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A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA: UMA REFLEXÃO A PARTIR DA PRÁXIS PEDAGÓGICA Pamela Fleck dos Santos 1 – UFSM [email protected] Carmem Rejane Flores Wizniewsky 2 – UFSM [email protected] Beatriz Deprá Rosso 3 – UFSM [email protected] Eixo 4: ‘Organização do trabalho pedagógico’ nas escolas públicas na Educação Básica (projeto político pedagógico, gestão, currículo, avaliação, cultura, políticas de acesso e permanência) Resumo: O presente artigo é resultado de uma pesquisa realizada em escolas do campo de Santa Maria. A pesquisa buscou fazer uma reflexão com as escolas rurais de Santa Maria buscando compreender como se dá a prática pedagógica referente a educação do campo e as diretrizes operacionais da educação básica do campo nas nove escolas municipais localizadas no espaço rural do município. Na pesquisa utilizou-se o método dedutivo, uma vez que esta metodologia parte “de uma generalização para uma questão particularizada”, partindo para a reflexão sobre como ocorre na educação no/do campo no município de Santa Maria. Para tanto, toma como referência as equipes pedagógicas atuantes no processo da educação no campo do município de Santa Maria/RS. A pesquisa revelou que existem esforços das escolas e a tentativa de se aprofundar os estudos e implantar as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo, principalmente com as reflexões e estudos que são propostos com os cursos de formação proporcionados pela Secretaria Municipal de Educação. Entretanto, ainda existe uma grande distância entre a teoria e a prática das atividades pedagógicas das escolas do campo. Portanto, a construção de uma educação no/do campo no município de Santa Maria exige uma formação de professores que seja capaz de chamar a atenção sobre a importância da valorização do lugar e da realidade de seus sujeitos. Palavras- chave: Educação no/do Campo; Práxis Pedagógica ;Escolas municipais; Realidade. Introdução Para conhecermos o campo brasileiro com sua diversidade é necessário que se faça um resgate histórico para compreender como esta se forjou ao longo do espaço e do tempo. Neste sentido, a educação que veio sendo desenvolvida no campo, foi reflexo de uma formação social, política e econômica que sempre privilegiou as oligarquias e os projetos políticos mais amplos, sem se preocupar com a formação dos sujeitos do campo. 1 Graduada em geografia licenciatura – Universidade Federal de Santa Maria 2 Professora doutora em geografia – Universidade Federal de Santa Maria 3 Mestranda em geografia – Universidade Federal de Santa Maria

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A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA: UMA REFLEXÃO A PARTIR DA PRÁXIS PEDAGÓGICA

Pamela Fleck dos Santos1 – UFSM

[email protected] Carmem Rejane Flores Wizniewsky2 – UFSM

[email protected] Beatriz Deprá Rosso3 – UFSM

[email protected] Eixo 4: ‘Organização do trabalho pedagógico’ nas escolas públicas na Educação Básica (projeto político

pedagógico, gestão, currículo, avaliação, cultura, políticas de acesso e permanência)

Resumo: O presente artigo é resultado de uma pesquisa realizada em escolas do campo de Santa Maria. A pesquisa buscou fazer uma reflexão com as escolas rurais de Santa Maria buscando compreender como se dá a prática pedagógica referente a educação do campo e as diretrizes operacionais da educação básica do campo nas nove escolas municipais localizadas no espaço rural do município. Na pesquisa utilizou-se o método dedutivo, uma vez que esta metodologia parte “de uma generalização para uma questão particularizada”, partindo para a reflexão sobre como ocorre na educação no⁄do campo no município de Santa Maria. Para tanto, toma como referência as equipes pedagógicas atuantes no processo da educação no campo do município de Santa Maria/RS. A pesquisa revelou que existem esforços das escolas e a tentativa de se aprofundar os estudos e implantar as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo, principalmente com as reflexões e estudos que são propostos com os cursos de formação proporcionados pela Secretaria Municipal de Educação. Entretanto, ainda existe uma grande distância entre a teoria e a prática das atividades pedagógicas das escolas do campo. Portanto, a construção de uma educação no/do campo no município de Santa Maria exige uma formação de professores que seja capaz de chamar a atenção sobre a importância da valorização do lugar e da realidade de seus sujeitos.

Palavras- chave: Educação no/do Campo; Práxis Pedagógica ;Escolas municipais; Realidade.

Introdução

Para conhecermos o campo brasileiro com sua diversidade é necessário que se faça um

resgate histórico para compreender como esta se forjou ao longo do espaço e do tempo. Neste

sentido, a educação que veio sendo desenvolvida no campo, foi reflexo de uma formação

social, política e econômica que sempre privilegiou as oligarquias e os projetos políticos mais

amplos, sem se preocupar com a formação dos sujeitos do campo.

1 Graduada em geografia licenciatura – Universidade Federal de Santa Maria 2 Professora doutora em geografia – Universidade Federal de Santa Maria 3 Mestranda em geografia – Universidade Federal de Santa Maria

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Assim ressalta-se que a educação dos sujeitos do campo está diretamente ligada a sua

emancipação, entretanto, a forma com que ela veio sendo desenvolvida ao longo do tempo,

demonstra que até a última década, a mesma não esteve na pauta das políticas públicas, que

beneficiam os povos do campo. Por outro lado o Estado assume um compromisso com o

capital e investe nas escolas rurais, para que estas passem a formar mão de obra para o projeto

urbano-industrial proposta partir da década de 1950. Portanto, a educação do campo foi

excludente ao longo do tempo, onde as elites brasileiras sempre incentivavam a concentração

da terra e da renda através de políticas que visavam promover o crescimento econômico e não

o desenvolvimento social da população. Portanto as políticas hegemônicas estavam focadas

na implementação da modernização da agricultura, que se baseava no benefício das grandes

empresas de insumos e de produtos agrícolas. Pode-se dizer que, para manter este projeto foi

crucial impedir a organização dos trabalhadores (as) do campo, e, dessa forma, bloquear

qualquer resistência organizada a essa política concentradora e excludente.

