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1 A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA NO SISTEMA CAPITALISTA: uma reflexão sobre o sistema prisional brasileiro Raquel dos Santos 1 RESUMO: Este artigo procura demostrar à funcionalidade do sistema prisional brasileiro na sociedade capitalista. A prisão, configura-se como mecanismo fundamental à ordem capitalista para vigiar e punir a superpopulação relativa - “classe perigosa”.Com isso, partimos do viés que o Estado penal assume como política de “tolerância zero”, vem utilizando a repressão como uma forma do Estado responder às expressões da questão social. E assim, o encarceramento em massa exercido pelo Estado vem assumindo um caráter funcional à consolidação legitimação do capitalismo, além de ser uma justificativa utilizada para as ações de privatização dos presídios, tendo como parceria o setor público /privado. Palavras-chave: Prisão. Capitalismo. Classe perigosa. ABSTRACT: This article seeks to demonstrate the functionality of the Brazilian prison system in capitalist society. Prison is a fundamental mechanism for the capitalist order to monitor and punish the relative overpopulation - "dangerous class" .With this we start from the bias that the criminal state assumes as a "zero tolerance" policy, it has been using repression as a way of responding to the expressions of the social question. Thus, the mass incarceration exercised by the state has been assuming a functional character to the consolidation of capitalism legitimacy, besides being a justification used for the privatization of the prisons, having as a partnership the public / private sector. Keywords: Prison. Capitalism. Dangerous class 1 INTRODUÇÃO Partimos da compreensão que o cárcere se tornou fábrica de proletariado considerado como “classe perigosa”, com isso, prisão tornou um instrumento fundamental à ordem capitalista. Nesta direção, os presídios brasileiro passa a ser um controle seletivo, próprio do modelo capitalista que sempre produziu uma massa de exército industrial de reserva de excluídos. 1 Assistente Social e Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas. E-mail: [email protected]. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

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A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA NO SISTEMA CAPITALISTA: uma reflexão sobre o

sistema prisional brasileiro

Raquel dos Santos1

RESUMO: Este artigo procura demostrar à funcionalidade do sistema prisional brasileiro na sociedade capitalista. A prisão, configura-se como mecanismo fundamental à ordem capitalista para vigiar e punir a superpopulação relativa - “classe perigosa”.Com isso, partimos do viés que o Estado penal assume como política de “tolerância zero”, vem utilizando a repressão como uma forma do Estado responder às expressões da questão social. E assim, o encarceramento em massa exercido pelo Estado vem assumindo um caráter funcional à consolidação legitimação do capitalismo, além de ser uma justificativa utilizada para as ações de privatização dos presídios, tendo como parceria o setor público /privado.

Palavras-chave: Prisão. Capitalismo. Classe perigosa.

ABSTRACT: This article seeks to demonstrate the functionality of the Brazilian prison system in capitalist society. Prison is a fundamental mechanism for the capitalist order to monitor and punish the relative overpopulation - "dangerous class" .With this we start from the bias that the criminal state assumes as a "zero tolerance" policy, it has been using repression as a way of responding to the expressions of the social question. Thus, the mass incarceration exercised by the state has been assuming a functional character to the consolidation of capitalism legitimacy, besides being a justification used for the privatization of the prisons, having as a partnership the public / private sector.

Keywords: Prison. Capitalism. Dangerous class

1 INTRODUÇÃO

Partimos da compreensão que o cárcere se tornou fábrica de proletariado

considerado como “classe perigosa”, com isso, prisão tornou um instrumento fundamental à

ordem capitalista. Nesta direção, os presídios brasileiro passa a ser um controle seletivo,

próprio do modelo capitalista que sempre produziu uma massa de exército industrial de

reserva de excluídos.

1 Assistente Social e Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas. E-mail:

[email protected]. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

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Desse modo, nota-se que “a sociedade burguesa, é baseada numa forma de

exploração do homem pelo homem que mistifica as relações sociais” (MARX, ENGLES,

2009, p.9-10). Assim, a

Condições, no seio das quais podem ser aplicadas determinadas forças de produção, [estas] são as condições do domínio de uma determinada classe da sociedade, cujo poder social, decorrente da sua propriedade, tem sua expressão prático-idealista na respectiva forma de Estado [...] (MARX; ENGELS, 2009, p.56).

