a degeneração mixomatosa valvar (dmv), anteriormente

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Degeneração mixomatosa valvar em cães: um estudo retrospectivo Acauane Sehnem Lima 1* ; Ana Karolina Panneitz 1 ; Paola Sônego 1 ; Daniela Raldi 1 ; Ana Carolina Almeida Pereira 1 ; Adriano Tony Ramos². 1 Universidade Federal de Santa Catarina, Curitibanos-SC * [email protected] RESUMO A Degeneração Mixomatosa Valvar (DMV), anteriormente conhecida como endocardiose, é uma patologia que acomete as válvulas cardíacas de diversas espécies, principalmente cães. Durante a necropsia, na análise macroscópica, as válvulas acometidas apresentam-se encurtadas e espessas de forma focal ou difusa, também apresentam-se lisas e brilhantes. Já na análise microscópica observa-se a proliferação de miofibroblastos, componente das valvas cardíacas, com deposição de mucopolissacarídeos ácidos. Os animais que apresentam essa patologia, inicialmente apresentam-se assintomáticos, devido aos processos compensatórios do organismo como sistema renina-angiotensina-aldosterona. Por ser de caráter crônico, com o avançar da idade, o animal pode apresentar sinais clínicos e se não for devidamente tratado o animal pode vir à óbito por insuficiência cardíaca. No laboratório de patologia veterinária foram necropsiados 1228 animais no período de janeiro de 2014 a março de 2020, desses animais 451 eram cães. Do total de cães, 19,95% (90/451) apresentaram alguma válvula acometida pela DMV. Os principais dados obtidos destes animais foram idade, sexo, raça, porte e, a (s) valva (s) acometida (s). O objetivo deste trabalho é verificar se a população canina estudada apresenta características de DMV quanto a idade, sexo, raça, porte e valva acometidos, condizentes ou divergentes em relação à literatura. Palavras-chave: Cardiopatia; endocardiose; Necropsia; Prevalência. INTRODUÇÃO Fisiologicamente as valvas átrio ventriculares são responsáveis por impedir que ocorra refluxo de sangue aos átrios esquerdo e direito, respectivamente, durante a fase de sístole da contração cardíaca, possibilitando que o sangue percorra o trajeto correto para a aorta e artéria pulmonar (DYCE, 2010). Muitas doenças podem afetar tais estruturas e, portanto, comprometer suas funções, um exemplo delas é a Degeneração Mixomatosa Valvar (DMV).

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Page 1: A Degeneração Mixomatosa Valvar (DMV), anteriormente

Degeneração mixomatosa valvar em cães: um estudo retrospectivo

Acauane Sehnem Lima1*; Ana Karolina Panneitz1; Paola Sônego1; Daniela Raldi1; AnaCarolina Almeida Pereira1; Adriano Tony Ramos².

1Universidade Federal de Santa Catarina, Curitibanos-SC* [email protected]

RESUMO

A Degeneração Mixomatosa Valvar (DMV), anteriormente conhecida como endocardiose, éuma patologia que acomete as válvulas cardíacas de diversas espécies, principalmente cães.Durante a necropsia, na análise macroscópica, as válvulas acometidas apresentam-seencurtadas e espessas de forma focal ou difusa, também apresentam-se lisas e brilhantes. Já naanálise microscópica observa-se a proliferação de miofibroblastos, componente das valvascardíacas, com deposição de mucopolissacarídeos ácidos. Os animais que apresentam essapatologia, inicialmente apresentam-se assintomáticos, devido aos processos compensatóriosdo organismo como sistema renina-angiotensina-aldosterona. Por ser de caráter crônico, como avançar da idade, o animal pode apresentar sinais clínicos e se não for devidamente tratadoo animal pode vir à óbito por insuficiência cardíaca. No laboratório de patologia veterináriaforam necropsiados 1228 animais no período de janeiro de 2014 a março de 2020, dessesanimais 451 eram cães. Do total de cães, 19,95% (90/451) apresentaram alguma válvulaacometida pela DMV. Os principais dados obtidos destes animais foram idade, sexo, raça,porte e, a (s) valva (s) acometida (s). O objetivo deste trabalho é verificar se a populaçãocanina estudada apresenta características de DMV quanto a idade, sexo, raça, porte e valvaacometidos, condizentes ou divergentes em relação à literatura.

Palavras-chave: Cardiopatia; endocardiose; Necropsia; Prevalência.

