8º encontro da abcp - associação brasileira de ciência ... · de cultura política deve ser...
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8º Encontro da ABCP
01 a 04/08/2012, Gramado, RS
Área Temática:
Política, Direito e Judiciário
3ª Sessão: Sessão A / 2º Dia
Título:
A Vara Agrária de Minas Gerais e a questão da Cultura Política
Autora:
Rita de Cássia Araújo Cosenza (UFTM)
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A Vara Agrária de Minas Gerais e a questão da Cultura Política
Rita Araújo Cosenza
1. Considerações iniciais:
A intenção de estudar a relação entre movimentos sociais de luta por terra e
o Poder Judiciário iniciou-se por instigações e estranhamentos relativos a assertivas
tais como o comumente chamado conservadorismo do Poder Judiciário. O termo
conservador indica ações e valores tradicionais que se pretende conservar. Mas,
parece necessário ressaltar que política envolve tanto movimentos por mudanças
sociais e alterações nas relações de poder quanto movimentos pela conservação do
contexto social e de poder vigente. E a expressão movimentos pela conservação
permite frisar que mesmo a manutenção da tradição não se dá de maneira estática.
Pelo contrário, se insere no dinamismo das múltiplas relações e conflitos sociais.
O judiciário, nesse contexto analítico, é profícuo. A tradição normativa da
ciência jurídica vem sendo colocada em debate pelos juristas e pelas ciências
humanas (BOBBIO: 2004, 2005, 2006; BOURDIEU: 2002; FOUCAULT: 2004, 2005;
LUHMANN: 1983; THOMPSON: 1997). Construções teóricas já clássicas contribuem
para um melhor entendimento sociológico da prática jurídica e do que comumente é
apreendido como incoerência entre a lei e sua prática, levando a conclusões de que
o direito é meramente retórico (MARX: 2003). Não se defende que não haja
diferenciações entre lei e sua prática ou que não haja retóricas no direito, sobretudo,
na sua relação com a política. Essas questões são reconhecidas, mas não como
incoerências ou ambiguidades. Para a compreensão da complexidade da questão,
também contribuem as teses da teoria social que resgatam do pensamento filosófico
clássico, a consideração da coexistência humana como conflituosa e fundamento da
ação política, do agir em comunidade (ARENDT: 2007; FOUCAULT: 2007).
Considera-se crucial apreender melhor algumas questões, como a assertiva
do poder judiciário como ator social conservador, portanto, já de antemão percebido
como contrário a movimentos sociais como os rurais. Essa assertiva está presente
em muitas falas de estudiosos da questão. E antes de negá-la ou defende-la, se
ressalta a necessidade de ampliar pesquisas empíricas, ainda que, os limites dos
estudos de caso não permitam nenhuma generalização. Mas, essa impossibilidade
de generalização já é por si só indicio significativo da fragilidade de assertivas, que
ao qualificar o Poder Judiciário de antemão, o percebe como homogêneo.
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Ao longo da construção da fundamentação teórica e da analise empírica da
pesquisa que norteia a construção deste artigo, foi se explicitando com maior nitidez,
a percepção do direito, da lei e sua prática como constitutivos de um campo social
complexo de relações e conflitos, marcado por valores hegemônicos em seus
processos históricos de se consolidarem ou se fragilizarem. E, marcado por outros
valores, que possibilitam inclusive, no âmbito dos conflitos, colocarem em questão
valores tradicionalmente hegemônicos. Sendo o Poder Judiciário constitutivo da
sociedade e pilar do Estado de direito, se reconhece a existência de relações
dinâmicas e ressocializações mútuas entre Judiciário e outros segmentos sociais. E
se coloca para reflexão, a relação entre um possível conservadorismo do Judiciário
e um possível conservadorismo e resistência ao protesto social, também por parte
da sociedade brasileira. Assim, emerge a questão da cultura política na reflexão dos
processos de construção, manutenção ou mudança dos valores, poderes, leis e
comportamentos políticos em uma sociedade. No entanto, considera-se que a noção
de cultura política deve ser entendida como categoria analítica e metodológica, de
modo que não se crie nenhum traço estático, absoluto e homogêneo da sociedade.
Retomando ao titulo deste presente artigo – A Vara Agrária de Minas Gerais
e a questão da Cultura Política – ressalta-se que, no Brasil, a criação de uma Justiça
agrária vem sendo a mais de meio século presente no pensamento e na ação de
políticos, juristas, agraristas e movimentos sociais do país. No entanto, pretende-se
incitar que essa menção seja refletida juntamente da hipótese de que vigoram
tradicionalmente na sociedade brasileira, traços marcados pela formação histórica,
socializadora e de políticas autoritárias, que consolidaram e disciplinaram um
desenvolvimento a partir de projetos de país pensados e aplicados por uma pequena
elite, que em nome „da ordem e do progresso‟, restringiram e mesmo proibiram a
participação efetiva da maior parte da população no processo de construção do
Estado e da nação. Não obstante, frisa-se, também é crucial ponderar que mesmo
considerando essa formação histórica autoritária, avessa aos protestos sociais,
estes protestos sempre existiram ao longo da história brasileira; sempre colocaram
valores hegemônicos em questão, dinamizando – ainda que lentamente – as
relações de poder, conseguindo, em parte, alargar possibilidades de participação
política para uma maior parte da população – ainda que efetivamente em pequenos
graus – e também conseguindo lentamente recriar valores, concepções de direitos,
leis, suas práticas, novos traços culturais e novos comportamentos políticos.
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Neste sentido, é exemplar e pertinente para os propósitos deste artigo, a
existência por aproximadamente um século do embate entre o direito privado à
propriedade e a função social da terra, essa última cada vez mais aceita, embora o
direito individual ainda pareça ser valor hegemônico, fundamentalmente interiorizado
e legitimado na “cultura política” do brasileiro. E também é exemplar a existência de
uma Vara Agrária instituída com o objetivo de “dirimir conflitos”, tendo todos os
juízes que a presidiram de 2002 a 2008, reconhecido a legitimidade do movimento
rural, apreendendo-os como um protesto por causa constitucionalmente legítima.
2. O recorte empírico da analise: A Vara Agrária de Minas Gerais
Em 1987, passou a existir em Minas Gerais, a 12ª Vara Federal, cível e
agrária. Em 2001 foi criado o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de
Justiça de Conflitos Agrários (CAO-CA), ligado ao Ministério Público Estadual (MPE-
MG). Em seguida, o CAO-CA/MPE-MG e o INCRA-MG acionaram o Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG), que baseado na Constituição Federal de 1988,
determinou em maio de 2002, a criação da Vara Agrária de Minas Gerais (VA-MG),
com competência para julgar em todo o estado, os conflitos fundiários possessórios
de natureza coletiva; portanto, apenas quando no mínimo uma das partes é um
grupo social. As ações possessórias ajuizadas podem ser de [1] reintegração de
posse, por esbulho [2] manutenção de posse no caso de atos de turbação e de [3]
interdito proibitório, quando do receio que haja atos que se concretize em esbulho ou
turbação. E, exclui-se da competência da VA-MG julgar crimes praticados em
decorrência dos conflitos agrários ou com eles relacionados.
Nas últimas décadas, aumentaram as pesquisas sobre fenômenos relativos a
uma possível expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias
(CASTRO: 1997; VIANNA et al: 1999; VIANNA: 2002). Sem pretensão de analisar
conceitos que, neste contexto, ganharam popularidade, conotações diversas e
criticas, ressaltam-se apenas, as observações relativas às aproximações entre
Direito e Política, fenômeno que pode ser percebido a partir da criação da VA-MG,
pelas ações do INCRA-MG e do CAO-CA/MPE-MG chamando o TJMG a aplicar
diretrizes constitucionais, visando prosseguir com o processo de alargamento dos
espaços que possam buscar efetivar os direitos políticos, civis e sociais, que, como
consequência de lutas sociais, ampliam os instrumentos dessas lutas, possibilitando,
ainda num campo de conflitos, alterações nas relações de poderes.
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Compartilha-se com as conclusões de Maciel e Koerner (2002), pois, são as
teses de Viana (2002) que mostram coerência com o observado no estudo sobre a
VA-MG, em razão de este autor enfatizar a ampliação dos instrumentos judiciais
como “mais uma arena pública a propiciar a formação da opinião e o acesso do
cidadão à agenda das instituições políticas”. E, frisam-se as conclusões de Vianna:
“[...] Na atual mobilização do Judiciário para uma agenda de sentido social, as ações coletivas constituem território particularmente importante, pois, a partir delas, novas arenas de conflitos coletivos são criadas, contrapondo indivíduos e grupos sociais... exigindo novas formas de regulação democrática... Tais arenas... tem servido como lugar de afirmação de novos direitos e de participação na construção da agenda pública [...]” (VIANNA: 2002:484).
