estabelecidos na Constituição, desde
que haja disponibilidade financeira vinculada à saúde.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
61
No ano de 2014, a Unidade Técnica do TCE apurou um saldo
negativo na ordem de R$ 1.492.774.810,30 na conta do Tesouro Estadual (nº
4204.02355)
A tabela em epígrafe mostra a gravidade da situação das finanças
públicas estaduais, observadas especificamente no Poder Executivo, com flagrante
descumprimento do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LC nº 101/2000. A
coluna contendo a disponibilidade de caixa líquida só não considera as inscrições de
restos a pagar não processados do exercício de 2014. Portanto, essa coluna deve
evidenciar os recursos públicos que o ente deveria ter em caixa para honrar seus
compromissos assumidos, exceto as obrigações provenientes de inscrições de restos a
pagar não processados do exercício de 2014.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
62
Todavia, percebe-se que em 31/12/2014 faltavam cerca de R$ 317
milhões ao Poder Executivo para o pagamento de suas obrigações. Por conseguinte,
isso mostra, por meio de números, o que já existe no cotidiano da administração
estadual: falta de recursos para cumprir com os compromissos. Por outro lado,
pontua-se que o déficit financeiro tão somente do Poder Executivo, alcança a cifra de
R$ 786 milhões, caso se considere nas disponibilidades a inscrição dos restos a pagar
não processados do exercício de 2014.
Por todo o exposto, é notório que os desmandos do Governador
resultariam no colapso do orçamento público e, consequentemente, no
descumprimento das vinculações constitucionais.
Na pasta da saúde, considera-se descumpridas as vinculações
constitucionais nos anos de 2011, 2014, 2015, 2016 e 2017, no valor total de R$
555.630.390,00 (quinhentos e cinquenta e cinco milhões, seiscentos e trinta mil,
trezentos e noventa reais).
Não se pode olvidar, também, que este Parquet ajuizou Ação Civil
Pública por Ato de Improbidade Administrativa em desfavor do mesmo demandado,
ex-Governador MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, pelo descumprimento da
vinculação constitucional, na ordem de R$ 2.182.345.466,70 (dois bilhões, cento e
noventa e dois milhões, trezentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e sessenta e
seis reais e setenta centavos), na manutenção e desenvolvimento do ensino público.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
63
Destaca-se que o caso em tela se trata de um direito fundamental
social, ao qual o Constituinte conferiu peso em abstrato mais elevado, se comparado
aos demais direitos fundamentais, em virtude do tratamento mais detalhado e
rigoroso que o dispensou. O direito fundamental à saúde, justamente por ser aquele
responsável pela manutenção da vida em seu sentido mais primário, é o que
encontra maior proximidade com a dignidade humana, princípio fundamental e
pedra angular do nosso Estado Democrático de Direito.
É evidente que as ilicitudes aqui narradas redundou na atual
situação do serviço público de saúde no Estado de Goiás. A imprensa tem noticiado a
ausência de repasses dos recursos públicos às Organizações Sociais que gerem parte
das unidades de saúde do Estado10. Cita-se como exemplo a matéria publicada no
jornal O Popular, aos 17/10/2018, onde é noticiado que “a dívida do governo estadual
com as organizações sociais (OSs) que administram 17 unidades de saúde em Goiás é de R$
283,2 milhões”.
Em outra matéria, a imprensa noticiou que o Instituto Gerir,
responsável pela gestão do Hospital de Urgências de Goiânia – HUGO e do Hospital
de Urgências de Trindade – HUTRIN, pediu a rescisão do contrato dos contratos de
gestão firmados com a Secretaria Estadual de Saúde, “devido aos atrasos recorrentes de
10 https://www.opopular.com.br/editorias/cidades/d%C3%ADvidas-com-oss-da-sa%C3%BAde-
somam-283-milh%C3%B5es-1.1642354
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
64
pagamento e déficits constantes, que resultam em falta de recursos materiais e humanos para
que a organização social continue prestando o trabalho de excelência”11.
Ressalta-se que, recentemente, o Ministério do Trabalho determinou
que o HUGO não recebesse novos pacientes devido à falta de medicamentos e
insumos12.
O Ministério Público Federal – MPF, por sua vez, ajuizou Ação Civil
Pública13 em face da União e do Estado de Goiás para que fosse bloqueado o valor de
R$ 27.589.000,00 (vinte e sete milhões e quinhentos e oitenta e nove mil reais),
referente ao déficit do Estado para com o HUGO até o dia 25/09/2018.
O MPF ressaltou que, em audiência realizada com representantes do
hospital, deste Ministério Público, do Conselho Regional de Farmácia – CRF, da
Secretaria de Estado da Saúde – SES, da OAB/GO e do Ministério do Trabalho, foi
noticiado que “a SES realizara os empenhos das despesas, mas cabe a Secretaria de Fazenda
do Estado proceder a liquidação e pagamento, ainda pendentes” (pg. 8 – Doc. 13).
Por todo o exposto, é nítido o descumprimento à legalidade e à
moralidade pelo requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, ante o
11 https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2018/10/26/organizacao-social-responsavel-pela-gestao-do-
hugo-e-do-hutrin-pede-a-secretaria-de-saude-a-rescisao-dos-contratos.ghtml 12 https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2018/10/12/ministerio-do-trabalho-determina-que-hugo-nao-
receba-novos-pacientes-devido-a-falta-de-insumos-em-goiania.ghtml 13 http://www.mpf.mp.br/go/sala-de-imprensa/docs/not2321-ACP%20Hugo.pdf
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
65
descumprimento de recomendações e de dispositivos legais e constitucionais que
resultaram em um verdadeiro colapso nas contas públicas e na prestação dos
serviços de saúde no Estado. Conforme se demonstrará, essas violações configuram
atos de improbidade administrativa.