É na relação orgânica entre o Estado e o capital que estão baseadas as

transformações da sociedade no capitalismo. Assim, os trabalhadores denominados exército

industrial de reserva, sem empregos, para sobreviver passam a trabalhar de maneira

informais/temporários e encontram na criminalização um meio de garantir sua sobrevivência

e de sua família (ENGLES, 2010). Assim,

na medida em que as populações não têm condições de subsistência, procurarão de algum modo uma alternativa. E se não há trabalho, ou melhor - trabalho há- se não há emprego (e decente), as pessoas vão fazer o que é possível em prol de estratégias de sobrevivência, entre elas os trabalhos e/ou empregos informais, mas também as atividades ilícitas (FORTI, 2012, p.84).

Todavia, o advento do capitalismo traz várias transformações, inclusive, o

aparecimento do crime como processo histórico da própria sociedade. Assim, Netto e Braz

(2006, p.134) classificam como lumpemproletariado, “parcela degradada do proletariado:

vagabundos, criminosos”, reflexo de uma lógica destrutiva do capital.

Desta forma, tornou-se cada vez mais latente a presença de trabalhadores

desempregados nos grandes centros urbanos, ou seja, as famílias em condições de

extrema pobreza que lutam pela sobrevivência. Nota-se que

a lógica do capital procura adotar na produção, no decorrer de sua história, todas as medidas adequadas ao aumento do excedente extraído através da mais-valia, e para isso tem que provocar um aumento crescente da produtividade (e das forças produtivas), ao mesmo tempo em que elimina trabalho vivo, ou seja, o trabalhador (PANEAGO, s/ano, p.03).

Logo, aqueles que não pertencem a essa lógica, sem função na reprodução do

capital são considerados descartáveis ou até mesmo classificados como “classe perigosa”, e

neste cenário, Ruiz e Pequeno (2016, p.34) afirmam que na “sociedade capitalista a forma

como se dá a divisão do trabalho faz com que o processo de humanização ocorra em

condições absolutamente desiguais”.

Através desse estudo, abordaremos o sistema punitivo na sociedade capitalista, que

se dá em face aos processos econômicos do mercado, e neste caso, a prisão vem

assumindo a função de um instrumento de controle social da pobreza. Desse modo, a prisão

termina sendo uma empresa produtiva para os capitalistas e o encarceramento em massa

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passa a ser uma política de controle social (SILVA, 2014). Ocorre, no entanto, que, a prisão

tem se tornado um mercado para obtenção de superlucros, através das privatizações e o

Estado passa a vender essa segurança. Aqui se verifica, que “o Estado se utiliza cada vez

mais da polícia e das instituições penais para conter a desordem produzida pelo

desemprego em massa, a imposição do trabalho e o encolhimento da proteção social”

(WACQUANT, 2008, p.96), fato este que o encarceramento em massa se torna o principal

meio repressivo, atreves da punição estatal com advento do sistema capitalista.

Assim, a prisão tem se tornado, cada vez mais, um campo de ampliação das

desigualdades sociais e econômicas e os presídios brasileiros torna-se uma máquina de

gerar lucro.

2 CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA: UM DEBATE SOBRE O ENCARCERAMENTO EM

MASSA NA SOCIEDADE CAPITALISTA

Na sociedade capitalista, o sistema prisional passa a ser caracterizado como uma

instituição de controle social para controlar as “classes perigosas” e esconde os problemas

sociais. Por outro lado,

a prisão realiza papel fundamental de controle, participando decisivamente no processo de exploração, que, ao ser realizado no cárcere, ainda mais é aviltado se comparado ao trabalho explorado extramuros, pois apresenta o adendo da opressão

(SILVA, 2014, p.13).