Também no tocante ao papel do Ministério Público, o estudo sobre a VA-MG
– em razão do tipo de intervenção do CAO-CA/MPE-MG – é coerente às teses de
Vianna. E, concorda-se com as criticas de Maciel e Koerner (2002), sobre o trabalho
de Rogério Bastos Arantes. Numa relação imbricada entre Estado e Sociedade Civil,
como se compreende ser mais pertinente às analises dos fenômenos políticos, o
papel do CAO-CA/MPE-MG não pareceu substituir a sociedade civil. Suas ações se
demonstraram como possibilidade de instrumentalizar juridicamente, de modo mais
efetivo, grupos sociais para a defesa de direitos constitucionalmente garantidos.
Procuradores e promotores de justiça do CAO-CA/MPE-MG, em suas intervenções
nos processos judiciais, que perpassaram a VA-MG de 2002 a 2008, demonstraram
serem defensores da busca pelo cumprimento da função social da terra, pela
redução da violência física que perpassa os conflitos agrários, pela possibilidade dos
movimentos rurais participarem politicamente protestando por seus direitos; e, em
alguns casos, defenderam que as áreas não fossem desapropriadas, por serem
reserva ambiental ou que não se mantivesse a ocupação, em razão de constatação
de indícios de degradação da propriedade e/ou ambiental. Ademais, nestes casos,
outros órgãos, como os ambientais, se fizeram presentes nas audiências judiciais.
Não indicando, portanto, que foram substituídos pelo CAO-CA/MPE-MG. Mas, por
suas posições, possibilitaram ampliar forças, com aparato jurídico, para defender
direitos que estão ganhando maior consolidação na “cultura política” do brasileiro, no
lugar, por exemplo, do direito de liberdade de agir com a propriedade como bem
entende seu proprietário. E, por fim, ressalta-se que ao contrário de uma visão que
percebe a sociedade civil como incapaz de se defender e que deveria ser
representada por instituições políticas suficientes para cumprir papel representativo,
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pareceu ser mais coerente com a visão do CAO-CA/MPE-MG, uma perspectiva de
que se deve legitimar, apoiar e fortalecer os movimentos sociais, apreendidos como
cruciais para o processo de democratização do país.
A criação da VA-MG se deu num contexto de ampliação das possibilidades de
participação politica e também de mudanças no campo jurídico. Tradicionalmente na
história brasileira, formações familiares, escolares e políticas, uniu os juristas aos
grupos socialmente dominantes, o que ainda se dá, embora não mais de maneira
tão predominante como outrora. Hegelmann (2004:14-15) observou que no final dos
anos 90, emergiu novas “definições e uso do direito”, ressaltando o caráter político
ou “de obrigação social” de um novo grupo, contraposto à tradição jurídica.
Desde o seu inicio, a VA-MG se especificou pelo caráter itinerante de sua
prática de atuação, consolidando uma dinâmica marcada por audiências judiciais
realizadas nas Comarcas locais, mais próximas das áreas do conflito e por visitas do
Juiz, representantes jurídicos do CAO-CA/MPE-MG, do INCRA, da Ouvidoria Agrária
Nacional (OAN), do Instituto de Terra do Estado de Minas Gerais (ITER), da Polícia
Militar de Minas Gerais (PMMG), entre outros, às áreas de conflitos existentes ou em
potencial, algumas ocupadas por trabalhadores sem-terra. Assim, o primeiro Juiz da
VA-MG, Dr. Cássio Salomé (s/d), a especificou como uma instância que aproxima o
Juiz da realidade do conflito e dos envolvidos:
“[...] Não vivemos isolados do mundo. A pecha de “magistratura de redoma”, com a devida vênia, não nos cabe. Não tivemos a preocupação simplória de ficarmos em gabinete despachando liminares. Procuramos nos inteirar pessoalmente de cada conflito, sempre realizando audiências na Comarca sede... onde os fatos nos chegam com maior realidade [...]”.
Também segundo o Juiz Dr. Fernando Humberto dos Santos:
“[...] O magistrado visita o acampamento e a sede da fazenda, conversa com acampados e com proprietários, observa e toma tento da conduta a ser desenvolvida na parte da audiência em que pretende tratar de conciliação e mediação [...]” (SANTOS: 2007).
Outro ex-titular da VA-MG, o Juiz Dr. Renato Dresch, narra suas visitas nos
acampamentos como a possibilidade de visualizar a realidade dos sem-terra e de ter
uma percepção da propriedade, nos aspectos econômico, social e ambiental:
“[...] Eu visitava na Vara Agrária todas as fazendas... Entrava dentro do barraco para saber se tem cama que se dorme, para saber se tem fogão, se o fogão é usado... é muito fácil para a gente que começa a visitar as fazendas; dá para perceber se existe alguma produção, se não existe produção nenhuma... O Juiz que não vai ao local, vai entender que os movimentos são todos criminosos. Você sabe que lá tem mulheres
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passando necessidade, tem crianças passando fome. Debaixo de barraco que tem pingo de madrugada... Quantos acampamentos você já visitou? - Nenhum. Então, você não sabe nada. Não adianta falar que entendeu. Nunca foi até lá para entender como é que o pobre vive... Tomar café junto para entender. Agora se ele fica dentro do gabinete, com ar condicionado, nunca vai ter essa compreensão [...]” (Entrevista: out/2009).
Por sua vez, o Juiz Dr. Oswaldo Firmo observou que:
“[...] A eficiência da prestação jurisdicional dependerá da disponibilidade (e disposição) daquele que esteja à testa da Vara de Conflitos Agrários em percorrer, pessoalmente, durante a semana, os distantes rincões das Minas Gerais, onde pululam os conflitos [...]” (FIRMO: 2009:82-83).
O destaque para essa questão também é registrada pelos representantes do
CAO-CA/MPE-MG. Segundo o Promotor de Justiça, Dr. Luiz Carlos Martins:
“[...] É impossível se decidir um conflito social desta envergadura aqui na sede da Vara Agrária. O Juiz ao analisar remete os autos ao Ministério Público e a gente faz uma análise fria de um conflito social de extrema gravidade... cujos efeitos são tão grandes que merecem uma atenção especial... A Vara Agrária se desloca até o local, dimensionando o conflito; número de famílias, razões que levaram esses integrantes dos movimentos sociais a ocupar a área [...]” (Entrevista: out/2009).
E segundo a Promotora-chefe do INCRA-MG, Dra. Ana Célia Camargos:
“[...] É um trabalho diferente para o Juiz. Porque o Juiz está acostumado ficar sentado na mesa, analisando processos... acostumado a relacionar com papel; quando ele vai para a Vara Agrária, tem que começar a fazer viagens, fazer vistoria em campo, conversar com pessoas humildes, com proprietário rural, ver a realidade da reforma agrária, ver a realidade da pobreza, ver a realidade da violência. É completamente diferente do trabalho de escritório. Então é ame ou odeie [...]” (Entrevista: out/2009).
Por fim, frisa-se que o Artigo 6° da Resolução 438/2004 do TJMG não obriga
o deslocamento às áreas de conflitos. O estabelece como possibilidade. Alternativa
que, no entanto, foi seguida, de modo geral, por todos os Juízes, o que se confirma
nas entrevistas e pelas atas judiciais, de 2002 a 2008.
Conforme o Juiz Dr. Fernando dos Santos, os convidados para participarem
da realização das visitas nos locais dos conflitos e das audiências judiciais eram, no
início, o INCRA, ITER, CAO-CA/MPE-MG e PMMG, e ainda são os principais. Para o
Juiz Dr. Cássio Salomé (s/d): “esse é o grande mote da existência da Vara de
Conflitos Agrários: a construção de uma solução para o litígio, livremente negociada
em audiência”. Com o tempo, as participações envolveram outras entidades da
sociedade. Alguns atuam como parceiro do Juízo, visando conciliações, outros como
assessores das partes, ainda que sem cabal jurídico. Assim, as audiências judiciais
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passaram a ter a presença do Instituto Estadual de Floresta (IEF), do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), de
órgãos de Direitos Humanos, da Fundação Nacional dos Índios (FUNAI), da
Fundação Cultural Palmares, do Ministério Público das comarcas locais, de
Secretárias do Meio Ambiente e Reforma Agrária e outros órgãos das prefeituras
locais. E dos movimentos sociais defensores das partes. Sobretudo dos acampados,
presentes em grande número, o que muitas vezes exigiu que as audiências se
realizassem nos maiores salões das comarcas. E, muitas vezes, os sem-terra
utilizaram as audiências para registrar demandas e realizar manifestações,
explicitando o caráter de ritual político, próprio desse movimento (CHAVES: 2000)1.
