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AS ILHAS ATLNTICAS. PARA UMA VISO DINMICA DA SUA HISTRIA68
AS ILHAS ATLNTICAS.PARA UMA VISO DINMICA
DA SUA HISTRIA
P O R
ALBERTO VIEIRA
O Atlntico no s uma imensa massa de gua, polvilhadade ilhas pois est associado a uma larga tradio histrica. Foina Antiguidade que recebeu o nome de baptismo.
As ilhas foram e continuam a ser o principal pilar e o mar otrao de unio. Estamos perante um conjunto de ilhas e arqui-plagos, relevantes no processo histrico, quase sempre comointermedirios entre litorais dos continentes europeu, africano eamericano. Anicham-se, de um modo geral, junto da costa doscontinentes africano e americano. Apenas os Aores, Santa He-lena, Ascenso e o grupo de Tristo da Cunha se distanciam dela.
Desde o pioneiro estudo de Fernand Braudel1 que s ilhas foiatribuda uma posio chave na vida do oceano e do litoral doscontinentes. Segundo Pierre Chaunu2, foi activa a intervenodos arquiplagos da Madeira, Canrias e Aores, o MediterrneoAtlntico, na economia europeia dos sculos XV e XVII3.
1 O Mediterrneo e o Mundo Maditerrnico na poca de Filipe II, 2 vols.,Lisboa, 1984 (1 edio em 1949).
2 Sevilla y Amrica. Siglos XVI y XVII, Sevilha, 1983 [Estudo abreviadodos 14 volumes de Sville et lAtlantique y del Pacifique des Ibriques, 1949,1955-60].
3 Confronte-se nossos estudos: Comrcio Inter-insular nos sculos XVe XVI. Madeira, Aores e Canrias, Funchal, 1987; Portugal y las Islas del At-lntico, Madrid, 1992.
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O Atlntico pode ser considerado uma inveno europeia dossculos XV e XVI, articulando-se directamente com as polticascoloniais das potncias emergentes. A partir daqui estabeleceu-se, em ambos os lados do oceano, um vnculo directo entre ilhase reas costeiras. A Histria, a Geografia marcaram a vida dooceano nos ltimos cinco sculos4. A partir do sculo XV foi umespao privilegiado para os imprios europeus onde as ilhasassumem uma funo fundamental no cruzamento de rotas,circulao de pessoas e produtos5.
Na Histria do Atlntico o mundo insular uma realidadesempre presente. A Antiguidade Clssica faz apelo s ilhasmticas, fantsticas e imaginrias, cuja localizao acontecesempre no Atlntico6. O fascnio do mundo insular manteve-senos descobrimentos europeus. Foi uma dominante da culturaOcidental e Oriental, ganhando papel de relevo na mitologiaclssica e na construo de novos mitos7. Daqui resultoucertamente a moda de divulgao com os isolarios, em que sedestaca o de Beneditto Bordone de 15288. Depois, construram-se pontes entre ambos os lados do oceano como pilhares assen-tes nas ilhas. As rotas do Atlntico, ndico e Pacfico s seafirmaram por fora da presena de ilhas. D. Manuel, monarcaportugus, ciente da importncia desta realidade, mandouestabelecer o Livro das Ilhas para tombar toda a documentaomais significativa que a elas se referia9.
4 D. W. MEINIG, The Shaping of Amrica: A Geographical Perspective on500 years of History, vol. I: Atlantic America 1492-1800, New Haven, 1986.PIETER EMMER, In Search of a System: The Atlantic Economy, 1500-1800,in HORST PIETSCHMANN, Atlantic History. History of the Atlantic System 1580-1830, Gottingen, 2002, pp. 169-178; BARBARA L. SOLOW, Slavery and the Riseof the Atlantic System, N. York, 1991.
5 Cf. JOS MANUEL AZEVEDO E SILVA, A importncia dos espaos insula-res no contexto do mundo Atlntico, in Histria das Ilhas Atlnticas, vol. I,Funchal, 1997, pp. 125-161.
6 W. H. BABCOCK, Legendary Islands of the Atlantic, N. York, 1922; MAR-COS MARTNEZ, Canarias en la Mitologia, Santa Cruz de Tenerife, 1992; IDEM,Las Islas Canrias de la Antigedad al Renacimiento. Nuevos aspectos, SantaCruz de Tenerife, 1996.
7 ANTNIO CARLOS DIEGUES, Ilhas e Mares. Simbolismo e Imaginrio, S.Paulo, Editora Hucitec, 1998, pp. 80, 129-193.
8 INCIO GUERREIRO, Tradio e modernidade nos Isolarios ou livros dasIlhas, dos sculos XV e XVI, in Oceanos, n 46 (Lisboa, 2001), pp. 28-40.
9 Cf. JOS PEREIRA DA COSTA, O Livro das Ilhas, Lisboa, 1987.
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Em sntese podemos afirmar que as ilhas foram espaos deconstruo das utopias, escalas retemperadoras da navegao,reas de desusada riqueza para o europeu, como destino dedesterro de criminosos e polticos, refgio de piratas, aven-tureiros, espaos de convalescena e lazer e turismo.
No vasto conjunto de ilhas que povoam o oceano devemossalientar pelo menos trs grupos: ocenicas (Aores, Madeira...),continentais (Cabo Verde, S. Tom e Prncipe, Santa Catarina...)e fluviais (So Lus no Brasil,...). A posio que cada umaassumiu conduziu a diferente protagonismo histrico. As flu-viais e continentais evidenciaram-se pela dependncia ao espaocontinental vizinho, enquanto as ocenicas ficaram entregues asi prprias.
A favor da valorizao dos espaos insulares temos, ainda, atese que vingou no seio da Historiografia americana de que oAtlntico uma unidade de anlise, delimitada cronologica-mente entre os incios de expanso europeia, a partir do scu-lo XV e a abolio da escravatura em 188810. A funo assumidapelas ilhas no contexto da expanso quatrocentista, quer comoterra de navegadores, quer como principal centro que modeloua realidade socio-econmico, a evidncia da imprescindvel dadimenso atlntica.
Se tomarmos em linha de conta alguns dos temas comuns,como o vinho, o acar e a escravatura, seremos forados aconcluir que foram eles em boa parte, os responsveis pela
10 Cf. JACQUES GODECHOT, Histoire de lAtlantique, Paris, 1947; ALAN L.KARRAS e J. R. MACNEILL, Atlantic American Societies-from ColumbusThrough Abolition 1492-1886, London, 1992 [nomeadamente a apresen-tao de A. L. Karras, The Atlantic World as a unit of Study]; ALFRED W.CROSBY, The Columbian Exchange, Biological and Cultural Consequences of1492, Westport, 1972; S. MINTZ, Sweetness and Power, N. York, 1985;MICHAEL MEYERR, The Price of the new Transnational History, TheAmerican Historical Review, 96, n 4, 1991, 1056-1072; D. W. MEINIG,Atlantic America 1492-1800, New Haven, 1980; LAN STELLE, The EnglishAtlantic, 1675-1740 An Exploration & Communication and Community,N. Y. 1986; DAVID ARMITAGE E MICHAEL J. BRADDICK, The British AtlanticWorld. 1500-1800, N. York, 2000 (especialmente os textos de BernardBailyn e David Armitage); JOHN ELLIOTT, en Bsqueda de la Historia Atln-tica, Las Palmas, 2001.
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opo atlntica. As rotas comerciais, os mercados, e, acima detudo, o oceano como mar aberto, so uma permanncia.
Acontece que a historiografia vem defendendo a vinculaodas ilhas ao Velho Mundo, realando apenas a importncia darelao umbilical com a me-ptria. Os sculos XV e XVI seriamos momentos ureos, enquanto a conjuntura setecentista aexpresso da viragem para o Novo Mundo, em que algunsprodutos, como o vinho, assumem o papel de protagonista e deresponsveis pelas trocas comerciais.
Estudos recentes confirmam que o relacionamento exteriordas ilhas no se resumia apenas a estas situaes11. margemdas importantes vias e mercados intercontinentais subsistemoutras que activaram a economia insular desde o sc. XV. Asconexes entre os arquiplagos prximos (Aores e Canrias) ouafastados (Cabo Verde, S. Tom e Prncipe) foram j motivo deaprofundada explanao, que propiciaram a valorizao daestrutura comercial12. Aqui ficou demonstrada a importnciaassumida pelos contactos humanos e comerciais, que no pri-meiro caso, resultou da necessidade de abastecimento de cereaise, no segundo, das possibilidades de interveno no trficonegreiro, merc da vinculao s reas africanas como a Costada Guin, Mina e Angola.
Em qualquer das situaes o estreitamento dos contactosdepende, primeiro, da presena de uma comunidade que preten-de manter o vnculo terra-me e depois as possibilidades detroca favorvel. A oferta de vinho e a procura pelos agentes dotrfico negreiro, para enganadoramente oferecerem aos sobas
11 A partir de 1976 a realizao de diversos colquios sobre estas ilhas,nas Canrias, Aores e Madeira tem evidenciado esta realidade. Aqui ape-nas damos conta de alguns dos nossos trabalhos, entre muitos que estoreunidos nas referidas actas: O comrcio de cereais dos Aores para aMadeira no sculo XVII, in Os Aores e o Atlntico (sculos XIV-XVII), A.HEROSMO, 1984; O Comrcio de cereais das Canrias para a Madeira nossculos XVI e XVII, in VI Coloquio de Historia Canario Americana, LasPalmas, 1984; Madeira e Lanzarote. Comrcio de escravos e cereais nosculo XVII, in IV Jornadas de Histria de Lanzarote e Fuerteventura, Arre-cife de Lanzarote, 1989.
12 O Comrcio Inter-insular (Madeira, Aores e Canrias) nos sculos XVe XVI, Funchal, 1987.
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africanos, ou do outro lado do Atlntico saciaram a sede doeuropeu a troco do acar, foi o principal mbil. A situaoinfluenciou decisivamente a estrutura comercial insular a partirda segunda metade do sculo XVI.
No caso do Atlntico portugus a conjuntura foi particularpois a actuao em trs frentes Costa da Guin, Brasil endico alargou os enclaves de domnio ao sul do oceano.Neste contexto surgiram cinco vrtices insulares de grande rele-vo Aores, Canrias, Cabo Verde, Madeira e S. Tom queforam imprescindveis para a afirmao da hegemonia e defesadas rotas ocenicas. A assentou-se os pilares atlnticos fazendodas ilhas desabitadas, lugares de acolhimento e repouso para osnufragos, ancoradouro seguro e abastecedor para as embar-caes e espaos agrcolas de exportao. No primeiro caso po-demos referenciar a Madeira, Canrias, Cabo Verde, S. Tom,Santa Helena e Aores, que emergiram em princpios do scu-lo XVI como os principais eixos das rotas do Atlntico. Algumasforam fundamentais nas rotas intercontinentais, como foi o casodas Canrias, Santa Helena, Aores e as que se filiam nas reaseconmicas litorais, como sucedeu com Arguim, Cabo Verde,e o arquiplago do Golfo da Guin. Todas viveram numasituao de dependncia em relao ao litoral que as valorizou.Apenas em S. Tom, pela importncia que a assumiu a cana-de-acar esta subordinao no atingiu a mesma dimen-so noincio.
O protagonismo dos arquiplagos das Canrias e Aores muito mais evidente no traado das rotas ocenicas que sedirigiam ou regressavam das ndias ocidentais e orientais, resul-tado da posio s portas do oceano. Actuaram como via deentrada ou de sada das rotas ocenicas, orientando a piratariae corso para a regio circunvizinha. Mas estas no foram ape-nas reas de apoio, uma vez que o solo frtil permitiu umaproveitamento agrcola. A ltima vertente projectou-as para umlugar relevante na Histria do Atlntico.