Com a atuação dos movimentos sociais de luta pela terra, principalmente o

Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a educação das crianças e jovens

passa a ser uma preocupação para os integrantes dos movimentos sociais. Nessa perspectiva a

educação deve servir como meio de libertação e autonomia. Foi com esse intuito que foram

criadas diretrizes que orientam e apóiam o desenvolvimento de uma educação adequada as

necessidades do campo, onde as escolas com base nas Diretrizes Operacionais para a

Educação Básica nas Escolas do Campo buscam almejar os anseios e necessidade das

populações de suas comunidades do campo. Assim as diretrizes contemplam a priorização de

temas relacionados ao cotidiano das escolas do campo, no sentido da valorização do lugar

através de uma educação atrativa aos sujeitos desta comunidade, com o auxilio de projetos

interdisciplinares que busquem uma educação inserida na realidade, valores, historia e cultura

da população que vive e trabalha no campo.

Este estudo, portanto trata de uma pesquisa realizada nas escolas do campo de Santa

Maria e busca de forma geral, compreender como se dá a prática pedagógica referente a

educação do campo e as diretrizes operacionais da educação básica do campo nas nove

escolas localizadas no espaço rural do município, como pode ser observado na Figura 1.

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Figura 1: Mapa Localizando as Escolas Municipais de Santa Maria/RS Fonte: Trabalho de Campo, 2011. Org: MENEZES, Jungues Daniel, 2011.

Na presente pesquisa buscou-se apreender como os professores, coordenadores

pedagógicos, e equipe diretiva das escolas do campo de Santa Maria vêem desenvolvendo

reflexões em torno da educação no/do campo. Também buscou-se identificar se os

professores, e equipe diretiva das escolas envolvidas na presente pesquisa, tinham

conhecimento e trabalhavam dentro do que propõem as diretrizes operacionais da educação

básica do campo; além de conhecer como são desenvolvidas as práticas pedagógicas nas

escolas em questão. Para resolver o problema da investigação recorreu-se ao método

dedutivo, uma vez que este parte de uma generalização para uma questão particularizada a

reflexão sobre como ocorre a educação no/do campo no município de Santa Maria. Para tanto,

nesta pesquisa foram entrevistados membros das equipes atuantes no processo da educação do

campo no município, ou seja, professores, coordenadores pedagógicos e diretores das escolas

do campo de Santa Maria.

A fim de atender os objetivos propostos e possibilitando responder ao planejamento

básico da pesquisa, o estudo foi constituído por diferentes etapas de investigação.

Primeiramente foi realizado um levantamento bibliográfico, tendo em vista a construção do

referencial teórico para subsidiar a análise da realidade e a caracterização da área de pesquisa.

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A definição teórica da investigação estruturou-se através do resgate e discussão de temáticas

que foram utilizados na construção da pesquisa, entre eles destacam-se: a história da educação

do campo e sua trajetória de políticas públicas, educação escolar na perspectiva da

valorização do lugar, o processo histórico da evolução do campo e formação do espaço e a

evolução da educação brasileira no contexto da escola do campo.

A segunda etapa consistiu-se da realização de trabalhos de campo cuja preocupação

fundamental foi o levantamento de dados qualitativos. Desta forma, foram realizadas

entrevistas aos docentes e equipes diretivas das nove escolas: Escola Municipal de Ensino

Fundamental Santa Flora, Escola Municipal de Educação Infantil Irineo Antoline, Escola

Municipal de Ensino Fundamental José Paim de Oliveira , Escola Municipal de Educação

Infantil Pedro Kunz, Escola Municipal de Ensino Fundamental Intendente Manoel Ribas,

Escola Municipal de Ensino Fundamental João da Maia Braga, Escola Municipal de Ensino

Fundamental Major Tancredo Penna de Moraes, Escola Municipal de Ensino Fundamental

Bernardino Fernandes, Escola Municipal de Ensino Fundamental João Hundertemark.

Destacando que as visitas ocorreram ao longo de um semestre onde foram aplicadas as

entrevistas e fotografadas as escolas, além da participação em um dos encontros de formação

para professores das escolas rurais realizado na Escola Major Tancredo Penna de Moraes.

(Figuras 2 e 3).

Neste estudo utilizou-se também de fontes secundárias como dados do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os quais serviram para elaboração do mapa base.

Figura 2: Escola Major Tancredo Penna de Moraes, Encontro de Formação Fonte: Trabalho de Campo, 2011. Org: FLECK, Pamela, 2011.

Figura 3: Escola Major Tancredo PennadeMoraes, Encontro de Formação Fonte: Trabalho de Campo, 2011. Org: FLECK, Pâmela, 2011.

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Após a realização das entrevistas partiu-se para a análise e compilação das

informações e iniciaram-se a interpretação dos resultados. Esses serviram de subsídios para a

construção de uma reflexão a cerca da educação do campo no Município de Santa Maria.

