a felicidade nÃo se compra e wall street 2
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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
ARILSON PEREIRA VILAS BOAS
A FELICIDADE NÃO SE COMPRA E WALL STREET 2: UMA ANÁLISE DA
REPRESENTAÇÃO DAS CRISES ECONÔMICAS DE 1929 E 2008
SÃO PAULO
2012
ARILSON PEREIRA VILAS BOAS
A FELICIDADE NÃO SE COMPRA E WALL STREET 2: UMA ANÁLISE DA
REPRESENTAÇÃO DAS CRISES ECONÔMICAS DE 1929 E 2008
Dissertação apresentada a Banca
Examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre do Programa
de Mestrado em Comunicação da
Universidade Anhembi Morumbi de São
Paulo, sob a orientação da Profa. Dra.
Laura Loguercio Cánepa.
SÃO PAULO
2012
ARILSON PEREIRA VILAS BOAS
A FELICIDADE NÃO SE COMPRA E WALL STREET 2: UMA
ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO DAS CRISES ECONÔMICAS DE
1929 E 2008
Dissertação apresentada a Banca
Examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre do Programa
de Mestrado em Comunicação da
Universidade Anhembi Morumbi de São
Paulo, sob a orientação da Profa. Dra.
Laura Loguercio Cánepa.
Aprovado em ___/___/___
___________________________________
Profa. Dra. Laura Loguercio Cánepa
__________________________________
Prof. Dr. Vander Casaqui
__________________________________
Prof. Dr. Rogério Ferraraz
Resumo
A pesquisa analisa a representação da cultura do dinheiro da classe média e alta
dos EUA, nas duas grandes crises que abalaram a economia: a Crise de 1929 – a
Grande Depressão - e a Crise de 2008 – a Bolha imobiliária, vistas a partir de dois
filmes: A felicidade não se compra (Frank Capra, 1946, EUA) e Wall Street II: o
dinheiro nunca dorme (Oliver Stone, 2010, EUA). A metodologia utilizada
compreendeu pesquisa teórica, visualização de filmes ligados ao universo do
dinheiro e, especialmente, a análise fílmica de A felicidade não se compra (Frank
Capra, 1946, EUA) e Wall Street II: o dinheiro nunca dorme (Oliver Stone, 2010,
EUA) focando os personagens representantes das classes média e alta, nos
momentos de desespero causados pela falta de dinheiro, sua postura ética e moral
perante os negócios e seu comportamento perante a comunidade que os cerca. A
análise evidenciou que nos filmes há um “esforço” para a necessidade de aprender a
lidar com o dinheiro e a importância de se proteger contra os especuladores do
mercado financeiro. Através da pesquisa e com olhos na cultura do dinheiro,
observou-se que a sociedade americana, tanto na ficção como na vida real, ainda
não está tão preparada quando o assunto é dinheiro.
Palavras-chave
1. Representação. 2. Crises econômicas. 3. Análise Fílmica. 4. Hollywood.
Abstract
This thesis discusses the representation of the “money culture” of middle and upper
class in movies representing the two major crises that shook the Western economy:
the 1929 crisis (the Great Depression) and the 2008 crisis (the Bubble), viewed
through the lenses of two films: It’s a Wonderful Life (Frank Capra, 1946, USA) and
Wall Street II: Money Never Sleeps (Oliver Stone, 2010, USA).The methodology was
applied by means of theoretical research and review of such two movies related to
the money universe, particularly focusing on characters representative of middle and
upper classes, in their moments of despair caused by the lack of money, their moral
and ethical stance towards business and their behavior in the community around
them. The review revealed the "effort" attempted by these Hollywood movies
originating in the need to learn how to deal with money and the importance of
protecting oneself against financial market speculators. Through research and with
eyes gazing the money culture, it was noted that the American society, both in fiction
and real life, is not yet prepared as far as money is concerned.
Keywords
1. Representation. 2. Economic crises. 3. Movie review. 4. Hollywood.
Agradecimentos
A Deus, Senhor do universo, que é o Maior de todos;
Aos meus pais, Valdomiro de Bastos Pereira e Iromar de Oliveira Vilas-Bôas Pereira,
meu exemplo para a vida toda;
Ao Guibor, que apacentou meu coração e me ensinou a paciência;
À profa. Bernadette Lyra, que me acordou para essa jornada;
A todos os professores, colaboradores e colegas do Mestrado em Comunicação da
UAM que me ajudaram, com especial agradecimento para os professores Gelson
Santana e Rogério Ferraraz;
À amiga Celina Maria Silva de Castro Paiva pela amizade, doçura e motivação.
Aos professores Luiz Antônio Vadico e Vander Casaqui que abriram a minha mente;
Às pessoas especiais que me iluminaram, tranquilizaram e torceram por mim;
À Universidade Anhembi Morumbi que me proporcionou essa incursão maravilhosa
no universo da comunicação;
Por fim, à minha orientadora professora. Laura Loguercio Cánepa, a quem dedico
minha eterna gratidão, carinho, consideração e respeito.
Mestres, obrigado!
Lista de imagens
Fig.1 - Dorothea Lange e a Depressão Americana dos Anos 30.............. pág.15
Fig.2 - Família Joad em As vinhas da Ira.................................................. pág.16
Fig.3 - Deany (Natalie Wood) e Bud Stamper (Warren Beatty)…….......... pág.17
Fig.4 - Personagens Bud e Gekko em Wall Street: Poder e cobiça.......... pág.20
Fig. 5 - Personagens Mitch e Avery Tolar em A firma…………………...... pág.21
Fig. 6 - Personagem Ryan em Amor sem escalas.................................... pág.23
Fig.7 - Cartaz do filme A felicidade não se compra................................... pág.24
Fig.8 - Cooperativa de crédito imobiliário Bailey….…………….....………. pág.29
Fig.9 - Reunião da Cooperativa Bailey para tratar da sucessão
empresarial................................................................................................ pág.29
Fig.10 - George Bailey tentando acalmar o “estouro da manada”............. pág.31
Fig.11 - Cena inaugural de A felicidade não se compra ........................... pág.32
Fig.12 - George Bailey entra em casa e encontra família decorando
árvore de Natal.......................................................................................... pág.33
Fig.13 - Personagem Tio Billy com barbante no dedo............................... pág.34
Fig.14 - Mãos de Tio Billy, o financeiro da Cooperativa Bailey.................. pág.35
Fig.15 - Bailey, atendende de farmácia, e o painel da Coca-cola ao
fundo.......................................................................................................... pág.35
Fig.16 - Bailey, Tio Billy, empregado e a recepcionista/secretária............ pág.36
Fig.17 - Família americana Bailey............................................................. pág.38
Fig.18 - Personagem Clarence (Henry Travers)........................................ pág.39
Fig.19 - Cartaz de Wall Street II: O dinheiro nunca dorme........................ pág.41
Fig.20 - Cena mostrando aparelho celular dos anos 1987........................ pág.47
Fig.21 – Personagem Gekko em Wall Street II.......................................... pág.48
Fig.22 - Cena mostrando prédios compondo índice Dow Jones............... pág.50
Fig.23 - Cena mostrando personagem Zabel se suicidando..................... pág.52
Fig.24 - Cena mostrando socialites e suas joias....................................... pág.53
Fig.25 - Personagens Ma Joad (Jane Darwell) e Tom Joad (Henry
Fonda)........................................................................................................ pág.54
Fig.26 - Personagem Bud Fox (Charlie Sheen) e Gekko…………...……. pág.55
Fig.27 – Personagem Jake Moore (Shia LaBeouf)………………………... pág.56
Fig.28 - Cena em que Gekko palestra para universitários......................... pág.57
A narrativa, por Luis Fernando Veríssimo
Fizeram um filme sobre um dia na vida de um jovem financista, um dos mestres do universo,
que comanda seus negócios internacionais de dentro de uma limusine impermeável enquanto lá fora
o mundo — ou pelo menos Nova York — desmorona.
No filme há uma fala que define tanto o poder do jovem protagonista, que pode arruinar
nações inteiras com um toque no seu celular, quanto o caos que o cerca. “Toda riqueza se
transformou em riqueza apenas pela riqueza, e o dinheiro, tendo perdido sua qualidade de narrativa,
passou a só falar com ele mesmo.” Perfeito.
O dinheiro perdeu seu papel na grande narrativa do capitalismo que vem da acumulação
primitiva de capital e chegou à globalização, e hoje é apenas um interlocutor de si próprio. A narrativa
acabou, a riqueza se acumula entre poucos e beneficia ainda menos e o dinheiro, desobrigado de
fazer sentido e de seguir qualquer espécie de roteiro, só produz monstros como o jovem financista do
filme.
O capital financeiro dita a história econômica do mundo e inventou uma nova categoria
literária: o diálogo de um só.
Gostei de saber que um grupo de economistas de várias partes do mundo lançou um
manifesto criticando o que parecia ser uma quase unanimidade — as exceções eram Paul Krugman e
três ou quatro outros — a favor das medidas de austeridade e sacrifício de gastos sociais para
combater a atual crise econômica global provocada pelo capital financeiro.
O grupo reage à ortodoxia monetarista que faz a vítima pagar pelos desmandos do vilão e
tenta interromper o autodiálogo do dinheiro endossado por tantos economistas. Felizmente, não por
todos.
A grande narrativa do capitalismo foi excitante, enquanto durou. Revolucionou a vida humana
e, junto com suas barbaridades, fez coisas admiráveis. Tudo que era sólido se desmanchava no ar,
para ser recriado no ciclo seguinte. Mas nem Marx previu que seu fim seria este: no meio de um
mundo em decomposição, o dinheiro falando sozinho.
SUMÁRIO
1. Introdução.............................................................................................. pág. 9
2. Hollywood e as crises econômicas ...................................................... pág.13
2.1. A crise de 1929 no cinema............................................................. pág.13
2.2. A crise de 2008, seus antecedentes e o cinema........................... pág.19
3. Uma fábula sobre o dinheiro: A felicidade não se compra................... pág.24
3.1. Tema e sinopse.............................................................................. pág.25
3.2. Contextualização............................................................................ pág.27
3.3. Comentando o enredo e os elementos da narrativa...................... pág.28
3.4. Uma análise do protagonista......................................................... pág.36
3.5. Uma análise do mentor.................................................................. pág.38
4. A ambição e a Bolha: Wall Street 2...................................................... pág.41
4.1. Tema e sinopse.............................................................................. pág.41
4.2. Contextualização............................................................................ pág.43
4.3. Comentando o enredo e os elementos da narrativa...................... pág.47
4.4. Analisando o protagonista.............................................................. pág.56
4.5. Analisando o mentor...................................................................... pág.57
5. Considerações finais............................................................................ pág.61
6. Referências bibliográficas.................................................................... pág.66
9
1. Introdução
Faz tempo que, na condição de cidadão e homo economicus1, tenho interesse
pelo estudo do que Jameson (2001) chama de “cultura do dinheiro2" e da relação
que a sociedade ocidental, economicamente representada pelas expressões
“mercado” e “globalização”, teve com as crises econômicas, em particular as de
1929 e 2008.