A valorizao scio-econmica dos espaos insulares no foiunilinear, dependendo da confluncia de dois factores. Primeiro,os rumos definidos para a expanso atlntica e os nveis da suaexpresso em cada um, depois as condies propiciadoras de
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cada ilha ou arquiplago em termos fsicos, de habitabilidade ouda existncia ou no de uma populao autctone. Quanto aoltimo aspecto de salientar que apenas nas Antilhas, Canriase a pequena ilha de Ferno do P, no Golfo da Guin, jestavam ocupadas quando a chegaram os marinheiros penin-sulares. As restantes encontravam-se abandonadas no obs-tante falar-se de visitas espordicas s ilhas dos arquiplagos deCabo Verde e S. Tom por parte das gentes costeiras o quefavoreceu o imediato e rpido povoamento, quando as condieso permitiam. Se na Madeira a tarefa foi fcil, no obstante ascondies hostis da orografia, o mesmo no se poder dizer dosAores ou de Cabo Verde, onde os primeiros colonos enfren-taram diversas dificuldades. Para as ilhas j ocupadas ascircunstncias foram diferentes, pois enquanto nas Canrias oscastelhanos defrontaram-se com os autctones por largos anos(1402/1496). J em Ferno do P e nas Antilhas foi mais fcilvencer a resistncia indgena.
Os arquiplagos da Madeira e Canrias afirmam-se pelopioneirismo da ocupao que fez com que se projectassem noespao atlntico. evidente a vinculao econmica e institu-cional dos espaos do atlntico portugus Madeira, como su-cede em relao s Canrias com as ndias de Castela. Daquiresulta a sua importncia para o estudo e conhecimento daHistria do Atlntico a valorizao da histria de ambos osarquiplagos13.
As ilhas jogaram um papel fundamental na estratgia deafirmao colonial no Novo Mundo, pois que foram pilares des-tacados do complexo que comeou a construir-se a partir dosculo XV. Elas so, ainda, a imagem do Paraso que se afirmacomo espao de rica explorao econmica, escala retempe-
13 Cf. ALAN L. KARRAS e J. R. MACNEILL, Atlantic American Societies From Columbus Through Abolition 1492-1886, London, 1992; ALFRED W.CROSBY, The Columbian Exchange, Biological and Cultural Consequences of1492, Westport, 1972; S. MINTZ, Sweetness and Power, N. York, 1985;MICHAEL MEYERR, The price of the new transnational history, The Ame-rican Historical Review, 96, n 4, 1991, 1056-1072; D. W. MEINIG, AtlanticAmerica 1492-1800, New Haven, 1980; LAN STELLE, The English Atlan-tic, 1675-1740 An Exploration & Communication and Community,N. Y. 1986.
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radora e de apoio aos intrpidos marinheiros. Paulatinamenteganharam a merecida posio na estratgia colonial, pro-jectando-se nos espaos continentais prximos e longnquos.Abriram as portas do Atlntico e mantiveram-se at a actua-lidade como peas fundamentais. Foram imprescindveis descoberta do oceano como para a afirmao e controlo dosmercados continentais vizinhos, como sucedeu em Cabo Verdee S. Tom.
Nos sculos XVIII e XIX no foi menor o protagonismo insu-lar. As ilhas passaram de escalas de navegao e comrcio acentros de apoio e abastecimento de carvo aos vapores elaboratrios da cincia. Cientistas cruzam-se com mercadores,funcionrios coloniais e militares e seguem as rotas delineadasdesde o sculo XV. A estes juntaram-se os primeiros turistas,que afluem s ilhas desde o sculo XVIII na busca de cura paraa tsica pulmonar ou descoberta das belezas. Foi o incio doturismo insular que s adquiriu a dimenso actual a partir dadcada de cinquenta do sculo XIX.
A segunda metade do sculo XIX confiou ainda outro papels ilhas. Foram elas pontos estratgicos fundamentais dolanamento dos cabos submarinos intercontinentais. A situaoperdurou at dcada de setenta do sculo XX, altura em queos sistemas de telecomunicaes comearam a afirmar-se e adominar em definitivo as trocas de informao interconti-nentais14.
Parte da fortuna destas Afortunadas est patente no pa-pel que assumiram no mundo atlntico a partir do sculo XV.Daqui resultou uma forte vinculao ao mundo europeu quenunca prescindiu da posse na estratgia expansionista e dedomnio do espao atlntico. O progresso das comunicaes nolhes retirou protagonismo, antes pelo contrrio veio a revalori-za-las. Os portos dos veleiros deram lugar aos vapores e aoscabos submarinos e acabaram cedendo os protagonismos aosaeroportos. Hoje assumem uma nova dimenso no mbito pol-tico, como espaos independentes ou autnomos, continuam a
14 Cf. FRANCIS M. ROGERS, Atlantic Islanders of the Azores and Madeiras,Massachusetts, 1979, pp. 175-230.
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assumir a vinculao europeia, sendo mais evidente a vocaode estncia turstica.
AS ILHAS E OS DESCOBRIMENTOS
No conjunto, os arquiplagos do Atlntico Oriental Ma-deira, Aores, Canrias, Cabo Verde, S. Tom deram umcontributo plena valorizao e afirmao do novo espao queganhou evidencia na construo dos imprios europeus
A Madeira surgiu nos alvores do sculo XV como a primeiraexperincia de ocupao em que se ensaiaram produtos, tcni-cas e estruturas institucionais, que depois foram utilizados emlarga escala noutras ilhas e litoral africano e americano. Oarquiplago foi o centro de divergncia dos sustentculos danova sociedade e economia do mundo atlntico: primeirotivemos os Aores, depois os demais arquiplagos e regiescosteiras onde os portugueses aportaram. Idntica funo pre-encheu as Canrias em relao ao modelo colonial castelhano,que num primeiro momento se orientou pela experincia ma-deirense15.
O sistema institucional madeirense apresentava uma estru-tura peculiar definida pelas capitanias. Foi a 8 de Maio de 1440que o Infante D. Henrique lanou a base da nova estrutura aoconceder a Tristo Vaz a carta de capito de Machico. A partirdaqui ficou definido o sistema institucional que deu corpo aogoverno portugus no Atlntico insular e brasileiro. Tambm oscastelhanos vieram ilha receber alguns ensinamentos para asua aco institucional no Atlntico, como se depreende dodesejo manifestado em 1518 pelas autoridades antilhanas emresolver a difcil situao das pequenas ilhas de Curaau, Arubae La Margarita com o recurso ao modelo madeirense de po-voamento.
As Canrias assumiram idntico papel para o imprio deCastela16. Tenha-se em conta que algumas ilhas, nomeadamente
15 Cf. JOS PREZ VIDAL, Aportacin de Canarias a la poblacin de Am-rica, Las Palmas de Gran Canaria, 1991.
16 Como o confirmam os textos de A. RUMEU DE ARMAS, Canarias y el
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a de La Gomera, foram pilares fundamentais no apoio dasviagens colombinas e depois de toda a estratgia imperial17. Apartir daqui os castelhanos fizeram chegar a cultura da canasacarina s ilhas da Amrica central18.
A Madeira foi ainda o ponto de partida para organizao dasociedade no atlntico em torno da escravatura. De acordo comS. Greenfield19 ela serviu de trampolim entre o MediterraneanSugar Production e a Plantation Slavery americana. O autorno faz mais do que retomar os argumentos aduzidos por Char-les Verlinden20 desde a dcada de sessenta, que entretantomereceram alguns reparos na formulao, merc de novosestudos21.
HOMENS E PRODUTOS
Os descobrimentos europeus no podem ser vistos apenas naperspectiva do encontro de novas terras, novas gentes e cultu-ras, devendo associar-se tambm as migraes humanas, quearrastaram consigo um universo envolvente de fauna, flora,tecnologia, usos e tradies. Estamos perante aquilo a que
Atlntico. Pirateras y ataques navales, Madrid, 1991 (reedio); PIERRECHAUNU, ob. cit.; e FRANCISCO MORALES PADRN, El comercio canario-ameri-cano (siglos XVI-XVIII), Sevilla, 1955.
17 ANTONIO TEJERA GASPAR, Los cuatro viajes de Coln y las Islas Cana-rias (1492-1502), La Laguna, Francisco Lemus Editor, 2000.
18 Cf. JUSTO L. DEL RO MORENO, Los inicios de la agricultura europeaen el Nuevo Mundo, Sevilla, 1991, p. 303.
19 Madeira and the Beginings of New World Sugar Cane Cultivationand Plantation Slavery: a Study in Constitution Building, in VERA RUBIN eARTUR TUNDEN (eds.), Comparative Perspectives on Slavery in New WorldPlantation Societies, N. York, 1977.
20 Prcdents et Parallles Europens de lEsclavage Colonial, in Ins-tituto, vol. 113, Coimbra, 1949; Les Origines Coloniales de la CivilizationAtlantique. Antcdents et Types de Structure, in Journal of World History,1953, pp. 378-398; Prcdents Mdivaux de la Colonie en Amrique, Mxi-co, 1954; Les Origines de la Civilization Atlantique, Neuchtel, 1966.
21 Confronte-se ALFONSO FRANCO SILVA, La esclavitud en Andaluca...,in Studia, n 47, Lisboa, 1989, pp. 165-166; ALBERTO VIEIRA, Os escravos noArquiplago da Madeira. Sculos XV a XVII, Funchal, 1991.
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Pierre Chaunu22 define como desencravamento planetrio, vincu-lado s transformaes operadas pela a expanso europeia dosculo XV. Os Descobrimentos foram tambm responsveis pelatransformao e revoluo ecolgica, com impactos positivos ounegativos. Uma das transformaes fundamentais ocorreu aonvel alimentar com a descoberta de novos produtos e condimen-tos que enriqueceram a dieta alimentar23.
NAVEGANTES, AVENTUREIROS E EMIGRANTES
Os Descobrimentos do sculo XV foram o incio de novoprocesso de transmigrao das populaes europeias. Portugal,porque pioneiro, assumiu um lugar de destaque.
tradicional movimentao interna das populaes, resultan-te da reconquista e ocupao, sucedem-se outros para fora docontinente, de acordo com o avano dos descobrimentos e anecessidade de ocupao de novos espaos.
Uma questo, de no menor importncia, prende-se com aforma de recrutamento dos colonos. H os que vo, de livrevontade, aventura, que cumprem uma misso como funcion-rios da coroa ou que se dispem a qualquer servio na mira deuma compensao24. Junta-se, depois, um grupo com grandedestaque em todo o processo, os degredados ou prisioneiros. Nomomento de organizao das armadas de defesa das praasmarroquinas25, de ocupao das ilhas ou do Oriente, a coroa
22 A Histria como Cincia Social, Rio de Janeiro, 1976, 287-32623 PIERRE CHAUNU, A Histria como Cincia Social, Rio de Janeiro, 1976,
pp. 181-239; JOS E. MENDES FERRO, A Influncia Portuguesa na Difusode Plantas no Mundo, Lisboa, 1980; Transplantao de Plantas de Continen-tes para Continentes no sculo XVI, Lisboa, 1986; IDEM, A Aventura das Plan-tas e os Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1999.
24 Veja-se no caso do Oriente o estudo de LUS DE ALBUQUERQUE e JOSPEREIRA DA COSTA, Cartas de Servio da ndia (1500-1550), in MareLiberum, n 1, 1990, 309-396.
25 Confronte-se LUS MIGUEL DUARTE e JOS AUGUSTO P. DE SOTTO MA-YOR PIZARRO, Os Forados das Gals (os Barcos de Joo da Silva e GonaloFalco na Conquista de Arzila em 1471), in Congresso Internacional.Bartolomeu Dias e a sua poca. Actas, vol. II, Porto, 1989, pp. 313-328.
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permitia aos organizadores o recrutamento de homens entre oscondenados de diversos delitos e penas de degredo.