Convém refletir a partir de toda analise feita, que historicamente a educação no espaço rural é

marcada pela ação hegemônica do capital e de interesses do Estado. Como foi observado na

história, o camponês não necessitava saber ler, escrever para suas atividades na terra. Soma-se

a isso o fato de que a educação sempre foi produto do sistema capitalista, usando o latifúndio

como padrão. Assim, a escola do rural surge como cópia da escola urbana, esquecida sem

diretrizes políticas e pedagogias para sua regulamentação, sem recursos e sem qualidade.

Segundo Gritti (2003), ao falar sobre os pacotes tecnológicos, programas e demais

ações de extensão, com objetivo de promover o desenvolvimento sócio econômico do meio

rural, destaca-se que estes “ao mesmo tempo em que pretendem preencher o que

consideravam um ‘vazio cultural’, as práticas importadas impostas por organismos

representativos de educação nacional acabam por desenraizar os agricultores familiares

preparando-os para expulsão da terra e formação de um mercado de mão- de- obra. (Gritti,

2003 p.89)”.

O compromisso da escola rural como salienta Ribeiro (2002, p. 03) “era de civilizar o

caipira, seu objetivo era prepará-los para os empregos urbanos, principalmente nas fabricas,

moldando seu corpo e sua mente para obedecer a tempos e espaços alheios e restritos”.

No Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 10.172\2001, a educação no

campo é situada no capitulo dedicado ao ensino fundamental e nele fica estabelecido entre as

suas diretrizes o “tratamento diferenciado para a escola localizada no espaço rural”, sob a

argumentação da universalização do ensino básico, e destacando a consideração das suas

particularidades:

Dessa maneira Kolling; Cerioli; Caldart, (2002, p. 15) “Recomenda formas flexíveis de

organização escolar para a zona rural, bem como adequada formação profissional dos

professores, considerando as especificidades do aluno e as exigências do meio”.

Os saberes, a história e a cultura do camponês não são valorizados, sendo o descaso

praticado a educação trabalhada no meio rural. Nesse sentido repensou-se a educação no meio

rural com objetivo de enxergar o campo como um espaço heterogêneo, favorecendo o direito

a política de igualdade entre as diferenças.

Nesse contexto de acordo com Lucas 2008, p. 108:

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Na década de 1980, os movimentos sociais do campo ganham mais força e visibilidade. Ao se articularem trouxeram a discussão sobre as características de educação do campo (...) em 1995, foi criado o Conselho Nacional de Educação (CNE), pela Lei 9.131 de 24 de novembro de 1995, para definir através da Câmara de Educação Básica (CEB) a elaboração das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.

É relevante destacar que a luta por educação no⁄do campo, veio sendo discutida e

construída por muitas mãos, envolvendo com muita força os movimentos sociais, em especial

o Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), criado em

1987. Com o avanço do plano de educação, no final de 1996, foram criadas comissões

especificas em todos os Estados que tinham regionais do MST. A trajetória dos debates e das

conclusões seguiu dois caminhos: a luta pelo direito a educação e a construção de uma nova

pedagogia. Essa luta consolidou-se ao final dos encontros e conferências, por uma proposta

pedagógica que olhasse o campo de outra forma, exigindo assim, políticas públicas e

expressões como campo e educação básica.

O processo histórico da educação rural em Santa Maria- RS

Na história da educação rural no município de Santa Maria, se tem registro que por

volta de 1930 foram criados os primeiros grupos escolares das sedes distritais, sendo que,

quem ministrava as aulas eram pessoas leigas, sem habilitação específica, o que contribuiu

para alicerçar fragilmente a educação rural.

Santos (1993) esclarece que assim como outros municípios brasileiros a situação das

escolas rurais em Santa Maria não foi diferente, enfrentando problemas como: a distancia para

os alunos chegarem até as escolas; a permanência dos professores urbanos, em sua maioria,

nas distantes localidades, bem como sua adaptação em um meio em que a cultura, a

linguagem e os valores divergiam de sua vivencia e também a qualificação destes, os baixos

salários, contribuíram para que a educação rural fosse pouco valorizada, não havendo para a

mesma, investimentos por parte do governo.

Como o desenvolvimento era desigual das áreas urbanas e rurais, a escola rural passa a

partir da era Vargas, a organizar-se sob a inspiração do modelo urbano, mas na prática gerou

no campo como afirma Santos (1993, p.62) que “escola técnica e politicamente incompetente

para oportunizar um ensino fundamental de qualidade, capaz de satisfazer as reais

necessidades da população do campo”.

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A Rede Municipal de Ensino do Município de Santa Maria, no final da década de

1980, em nível estadual possuía a maior rede de escolas rurais. Diante do contexto presente no

município no ano de 1989, na nova administração municipal no quadriênio 1989-1992,

ocorreram discussões e reflexões, estudos técnicos realizados pelas diversas secretarias

municipais, o Poder executivo definiu suas metas, entre elas estava a execução de ações para

a promoção das comunidades rurais mediante estimulo a organização e a participação mais

ativa do homem do campo, no sentido de superar os problemas mais prementes nas áreas de

infra- estrutura: saúde, educação, sistema produtivo e viário. (Santos, 1993).