Economistas e historiadores afirmam que essas duas crises abalaram o
mundo ocidental (delimitado nesta pesquisa no universo da sociedade norte-
americana) e mexeram com o dinheiro fazendo com que ele mudasse de mãos. As
crises de 1929 e 2008 colocaram em xeque certas teorias micro e macroeconômicas
e trouxeram sofrimento para os povos, na forma do desemprego, da fome para os
mais pobres e de toda espécie de humilhação que as famílias podiam sofrer pela
carência do dinheiro e dos postos de trabalho. Enquanto a Crise de 1929 se
concentrou mais nos povos das Américas, especialmente nos EUA, a Crise de 2008
teve um alcance bem maior em função da globalização da economia.
Em minha época de estudante das Ciências Econômicas, mais precisamente
da Política Econômica, aprendi com meus professores economistas que a cultura do
dinheiro é importante para a sociedade, e acreditando nessa teoria, como
pesquisador da comunicação, indago: a sociedade dedica esforço para essa
chamada cultura do dinheiro? Deveria o homem ocidental aprender a “lidar” com o
dinheiro?
Grandes nomes da Economia e da História falaram sobre o dinheiro e o
comportamento das pessoas no trato e na falta deste. É fato que o assunto, de
forma geral, agrada principalmente àqueles que gostam do dinheiro e de ter
dinheiro. No século XVI, Maquiavel (2007, p. 69), em O Príncipe, já dizia que “os
homens se esquecem mais facilmente da morte do pai do que da perda do
patrimônio”. Já Max Weber, no começo do século XX, em A ética do protestantismo
1 Homem econômico: racional, informado e centrado em si próprio. Tem a capacidade de decidir a
forma a atingir seus objetivos com relação ao dinheiro. (n.d.a.). 2 JAMESON (2001), em sua obra A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização, afirma que a
globalização trouxe conceitos tais como: sociedade de consumo, capital financeiro, pós-modernismo e cultura de massas, e para o entendimento dos fenômenos sociais, culturais e econômicos é preciso recorrer a um exercício de periodização do capitalismo e reconhecer seus diferentes estágios.
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e o espírito do capitalismo – no qual aborda o protestantismo, movimento que
contestou os dogmas e a organização da Igreja Católica, no século XVI – acerca de
mercado, afirma sobre os especuladores do século 19:
(...) tem havido especuladores das oportunidades de ganho monetário de todos os tipos. Este tipo de empreendedor, o aventureiro capitalista, existiu em toda parte. Suas atividades, à exceção do comércio e do crédito, assim como das transações bancárias, eram de caráter predominantemente irracional e especulativo, ou direcionado para a aquisição pela força, (...) tanto na guerra como na exploração fiscal contínua das pessoas a eles sujeitas. (WEBER, 2003.p.28)
Talvez, por isso, o autor tenha afirmado, na epígrafe do capítulo 4 (que para
alguns estudiosos, trata-se da síntese de seu livro) que a igreja católica deixou o
mosteiro e foi para o mercado da vida:
O ascetismo cristão, que de início se retirava do mundo para a solidão, já tinha regrado o mundo ao qual renunciara a partir do mosteiro e por meio da igreja. Mas no geral, tinha deixado intacto o caráter naturalmente espontâneo da vida laica no mundo. Agora avançava para o “mercado” da vida, fechando atrás de si a vida do mosteiro;... (Id Ibid, p.116)
O economista Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia no ano de 1998 e um
dos idealizadores do IDH (o índice criado pelas Nações Unidas, para comparar o
grau de desenvolvimento humano dos países) apresenta um homem que espera
uma porção de Justiça. A justiça a que o autor citado se refere tem uma abordagem
humanística e, a respeito dela, SILVA (2007) comenta:
Sen propõe [a respeito da teoria da justiça...], uma abordagem para o
problema da justiça calcada nos conceitos e funções ou funcionamentos e
capacitações (...). Seu critério para a avaliação e ordenamento de estados
de mundo diferentes utiliza o conceito de capacitações. Por terem acesso a
produtos, bens ou serviços, os agentes podem adquirir várias funções
mentais e físicas que podem promover uma melhoria em suas condições de
vida e no bem estar. (...) Centra o problema da justiça no acesso à renda e
bens, enquanto o utilitarismo se funda na busca, por parte dos agentes, de
prazer ou felicidade. (SILVA, 2007, p.173).
Ainda segundo Sen, o homem em sua história batalha com a dubiedade entre
o desejo de ser feliz e o de ter renda e dinheiro guardado no banco. Para complicar
ainda mais o dilema, esse dinheiro a ser guardado deve ser investido em imóveis,
em produção nacional ou agressivamente aplicado e especulado no mercado de
ações?
11
E as perguntas continuam: Qual a importância da cultura do dinheiro para a
sociedade das Américas e, especialmente, para o povo dos EUA? A sociedade
como um todo, inclua-se aí o planeta globalizado, tem consciência da cultura do
dinheiro?
Diante deste contexto, considero relevante examinar o trato dessas questões
em um dos principais produtos culturais de exportação dos EUA – o cinema –
buscando, em filmes de Hollywood, a forma como retratam as principais crises
econômicas dos últimos cem anos, que revelaram de maneira intensa a relação das
pessoas com o dinheiro e com a falta dele.
Para examinar a representação da crise de 1929 em Hollywood, optei pelo
filme A felicidade não se compra, dirigido por Frank Capra, em 1946. O motivo dessa
escolha deveu-se, sobretudo, ao caráter de fábula expressamente pretendido no
filme, o que reforça seu objetivo “pedagógico”. Também a fama que esse filme
preserva até os dias de hoje como um dos mais emblemáticos filmes “inspiracionais”
de Hollywood faz dele um exemplo importante para o tipo de análise que se
pretende aqui.
Já para refletir sobre a representação da crise de 2008, escolhi Wall Street II:
O dinheiro nunca dorme (2010), de Oliver Stone. Esse filme, por ser a continuação
de uma obra emblemática dos anos 1980, Wall Street – Poder e Cobiça (1987),
acaba por apresentar uma reflexão mais complexa sobre o mundo das finanças e da
ambição, em função da retomada de personagens que se tornaram símbolos do
capital especulativo, em particular o sedutor vilão Gordon Gekko, interpretado nas
duas ocasiões por Michael Douglas.
A partir da análise desses dois filmes, o trabalho tentará responder a algumas
questões: De maneira geral, como o cinema de Hollywood tem tratado as crises
econômicas? Como a crise de 1929 foi encarada como oportunidade de aprendizado
sobre os valores humanos no filme de Frank Capra? Como o cinema americano
mostrou o estouro da grande bolha de 2008, cujas consequências ainda podem ser
percebidas ao redor do mundo, e cujos responsáveis ainda não foram punidos?
Esses fatos marcantes tiveram e ainda têm muitas repercussões sociais,
históricas e econômicas, junto às diversas camadas sociais, sendo representados no
cinema americano, lugar de onde essas crises tiveram origem. Então, este trabalho
também tem a proposta de analisar, através de filmes emblemáticos, de que
maneira o cinema de Hollywood deu forma a ideias significativas como a da cultura
12
do dinheiro, procurando observar como vão sendo construídas as imagens, diálogos
e ideias de riqueza, felicidade, bem estar ou de crise. Para tanto, o caminho
percorrido compreendeu conversas com professores e pesquisadores, pesquisa
teórica, visualização de filmes ligados à questão econômico-financeira e análise de
alguns aspectos narrativos dos filmes em questão, buscando apontar a forma como
representam a cultura do dinheiro.
O trabalho está dividido em três capítulos.
No primeiro, Hollywood e as crises econômicas, procurou-se discutir o
problema da cultura do dinheiro e da representação das crises econômicas no
cinema de Hollywood, mencionando-se outros filmes importantes além dos que são
objetos de análise neste trabalho.
No segundo capítulo, Uma fábula sobre o dinheiro – A felicidade não se
compra, propõe-se análise do filme de Capra, buscando-se compreender como as
questões relativas à cultura do dinheiro e da reação às crises foram tratadas.
No terceiro capítulo, A ambição e a Bolha – Wall Street 2, analisa-se como a
crise de 2008 e seus agentes foram representados em Wall Street 2 – O dinheiro
nunca dorme.
Com isso, pretende-se realizar uma aproximação entre as discussões do
cinema e da teoria econômica, que poderá abrir espaço para outras análises, mais
amplas e/ou mais aprofundadas, em trabalhos posteriores.
13
2. Hollywood e as crises econômicas
O cinema pode levar a diversas experiências de reflexão sobre atitudes,
convenções e comportamentos, mesmo para os espectadores que, prazerosamente
e apaixonadamente, frequentam as sessões dos filmes que tratam de negócios. O
objeto desta pesquisa está centrado justamente nisso: em filmes que tratam do tema
dos negócios, e em particular da cultura do dinheiro, e foram feitos para o grande
público assistir nas salas de cinema. Eles também têm em comum o fato de tratarem
do tema das crises econômicas. Trata-se das obras A felicidade não se compra
(1946, EUA) de Frank Capra, que trata de eventos imediatamente anteriores à Crise
de 1929; e Wall Street II: o dinheiro nunca dorme (2010, EUA) de Oliver Stone, que
trata da crise econômica internacional de 2008.
Para introduzir a discussão desses filmes, será necessário contextualizá-los
no ambiente social, econômico e cinematográfico em que surgiram – que é o
objetivo deste capítulo.
2.1. A crise de 1929 no cinema
Durante longo período (do século XVIII ao início do século XX), o pensamento
econômico sobre o capitalismo seguiu o pensamento dos economistas clássicos,
dentre eles, Adam Smith3, que acreditava na “mão invisível” do mercado regulando
as relações econômicas nesse sistema. De acordo com Marco Antonio Vasconcellos
e Manuel Enriquez Garcia:
Adam Smith advogava a ideia de que todos os agentes
4, em sua busca de
lucrar o máximo, acabam promovendo o bem-estar de toda a comunidade. É como se uma “mão invisível orientasse todas as decisões da economia, sem necessidade da atuação do Estado”, ou seja, no não intervencionismo do Estado nos assuntos de ordem econômica e financeira. (VASCONCELLOS; GARCIA, 2008, p.18)
3 Adam Smith (1723-1790) foi considerado o precursor da moderna teoria econômica, colocada como
conjunto científico sistematizado, com um corpo teórico próprio. Smith era um renomado professor quando publicou sua obra A riqueza das nações, em 1776. O livro é um tratado muito abrangente sobre questões econômicas que vão desde as leis de mercado e aspectos monetários até a distribuição de rendimento da terra, concluindo com um conjunto de recomendações políticas. Seus argumentos baseavam-se na livre iniciativa, no laissez-faire. (VASCONCELLOS & GARCIA, 2008, p.19). 4Os indivíduos, famílias, empresas e governo. (n.d.a).
14
Segundo Bremmer, temos:
Os defensores do capitalismo puro insistem que se deve permitir que a “mão invisível” opere a sua mágica – e que qualquer esforço do governo no sentido de orientar suas ações pode acabar onerando os mercados e distorcendo o funcionamento natural destes. Outros alegam que os escritos de Smith sobre a moralidade e a empatia natural sugerem que o autor rejeitaria grande parte do dogma libertário justificado em seu nome. (BREMMER, 2011, p. 36).
No início do século XX, surgia uma nova teoria, a Keynesiana (de John
Maynard Keynes5), que via como fundamental para o bom funcionamento do
mercado a intervenção do Estado, com o seu poder de “regulador”. Durante a
trajetória desta pesquisa, pode-se afirmar que tanto Smith como Keynes foram
influentes tanto na compreensão da economia quanto nas políticas econômicas
implementadas pelos governos norte-americanos para lidar com suas crises.