II.1) DA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Inobstante a clareza normativa e doutrinária a respeito da temática, o
Poder Executivo do Estado de Goiás, em contrariedade a comandos normativos
vigentes, não repassou, na quantidade e forma devidas, os valores mínimos para as
ações e serviços públicos de saúde nos exercícios de 2011, 2014, 2015, 2016 e 2017,
conforme se comprova pela análise dos elementos probatórios colhidos no curso das
investigações.
Tal conduta do ex-Governador MARCONI FERREIRA PERILLO
JÚNIOR tem agravado a situação da saúde pública no Estado, mormente pela
frequente falta de medicamentos e insumos em afronta à preservação da dignidade
da pessoa humana, da vida e da saúde dos cidadãos goianos. Deixou o gestor de
atender a um dever republicano, ao qual se encontrava vinculado, em razão da sua
inarredável obrigação de executar escorreitamente os comandos insertos na
Constituição Federal e na legislação correlata.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
66
O descumprimento dos mínimos constitucionais é resultado de uma
gestão irresponsável, que maquiou as contas públicas para esconder os verdadeiros
números do orçamento estadual.
O somatório de várias irregularidades (omissão do saldo negativo do
Tesouro Estadual na Conta Centralizadora; apropriação dos rendimentos da Conta
Centralizadora; inscrição de restos a pagar não processados sem disponibilidade de
caixa; despesas com inativos e pensionistas e disponibilidade de caixa considerados
como aplicação na saúde...) redunda no descumprimento das vinculações
constitucionais na saúde.
Pode-se dizer, seguramente, que o requerido agiu com dolo, tendo
em vista que, desde o exercício de 2011, tem sido recomendado a regularizar tais
situações pelo TCE/GO.
Para relembrar, no exercício de 2011, a Corte de Contas determinou
“a recomposição dos mínimos constitucionais de Educação, Ciência e Tecnologia e Saúde até
o fim do exercício de 2012, fazendo a glosa dos empenhos indicados nas contas do exercício
de 2012”, bem como a “criação de controle específico para acompanhamento de
possíveis saldos negativos nas contas que compõem a centralizadora estadual e
demais contas do Estado”. (pg. 13 – Doc. 1.1).
Observada a maquiagem contábil, no exercício de 2012 o Tribunal de
Contas recomendou ao Governador que “[demonstrasse] o impacto causado pelo
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
67
saldo negativo da conta do Tesouro Estadual (4204.02355), levando o respectivo valor
aos cálculos dos demonstrativos que compõem os Relatórios Resumidos de Execução
Orçamentária e de Gestão Fiscal, bem como às disponibilidades apresentadas no Balanço
Geral do Estado, por meio de notas explicativas” (pg. 4 – Doc. 2.2).
Não obstante, o Governo continuou a maquiar as contas públicas, o
que ensejou, no exercício de 2013, nova recomendação para que fosse “[demonstrado]
o impacto causado pelo saldo negativo da conta do Tesouro Estadual (4204.02355),
levando o respectivo valor aos cálculos dos demonstrativos que compõem os Relatórios
Resumidos de Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, bem como às disponibilidades
apresentadas no Balanço Geral do Estado, por meio de notas explicativas” (pg. 4 – Doc. 3.2).
Novamente, no exercício de 2014, a Unidade Técnica do TCE/GO
sugeriu ao Conselheiro Relator que determinasse ao Governo de Goiás que
“[demonstrasse] o impacto causado pelo saldo negativo da conta do Tesouro Estadual
(4204.02355), levando o respectivo valor aos cálculos dos demonstrativos que compõem os
Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, bem como às
disponibilidades apresentadas no Balanço Geral do Estado, por meio de notas explicativas”
(pg. 172 – Doc. 4).
O Tribunal Pleno, então, emitiu “Parecer Prévio favorável à aprovação
das contas referentes ao exercício financeiro de 2014, com ressalva quanto ao déficit da Conta
Centralizadora do Estado” (pg. 2 – Doc. 4.2).
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
68
No exercício de 2015, o TCE recomendou “[realização] a contabilização
e distribuição de forma tempestiva dos rendimentos auferidos pela Conta Centralizadora, bem
como reconhecer um passivo do Tesouro Estadual com os demais órgãos e cheques que tiveram
recursos centralizados e não receberam as devidas receitas de juros proporcionais ao saldo
gerencial aplicado desde a criação da conta” (pg. 2 – Doc. 5.2).
Com o agravamento ano a ano da situação financeira do Estado, o
TCE determinou, no julgamento das contas de 2016, que o governo “[realizasse] as
baixas nos saldos remanescentes da conta centralizadora e reduzir o saldo negativo do Tesouro
junto à centralizadora apresentado ao final de 2016, eliminando-o gradativamente, até o final
do exercício de 2020”, bem como “[recompusesse] os valores acumulados como saldo
negativo junto a Conta única” e ”[realizasse] a emissão de ordens de pagamento
extraorçamentários, somente em casos de disponibilidade de recursos financeiros” (pg. 2/3 –
Doc. 6.2).
Por fim, no Parecer Prévio relativo às contas de 2017, o Tribunal de
Contas fez as seguintes determinações (pg. 3 – Doc. 7.2):
5. Conta Centralizadora e Conta Única:
5.1. Promover a efetiva extinção do saldo negativo do Tesouro Estadual
junto à Conta Única do Tesouro Estadual - CUTE, até o exercício de 2022,
adotando redução proporcional a cada exercício de no mínimo 20,00%.
6. Impacto no Cumprimento dos Índices Constitucionais:
6.1. Ausentar-se de efetuar Ordens de Pagamento Extraorçamentárias sem o
devido respaldo financeiro.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
69
Nesse deslinde, é notório que o Governador do Estado tinha
conhecimento da real situação orçamentária, ano a ano, e mesmo assim, de forma
livre e consciente, perpetuou a maquiagem das contas públicas e adotou postura
ímproba deliberada de descumprir as normas constitucionais e legais mencionadas,
ignorando os justos anseios dos cidadãos e incorrendo no que dispõe os artigos 10,
caput e inciso XI, e 11, caput e inciso II, da Lei nº 8.429/92.