Outro aspecto que importa mencionar associado à prisão, é que seu o surgimento

está relacionado com o advento do surgimento da sociedade, e a criminalização se expande

com o processo de industrialização e vem se tonando uma fábrica punitiva/ produtiva que

objetiva extrair a mais valia, e ao mesmo tempo espera “transformar o criminoso não

proprietário no proletário não criminoso” (MELOSSI; PAVARINI, 2006, p.08). Nesta direção,

as prisões são funcionais ao capital e o aprisionamento passa ser um instrumento punitivo

do Estado.

Neste contexto, o sistema prisional passa a ter como função punitiva e atende à

demanda posta pelos capitalistas de vigiar a “classe perigosa”, ou seja, os ”usuários do

sistema prisional são pessoas que ao longo da vida experimentaram toda sorte de violação

de direitos, e que ao chegarem à prisão, apenas darão seguimento a esse processo”

(TOLEDO, 2010, p. 39).

Fica evidente que essa lógica de mercado (prisão) é para controlar aqueles pobres

que em sua maioria nem estão inseridos no mercado de trabalho informal. Com isso, Torres

afirma que

diante da produção e reprodução das desigualdades sociais no sistema capitalista, mundialmente é possível afirmar que, historicamente, as prisões representam a

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manifestação da institucionalização dos processos de criminalização gerados pelos conflitos sociais, exercidas pelo Estado e seu poder punitivo e repressivo. Associada ao controle social das “classes perigosas”, as prisões, desde suas origens, confinam pobres, excluídos e desempregados em sua imensa maioria. Na contemporaneidade, a população encarcerada é composta por envolvidos com crimes contra o patrimônio, associação com o tráfico de drogas e crimes violentos contra a vida (TORRES, s/ano, p.01).

O sistema prisional torna-se dessa forma um campo de concentração de um exército

industrial de reserva fora do mercado de trabalho. Portanto, no cárcere, “a luta de classe se

objetiva tanto nos moldes da pacificação via força e coerção, como também na eliminação

dos sujeitos, que se concretiza ainda pela denominada morte social” (SILVA, 2014, p.19),

com isso, a prisão vem assumindo o papel de indústria para fornecer mais valia ao

capitalista. Nesta direção, fica claro que o Estado penal apoia o Estado punitivo e o

encarceramento passa a ser uma política neoliberal de vigiar a “classe perigosa” e gerar

lucro. Assim,

há vários interesses econômicos, sociais, políticos, ideológicos: a indústria do medo social e seus sensacionalismos; o imenso mercado da política de segurança privada; o conservadorismo social presente em todas as classes sociais; o recrudescimento penal e o poder carcerário do poder judiciário; as empreiteiras públicas e seus serviços privados na construção e manutenção dos presídios ( TORRES, 2010, p. 44).

Nesta direção, a prisão assemelha-se às fábricas, quanto à disciplina na luta pela

liberdade e até mesmo na exploração do trabalho. Além disso, a prisão vem ampliando

como forma punitiva e que a reintegração do preso à sociedade está longe de acontecer,

tendo em vista que a prisão foi pensada para atender a logica capitalista, tornando uma

ferramenta de vigiar a “classe perigosa” dos meios de produção e o sistema de

“ressocialização” torna-se um sistema falido, com marcas evidentes da exclusão social

impostas pelo capital (SILVA, 2016).

Nesta lógica, Silva (2016, p.47) versa que

a privação de liberdade é a pena por excelência do sistema punitivo no modelo capitalista neoliberal, fundamentando-se por intermédio do discurso legítimo de que a prisão tem finalidade de prevenção geral e especial e que inibe o cometimento de delitos pelo exemplo e respeito às leis .

O cárcere tona-se, assim, um negócio lucrativo com o encarceramento em

massa, além de ser um espaço horrendo de violência, superlotação, maus tratos, tortura e

de facções que predomina um tipo de feudalismo dentro das prisões (TORRES, 2001). Por

sua vez, os presídios vêm reafirmando como instrumento coercitivo que essa “reafirmação

da ordem social burguesa [...] deve educar (ou reeducar) o criminoso não proprietário a ser

proprietário socialmente e não perigoso [...] sem ameaçar a propriedade” (MELOSSI;

PAVARINI, 2006, p.216).