A poltica moderna de degredo como forma de incentivo aopovoamento dos lugares ermos no era novidade, pois vinhasendo utilizada para o povoamento do litoral algarvio e zonasfronteirias com Castela. Era a coroa portuguesa quem orde-nava aos corregedores o destino dos degredados. Depois doAlgarve, tivemos Ceuta e demais praas marroquinas, as ilhasatlnticas. A presena em Marrocos mais insistente a partir de143126. Para as ilhas as orientaes de envio dos degredadossucedem-se conforme a evoluo do povoamento do espaoatlntico: primeiro a Madeira, depois, os Aores, Cabo Verde eS. Tom. A partir de 145427 D. Afonso V determinou, a pedidodo Infante D. Henrique, que todos os homens condenados adegredo iam povoarem as ditas ilhas que ento comeava depovoar.... No ser isto uma vlvula de escape para os conflitossociais28? A coroa castelhana estabeleceu a partir de 1678 comocondio para o comrcio das Canrias com o Novo Mundo o
26 A mudana justificada da seguinte forma por Zurara: muitos demeus naturaes que per alguuns negocios ssam desterrados de meus regnos,melhor estaram aqui fazendo servio a Deos, conprindo sua justia, que ssehirem pollas terras estranhas e desnaturarem-se pera todo o sempre de suaterra [citado por PEDRO DE AZEVEDO, Documentos das Chancelarias ReaisAnteriores a 1531 Relativos a Marrocos, t. I, Lisboa, 1915, p. XIII]. Maistarde, Lus Mendes de Vasconcelos [Dilogos do Stio de Lisboa, inAntologia dos Descobrimentos Portugueses (sculo XVII), Lisboa, 1974],refere que o Brasil povoou-se com degredados, gente que se tirava do reinopor benefcio dele. Recorde-se que Martim Afonso de Sousa fez-seacompanhar de 600 degredados.
27 Carta rgia de 18 de Maio, ANTT, Chanc. de D. Afonso V, l 10,fl. 44v, publ. V. M. GODINHO, Documentos sobre a Expanso, t. I, pp. 215-216. No caso da Costa da Guin, includos os arquiplagos de Cabo Verdee S. Tom, temos para o perodo de 1463 a 1500, 19 casos em que foisolicitada a carta de perdo coroa [veja-se VITOR RODRIGUES, A Guinnas Cartas de Perdo (1463-1500), in Congresso Internacional. BartolomeuDias e a sua poca. Actas, vol. IV, Porto, 1989, pp. 397-412].
28 Veja-se o que aduz, ainda que para uma situao distinta, MANUELHERNNDEZ GONZLEZ, La emigracin a Amrica como vlvula de escapede las tensiones sociales en Canarias durante el siglo XVIII. Las actitudessociales ante la delincuencia, in ANTONIO EIRAS ROEL (ed.), La emigracinespaola a Ultramar, 1492-1914, Madrid, 1991, pp. 311-316.
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embarque de cinco famlias por cada cem toneladas de mer-cadoria29.
O processo migratrio provocado pelos Descobrimentos foitambm materializado por estrangeiros residentes ou queacudiram ao apelo dos descobrimentos. Foram os genoveses,venezianos e florentinos quem mais usufruram da abertura dacoroa participao estrangeira nos descobrimentos. Estes,mediante solicitao da coroa, ou atravs da naturalizao porcarta rgia ou casamento, integraram-se facilmente nas viagensde descobrimento, povoamento e comrcio30. Em qualquer dosarquiplagos a presena foi evidente, assumindo um papel sig-nificativo nas trocas com os mercados europeus.
OS INSULARES E O BRASIL
O Brasil exerceu ao longo da Histria um fascnio especialsobre os insulares que esto ligados desde o incio ao seuprocesso de construo. A Histria dos arquiplagos da Madeira,Aores, Cabo Verde e Canrias tm relevado nos ltimos anos asua presena como lavradores, mercadores, funcionrios e mili-tares. Para os sculos XVI e XVII valorizou-se a presena demadeirenses, de Norte a Sul, como lavradores e mestres deengenho, pioneiros na definio da agricultura de exportaobaseada na cana-de-acar, funcionrios que consolidaram asinstituies locais e rgias, ou militares que se bateram em di-versos momentos pela soberania portuguesa. O forte impactomadeirense nos primrdios da sociedade brasileira levou EvaldoCabral de Mello a definir a capitania de S. Vicente como a NovaMadeira31.
29 JOS PREZ VIDAL, Aportacin de Canrias a la poblacin de Amrica,Las Palmas, 1991, p. 87.
30 PROSPERO PERAGALLO, Cenni in torno alla Colonia Italiana in Portogallonei secoli XIV, XV e XVI, Torino, 1904; CHARLES VERLINDEN, Linfluenza italia-na nela colonizzazione iberica. Uomini e metodi, in Nuova Rivista Storica,XXXVI, 1952, 254-270; ISABEL CASTRO HENRIQUES, Os italianos como re-velador do Projecto Poltico Portugus nas Ilhas Atlnticas (sculos XVe XVI), in Ler Histria, n 16, 1981.
31 Conferncia, in As Ilhas e o Brasil, Funchal, CEHA, 2000, p. 13.
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Evaldo Cabral de Mello Neto, como Jos Antnio Gonsalvesde Mello, so raros exemplos na historiografia brasileira devalorizao da presena madeirense32. Aos agricultores e tcnicosde engenho seguiram-se aventureiros, perseguidos pela religio(= os judeus), politica e alguns foragidos da justia. Deste modoa presena de madeirenses, ainda que mais evidente nas terrasde canaviais de Pernambuco, espalhou-se a todo o espao comfocos de maior influncia em S. Vicente, Baa, Carabas e Ilhus.
A libertao do Maranho em 1642 foi obra de AntnioTeixeira Mello, enquanto em Pernambuco a resistncia e ex-pulso do holands foi organizada desde 1645 por Joo Fer-nandes Vieira. Ainda, a defesa da soberania lusada foi conse-guida com o envio de companhias de soldados da ilha. Assimtemos em 1631 de Joo de Freitas da Silva, 1632 de Franciscode Bettencourt e S e em 1646 de Francisco Figueiroa. No lti-mo quartel do sculo XVII com o envio de soldados para oMaranho e Rio de Janeiro e Santa Catarina.
O processo ganhou nova dimenso no sculo XVIII com aemigrao de casais madeirenses e aorianos. Esta foi a soluoencontrada para resolver os problemas sociais nas ilhas e garan-tir a soberania das terras do Sul brasileiro. Em 1746 temos oenvio de casais aorianos e madeirenses para o sul comogarantia de defesa das fronteiras do Tratado de Madrid. Afundao da cidade de Portalegre feita por um madeirense,sendo aqui a presena de colonos, fundamentalmente, aoriana.As evidncias da situao esto ainda hoje presente no estadode Santa Catarina atravs de diversas manifestaes como asfestas do Esprito Santo. Nos sculos XIX e XX o Brasil continuoua ser um destino cobiado dos insulares. A Histria e o quo-tidiano registam de forma evidente o movimento.
Cabo Verde e as Canrias33 afirmaram-se no relacionamentocom o Brasil por fora do comrcio de escravos, ficando ainda
32 Jos Pereira da Costa [O Brasil..., in As Ilhas e o Brasil, Funchal,2000, pp. 22-23] refere que a Historiografia brasileira dedica pouca atenos ilhas.
33 ROSELLI SANTAELLA STELLA, As Ilhas Canrias nos Registos do Brasilde Quinhentos, in XI Coloquio de Historia Canario Americana, t. III (1996),57-73; IDEM, As Canrias como eixo na conexo comercial do Brasil aoPrata, in X Coloquio de Historia Canario Americana, t. I, 1994, 89-305.
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reservado s ilhas de Tenerife e La Palma o contrabando deacar no sculo XVII. O perodo de unio das coroas peninsu-lares favoreceu esta via. No obstante a presena de gentes dasCanrias no Brasil, foi nas colnias espanholas que os mesmosadquiriram uma posio desusada, merc do posicionamento doarquiplago em face da rota de ida. As viagens de Colomboabriram-lhes as portas, que nunca mais se fecharam.
Nos sculos XVIII e XIX as ligaes comerciais das ilhas noAtlntico mantm-se pela oferta de vinho, vinagre, de acar eaguardente. A relao alargou-se a partir de 1746 presena decasais insulares (madeirenses e aorianos) no Sul e forteemigrao da segunda metade do sculo XIX. No sculo XX oBrasil continuou a ser ainda o El Dourado para os insulares,nomeadamente os madeirenses, que encontram no Rio e San-tos, a fuga s dificuldades da guerra ou s difceis condies desobrevivncia.
OS ESCRAVOS
A expanso europeia abriu aos europeus as portas do Atln-tico propiciando a migrao das mais importantes rotas comer-ciais para novo palco. As viagens de reconhecimento da costaafricana tornaram possvel o acesso fcil ao mercado de escravosatravs das razias.
No foram os portugueses que estiveram na origem daescravizao do negro e na criao do mercado negreiro, poisj existia h muito tempo no mundo mediterrnico e africano.O seu papel resume-se a estabelecer as rotas atlnticas e a ini-ciar a colonizao assente nesta mo-de-obra. A Madeira assu-miu mais uma vez uma posio relevante por ter sido o primeiroespao. Todavia o escravo nunca teve uma posio dominantena sociedade e processo produtivo, situao que s suceder emCabo Verde e S. Tom. Nestes ltimos arquiplagos um dosprincipais incentivos fixao de colonos europeus foi oprivilgio do resgate de escravos na costa africana vizinha.
O comrcio de escravos, a exemplo das demais transacescomerciais no espao atlntico alem do Bojador, esteve sujeito a
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apertada regulamentao. Primeiro foi a reserva de espao nolitoral africano para interveno exclusiva dos vizinhos de CaboVerde e S. Tom. Ambos os arquiplagos funcionaram comoplacas giratrias do trato negreiro para o novo continente.Depois com a unio das duas coroas, a partir de 1595, manteve-se o controlo rgio, sendo o comrcio sujeito a um sistema decontratos e assentos. A situao s persistiu at 1650, altura emque o mercado de escravos africanos abriu as portas a todos osintervenientes34. Isto aconteceu num momento de retraco domercado brasileiro que s recuperar trinta e nove anos maistarde com a necessidade da mo-de-obra para a minerao.
O processo de formao das sociedades insulares na Guinfoi diferente daquilo que aconteceu na Madeira, Aores eCanrias. Aqui, a distncia do reino e as dificuldades de re-crutamento de colonos europeus devido insalubridade do cli-ma condicionaram de modo evidente a expresso tnica. A parde um reduzido nmero de europeus, restrito em alguns casosaos familiares dos capites e funcionrios rgios, juntaram-se osafricanos, que corporizaram o grupo activo da sociedade. Querem Cabo Verde, quer em S. Tom o trabalho dos escravos era afora motriz da economia agrcola.
Em todas as ilhas a presena do escravo negro no foi pac-fica, sendo considerada em muitos momentos como um factorde forte instabilidade social. Os fugitivos, num e noutro lado,geravam a habitual apreenso das autoridades, que tudo faziampara sanar os aspectos nocivos que a sua presena poderia cau-sar. Mas enquanto na Madeira, Aores ou Canrias a confli-tuosidade era sazonal, no assumindo propores graves, omesmo no se podendo dizer das ilhas da Guin. Em S. Tom,os fugitivos reuniam-se nas montanhas em quadrilhas e assalta-vam esporadicamente as vilas.