II.1.1) DA VIOLAÇÃO DOLOSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA: ARTIGO 11, CAPUT E INCISO II DA LEI Nº 8.429/92
O artigo 11, caput e inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa
dispõe o seguinte:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições, e notadamente:
[...]
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
A Constituição Federal elencou, no caput do art. 37, os princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência como os
norteadores do administrador público. Tais princípios, quando relegados, ensejam a
responsabilização por ato de improbidade administrativa. Com efeito, a conduta do
ex-Governador feriu frontalmente os postulados administrativos-constitucionais da
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
70
moralidade, da legalidade e da eficiência, além de caracterizar violação ao dever de
lealdade às instituições.
O princípio da legalidade, em primeiro lugar, obriga que os agentes
públicos pautem suas condutas a partir dos exatos ditames constantes das normas
jurídicas que regulam a matéria em questão. Em outras palavras, ao gestor só é lícito
fazer o que determina a lei.
A doutrina de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo14 (apud Celso
Antônio Bandeira de Mello), ensina que “o princípio da legalidade representa a
consagração da ideia de que a administração pública só pode ser exercida conforme a lei, sendo
a atividade administrativa, por conseguinte, sublegal e infralegal, devendo restringir-se à
expedição de comandos que assegurem a execução da lei”.
Conclui-se que, ao optar voluntariamente por não seguir o comando
normativo objetivo, de caráter inquestionavelmente vinculado, diante dos fatos
exaustivamente narrados, principalmente da Constituição da República e da Lei
Complementar nº 141/2012 (Lei de Responsabilidade Fiscal), o gestor incorreu
dolosamente na prática de ato de improbidade administrativa, promovendo a afronta
ao princípio e dever de legalidade, alçando, ainda, uma das modalidades expressas
no exemplificativo rol do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, já que o referido ato de ofício
decorre de mandamentos normativos.
14 Direito administrativo descomplicado. P. 194
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
71
Importante mencionar que a afronta à legalidade se deu em matéria
de direito fundamental à saúde, epicentro da ordem constitucional brasileira, já que
representa uma projeção da dignidade da pessoa humana, também princípio de
ordem constitucional.
Sobre o tema, traz-se à baila julgado do Ministro Celso de Mello:
“O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que
assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional
indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera
institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira,
não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena
de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento
inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA
NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA
CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da
regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos
os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização
federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa
constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando
justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de
maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por
um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que
determina a própria Lei Fundamental do Estado. (...) (RE 271286 AgR,
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em
12/09/2000, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJ 24-11-2000 PP-00101
EMENT VOL-02013-07 PP-01409).
A moralidade administrativa, por sua vez, foi ferida pelo atuar
censurável do Chefe do Executivo Estadual. O referido princípio prescreve ao
governante rigidez ética em sua conduta, pautando-se por valores concernentes à
honestidade, imparcialidade, probidade, além da persecução do justo e do bem
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
72
coletivo, consignados, em grande parte, nas escolhas democráticas alocadas no
ordenamento jurídico, cuidando-se, portanto, de uma moral objetiva.
O princípio da moralidade “é um requisito de validade do ato
administrativo, e não de aspecto atinente ao mérito” (ALEXANDRINO; PAULO, 2016, p.
196). Dessa forma, a análise não se sujeita à oportunidade e conveniência, mas sim,
na legitimidade do ato.
Outrossim, a eficiência administrativa, “que se identifica com a noção de
‘administração gerencial’”15, restou violada pelo ex-Governador, haja vista a obrigação
que a Administração Pública tem de assegurar a maior efetividade na execução de
uma política pública.
Referente às políticas públicas de saúde, a Constituição Federal foi
efetiva em estabelecer, visando a economicidade orçamentária, estipular o mínimo
constitucional de 12% da arrecadação de determinados tributos em ações e serviços
públicos de saúde. Notadamente, o Governador rompeu com a economicidade ao
não aplicar o mínimo constitucional estabelecido pelo Constituinte. Violou, ainda, a
economicidade ao elevar a despesa pública de modo que não houvesse
disponibilidade orçamentária para suportar os empenhos emitidos.
15 Marcelo Alexandrino p. 212.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
73
Leciona a doutrinadora Odete Medauar16 o seguinte:
“O vocábulo liga-se à ideia de ação, para produzir resultado de modo rápido e
preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência
determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso,
para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da
população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a
omissão – características habituais da Administração Pública brasileira, com
raras exceções”.
Por fim, o ex-Governador faltou com o dever de lealdade às
instituições, nos termos do art. 11, caput, do mesmo diploma legal. Lealdade é o
respeito aos princípios e regras que norteiam a probidade, pelo que, quando aplicada
ao setor público, implica necessariamente em adoção de opções que sejam conforme
os fins institucionais dos entes aos quais o agente está vinculado, que busquem
atender os objetivos do bem comum e do interesse público.
Significa dizer que a lealdade se confirma na gestão ética da coisa
pública, a partir de condutas que estejam alinhadas ao bem comum e às exigências
normativas.
Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça – STJ já declarou que o
descumprimento de normas legais e constitucionais que fixam um percentual
mínimo de destinação de receita configura improbidade administrativa, veja-se:
16 Direito Administrativo Moderno. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 151.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
74
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO
DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE RECEITA DE
IMPOSTOS NA MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO
ENSINO. ART. 212 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONDUTA
COMISSIVA POR OMISSÃO, CUJA AUSÊNCIA DO ELEMENTO
SUBJETIVO COMPETE AO ADMINISTRADOR PÚBLICO.
PROPORCIONALIDADE DAS SANÇÕES APLICADAS.
1. Recurso especial no qual se discute a caracterização de ato ímprobo em
razão da não destinação de 25% das receitas provenientes de impostos na
manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme determinação do art.
212 da Constituição Federal.