Em 1989, em virtude do Plano Municipal de Educação 1989-1992 de Santa Maria,

foram realizados levantamentos com o propósito de montar o diagnóstico da educação

municipal no tocante ao ensino rural. O referido diagnóstico, que contou com a equipe técnica

da Secretaria de Município da Educação e membros do Conselho Municipal de Ensino de

Santa Maria, apontou os principais problemas: “isolamento e as condições precárias de

funcionamento da maioria das escolas unidocentes”, em consequência os altos índices de

reprovação, interrupção precoce da escolaridade e a consequente insatisfação das

comunidades do interior do município. Também acentuava que “Na zona rural, constata-se

que um grande número de alunos, ao concluírem a 4ª série, deixa de frequentar a escola em

razão da dificuldade de acesso as escolas de 1º grau completo.” (Prefeitura Municipal de

Santa Maria, Plano Municipal de Educação 1989-1992:3, apud SANTOS, 1993, p.67)

Diante desse diagnóstico, no ano de 1990 a Secretária de Município da Educação

(SMED) implanta o Projeto Piloto “Nucleação das Escolas da Zona Rural”, no distrito de

Dilermando de Aguiar (1997 se torna município), na localidade de São José da Porteirinha, na

Escola Municipal Valentim Bastianello, autorizando seu funcionamento pelo Parecer nº

315\90 – do conselho Estadual de Educação\RS (CEE\RS).

Em 2007 as escolas municipais rurais discutem e reestruturam seus Planos Políticos

Pedagógicos e Regimento Escolar, buscando alternativas de uma melhor organização e

atendimento as especificidades do campo;

Atualmente as escolas municipais são distribuídas da seguinte forma: Sede, 1º Distrito de

Santa Maria; temos 47 escolas urbanas e nove rurais distribuídas nos distritos. Aos municípios

brasileiros foram atribuídos, de forma quase exclusiva, os encargos de criar e manter

estabelecimentos de ensino fundamental no meio rural, ao longo da história, enfrentando

muitos desafios, que ainda hoje estão presentes no campo, em muitos municípios brasileiros.

A rede municipal de ensino do município de Santa Maria possui nove escolas rurais (do

campo), sendo sete de ensino fundamental completo e duas escolas de atendimento do 1º ao 6º

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ano (Escola Municipal de Ensino de educação Infantil Pedro Kunz, Escola Municipal de

Ensino de educação Infantil Irineo Antolini).

Destas três escolas, são Núcleos de tempo Integral a Escola Municipal de Ensino

Fundamental Bernardino Fernandes, Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Flora, e

Escola Municipal de Ensino Fundamental José Paim de Oliveira, as demais escolas como a

Escola Municipal de Ensino Fundamental Major Tancredo Pena de Moraes, Escola Municipal

de Ensino Fundamental Intendente Manoel Ribas e Escola Municipal de Ensino Fundamental

João Hundertemark, funcionam todos os dias sendo no turno da manhã Anos Finais (6º ao 9º

anos), e no turno da Tarde os Anos Iniciais (1º ao 5º Ano) e a Escola Municipal de Ensino

Fundamental João da Maia Braga, funciona também no turno da noite com a EJA (Educação

de Jovens e Adultos).

Dessa forma, buscam atender as especificidades do campo a partir dos princípios

norteadores da Valorização dos Recursos do Meio, Integração, Participação e

Contextualização, princípios estes presentes desde 1990, com a proposta pedagógica de

nuclearização das escolas rurais em Santa Maria. Observa-se que ainda hoje estes princípios

são presentes e fortalecidos nos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas.

Em 2011, a Secretaria Municipal de Educação, órgão mantenedor das escolas rurais de

Santa Maria, propõem as Diretrizes Municipais para a educação do campo, que vem a servir

como orientações norteadoras para a reformulação dos Projetos Políticos Pedagógicos das

escolas.

A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA: NA REFLEXÃO

A PARTIR DA PRAXIS PEDAGÓGICA

A educação do campo do Município de Santa Maria na visão dos professores

Os professores das escolas do campo de Santa Maria residem na zona urbana, e fazem

seu deslocamento de carro próprio, ou revezando caronas. Grande maioria deles possuía

alguma identificação com o meio rural, por terem sido provenientes do mesmo, ou por seus

familiares ainda residirem no rural. Já aqueles que, não tem acabaram por se adaptar ao

trabalho nas escolas do campo, aprendendo com a prática e nos dias de hoje já se consideram

parte da comunidade.

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Como já foi dito os professores realizam frequentemente cursos de formação

continuada, cursos de pós graduação em suas respectivas áreas, além da maior parte dos

docentes ter se referido que apreciaram com a prática no exercício do magistério.

Grande parte dos professores entrevistados para se manterem e aumentar a renda

trabalham em duas escolas, fazendo 20 horas no município, e 40ou mais nas escolas estaduais.

Os professores apresentaram na maioria absoluta uma formação continuada, com cursos de

pós-graduação em suas respectivas áreas, além de muita experiência docente.

A maioria trabalha no máximo em duas escolas, fazendo às 20 horas no município, e 40

ou mais nas escolas estaduais.

No que se refere à frequência nos cursos de formação continuada, realizados pelos

docentes os mesmo afirmam que sua participação é válida, pois, sempre há algo novo.

Também afirmam que liberados pela Secretária Municipal de Educação diz-se que, a

frequência é positiva, que são liberados para participarem dos cursos de formação continuada

agendados pela Secretaria Municipal de Educação principalmente quando estes fazem parte

da agenda do município, ou seja, quando os cursos são promovidos pela Secretaria. Mas

também afirmam que as ausências dos professores para a formação continuada devem ser

recuperados para o cumprimento dos dias letivos. Sobre este item é relatada a afirmação do

professor entrevistado (P1);

Tenho frequentado os cursos de formação, não como formação, mas como troca de experiências, poderiam ter mais encontros, ter mais tempo, devem melhorar pelo motivo de estes dias terem que ser recuperados. Não é uma perda, e sim um ganho a escola.

Alguns professores, até argumentaram em suas entrevistas, que fazem reflexões sobre

os cursos e sobre a educação do campo; em suas reuniões semanais. De acordo com a

Professora (P2);

Como professora tenho buscado fazer reflexões, buscado por materiais, e em nossas reuniões na sexta feira, tentamos discutir também sobre o assunto, mas fica somente nisso, pois falta tempo, seria bom ir mais além, planejar...