34 Cf. ENRIQUETA VILA VILAR, Hispano-Amrica y el comercio de esclavos.Los asientos portugueses, Sevilla, 1977.
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OS JUDEUS
A comunidade judaica assumiu um papel de destaque noprocesso dos descobrimentos. A presena notria desde o incio.Aos judeus foram atribudas responsabilidades na definio dasrotas comerciais que ligavam o atlntico descoberto com osmercados do norte da Europa. A teia familiar de negcios foium dos principais suportes da rede comercial35. Desde a Ma-deira, com o incremento do acar, a sua presena evidente.To pouco a criao do tribunal da Inquisio os impediu demanter uma posio de destaque. A interveno do tribunal daInquisio de Lisboa nos novos espaos atlnticos, apenas osfazia avanar para novos destinos ou refgios nas praas donorte da Europa, mas sem perderem o vnculo aos mercados eespaos de origem. A presena de judeus portugueses nasCanrias com vnculos s ilhas portuguesas evidente36. Acriao de colgios dos Jesutas em Ponta Delgada, Angra eFunchal, bem como as visitas realizadas nos anos de 1575, 1591e 1618-21 contriburam para aumentar e reforar a presena dacomunidade, que se alarga a Cabo Verde e ao Brasil37.
A FLORA E FAUNA
A expanso atlntica revelou ao europeu um novo mundo,onde a flora e a fauna dominaram. A descoberta da novarealidade fez-se no s pelo valor alimentar e econmico, mas
35 P. SALAMON, Os primeiros portugueses de Amesterdo, in Cami-niana, V, n 8, 1983, pp. 22-104.
36 LUCIEN WOLF, Jews in the Canary Islands..., Londres, s.d.; LUIS ALBER-TO ANAYA HERNNDEZ, Una comunidad judeoconversa de origen portugusa comienzos del siglo XVI en la isla de La Palma, II Colquio Internacio-nal de Histria da Madeira, 1989, 685-700; IDEM, Relaciones de los archi-pilagos de Azores y de la Madera con Canarias, segn fuentes inqui-sitoriales (siglos XVI y XVII), I Colquio Internacional de Histria daMadeira, Funchal, 1989, 846-877.
37 ARNOLD WIZNITZER, Os judeus no Brasil colonial, S. Paulo, 1966; JOSANTNIO GONALVES SALVADOR, Os cristos novos e o comrcio no AtlnticoMeridional, S. Paulo, 1978.
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tambm cientfico. O processo de povoamento implicava obriga-toriamente a migrao de plantas, animais e tcnicas de re-coleco, cultivo e transformao. O retorno foi igualmente ricoe conduziu paulatinamente revoluo do quotidiano europeu.Algumas das novas plantas entraram rapidamente nos hbitosdas populaes e cedo se perdeu o rastro da origem.
Portugueses e espanhis foram importantes na troca deplantas entre o Novo e o Velho Mundo. No Oriente foram asespeciarias que dinamizadora as rotas comerciais e cobia doseuropeus. A Amrica revelou-se pela variedade e exoticidade dasplantas e frutos, com valor alimentar, que contriburam em fri-ca para colmatar a deficincia alimentar. O processo no foipacfico, pois em muitos casos provocou alteraes catastrficasno quadro natural. Isto aconteceu em regies sujeitas violn-cia de uma monocultura solicitada pelos mercados internacio-nais. Esto neste caso a cana sacarina, o cacau, o caf e o al-godo.
As ilhas voltaram a assumir de novo um papel fundamentalcomo de viveiros de aclimatao das plantas e culturas emmovimento. A Madeira funcionou nos dois sentidos. Da Europapropiciou a transmigrao da fauna e flora identificada com acultura ocidental. No retorno foram as plantas do Novo Mundoque tiveram de novo passagem obrigatria pela ilha. A riquezabotnica do Funchal resulta disso. O processo de imposio dachamada biota europeia, no dizer de Alfred Crosby38, foi respon-svel por alguns dos primeiros e mais importantes problemasecolgicos.
Nos sculos XV e XVI tivemos as viagens de descobrimento,enquanto no sculo XVIII sucederam as de explorao e desco-berta da natureza, comandadas por ingleses e franceses. Final-mente desvendou-se uma nova vocao, sendo as ilhas campode observao directa da natureza. A afirmao da Cincia naEuropa fez delas escala para as expedies cientficas que seorganizaram desde o sculo XVII. O enciclopedismo e as classifi-caes de Linneo (1735) tiveram nas ilhas um campo ideal deexperimentao. Tenha-se em conta as campanhas da Linnean
38 Imperialismo ecolgico. A expanso biolgica da Europa: 900-1900,S. Paulo, 1993.
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Society e o facto de o prprio presidente da sociedade, CharlesLyall, ter-se deslocado em 1838, de propsito, s Canrias.
O VINHO
O ritual cristo valorizou o po e o vinho. Em ambos oscasos foi fcil a adaptao s ilhas aqum do Bojador o mesmono sucedendo com as da Guin. A viticultura ficou reservadaao Mediterrneo Atlntico, onde o vinho adquiriu um lugar im-portante nas exportaes. A partir da Madeira as cepas chega-ram a todos os recantos do Novo mundo. As primeiras cepasforam conduzidas ilha do Pico donde se expandiram s demaisilhas. Tambm tero chegado s Canrias.
A evoluo da safra vitivincola madeirense dos sculosquinze e dezasseis s pode ser conhecida atravs do testemunhode visitantes estrangeiros, uma vez que escassa a informaodas fontes diplomticas. A documentao e os visitantes nosscs. XVIII/XIX, foram unnimes em considerar o vinho como aprincipal riqueza da ilha e a nica moeda de troca.
Desde o sculo XVII que o ilhu traou a rota no mercadointernacional, acompanhando o colonialista nas expedies efixao na sia e Amrica. O comerciante ingls soube tirarpartido do produto fazendo-o chegar em quantidades volumosass mos dos compatriotas que se haviam espalhado pelos quatrocantos do mundo colonial europeu. O movimento do comrciodo vinho ao longo dos scs. XVIII e XIX imbrica-se de modo di-recto no traado das rotas martimas coloniais que tinhampassagem obrigatria na ilha. A estas juntavam-se outrassubsidirias, quase todas sob controlo ingls. So as rotas daInglaterra colonial que fazem do Funchal porto de refresco ecarga de vinho no rumo aos mercados das ndias Ocidentais eOrientais, donde regressavam, via Aores, com o recheio colo-nial. Depois temos os navios portugueses da rota das ndias, oudo Brasil que escalavam a ilha onde recebem o vinho queconduzem s praas lusas. Juntam-se ainda os navios inglesesque se dirigiam Madeira com manufacturas e fazem o retor-no tocando Gibraltar, Lisboa, Porto e, finalmente, os norte-
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americanos que traziam as farinhas para madeirense e re-gressam carregados de vinho. O vinho ilhu conquistou desde osc. XVI o mercado colonial em frica, sia e Amrica afirman-do-se at meados do sc. XIX como a bebida por excelncia docolonialista e das tropas coloniais em aco. Regressado o colo-nialista terra de origem, com o surto do movimento inde-pendentista, trouxe na bagagem o vinho da ilha.
Aqui releva-se a posio do mercado americano, dominadopelas colnias das ndias Ocidentais e portos norte-americanos.O ltimo destino sedimentou-se, a partir da segunda metade dosculo XVII, merc de um activo relacionamento. O vinho foiuma presena assdua nos portos atlnticos Boston, Char-leston, N. York e Filadlfia, Baltimore, Virgnia onde eratrocado por farinhas39. Esta contrapartida reforou o relaciona-mento comercial e actuou como circunstncia favorecedora doprogresso da economia vitivincola.
Apenas nas Canrias e Aores a cultura da vinha e o co-mrcio do vinho atingiram posio similar Madeira40. Os mer-cados foram os mesmos sendo disputados com extrema con-corrncia. Note-se que os arquiplagos dos Aores, Canrias eMadeira, ficaram conhecidos na documentao oficial norte-americana como as ilhas do vinho41. A Madeira e os Aores, faceaos privilgios concedidos pela coroa britnica no perodo apsa Restaurao as actas de navegao de 1660 e 1665 e o tra-tado de Methuen em 1703 conseguiram firmar uma posiode destaque. Mas nos sculos seguintes apagaram-se as dife-renas e o vinho das ilhas entrava em p de igualdade nosportos e mesa dos norte-americanos.
39 Cf. JORGE MARTINS RIBEIRO, Alguns aspectos do comrcio da Ma-deira com a Amrica na segunda metade XVIII, in Actas III Colquio Inter-nacional de Histria da Madeira, Funchal, 1993, pp. 389-401.
40 ANTONIO BTHENCOURT MASSIEU, Canarias e Inglaterra: el comercio devinos (1650-1800), Las Palmas, 1991; MANUEL LOBO CABRERA, El comerciodel vino entre Gran Canaria y las Indias en el siglo XVI, Las Palmas,1993;AGUSTN GUIMER RAVINA, Burguesa extranjera y comercio atlntico. Laempresa comercial irlandesa en Canarias (1703-1771), Madrid, 1985.
41 Veja-se A. GUIMER RAVINA, Las islas del vino (Madeira, Aores eCanarias) y la Amrica inglesa durante el siglo XVIII. Una aproximacin asu estudio, in II C.I.H.M. Actas, Funchal, 1990, pp. 900-934, confronte-seALBERT SILBERT, art. cit., pp. 420-428.
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A ROTA DO ACAR
A cana-de-acar, pelo alto valor econmico no mercadonrdico e mediterrneo, foi um dos primeiros e principaisprodutos que a Europa legou e definiu para as novas reas deocupao no Atlntico. O percurso iniciou-se na Madeira, alar-gando-se depois s restantes ilhas e continente americano.
A primeira metade do sculo dezasseis definida como omomento de apogeu da cultura aucareira insular e pelo avolu-mar das dificuldades que entravaram a promoo em algumasreas como a Madeira onde o cultivo era oneroso e os nveis deprodutividade desciam em flecha. As ilhas de Gran Canria, LaPalma, Tenerife e S. Tom estavam melhor posicionadas paraproduzir acar a preos mais competitivos. Isto sucedeu nadcada de vinte do sculo dezasseis e avanou medida que osnovos mercados produtores de acar atingiam o mximo deproduo.
As socas de cana foram levadas para os Aores pelos primi-tivos cabouqueiros, promovendo-se o cultivo em Santa Maria, S.Miguel, Terceira e Faial. Aqui a cultura foi tentada vrias vezes,mas sem surtir os efeitos desejados. As condies geofsicas alia-das inexistncia ou reduzida dimenso dos capitais estrangeirostravaram o desenvolvimento. O acar aoriano s ganhouimportncia a partir do sculo XX, mas apenas com a transfor-mao da beterraba. Aos arquiplagos de Cabo Verde e S. Tomos canaviais chegaram muito mais tarde e como noutras reasa experincia madeirense foi importante. Apenas nas ilhas deSantiago e S. Nicolau nunca foi concorrencial do acarmadeirense. As condies morfolgicas e orogrficas foram-lheadversas. A introduo dever ter sido feita, no incio dopovoamento na dcada de sessenta, no obstante a primeirareferncia datar de 1490. No sculo XIX os canaviais expan-diram-se nas ilhas de Santiago, Santo Anto, Brava, S. Nicolaue Maio. A valorizao tem a ver com a solicitao de aguardentepara o trato de escravos na Costa da Guin42.
42 ANTNIO CARREIRA, Estudos de economia caboverdiana, Lisboa, 1982.
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Em S. Tom os canaviais estendiam-se pelo norte e nordesteda ilha, fazendo lembrar, segundo um testemunho de 1580, oscampos alentejanos43. Um dos factos que contribuiu para que setornasse concorrencial do madeirense foi a elevada produ-tividade. Segundo Jernimo Munzer44 seria trs vezes superior madeirense. A partir do ltimo quartel do sculo dezasseis aconcorrncia desenfreada do acar brasileiro definiu umaacentuada quebra no perodo de 1595 a 1600. A isto dever jun-tar-se a revolta dos escravos (1595), agravada pela destruiodos engenhos provocada pelo saque holands. A partir da oarquiplago de So Tom ficou a depender apenas do comrciode escravos e da pouca colheita de mandioca e milho. A crisedo comrcio de escravos a partir de princpios do sculo deza-nove fez com que se operasse uma mudana radical na econo-mia. Surgiram, ento, novas culturas (cacau, caf, gengibrecoconote, copra e leo de palma) que proporcionaram uma novaaposta agrcola e de dependncia.