2. O administrador público, que não procede à correta gestão dos recursos
orçamentários destinados à educação, salvo prova em contrário, pratica
conduta omissiva dolosa, porquanto, embora saiba, com antecedência, em
razão de suas atribuições, que não será destinada a receita mínima à
manutenção e desenvolvimento do ensino, nada faz para que a determinação
constitucional fosse cumprida, respondendo, assim, pelo resultado porque
não fez nada para o impedir.
3. Caracterizado o ato ímprobo, verifica-se que não há desproporcionalidade
na aplicação das penas de suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 3
(três) anos e de pagamento de multa civil no valor equivalente a duas
remunerações percebidas como Prefeito do Município.
4. Recurso especial não provido.
(REsp 1195462/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 21/11/2013)
Sobreleva-se que o demandado possuía pleno conhecimento dos
fatos e de suas respectivas consequências, em virtude de reiterados alertas feitos pelo
TCE/GO.
Dessa forma, ao contrariar, de modo deliberado, os preceitos legais e
constitucionais, violando os princípios da moralidade, da legalidade e da eficiência,
bem como o dever de lealdade às instituições, de forma dolosa, ferindo a dignidade
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
75
dos usuários do serviço público de saúde, o demandado incidiu nas restrições
contidas no art. 11, caput, e inciso II, da Lei de Improbidade, possibilitando a
aplicação das sanções do artigo 12, inciso III, da mesma norma.
I.1.2) DA APLICAÇÃO IRREGULAR DA VERBA PÚBLICA E DO PREJUÍZO AO
PATRIMÔNIO PÚBLICO PELA NÃO REALIZAÇÃO INTEGRAL DE POLÍTICA
DA SAÚDE: ART. 10, INCISO XI, DA LEI Nº 8.429/92
Não bastasse a violação ao disposto no art. 11, caput e inciso II, da
LIA, a malversação da verba pública configura violação ao art. 10, caput e inciso XI
da mesma norma, veja-se:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao
erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou
haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
[...]
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes
ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
O prejuízo ao erário advém dos atos e omissões do demandado que
proporcionaram o emprego irregular de verbas, passível de comprovação por meio
da notória constatação material de que, em decorrência da não aplicação do
percentual mínimo constitucional nos exercícios de 2011, 2014, 2015, 2016 e 2017, e
consequente alocação de tais verbas em despesas diversas, as políticas públicas
relacionadas às ações e serviços de saúde não foram plenamente atendidas,
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
76
ocasionando graves transtornos aos direitos à vida, às saúde e às dignidade da
população goiana.
Por conseguinte, não se trata apenas de um prejuízo aferível em um
decréscimo patrimonial, como demonstrado exaustivamente nestes autos e noticiado
constantemente pela mídia, mas de dano à própria política pública que, por sua vez,
também integra o conceito superlativo de patrimônio público, insculpido na Lei nº
8.429/92, que perfaz com a conjugação dos aspectos material e imaterial, afinal,
entende-se por Patrimônio Público os bens, direitos e interesses valorados pela
coletividade e assentados no princípio republicano.
Dessa forma, deduz-se que a não aplicação do mínimo constitucional
nas ações e serviços públicos de saúde redunda, naturalmente, em aplicação em área
diversa da estabelecida. Ora, o fato de o Governo ter emitido Ordens de Pagamento
Extraorçamentária sem que houvesse disponibilidade de caixa, por consequência
lógica, significa que o valor que deveria estar vinculado havia sido empregado
irregularmente em outra área.
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná já enfrentou essa questão.
Na oportunidade, a Corte paranaense firmou o entendimento de que tal conduta
caracteriza desvio de finalidade e configura improbidade administrativa:
(...) 3) DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
INOBSERVÂNCIA DA APLICAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO
EM EDUCAÇÃO (ARTIGO 212, CF) E DESTINAÇÃO AOS
RECURSOS PÚBLICOS DO FUNDEF DIVERSA DAQUELA
PREVISTA EM LEI. VERBAS VINCULADAS. APLICAÇÃO EM
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
77
ÁREAS DIVERSAS. OCORRÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO.
CONDUTA DOLOSA. PRÁTICA DA CONDUTA TIPIFICADA NOS
ARTIGOS 11 E 10, INCISO XI, DA LEI Nº 8.429/1992. AÇÃO
IMPRESCRITÍVEL. RESSARCIMENTO DE VALORES. a) O Apelante
deixou de observar a aplicação do percentual mínimo em educação
segundo previsto no artigo 212, da Constituição Federal, bem como
restou incontroverso nos autos que o Apelante, quando era Prefeito
do Município de Faxinal, aplicou, com base em critérios pessoais,
parte dos recursos oriundos do FUNDEF no pagamento de
remuneração de profissionais alheios ao ensino fundamental público,
dando destinação aos recursos públicos diversa daquela prevista em
Lei. b) Trata-se de ato administrativo vinculado a aplicação dos
recursos destinados a educação (artigo 212, CF) e dos recursos
oriundos do FUNDEF no ensino fundamental público e na
valorização de seu magistério, não podendo o agente político, com
base em critérios pessoais, dar destinação diversa daquela prevista
expressamente em lei. c) Logo, a utilização de verba para fim diverso
daquele para o qual estava vinculada por Lei, implicou na prática
da conduta tipificada nos artigos 11, e, 10, inciso XI, da Lei nº
8.429/1992, caracterizando improbidade administrativa. d) É bem de
ver, ainda, que restou caracterizado o dolo na conduta do Apelante,
já que consciente e voluntariamente deixou de aplicar o percentual
mínimo em educação segundo previsto no artigo 212, da
Constituição Federal, bem como deu destinação diversa daquela
expressamente prevista em lei à parte dos recursos provenientes do
FUNDEF, ofendendo, assim, intencionalmente, o princípio da
legalidade. e) No caso, o prejuízo ao erário está caracterizado pelos
valores aplicados irregularmente, que comprometem o atendimento
dos objetivos do FUNDEF, acarretando prejuízos a grande parcela
da população, os quais devem ser ressarcidos ao Município, de
modo que venham a atender às finalidades específicas e vinculadas
para as quais foram previstos. (Relator vencido, nessa parte). f) Ou
seja, ainda que a verba tenha sido utilizada com outras despesas do
Município, deve ser recomposta à área para a qual foi
originariamente destinada. (...) [TJPR, Apelação Cível nº 800.798-1,
Rel. Des. Leonel Cunha, j. 13.12.2011].