As audiências judiciais da VA-MG são comumente divididas em duas fases.
A primeira, de caráter informal, busca promover conversas entre as partes, abrindo
espaço para as posições serem colocadas. O debate é permeado pela mediação
dos representantes das entidades convidadas, orientando possibilidades de acordos.
O Dr. Cássio Salomé (s/d), registrou a prática judicial por ele introduzida e, em
grande medida, mantida na conduta dos demais Juízes:
“[...] Invocamos a parte geral do CPC... Inserimos na audiência de justificação de posse a conciliação e inauguramos a audiência, concitando as partes a uma reflexão sobre o quadro social do país e suas consequências, até chegarmos à situação posta no processo. Inserimos a fase conciliatória. Normalmente gastamos muito tempo nesse período, cerca de 4 a 5 horas. Procuramos conduzir os trabalhos demonstrando absoluta informalidade, possibilitando intervenções das partes, provocando verdadeiro debate aberto sobre o assunto. Autores, requeridos (trabalhadores), advogados, e convidados debatem livre e exaustivamente as possíveis soluções para o conflito. Se conseguirmos construir uma solução, com a intervenção das partes, lavramos o termo de acordo, homologamos e julgamos o processo.. Após superadas todas as possibilidades de uma conciliação, é que partimos para a segunda fase, com a tomada de depoimentos de testemunhas, a justificar a posse [...]”.
Nas atas judiciais registram-se as observações feitas pelo Juiz a respeito da
visita ao local do conflito, frisando suas percepções sobre o ambiente físico e social;
as conversas e informações que obteve. Registram-se, também, informações sobre
as razões das ocupações. De modo geral, declara-se tratar de ações coletivas de
trabalhadores sem-terra, visando pressionar políticas públicas de reforma agrária.
Por vezes, confirmavam a ocupação e a posse fática dos autores, questionando
1 A foto reproduzida no anexo I demonstra um desses rituais: acampados oferecendo ao Juiz produtos cultivados
nas áreas ocupadas. Buscando se mostrarem, para os representantes da Justiça, como trabalhadores e não criminosos. Portanto, como homens que seguem a moral e o direito legitimados pela sociedade atual.
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apenas, o cumprimento da função social. Outras vezes, declaravam abandono da
fazenda. Também se registram nas atas judiciais, os documentos que as partes
requeriam introdução no processo. E o juiz, comumente, indaga ao representante do
INCRA sobre existência ou possibilidade de vistoria ou processo de desapropriação
no imóvel. E indaga ao representante do ITER sobre existência de levantamentos de
cadeia dominial ou de interesse em elaborar tal laudo. Nos casos em que se
registraram interesses em vistoriar a fazenda, precisou indagar aos proprietários
sobre as possibilidades de acordos e negociações, em razão da lei 8629/93, que
proíbe vistoria e desapropriação por dois anos, em imóveis ocupados.
Por vezes, antes dos autores, se pronuncia o representante do MPE sobre a
situação fática, a partir das peças já existentes no processo e das observações
feitas na visita ao local do conflito, ou informando o juízo da ausência de alguns
documentos, demandando-os e enfatizando a necessidade de comprovação por
parte do autor, do cumprimento dos quesitos da função social da terra. Outras
vezes, os pronunciamentos e demandas do MPE se deram após o posicionamento
dos autores sobre as possibilidades de negociações. E, por vezes, a impossibilidade
inicial de um acordo, seguida da intervenção do MPE e dos demais participantes
convidados é revista pelos representantes dos imóveis. Assim, de acordo com o que
os juízos da VA-MG de 2002 a 2008 explicitaram nas atas judiciais, a audiência vai
se estabelecendo favorável ou não à elaboração de acordos entre as partes. Pois,
outra característica que singulariza a atuação da VA-MG é seu caráter conciliatório.
Para Salomé (s/d) o que norteia a pratica da VA-MG é “a intervenção do
Judiciário como pacificador dos conflitos, buscando a paz social no campo”. Para
este Juiz: “com essa postura acreditamos que contribuímos para aproximar o
Judiciário do povo, fortalecemos a democracia e buscamos algumas soluções para a
grave situação fundiária que no Brasil já perdura há séculos”. Também, o Juiz Dr.
Fernando dos Santos registra que “o propósito desta vara é evitar o desassossego e
a violência no campo. Sua atuação proporciona às partes conflitantes oportunidade
de resolver os litígios de forma pacífica, através de conciliação e transação
juridicamente homologada” (SANTOS:2008). E, para o Dr. Oswaldo Firmo (2009:75):
“[...] No tocante à atuação das instituições públicas, seja o órgão do governo, sejam auxiliares da Justiça, impõe-se a equidistância, para ouvirem das partes os clamores: nem tão de perto que se confundam as vozes, nem tão distante que deles só saibam os ecos. O equilíbrio dos profissionais de Direito é imperioso, pois lidam com a realidade do conflito para resolvê-lo, menos como árbitro do que como conciliador, de visão crítica aguçada [...]”.
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Segundo Firmo (2009:75-76) o contexto rural não é mais marcado por uma
imposição unilateral e radical do poder:
“[...] A glamorosa e fantástica visão de um conflito de coronéis poderosos, amigos da política e da policia, contra frágeis trabalhadores é capítulo sem atualidade, narrativa ultrapassada (ao menos em Minas Gerais). As diferenças persistem na sofisticação do agora... Fica à tona a síntese do conflito socialmente revelado... o aparente confronto entre valores... Nos litígios coletivos pela posse da terra, confrontam-se... dois valores: igualdade (defendido pelos movimentos sociais) e liberdade (defendido pelos proprietários e/ou possuidores esbulhados ou em via de sê-lo) [...]”2.
E, ainda segundo o Dr. Oswaldo Firmo:
O que eu entendia é... que a minha função ali não era promover a reforma agrária... não era preservar a propriedade... A minha função ali era a seguinte: contribuir para que acabasse a situação do acirramento de ânimos... acabar com o conflito, naturalmente, nessa linha do acordo.
Algumas audiências duram manhas ou tardes inteiras, na busca de “dirimir o
conflito”. Registra-se, praticamente em todas as atas, que foi tentada a conciliação
entre as partes, visando firmar um acordo entre elas. E deve o MPE dar parecer aos
termos avençados no acordo firmado. Outros mediadores, sobretudo INCRA e ITER,
auxiliam, a partir das atribuições de suas entidades, socializando informações,
criando estratégias de ações e assumindo compromissos, por vezes, constitutivos
dos acordos firmados judicialmente entre as partes e com prazos estabelecidos. Os
compromissos são variados, como realização de vistorias técnicas; cercar áreas ou
outros procedimentos necessários para permitir a ocupação dos sem-terra em parte
da fazenda, por tempo determinado (que vão de semanas a anos) nos contratos de
comodatos, firmados judicialmente entre as partes. E também doações de lona
preta, cestas básicas; arame farpado, dinheiro; transporte em casos de mudanças
de local da ocupação etc. Também o MPE, os próprios responsáveis pelos imóveis e
órgãos das prefeituras locais firmam compromissos de doações, auxílios ou serviços
de canalização, água, luz, saneamento, etc.. Assim, a VA-MG, em alguma medida,
tornou-se espaço para os movimentos sociais reivindicarem direitos e necessidades,
sobretudo, quando da presença de representantes da prefeitura local, colocando na
2 Autores como Weber (2004), Moore (1987); Thompson (1997) e Foucault (2004) contribuem para relativizarmos
as concepções sobre uma imposição unilateral e radical do poder no momento atual e em momentos históricos anteriores. No entanto, também é relevante ressaltar que, embora os conflitos se fundem em tensões de valores, estes valores e suas tensões não foram construídos a partir de relações de poderes equivalentes. Não se trata nem mesmo se tratou antes, de imposição mecânica de “coronéis poderosos, amigos da política e da polícia” contra “frágeis trabalhadores”. Mas, estes atores (coronéis, políticos, policiais, trabalhadores) nem antes e nem hoje, tiveram as mesmas possibilidades de construir valores e autonomias no seu pensar e no seu agir.
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pauta da agenda das políticas públicas, suas demandas por infraestrutura e acesso
a serviços públicos. A questão da escola, por exemplo, se ressalta. E, ainda registra-
se que, nas audiências judiciais, alguns movimentos buscavam registrar, via oficio
judicial, suas demandas ao INCRA, para que esta autarquia vistorie outras áreas.