INTRODUÇÃO

Fisiologicamente as valvas átrio ventriculares são responsáveis por impedir que ocorra

refluxo de sangue aos átrios esquerdo e direito, respectivamente, durante a fase de sístole da

contração cardíaca, possibilitando que o sangue percorra o trajeto correto para a aorta e artéria

pulmonar (DYCE, 2010). Muitas doenças podem afetar tais estruturas e, portanto,

comprometer suas funções, um exemplo delas é a Degeneração Mixomatosa Valvar (DMV).

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A DMV é uma importante doença valvular, frequentemente diagnosticada em cães.

Macroscopicamente, ocorre espessamento nodular, de consistência firme, com coloração

brancacenta ou amarelada, superfície lisa e brilhante, localizado nas bordas livres das valvas

(Figura 1.). Histologicamente, observa-se a substituição da camada esponjosa da válvula por

tecido conjuntivo mixomatoso (SANTOS e ALESSI, 2011).

Possui etiopatogenia desconhecida, mas, aparentemente, ocorre deposição de

glicosaminoglicanos concomitantemente à degeneração do colágeno da válvula, decorrente de

herança poligênica (SANTOS e ALESSI, 2011). Outros nomes para essa doença incluem

fibrose valvular, doença degenerativa da valva mitral e degeneração valvular mixomatosa ou

mucoide (McGAVIN, 2013). É a cardiopatia que apresenta maior incidência em pequenos

animais, sendo mais prevalente em cães de raças pequenas e miniaturas, machos e de forma

geral, em cães idosos, sendo as raças mais afetadas: Pequinês, Dachshund, Poodle, Shih Tzu,

e raças miniaturas em geral (GOMES, 2009).

É de grande importância conhecer a ocorrência de tal alteração na população de cães

na região trabalhada, visando compreender melhor as características gerais e

anatomopatológicas da DMV. Portanto o objetivo do presente trabalho é averiguar as

principais valvas cardíacas acometidas, aspectos epidemiológicos e o grau de prevalência da

DMV em cães na microrregião de Curitibanos – SC.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram revisados e computados 1228 laudos de necropsias emitidos pelo Laboratório

de Patologia Veterinária (LABOPAVE) da Universidade de Santa Catarina – UFSC, campus

Curitibanos, compreendendo o período de janeiro de 2014 a março de 2020. Fez-se

levantamento das necropsias realizadas em caninos, obtendo-se dados de 451 animais. Esses

foram analisados quanto à presença de DMV, idade, sexo, raça, porte e valva acometida.

Posteriormente comparou-se os dados obtidos com a literatura nacional, devido a proximidade

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de padrões raciais e genéticos dentro do país, visando verificar se a população canina

estudada apresenta características convergentes ou divergentes em relação ao que já está

publicado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No LABOPAVE, entre o período de janeiro de 2014 a março de 2020, foram

necropsiados 1228 animais, desses 36,72% (451/1228) foram cães. Do total de cães, 19,95%

(90/451) apresentaram alguma válvula acometida pela degeneração mixomatosa valvar.

Segundo a idade, os cães mais acometidos foram os da categoria idosos (11 a 14

anos) com 26,66% (24/90) de animais, seguida pela categoria de cães em fase geriátrica (15

ou mais anos) apresentando 23,3% (21/90), maduros (7 a 10 anos) representaram 21,11%

(19/90), já cães adultos (3 a 6 anos) 11,11% (10/90) do total de animais afetados, adultos

jovens (7 meses a 2 anos) e filhotes (até 6 meses) apresentaram 1,1% (1/90) cada. E 15,55%

(14/90) dos cães não tiveram a idade informada. Segundo SANTOS e ALESSI (2011), 75%

dos cães acometidos apresentam idade superior a 16 anos, diferindo dos resultados

encontrados neste estudo. Já ATKINS et al. demonstraram uma prevalência crescente

conforme a idade, principalmente em cães de pequeno porte, em idade igual ou maior a de 13

anos.

Dos animais acometidos 53,33% (48/90) eram fêmeas, e 45,55% (41/90) eram

machos e 1 animal não teve o sexo informado. Este resultado corrobora com dados relatados

por JUNG (2019), que mostrou em seu estudo que a DMV acometeu na sua maioria fêmeas,

59%, em relação aos machos, 41%. No entanto, diferencia-se de ATKINS et al. (2009) que

relatam uma maior incidência em machos, assim como Gomes (2009).

Quanto ao porte, o mais prevalente foi o médio compreendendo 48,88% (44/90) do

total de animais, seguido por grande porte 28,88% (26/90), pequeno porte com 21,11%

(19/90) de animais no total e um animal não teve o porte registrado. Segundo JUNG (2019), a

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prevalência da DMV foi maior em raças de pequeno porte, demonstrando divergência dos

dados obtidos pelo LABOPAVE. ATKINS et al. (2009) descreveram a DMV como mais

prevalente nas raças de pequeno porte.