O PASTEL E PLANTAS TINTUREIRAS
At ao sculo XVII com a introduo do anil na Europa opastel foi a principal planta da tinturaria europeia, donde se iabuscar as cores preta e azul. A par disso a disponibilidade deoutras plantas tintureiras, como a urzela (donde se conseguiaum tom castanho avermelhado) e o sangue-de-drago, levaramao aparecimento de italianos e flamengos, interessados nocomrcio, que por sua vez nos legaram a nova planta tintureira:o pastel. Nos Aores, a exemplo do sucedido com o acar naMadeira, a coroa concedeu vrios incentivos para a promooda cultura, que com a incessante procura por parte dos merca-dos nrdicos, fizeram avanar rapidamente o cultivo. Em 1589Linschoten referia que o negcio mais frequente destas ilhas opastel de que os camponeses faziam o principal mister, sendoo comrcio o principal proveito dos insulares45, enquanto em
43 ISABEL CASTRO HENRIQUES, O ciclo do acar em S. Tom nos scu-los XV e XVI, in Portugal no Mundo, I, Lisboa, 1989, 271.
44 Monumenta Missionria Africana, IV, 1954, n 6, 16-20.45 Ob. cit., 152-154.
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1592 o Governador de S. Miguel atribua a falta de po aodomnio quase exclusivo do solo pelo cultivo do pastel46. Foiainda um tradicional mercado produtor de linho com expor-tao para o mercado europeu, situao que perdurou atprincpios do sculo XIX.
Nos arquiplagos alm do Bojador ignora-se a presena dopastel, no obstante a importncia que a assumiu a cultura doalgodo e o consequente fabrico de panos. O clima e o des-conhecimento das tcnicas de tinturaria, demonstrados na en-trega da explorao da urzela aos castelhanos Joo e Pro deLugo, favoreceram a conjuntura. Mas aqui a cultura do algodofoi imposta pelos mercados costeiros africanos, carentes de fiopara a indstria txtil. No decurso dos sculos XVI e XVII oalgodo apresentou-se como primordial para a economia cabo-verdiana, sendo o principal incentivo, ao lado do sal, para astrocas comerciais com a costa africana, nomeadamente Ca-samansa e o rio de S. Domingos. No incio apenas se produziaalgodo para a Europa, mas depois passou a desenvolver-se aindstria de panos, face grande procura que havia na costaafricana a troco de escravos47. No sculos XVIII e XIX a exploraoda urzela manteve-se activa em algumas das ilhas, sendo dedestacar o caso das ilhas de Cabo Verde. A explorao do recur-so segue lado a lado da do azeite de purgueira para a ilu-minao48.
A ROTA DA TECNOLOGIA
O processo de expanso europeia no se ficou apenas peloprocesso de descobrimento de novos mundos, da abertura denovos mercados e o encontro de novas gentes e produtos. Ahistria tecnolgica evidencia que a expanso europeia con-dicionou tambm a divulgao de tcnicas e permitiu a invenode novas que revolucionaram o processo de transio. Oshomens que circulam no espao atlntico, e de forma especial
46 Arquivo dos Aores, II, 130.47 ANTNIO CARREIRA, Panaria cabo-verdeano-guineense, Cabo Verde, 1983.48 ANTNIO CARREIRA, Estudos de economia caboverdiana, Lisboa, 1982.
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os colonos, suo portadores de uma cultura tecnolgica quedivulgam nos quatro cantos e procuram adaptar s condiesde cada espao. agricultura prende-se um indispensvel su-porte tecnolgico auxiliador do homem nas culturas do vinho eda cana sacarina.
A moenda e o consequente processo de transformao daguarapa em acar, mel, lcool ou aguardente projectaram asreas produtoras de canaviais para a linha da frente das ino-vaes tcnicas, no sentido de corresponderem s cada vezmaiores exigncias do mercado e da concorrncia. A madeira eo metal foram a matria-prima que deram forma a capacidadeinventiva dos senhores de engenho. Na moenda da cana utili-zaram-se vrios meios tcnicos comuns ao mundo mediterr-nico. A disponibilidade de recursos hdricos conduziu genera-lizao do engenho de gua.
Foi a partir da Madeira que se generalizou o consumo doacar, sendo necessrio para isso uma produo em larga es-cala. A presso do mercado europeu conduziu a uma rpidaafirmao da cultura na segunda metade do sculo XVI, situaoque s seria possvel de alimentar com o recurso a inovaestecnolgicas capazes de atenderem a tais solicitaes. A evo-luo para o sistema de cilindros no reverte no melhor apro-veitamento do suco da cana, mas sim vantagens acrescentadaspara a rapidez no processo de esmagamento. A situao daMadeira a partir de meados do sculo XV foi de incremento dacultura que se aliou a inovaes tecnolgicas, que certamente oengenho de Diogo de Teive foi o primeiro exemplo. Os ma-deirenses estiveram ligados promoo da cultura e construodos primeiros engenhos aucareiros nas ilhas Canrias, Aores,S. Tom, e Brasil, chegando mesmo ao norte de frica, situaoque no mereceu o agrado da coroa e foi interditado pela coroaem 153749.
49 ARM., RGCMF, t. I, fl. 372v, publ. in Arquivo Histrico da Madeira,vol. XIX (1990), pp. 79-80.
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AS ROTAS OCENICAS E DA CINCIA
O Atlntico surge, a partir do sculo XV, como o principalespao de circulao de veleiros, pelo que se definiu umintricado liame de rotas de navegao e comrcio que ligavamo velho continente s costas africana e americana e as ilhas.Esta multiplicidade de rotas, que resultou da complemen-taridade econmica das reas insulares e continentais, surgecomo consequncia das formas de aproveitamento econmico aadoptadas. Tudo isto completa-se com as condies geofsicas dooceano, definidas pelas correntes e ventos que delinearam otraado das rotas e os rumos das viagens.
A mais importante e duradoura de todas as rotas foi semdvida aquela que ligava as ndias (ocidentais e orientais) aovelho continente. Foi ela que galvanizou o empenho dos monar-cas, populaes ribeirinhas e acima de tudo os piratas e cor-srios, sendo expressa por mltiplas escalas apoiadas nas ilhasque polvilhavam as costas ocidentais e orientais do mar:primeiro as Canrias e raramente a Madeira, depois Cabo Ver-de, Santa Helena e os Aores. Nos trs arquiplagos, definidoscomo Mediterrneo Atlntico, a interveno nas grandes rotasfaz-se a partir de algumas ilhas, sendo de referir a Madeira,Gran Canaria, La Palma, La Gomera, Tenerife, Lanzarote eHierro, Santiago, Flores e Corvo, Terceira e S. Miguel. Para cadaarquiplago afirmou-se uma ilha, servida por um bom porto demar como o principal eixo de actividade. No mundo insularportugus, por exemplo, evidenciaram-se, de forma diversa, asilhas da Madeira, Santiago e Terceira como os principais eixos.
As rotas portuguesas e castelhanas apresentavam um tra-ado diferente. Enquanto as primeiras divergiam de Lisboa, ascastelhanas partiam de Sevilha com destino s Antilhas, tendocomo pontos importantes do raio de aco os arquiplagos dasCanrias e Aores. Ambos os centros de apoio estavam sobsoberania distinta: o primeiro era castelhano desde o sculo XV,o segundo portugus, o que no facilitou muito o imprescindvelapoio. Mas por um lapso tempo (1585-1642) o territrio entrouna esfera de domnio castelhano, sem que isso tivesse significa-
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do maior segurana para as armadas. Apenas se intensificaramas operaes de represlia de franceses, ingleses e holandeses.As expedies organizadas pela coroa espanhola na dcada deoitenta com destino Terceira tinham uma dupla misso: de-fender e comboiar as armadas das ndias at porto seguro, emLisboa ou Sevilha, e ocupar a ilha para a instalar uma base deapoio e de defesa das rotas ocenicas. A escala aoriana justi-ficava-se mais por necessidade de proteco das armadas do quepor necessidade de reabastecimento ou reparo das embarcaes.Era entrada dos mares aorianos, junto da ilha das Flores, quese reuniam os navios das armadas e se procedia ao comboia-mento at o porto seguro na pennsula, furtando-os cobiados corsrios, que infestavam os mares.
Desde o incio que a segurana das frotas foi uma das maisevidentes preocupaes para a navegao atlntica pelo que ascoroas peninsulares delinearam, em separado, um plano dedefesa e apoio. Em Portugal tivemos o regimento para as nausda ndia nos Aores, promulgado em 1520, em que foramestabelecidas normas para impedir que as mercadorias cassemnas mos da cobia por meio do contrabando e corso. Anecessidade de garantir com eficcia tal apoio e defesa das ar-madas levou a coroa portuguesa a criar, em data anterior a1527, a Provedoria das Armadas, com sede na cidade de Angra50.A nomeao em 1527 de Pero Anes do Canto para provedor dasarmadas da ndia, Brasil e Guin, marca o incio da viragem.Ao provedor competia a superintendncia de toda a defesa,abastecimento e apoio s embarcaes em escala ou de passa-gem pelos mares aorianos. Alm disso estava sob as suasordens a armada das ilhas, criada expressamente para comboiar,desde as Flores at Lisboa, todas aquelas provenientes do Bra-sil, ndia e Mina. Esta estrutura de apoio fazia falta aoscastelhanos na rea considerada crucial para a navegaoatlntica, e por isso por diversas vezes solicitaram o apoio dasautoridades aorianas. Mas a ineficcia ou a necessidade deuma guarda e defesa mais actuante obrigou-os a reorganizar acarreira, criando o sistema de frotas. Desde 1521 as frotas
50 Confronte-se o nosso estudo sobre O comrcio inter-insular nossculos XV e XVI, Funchal, 1987, 17-24.
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passaram a usufruir de uma nova estrutura organizativa e de-fensiva. No comeo foi o sistema de frotas anuais artilhadas ouescoltadas por uma armada. Depois a partir de 1555 o estabele-cimento de duas frotas para o trfico americano: Nueva Espanae Tierra Firme.
O activo protagonismo do arquiplago aoriano e, em espe-cial, da ilha Terceira referenciado com frequncia por ro-teiristas e marinheiros que nos deram conta das viagens ou osliteratos aorianos que presenciaram a realidade. Todos falamda importncia do porto de Angra que, no dizer de GasparFrutuoso, era universal escala do mar do poente51.
A participao do arquiplago madeirense nas grandes rotasocenicas foi espordica, justificando-se a ausncia pelo posi-cionamento marginal em relao ao traado ideal. A proxi-midade da Madeira em relao aos portos do litoral peninsulare as condies dos ventos e correntes martimas foram o princi-pal obstculo valorizao da ilha no contexto das navegaesatlnticas. As Canrias, porque melhor posicionadas e distri-budas por sete ilhas em latitudes diferentes, estavam emcondies de oferecer o adequado servio de apoio. Todavia asituao conturbada que a se viveu, resultado da disputa pelaposse entre as coroas peninsulares e a demorada pacificao dapopulao indgena, fizeram com que a Madeira surgisse nosculo XV como um dos principais eixos do domnio e navegaoportuguesa no Atlntico. J a partir de princpios do sculo XVIa Madeira surgir apenas como um ponto de referncia para anavegao atlntica, uma escala ocasional para reparo eaprovisionamento de vinho. Apenas o surto econmico da ilhaconseguir atrair as atenes das armadas, navegantes e aven-tureiros.
As ilhas foram as portas de entrada e sada e por isso mesmoassumiram um papel importante nas rotas atlnticas. Mas parasulcar longas distncias rumo ao Brasil, costa africana ou aoIndico, era necessrio dispor de mais portos de escala, pois aviagem era longa e difcil.