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
78
II.2) DO DANO MORAL DIFUSO E COLETIVO:
A previsão de responsabilização por danos morais coletivos encontra
guarida, dentre outros diplomas legais, na Lei Federal 7.347/85, in verbis:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular,
as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
(...)
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
(...)
VIII – ao patrimônio público e social.
Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
Além da expressa previsão legal, a doutrina advoga que “os valores da
coletividade não se confundem com os valores de cada um dos indivíduos que a compõem,
admitindo-se, assim, que um determinado fato possa abalar a imagem e a moral coletivas,
independentemente dos danos individualmente suportados”.17
Ademais, “o dano moral (lesão a direito personalíssimo) não se
confunde com a dor, com o abalo psicológico, com o sofrimento da vítima, sendo estes apenas
os efeitos da ofensa. Por isso é perfeitamente possível entender a proteção dos direitos da
personalidade para os direitos difusos e coletivos, a exemplo do que já é feito em relação às
pessoas jurídicas, passíveis de sofrerem dano moral”.18
17 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos
Esquematizado. 3ª ed., São Paulo: Método, 2013, p. 435. 18 Ibidem, p. 436.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
79
Com apoio nesse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça,
por meio da 2ª Turma (direito público) e da 3ª Turma (direito privado) tem admitido
sistematicamente a possibilidade de responsabilização por dano moral coletivo, sua
função punitiva e a legitimidade do Ministério Público para pleiteá-la em sede de
ação civil pública. Confiram-se alguns precedentes:
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS -
DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE
COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO – APLICAÇÃO
EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL –
CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO -
ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE
TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI
10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e
atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de
comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva
dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas
como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.
2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de
dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação
na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e
coletivos.
3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a
procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe
livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o
Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de
documento de identidade.
4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema
normativo.
5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as
circunstancias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento
o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
80
5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1057274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA
TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010)
RECURSO ESPECIAL - DANO MORAL COLETIVO - CABIMENTO -
ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR -
REQUISITOS - RAZOÁVEL SIGNIFICÂNCIA E REPULSA SOCIAL -
OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE - CONSUMIDORES COM
DIFICULDADE DE LOCOMOÇÃO - EXIGÊNCIA DE SUBIR
LANCES DE ESCADAS PARA ATENDIMENTO – MEDIDA
DESPROPORCIONAL E DESGASTANTE - INDENIZAÇÃO -
FIXAÇÃO PROPORCIONAL - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL
- AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - RECURSO ESPECIAL
IMPROVIDO.
I - A dicção do artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor é
clara ao possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos
consumidores, tanto de ordem individual quanto coletivamente.
II - Todavia, não é qualquer atentado aos interesses dos
consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o
fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites
da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir
verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações
relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. Ocorrência, na
espécie.
III - Não é razoável submeter aqueles que já possuem dificuldades de
locomoção, seja pela idade, seja por deficiência física, ou por causa
transitória, à situação desgastante de subir lances de escadas, exatos
23 degraus, em agência bancária que possui plena capacidade e
condições de propiciar melhor forma de atendimento a tais
consumidores.
IV - Indenização moral coletiva fixada de forma proporcional e
razoável ao dano, no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
V - Impõe-se reconhecer que não se admite recurso especial pela
alínea "c" quando ausente a demonstração, pelo recorrente, das
circunstâncias que identifiquem os casos confrontados.
VI - Recurso especial improvido.
(REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012)
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
81
Na esteira do entendimento ora defendido, a Escola Nacional de
Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM, sob a batuta da então
Ministra do STJ Eliana Calmon, editou os seguintes enunciados sobre improbidade
administrativa e dano moral coletivo:
Enunciado n.º 16 (TJPB/ESMA – agosto de 2013): “O ato de
improbidade pode gerar dano moral coletivo quando configurada a
razoável significância a produzir sentimento de intranquilidade e
repúdio social, os quais ultrapassam a mera insatisfação com a
atividade administrativa.”
Enunciado n.º 8 (TJBA/Unicorp, Ilhéus – setembro de 2013): “É
cabível a condenação em dano moral coletivo, ainda que não exista
pedido expresso na inicial, desde que exposto como causa de pedir,
face a mitigação do princípio da adstrição nas ações de improbidade
administrativa.”
Enunciado n.º 5 (TJBA/Unicorp, Juazeiro – setembro de 2013): “O ato
de improbidade pode gerar dano moral coletivo cujo valor deverá ser
estimado e acrescido ao valor do ressarcimento do dano material, se
houver.”
Enunciado n.º 16 (TRF1/Esmaf – novembro de 2013): “A
compensação pelo dano moral coletivo não integra a sanção de
ressarcimento integral prevista no art. 12 da Lei 8429/92. Pode,
contudo, haver cumulação dos pedidos típicos da ação de
improbidade administrativa com o pedido de compensação pelo
dano moral coletivo, cujo valor será destinado ao fundo previsto na
Lei 7347/85.”
Importante frisar que há forte tendência no STJ e na doutrina em
eleger dois requisitos para a configuração do dano moral coletivo: a) razoável
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
82
significância do fato transgressor e b) repulsa social. In casu, esses requisitos estão
presentes, senão veja-se:
A significância do fato transgressor está presente, porquanto os atos
de improbidade administrativa imputados ao Requerido MARCONI PERILLO se
desenrolaram por anos a fio, acarretando um prejuízo à saúde do ESTADO DE
GOIÁS, com a não aplicação suficiente de receitas, no importe de R$ 555.630.390,00
(quinhentos e cinquenta e cinco milhões, seiscentos e trinta mil, trezentos e noventa
reais).