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No caso do Brasil, podemos observar que a questão da punição está direcionada às

classes destituídas do usufruto da riqueza socialmente produzida, e o encarceramento

passa a atender a lógica burguesa como mecanismo de coerção e controle estatal.

Ademais, o sistema prisional brasileiro esteja legitimado pela Lei de Execução Penal – Lei nº

7210 de 1984 que prevê “ao condenado e ao internado [...] assegurados todos os direitos

não atingidos pela sentença ou pela lei”. Todavia, a “prisão acaba por constituir-se numa

possibilidade muito mais vinculada à condição sócio econômica do indivíduo delituoso”

(TORRES, s/ano, p.2). Nesta lógica, só reforça uma política voltada para repressão e

controle dos pobres.

O sistema carcerário brasileiro até dezembro de 2015 tinha 698.618,2 pessoas

privadas de liberdade, sendo que Brasil era considerando o quarto país em ritmo de

encarceramento em massa, ficando atrás dos, Estados Unidos, Rússia e China. No entanto,

o fluxo mudou e hoje o sistema prisional brasileiro, ostenta uma população de 726.7123

pessoas presas. Com esses dados, verificamos que o sistema prisional é considerado o

terceiro maior em números absoluto, em encarceramento em massa do mundo, atrás

apenas dos EUA e da China, de acordo com o censo do sistema de informações estatísticas

do sistema penitenciário brasileiro – INFOPEN do Departamento Nacional Penitenciário –

DEPEN, ligado ao Ministério da Justiça . Segue o ranking dos 20 países que mais

encanceram no mundo, conforme a tabela 1.

Gráfico 1: ranking dos 20 países com maior população carcerária.

Entretanto, a sociedade com medo, espera que a prisão seja um mecanismo de

controle social desta “classe perigosa”. Assim, o sistema penal por meio do controle penal

tem como um dos mecanismos de recrudescimento o aprisionamento em massa.

2Disponível em <.http://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-

brasil/relatorio_2015_dezembro.pdf> . Acesso em janeiro de 2019. 3 Disponível em < http://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-brasil>. Acesso em janeiro de

2019.

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Ademais, o aumento do encarceramento em massa passa a ser um campo de

enfrentamento do Estado às contradições sociais do sistema do capital, além de ampliar

o lucro do capital, através de equipamento de segurança publico/privada, pois, quanto

mais preso, maior é o lucro.

Compreende-se, então, que o sistema prisional “não cumpre outra função diferente da

imposição de medo e extermínio direcionados às classes trabalhadoras, em geral

desprovidas dos robustos recursos necessários ao caminho de acesso da justiça burguesa”

(SILVA, 2014, p.3). Todavia, o processo de exploração existente na sociedade capitalista

nos leva a refletir o cárcere como uma instituição de controle social, que segrega e amplia a

exclusão social.

Desta maneira, basta observar o crescente aumento da população carcerária, o que

demonstra um sistema prisional completamente falido. Ao analisarmos o encarceramento

em massa no Brasil, podemos observar que o número de presos vem aumentando nos

últimos anos, basta observamos os anos de 2005 a 2016.

Gráfico 2: elevação da população carcerária no Brasil.

Com isso, fica evidente que a prisão passa a ser uma das formas do Estado exercer

o seu direito de punir e a criminalização da pobreza passa a ser operada através desse

sistema. Assim, as prisões interessam ao capital politicamente, pois, têm como controle

sobre determinados segmentos, ou seja, os perigosos para o capital. Também tem como

característica ideológica a identificação, ocultando reais razões de violência e desigualdade

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e por fim, a econômica que traz profunda relação com a economia política, havendo assim

um investimento na segurança pública e armamento (PIMENTA, 2018).

Observamos também nesse estudo que o “Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN)4

repassou em 2016 e 2017, R$ 1,8 bilhão para todos os 26 Estados e o Distrito Federal investirem na

construção de novas vagas e na modernização de presídios”. Desta forma, essa análise parte da

lógica que quem lucra com as prisões são os capitalistas, considerando que o cárcere deixa

de ser uma questão de política pública e passa a ser uma questão de classe.