Os cães sem raça definida (SRD) apresentaram maior prevalência com 50% (45/90)

de animais, seguido por Poodle e Boxer com 6,66% (6/90) e 5,55% (5/90) de animais

acometidos respectivamente. Pastor Alemão, Rottweiler e Pinscher representaram cada um

4,44% (4/90) de animais, Dachshund, Pitbull e Shih-tzu 3,33% (3/90) em cada raça,

Chow-Chow, Golden Retriever e Yorkshire 2,22% (2/90) de animais por raça e Akita, Bulldog

inglês, Cocker, Mastiff, São Bernardo e Schnauzer apresentaram, em cada raça 1,11% (1/90)

do total. Segundo JUNG (2019), em relação à raça dos animais acometidos pela DMV, os cães

da raça Poodle apresentaram maior prevalência (30,4%), seguidos dos SRD (19%). A

divergência de dados da literatura em relação aos obtidos no presente estudo, deve-se,

provavelmente, à composição da população da microrregião de Curitibanos que, em sua

maioria, é de cães sem raça definida (SRD).

Quanto às valvas acometidas, 90% (81/90) dos casos, envolveu a valva mitral,

45,55% (41/90) a valva tricúspide, 4,44% (4/90) a valva aórtica e 1,11% (1/90) a valva

pulmonar. Como descrito anteriormente, muitas vezes mais de uma valva pode estar

acometida, por isso os dados acima não fecham 100% quando somados. Nos achados do

laboratório observaram-se que em 30% (30/90) dos casos houve o acometimento de ambas as

valvas atrioventriculares, em 3,33% (3/90) pelo menos 3 valvas estavam acometidas, e

nenhum dos animais possuiu as 4 valvas acometidas. Dados que corroboram com o que é

apresentado por SANTOS e ALESSI (2011) e McGAVIN (2013), onde é exposto que todas as

válvulas cardíacas podem ser acometidas, contudo, sua ocorrência é mais elevada na valva

atrioventricular esquerda (mitral) e menos frequente na atrioventricular direita (tricúspide).

Vale ressaltar que em 12,22% (11/90) dos casos a DMV foi apontada como morbidade

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principal, e em 88,88% (80/90) dos casos a condição foi um achado de necropsia, sem

associação direta com à causa mortis do animal.

Figura 1 – Coração, degeneração mixomatosa valvar, valva atrioventricular esquerda ou

mitral (seta preta) e atrioventricular direita (seta branca), canino, macho, Dachshund, 19 anos.

CONCLUSÃO

Com o presente trabalho pode-se observar que quase 20% dos cães submetidos ao

exame necroscópico no LABOPAVE, entre 2014 e 2020, apresentaram degeneração

mixomatosa valvar, sendo acometidos principalmente, animais SRD, de porte médio, fêmeas

e com idade entre 11 a 14 anos. Quanto à valva acometida, a alteração foi mais visualizada

nas valvas mitral e tricúspide, respectivamente. Percebe-se, também, a importância de

estudos retrospectivos, a fim de compreender a epidemiologia regional das patologias dos

animais, visto que, no presente estudo as categorias porte, idade e raça do animal variaram

conforme os relatos encontrados na literatura.

Page 6: A Degeneração Mixomatosa Valvar (DMV), anteriormente

REFERÊNCIAS

ATKINS, C. et al. Guidelines for the Diagnosis and Treatment of Canine Chronic ValvularHeart Disease. Journal Of Veterinary Internal Medicine, [S.L.], v. 23, n. 6, p. 1142-1150,nov. 2009. Wiley. http://dx.doi.org/10.1111/j.1939-1676.2009.0392.x.

DYCE, K. M.; SACK, W. O.; WENSING, C. J. G. Tratado de anatomia veterinária. 4. ed.Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

JUNG, G. C. Degeneração mixomatosa valvar em cães. Dissertação: Pós graduação Strictosensu em Ciência Animal, UNIPAMPA; Uruguaina; 56 pg; 2019.

GOMES JUNIOR, D.C. et al. Degeneração valvar crônica em canino - Relato de caso.PUBVET, Londrina, V.3, N. 36, Ed. 97, Art. 682, 2009.

McGAVIN, M. D.; ZACHARY, J. F. Bases da Patologia em Veterinária. 5. ed. Rio deJaneiro: Elsevier, 2013.

SANTOS, R.L.; ALESSI, A.C. Patologia Veterinária, São Paulo : ROCA, 892 pp., 2011.