A repulsa social também é evidente, pois toda sociedade goiana está
chocada com os “rombos” nas contas públicas, o que só foi chegado ao conhecimento
de todos após o Requerido deixar o Governo, a partir de abril/2018.
Nesse passo, requer a condenação do Requerido MARCONI
FERREIRA PERILLO JÚNIOR ao pagamento de 10 (dez) vezes o valor de sua última
remuneração como Governador do Estado de Goiás, a título de danos morais
coletivos, totalizando o montante de R$ 250.520,00 (10x 25.052,00).
Por fim, os valores devem ser recolhidos ao fundo a que alude o art.
13 da Lei nº 7.347/85.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
83
III – DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
Para concretização de parte da providência jurisdicional pedida,
calcada no art. 5º da Lei Federal 8.429/1992, afigura-se imperiosa a concessão de
tutela provisória de urgência consistente no bloqueio de bens dos réus, forte no que
dispõem o art. 37, § 4º, da Constituição Federal, art. 7º da Lei 8.429/1992 c/c arts. 294,
caput, 297, e 300, do CPC/2015.
É preciso ter presente que a decretação de indisponibilidade de bens
inaudita altera pars em Ações de Improbidade Administrativa não viola o art. 17, § 7º,
da Lei 8.429/1992, podendo ser deferida antes mesmo da notificação prévia. Eis o
entendimento, pacífico, do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
INDISPONIBILIDADE DE BENS. DEFERIMENTO SEM AUDIÊNCIA
DA PARTE ADVERSA. POSSIBILIDADE. MEDIDA
ACAUTELATÓRIA.
1. É pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual, ante sua
natureza acautelatória, a medida de indisponibilidade de bens em ação
de improbidade administrativa pode ser deferida sem audiência da
parte adversa e, portanto, antes da notificação a que se refere o art.
17, § 7º, da Lei n. 8.429/92. Precedentes.
2. Recurso especial provido.
(REsp 862.679/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 04/10/2010)
Por outro lado, é cediço que as medidas antecipatórias, em regra,
exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni iuris
(plausibilidade do direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
84
outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil
reparação).
O fumus boni iuris se encontra presente, notadamente nos fatos e
fundamentos jurídicos esgrimidos nesta petição inicial, que demonstram de forma
cristalina que o Requerido MARCONI PERILLO descumpriu reiteradamente a
determinação constitucional de aplicar percentual mínimo de recursos na saúde, o
que certamente causou prejuízos irreparáveis à população goiana, principalmente
aos menos favorecidos, que utilizam o sistema público de saúde.
Ressalte-se que o setor técnico responsável em analisar as contas do
governador apontou que desde o ano de 2011 o Requerido MARCONI PERILLO tem
“maquiado” as contas do Estado deixando de aplicar R$ 555.630.390,00 para atingir o
mínimo de recursos na saúde.
No caso da medida de indisponibilidade de bens, prevista no art. 7º
da Lei 8.429/1992, o periculum in mora é oriundo da gravidade dos fatos e do
montante do prejuízo causado que atinge toda a coletividade.
Releva observar que para o deferimento da indisponibilidade de
bens em Ações de Improbidade Administrativa não é preciso demonstrar que os
Requeridos estejam dilapidando seu patrimônio ou na iminência de fazê-lo, uma vez
que o periculum in mora encontra-se implícito no art. 37, § 4º, da Constituição
Federal e no art. 7º da Lei 8.429/1992.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
85
Depois de muitos julgados, o Superior Tribunal de Justiça,
conforme noticiado no Informativo STJ n.º 547, de 8 de outubro de 2014, por meio de
sua PRIMEIRA SEÇÃO, que congrega as duas Turmas de Direito Público da Corte,
em processo submetido ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C, CPC/1973 e art.
1.036 e ss do CPC/2015), pacificou o tema em aresto paradigmático, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL
REPETITIVO. APLICAÇÃO DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO
ART. 543-C DO CPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DOS
BENS DO PROMOVIDO. DECRETAÇÃO. REQUISITOS. EXEGESE
DO ART. 7º DA LEI N. 8.429/1992, QUANTO AO PERICULUM IN
MORA PRESUMIDO. MATÉRIA PACIFICADA PELA COLENDA
PRIMEIRA SEÇÃO.
1. Tratam os autos de ação civil pública promovida pelo Ministério Público
Federal contra o ora recorrido, em virtude de imputação de atos de
improbidade administrativa (Lei n. 8.429/1992).
2. Em questão está a exegese do art. 7º da Lei n. 8.429/1992 e a possibilidade
de o juízo decretar, cautelarmente, a indisponibilidade de bens do demandado
quando presentes fortes indícios de responsabilidade pela prática de ato
ímprobo que cause dano ao Erário.
3. A respeito do tema, a Colenda Primeira Seção deste Superior Tribunal de
Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1.319.515/ES, de relatoria do em.
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator para acórdão Ministro Mauro
Campbell Marques (DJe 21/9/2012), reafirmou o entendimento consagrado
em diversos precedentes (Recurso Especial 1.256.232/MG, Rel. Ministra
Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19/9/2013, DJe 26/9/2013;
Recurso Especial 1.343.371/AM, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma, julgado em 18/4/2013, DJe 10/5/2013; Agravo Regimental no
Agravo no Recurso Especial 197.901/DF, Rel. Ministro Teori Albino
Zavascki, Primeira Turma, julgado em 28/8/2012, DJe 6/9/2012; Agravo
Regimental no Agravo no Recurso Especial 20.853/SP, Rel. Ministro
Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 21/6/2012, DJe 29/6/2012;
e Recurso Especial 1.190.846/PI, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda
Turma, julgado em 16/12/2010, DJe 10/2/2011) de que, "(...) no comando do
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
86
art. 7º da Lei 8.429/1992, verifica-se que a indisponibilidade dos bens é
cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de
responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário,
estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo
determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual 'os
atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo
da ação penal cabível'. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da
sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens,
porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual,
em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta
ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do
art. 7º da Lei n. 8.429/92. Assim, a Lei de Improbidade Administrativa,
diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais,
possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que
tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do
enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à
norma afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823
do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art. 789 do CPC),
admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de
recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do
acréscimo patrimonial ilegalmente auferido".