As reas comerciais da costa da Guin e, depois, com aultrapassagem do cabo da Boa Esperana, as indicas tornaram
51 Livro Sexto das Saudades da Terra, Cap. II.
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indispensvel a existncia de escalas intermdias. PrimeiroArguim que serviu de feitoria e escala para a zona da Costa daGuin, depois, com a revelao de Cabo Verde, foi a ilha deSantiago que se afirmou como a principal escala da rota de idapara os portugueses e podia muito bem substituir as Canriasou a Madeira, o que realmente aconteceu. Outras mais ilhasassumiram um lugar proeminente no traado das rotas. ocaso de S. Tom para a rea de navegao do golfo da Guin ede Santa Helena para as caravelas da rota do Cabo. Tambm aprojeco dos arquiplagos de S. Tom e Cabo Verde sobre osespaos vizinhas da costa africana levou a coroa a criar duasfeitorias (Santiago e S. Tom) como objectivo de controlar to-das as transaces comerciais da costa africana. No Atlntico sulas principais escalas das rotas do ndico assentavam nos portosdas ilhas de Santiago, Santa Helena e Ascenso. A as armadasreabasteciam-se de gua, lenha, mantimentos ou procediam aligeiras reparaes. A par disso releva-se, ainda, a de SantaHelena como escala de reagrupamento das frotas vindas dandia depois de ultrapassado o cabo, isto , misso idntica dosAores no final da travessia ocenica. A funo da ilha de San-tiago com escala do mar oceano foi efmera. A partir da dca-da de trinta do sculo XVI as escalas so menos assduas. O marera j conhecido e as embarcaes de maior calado permitiamviagens mais prolongadas. Apenas os nufragos dos temporaisa aparecem procura de refgio.
O sculo dezanove foi marcado por uma mudana total nosistema de rotas do Atlntico. Os progressos no desenvolvimentoda mquina a vapor fizeram com que se elaborasse um novoplano de portos de escala, capazes de servirem de apoio navegao como fornecedores dos produtos em troca e docarvo para a laborao das mquinas. Nos Aores o porto deAngra cedeu o lugar aos da Horta e Ponta Delgada, enquantoem Cabo Verde a ilha de Santiago foi substituda pela de S.Vicente, lugar que disputava com as Canrias. Entretanto oFunchal viu reforada a posio pela dupla oferta como portocarvoeiro e do vinho, atraindo inmeras embarcaes inglesase americanas. A par disso a posio privilegiada que os inglesesgozavam levou a que se servissem do porto como base para as
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actividades de corso contra os franceses e castelhanos. Esta novaaposta no sector de servios de apoio navegao comercial ede passageiros vai depender de uma outra poltica, a dos portosfrancos, que apenas o arquiplago das Canrias conseguiu le-var por diante.
As ilhas foram no sculo XVIII um centro chave das trans-formaes scio-polticas ento operadas, de ambos os lados dooceano, fruto da forte presena da comunidade inglesa. Estavinculao ao imprio britnico bastante evidente no quoti-diano e devir histrico nos sculos XVIII e XIX52. A Madeira, nodecurso do sculo XVIII, firmou a vocao atlntica, contribuindopara isso o facto de os ingleses no dispensarem o porto doFunchal e o vinho na sua estratgia colonial. As diversas actasde navegao (1660, 1665), corroboradas pelos tratados deamizade, de que merece relevo o de Methuen (1703)53, foram osmeios que abriram o caminho para que a Madeira entrasse narea de influncia do mundo ingls54. Aos poucos, esta comu-nidade ganhou uma posio de respeito que, por vezes, setornava incomodativa55. A presena e importncia da feitoriainglesa, no decurso do sculo XVIII, uma realidade insofismvel.A presena de armadas inglesas no Funchal era constante sendoo relacionamento com as autoridades locais amistoso, recebidospelo Governador com toda a hospitalidade56. Destas relevam-seas de 1799 e 1805, compostas, respectivamente de 108 e 112embarcaes57. Para alm disto era assdua a presena de uma
52 DESMOND GREGORY, The Beneficent Usurpers. A History of the Britishin Madeira, London, 1988.
53 Public Record Office, FO 811/1, cartas dos privilgios da naobritnica com Portugal desde 1401 a 1805.
54 J. H. FISHER, The Methuen a Pombal. O comrcio anglo-portugus de1700 a 1770, Lisboa, 1984, p. 29.
55 Em 1754 o Governador Manuel Saldanha Albuquerque lamenta oexclusivo do comrcio ingls na ilha (AHU, Madeira e Porto Santo, n 48-49).
56 Public Record Office, FO 63/7, sabe-se que por ordem de 14 de Junhode 1722 as embarcaes com destino s colnias permaneciam alguns diasno Funchal. A 20 de Janeiro de 1786 so 20 barcos em tal situao, coor-denada pelo cnsul.
57 AHU, Madeira e Porto Santo, n 1125, 1620, 22 de Outubro de 1799e 7 de Outubro de 1805.
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esquadra inglesa a patrulhar o mar madeirense, sendo a de 1780comandada por Jonhstone58.
A ilha de Santa Catarina do litoral sul do Brasil, funcionoupara os portugueses a partir de finais do sculo XVII como umafortaleza de apoio e defesa navegao rumo ao Rio da Prata.Ao mesmo tempo jogou um papel fundamental na penetrao eafirmao da soberania portuguesa no Sul. Esta posio favo-receu o estabelecimento de assduos contactos com outros portosdo litoral brasileiro, como Santos, Baa e Recife59.
A partir de meados do sculo XIX a Madeira e as Canriasespecializam-se como portos de escala de navios de passageiros,com especial destaque para os ingleses. Para isso contribuiu atradicional presena britnica e a afirmao da ilha com estn-cia turstica.
Nos Aores assiste-se no decurso do sculo XVII a uma claramudana dos espaos porturios de dimenso intercontinental.A Horta pela posio charneira no grupo central e pelo desta-que que assumiu no apoio baleao dos americanos acaboupor ser o porto ocenico de apoio s pescarias, ao comrcioamericano e fornecimento de carvo, retirando importncia aode Angra. A posio foi reforada na segunda metade do scu-lo XIX com a amarrao dos cabos submarinos. Por outro ladoo centro econmico do arquiplago situava-se na ilha de S. Mi-guel, o que implicava a valorizao do porto de mar.
Em Cabo Verde ocorreram idnticas mudanas que levaram desvalorizao de Santiago em favor de S. Vicente. O portoocenico transformou-se num osis ocenico das embarcaesconduzidas a vapor que a demandavam procura do necessrioabastecimento de carvo e um eixo de amarrao de cabos sub-marinos. O processo foi evidente a partir 1838 com a criaoda vila nas proximidades do Porto Grande e a instalao doprimeiro depsito de carvo pelo cnsul ingls John Rendall.A situao muda a partir de 1883, pois a agressividade espanho-la atravs dos portos francos de Las Palmas e Santa Cruzde Tenerife associada modernizao do porto francs de Da-
58 Ibidem, n 545, 22 de Janeiro de 1780.59 Cf. FERNANDO HENRIQUES CARDOSO, Negros em Florianpolis. Relaes
Sociais e Econmicas, Florianpolis, 2000, pp. 41-42, 50, 79, 93.
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kar conduziram desvalorizao dos portos portugueses nasilhas.
J a presente centria atribui uma dimenso distinta s ilhas.Assim, o jogo de interesses entre o continente europeu e ameri-cano fez com que algumas se transformassem em peas chaveda hegemonia econmica. Daqui resultou a disputa entreAlemanha e Inglaterra por conseguir traze-las sua esfera deinfluncia. A poltica dos sanatrios foi o subterfgio usado pe-los alemes para iludir as pretenses expansionistas no Atlntico.Na base disto est o conflito gerado pela questo dos sanatriosna Madeira, que teve como instigador a Inglaterra60. Aqui, maisuma vez a Inglaterra usufruiu de uma posio favorvel ao rei-vindicar a tradio histrica da aliana61. A percepo daimportncia das ilhas na afirmao da hegemonia martimabritnica levou Thomas Ashe (1813)62 a reivindicar para osAores a transformao num protectorado britnico.
Nos anos vinte os vapores comearam a ceder o lugar smquinas voadoras, paulatinamente a aviao civil foi con-quistando o mercado de transporte de passageiros. Mesmo assimas ilhas continuaram a manter o papel de apoio s rotastransatlnticas. Nos Aores tivemos a ilha de Santa Maria,enquanto em Cabo Verde idntico papel foi atribudo ilha doSal desde 193963.
At ao aparecimento e vulgarizao da telegrafia sem fios aestratgia de circulao da informao assentava nas ilhas. Asilhas da Madeira, Faial e So Vicente foram de novo motivo de
60 GISELA MEDINA GUEVARA, As relaes luso-alems antes da PrimeiraGuerra Mundial. A questo da concesso dos sanatrios da Ilha da Madeira,Lisboa, 1997.
61 Cf. ANTNIO JOS TELO, Os Aores e o controlo do Atlntico, Lis-boa, 1993.
62 ASHE, T(HOMAS), History of the Azores on Western Islands; Containingan Account of the Government, Laws and Religion, the Martners, Ceremoniesand Character of the Inhabitants and demonstrating the Importance of theseValuable Islands to the British Empire, Ed. Sherwood, Neely, and Jones,Londres, 1813.
63 FRANCIS M. ROGERS, Atlantic Islanders of the Azores and Madeiras,Massachusetts, 1979, pp. 191-208; R. E. G. DAVIES, A History of the WorldsAirlines, London, 1964.
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disputa e interesses por ingleses e alemes64. A cidade da Hortarapidamente se transformou num n de amarrao de cabossubmarinos que ligavam a Europa, Amrica, frica do Sul eBrasil, assinalando-se em 1926 a existncia de quinze cabos65. Omesmo acontecia na ilha de S. Vicente onde amarrou o cabosubmarino ingls em 1874.
ESCALAS DA CINCIA
Desde o sculo dezoito que a literatura cientfica e de viagensdefiniu este conjunto de ilhas como uma unidade de anlise. Soas Western Islands que encabeam os ttulos das publicaes66.Aqui entendia-se quase sempre os Aores, mas muitas vezesassociava-se as Canrias, a Madeira e, raramente Cabo Verde.
As ilhas entraram rapidamente no universo da cincia euro-peia dos sculos XVIII e XIX. Ambas as centrias foram momen-tos de assinalveis descobertas do mundo com um estudo siste-mtico da fauna e flora67. As tcnicas de classificao dasespcies da fauna e flora tm aqui um espao ideal de trabalho.Algumas coleces foram feitas para deleite dos apreciadores,que figuram em lista que antecede a publicao68.
O homem do sculo XVIII perdeu o medo ao meio circundan-te e passou a olh-lo com maior curiosidade e, como dono da
64 PAUL KENNEDY, Imperial Cable Comunications and Strategy, 1870-1914, in The English Historical Review, vol. LXXXVI, 1971; FRANCIS M.ROGERS, ob. cit., pp. 175-190, 209-230; CHARLES BRIGHT, Submarine Tele-graphs: Their History, Construction and Working, London, 1898; K. C.BAGHAHOLE, A Century of Service. A Brief History of Cable and Wireless Ltd1868-1968, London, 1970; K. R. HAIGH, Cableships and Submarine Cables,London, 1968; H. H. SCHENCK (org.), The Worlds Submarine Telephone Ca-ble Systems, Washington DC, 1975.
65 F. S. WESTON, Os cabos submarinos nos Aores, in Boletim doNcleo Cultural da Horta, vol. III, n 2, 1963.
66 VCTOR MORALES LEZCANO, Los ingleses en Canarias. Libro de viajes ehistorias de vida, Las Palmas de Gran Canaria, 1986, p. 124
67 MARY L. PRATT, Imperial Eye.Travel Writing and Transculturation, N. Y.,1993; B. M. STAFFORD, Voyage into Substance Science, Nature and theIllustrated Travel Account 1770-1840, Cambridge, Mass., 1984, pp. 565-634.