Sobre a valorização do lugar e sua contextualização durante a explanação e

exemplificação das aulas, uns apresentaram maior facilidade que outros. Os professores de

disciplinas como geografia, ciências, português, educação física responderam que

frequentemente usam da realidade do local, das experiências vividas pelos alunos para o

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desenvolvimento de suas aulas. Já outro grupo de professores como os de matemática, línguas

estrangeiras responderam que não utilizam muito a realidade local; argumentando que o aluno

não é “mais o mesmo”, “não é rural”, que ele inclusive tem vergonha de ser do campo. Ele

está inserido no meio, mas não tem vinculo com a terra.

Conseguir fazer a relação com o lugar está complicado, porque o aluno não está diferenciado do aluno urbano, ele absorve a cultura urbana pelos meios de comunicação e se formos ver esses alunos se vestem com as características da moda urbana, usam celulares, ouvem as músicas que todos os jovens ouvem. (P3)

Muitos professores mais antigos participaram do processo de nucleação, que ocorreu

com as escolas do espaço rural de Santa Maria. A grande maioria se mostrou favorável e

percebem que funciona; centralizando melhor o trabalho e utilizando melhor os recursos,

oportunizando ainda que o aluno ajude em casa nos períodos de alternância. Extinguiram-se

na época as etapas multiseriadas e foi uma alternativa para que os alunos não precisassem ir

para as escolas urbanas, tendo que percorrer um maior percurso e perdendo a identidade com

o local e suas comunidades. Alguns professores não concordam com o período integral diário

e o sistema de alternância entre os dias, argumentando que os alunos ficam dispersos e que

desfocam dos estudos nos dias longe da escola,

Não concordo com o período integral e alternância, o aluno não rende, ele cansa, em casa ele não trabalha e também não abre o caderno. (P5) Acho ótima a alternância de dias com e sem aulas, pois, eles cansam muito. O dia de descanso ajuda, e o espaço físico também fica complicado quando vêm todos. (P6) Quando cheguei a escola já era núcleo, acho interessante, pois, se utilizam melhor os recursos, e centraliza o trabalho. E para os alunos o tempo de alternância em casa, ajudando a família é um tempo disponível. (P1)

Nesta afirmação fica clara a posição do professor frente a Educação do Campo como

forma de valorizar o lugar e a vivencia na comunidade. Houve uma diversidade de

informações dos professores das escolas estudadas, a medida que destacaram o que representa

ser ensinado essencialmente nestas escolas. As respostas foram diversas, mas todas remetendo

a importância de preparar o aluno para o ensino médio sem dúvida interessantes desde

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“simplesmente” prepará-los para o ensino médio; pela dificuldade em despertar interesse e

curiosidade no aluno, prepará-los tanto quanto o aluno da escola urbana, para terem as

mesmas oportunidades.

Até os professores que julgam que nas aulas devem se utilizar mais de atividades

práticas, e menos teorias que não fazem relação com o dia-a-dia local de experiências vividas

pelos discentes. O amor e o gosto pela terra, a vinculação a produção dos alimentos e a

importância do campo na estrutura econômica mundial. Uma interdisplinariedade que busca o

desenvolvimento pleno do sujeito do campo, na formação do cidadão social capaz de se

emancipar, de evoluir, de crescer, dessa forma retornando ao campo, como transformador de

sua realidade.

Julgo importante ensinar aos alunos das escolas campo, o que eles possam utilizar no dia-a-dia, que possam aproveitar para que eles fiquem no meio rural. (P7) Julgo importante ensinar aos alunos coisas práticas, o processo de ensino deixar de ser tão teórico, ensinar coisas voltadas ao dia-a-dia dos alunos. (P8)

Sobre o conhecimento do conteúdo das Diretrizes Operacionais para e Educação do

Campo, a maioria dos professores pareciam desconhecer, mas quando questionados se a

escola seguia as suas orientações respondiam afirmativamente. O que nos leva a compreender

que mesmo sabendo da existência das Diretrizes, os professores não as conheciam ou

sentiam-se seguros e por em pratica rotina de suas atividades. Se abstendo de opiniões esta

questão acabava sem maiores reflexões.

Quanto ao conhecimento dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) e suas instruções na

escola do campo em que atuavam, sobre a participação da comunidade e suas práticas, os

professores julgaram que suas escolas atendiam as orientações propostas pelas Diretrizes e

que as escolas vêem atendendo as necessidades de suas comunidades, mas relato a ausência

das famílias neste processo.que seus anseios foram contemplados na construção do PPP

através de questionários orientados; apesar de ser necessária uma maior participação das

famílias na escola, que parecem muitas vezes não acreditar na educação, não refletirem sobre

a ordem social e não exigir mais do que a escola propõem.