Apreendem-se os acordos judiciais firmados entre as partes, sobretudo os
contratos de comodatos, como uma maneira de se reproduzir, não do mesmo modo,
antigas relações tradicionais entre proprietários de terras e trabalhadores rurais. Por
outro lado, explicita os limites das dominações. Algum direito deve ser concedido
aos trabalhadores, para promover a conciliação, ainda que por uma perspectiva
assistencialista, reafirmando relações pessoais de favor. O que no entender do
presente artigo ressalta o dinamismo das relações de construção da dominação
simultaneamente a construção do dominado, o que se dá no âmbito dos conflitos
sociais, das resistências às relações de poder e do contexto cultural vigente.
Os movimentos rurais sempre existiram e dinamizaram alterações nas
concepções de direitos e nas legislações agrárias, tanto as mais favoráveis aos
movimentos de trabalhadores rurais, como as menos favoráveis, uma vez que se
trata de um conflito social cujos movimentos de proprietários de terras também
sempre foram atuantes. Pois, política é conflito. Assim, resistências aos movimentos
de ocupações de terras fragilizaram esse mecanismo de luta, com a Lei 8629/93.
Não obstante, concepções da função social da terra, progressivamente se impõem
sobre concepções predominantes a respeito da valorização do direito à propriedade
privada. Observa-se que desde o primeiro Juiz que atuou na VA-MG, as concepções
são, em alguma medida, consensuais no tocante a considerar de competência
dessa instancia judicial, julgar o cumprimento da função social da terra3, o que, no
entanto, na prática apresentou uma complexidade maior.
3 Para Salomé “os direitos decorrentes de eventuais propriedades devem ser entendidos como secundários, se
não atendida a sua função social. De outro lado, a meu Juízo, nitidamente claro que não basta distribuir um pedaço de terra ao lavrador, sem que lhe seja possibilitado os meios de produção: crédito, tecnologia, assistência técnica e comercialização. Diante desse quadro, evidente o grande desafio”. `Para o Dr. Renato Dresch (2006:159-160): “É totalmente equivocado o entendimento de que não cabe analisar o cumprimento da função social nas ações possessórias... Embora os Arts. 5°, XXII e 170, II da Constituição Federal assegurem o direito de propriedade, os mesmos dispositivos em seus incisos XXIII e III, respectivamente, exigem que a propriedade cumpra a sua função social sob pena de não lhe poder ser conferida a proteção possessória. Àquele que reclama proteção possessória cumpre o ônus de provar que a propriedade cumpre todos os seus requisitos. E, ainda segundo este juiz: “a compreensão é muito difícil por aquele que tem a terra... Ele nunca aceita que não produz o mínimo. Ele acha sempre que produz o suficiente. Eu paguei é minha, eu faço o que eu quiser. Isso acabou. Essa realidade devagar está mudando... a gente que começa a visitar as fazendas; dá para perceber se existe alguma produção... Aquelas situações gritantes é fácil de ser percebidas, outras são limites... na situação limite, o Juiz deve realmente preservar a propriedade ainda... ou chama o técnico, pede o laudo rápido para avaliar...”. Também o Dr. Oswaldo Firmo apreendeu que é da competência da VA-MG considerar a comprovação da posse e da função social da terra. Bem como, poder demandar perícia judicial para vistoriar uma área, ainda
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Como já registrado em outro artigo, uma possibilidade para se caracterizar as
ocupações de terras que se tornaram objeto de litígio na VA-MG é a partir da
apreensão do potencial de realização dos objetivos, que essas ocupações tinham ou
construíram no momento das audiências judiciais, e ao longo de todo o processo.
Assim, as ocupações foram caracterizadas quanto à possibilidade de realizar nas
fazendas ocupadas, vistoria e/ou processo de desapropriação (ver tabelas, anexo II).
Entre 2002 a 2008 foram arquivadas na VA-MG atas judiciais referentes a 366
audiências judiciais ocorridas nas várias regiões de Minas Gerais. E, esse conjunto
de audiências envolveu 267 fazendas, objetos de ações judiciais; sendo que o litígio
de algumas fazendas resultou em mais de uma audiência.
Dentre as 267 fazendas objeto de litígio, em 220 ocorreram ocupações de
sem-terra; em 42 não existiram ocupações, sendo ações de Interditos Proibitórios. E,
em 5 delas, as ações eram incompatíveis com a competência da VA-MG.
No que diz respeito às vistorias, tem-se que dentre as 220 ocupações, 45%
se deram em áreas, que até o momento da última audiência, ainda não tinham sido
vistoriadas pelo INCRA. E, 30% se deram em áreas já vistoriadas. 15% das
ocupações não registraram informações sobre vistorias. E, 10% das ocupações se
deram em áreas, nas quais já havia laudo técnico, visando regularização fundiária,
transferência de área pública ou regularização de áreas quilombolas.
Dentre as 98 ocupações de terras, em áreas ainda não vistoriadas, 47% dos
responsáveis por essas terras, não aceitaram, em juízo, autorizar a vistoria por parte
do INCRA. E, 44% aceitaram autorizar a vistoria. Os 9% restantes dizem respeito a
áreas até então constatadas como inviáveis para desapropriação ou aquisição.
Dentre os 43 responsáveis por áreas ocupadas, que autorizaram vistoria do
INCRA, 58% não explicitaram sobre possibilidades de negociação do imóvel com o
INCRA. 26% explicitaram serem favoráveis à negociação. E 16% explicitaram serem
desfavoráveis à negociação, indiferente da conclusão do laudo da vistoria.
O mais relevante dessas informações, no entender desse artigo, é o número
significativo de responsáveis de áreas ocupadas, que aceitaram a vistoria do INCRA,
já explicitando desinteresse em negociar o imóvel. O que indica que, ao autorizarem,
em juízo, a vistoria, registraram, em certa medida, um entendimento que aquelas que ocupada. E, se comprovado abandono, encaminhar o processo para eventual expropriação. O que parece questionado é a ausência de verificação do descumprimento pleno e absoluto da função social. Pois, no caso de subutilização, o Juiz fica impossibilitado de dar parecer parcial à proteção possessória, mas não pode negá-la. Nestes casos, cabe o comparecimento do INCRA ao processo, que no entanto pode estar impedido de vistoriar imóvel ocupado apenas administrativamente (FIRMO: 2009:105).
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ações não se reduziam meramente a um crime contra a propriedade; registrando
algum reconhecimento das especificidades de uma ocupação coletiva, por parte de
movimentos sociais de luta por terra, o que inclusive especifica a competência da
VA-MG; e reconhecendo, em alguma medida, que a competência da VA-MG não se
reduz a justificar e reintegrar posses, desconsiderando a constitucional necessidade
de comprovar cumprimento da função social da terra. E, ressalta que as relações de
poder não são impostas de modo absoluto, mas construídas por relações sociais,
culturais, políticas e legais. E a questão é complexa. Pois há uma lei que obriga os
proprietários cumprirem função social de suas propriedades de terra, mas também
uma lei que proíbe vistoria em áreas ocupadas. Tanto que se registrou grande
número de casos, nos quais a vistoria ficou impossibilitada, em razão da ocupação.
Seguindo as análises quantitativas, tem-se que das 220 ocupações de terras,
30% se deram em áreas já vistoriadas. Dentre essas 65 ocupações, 37% eram
passíveis de desapropriação, mas os proprietários não aceitavam4. Em 29%, as
áreas eram passíveis de desapropriação ou compra e venda via decreto 433 e havia
negociações entre proprietários e INCRA. Em 15,4% havia negociação e assinatura
do Decreto Presidencial, declarando a fazenda de interesse social para fins de
reforma agrária. Em 14% o laudo do INCRA indicava a desapropriação inviável e,
em 4,6% dos imóveis ocupados, o laudo da vistoria ainda não tinha sido concluído.
3. A Vara Agrária de Minas Gerais (VA-MG), uma leitura a partir da noção de
Cultura Política, como categoria metodológica e analítica:
Concorda-se com os antropólogos quando eles reconhecem a necessidade
de uma preocupação permanente em não dissociar a política das demais dimensões
da vida social, em razão da apreensão da noção de cultura como uma “rede de
significados que dá sentido à percepção da realidade” e, a política é parte dessa
realidade. E, da apreensão de que “a própria noção de poder não está relacionada
apenas às instituições explicitamente políticas”. E, concorda-se com a afirmação de
que “um esforço no sentido de compreender como a sociedade interpreta, elabora e
vivencia as suas instituições políticas só pode trazer benefícios para ambas as
4 Registraram-se casos que o INCRA estudava a viabilidade de instaurar processo desapropriatório; casos cujo
processo já havia sido iniciado, estando em vias de ser remetido para a Casa Civil, para emissão do Decreto ou já havia emissão do Decreto Presidencial, declarando a Fazenda de interesse social, para fins de reforma agrária. Em alguns casos, as TDA's já haviam sido emitidas. Em outros, o processo de desapropriação estava sendo julgado na Justiça Federal; alguns suspensos por decisão Liminar, proferida em Mandado de Segurança.