Diante deste contexto, “o sistema penal está direcionado à perseguição e à

repressão de uma forma especifica de criminalidade, típica das classes pobres, operando

através de um sistema de criminalização seletiva” (PIMENTA, 2018, p.126).

É neste cenário, que iremos fazer uma breve reflexão sobre as privatizações dos

presídios, tendo em vista que o surgimento do modelo prisional está associado ao modelo

de produção, ou seja, “a população carcerária neste espaço assume a característica

específica de mercadoria, mesmo sem realizar o trabalho explorado, pois suas existências

propiciam o lucro” (SILVA, 2014, p.116).

Nesta direção, é importante destacarmos que o projeto do neoliberalismo tem

intensificado a implementação de medidas, a exemplo, das privatizações como forma de

reestruturação do mercado do trabalho. Esse contexto neoliberal traz consequências no

desmonte dos direitos, sobretudo trabalhistas, além de trazer a ideia de privatização,

centralização e focalização das políticas sociais, e não podemos deixar de destacar a prisão

como necessidade econômicas para a burguesia, sobretudo com o desenvolvimento

capitalista.

Por sua vez, Netto e Braz, versa que as ideologias neoliberais partem de

uma concepção de sociedade (tomada como um agregado fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados) fundada na ideia da natural e necessária desigualdade entre os homens e uma noção rasteira da liberdade (vista como função da liberdade de mercado) (NETTO; BRAZ, 2006, p. 226).

Vale salientar que foi a partir dos anos 1980, que surge o processo de contrarreforma

destinada à redução dos gastos sociais (BEHRING, BOSCHETTI, 2011). Com isso, surge a

privatização e terceirização dos serviços, principalmente os da esfera pública. Assim, iremos

sinalizar brevemente sobre as privatização dos presídios e a Pareceria Público Privado –

PPP, fato este que fundamenta a nossa discussão, em que as prisões passam a ser a

fábrica de gerar lucro para os burguês.

2.1 Privatização dos presídios: uma forma de vender segurança

4 Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/desde-2016-uniao-repassou-r-18-bilhao-aos-estados-para-

ampliar-e-modernizar-presidios-mas-nenhuma-vaga-foi-criada-ate-agora.ghtml. Acesso em março de 2019.

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De acordo com Netto e Braz “a ideologia neoliberal está sustentada na necessidade

de diminuir, ou seja, o “Estado cortar as suas “gorduras”, justifica o ataque que o grande

capital vem movendo contra as dimensões democráticas da intervenção do Estado na

economia” (NETTO; BRAZ, 2006, p.227).

É nesta direção, que as grandes empresas na sociedade capitalista se utilizam das

ideias neoliberais para privatizar as instituições públicas, a exemplo dos presídios brasileiro,

e para isso, vêm mostrando o fracasso da prisão como instituição ressocializadora, desde os

motins (brigas de facções), fugas, entre outras condições precárias em que o preso se

encontra. Com isso, a prisão vem servindo de apoio para o desenvolvimento do capitalismo,

e assim o Estado requisita das empresas privadas alguns serviços fundamentais como:

alimentação dos internos e dos funcionários, limpeza, sistema de vigilância e informação.

As privatizações dos presídios brasileiros têm como estratégia do capital em

transformar a força de trabalho carcerária em lucro. Assim, as empresas de segurança

privadas, através da Lei n° 8.666/1993 instituem normas para licitações e contratos da

Administração Pública. O Estado passa ser o co-gestor entre o Poder Público e a iniciativa

privada, nos moldes da Lei 11.079/2004 - Parcerias Público-Privadas –PPP. Essa parceria

com PPP vai desde administração dos presídios, como alimentação, câmeras de vigilância,

entre outros. De acordo com o artigo 2º , §4 da Lei é vedada a celebração de contrato “I -

cujo valor do contrato seja inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais)5; II – cujo

período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou III – que tenha como objeto

único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a

execução de obra pública”. Com isso, fica evidente no artigo 9, inciso 4º “fica vedado à

Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata

este Capítulo”. Com isso, o Estado transfere a responsabilidade para as PPPs, a exemplo

da administração dos presídios brasileiros, e assim a segurança transforma-se em

mercadoria.