Nas entrevistas aos docentes se percebe que eles sugerem algumas medidas que foram

recorrentes pela maior parte das escolas e professores entrevistados;

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Para melhoria do atendimento dos interesses dos alunos e da comunidade precisam-se de cursos integrais, disciplinas técnicas, e maior investimento municipal e estadual (P9) Para que a escola atendesse melhor o interesse do aluno e da comunidade acredito que deveria haver uma modificação nas disciplinas, fazer com que as mesmas se tornem mais práticas e incluir disciplinas voltadas ao meio rural. (P10) Ter tempo para se organizar melhor, fazer parceria com as outras disciplinas, e estimular mais a participação da comunidade, talvez ajudasse. (P11) Acredito que os concursos deveriam ser divididos, onde professores que tem a intenção de lecionar em escolas do campo fazem concursos para isso e professores que querem lecionar em escolas do meio urbano assim o façam... (P12)

Foi também ressaltado que a importância da valorização do professor, sendo que sem

este nada existiria. O professor perdeu seu status, seu respeito, tem de disputar com os meios

de comunicação sendo que jamais deveria existir esta disputa. A insatisfação dos professores

é pela falta de valorização, pelo salário baixo e pelas condições de trabalho, já que trabalha-se

em salas lotadas e muitas vezes se obrigam a dobrar sua jornada de trabalho. Sem o tempo de

lazer, de estudo, de reflexões, de formação continuada de investimento em si, em sua práxis,

em sua realização como profissional, que leva a felicidade como indivíduo, que assim o faz

sentir-se capaz de transformar o mundo através de sua vocação. Logo a educação está muito

aquém de onde deveria e poderia estar mesmo não deixando de ter esperanças, os professores

são realistas e unanimente concordam que o caminho de mudanças é longo.

Sobre a perspectiva dos seus alunos aos saírem do ensino fundamental; a maioria sente-

se satisfeitos em dizer que, os alunos mesmo com dificuldades em alguns casos procuram

continuar os estudos. Vão para o ensino médio e mesmo que desistam, retornam algum tempo

depois. Orgulhosos dizem que alguns de seus alunos foram para a universidade e com maior

sucesso voltaram à comunidade e trabalham no campo. Nos casos das escolas mais próximas

a zonas urbanas, os alunos prosseguem com os estudos e mesmo que não entrem na

universidade se inserem no mercado de trabalho com sucesso.

Por fim quando perguntado sobre os cursos de formação, e suas contribuições e

opiniões de alternativas para a melhoria dos mesmos, a equipe de professores atuantes nas

escolas rurais municipais de Santa Maria, concluíram que os encontros são usados como

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oportunidades de reencontro, de motivação, de reflexão sobre sua práxis e questões que os

permeiam. De forma que são poucos os encontros durante o ano promovidos pela Secretaria

Municipal de Educação, e a abertura a outros cursos é pouca, mostrando que a relação da

escola com outras instituições como a própria Universidade Federal de Santa Maria é

limitada. Os professores argumentam que os cursos de formação não apresentam os enfoques

que deveriam ter; sugerem mudanças de modo que os encontros fossem mais direcionados por

áreas de ensino, por grupos de discussões que pudessem de fato estudar e refletir sobre

práticas e experiências, descobrirem novas formas de buscar, e encontrar novas metodologias

voltadas ao trabalho no campo; diante de tantas mudanças, e distorção de valores o verdadeiro

incentivo para que os alunos estudem, melhorem de vida e permaneçam no campo. Conforme

depoimentos;

A respeito das formações, acho que deveriam existir mais cursos de formação que possibilitem trocas de experiências e o conhecimento de outras realidades. (P13) Avalio os cursos de formação não muito específicos, gostaria que fossem mais específicos para matemática. (P14) As formações em minha opinião devem ser mais específicas, alternativas ou práticas. Oferecer cursos por áreas, mais atrativos (P15). Cursos de formação tinham que melhorar, às vezes não tem nada a ver com o que tu esta trabalhando, com o que tu esta querendo, tinham que se reunir no grupo das disciplinas, troca de experiências, os cursos vem sendo mais incentivo, autoajuda, mas precisa-se do momento mais específico. (P16) Frequento os cursos de formação continuada, e logo que cheguei ao Bernardino participamos de um projeto de estudos com a professora Irene Fernandes da UFSM, técnica em educação. Durante três ou quatro anos, trabalhamos com este projeto para se criar uma metodologia para a educação do campo. O Curso de iniciativa da Secretaria da educação na época liderado pela professora Irene. Aconteceu à elaboração de um documento, proposta pedagógica. (P17).

Logo, os professores fazem reflexões sobre formas e práticas para melhorar a qualidade

do ensino, mas também afirmam que não há uma recorrência ou uma formalização destas

práticas o que leva a muitos dos projetos que foram surgindo serem abandonados antes

mesmo de serem estruturados, Sendo assim falta um maior planejamento que somente será

possível com a construção de um espaço- tempo de reuniões e de reflexões, isto é, os

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professores reivindicam em sua grande maioria, horário destinado para planejamento de

projetos.

A educação do campo no Município de Santa Maria na visão das equipes diretivas das

escolas

Foram entrevistadas as integrantes das equipes diretivas; coordenadoras pedagógicas,

supervisoras e diretoras das nove escolas do campo do município de Santa Maria, sendo que;

em alguns casos as mesmas também eram docentes, o que caracterizou um agregado de

informações nas entrevistas que seguem.

As coordenadoras em maioria disseram gostar muito de trabalha no campo, esta

preferência as faz permanecer nas mesmas escolas por muito tempo. E as que chegaram a

pouco ainda não tem tanto tempo, se sentem presenteadas com o rural e tem empenho em

conhecer a realidade das escolas, e da comunidade fazendo até visitas as famílias, e

convidando os pais a interagirem nas atividades da escola, como nas festas, eventos e

“reformas” na busca de melhorias na escola. Possuem em sua maioria cursos de pós-

graduação, mestrado ou especializações concluídos ou em andamento.

A respeito do trabalho junto às equipes de professores, ressaltam que vem sendo

evidenciada uma necessidade de se estimular os mesmos a trabalharem com a realidade do

campo, está havendo um questionamento antes não observado em algumas escolas,

principalmente as mais próximas a zonas urbanas sobre a identidade destas escolas, uma vez

que se apresentam inseridas no meio rural, ou seja, estão no campo, mas já não são do campo.