14
disciplinas” (KUSCHNIR e CARNEIRO: 1999: 242-244). Assim, se observa a analise
de uma instituição jurídica como pertinente para refletir a questão da cultura política.
Pensa-se que é pertinente apropriar-se do conceito de cultura política como
lente analítica; consideração metodológica de que não é plausível apreender atores,
relações, estruturas e instituições políticas desconsiderando que eles são intrínsecos
a um contexto cultural histórico, ou seja, a identidades, tradições, costumes, hábitos,
valores, sentimentos, ideologias, conflitos, apropriações individuais e de grupos das
normas sociais e das leis, confusões, dúvidas, racionalidades, estratégias, juízos de
valores, etc. E também não é plausível apreender outras dimensões da vida social,
como, por exemplo, a jurídica, sem compreender como suas especificidades
históricas são impactadas e impactam as dimensões políticas da vida em sociedade.
Mais do que apreender cultura de um lado e política de outro e buscar
relacioná-las, pensa-se que o debate atual em torno do conceito de cultura política
permite apreender, que os atores políticos que dinamizam as ações, instituições e
relações políticas não se esvaziam de sua história e formas especificas de ser, para
enquanto atores políticos, agirem com racionalidade e logica unicamente política. A
política é dimensão autônoma da vida social; mas constitutiva da mesma, portanto
imbricada a um contexto cultural e histórico. E também os demais grupos sociais e
instituições, em muitos momentos, mais ou menos explicitamente, se comportam
como atores políticos e se relacionam direta ou indiretamente com a política.
Ademais, em todas as dimensões da vida social, a subjetividade se materializa em
formas diferentes de atuação. Do contrário, a subjetividade é apreendida como um
conjunto de elementos mentais que nada tem a ver com a realidade prática; que não
intervém na realidade, positiva ou negativamente. Esquece-se, por exemplo, que
pensar é um verbo, que, portanto, indica ação. E assim, a dualidade do debate entre
institucionalistas e culturalistas em nada supera o debate entre o idealismo e o
materialismo, que também separa elementos inseparáveis da realidade social.
Quanto às possibilidades metodológicas, pensa-se que, quando se colocam
as dificuldades, a partir de questões do tipo: como medir e quantificar as culturas
políticas? Como analisá-las na totalidade e caracterizá-las em todos os detalhes?
Uma possível resposta é que nem tudo pode e tem que ser medido, quantificado ou
qualificado em graus e muito menos apreendido numa totalidade integral conclusiva,
sobretudo quando se trata de ciência humana. Como já ensinou Weber (2005),
algumas questões só podem ser compreendidas por meio de recortes da realidade e
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sentidos atribuídos por quem observa e compreende. E tais compreensões não são
necessariamente destituídas de sentido político e de intervenção na realidade.
Assim, como outros estudiosos, defende-se a abordagem da cultura política
como procedimento metodológico e analítico e não como esquema classificatório
(BORBA: 2005). Como observa Berstein (1998:350), a cultura política responde
melhor à expectativa do pesquisador quando “ela é, precisamente, não uma chave
universal que abre todas as portas, mas um fenômeno de múltiplos parâmetros, que
não leva a uma explicação unívoca, mas permite adaptar-se à complexidade dos
comportamentos humanos”. E, pensa-se que o conceito de cultura política precisa
ser apreendido de modo análogo a como Thompson (1987) percebeu a categoria
classe, ou seja, em seu dinamismo histórico, como fenômeno processual e não
como algo estático, que possa ser descrito e caracterizado por traços delimitadores,
informando de antemão o que pode ou não ser considerado pelo conceito.
No Brasil, na medida em que o impedimento da participação popular deixou
de ser institucional, quando procedimentos legais e institucionais tornaram possível
a participação política de um maior número de pessoas, sem, se efetivar na prática -,
as analises sobre as razões dessa situação passaram a focar o olhar para o sujeito
que doravante portador de direito, continuou alheio a uma efetiva participação
política, pelo menos como se esperava alguns analistas. Ainda no momento atual, o
conceito de cultura politica precisa ser apreendido considerando um dinamismo
histórico lento, mas que, no último meio século, transforma a sociedade brasileira e
alarga as possibilidades de participação política. Mais em termos legais e em
algumas dimensões, como nos processos eleitorais, sobretudo a participação dos
cidadãos enquanto votantes; e menos em outras dimensões, como na participação
em partidos políticos, sindicatos, protestos políticos, movimentos sociais, acesso à
justiça, a políticas públicas de distribuição da riqueza; a garantias constitucionais
como a reforma agrária, etc., o que, no entanto, não permite desconsiderar, em
alguma medida, a ampliação da possibilidade desse tipo de participação política.
Como observa Moises (1995) e também Messenberg (2010), toda a tradição
do pensamento social brasileiro apreende a cultura politica deste país como um
“conjunto rígido de padrões político-culturais”, no qual o Estado é percebido como
organização política autônoma e autoritária, central e centralizadora com poderes
supremos para intervir nas diversas dimensões da vida social. Por outro lado, a
sociedade civil é amorfo, incapaz de se organizar. O que justifica a existência de
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partidos políticos frágeis, organizações sociais tuteladas pelo Estado, lideranças
políticas que estabelecem relações fundadas no pessoalismo, reforçando o caráter
clientelista e populista das ações políticas. E segundo Messemberg (2010), essas
concepções são “ideias hegemônicas não só no âmbito acadêmico, mas que
refletem certa primazia interpretativa também vigente no senso comum”. E por
detrás dessas crenças, também há a ideia de um progresso que deveria ter sido
seguido rumo ao moderno, espelhado na formação social norte-americana, “como
exemplo modelar da modernidade ocidental”, o que na comparação com a
experiência brasileira, a faz um caso típico de modernidade tardia e inacabada.
Não obstante, Messenberg (2010) destaca dois autores que se posicionaram
criticamente frente a esse diagnóstico sombrio quanto às possibilidades do Brasil se
constituir numa democracia estável. Do pensamento de Luiz Werneck Vianna, se
destacam, novamente, as teses sobre as possibilidades criadas pelo direito para a
participação na esfera pública por parte de uma maioria ampliada de cidadãos. Do
pensamento de Jesse de Souza, destaca sua apreensão sobre a capacidade dos
indivíduos de se autocriticar e criticar a sociedade em que vivem; e sua apreensão
do individualismo como valor moral que conseguiu – no âmbito do conflito - se impor
como código dominante, sobrepondo a outras formas de orientação moral como o
personalismo e o familismo. A individualização foi apreendida como modernização
seletiva, que não se deu integralmente para toda a sociedade, configurando assim
um contexto no qual se tem a aceitação dos valores modernos e ocidentais como os
legítimos, mas que mantêm os mecanismos hierarquizados e faz da desigualdade
produzida, situação “naturalizada pela explicação relacionada à incompetência
individual de suas vítimas, ou é simplesmente causadora de um mal-estar difuso,
poucas vezes mobilizador de ações políticas”.
Também vários autores da antropologia Política contribuem para repensar a
sociedade brasileira, em termos de uma cultura política, entre outras razões, pelo
uso que fazem da noção de representação, de modo que fenômenos e conceitos
são interpretados, “através de seu significado para os atores sociais e não em
comparação a modelos teóricos que fundamentam o sistema político”. Considera-se
que existem “diferentes modos de se pensar e viver o político”, cabendo ao
pesquisador apreender as relações entre representações e as práticas dos atores.
Essas questões nos possibilita apreender que há uma cultura política no
Brasil, marcada pelo autoritarismo social e politico, e há uma sociedade civil pouco
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mobilizada e até bastante critica e resistente aos movimentos sociais. O protesto
social, muitas vezes, é apreendido pelo senso comum da população brasileira como
vandalismo, desordem, baderna, crime, etc. Não obstante, essas características
não podem ser apreendidas de modo absoluto. Não indicam uma modernidade
inacabada, tardia ou impossibilidade de democratização. Não há nem nunca houve
de modo absoluto um autoritarismo e uma sociedade completamente subordinada.