4. Note-se que a compreensão acima foi confirmada pela referida Seção, por
ocasião do julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Divergência
no Recurso Especial 1.315.092/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,
DJe 7/6/2013.
5. Portanto, a medida cautelar em exame, própria das ações regidas
pela Lei de Improbidade Administrativa, não está condicionada à
comprovação de que o réu esteja dilapidando seu patrimônio, ou na
iminência de fazê-lo, tendo em vista que o periculum in mora
encontra-se implícito no comando legal que rege, de forma peculiar, o
sistema de cautelaridade na ação de improbidade administrativa,
sendo possível ao juízo que preside a referida ação,
fundamentadamente, decretar a indisponibilidade de bens do
demandado, quando presentes fortes indícios da prática de atos de
improbidade administrativa.
6. Recursos especiais providos, a que restabelecida a decisão de primeiro
grau, que determinou a indisponibilidade dos bens dos promovidos.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
87
7. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e do art. 8º da Resolução
n. 8/2008/STJ.
(REsp 1366721/BA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,
Rel. p/ Acórdão Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 26/02/2014, DJe 19/09/2014).
O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por diversas vezes, foi
provocado quanto ao tema e, bem por isso, já consolidou seu entendimento através
de todas as Câmaras Cíveis. Confira-se: AI 130178-60.2013.8.09.0000, Rel. Des. Luiz
Eduardo Sousa, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 17.09.2013 e publicado em
26.09.2013; AI 139597-36.2015.8.09.0000, Rel. Des. Carlos Alberto França, 2ª
CÂMARA CÍVEL, julgado em 26/05/2015, DJe 1796 de 03/06/2015; AI 386988-
76.2010.8.09.0000, Rel. Des. Floriano Gomes, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgado em
15.05.2012 e publicado em 29.05.2012; AI 381408-31.2011.8.09.0000, Rel. Des. Kisleu
Dias Maciel Filho, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 09.02.2012 e publicado em
07.03.2012; AI 35215-94.2012.8.09.0000, Rel. Des. Alan S. de Sena Conceição, 5ª
CÂMARA CÍVEL, julgado em 25.10.2012 e publicado em 28.11.2012; AI 352511-
90.2011.8.09.0000, Rel. Des. Camargo Neto, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgado em
08.05.2012 e publicado em 25.05.2012.
Todavia, é cediço que a indisponibilidade de bens deve recair sobre
o patrimônio de modo suficiente não só a garantir a integral reparação do dano –
material e moral –, mas também, considerando o valor de possível multa civil como
sanção autônoma. Bem por isso, devem ser bloqueados tantos bens quantos forem
bastantes para dar cabo da execução em caso de procedência da ação.
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
88
No caso ora em análise, pela gravidade da conduta do Requerido, a
multa civil a ser aplicada deverá alcançar o seu patamar máximo, a fim de atender
ao seu caráter retributivo e preventivo. Assim, considerando o art. 12, caput, III, da
Lei nº 8.429/1992, está o Requerido MARCONI PERILLO sujeito, dentre as demais
cominações estabelecidas por lei, ao pagamento de multa civil de 100 (cem) vezes o
valor da última remuneração.
O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado nas
duas Turmas de Direito Público de que, dado o caráter assecuratório da medida de
indisponibilidade de bens prevista no art. 7º da Lei nº 8.429/1992, o bloqueio de bens
deve levar em consideração tanto os valores a título de enriquecimento ilícito e dano
causado quanto o valor de possível multa civil como sanção autônoma:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL
NO RECURSO ESPECIAL. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA
DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. EXEGESE DO ART. 7º
DA LEI N. 8.429/92. DECRETAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE OU
BLOQUEIO DE BENS PELO JUÍZO. POSSIBILIDADE. PRESENÇA
DE FORTES INDÍCIOS DE RESPONSABILIDADE PELA PRÁTICA
DE ATO ÍMPROBO QUE CAUSE LESÃO AO PATRIMÔNIO
PÚBLICO OU IMPORTE EM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
NECESSIDADE. COMPROVAÇÃO DE DILAPIDAÇÃO DE
PATRIMÔNIO OU SUA IMINÊNCIA. NÃO OBRIGATORIEDADE.
CARÁTER ASSECURATÓRIO. INDISPONIBILIDADE DE BENS QUE
RECAI SOBRE O PATRIMÔNIO DOS AGENTES, AINDA QUE
ADQUIRIDOS ANTERIORMENTE À PRÁTICA DO SUPOSTO ATO.
ACÓRDÃO EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA
CORTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - O acórdão recorrido está em confronto com o entendimento desta Corte,
no sentido de que o juízo pode decretar, fundamentadamente, a
indisponibilidade ou bloqueio de bens do indiciado ou demandado, quando
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
89
presentes fortes indícios de responsabilidade pela prática de ato ímprobo que
cause lesão ao patrimônio público ou importe enriquecimento ilícito,
prescindindo da comprovação de dilapidação de patrimônio, ou sua
iminência.
II - Ademais, dado seu caráter assecuratório, a indisponibilidade de bens
deve recair sobre o patrimônio dos agentes, ainda que adquiridos
anteriormente à prática do suposto ato de improbidade, de modo
suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao
Erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa
civil aplicada como sanção autônoma.
III - Os Agravantes não apresentam, no regimental, argumentos suficientes
para desconstituir a decisão agravada.
IV - Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp 1383196/AM, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 10/11/2015)
O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás perfilha o mesmo
entendimento do STJ, verbis:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA POR SUPOSTOS ATOS DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. RECURSO SECUNDUM EVENTUM LITIS.