De acordo com Cáceres, o capitalismo americano, após o término da Primeira
Guerra Mundial, ao contrário do capitalismo europeu, “trepidava ululante em meio a
uma agressividade típica dos campeões” (1949-p. 140). Fortemente enriquecidos,
enquanto as potências europeias lutavam para se recuperar, os Estados Unidos lhes
vendiam manufaturas de toda espécie e emprestavam dinheiro. O comércio
americano crescera muito no período da Guerra.
Mas, com a chegada da Grande Depressão em 1929, tudo mudou, levando a
intensos debates sobre o problema da especulação, da autorregulação do mercado
e da necessidade ou não da participação do Estado na proteção econômica dos
cidadãos. Seria apenas com o começo da II Guerra Mundial, em 1939, que os
Estados Unidos dariam um novo salto econômico em função das entradas de
dinheiro no país com a continuidade da comercialização de matéria-prima e
materiais bélicos para países em guerra.
Segundo Steven Jay Schneider, o cinema de Hollywood muito pouco se
manifestou com relação ao sofrimento e aos transtornos provocados pela Crise de
1929, na própria época. Para ele, “Hollywood, em sua grande maioria, deixou que
outras mídias, como o teatro, a literatura e a fotografia documentassem o desastre
nacional” (2008, p.162). De fato, é sabido que Hollywood, particularmente no período
5 John Maynard Keynes (1883-1946) ocupou a cátedra que havia sido de Alfred Mashall na
Universidade de Cambridge. Acadêmico respeitado, Keynes tinha também preocupações com as implicações práticas da teoria econômica. (VASCONCELLOS & GARCIA, 2008, p.23).
15
da Grande Depressão, optou por um tipo de entretenimento mais escapista,
priorizando os musicais alegres, os filmes policiais, os romances e os épicos.
Nesse contexto em que o cinema deixou, pelo menos em um primeiro
momento, o trabalho da representação histórica da crise para outras artes, algumas
obras importantes surgiram. Entre elas, a fotografia tornou-se uma das expressões
mais importantes, transformando-se em referência para os filmes sobre o tema feitos
na década seguinte. A foto clássica de Dorothea Langer (Figura 1, na página a
seguir), mostrando uma mãe imigrante e seus dois filhos numa situação de
desolação, mostra uma situação típica dos retirantes que seriam representados,
posteriormente, no filme As vinhas da ira (The Grapes of Wrath, 1940, EUA), de
John Ford (Figura 2, na página a seguir), um dos maiores clássicos do cinema
hollywoodiano em torno do trauma da depressão econômica, inspirado no livro
homônimo lançado no ano anterior, 1939, por John Steinbeck, que receberia o
Prêmio Nobel de Literatura por esta obra, em 1962.
.
Figura 1: Dorothea Lange e a Grande Depressão Americana dos Anos 30.
16
Figura 2: Família Joad em As vinhas da Ira (John Ford, 1939).
Sabemos que esse período importante na história do povo americano, causa
estranhamento e ao mesmo tempo fascínio, e, conforme cita Bernard Gazier, “a
penúria absurda explica sem dúvida o fato de ainda termos por esse período
verdadeira obsessão, consciente ou inconsciente.” (2009, p.7).
Ainda, conforme Schneider, “o feito histórico e corajoso de Darryl Zanuck [um
dos mais importantes produtores de Hollywood nos anos 1930/40], comprando os
direitos da obra de John Steinbech para a 20th Century Fox [que produziu o filme de
Ford], mesmo que contrário a controladores conservadores daquele estúdio” (2008,
p.162), foi de grande valia para a documentação histórica, econômica e social do
povo americano daquela época, facilitando a compreensão de gerações futuras
acerca do flagelo vivido por aquela gente.
Como observa Cáceres, essa crise viera mudar a economia e o modo de vida
americanos, que assim podia ser descrito no momento imediatamente anterior ao
crash da Bolsa que deflagraria a Crise de 1929, encerrada definitivamente apenas
com a eclosão da Segunda Guerra Mundial:
[No final dos anos 1920] Era a época da abundância sem fim que havia chegado. Todos os estados estavam ligados por ferrovias e vias aéreas, milhões de automóveis estavam em circulação, dezenas de grandes cidades possuíam arranha-céus, 17 milhões de residências estavam ligadas à rede elétrica. Isso contagiou o americano comum. A riqueza parecia estar a espera de todos. Milhões de americanos especulavam na Bolsa de Valores e investiam acima de suas posses, pagando em prestações. Arriscavam as economias de toda uma vida e chegavam a hipotecar a própria casa para especular e aumentar o seu capital. Balconistas e
17
lavadeiras, depois de ganhar dinheiro especulando na Bolsa, compravam casacos de pele e iam para o trabalho em seu próprio automóvel. (CÁCERES, 1949, p.141)
No filme Clamor do sexo (Splendor in the Grass, 1961, EUA), de Elia Kazan,
por exemplo, há a representação em retrospecto desse período da economia
americana aquecida e especulativa. Numa cena importante que se passa durante
uma missa, a câmera, após exibir a torre da igreja e a chuva (símbolo universal da
fertilidade e prosperidade), foca o padre no seu sermão dominical, que diz: - “Sim. É
um tempo de prosperidade para todos nós”.
Já na cena em que os pais da protagonista Wilma Dean Loomis (Natalie
Wood), típicos representante da classe média americana da época, conversam e
acompanham a alta dos papéis na Bolsa de New York pelo rádio e sonham com o
retorno do montante de U$ 15.000, uma quantia que para o casal representa um mar
de oportunidades; inclusive, a possibilidade de enviar a filha para cursar a faculdade
no próximo ano, possibilidade essa restrita naquela época somente às famílias mais
abastadas, como era o caso da família de Bud Stamper (Warren Beatty), seu par
romântico.
Figura 3: Deany (Natalie Wood) e Bud Stamper (Warren Beatty).
18
No mesmo filme, na cena do réveillon de 1929, no salão de festa da cidade,
todos estão reunidos com tudo girando em torno dos Stamper’s. Comemoração,
clima de festa. A câmera dá um close em uma bexiga rosa com a inscrição ‘28 e
todos no salão contam: - “1, 2, 3...”, a bexiga estoura; e, numa panorâmica, essa
mesma câmera mostra uma torre de petróleo em miniatura que jorra champagne e o
diretor Elia Kazan mostra para o espectador: tempo de fartura, prosperidade e
dinheiro.
Embora o filme não discuta apenas a questão da crise econômica, estando
também interessado em representar a cruel repressão sexual sofrida pelo casal em
função das rígidas regras comportamentais da época, O Clamor do Sexo também
exibe as consequências da crise de 1929 para cada uma das famílias. O filme
representa a crise econômica de 1929 sob a ótica da classe média, tipicamente
americana e metropolitana, representada por intermédio da família de Wilma Deany
Loomy, e a classe alta, representada através da família de Bud Stamper. A família
de classe média, representada por um casal de comerciantes e sua filha única, é um
exemplo importante do perfil “arrojado” do investidor da classe média americana
daquela época que apostava todas suas economias em “ações” e a família de classe
alta, representada por um investidor do ramo petrolífero, empresário arrogante e
autoritário, pai “castrador” que começa a fazer “encanto” para as grandes
companhias orientais, representando assim, desde aquela época, uma sombra do
“mercado capitalista globalizado”.
Enfim, o cinema de Hollywood representou a Grande Depressão de 1929 sob
várias óticas do cenário econômico e sob o olhar dos diretores acerca daquele
período, sem desconsiderar a influência do cenário econômico da época em que os
filmes foram produzidos. É comum entre todos os filmes o sofrimento que uma crise
econômica causa nos agentes econômicos. Em As vinhas da ira (The Grapes of
Wrath, 1940, EUA), realizado mais de dez anos após a crise, quem padece são os
personagens meeiros representados pela família rural Joad, agricultores com suas
terras hipotecadas, que são obrigados a migrar para a cidade grande juntamente
com milhares de outras famílias, sem ter confirmadas suas esperanças de uma vida
melhor.
Se o filme de Kazan trazia, sobretudo, uma crítica geral às normas da
sociedade da época, o filme de Ford tinha uma crítica social mais incisiva, discutindo
19
claramente os problemas da distribuição de renda e da cidadania (ou da falta dela)
através do acesso (ou não) à sobrevivência e aos bens de consumo.
Já em A felicidade não se compra, tem-se a representação da classe média
urbana, a classe das donas de casa, dos trabalhadores das indústrias que já
sonham com a “casa própria”. O filme, como veremos mais adiante, retoma de
maneira fantasiosa fatos dramáticos que remetem facilmente à crise, mas destaca a
capacidade de superação das comunidades através da solidariedade.
2.2. A crise de 2008, seus antecedentes e o cinema
Com a vitória em 1945 na II Guerra Mundial e a ajuda financeira a vários
países, os EUA conheceram, entre 1950 a 1990, a continuidade no processo
industrial com a consolidação das grandes corporações e o poderio econômico-
militar ajudado pela chamada Guerra Fria.
Nos anos 1980, Ronald Reagan, ex-ator de Hollywood e filiado ao Partido
Republicano, foi eleito e reeleito Presidente dos Estados Unidos (em dois mandatos
que, em conjunto, foram de 20/01/1981 a 20/01/1989) e estabeleceu um marco na
administração do capital financeiro do planeta, promovendo junto com Margareth
Thatcher, primeira-ministra britânica por onze anos (de 04/05/1979 a 22/11/1990),
uma política neoliberal de inspiração clássica (ou seja, que pregava a liberdade total
do mercado) caracterizada, entre outras coisas, pela financeirização da economia,
fenômeno do campo macroeconômico que tem como principal característica a
apropriação dos ativos da economia pelo mercado financeiro.
No campo macroeconômico e na boca dos capitalistas, a expressão
“alavancagem financeira” era constante: o dinheiro gerando dinheiro, auge do
capitalismo, um cenário em que os mais ricos ficavam cada vez mais ricos. Para a
juventude dessa época, recém-saída das universidades, a possibilidade de
ascensão social e a conquista de um cargo de destaque no cenário corporativo,
promovendo a melhora do padrão de vida e consumo, possibilitando residir em
apartamento ou flat situado em bairros sofisticados e a busca incessante de
prestígio tornam-se constantes. Surge, então, a figura do yuppie – YUP (Young
urban professional), representado nos filmes Negócio arriscado (Paul Brickman,
1983, EUA), Wall Street: poder e cobiça (Oliver Stone, 1987, EUA), O Segredo do
meu sucesso (Herbert Ross, 1987, EUA) e Psicopata Americano (Mary Harron,
2000, EUA).
20
No filme Wall Street: Poder e cobiça (1987, EUA), de Oliver Stone, a
representação desse processo aconteceu de maneira emblemática através do
personagem Bud, interpretado pelo ator Charlie Sheen, jovem ambicioso que sonha
em conhecer o seu ídolo do mundo dos negócios: o personagem Gekko,
interpretado pelo ator Michael Douglas, no filme (Figura 4).
Figura 4: Personagens Bud e Gekko em Wall Street: Poder e cobiça (Oliver Stone, 1987).