Pelo Contrário, o conflito e os movimentos políticos e sociais sempre existiram e,
para o caso especifico da nossa reflexão, os movimentos rurais sempre existiram e
justificam muitas das alterações nas legislações agrárias e nas concepções de
direitos. Sobretudo no último meio século, os movimentos em curso contextualizam
e justificam, em grande parte, a criação da VA-MG e seu tipo especifico de prática
jurídica. Assim, essa instancia jurídica é exemplar para apreender esse processo de
reinterpretar o Brasil, através de concepções de cultura política, quando apreendidas
em termos metodológicos, principalmente considerando a VA-MG como espaço no
qual interagem valores culturais diferentes. São diferentes representações de justiça
e de direitos que passam a serem debatidas por diferentes atores.
Também é presente no senso comum, em parte das ciências sociais e até
na concepção de alguns juristas, a crença que o sistema legal é um instrumento de
opressão contra as “classes dominadas”. Não obstante, como vem se discutindo
nesse artigo, mesmo um grupo social tradicional como o poder judiciário, não é
homogêneo, se divide em doutrinas e praticas jurídicas diferentes, o quer permite
por mais estrutural que seja o Poder Judiciário, também ser campo de
potencialidades de mudanças sociais. Porém, o estranhamento ao novo é inerente
aos processos de mudanças. A instauração da VA-MG gerou estranhamento por
parte dos vários atores envolvidos. O primeiro juiz que a assumiu buscou pesquisar
os conflitos existentes no estado e iniciar uma aproximação com as comarcas locais,
com os órgãos governamentais e com os movimentos de luta por terra. E em suas
impressões iniciais, observou que:
“[...] Diante da dificuldade dos integrantes dos movimentos em compreender a posição do Judiciário, em face da histórica posição sempre contrária aos interesses dos mesmos, sabíamos a dificuldade que enfrentaríamos nos contatos com os movimentos. No entanto, buscamos demonstrar uma postura de imparcialidade, de respeito a todos e que todos devem ser tratados com igualdade pela Justiça [...]” (SALOMÉ: s/d).
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Percepção semelhante foi constata pelo juiz Dr. Renato Dresch que, no
entanto, já se inseriu em um contexto marcado por uma prática jurídica diferenciada,
que já permitia maior aproximação do judiciário com os movimentos sociais:
“[...] O que o colega que me antecedeu, Dr. Cássio, especialmente percebeu, e eu também percebi, mas a gente foi quebrando isso... havia uma desconfiança muito grande em relação ao poder judiciário. Essa desconfiança existia porque o Poder Judiciário não comparecia. O Poder Judiciário vinha apenas através de um mandato do oficial de justiça escondido atrás de vários policiais para cumprir aquele mandato. Era assim que funcionava... Não tinha interlocução com os movimentos sociais. Precisamos confessar que o Poder Judiciário é extremamente conservador... Na hora de que eu vou decidir, eu tenho que pensar se o que estou julgando tem causa social envolvida, eu tenho que aplicar a Constituição Federal... Ela nos dá elementos para mudar esse estado de desigualdade social. Mas, isso não foi muito bem compreendido ainda, não só pelo Poder Judiciário... O Poder Judiciário é o retrato da sociedade. A sociedade é conservadora. Não se admite o pobre, o pobre é incomodo... Tem gente que não gosta de pobre e é defensor público; tem gente que trabalha no SUS, médico que trabalha no SUS e não gosta de pobre; estão no lugar errado [...]” (Entrevista Outubro/2009).
Não apenas os movimentos de luta por terra passaram a ser ressocializados
por novas concepções e dinâmicas jurídicas. Também o próprio Poder Judiciário.
Juízes das comarcas locais, do interior de Minas Gerais, foram introduzidos a uma
prática até então incomum, o que desencadeou estranhamentos e resistências por
parte de alguns. Por vezes, a constitucionalidade da VA-MG foi questionada:
“estranhavam a existência de uma Vara com competência sobre todo o Estado.
Alguns se sentiam desprestigiados com a presença de um colega de outra Comarca,
invadindo sua natural competência” (SALOMÉ: s/d)5. E a resistência dos Juízes de
algumas Comarcas se dava juntamente da resistência de outros poderes locais,
como os dos proprietários de terras. Segundo o juiz Dr. Cássio Salomé (s/d):
“[...] não é da tradição do Judiciário, lidar com questões novas, sob o enfoque social... Nosso Poder comodamente se situa na seara do tradicionalismo e costumeiramente é bastião do conservadorismo. Sabíamos que a Vara de Conflitos Agrários não poderia se prestar simplesmente a “centralizar” as decisões e tornar-se mero caminho burocrático das concessões das liminares nas ações possessórias. Isso nos afligia, em razão das resistências que encontraríamos, não só dentro do Poder Judiciário, como também no seio dos proprietários de terra que não enxergam a grave questão social que está inserida no movimento dos “sem terra”. E confirmando essa preocupação passamos por diversas situações em que alguns (não todos) colegas, não
5 As teses de Bourdieu (2002) sobre conflitos internos no campo jurídico apreende o dinamismo das (di) visões
dos atores sociais nos processos de (re) construção dos espaços sociais. Imputando uma relevância às
representações sociais que não podem ser apreendidas meramente como idealismos dissociados da prática social. Propondo também romper com o objetivismo “que leva a ignorar as lutas simbólicas desenvolvidas nos diferentes campos e nas quais está em jogo a própria representação do mundo social, e, sobretudo, a hierarquia no seio de cada um dos campos e entre os diferentes campos”. Parece, portanto, relevante relacionar as subjetividades do direito no âmbito da luta pelo poder de defender jurisprudências e jurisdições.
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compreendiam a importância da Vara. A maioria, no entanto, compreende a importância da iniciativa e sentem-se até aliviados com a “solidariedade” a eles emprestada. Fomos Juiz no interior e sabemos a enorme pressão que os latifundiários exercem sobre as autoridades que estão incrustadas no seio de nosso interior [...]” (SALOMÉ: s/d)6.
A resistência por parte dos proprietários de terras também foi ressaltada pela
Promotora de Justiça do Incra-MG, Dra. Ana Célia Camargos:
“[...] Houve resistência da classe ruralista, dos empresários do meio rural, dos advogados do meio rural... Teve gente que chamou a Vara de Tribunal de Exceção, porque entenderam que era uma Vara para cuidar só dos interesses do sem-terra... Isso no começo; agora a questão já se normalizou. Tanto os proprietários quanto os sem terras já entenderam o funcionamento da Vara... já estão aceitando com mais tranquilidade [...]” (Entrevista Outubro/2009).
Essas perspectivas iniciais sobre a criação da VA-MG são pertinentes aos
propósitos deste artigo, sobretudo por indicar, em alguma medida, os processos de
socialização que perpassam a história desta instancia judicial. O estranhar se por
um lado indica a relação entre identidades sociais diferentes, por outro lado, pode
ser um procedimento possibilitador de ressocialização a partir de uma experiência
vivenciada. No mínimo, possibilita a trabalhadores rurais e aos representantes de
propriedade rurais uma aproximação com o universo jurídico e com a questão
agrária a partir da sua normatização legal e jurisprudências vigentes. E, as próprias
falas dos juízes da VA-MG, citadas antes, destacando o conservadorismo do poder
judiciário, trazem indícios de mudanças nas práticas e nas representações, ainda
que este pequeno grupo de juízes não representem nenhuma possibilidade de
generalização para todo o Poder Judiciário. No entanto, a autoridade dos juízes da
VA-MG e suas concepções diferenciadas podem contribuir para ressocializar outros
juízes, advogados e demais atores que se relacionam nessa instancia judiciária.
Como já disseram vários autores que pensaram o conceito de cultura
política, o contexto histórico cultural socializa e pode influenciar os atores em suas
escolhas e comportamentos políticos (MOISÉS:1995; BERSTEIN: 1998; KUSCHNIR
e CARNEIRO:1999; BORBA: 2005; RIBEIRO: 2008; MESSENBERG: 2010). As
6 Segundo reportagem do Cedefes (2003), o presidente da Sociedade Rural de Montes Claros, Alexandre Viana,
afirmou que “os ruralistas sempre apostaram no Poder Judiciário para resolver suas pendências com os sem-terra, mas como os resultados estão sendo insatisfatórios, a categoria decidiu buscar a única alternativa disponível”, contratar e treinar homens para impedirem ocupações de terras: “'não são jagunços. São pessoas treinadas, com a determinação de preservar o patrimônio, como garante a lei”. Para Alexandre Viana, “a Vara de Conflitos Agrários de Minas Gerais é insuficiente para atender a demanda, pois, com jurisdição sobre todo o Estado, os processos estão se acumulando”. Sua sugestão é “que a análise dos conflitos agrários volte a ser feita pelas comarcas locais, em primeira instância, pois os Juízes do interior do Estado conheceriam melhor a realidade do campo”. A sugestão é que a VA-MG ficasse como segunda instância.