Logo, o sistema prisional vai parar nas mãos do setor privado, podendo salientar

que “a privatização de presídios faz parte de um modelo de controle penal adotado pelo

Estados Unidos da América em nome do eficientismo penal neoliberal [...] que emergiu na

passagem da década de 1980 para a década de 1990” (SILVA, 2016, p.60). Neste ínterim,

podemos constatar que os presídios privatizados tornam-se uma mercadoria para os capitalistas,

cujo o único objetivo é o lucro em nome da segurança, com isso, as empresas recebem por cada

preso, o que evidencia que não terá vaga ociosa, e essa dinâmica neoliberal é sustentada com base

5 Redação dada pela Lei nº 13.529, de 2017. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-

2018/2017/Lei/L13529.htm#art6>.Acesso em abril de 2019.

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no lucro e na manutenção da segurança., a exemplo do Complexo de Pedrinha no estado do

Maranhão e Complexo de Ribeirão das Neves, no estado de Minas Gerais e o do Girau do

Ponciano estado de Alagoas, ambos administrados por uma empresa terceirizada.

O presídio do Girau do Ponciano de Alagoas é administrado por uma empresa de cogestão,

denominada REVIVER, com capacidade prevista para 789 detentos (masculinos), cuja a

capacidade atual é 960 presos, sendo 360 julgados condenados, e 591 como presos provisórios,

totalizando 951 presos, de acordo com o mapa6 diário da população carcerária de

16/04/2019 a 17/04/2019, reforçando assim a lógica do lucro. No caso de Alagoas, por

exemplo, fica claro que “temos um conflito de interesse entre os agentes privados que

comandam o Estado e as demandas da maioria da população que sempre ficam à margem

da ação deste Estado” (MENEZES, 2017, s/p).

É nesta direção as PPPs servem para a exploração dos presos por meio do uso da

mão de obra barata e do trabalho forçado e com isso o encarceramento em massa passa a

ser um mecanismo do capitalista, pois, lucra-se com os presos. Essas mudanças foram

ocasionadas pelo ajuste neoliberal e consequentemente teve mudanças na condução na

política penal brasileira (SILVA, 2016).

Vale salientar que essa medida vai contra o que versa no artigo 144, da

Constituição da República Federativa de 1988, que estabelece que é dever do Estado a

gestão da segurança pública, ou seja, “para preservação da ordem pública e da

incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Embora haja uma portaria nº 495/20167, do

Ministério da Justiça que prevê estratégias para o enfrentamento ao encarceramento em

massa, porém os presídios brasileiro mostra um sistema completamente falido, basta ver o

perfil dos aprisionados, grande parte pobre, jovens, negros, entre outros.

Diante dessa exposição, faz-se necessário brevemente o efeito da PEC 55 e a

política de segurança. Nota-se que a PEC 55 tem como objetivo o congelamento dos

gastos públicos por um período de 20 anos, o que irá trazer consequência drástica,

acarretando no aumento do desemprego e/ou na redução de salários, além da proteção

social vinculada ao trabalho. Dessa maneira, a PEC 55 visa acelerar o processo de

privatizações para prestação de serviço público, inclusive isso irá refletir na segurança

pública, a exemplo dos presídios. Vale salientar que

o desmonte das políticas sociais e públicas pelos Estados neoliberais, substituídas pelo incremento da regulação penal e carcerária, retrata cada vez mais os

6 http://www.seris.al.gov.br/arquivos/MAPA%2012_19.09.2018%20A%2020.09.2018.pdf.Acesso em abril de

2019. 7 Disponível em <http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/22785957/do1-2016-

05-02-portaria-n-495-de-28-de-abril-de-2016-22785887>. Acesso em abril de 2019.