Bud queria status e ascensão social a qualquer preço e para tanto furava
cercos, facilitava o vazamento de informações, corria atrás do dinheiro, até que se
dá mal e vê um fim para essa ganância sequiosa. Nesse momento, Hollywood
mostra para a sociedade que a ascensão meteórica tem sempre um preço. Nesse
mesmo filme, Oliver Stone, crítico do capitalismo e filho de um operador da Bolsa de
Valores de Nova York, nos apresenta o mentor de Bud, Gekko, um milionário
ganancioso e frio, típica representação de grande parte dos executivos daquela
época, que contratavam novos talentos num piscar de olhos, ofereciam fortunas,
sonhos e depois trituravam, pisavam, demitiam sem maiores preocupações e
escrúpulos.
A partir de 1990, com a queda da URSS e o fim da Guerra Fria, dá-se a
completude do que se entende por globalização do planeta, o desenvolvimento
21
rápido da tecnologia da informação, a aceleração de mudanças, o tempo das
incertezas. Neste trabalho, é possível perceber que o cinema de Hollywood
gradativamente acompanha a história econômica através de alguns filmes:
Em A firma (The Firm, Sidney Pollack, 1993), é trazido às telas o
questionamento acerca do que está presente: a universidade renomada, o poder, a
corrupção, lavagem de dinheiro, fraude e o código de ética (Figura 5).
Figura 5: Personagens Mitch (Tom Cruise) e Avery Tolar (Gene Hackman) em A firma (Sidney Pollack, 1993).
O personagem Mitch, um jovem advogado recém-formado (interpretado pelo
ator Tom Cruise), encantado com uma excelente proposta que empacotava um alto
salário, um carro de luxo, uma casa confortável e a possibilidade de crescimento
profissional, vai trabalhar para uma firma (um escritório de advocacia) de Memphis e
de maneira rápida e precisa percebe a enrascada em que se meteu. A firma está
envolvida com lavagem de dinheiro e todos os advogados que descobrem são
misteriosamente mortos. Mitch, fruto de uma grande instituição de ensino, consegue
se desvencilhar da trama, mesmo estando frente ao código de ética dos advogados
que diz que o cliente deve contar com o sigilo do advogado, e num desempenho
interessante, consegue provar que o lado ético da vida é o que vale e que a paz é a
grande riqueza da pessoa humana.
22
Os tempos são de crescimento econômico, a sociedade traz à tona o
questionamento do comportamento ético profissional e, mais uma vez, Hollywood
está presente nessa construção. No mundo corporativo, grandes empresas passam
a levantar a bandeira ao valorizar “de forma mais evidente” o capital humano e
intelectual. O planeta aponta para o profissional que, além do conhecimento
empírico e científico, traz em sua alma uma bagagem holística e espiritual para
sobreviver nesses novos tempos, marco de individualidade e solidão. Segundo o
professor Gelson Santana6 (Mestrado em Comunicação/UAM/2010_2) “tem-se que o
homem nunca esteve tão só”. Mas, o mundo dos negócios, palco da atuação do
capitalismo, cobra cada vez mais e mais.
E o mercado paga, pois ele faz dinheiro com muita facilidade. Mas, será que
dinheiro paga tudo? No filme Clube da luta (David Fincher, 1999, EUA)7, o
personagem Jack, vivido pelo ator Edward Norton, é o narrador do filme que
entediado pela vida que leva trancafiado em um escritório, passa a buscar apoio em
Grupos de ajuda na tentativa de sentir algo. Talvez seja Jack, um destes
personagens representativos do homem pós-moderno a que SANTANA se refere:
uma solidão brutal, violenta. O mercado corporativo, fruto do domínio do dinheiro,
tem relação direta com essa violência.
Em 2006, o cinema de Hollywood acompanhando: (1) a onda da
desregulação dos mercados americano, europeu e asiático, com exceção para a
economia emergente dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) (2) o deslocamento
desordenado do dinheiro no fluxo circular da renda, (3) o empobrecimento e
enriquecimento rápidos de muitos, (4) e a criação de nichos de mercado.
Por intermédio do filme O Diabo veste Prada (David Frankel, 2006, EUA) tem-
se uma representação do mercado de luxo, segmento que se expandiu por todo o
planeta, principalmente, para os países do BRIC, novos portos para onde o dinheiro
começava a escorrer. Paralelamente, o filme apresenta a jovem recém-formada,
Andy Sachs (Anne Hathaway) com mil sonhos que tem a possibilidade de ser
assistente de uma famosa editora de Nova York e abre mão de um guarda roupa
invejável, repleto de Prada, Gucci, Miumiu, Chanel, além do emprego, o posto-alvo
6 Tema discutido em sala de aula na disciplina Conceitos culturais do pop nos meios de comunicação
massivos, Prof. Dr. Gelson Santana, do Programa de Mestrado em Comunicação da UAM, São Paulo, novembro/2010. 7 Para saber mais veja Cinema e filosofia uma interlocução possível – a ética, a cultura organizacional
e a estética da violência nos filmes Clube da Luta e Tropa de Elite. PIVA, Celina M. S. de Castro. Dissertação de mestrado em comunicação. UAM, 2009.
23
de desejo de muitas jovens recém-saídas de uma universidade, por sua liberdade e
pela sobrevivência do seu próprio “eu”. Será que o homem também começa a entrar
em crise?
Já em Amor sem escalas (Jason Reitman, 2009), Ryan, representado pelo
ator George Clooney, senhor de meia-idade que demite pessoas em consequência
das agruras da Crise de 2008, conhecida como a “bolha do mercado imobiliário”,
vive de aeroporto em aeroporto, encena traços de objetividade e atesta isso como
ninguém, quando arruma a sua mala de viagem. Esse executivo nômade é solitário
e continua buscando um sentido para a vida, pois ele pensa nas pessoas e ele
pensa no futuro (Figura 6).
Figura 6: Personagem Ryan em Amor sem escalas (Jason Reitman, 2009).
A crise de 2008 trouxe à tona, novamente, aquele pensamento conhecido
pela sociedade americana após a crise de 1929: até que ponto o homem pode ficar
à margem do controle de suas atividades especulativas no mundo dos negócios?
Em Wall Street II: o dinheiro nunca dorme (2010), com o retorno de Gekko (Michael
Douglas), a “velha raposa” do universo financeiro, faremos uma análise do papel
desses ambiciosos capitalistas do mercado globalizado que através da omissão e
manipulação de informações e atuando como se fossem mágicos, criam “bolhas” e
queimam “fortunas” que, economicamente, nunca existiram.
24
3. Uma fábula sobre o dinheiro: A felicidade não se compra
Figura 7: Cartaz do filme A felicidade não se compra
Desde o começo das grandes civilizações, o homem utilizava-se de permutas
para conseguir bens e produtos que iriam ao encontro da satisfação de suas
necessidades e desejos. A troca baseava-se no interesse de uma pessoa pelo
oferecido pela outra. Com o desenvolvimento das civilizações foi criada a moeda
para funcionar como um sistema igualitário na hora da troca. Com o passar dos
anos, vimos que muitas pessoas souberam como ninguem acumular este papel tão
valioso, assim como articular negociações ao melhor estilo mercantilista. Em data
mais recente, assistimos como agentes ativos do sistema financeiro, o papel-moeda
cada vez mais ficava representativo, a própria idéia de moeda cada vez mais se
25
distanciando daquilo que os economistas chamam “lastro” e o dinheiro cada vez
mais desmaterializado.
Neste capítulo, será feita a análise fílmica de A felicidade não se compra
(Frank Capra, 1946, EUA), filme militante que aborda o universo do mundo dos
negócios, a ambição desmedida do ser humano, o reflexo que a falta de regulaçao
no mercado financeiro gera e a cultura do dinheiro, acompanhando o
comportamento, as interfaces e as manobras pela posse do dinheiro. Neste filme, o
espectador se depara com assuntos ligados à generosidade do ser humano,
redenção e esse mesmo ser humano mostrando o seu lado frágil, terreno associado
à sua capacidade de amar e de ajudar.
Para que esta análise produza bons resultados, comungarei das idéias de
Bernadette Lyra (Papéis avulsos 1 2010/2)8 acerca do que ela entende por análise
filmica:
Assim, já se pode pensar que a chamada análise fílmica é um território muito amplo, bastante multifacetado. Não pode ter uma única regra científica sobre ela. A análise de filmes vai depender do ponto de vista empregado pelo pesquisador e da teoria (ou teorias) de que o pesquisador estiver fazendo uso. Penso que a única coisa que une a análise fílmica é o termo análise. (Papéis avulsos 1 2010/2 - UAM/Mestrado em comunicação)
Inspirado em LYRA (2010), farei a análise de A felicidade não se compra
tendo como referencial a crise econômica de 1929, que abalarou o planeta e causou
grandes transtornos e sofrimentos à vida das pessoas, especialmente nos Estados
Unidos. Com isso, farei uma leitura dos valores morais, éticos e afetivos e dos
elementos fílmicos que figuram na narrativa do filme.
3.1. Tema e sinopse
George Bailey (James Stewart) é um homem que nunca quis seguir a
benevolente carreira de banqueiro do seu pai. Jovem sonhador e dotado de espírito
de aventura, ele queria sair para conhecer o mundo e seus segredos. Mas, como era
um ser humano que colocava os problemas e questões de todos de sua família e
comunidade à frente de seus ideais, ele acaba não conseguindo realizar o seu
desejo de sair de sua cidadezinha Bedford Falls e conquistar o mundo. Com a morte
do pai, acaba por se envolver no processo de sucessão dos negócios da família e
8 Texto discutido em sala de aula na disciplina Metodologias de Análises em Imagem e Som,
Profa. Dra. Maria Bernadette Cunha de Lyra, do Programa de Mestrado em Comunicação da UAM, São Paulo, agosto/2010.
26
assume o cargo de gestor responsável pela Cooperativa de Crédito Imobiliário
Bailey. Mas, com a crise de 1929 a empresa passa por dificuldades financeiras e
George Bailey atormentado, vê como última saída se suicidar pulando em um rio
congelado numa noite fria de Natal. E aí, ele recebe uma mãozinha lá de cima.
Em A felicidade não se compra, George Bailey, logo na cena inicial, está
prestes a cometer suicídio, pulando de uma ponte sobre um rio, motivado pela Crise
de 1929, associada ao fato de seu tio Billy ter deixado no balcão do banco do Sr.
Potter (banqueiro malvado, interpretado por Lionel Barrymore) um envelope com U$
8,000.00 (oito mil dólares).
Morador da pacata cidade fictícia chamada Bedford Falls, em Connecticut, em
flashback, George Bailey é apresentado como o garoto generoso que, durante uma
brincadeira de escorregar na neve, salva a vida do irmão mais novo, Harry Bailey,
que não sabendo nadar cai no rio e começa a afogar. Trabalhando na farmácia de
manipulação de Emil Gower (H. B. Warner), impede que uma cliente receba uma
caixa com cápsulas envenenada que, ora antes, foram manipuladas pelo
farmacêutico (Sr. Gower) que aturdido pela notícia de morte do filho Robert,
enganosamente colocara veneno na fórmula. Ao longo do filme, George Bailey,
deixa claro para o espectador a lisura de seu caráter. Seja, também, auxiliando
financeiramente a amiga de infância, Violett Bick (Gloria Grahame), ou na cena em
que a diretoria da Cooperativa Bailey discute acerca da decisão de conceder um
empréstimo de U$ 5,000.00 para um taxista. George diz: - Sabe quanto tempo leva
para um trabalhador arrumar U$ 5,000.00?