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esferas familiares, escolares, esportivas, religiosas, comunicacionais, profissionais,
de lazer, os diferentes grupos culturais e geracionais com os quais se vivem, as leis,
etc., são algumas das instancias socializadoras que perpassam a construção do
conjunto de normas, valores, reflexões, tradições, princípios que orientam – mais ou
menos conscientemente – as pessoas em suas atitudes individuais e coletivas nas
esferas da vida social e ou política. E as diferentes instâncias de socializações não
exercem influencia exclusiva. Por serem várias, as referencias que os indivíduos se
apropriam dos diferentes segmentos sociais com os quais vive, podem ser mais ou
menos coerentes e claras ou mais ou menos contraditórias e confusas. O nível de
consciência dos valores interiorizados podem justificar as praticas realizadas serem
mais ou menos coerente com as ideologias que os sujeitos dizem ter. Pois, os
fenômenos vivenciados costumam ser muito menos visíveis exatamente para
aqueles que os vivem. Neste sentido, Sani (2004:306) registra que as crenças,
ideais, normas e tradições são aspectos da vida política “menos tangíveis, mas nem
por isso menos interessantes da vida política de uma sociedade”.
A juíza Fernanda Duarte (2007:2) explicita que embora impossibilitada no
plano normativo, a reprodução da desigualdade social se realiza no campo jurídico
simultaneamente a processos que a tornam invisível. O trato dos instrumentos
normativos a partir da consagração da igualdade jurídica se insere numa contexto de
naturalização da sociedade hierarquizada que constitui a brasileira. Assim, segundo
Duarte, essa consagração da igualdade jurídica é aplicada na prática jurídica a partir
de correntes doutrinais que integra o judiciário na reprodução das estruturas
hierarquizantes, de modo que este “acaba por distribuir justiça de forma desigual,
sem muitas vezes sequer se aperceber e sem considerar o próprio conflito que lhe é
apresentado”. E, compreendendo a complexidade da situação, a autora frisa que:
“[...] se olharmos o que os livros falam do Poder Judiciário, de sua essencialidade para a manutenção da democracia e proteção dos direitos fundamentais..., e se olharmos para a própria compreensão que a corporação judicial tem de si não se enxergará nenhuma intencionalidade maquiavélica, explicitada como um complô orquestrado pela toga contra o estado democrático de direito. Trata-se, creio eu, de algo mais profundo, mascarado por um processo reprodutor das práticas que vigoram no campo jurídico... a desigualdade jurídica permeia as relações entre sociedade e tribunal, passando de forma imperceptível, naturalizada, pois, repito, no plano do discurso do campo, o juiz protege e guarda a cidadania, sendo ele mesmo, um dos seus elementos de sustentação, logo refratário à desigualdade (embora adote práticas autoritárias e hierarquizadas) [...]” (DUARTE:2007:3).
21
Estas observações recolocam as questões sobre conservadorismo do Poder
Judiciário e da sociedade brasileira. E recolocam questões destacadas nos estudos
de cultura política, relativas à invisibilidade dos fenômenos vividos tradicionalmente,
naturalizados e aos processos de socialização. O Poder Judiciário hierarquizado,
inserido numa sociedade hierarquizada, na qual a consagração da igualdade jurídica
é mais normativa do que prática, ao ver de Duarte (2007:2), “leva a um
comprometimento do Poder Judiciário, obstaculariza a função de administrar
conflitos e impede uma adequada socialização das pessoas nas normas jurídicas”.
Pensa-se, no entanto, que se essa perspectiva é coerente com o que se
pode observar de modo predominante no judiciário brasileiro, por outro lado, a VA-
MG parece exemplar para ressaltar novamente, que a ideia de cultura política não
pode ser percebida de modo estático e homogêneo. Na VA-MG, o poder judiciário se
insere intimamente nas relações hierárquicas e de poder constitutivas do campo
jurídico. No entanto, além dessa socialização que se reproduz ao longo da prática
jurídica, também se apreende na VA-MG, a introdução de uma nova dinâmica de
atuação, que permite possíveis ressocializações e maior compreensão e outro tipo
de administração do conflito. Nas ações de reintegração de posse, pode existir a
pratica de apenas finalizar um processo, decidindo-se por uma das partes da lide.
Não obstante, a VA-MG, por ser instância especializada e pela sua dinâmica
específica de atuação, abre novas possibilidades, podendo melhor administrar os
impactos de suas ações e sentenças não apenas no tocante a cada uma das lides,
mas relativo ao conflito social que perpassa todas elas.
E ainda no tocante ao fato de que os fenômenos vivenciados costumam ser
menos visíveis para quem os vivem, observa-se, como Thompson (1997; 2002),
Bourdieu (2004) e Chauí (1986) já explicitaram, que as maiores dificuldades que
enfrentam os movimentos de mudanças, decorrem de que mesmos os maiores
críticos de um tempo histórico-cultural e de suas instituições sociais, econômicas, e
políticas, foram socializados neste tempo histórico-cultural e nessas instituições. O
processo de resistência a uma cultura ou política é dinamizado por pessoas que
foram socializadas e interiorizaram muito da estrutura psíquica, social, econômica,
política e cultural que criticam. Essa percepção contribui para apreender o caráter
complexo e lento dos processos de mudanças sociais. Mas, não nega-los ou reduzir
a questão, identificando-a como simples ambiguidade.
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Os poderes dos diferentes valores existentes não são equivalentes e podem
fortalecer culturas ou poderes hegemônicos. Por exemplo, a ideia de progresso e de
modernização não é exclusiva de defensores da democracia liberal. É necessário
reconhecer que está também na pauta das reivindicações de muitos trabalhadores
rurais, ainda que não seja bandeira explicita de suas lideranças; ponto fundamental
e extremamente delicado da analise politica7. Assim, os valores podem ser mais ou
menos conscientes e diretamente relacionados com os comportamentos políticos.
A questão da especialização da Justiça agrária no Brasil está posta em
debate a mais de meio século. E, dentre os seus principais pontos, ressalta-se a
expectativa, por parte dos seus defensores, de se ter uma “mentalidade agrarista”.
Obviamente não se desconsidera a possibilidade de uma justiça agrária construir um
saber mais qualificado da questão. Não obstante, alerta-se da necessidade de não
homogeneizar essa “mentalidade agrarista”. Mesmo em uma única instância, como
na VA-MG, se encontram perspectivas diferentes. A instância especializada cria a
possibilidade de uma matéria ser melhor conhecida e possibilita a construção de
pontos compartilhados. Mas, não necessariamente, obriga esse conhecimento ser
apreendido por todos de maneira homogênea. Ademais, as questões que envolvem
uma instancia judicial nos se reduz a uma mentalidade. O que não quer dizer que os
valores e as subjetividades não tenham importância. Pelo contrario. Nos anos de
2000, Juízes da VA-MG registraram uma atuação marcada por vezes, por formas
bastante próximas de pensar a questão agrária. No entanto, também registraram
diferenças. E frisa-se que no tocante a pareceres jurídicos, existiram formas
diferentes de julgar mesmo por parte de um mesmo juiz, o que se dá devido às
demais dimensões que perpassam os processos, para além dos entendimentos do
juiz. A complexidade do campo jurídico, suas hierarquias e jurisprudências nas
diversas instâncias precisam ser consideradas. E também considerar o dinamismo
que perpassa o processo de ressocialização ao longo do tempo. Uma cultura, uma
mentalidade, por mais especializada, não é estática. Tem que se atentar para os
processos de trocas entre saberes diferentes e de acúmulos de experiências, ao
7 Como bem apreendeu Gramsci (1978:19): “[...] dado que no mesmo grupo existe a divisão entre governantes e
governados, é necessário fixar alguns princípios inderrogáveis. Exatamente neste terreno ocorrem os „erros‟ mais graves... Crê-se que, estabelecido o princípio do mesmo grupo, a obediência deva ser automática... Assim, é difícil extirpar o cadornismo dos dirigentes, isto é, a convicção de que uma coisa será feita porque o dirigente considera justo e racional que ela seja feita. Se não é feita, „a culpa‟ é lançada sobre quem „deveria fazê-la‟, etc... Desse modo, torna-se difícil extirpar-se o hábito criminoso do desleixo em evitar os sacrifícios inúteis [...]”.
23
longo do tempo. Como já dito, uma das possibilidades abertas pela prática da VA-
MG é a socialização de trabalhadores rurais, proprietários de terras e o campo
jurídico (Juízes, Promotores e Procuradores de Justiça; Leis e direitos) numa relação
tensa entre legalidade e legitimidades sociais, e em persistente reconstrução.