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investimentos sociais sendo transferidos para a punição, segurança, vigilância e encarceramento (TORRES, s/ano, p.1)

Assim, o Estado para resolver a crise do capital vem adotando o modelo das PPPs

que nada mais é que uma forma privatizada, em que o governo estadual vem utilizando para

reduzir custos com a gestão do cárcere, e passa a atender aos interesses do capital. Isso se

deu através o processo de restauração do capital e as ideias do projeto neoliberal, fazendo

com que a PEC 55 legitime um “fim do mundo” de precarização e flexibilização das

condições de trabalho, e isso é notório nos presídios brasileiro que além de legitimar em um

sistema falido, reforçam um estado penal de controle social.

Seguindo essa análise , constatou-se que a PEC do teto de gastos (241/2016) ou

PEC 55 e a Lei de terceirização nº 13.429/2017 Lei 513/2011, por exemplo, podem agravar

ainda mais a questão social no Brasil. Sendo que essas mediadas neoliberais tendem a

aumentar a criminalização da pobreza, podendo induzir em altas taxas de encarceramento

em massa. Desta forma, a burguesia buscará através da criminalização da pobreza uma

forma de transformar em mercadoria, e essa realidade é notória nos presídios brasileiros,

em que os presos passam a vender sua força de trabalho de forma precária (sem direitos), e

com isso o sistema prisional passa a ser a escravidão do século XXI.

No entanto, o capitalismo ataca e tenta mostrar através das privatizações dos

presídios e do encarceramento em massa que a única forma de deter a marginalização é

vender segurança e que “o valor da força de trabalho não se altera, somente varia o seu

preço”. Nesta direção ,fica evidente que essas parcerias com a PPPs e outras normativas de

terceirização vão contra a Lei 79 de 1994 que afirma a existência da criação do Fundo

Nacional Penitenciário – FUNPEN que rege sobre a manutenção dos presídios brasileiro.

Assim, a “prisão só contribui para intensificar a pobreza, a desigualdade e a exclusão social

e tem a caraterística de uma bomba social: ela devolve à sociedade indivíduos destruídos

pelo encarceramento” (TORRES, 2014, p. 128).

3 CONCLUSÃO

A principal contribuição desse artigo constitui em ressaltar que a principal função do

sistema prisional brasileiro é segregar e punir a classe trabalhadora empobrecida, inerente

à expansão das forças produtivas e as relações sociais na formação modo de produção

capitalista. Nesta lógica, o sistema punitivo acompanha o desenvolvimento da sociabilidade

burguesa e o Estado tenta manter através do controle penal repressivo os grupos

subalternos, denominado “classes perigosas”. Dentro deste contexto, observa-se que

punição e produção são algo característico de um processo neoliberal e que a crise do

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sistema prisional só serve para fomentar a privatização e terceirização. Com isso, “a política

criminal atende aos interesses dos neoliberais” (SILVA, 2016, p.16).

Nessa direção, as empresas vêm assumindo as ideias neoliberais, incorporando o

processo de privatização, caracterizando o controle da pobreza operado através do sistema

penal. Nesta lógica, entende-se que a política estatal assume a função do Estado penal

máximo para punir a classe pobre, pois, lucra-se com as prisões.

Conclui-se que a relação cárcere e mercado de trabalho têm colocado para a sociedade

como estratégia para privatizar os presídios brasileiros, uma vez que as prisões têm se

tornando um sistema fabril do século XXI. Logo, o preso vem tendo a função de valor de uso

(mercadoria), obviamente pertencerá ao capitalista, através do mercado privado de

segurança.

Por fim, é preciso pensar para além das prisões, considerando que a lógica capitalista

para a “classe perigosa” que está fora do mercado de trabalho será o controle penal em

nome do medo/insegurança e com isso, vende-se segurança através da intensificação da

força repressora do Estado.

Contundo, o encarceramento em massa se torna o principal meio punitivo no modo

de produção capitalista. Além disso, o aprisionamento vem crescendo e a pena de prisão

passa a ser um mecanismo do Estado penal x Estado social. Por isso, Todavia, o

enriquecimento privado do lado x empobrecimento social do outro. Assim, pensar numa

sociedade sem prisões, é pensar em uma sociedade para além do capital.

REFERÊNCIAS

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