INDISPONIBILIDADE DE BENS. LIMINAR INDEFERIDA NO
JUÍZO A QUO. CONTRATO DE TRANSPORTE. PRORROGAÇÃO
DA AVENÇA POR MEIO DE ADITIVO. MAJORAÇÃO DO VALOR
PREVIAMENTE CONTRATADO. PRESENÇA DOS REQUISITOS
LEGAIS. CONCESSÃO INAUDITA ALTERA PARTE. ARTIGO 12 DA
LEI Nº 7.347/85. INDÍCIOS DA PRÁTICA DE ATO ÍMPROBO.
DECISÃO REFORMADA. RECURSO AO QUAL SE DEU
PROVIMENTO, NOS TERMOS DO ARTIGO 557, § 1º-A, DO CÓDEX
PROCESSUAL. COMANDO JUDICIAL EM OBEDIÊNCIA À
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL NA ESPÉCIE. AUSÊNCIA DE
ARGUMENTOS PLAUSÍVEIS CAPAZES DE ALTERAR O
JULGAMENTO.
I - A confirmação do decisum invectivado é medida que se impõe, mormente
porque a recorrente deixou de carrear argumentos plausíveis capazes de
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
90
alterar o julgamento já proferido no caderno processual. Premissas
equivocadas por parte da agravante.
II - O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o artigo 7º,
parágrafo único, da Lei nº 8.429/92, tem entendido que a decretação
de indisponibilidade de bens deve incidir sobre quantos bens se façam
necessários ao integral ressarcimento do dano, levando-se em conta,
ainda, o potencial valor de multa civil. AGRAVO REGIMENTAL
CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 366880-21.2013.8.09.0000, Rel.
DES. FAUSTO MOREIRA DINIZ, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgado em
19/01/2016, DJe 1958 de 28/01/2016) (Grifou-se)
Assim, com apoio na melhor doutrina e na jurisprudência, e presente
a verossimilhança das alegações do Ministério Público, a determinação de bloqueio
de bens do Requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR se impõe,
porquanto constatada a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Os bens
e/ou valores a serem indisponibilizados são:
Réu Valor a título de dano ao erário
Valor a título de dano moral
coletivo
Valor a título de multa civil
Total
Marconi Ferreira Perillo Júnior
R$ 555.630.390,00
R$ 250.520,00 (10x 25.052,00).
R$ 2.505.200,00 R$ 558.386.110,00
A indisponibilidade deve se dar em contas bancárias e/ou aplicações
financeiras do Requerido, sendo as constrições realizadas por meio do sistema
BacenJud 2.0, porquanto possível o uso da penhora on-line de forma acautelatória e
não somente na fase de execução/cumprimento de sentença, o que inegavelmente
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
91
geraria efetividade ao processo, evitando-se a dilapidação do patrimônio dos réus e
garantindo-se o perdimento de bens em favor do Estado de Goiás ao final da ação.
Frise-se que o art. 835, I, do CPC/2015 dispõe que a penhora recairá
preferencialmente sobre o dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em
instituição financeira, sendo desnecessário buscar outros bens antes de se efetuar o
bloqueio via BacenJud, conforme restou definido pela Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.112.943/MA, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, julgado em 15/09/2010, DJe 23/11/2010 (Informativo STJ n.º 447, de 13 a 17
de setembro de 2010).
É necessário registrar que o bloqueio de bens aqui pleiteado não se
afigura como antecipação de aplicação de sanções ao Requerido, mas tão somente
meio de assegurar o resultado útil do processo, instaurado em defesa do patrimônio
público e dos princípios da Administração Pública.
IV – DOS PEDIDOS
Ante todo o exposto, o Ministério Público requer:
Em face do Requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR:
1. o deferimento da tutela provisória inaudita altera pars, para
determinar o bloqueio de bens do Requerido MARCONI FERREIRA
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
92
PERILLO JÚNIOR até o limite de R$ 558.386.110,00 (quinhentos e
cinquenta e oito milhões, trezentos e oitenta e seis mil e cento e dez
reais);
2. a notificação pessoal do requerido para, caso queira, oferecer
manifestação preliminar, nos termos do artigo 17, § 7º, da Lei
8.429/92;
3. o recebimento da inicial, nos termos do artigo 17, § 9º, da Lei nº
8.429/92, e posterior citação do requerido para, caso queira,
apresentar contestação;
4. a procedência do pedido, em todos os seus aspectos, para que seja o
requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR condenado nas
penas do artigo 12, II e III, da Lei nº 8.429/92, pela prática de atos de
improbidade administrativa descritos no artigo 10, caput e XI, e
artigo 11, caput e inciso I, da mesma Lei;
4.1) o pagamento de R$ 555.630.390,00 a título de
reparação pelos danos causados ao erário;
4.2) o pagamento de R$ 2.505.200,00 a título multa civil,
correspondente a 100 vezes o valor da última
remuneração;
78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público
93
4.3) o pagamento de R$ 250.520,00 (10x 25.052,00) a
título de dano moral coletivo e difuso
Em face do Requerido ESTADO DE GOIÁS:
5. seja o Estado de Goiás condenado na obrigação de não fazer,
consiste na proibição de inserir no cálculo da apuração de
investimento mínimo em ações e serviços públicos de saúde restos a
pagar não amparados por disponibilidade financeira no exercício de
inscrição;
Pedidos finais:
6. a condenação do Requerido ao pagamento das custas processuais;
7. a produção de todos os meios de provas admitidos em direito,
inclusive, a juntada de documentos contidos nos autos extrajudiciais
nº 201800248760 (Inquérito Civil Público nº 046/2018);
Atribui-se à causa o valor de R$ 558.386.110,00 (quinhentos e
cinquenta e oito milhões, trezentos e oitenta e seis mil e cento e dez reais).
Goiânia, 13 de novembro de 2018.
VILLIS MARRA
– Promotora de Justiça –