Mas, como já mencionado, a vida de George Bailey muda da água para o
vinho com a crise de 1929. Aquele pai amoroso passa a ser um homem irritado,
impaciente com os filhos, deixando sua esposa Mary Hatch (Donna Reed)
entristecida por ver o marido naquela situação de agonia. E aconteceu a George o
mesmo que aconteceu a outros homens que já se desesperaram pela falta do
dinheiro e tentaram cometer suicídio. E aí, todo o universo conspira em prol da vida
de George e o anjo Clarence (Henry Travers), que espera há 220 anos para ganhar
“asas”, entra na história de forma estratégica. Como ele sabia que George estava
prestes a pular da ponte, resolveu pular antes dele, e começar a gritar por socorro. E
a bondade, sempre presente no coração de George, faz com que ele desista logo de
sua ideia e vá ao socorro daquela pessoa, Clarence, que acena do rio pedindo
ajuda. Após George ter salvado a vida de Clarence, conversam e o anjo diz que
27
veio pra lhe ajudar e começa a mostrar para George, em flashback, como seria ruim
e desinteressante a historia de vida das pessoas de Bedford Falls, se ele não tivesse
nascido.
Quase no final do filme, George Bailey volta para sua casa e encontra sua
família unida, feliz e esperando por ele de braços abertos. É noite de Natal! Na tela
do cinema, dentro de um céu estrelado que anuncia a presença de Deus, uma
estrelinha pisca, avisando que mais um anjo ganhou sua asa pelo próprio
merecimento e que George Bailey venceu a Crise, pois, nenhum homem é um
fracasso quando tem amigos, da terra e dos céus. Há um questionamento sobre o
que é o sucesso e a importância dada ao homem médio.
3.2. Contextualização
Segundo Anne Gillain (1988), o cineasta francês François Truffaut, também
roteirista, produtor e ator francês, afirmava que com o término da II Guerra Mundial,
“a vida social das pessoas ficara endurecida e o egoísmo e a obstinação dos
milionários com a convicção de que levariam com eles os bens materiais, tornaram
seus milagres mais previsíveis”. (GILLAIN, 1988, p.27). Dizia ainda, Truffaut: “Capra,
em meio à descrença humana, à angústia causada pela falta de dinheiro e à luta
árdua do dia a dia foi uma espécie de curandeiro” (GILLAIN, 1988, p. 28), um
“médico de almas” para a sociedade americana. Por isso, pode-se classificar A
felicidade não se compra9 como “um filme inspiracional”, um filme de extrema
importância para o acervo do cinema de Hollywood, um filme que aposta numa
fórmula: falar das coisas do coração, dos bons sentimentos e do amor ao próximo.
O sucesso foi tão grande que o ator James Stewart gravou uma versão do
seu famoso personagem George Bailey para a rádio NBC Radio Theater, em 1949.
A escolha de James Stewart para o papel do protagonista foi um tanto quanto
estratégica. O ator, que, inicialmente, chegou a recusar o papel por motivo dos
traumas sofridos pela sua participação como piloto na II Guerra, era a “laranja” da
vez: Stewart voltava da guerra, tinha uma figura máscula, viril e era condecorado10.
9A felicidade não se compra era um dos filmes favoritos de Capra e Stewart, e “ambos expressaram
profundo descontentamento quando ele se tornou vítima precoce da febre da colorização” (SCHENEIDER, 2008, p.222).
10
George Marshall, em junho de 1945, condecorou James Stewart com a medalha por “serviços notáveis” pela resposta positiva dos documentários que produziu para os soldados da II Guerra.
28
A arte representando a vida, e nela o homem americano do pós-guerra. Após sua
participação no filme de Capra, o ator James Stewart foi mais uma vez condecorado
com medalhas e com a patente de coronel.
3.3. Comentando o enredo e os elementos estilísticos
A câmera de A felicidade não se compra, já na abertura, anuncia ao
espectador a temporalidade da diegese fílmica: o Natal. Em contra-plongée, um sino
de uma igreja toma conta da tela e três badaladas anunciam a importância do tempo
festivo. Na sequencia, um zoom foca os cartões natalinos em que os créditos do
filme vão sendo apresentados um a um.
Em seguida, um close em uma placa, localiza o espectador: “you are now in
Bedford Falls”. Neste mesmo enquadramento da câmera, logo mais atrás, é possível
ler, em outro, cartaz: “welcome home Harry Bailey”, fazendo referência a Harry
Bailey (interpretado pelo ator Todd Karns), irmão do protagonista George Bailey
(interpretado pelo ator James Stewart), que está de volta à cidade após ter saído
para cursar a faculdade, como era o costume com os rapazes daquela pequena
cidade. E, em meio aos flocos, de neve que caem na calada da noite, o espectador
ouve pedidos a Deus, Pai celestial, para que interceda pela George Bailey:
- “Ajude-o senhor”.
- “Jesus, Maria e José ajudem o meu amigo Sr. Bailey”.
- “Ele nunca pensa em si mesmo, por isso, está com problemas”.
- “O George é um homem bom”.
- “Dê-lhe uma chance, Senhor”.
E a voz de uma criança [a filha de Bailey], suplica:
- “Por favor, Deus, tem alguma coisa errada com o papai. Por favor, Deus,
traga o papai de volta”.
George Bailey, um idealista convicto, é um homem com grandes ideias que
acaba sacrificando seus sonhos em prol da família e dos moradores da fictícia
cidade de Bedford Falls. Menino criado naquela cidadezinha, desde pequeno mostra
os traços de sua personalidade: dócil, amigo e responsável. Filho mais velho de uma
29
família americana de classe média, com a morte do pai, acaba assumindo os
negócios da Cooperativa de Crédito Imobiliário Bailey. Mas, os tempos eram difíceis,
época da Grande Depressão, crise econômica de 1929 que assolou a economia
americana e, principalmente, as classes de média e baixa renda.
Figura 8: Cooperativa de crédito imobiliário Bailey
Figura 9: Reunião da Cooperativa Bailey para tratar da sucessão empresarial.
Em A felicidade não se compra, o diretor Frank Capra deixa bem claro para o
espectador a dimensão temporal e econômica a que os personagens envolvidos na
30
trama estão atrelados. Na cena em que George Bailey conversa com tio Billy
(Thomas Mitchell), afirma: “A cidade enlouqueceu”, fazendo menção ao desespero
das pessoas em função da crise econômica que assolava aquele país. Na
sequência, um telefone toca. Em plano geral, do outro lado, a câmera mostra o
banqueiro frio, malvado, ganancioso, representação típica do capitalista
inescrupuloso: Sr. Potter (interpretado pelo ator Lionel Barrymore), que, rodeado de
assessores em um bonito escritório, através do telefone, diz a George: “George, há
rumores na cidade que você fechou as portas. Isto é verdade? Olha, eu fico muito
feliz com isso”. Na sequência, Sr. Potter, em tom de ironia, dirige seu recado a
George: “George, eu estou fazendo tudo que posso para ajudar vocês nesta crise.
Diga ao seu pessoal [referindo-se aos mutuários da cooperativa gerenciada por
George] para trazerem suas ações. Pagarei 50 centavos por cada dólar”.
George Bailey, colocando em xeque a conduta ética e o tipo de pessoa que é
o banqueiro Sr. Potter, contra-ataca: “Quer sempre lucrar, não é”? E a câmera, em
plano médio, mostra um letreiro com os dizeres “own your own home” fazendo
alusão ao negócio da cooperativa: a concessão de crédito imobiliário para quem
sonha em ter a casa própria e não tem liquidez financeira para tal.
Na cena subsequente, em plano médio, os clientes em alvoroço e assustados
vão tomando conta da recepção da Cooperativa Bailey. Falando alto e gesticulando,
deixam claro para o espectador sua preocupação e agonia com o que pode ter
acontecido, em decorrência da crise econômica, com o dinheiro que eles mantinham
em depósito na cooperativa rendendo juros; dinheiro esse que, na contrapartida, era
muito bem empregado ao ser emprestado para outros clientes que com a concessão
do crédito construíam as suas casas próprias.
Nessa cena, a movimentação faz lembrança a um termo típico do mercado
financeiro e econômico: o “estouro da manada” – atitude típica de investidores
primários que, ao toque de um aviso de “recessão” ou “crise econômica”, correm
para o seu banco depositário com a intenção de sacar cada centavo do dinheiro que
ali depositaram na ânsia de alavancar o capital – e, com isso, acabam precipitando a
crise. Pressionando George Bailey, um deles diz: “Vou levar todo o meu dinheiro”.
George Bailey, em tom de voz brando e firme, como um grande homem de
negócios, conversa com eles: “O dinheiro não está aqui, está na casa dos Kennedy,
da Sra. Maitland e cem outras. Vocês lhes emprestam e eles devolvem assim que
puderem”. Ainda, fazendo alusão ao banqueiro Potter, diz: “O Potter controla o
31
banco, a linha de ônibus, as lojas de departamento e está atrás de nós. Por quê?
Porque interferimos nos seus negócios. Ele quer que vocês morem em cortiços
pagando aluguel a ele”.
Figura 10: George Bailey tentando acalmar o “estouro da manada”.
A cena acima descrita é de suma importância para a completude deste
trabalho. Quando George Bailey diz que “o dinheiro não está aqui, está na casa dos
Kennedy, da Sra. Maitland e cem outras” é possível verificar a diferença de universo
entre Bedford Falls e Wall Street. Em A felicidade não se compra, a crise se passa
em uma cidade interiorana onde a quantia módica de U$ 8.000,00 é capaz de
desestruturar uma Cooperativa de crédito, muito diferente de U$ 700 bilhões de
dólares, a quantia pleiteada pelos banqueiros de Wall Street junto ao Tesouro
americano em 2008.
Em A felicidade não se compra, o dinheiro era comprovadamente
materializado, e o banqueiro sabia com precisão onde se encontrava cada centavo.
Opostamente, em Wall Street II: o dinheiro nunca dorme, será perceptível para o
espectador que o dinheiro passou por um processo de “desmaterialização”. Após o
movimento de desregulação financeira dos mercados, advinda da globalização
imperialista, e com o desenvolvimento acelerado do parque tecnológico, o dinheiro
virtualizou-se.
Em A felicidade não se compra, o espectador assiste a um duplo festival de
boa vontade, camaradagem, casais felizes, filhos lindos. A bravura do personagem
George Bailey no papel do gestor de pessoas e homem de negócios, pai amoroso,
32
marido fiel, conterrâneo inserido no contexto social da comunidade em que vive,
homem religioso e assumidamente do bem, transporta a plateia para um mundo
ideal. É impossível um espectador não se deixar envolver pela doçura do filme e
pela leveza das tomadas de câmera.
Isso até o momento-chave do suicídio de George Bailey, na cena em que
Clarence pula no rio e o espectador ainda não sabe o desfecho: se ele caiu por
descuido ou por alguém que o empurrou. Acontece que Bailey, totalmente
desorientado, ameaçava pular no rio congelado daquele inverno de 1928, e por fim à
sua vida. Mas, inesperadamente, uma “pessoa” pula em sua frente e começa a gritar
por socorro, propositadamente, porque essa pessoa era um anjo enviado por Deus
para proteger a vida do homem que minutos antes, ameaçava se jogar. Esse anjo
conhecia ao pé da letra o coração de seu protegido. Mas tanto, que soube que
pulando antes faria com que George Bailey desistisse do suicídio e, ao contrário de
por fim à vida, lutasse para continuar a vida do “desconhecido”. Nesse momento, o
filme mostra que vale a pena ser uma pessoa do bem, pois, contamos com a
proteção divina. Deus está sempre conosco! Até nos momentos de crise financeira,
como era o caso de George Bailey.