68 Estampas, aguarelas e desenhos da Madeira Romntica, Funchal, 1988.
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criao, estava-lhe atribuda a misso de perscrutar os segredosocultos. Este impulso justifica o af cientfico. A cincia estbaseada na observao directa e experimentao. A insacivelprocura e descoberta da natureza circundante cativou toda aEuropa, mas foram os ingleses quem entre ns marcarampresena, sendo menor a de franceses e alemes69. Aqui so pro-tagonistas as Canrias e a Madeira. Tudo isto foi resultado dafuno de escala navegao e comrcio no Atlntico. Se asembarcaes de comrcio, as expedies militares tinham esca-la obrigatria, mais razes assistiam s cientficas. As ilhas, peloendemismo que as caracteriza, histria geo-botnica, permitiramo primeiro ensaio das tcnicas de pesquisa. Foram tambm ummeio revelador da incessante busca do conhecimento da Geo-logia e Botnica.
Instituies seculares, como o British Museum, Linean So-ciety, e Kew Gardens, enviaram especialistas para a recolha deespcies botnicas. Os estudos no domnio da Geologia, botnicae flora so resultado da presena fortuita ou intencional doscientistas europeus. Esta moda levou a que as instituies cien-tficas europeias ficassem depositrias das mais importantescoleces de fauna e flora das ilhas: o Museu Britnico, LinneanSociety, Kew Gardens, a Universidade de Kiel, Universidade deCambridge, Museu de Histria Natural de Paris. E por cpassaram destacados especialistas da poca, sendo de realarJohn Byron, James Cook, Humbolt, John Forster. Darwin estevenas Canrias e Aores (1836) e mandou um discpulo Madeira.No arquiplago aoriano o cientista mais ilustre ter sido o Prn-cipe Alberto I do Mnaco que a aportou em 1885. James Cookescalou a Madeira por duas vezes em 1768 e 1772, numa rpli-ca da viagem de circum-navegao apenas com interesse cient-fico. Os cientistas que o acompanharam intrometeram-se nointerior da ilha busca das raridades botnicas para a classi-ficao e revelao comunidade cientfica. Em 1775 o na-vegador estava no Faial e no ano imediato em Tenerife.
69 Cf. Algumas das Figuras Ilustres Estrangeiras que Visitaram aMadeira, in Revista Portuguesa, 72, 1953; A. LOPES DE OLIVEIRA, Arqui-plago da Madeira. Epopeia Humana, Braga, 1969, pp. 132-134.
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Os Arquiplagos da Madeira e Canrias, devido posioestratgica na rota que ligava a Europa ao mundo colonial,foram activos protagonistas nos rumos da Cincia dos sculosXVIII e XIX. J aos Aores estava reservado o papel de anco-radouro seguro antes de se avistar a Europa. Foi isto que ocatapultou para uma posio privilegiada na histria de nave-gao e comrcio do Atlntico. Nas Canrias a primeira e maisantiga presena de naturalistas ingleses de 1697, ano emque James Cuningham esteve em La Palma. O sculo XVIIIanunciou-se como de forte presena, nomeadamente dos fran-ceses. O contacto do cientista com o arquiplago aoriano fazia-se quase sempre na rota de regresso de Africa ou Amrica. Paraos americanos as ilhas eram a primeira escala de descoberta dovelho mundo. Por outro lado os Aores despertaram a curiosi-dade das instituies e cientistas europeus. Os aspectos geol-gicos, nomeadamente os fenmenos vulcnicos foram o princi-pal alvo. Mesmo assim o volume de estudos no atingiu adimenso dos referentes Madeira e Canrias pelo que Mau-rcio Senbert em 1838 foi levado a afirmar que a flora destasilhas [fora]por tanto tempo despresada, o que levou a dedicar-seao estudo70.
As ilhas so o principal alvo de ateno de botnicos, icti-logos, gelogos. A situao descrita por Alfredo Herrera Piqua considerar como a escala cientfica do Atlntico71. Os ingle-ses foram os primeiros a descobrir as qualidades do clima epaisagem e a divulga-los junto dos compatriotas. esta adimenso quase esquecida como motivo despertador da cinciae cultura europeia desde o sculo XVIII que importa realar
A aclimatao das plantas com valor econmico, medicinalou ornamental adquiriu cada vez mais importncia. Alis, foi ointeresse medicinal que provocou desde o sculo XVII o estudo72.Em qualquer dos momentos assinalados as ilhas cumpriram opapel de ponte e espao de adaptao da flora colonial. Os
70 Flora Azorica, in Archivo dos Aores, XIV (1983), pp. 326-339.71 Las Islas Canarias. Escala cientfica en el Atlntico. Viajeros y natura-
listas en el siglo XVIII, Madrid, 1987.72 K. THOMAS, Man and the Natural World. Changing Attitudes in England.
1500-1800, Oxford, 1983, p. 27, 65-67.
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jardins de aclimatao foram a moda que na Madeira e Aorestiveram por palco as amplas e paradisacas quintas. A Inglate-rra do sculo XIX popularizou os jardins e as flores73. A am-bincia chegou ilha atravs dos mesmos sbditos de SuaMajestade. As ilhas exerceram um fascnio especial em todos osvisitantes e parece que nunca perderam a imortal caractersticade jardins beira do oceano. As ilhas foram jardins e como talcontinuam a ser o encanto dos que a procuram, sejam turistasou cientistas.
No sculo XVIII as ilhas assumiram um novo papel no mun-do europeu. Assim, de espaos econmicos passaram a contri-buir para alvio e cura de doenas. O mundo rural perdeuimportncia em favor da rea em torno do Funchal, que setransforma num hospital para a cura da tsica pulmonar oude quarentena na passagem do calor trrido das colnias paraos dias frios e nebulosos de Londres. A funo catapultou asilhas da Madeira e Canrias para uma afirmao evidente.O debate das potencialidades teraputicas da climatologiapropiciou um grupo numeroso de estudos e gerou a escalafrequente de estudiosos74. As estncias de cura surgiram pri-meiro na bacia mediterrnica e depois expandiram-se no scu-lo XVIII at Madeira e s na centria seguinte chegaram sCanrias75.
Daqui resultou uma prolixa literatura de viagens fonte fun-damental para o conhecimento da sociedade oitocentista dasilhas. Ao historiador est atribuda a tarefa de interpretar estasimpresses76. Aqui so merecedoras de destaque duas mulheres:
73 Cf. K. THOMAS, ibidem, pp. 207-209, 210-260.74 JAMES CLARK, The Sanative Influence of Climate, Londres, 1840; W.
HUGGARD, A Handbook of Climatic Treatment, Londres, 1906; NICOLSGONZLEZ LEMUS, Las Islas de la Ilusin. Britnicos en Tenerife, 1850-1900,Las Palmas, 1995; TOMS ZEROLO, Climatoterapia de la tuberculosis pul-monar en la Pennsula espaola, Islas Baleares y Canarias, Santa Cruz deTenerife, 1889.
75 M. J. BGUERRA CERVELLERA, La tuberculosis y su histria, Barcelo-na, 1992.
76 ANTNIO RIBEIRO MARQUES DA SILVA, Apontamentos sobre o quotidianomadeirense (1750-1900), Lisboa, 1994; N. GONZLEZ LEMUS, Viajerosvictorianos en Canarias, Las Palmas, 1998.
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Isabella de Frana77 para a Madeira e Olvia Stone78 para asCanrias.
A presena de viajantes e invalids nas ilhas conduziu necessidade de criao de infra-estruturas de apoio. Se numprimeiro estes se socorriam da hospitalidade dos insulares, numsegundo momento a cada vez mais maior afluncia de foras-teiros obrigou montagem de uma estrutura hoteleira de apoio.Aos primeiros as portas eram franqueadas por carta de recomen-dao. A isto juntou-se a publicidade atravs da literatura deviagens e guias. Os guias forneciam as informaes indispen-sveis para a instalao no Funchal e viagem no interior dailha, acompanhados de breves apontamentos sobre a Histria,costumes, fauna e flora79. O primeiro guia de conjunto dosarquiplagos de William W. Cooper80 e A Samler Brown81. Oltimo tornou-se num best-seller atingindo 14 edies. Tenha-seem conta os destinatrios dos guias. Assim em 1851 James YateJohnson e Robert White82 fazem apelo aos invalid and othervisitors, enquanto em 1887 Harold Lee83 dirige-se aos touristse em 1914 temos o primeiro guia turstico de C. A. Power84. Este
77 Journal of a visit to Madeira and Portugal (1853-1954), Funchal,1970. Todavia, a primeira viajante na ilha foi Maria Riddel que em 1788visitou a ilha durante 11 dias: A Voyage to The Madeira..., Edinburgh, 1792.
78 Teneriffe and its Six Satellites (1887).79 Para a Madeira, um dos mais antigos guias que se conhece anni-
mo, seguindo-se os de Robert White [Madeira its Climate and Scenerycontaining Medical and General Information for Invalids and Visitors; a Tourof the Island, Londres, 1825], E. V. Harcourt [A Sketch of Madeira ContainingInformation for the Traveller or Invalid Visitor, Londres, 1851], J. Y. Johnson[Madeira its Climate and Scenery. A Handbook for Invalids and other Visitors,Edinburg, 2 ed., 1857, 3 ed., 1860] e E. M. Taylor [Madeira its Sceneryand How to See it with Letters of a Years Residence and Lists of the Trees,Flowers, Ferns, and Seaweeds, Londres, 1 ed., 1882, 2 ed., 1889].
80 The Invalids Guide To Madeira With a Description of Tenerife..., Lon-dres, 1840.
81 Madeira and the Canary Islands.82 Madeira Its Climate and Scenery. A Handbook for Invalid and Other
Visitors, Edimburgo, 1851.83 Madeira and the Canary islands. A Handbook for Tourists, Liver-
pool, 1887.84 Tourists Guide to the Island of Madeira, Londres, 1914.
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dever marcar nas ilhas o fim do chamado turismo teraputicoe o incio do actual.
No temos dados seguros quanto ao desenvolvimento dahotelaria nas ilhas, pois apenas dispomos de informaoavulsa85. Os Hotis so referenciados em meados do sculo XIXmas desde os incios do sculo XV que as cidades porturias deactivo movimento de forasteiro deveriam possuir estalagens. Adocumentao oficial faz eco disso como se poder provar pelasposturas e actas da vereao dos municpios servidos de portos.No caso da Madeira assinala-se em 1850 a existncia de doishotis (the London Hotel e Yates Hotel Family) a que sejuntaram outros dez em 188986. Em princpios do sculo XX acapacidade hoteleira havia aumentado, sendo doze os hotis emfuncionamento que poderiam hospedar cerca de oitocentos visi-tantes87.
As Canrias, nomeadamente Tenerife e Furteventura, jun-taram-se Madeira no turismo teraputico desde meados dosculo XIX88. Note-se que em 1865 Nicols Benitez de Lugoconstruiu em La Orotava (Tenerife) un estabelecimiento paraextranjeros enfermos. Dever ter sido nesta poca que Tenerifese estreou como health resort, concorrendo com a Madeira89. OVale de La Orotava, atravs do seu porto (hoje Puerto de LaCruz), afirma-se como a principal estncia. Isto provocou o
85 Apenas a partir de 1891 temos o Registo de Licenas de Botequins,tabernas, Hoteis, Estalagens, Clubes e Lotaria (1891-1901). Cf. FTIMA FREI-TAS GOMES, Hotis e Hospedarias (1891-1901), in Atlntico, n 19, 1989,170-177.