Destaca-se que, nas audiências judiciais e nas visitas aos locais dos conflitos, se
reúnem distintos saberes, poderes e interpretações dos direitos, das Leis e das
práticas jurídicas, inclusive no âmbito de um mesmo grupo. Trata-se de valores que
podem ser repensados e modificados, no espaço do debate entre as diferentes
concepções sobre a questão agrária e as questões sociais e jurídicas.
Como também já referido, em alguns casos, a autorização, ou não, para
vistoriar a área ou para negociar desapropriação ou aquisição do imóvel foi
construída no momento das Audiências Judiciais, a partir das argumentações das
partes e dos mediadores. E também a partir das possibilidades legais que limitaram
os acordos possíveis; destaque para a já referida Lei 8.629 e para as hierarquias do
Poder Judiciário. As ocupações de terras não necessariamente, se deram em áreas
já pré-definidas como passiveis ou não de vistoria e/ou desapropriação. Tanto que a
Lei 8.629 não impossibilitou, em todos os casos, que acordos fossem firmados entre
as partes, inclusive permitindo vistorias e/ou negociações do imóvel. E não se trata
apenas de acordos firmados quando já se tinha interesse pela negociação do
imóvel. Pois, como já referido, existiram proprietários que explicitaram desinteresse
em negociar o imóvel, mas permitiram a vistoria. Situações exemplares para ilustrar
como os debates na VA-MG visam, sobretudo, a busca pela conciliação e assim, a
busca pelo seu proposito anunciado de ser um espaço para “dirimir o conflito”, seja
isso criticável ou não. De qualquer modo, as lutas sociais, quando apropriadas, em
alguma medida, pelas esferas políticas e judiciais, passam a poder dinamizar
especificas potencialidades de reconstruir “culturas políticas”, ainda que lentamente.
E, no processo de aprendizagem, as experiências vividas podem ir tecendo
os limites das possibilidades das relações de poderes vigentes consolidarem ou não
as dominações. Nesse sentido, ressalta-se a narrativa de um caso exemplar, já
referido em outro artigo. Em entrevista, o Procurador, Dr. Luiz Carlos Martins do
MPE-MG, narrou sobre um processo de Interdito Proibitório, cuja visita não
constatou acampamentos e cuja fala dos trabalhadores rurais frisou que o
movimento não tinha interesse em ocupar o imóvel. Assim, o juiz propôs um acordo:
24
“[...] Já que vocês não têm interesse em ocupar esse imóvel, se comprometem a não ocupar o imóvel. O ministério público está favorável? Não. Pois, acordo pressupõe uma bilateralidade... É preciso ter bilateralidade de obrigações. Eu cumpro a minha. Você a sua. Então eles se comprometem a não ocupar o imóvel, desde que o imóvel cumpra sua função social. Porque amanha se eles ocuparem eles não estarão rompendo o acordo, na verdade quem rompeu foi ele... ah, é.. o Juiz disse: - está certo, é isso mesmo [...]”
Para além desse acordo, o Procurador, Dr. Luiz Carlos Martins, ciente de que
imóvel não ocupado pode ser vistoriado, indagou ao INCRA sobre esse interesse:
O INCRA foi convidado pela Vara Agrária e está aqui presente na condição de amicus curie. Então como convidado nós indagamos ao INCRA se ele tem interesse em vistoriar a área. O INCRA: - temos. Tem? Então utiliza a Ata Judicial para notificar o proprietário da vistoria. O imóvel não está ocupado. O INCRA pode entrar quando ele quiser. Só que já notifica o proprietário agora.
E a finalização da narrativa deste Procurador de Justiça foi crucial para nos
permitir apreender o papel da aprendizagem a partir da experiência, que a prática da
VA-MG pode permitir, e com isso dinamizar mudanças positivas ou negativas, o que
é relativo. Mas, ao menos permite relativizar a ideia de que a Justiça é, em absoluto,
um campo conservador e representante de modo absoluto da classe dominante:
“[...] Nunca mais foi ajuizada um Interdito Proibitório em Vazante. Acho que é Vazante... Porque, o que nos percebemos ali, é que essas pessoas queriam blindar os seus imóveis... O que fizemos, invertendo a coisa só foi possível porque nós fomos lá. Ou seja, você manda um recado: - vocês estão lidando com uma Justiça qualificada [...]” (Entrevista Outubro/2009).
O caso narrado é relevante para refletir sobre processos de ressocialização (a
partir de uma nova dinâmica jurídica) não apenas de trabalhadores e proprietários
de terras, mas também de Juízes, procuradores, promotores e advogados. Essa
ação do INCRA notificar o proprietário da vistoria, nas ações de Interdito Proibitório
não se deu desde o início de atuação da VA-MG. Foi uma prática construída a partir
das experiências, aprendizagens e possibilidades abertas por essa instância jurídica.
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ANEXOS
ANEXO I
Fonte: Cunha e Cardoso: 2007
ANEXO II
Tabela I Número de Audiências Judiciais na VA-MG, por anos e Regiões de Minas Gerais
(2002-2008) e Número de Fazendas Objetos de Litígios na VA-MG por Regiões de Minas Gerais (2002-2008)
Regiões Audiências por Anos Nº de Fazendas
02 03 04 05 06 07 08 Σ Σ
Sul e Zona da Mata 00 05 01 02 02 04 00 14 08
Central e Rio Doce 03 12 13 11 03 05 07 54 40
Jequitinhonha Mucuri 01 07 05 12 05 04 01 35 21
Norte 09 19 05 09 18 10 10 80 63
Noroeste 00 05 19 17 20 20 03 84 58
Triângulo e Alto Paranaíba
00 03 10 06 25 42 13 99 77
Total 13 51 53 57 73 85 34 366 267
Fonte: Atas Judiciais da VA-MG (2002-2008).
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TABELA II Número de Fazendas, objetos de litígio na VA-MG, por situação das ocupações no
momento da última audiência na VA-MG (2002-2008) , por regiões
Situações possíveis para as ocupações, no momento da última audiência na VA-MG (2002-2008)
A B C D E F
Áreas não vistoriadas. Proprietário autorizou a Vistoria do INCRA. Não se explicitou em Ata Judicial, interesses ou desinteresses dos representantes dos imóveis, pela desapropriação ou aquisição dos mesmos.
1 2 0 5 4 13 25
Áreas não vistoriadas. Proprietário autorizou a Vistoria do INCRA. Os proprietários já manifestaram que não se comprometiam a negociar o imóvel ou aceitar eventual processo desapropriatório
1 3 1 1 0 1 7
Áreas não vistoriadas. Proprietário autorizou a Vistoria do INCRA. Os proprietários já colocaram a fazenda à negociação com a união, para fins de reforma agrária.
0 2 0 6 2 1 11
Áreas não vistoriadas. Proprietário não autorizou Vistoria 0 8 4 8 10 16 46
Áreas não vistoriadas. Constatações iniciais apontam para a impossibilidade de desapropriação e/ou aquisição
0 2 1 1 2 3 9
Áreas vistoriadas. Laudo em elaboração 0 0 0 0 2 1 3
Áreas vistoriadas, passíveis de desapropriação ou compra, via decreto 433. Negociação em curso ou em aberto
1 3 3 5 3 4 19
Áreas vistoriadas, passíveis de desapropriação. Conflitos para negociação
4 3 2 11 1 3 24
Áreas vistoriadas, emissão Decreto Presidencial declarando a Fazenda de interesse social para fins de reforma agrária, e negociação com o proprietário em aberto ou em curso.
1 1 1 2 2 3 10
Áreas vistoriadas, não passiveis de desapropriação. E sem possibilidade de negociação com o proprietário
0 3 0 2 3 1 9
Fazendas ocupadas sobre as quais nada foi referido sobre vistoria, desapropriação ou aquisição. Comprometimento do INCRA vistoriar outras áreas indicadas pelos acampados
0 2 3 5 10 15 35
Processo de Regularização Fundiária, transferência de área pública ou áreas Quilombolas
0 2 3 11 5 1 22
Ações incompatíveis com a competência da VA-MG 0 0 2 3 0 0 5
Ocupações não realizadas: Ações de Interditos Proibitórios 0 8 1 7 13 13 42
Ilegíveis 2
Total 8 39 21 67 57 75 269
Fonte: Atas Judiciais da VA-MG Legenda:
A: regiões Sul e Zona da Mata B: regiões Central e Rio Doce C: regiões Jequitinhonha e Mucuri D: região Norte E: região Noroeste F: regiões Triângulo e Alto Paranaíba