Figura 11: Cena inaugural de A felicidade não se compra (Frank Capra, 1946).
33
A cena inicial de A felicidade não se compra com as badaladas do sino da
Igreja de Bedford Falls anunciando a véspera de Natal do ano de 1928, leva o
espectador a pensar numa certa vocação católica para o filme. Se considerarmos a
origem do diretor Frank Capra, a Sicilia, região da Itália, o berço do catolicismo, e
que seus pais eram católicos, conforme cita LEPIANE (1990, p. 8), essa suposta
vocação cresce.
Durante as várias sessões de visualização fílmica, a atenção foi redobrada
em elementos presentes na película que pudessem de fato classificar o filme como
um “típico filme católico”, mas, em todos os cenários, seja no escritório da
Cooperativa Bailey ou no escritório do banqueiro Potter, na residência dos pais de
George Bailey, na parte em que o filme em flashback mostra a vida do protagonista
como criança e depois como adolescente e no casarão antigo em que George e
Mary edificaram o seu matrimônio e construíram a sua família, não foi encontrado
qualquer símbolo ou elemento que possa pudesse confirmar de fato a vocação
católica em A felicidade não se compra. A clareza de concepção que se tem é que a
mensagem proferida por Capra é fundamentada em valores cristãos e sendo a
sociedade americana daquela época, 1946, tempo de produção do filme ou 1929,
tempo da diegese fílmica, majoritariamente protestantes advindos de Lutero e
Calvino, permanece esse ponto de interrogação.
Figura 12: George Bailey entra em casa e encontra família decorando arvore de natal.
34
O filme, além de Bailey, apresenta personagens marcantes, assim como o Tio
Billy (Thomas Mitchell), o encarregado financeiro da Cooperativa Bailey. Ele é um
tanto quanto esquecido que para lembrar-se dos compromissos da agenda do dia,
recorre à ação de amarrar fiapos de um barbante nos dedos das mãos. Mas, como
além de esquecido, Tio Billy é, também, um pouco atrapalhado, ele, passado algum
tempo, acaba esquecendo o “porquê” daquele barbante. Nessa parte, chamamos a
atenção para a construção de Frank Capra do personagem que representa o modus
operandi de um gestor financeiro daquela época em que não havia
microcomputadores, planilhas de Excel, celulares, internet e emails, agendas
eletrônicas e o dinheiro desmaterializado dos tempos atuais, mas, certeiramente:
papel moeda, cadernetas de anotações, lápis pendurado atrás da orelha, máquinas
de datilografia, telegramas, tempo de sobra e provavelmente, mais qualidade de
vida.
Figura 13 – Personagem Tio Billy com barbante no dedo.
35
Figura 14: Mãos de Tio Billy, responsável financeiro da Cooperativa Bailey.
Figura 15: Bailey, atendente de farmácia, e o painel da Coca-cola ao fundo.
Também é possível que se perceba no filme A felicidade não se compra, ao
contrário de filmes recentes como Wall Street II: O dinheiro nunca dorme, o ambiente
masculino do mundo dos negócios. Seja na reunião dos acionistas da Cooperativa
Bailey, seja na reunião do Sr. Potter e seus assessores, em qualquer um desses
lugares não tinha a presença de uma mulher. No universo corporativo daqueles
36
tempos, a participação feminina se resumia ao papel de recepcionista e/ou
secretária11. De certa forma, isso mostra que naquele tempo, o “dinheiro era
masculino” e trazendo para o contexto real, a cédula do dólar americano confirma,
pois ainda não existe a estampa de mulher nas cédulas de dinheiro, nem no cinema
de Hollywood, nem no mundo real.
Figura 16: Bailey, Tio Billy, empregado e a recepcionista/secretária.
3.4. Uma análise do protagonista
Em plano geral, a câmera mostra a família Baley fazendo uma refeição.
George Bailey conversa com seu pai e ouve: - “Você já nasceu velho, George”.
George, indaga: - “Como?” E o pai responde: - “Você já nasceu velho”.
Nas cenas de A felicidade não compra (Frank Capra, 1946), destacam-se
frases pronunciadas por George Bailey:
a) Na cena em que ele conversa com a mãe Ma Bailey (Beulah Bondi) sobre
a possibilidade de namoro com Mary Hatch (Donna Reed), diz: - “Tudo se justifica no
amor e na guerra”.
11
Para saber mais veja A representação da secretária no Cinema. PIRES, Antonio Carvalho. Dissertação de mestrado em comunicação. UAM, 2008.
37
b) Na cena em conversa com Clarence, seu anjo da guarda, acerca do
dinheiro, deixa bem claro a sua visão utilitarista acerca da importância do dinheiro
para o homem comum: - “O dinheiro é útil para a vida terrena”.
c) Na cena com a amiga de infância e fã Violett, demonstra seu lado amigo e
fraterno ao auxiliar a moça, dando-lhe ajuda financeira para que a mesma saia da
cidade e vá à busca de um emprego em outro lugar. Nessa parte do filme, dá-se a
impressão que Violett era uma moça mal falada na cidade.
d) Enfim, até na cena do suicídio, percebe a tamanha preocupação de George
com a pessoa humana. Ele que estava prestes a saltar da ponte sobre o rio
congelado daquela noite de Natal, não pensa duas vezes ao ouvir o pedido de
socorro de Clarence, seu já quase “anjo da guarda”.
Existe no personagem George Bailey, um “quê” de irmão mais velho e, por
isso, responsável por todo o resto da prole, de homem bom marido nas cenas com
Mary, sua esposa e de pai dedicado e amoroso na forma como se relaciona com os
filhos dentro da casa e, principalmente, na inteligência emocional que o personagem
ao longo de todo o filme passa para o espectador. Além de tudo isso, George Bailey
é um profissional ético e compromissado com as questões relacionadas à
Cooperativa de crédito Bailey e que ainda luta pelos interesses dos moradores de
Bedford Falls. Impossível o espectador não se identificar com ele ou mesmo que
isso não aconteça, impossível não sentir empatia por Bailey.
Através da trama que envolve George Bailey e os outros personagens em A
felicidade não sem compra é dado ao espectador o termômetro capaz de sentir a
condução sábia e sensível de Frank Capra em um período importante para a vida do
povo americano: o pós-Segunda Grande Guerra Mundial e por outro lado o cinema
de Hollywood falando da Crise Econômica de 1929 (crise que ocorreu quase dois
ciclos econômicos antes do filme ter sido produzido) e retratando um assunto um
tanto quanto ainda não desbravado pelo cinema hollywoodiano: a relação dinheiro
versus ética no mundo dos negócios e o capitalismo já um tanto quanto selvagem.
Daí, conclui-se que George Bailey é a representação ideal e exemplar dos
diversos papeis que um homem que vive em sociedade poderia encarnar: o papel do
executivo comandando megaorganizações com responsabilidade social, que
preocupa, antes de tudo, com o resto do planeta e não em primeiro lugar com a
maximização do capital e com a maior possível distribuição de dividendos; do
político honesto, decente e que luta pela melhoria de qualidade de vida de seu povo,
38
do colega de trabalho que respeita o espaço e o pensamento de todos que o
cercam, enfim, do homem que, na opinião cristã de Capra e dos fãs do filme, todos
deviam ser.
Figura 17: Família americana Bailey
3.5. Uma análise do “mentor”
Clarence, interpretado pelo ator Henry Travers, é um anjo da guarda de
segunda categoria, do “tipo trapalhão”, meio abobado, quem recebe de Deus uma
importante missão: a possibilidade de salvar a vida de George Bailey, que está
prestes a saltar de uma ponte sobre um rio nos arredores de Bedford Falls na
véspera do Natal, por conta da situação financeira criada pela crise de 1929 que
assola os negócios da Cooperativa de Crédito Imobiliário Bailey. Assim como
George Bailey, também é um sonhador. Para entrar para a primeira categoria na
hierarquia angelical e, definitivamente, conquistar o seu par de asas, ele entra em
cena no momento em que George ia saltar da ponte sobre o rio. Nessa parte da
cena, o diretor Frank Capra desloca sua câmera e dá um zoom nas águas geladas
do rio, a imaginar pelas placas brancas de gelo que brilham no contato com a água.
Com esse movimento de câmera o espectador acaba não tendo no momento a
certeza se Clarence pulou por alguma intenção ou se sendo ele atrapalhado,
escorregou e caiu. Logo após, ouve-se um som diégetico que lembra a queda de
algo pesado na água e o anjo começa a gritar: -“Socorro! Alguém, por favor, me
39
ajuda”. E tal situação acaba sendo um “prato cheio” para o valente e protetor George
Bailey que sem pensar pula em seguida nas águas do rio a fim de salvar a vida
daquela pessoa que ele ainda não conhecia. Bailey consegue tirar Clarence das
águas e os dois começam a conversar. Bailey logo percebe que Clarence dispunha
de todas as informações a seu respeito e que ele era um anjo enviado pelos Céus
para salvar a vida dele. A partir desse momento, o anjo Clarence em flashforward
começa a mostrar para George como seria a vida das pessoas da pacata cidade
Bedford Falls se ele tivesse se suicidado. A partir desse momento do filme, Clarence
convence o espectador de que é um anjo que apesar de atrapalhado é um ser muito
especial.
Figura 18: Personagem Clarence (Henry Travers)
O diretor Frank Capra fez questão de atribuir ao personagem Clarence,
elementos que o fizessem se parecer bem de perto com um ser humano qualquer,
um homem do povo. Na cena em que Clarence conversa com George sobre o
dinheiro e ouve: -“O dinheiro é útil para a vida terrena”, em um movimento de
câmera rápido, o espectador passa a ver um close do pescoço e cabeça de
Clarence compactuando com Bailey acerca da utilidade do dinheiro. Logo em plano
sequencia, o anjo troca de roupa e veste uma camisola que segundo ele fora de sua
40
esposa. A figura do anjo metido em uma camisola é um tanto quanto hilária.
Impossível o espectador olhar aquela cena e não sentir vontade de dar uma risada.
Nessa cena, por intermédio de Clarence, Frank Capra fez graça com humor.
Enfim, o mentor Clarence, é a representação da bondade e generosidade
entrelaçadas com a condição mundana do ser humano. Através do personagem, o
diretor Frank Capra mostra ao espectador dois lados: de um, a complacência e a
providência divina com um Deus protetor que nunca falha e que sempre está de olho
no seu rebanho, de outro, a condição imanente de um anjo que quando se
materializa é um homem imperfeito, meio “lesado” e desmiolado; defeitos esses
próprios e perceptíveis em todos, seja no padeiro, no vizinho do lado direito da rua,
no líder espiritual que comanda uma seara e até mesmo, no companheiro que junto
à outra (o) divide uma vida.
41
4. A ambição e a Bolha: Wall Street 2
Figura 19: Cartaz de Wall Street II: O dinheiro nunca dorme (Oliver Stone, 2010).
O filme Wall Street II: O dinheiro nunca dorme (Oliver Stone, 2010) terá maior
enfoque nessa pesquisa, pelo “frescor” de seu tempo: produção recente (depois
anos após a Crise de 2008), pelo interesse ao tema pelo pesquisador e por tratar de
um assunto relevante para o cinema hollywoodiano, para a economia e para a
própria história.