Conforme os depoimentos das representantes das equipes diretivas (ED1, ED2, ED3);

Esta se construindo a necessidade de se estimular os professores a trabalhar com a realidade do campo, sempre houve o questionamento da identidade da escola, estamos no campo, ou somos do campo. Escola passa por uma busca inquietante da identidade. (ED 1).

Procuro estimular os professores a trabalhar com a realidade do campo, para que alunos tenham maior atração pela Escola. Eles têm turnos adicionais, atividades diferenciadas, aluno entra nas oficinas de acordo com suas preferências. Tem um turno a mais que não esta no cronograma. (ED 2). Como gestora acredito fielmente que a educação é o único caminho para que alunos possam dar ruma a sua vida, inclusive o aluno do campo, pois alguns tem muita identificação com o campo e não

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gostam de estudar, mas a educação vai dar outra visão a eles, entendo que eles são crianças , adolescentes não tem dado muito valor ao espaço escolar. A educação não recebe sua devida importância, só é lembrada em época de eleições, mas não desanimamos nunca, temos esperança que a educação seja valorizada, se não as pessoas vão escolher outros espaços e não as licenciaturas. Através da educação os alunos podem crescer. (ED 3).

Nestas escolas existe uma clara heterogeneidade de alunos; os que têm ainda algum

vínculo com o campo, e os que não têm, porque os pais estão trabalhando nas mais diversas

profissões, mas prefere manter seus filhos nas escolas do campo.

A escola procura respeitar e valorizar a cultura do campo, nossos alunos tem cultura de preservar tradição gaúcha, comunidade tradicionalista. (ED 1).

.

Quanto aos Projetos Políticos Pedagógicos percebe-se contradição a medida que

afirmam que os PPP’s tem sido reformados, mas quando analisados foi percebido em alguns

casos que são muito antigos. A necessidade de se inteirarem das Diretrizes Operacionais para

a Educação básica no campo, e adaptar suas orientações aos novos PPP’s, tem promovido

reflexões internas nas escolas frente a necessidade de mudanças.

Sobre o PPP, estamos aguardando resolução através do conselho municipal de educação que vai dar os procedimentos, os passos para alterações de PPP, mediante orientações Diretrizes. (ED 4).

Durante os trabalhos de campo; obtive conhecimento sobre as Diretrizes Operacionais

Municipais para a educação do campo, uma orientação às escolas municipais do campo,

provenientes da mantenedora, a Secretaria Municipal de Educação. Em várias entrevistas as

coordenadoras citaram que tinham um prazo para reformularem seus Projetos Políticos

Pedagógicos, para adaptarem as novas Diretrizes, aos encaminhamentos da mantenedora.

Estavam em período de reuniões, de discussões para a redefinição de seus Projetos Político

Pedagógicos.

De acordo com algumas coordenadoras as diretrizes foram discutidas a partir de

sucessivas reuniões anteriores entre equipes diretivas para o levantamento de suas situações e

necessidades de cada lugar. As coordenadoras argumentaram que, é importante refletir sobre a

educação do campo, mas as mudanças são implementadas “de cima para baixo”, por

determinação da Secretaria Municipal da Educação. Dizem também que os cursos de

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formação precisam ir de encontro às realidades e anseios dos professores. Que as coisas como

estão acontecendo; mudam somente a realidade no papel.

As escolas que ainda não possuem hortifruticulturas, jardinagem, e técnicas agrícolas

procuram implantar estes e outros projetos de temáticas pertinentes à realidade das escolas;

como no caso da escola Intendente Manoel Ribas (Figura 5), Distrito de Santo Antão, onde a

realidade e necessidades por ser uma escola de periferia ultrapassam a realidade de ser uma

escola rural, como os projetos de Reciclagem e Escola que Protege. A escola não está no rural

e não deixa de ser influenciada pelo meio, mas os problemas sociais que se reproduzem ali

geram maiores necessidades, por exemplo, que na escola João da Maia Braga (Figura 6),

Distrito de Pains, Bairro Passo das Tropas, em que a população ali é noturna, residindo no

rural, mas trabalhando na cidade, em que as preocupações da escola atualmente estão em

acolher a diversidade populacional; como a comunidade indígena que pelos arredores se fixa.

Os coordenadores reclamam maior interesse da Universidade pelas escolas do campo,

que as licenciaturas deveriam disponibilizar o conhecimento teórico-prático na questão da

educação do campo e inclusão; com o desenvolvimento de projetos e a participação de

estagiários; pois, esta parceria ajudaria na formação do licenciado. A inclusão veio para ficar,

e as transformações do espaço rural são evidentes. Precisa-se de uma formação específica

para não se perder a cultura que o campo ainda tem.

Buscando respostas sobre em que medida, a educação do campo que se desenvolve nas

nove escolas municipais de Santa Maria segue a abordagem teórica respectiva à educação

Figura 5: Escola Municipal Intendente Manoel Ribas. Fonte: Trabalho de campo, 2011. Org: FLECK, Pâmela, 2011.

Figura 6: Escola Municipal João da Maia Braga Fonte: Trabalho de campo, 2011. Org: FLECK, Pâmela, 2011.