86 Isto de acordo com as informaes de J. Driver (Guide to Visitors,Londres, 1850) e C. A. Mouro Pita (Madre, Station Mdicale Fixe, Pa-ris, 1889).
87 MARQUS DE JCOME CORREIA, A Ilha da Madeira, Coimbra, 1927,p. 232.
88 W. COOPER, The Invalids Guide to Madeira with a Description ofTenerife, Londres, 1840; M. DOUGLAS, Grand Canary as a Heatlth Resort forConsummptives and Others, London, 1887; JOHN WHITEFORD, The CanaryIslands as a Winter Resort, Londres, 1890; GEORGE VICTOR PREZ, Orotavaas a Health Resort, Londres, 1893.
89 Note-se que em 1861 Richard F. Burton (Viajes a las Islas Canarias,I, 1861, Puerto de la Cruz, 1999, p. 26) que na sua viagem todos ostuberculosos ficaram na Madeira.
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desenvolvimento da indstria hoteleira, que depois alastrou cidade de Santa Cruz de Tenerife90. Vrios factores permitirama rpida ascenso de Tenerife e Gran Canria na segundametade do sculo XIX que assumissem rapidamente a dianteiraface Madeira. A afirmao de Santa Cruz de Tenerife comoporto abastecedor de carvo, a declarao dos portos francos em1852 fizeram atrair para aqui todas as linhas francesas e ingle-sas de navegao e comrcio. A aposta no turismo e serviosporturios permitiu a sada da crise econmica e uma posioprivilegiada face concorrncia da Madeira ou Aores91.
Nos Aores o turismo mais recente. Bullar (1841) refere apresena de doentes americanos na Horta, o que conduziu aoaparecimento do primeiro hotel conhecido no Faial, em 1842.Em 1860 chegou o primeiro grupo de visitantes norte-america-nos, mas s em 1894 eram conhecidos como tourists92. J nailha de Santa Catarina a vocao turstica foi descoberta nasduas ltimas dcadas do sculo XX.
AS ILHAS E O NOVO MUNDO
A definio dos espaos econmicos no resultou apenas dosinteresses polticos e econmicos resultante da conjuntura
90 A. HERNNDEZ GUTIRREZ, De la Quinta Roja al Hotel Taoro, Puertode la Cruz, 1983; IDEM, Cuando los hoteles eran palacios, Islas Canarias,1990; A. GUIMER RAVINA, El Hotel Marquesa, Puerto de la Cruz, 1988; IDEM,El Hotel Taoro, 1890-1990. Cien aos de turismo en Tenerife, Santa Cruz deTenerife, 1991.
91 Madeirenses e aorianos cedo se aperceberam desta realidade culpan-do as autoridades de Lisboa. Vide: JOO AUGUSTO DORNELLAS, A Madeira eas Canrias, Funchal, 1884; JOO SAUVAIRE DE VASCONCELOS, Representaoda Cmara Municipal da Cidade do Funchal ao Governo de S. M. sobreDiversas Medidas Tendentes a Conservar e Arruinar a Navegao de passagemneste Porto dos Paquetes Transatlnticos, Funchal, 1884; VISCONDE VALLEPARAIZO, Propostas Apresentadas pela Commisso Nomeada em Assembleiada Associao Commercial do Funchal de 14 de Novembro de 1894 paraEstudar as Causas do Desvio da Navegao do Nosso Porto e do Afastamentode Forasteiros, Funchal, 1895; MARIA ISABEL JOO, Os Aores no sculo XIX.Economia, Sociedade e Movimento Autonomista, Lisboa, 1991.
92 RICARDO MANUEL MADRUGA DA COSTA, Aores, Western Islands. UmContributo para o Estudo do Turismo nos Aores, Horta, 1989.
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expansionista europeia mas tambm das condies internas,oferecidas pelo meio. So ilhas com a mesma origem geolgica,sem quaisquer vestgios de ocupao humana, mas com dife-renas ao nvel climtico. Daqui resultou a diversidade de for-mas de valorizao econmica e social. As condies morfo-l-gicas estabeleceram as especificidades de cada ilha e tornampossvel a delimitao do espao e a forma de aproveitamentoeconmico. A possibilidade de acesso ao exterior atravs de bonsancoradouros era um factor importante.
A mudana de centros de influncia foi responsvel de osarquiplagos atlnticos assumirem uma funo importante. Aisso poder juntar-se a constante presena de gentes ribeirinhasdo Mediterrneo, interessadas em estabelecer os produtos e onecessrio suporte financeiro. A constante premncia do Me-diterrneo nos primrdios da expanso atlntica poder serresponsabilizada pela dominante mercantil das novas experin-cias de arroteamento. Certamente que os povos peninsulares emediterrnicos, ao comprometerem-se com o processo atlntico,no puseram de parte a tradio agrcola e incentivos co-merciais dos mercados de origem. Por isso na bagagem dosprimeiros cabouqueiros insulares foram imprescindveis as cepas,as socas de cana, alguns gros do precioso cereal, de misturacom artefactos e ferramentas. A afirmao das reas atlnticasresultou do transplante material e humana de que os peninsu-lares foram os principais obreiros. Foi a primeira experincia deajustamento das arroteias s directrizes da nova economia demercado.
Ao nvel do sector produtivo dever ter-se em conta aimportncia assumida pelas condies geofsicas e a polticadistributiva das culturas. da conjugao de ambas que seestabelece a necessria hierarquia. Os solos mais ricos eramreservados s culturas de maior rentabilidade econmica (o tri-go, a cana de acar, o pastel), enquanto os medianos ficavampara os produtos hortcolas e frutcolas e os mais pobres erampasto e rea florestal.
A Madeira, que se encontrava a pouco mais de meio sculode existncia como sociedade insular, estava em condies deoferecer os contingentes de colonos habilitados para a abertura
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de novas arroteias e lanamento de culturas. Assim ter sucedi-do com o transplante da cana-de-acar para Santa Maria, S.Miguel, Terceira, Gran Canria, Tenerife, Santiago, S. Tom eBrasil.
A tendncia uniformizadora da economia agrcola do espaoinsular esbarrou com vrios obstculos que, depois, conduziramao reajustamento da poltica econmica e definio da com-plementaridade entre arquiplagos e ilhas. As ilhas criaram osmeios necessrios para solucionar os problemas quotidianos assentes quase sempre no assegurar os componentes da die-ta alimentar , afirmao nos mercados europeu e atlntico.Assim sucedeu com os cereais que, produzidos apenas emalgumas, foram suficientes para satisfazer as necessidades dadieta insular, sobrando um grande excedente para suprir ascarncias do reino. O cereal conduziu a uma ligao harmo-niosa dos espaos insulares, o mesmo no sucedendo com oacar, o pastel e o vinho, responsveis pelo afrontamento ecrtica desarticulao.
Todos os produtos foram o suporte do domnio europeu naeconomia insular. Primeiro o acar, depois o pastel e o vinhoexerceram uma aco devastadora no equilbrio latente naeconomia. A incessante procura e rendoso negcio conduziram plena afirmao, quase que exclusiva dos produtos, gerandoa dependncia ao mercado externo. Para alm de consumidorexclusivo das culturas o principal fornecedor dos produtos ouartefactos que os insulares carecem. A estrutura do sectorprodutivo de cada ilha moldou-se de acordo com isto, podendodefinir-se em componentes da dieta alimentar (cereais, vinha,hortas, fruteiras, gado) e troca comercial (pastel, acar). Emconsonncia com a actividade agrcola verificou-se a valorizaodos recursos disponibilizados por cada ilha, que integravam adieta alimentar (pesca e silvicultura) ou as trocas comerciais(urzela, sumagre, madeiras).
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PIRATAS E CORSRIOS
O sculo quinze foi marcado pela afirmao do Atlntico,novo espao ocenico revelado pelos peninsulares. O mar, queat meados do sculo catorze se mantivera alheio vida domundo europeu, atraiu as atenes e em pouco tempo substituiuo mercado e via mediterrneos. Franceses, ingleses e holande-ses que, num primeiro momento, foram apenas espectadoresatentos, entraram n disputa a reivindicar um mare liberum e ousufruto das novas rotas e mercados. O Atlntico no foi ape-nas o mercado e via comercial, por excelncia, da Europa, mastambm um dos palcos dos conflitos que definiam as opespolticas, expressas muitas vezes na guerra de corso. Em 1434,ultrapassado o Bojador, o principal problema no estava noavano das viagens, mas na forma de assegurar a exclusividade,o que na rea aqum deste limite no fora conseguido. Primeirofoi a concesso em 1443 ao infante D. Henrique do controloexclusivo das navegaes e o direito de fazer guerra a sul domesmo cabo. Depois a procura do beneplcito papal, naqualidade de autoridade suprema estabelecida pela res publicachristiana93.
A presena de estrangeiros foi considerada servio ao Infan-te, como sucedeu com Cadamosto, Antnio da Noli, Usodimare,Valarte e Martim Behaim, ou uma forma de usurpar o domnioe afronta ao papado. Os castelhanos, a partir da dcada de se-tenta, intervieram na Costa da Guin como forma de represlias pretenses portuguesas posse das Canrias. No obstanteas medidas repressivas, definidas em 1474 aos intrusos nocomrcio da Guin, a presena castelhana continuar a ser umproblema de difcil soluo, alcanada apenas com cednciasmtuas exaradas em 1479 em Alcovas e depois confirmado a
93 As bulas de Eugnio IV (1445), Nicolau V (1450 e 1452) preludiaramo que veio a ser definido pela clebre bula Romanus Pontifex de 8 deJaneiro de 1454 e inter coetera de 13 de Maro de 1456. Nela selegitimava a posse exclusiva aos portugueses dos mares alm do Bojadorpelo que a sua ultrapassagem para nacionais e estrangeiros s seria possvelcom a anuncia do infante D. Henrique.
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6 de Maro do ano seguinte em Toledo. partilha do oceano,de acordo com os paralelos, sucedeu mais tarde no sentido dosmeridianos, provocado pela viagem de Colombo. O encontro donavegador em Lisboa com D. Joo II, no regresso da primeiraviagem, despoletou, de imediato, o litgio diplomtico, uma vezque o monarca portugus entendia estarem as terras descobertasna rea de domnio. O conflito s encontrou soluo com novotratado, assinado em 7 de Julho de 1494 em Tordesilhas e rati-ficado pelo papa Jlio II em 24 de Janeiro de 1505. A partir deento ficou estabelecida uma nova linha divisria do oceano, atrezentos e setenta lguas de Cabo Verde. Estavam definidos oslimites do mar ibrico em que as ilhas jogavam um papel des-tacado.
Para os demais povos europeus s lhes restava uma re-duzida franja do Atlntico, a Norte, e o Mediterrneo. Mas tudoisto seria verdade se fosse atribuda fora de lei internacional sbulas papais e s opes das coroas peninsulares, o que narealidade no sucedia. O cisma do Ocidente, por um lado, e adesvinculao de algumas comunidades da alada papal, poroutro, retiraram aos actos jurdicos a medieval plenitudepotestatis. Em oposio doutrina definidora do mare clau-sum antepe-se a do mare liberum, que teve em Grcio o prin-cipal teorizador. A ltima viso norteou a interveno dos fran-ceses, holandeses e ingleses94.
A guerra de corso foi a resposta e teve uma incidncia prefe-rencial nos mares circunvizinhos do Estreito de Gibraltar e ilhas,levando ao domnio de mltiplos espaos de ambas as margens doAtlntico. Podemos definir dois espaos de permanente inter-veno: os Aores e a Costa da Guin e da Malagueta. Os inglesesiniciaram em 1497 as incurses no oceano, ficando clebres asviagens de W. Hawkins (1530), John Hawkins (1562-1568) eFrancis Drake (1578, 1581-1588). Entretanto os francesesfixaram-se na Amrica, primeiro no Brasil (1530, 1555-1558),depois em San Lorenzo (1541) e F