4.1. Tema e Sinopse
O enredo de Wall Street II se dá em torno do tema vingança e redenção. O
suicídio de Louis Zabel (Frank Langela) acarreta todo o desenrolar da trama quando
Jake (Shia LaBeouf), pupilo de Zabel, resolve vingar a morte do seu querido mentor
42
e procura James Bretton (Josh Brolin) o responsável por aquela tragédia. Em
segundo plano, temos a redenção e o perdão para o enigmático Gordon Gekko
(Michael Douglas), que estivera preso por 13 anos depois da ação passada no filme
Wall Street – Poder e cobiça (1987), quando fora condenado por fraude.
Jacob "Jake" Moore é um novato corretor da Bolsa de Valores, que está
namorando Winnie (Carey Mulligan), a filha de Gordon Gekko. Jake acredita que seu
chefe, Bretton James teve alguma ligação com a morte de seu mentor, ocorrida
durante o estouro da Bolha Imobiliária norte-americana, em 2008. Gekko decide,
então, ajudar o jovem em seus planos de vingança, mas o que Jake não sabe é que
Gekko tem planos de se reaproximar da filha para resgatar milhões de dólares
presos em uma conta na Suíça que o pai abrira em seu nome.
Jake Moore (Shia LaBeouf), após se desligar do banco Keller Zabel, aceita o
convite feito por Bretton para se juntar a sua equipe. Movido pelo sentimento de
vingança, Jake começa a ter destaque na nova instituição financeira, o banco de
investimentos Churchill Schwartz, e começa “intencionalmente” a chamar a atenção
de Bretton James através de sua brilhante atuação, na reunião com os investidores
chineses, na qual “vende o peixe” do banco Churchill: fundos de ações de empresas
americanas do setor energético. Em Wall Street II: o dinheiro nunca dorme (Oliver
Stone, 2010, EUA) não passa despercebido o “interesse” do diretor Stone pela
nação emergente China. Temos elementos representativos como, por exemplo, a
frase de Jake “cooperar com os comerciantes chineses”, quando Jake oferece
presentes aos chineses, fazendo alusão ao costume deles de oferecer presentes na
negociação e a própria inclusão do país na narrativa.
Paralelamente, Jake procura Gekko (Michael Douglas) com a intenção de
descobrir mais informações acerca de Bretton e de seu banco Churchill. Por
intermédio de Gekko, o maior “insider trading12" do mercado americano, descobre
que Bretton foi o responsável pela falência do Keller Zabel. Jake espera uma
oportunidade e quando está frente a frente com Bretton o desmascara, se demite e
diz que tem nojo de homens com o caráter dele. Bretton ainda pergunta a Jake qual
é o seu preço. Jake cospe, vira as costas e vai embora. Nas cenas seguintes, o
espectador assiste o dono do banco Churchill Schwartz sendo preso pelo FBI
(Federal Bureau of Investigation), a polícia federal americana.
12
Termo utilizado no mercado financeiro para se referir tanto ao praticante quanto à prática da manipulação de informações privilegiadas. (n.d.a.).
43
Apesar das tensões ao longo da trama, Jake acaba ganhando e fazendo
papel de “bom moço” que desmascara o chefe, garante a harmonia em família com
a mulher, o sogro e o filho recém-nascido.
4.2. Contextualização
O enredo de Wall Street II: o dinheiro nunca dorme gira todo em torno das
caudas e consequências da crise econômica mundial de 2008.
Uma grande onda de calotes no mercado imobiliário dos Estados Unidos que
acabou, em efeito dominó, afetando globalmente o mercado de ações, de crédito e
de câmbio. Os efeitos catastróficos chegaram rapidamente à indústria, ao comércio
e à economia do planeta. destruindo empregos e, inclusive, sociedades econômicas
tidas até então como estáveis, como era o caso da Islândia, retratada no
documentário Trabalho interno (Charles Ferguson, 2010, EUA), narrado pelo ator
Matt Damon, que ganhou o Oscar de melhor na categoria documentário em 2011.
Essa crise provou que a facilidade de acesso ao dinheiro camufla e reduz a
noção de risco, colocando as pessoas na busca do lucro fácil, frente a investimentos
ousados e assim, surgem as “bolhas”: tipo de investimento que, segundo a
estatística, vira “moda” e, por isso, valoriza muito acima do que realmente vale,
comprometendo, assim, o retorno. É como uma bola de neve, quanto maior o
numero de investidores que entram no mercado, maior a valorização; quanto maior a
valorização, mais investidores querem participar.
Oliver Stone representou como ninguém a “história da bolhas” em seu Wall
Street II: o dinheiro nunca dorme.
Numa cena, o personagem Gordon Gekko mostra para Jake o quadro das
tulipas, e dá uma aula de bolhas explicando ao genro a primeira bolha especulativa
conhecida, ocorrida no século XVI nos países baixos, quando as tulipas,
introduzidas pela beleza de suas flores, provocaram uma febre fazendo com que as
pessoas, das mais variadas classes sociais, vendessem seus imóveis para investir
no cultivo da planta. Já por volta do ano 1630, surgiam os “contratos de futuros” para
negociar os bulbos antes da colheita. Devido a fatores diversos, assim como na
Crise de 1929, os títulos perderam credibilidade, seus preços tiveram queda súbita
fazendo com que as pessoas perdessem todo o capital investido e fossem à
falência.
44
Também na cena em que os banqueiros reunidos pedem socorro ao FED, o
banco central americano, e o personagem Julie Steinhardt (Eli Wallach), conselheiro
mais velho do grupo, faz um gesto com as mãos e emite um som fazendo alusão a
uma bolha que sobe e “plac” estoura.
Há também vários trechos em que o espectador assiste aos contra-plongées
da câmera exibindo bolhas de sabão subindo para os ares, ou ainda, quando Oliver
Stone, profeticamente, faz alusão à próxima bolha: “a bolha das energias limpas13”,
um mercado que cresce a cada dia nos EUA com a fabricação de produtos
fotovoltaicos que convertem energia solar em eletricidade.
Contudo, na “bolha” que gerou a crise de 2008 dos EUA, imóveis com preços
cada vez mais em alta, serviam de garantia para financiamentos e refinanciamentos
imobiliários que contribuíam para aumentar ainda mais os preços, gerando novos
financiamentos de altíssimo risco para pessoas que não tinham como pagar. Nesse
estado, o primeiro sinal de uma possível quebra da “bolha” causou, como já
mencionamos em cena de A felicidade não se compra, o “estouro da manada” onde
todos queriam escapar do possível prejuízo, fazendo assim com que grandes
bancos como o Bear Sterns, socorrido pelo JP Morgan Chase que o comprara, se
desestabilizasse.
Mas, coube ao banco Lehman-Brothers, quarto maior banco de investimentos
dos Estados Unidos, através de seu pedido de concordata, o marco referencial da
Crise de 2008. A AIG, grande seguradora americana, também sofreu abruptamente
com a crise e quase quebrou, caso não fosse o socorro do tesouro americano que
fez a aquisição de oitenta por cento de seu capital.
O filme Wall Street II: o dinheiro nunca dorme representa como ninguém o vai
e vem dos bancos e dos banqueiros á beira da loucura, implorando e pedindo
socorro para o tesouro americano. Na cena em que os banqueiros reunidos,
conversam e falam com representantes oficiais do governo americano, citam a
quantia de 700 bilhões de dólares (que efetivamente foi o montante injetado pelo
tesouro americano para que os bancos não quebrassem) como se falassem de
dinheiro para ir à padaria e comprar pão.
O palco da agonia pelo dinheiro criado por Oliver Stone em Wall Street foi
muito diferente daquele criado por Frank Capra em A felicidade não se compra, mas
13
Veja mais em Os Barões da Energia. OLIVEIRA. M. Revista Exame, ed. 884, p. 97, de 12/01/2006.
45
em ambos os filmes, tanto Capra como Stone deixam bem claro para o espectador
que sempre tem alguém ganhando dinheiro, por pior que seja a crise, por melhor
que seja a situação.
O filme de Stone é irônico e dá a sua versão dos encontros entre banqueiros
e governo que culminaram num socorro público de U$ 700 bilhões. E, assim como
na vida real, no filme ,enquanto o secretário do tesouro americano pergunta: - “De
quanto falamos?”, o personagem de Josh Brolin, Bretton James, complementa: -“600
ou 700” como se falasse de unidades de dólares e não de bilhões deles. O
secretário, nervoso, contra-argumenta: -“Vocês querem que o governo banque isso?
Sabem o que é isso? É socialismo!”.
O ator Josh Brolin, que interpreta Bretton James, sócio de um banco de
investimentos, nos moldes do Lehman Brothers, acrescenta em entrevista dada ao
Jornal Folha de São Paulo SP “que os bilionários de Wall Street se acham
invencíveis. De repente, acabam sem nada”.(SCIARRETTA, T. Filme é engajado,
mas é fiel a ética financista.Jornal Folha de S.Paulo, cad. Ilustrada, p. E10, de
24/09/2010). Contudo, o parecer final fica para o personagem Jake (Shia LaBeouf)
que, no final do filme, diz: “Eles podem se ferir, mas nunca morrem. Eles voltam
diferentes”. É o que acontece com o personagem Gordon Gekko, que, já em 1987,
rendera a Michael Douglas o Oscar de melhor ator por sua atuação.
O personagem Gordon Gekko cativa, ironicamente. Sua índole é desprezível
e sua lábia remete a uma estampa sociopata. Mas, no filme, ele paga o preço por
suas fraudes e lavagens de dinheiro e, isso acaba servindo de lição para os
capitalistas e especuladores que através de meios nada éticos usurpam e acumulam
recursos econômicos, enquanto outros, menos avisados, pagam a conta.
Passados 23 anos, Oliver Stone fez com este filme a sequência com Wall
Street: O dinheiro nunca dorme (2010), e o personagem que ficara preso 13 anos,
vira escritor e defensor do axioma: “a ganância é boa”. O filme, citado por alguns
como uma aula de economia e história, não deixa a desejar. Seja na cena do
socorro de bilhões de dólares feito pelo tesouro americano, tal como foi na vida real,
seja na cena de reunião com os negociantes chineses em que Jake, à frente de
todos, oferece um presente para a delegação chinesa alegando ser esse um
costume do povo chinês, seja na preocupação com a sustentabilidade através da
renovação de fontes de energia limpa.
46
A indústria cinematográfica tem relação muito estreita com os personagens de
Wall Street. Assim como no filme, eles, os grandes executivos do cinema, buscam
investidores que possam financiar seus projetos e o cinema de Hollywood, desde os
primórdios, retratando a indústria da mídia, como no filme Cidadão Kane (1941) de
Orson Welles, também um drama, que, assim como em Wall Street: o dinheiro
nunca dorme (2010), o dinheiro compra tudo. O poder conferido pela posse do
dinheiro e a ganância cada vez mais atiçada leva o personagem Charles Foster
Kane, interpretado pelo próprio Orson Welles, de garoto pobre no interior a magnata
de um império dos meios de comunicação até a sua destruição.
Assim como em A felicidade não se compra, em Wall Street II, o dinheiro
continua preponderantemente masculino. Na reunião dos banqueiros, a cúpula do
poderio econômico, não tinha uma mulher sequer sentada à mesa de negociações.