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no/do campo e as diretrizes operacionais da educação básica do campo, e como isso interfere

nas práticas pedagógicas dessas instituições de ensino; e o objetivo norteador em

compreender como se dá a práxis pedagógica referente à educação do campo e as diretrizes

operacionais da educação básica do campo nas nove escolas localizadas no espaço rural do

município de Santa Maria, presenciaram-se as realidades de cada escola com o longo trabalho

de campo feito, reuniram-se as experiências já descritas, e a partir destas podemos fazer

alguns apontamentos.

De fato a escola do campo historicamente foi subjugada e relegada a um segundo

plano, sofrendo adaptações da escola urbana. Apesar da implementação das Diretrizes

Operacionais da Educação Básica do Campo, e as resoluções seguintes na prática se

vivenciam poucas mudanças para tornar a educação no campo e do campo. No Município de

Santa Maria houveram tentativas como no ano de 1990 o projeto de Nucleação, que tinha por

objetivo oferecer em uma escola central o ensino fundamental completo, onde os alunos,

utilizando transporte escolar frequentassem a escola, sem ter de deixar tão cedo o campo para

continuarem os estudos. Atualmente se retomaram as reflexões em torno da educação do

campo, e a tentativa de se qualificar a educação rural municipal, com os propostos cursos de

formação e as Diretrizes Operacionais Municipais para a Educação do Campo.

A educação do campo está se construindo, se transformando, embasada em novos

caminhos, na tentativa da valorização da cultura local em meio às transformações do campo, e

das transformações sociais em geral, que acabam por englobar o aluno da escola do campo.

Esta retomada de estudos e questionamentos é importante, mas é apenas um começo, pois, os

professores não tiveram em suas licenciaturas formação voltada a educação do campo. Nesse

contexto os cursos devem introduzir estas disciplinas e a Universidade dar subsídios teóricos

e metodológicos para a formação continuada dos professores do campo.

Devem-se qualificar os cursos de formação de maneira que atendam as demandas em

relação a formação dos professores para atuar no espaço rural.

Diante da caracterização da heterogeneidade da escola do campo no município de

Santa Maria, é certamente desafiante instituir políticas públicas que contemplem as

especificidades apresentadas pelas escolas. Mas é preciso que este processo de construção de

uma nova educação do campo se realize e apresente resultados.

As escolas de Educação Infantil, como a Escola Municipal Pedro Kunz; Passo das

Tropas e Escola Municipal Irineo Antoline; Passo do Verde apresentaram talvez pela

localização sem maiores influências da zona urbana, menores dificuldades em trabalhar a

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valorização do lugar, e a tentativa de praticar projetos de identificação com a realidade dos

alunos e das comunidades.

Já as escolas mais próximas às zonas urbanas, como a Escola Municipal João

Hundertemark, e Escola Municipal; Passo da Ferreira e Escola Municipal João da Maia

Braga; Passo das Tropas estão atualmente questionando suas identidades, de forma que estão

no meio, sofrem a influencia dele, mas entendem que não são efetivamente do campo.

As escolas Núcleo, a Escola Municipal Bernardino Fernandes; Pains, Escola

Municipal Santa Flora; Santa Flora e Escola Municipal José Paim de Oliveira; São Valentim

apresentam melhores exemplos de valorização e incentivo a projetos e práticas mais atraentes

ao aluno do campo. A escola Bernardino Fernandes que apresentou já realizar uma discussão

a respeito da educação no/do campo, e contar com projetos da UFSM, como o projeto da

estufa com garrafas pet, para produção de mudas de hortaliças a serem distribuídas aos alunos

da escola.

Ainda se tem muito caminho a ser percorrido a respeito da transformação desta

educação que predomina a valorização do urbano, a inversão de valores, conhecimentos e

atitudes distantes do modo de vida e da cultura da população do meio rural.

É preocupante no município de Santa Maria algumas questões que permeiam a

educação no campo, como a formação dos professores para atuarem nas escolas do campo,

onde verificou-se que esta vem se construindo através dos cursos de formação continuada,

mas necessária se mostra uma maior parceria com as universidades.

A ausência de pesquisas que denunciem as diferentes realidades das especificidades do

meio rural, assim como a ausência histórica de políticas públicas específicas para a educação

no meio rural; dificultam o trabalho das escolas em tentar manter, ou até resgatar os saberes

sociais das suas comunidades rurais. A participação dos cursos de licenciatura seria uma

forma de valorizar a educação do campo a partir da formação de docentes mais conectados

com a realidade do campo ajudaria a evidenciar este assunto a caminho de se instituir políticas

públicas efetivas que contemplem as realidades do campo e atualmente as necessidades

evidenciadas pelas transformações do espaço rural, e a heterogeneidade de comunidades.

Inclusive a intenção de se melhorar a formação dos licenciados para esta questão desde a

universidade, deve começar a ser apresentada.

Com relação ao funcionamento das atividades escolares, os temas relacionados ao

cotidiano das escolas do campo, no sentido da valorização do lugar através de uma educação

atrativa aos sujeitos desta comunidade, com o auxilio de projetos que busquem uma educação

inserida na historia, valores e cultura da população que vive e trabalha no campo. A

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implementação de uma nova disciplina de técnicas agrícolas não vai diminuir o

distanciamento entre a teoria e a prática das reflexões sobre a educação do campo, são

necessários projetos interdisciplinares.

As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo buscam

contemplar os anseios das populações de suas comunidades escolares do campo, mas ainda se

observa nas escolas um movimento por parte dos professores para implantar na prática as

orientações das Diretrizes, apesar de que muitos dos professores que entrevistamos, mal

conhecem ou se quer ouviu falar nas Diretrizes.

Contudo para colocar em prática as orientações da legislação, discutindo as

alternativas para se construir uma escola significativa e criativa, servindo ao lugar e seus

sujeitos.

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