Mas, mesmo assim, se analisarmos a participação da mulher no mundo fictício dos
negócios dos dois filmes analisados, veremos que muita coisa mudou de 1929 para
2008. Na reunião dos empresários chineses em Wall Street II: o dinheiro nunca
dorme, a mulher está frente a frente na tomada de decisões. A personagem Audrey
(Vanessa Ferlinto) desempenha como ninguém o papel da mulher executiva
moderna.
Enfim, Oliver Stone, em seus dois filmes, acompanha a história do homem no
mundo dos negócios. Em Wall Street: poder e cobiça mostra o individualismo, a
figura emergente do yuppie, frio, calculista e buscando um distanciamento e
isolamento da família. Já em Wall Street II: o dinheiro nunca dorme, o diretor traz
uma pitada de afetividade e mostra a importância do amor e da família para a
completude do ser humano; mesmo que o drama do relacionamento entre o pai
Gekko e a filha Winnie deixe um pouco a desejar. A filha que odeia o pai desde o
início de sua adolescência, mas que se rende facilmente aos argumentos desse pai.
Tendo em vista o curso das ações, a personagem Winnie parece incoerente com o
que vinha sendo mostrado. Faltou-lhe, além do discurso, aquela postura mais
proativa, decidida e política, postura tão presente nos verdadeiros ativistas.
Opostamente, no filme A felicidade não se compra (1946) de Frank Capra fica muito
mais clara a preocupação com os valores da moralidade, ética e a importância dada
à família como o sentido da vida, do que nos dois filmes, acima citados, de Oliver
Stone.
47
4.3. Comentando o enredo e os elementos da narrativa
Wall Street – O dinheiro nunca dorme inicia com a cena do personagem
Gordon Gekko saindo da prisão após cumprir a pena de 13 anos por crime contra o
sistema financeiro: fraude de negócios e seguros. Na saída da prisão, ele recebe
do agente penitenciário um lenço de seda, um relógio, um anel, um prendedor de
notas de ouro (sem dinheiro) e um telefone celular, tipo “tijolão”, modelo usado no
ano 1987, época de sua prisão.
Figura 20: Cena mostrando aparelho celular dos anos 1987
Nessa cena, a câmera dá um close no aparelho, causando uma impressão de
distanciamento no tempo, pois faz referência, de certa forma, ao tempo que passou
e de que alguma coisa deve ter mudado – notoriamente, o formato dos telefones
celulares. Na sequencia, o espectador vê os outros objetos, também simbólicos: o
anel de ouro, símbolo de poder econômico e domínio; o prendedor de notas,
elemento fílmico que induz o espectador a pensar nos milhares de dólares que
passaram por aquele prendedor; e o bilhete de metrô, deixando claro que Gordon
Gekko e sua história continuam, mas agora com menos glamour. Como dirá mais
adiante o personagem Jake: “Eles podem se ferir, mas nunca morrem. Eles voltam
diferentes”.
48
Na tela, em plano geral, lê-se a data: 22 de outubro de 2001. Na sequência,
ao receber o bilhete de ida para Nova York, Gekko ouve do agente penitenciário:
“Não volte”. Ele não voltará.
Sete anos depois, 2008: ano do estouro da bolha imobiliária ocasionando
mais uma crise econômica.
Logo ficamos sabendo que, no período em que Gekko estivera preso,
escrevera o livro A ganância é boa, em função do qual realiza palestras em
universidades sobre o mercado financeiro, que em 2008 se encontraria em colapso.
Figura 21: Personagem Gekko em Wall Street II: O dinheiro nunca dorme.
Do outro lado, em Wall Street, o jovem Jake Moore, um novato operador do
mercado de ações, está noivo da filha de Gordon Gekko, Winnie. Acontece que o
banco para o qual Jake trabalha entra em colapso financeiro por conta da bolha
imobiliária que deflagra uma crise terrível para todo o planeta, e, com isso, o dono
do banco, seu patrão Louis Zabel, suicida-se no metrô de Nova York, o que perturba
Jake profundamente, pois Zabel era uma espécie de mentor espiritual para ele.
Revoltado com a morte do patrão, Jake desconfia de que o principal culpado pode
ser o executivo Bretton James, seu colega de empresa.
49
Sabendo que o sogro está palestrando na universidade, ele o procura e é
seduzido pelo sogro, que pede uma foto de sua filha Winnie, agora adulta, pois a
que ele carrega em sua carteira é de quando ela tinha 8 anos. Os dois firmam um
pacto de sociedade: Jake quer a “verdade” sobre o envolvimento de Bretton James
no caso Keller Zabel e Gekko quer uma foto atual da filha Winnie. Gekko, que dispõe
de todas as possíveis informações acerca do mercado, acaba contando para Jake
que o provável culpado pela morte Zabel pode ser Bretton, antigo conhecido de
Gordon, com sua atuação antiética e imoral por trás do banco Churchill Schwartz.
Jake, então, movido pela sede de vingança, acaba indo trabalhar com Bretton
(Josh Brolin) a fim de desmascará-lo, e consegue. Primeiro, Jake encanta o novo
chefe com seu profissionalismo e postura de homem de negócios, depois ele vai se
dando conta de todas as falcatruas de Bretton, até que, em data oportuna, ele
confronta Bretton James numa conversa “ao pé do ouvido” e, depois, o denuncia
para a polícia americana. E Bretton James vai preso. Mas, na trama, o pior está por
vir. Gekko engana Jake e a filha Winnie e usa-os para sacar um quantia exorbitante,
cem milhões de dólares, depositados em nome da filha, em um banco da Suíça.
Winnie, que já tinha avisado Jake de que o pai não havia mudado nada, termina o
relacionamento com Jake, mesmo estando grávida. Ele, desorientado, procura
Gekko e tenta chantageá-lo, afim de que o sogro não mexa no dinheiro depositado
na Suíça, exibindo a ultrassonografia do bebê que está para nascer. Mas isso não
comove o avô – pelo menos num primeiro momento. O esperto Gordon Gekko
consegue sacar o dinheiro e no filme, o espectador assiste que no período curto de
um mês, a “velha raposa” especula e transforma os cem milhões em um bilhão de
dólares. Nesse momento, Stone, o autor, faz piada.
Na cena seguinte, Gekko resolve visitar a filha Winnie e o genro. Exprimindo
no rosto uma feição de quem está redimido, pede desculpas. E as desculpas são
facilmente aceitas e na trama não se mostra mais nada. Na próxima cena, a cena
final do filme, todos reunidos na casa do casal Winnie e Jake comemoram, felizes, o
aniversário de um ano de vida do filhinho, o neto de Gekko. O que mostra que, aos
moldes de Hollywood, não existe segunda chance sem perdão. E, finalmente, o vovô
Gordon Gekko está redimido! “Feliz aniversário, Louie!”, lê-se numa faixa pendurada
no salão de festas. E, assim, ouve-se mais um estouro, só que agora não se trata do
estouro de uma bolha, mas da bexiga de aniversário da festa do Louie.
50
Durante a narrativa dessa história familiar atravessada pela crise financeira de
2008, várias cenas de Wall Street II ilustram para o espectador diversos comentários
do narrador sobre a situação política e, sobretudo, econômica dos EUA. Em um
momento, o filme proporciona ao espectador a visão, em plano geral, dos lindos
prédios de Nova York, assistindo, em seguida, a uma animação gráfica contornando
desses mesmos prédios, fazendo uma referência clara aos gráficos do pico de
“altas” e “baixas” do índice Dow Jones da Bolsa de Valores, instrumento comum no
mercado financeiro de Wall Street.
A edição, contemporânea e criativa, é fruto de recursos de computação
gráfica e leva o espectador, de imediato, a pensar no poderio econômico da indústria
cinematográfica de Hollywood e a colocar-se de prontidão frente a mais uma
narrativa sobre o business world.
Figura 22: Cena mostrando prédios compondo índice Dow Jones
Já na cena em que o espectador conhece o casal Jake e Winnie, a câmera faz uma
panorâmica exibindo o apartamento do casal, painéis da Bolsa de Valores, objetos de
decoração e, em seguida, em plongée, mostra em primeiro plano o rosto angelical de Winnie
e em seguida Jake que jogado sobre a cama dorme como um menino. Nesse momento,
Oliver Stone deixa claro que a continuação para Wall Street: poder e cobiça (1987) que
naquela época promovia a individualidade típica do yuppies, é diferente, pois promove o
lado humano dos personagens, as relações afetivas e de certo modo tenta mostrar que os
touros de Wall Street também têm coração.
Mas, será que têm mesmo? Nessa mesma sequência, Winnie sobe as escadas e vai
até a cama acordar o amado, e dizendo “Pare de dormir”, ouve de Jake que seria melhor
51
“Hora de acordar”, pois soa, segundo ele, mais “positivo”. Nessa abordagem, o espectador
vê o espírito idealista de Jake que no desenrolar do filme, apesar da vontade de fazer
fortuna, acredita nos investimentos em energia limpa e sustentável – possível atitude que o
une a Winnie. Ela, por sua vez, despreza o pai, tudo o que o cerca e ainda o responsabiliza
pela morte do irmão, vítima de uma overdose. Winnie é também uma idealista, trabalhando
em um site que divulga verdades inconvenientes.
Noutra sequência, a câmera em plano médio mostra Jake no escritório de
Louis Zabel, recebendo um cheque de US$ 1 milhão de dólares. O empregado ouve
do patrão que ele era um verdadeiro “caddy”, termo do mundo das finanças que
seria o equivalente a “braço direito” do investidor. Zabel, sentado em sua bonita
mesa com vistas para Wall Street, diz a Jake que se sente um dinossauro e que
seus parceiros devem estar rindo dele em seus túmulos e ainda complementa:
“Agora, são as máquinas que dizem o que devemos fazer.” Continuando o diálogo
Zabel complementa: “Você tem fome, Jake. Posso sentir o cheiro”.
Continuando, destaca-se a cena do suicídio de Louis Zabel. É uma das cenas
mais importantes, pois é em função da sua morte que Jake se aproxima do sogro
Gordon Gekko; e, todo o filme gira em torno da vingança de Jake contra Bretton
James (Josh Brolin), um dos responsáveis pela quebra do banco concorrente Keller
Zabel, que acaba sendo condenado por crime de “colarinho branco”. No filme, a
câmera dá um close no despertador que indica 5h30. Em seguida, dá um close no
rosto de Louis Zabel dando a impressão que não deve ter pregado os olhos a noite
inteira. Está com rosto pensativo e rugas de preocupação entre as sobrancelhas.
Dá-se um novo corte e aparecem, em plano geral, Zabel e a esposa tomando o
desjejum. Novo corte: Zabel, em plano médio, saindo do seu prédio. Mais um corte:
Zabel entra em uma banca de jornal e compra um exemplar do New York Post e um
pacote de batatas fritas da marca Lay’s. A câmera dá um close na prateleira
mostrando as batatas e, inclusive, o preço: U$ 0,75. Novo corte: Zabel descendo as
escadarias do metrô: 77 Street Station. Mais um corte. Zabel aparece juntos às
outras pessoas. A câmera dá um close e o mostra comendo as batatas. Ele mastiga
vagarosamente, dando a impressão que tudo é em câmera lenta, mas não é. Zabel
levanta, bate com as mãos no sobretudo, limpando-o do que caiu da batata e
atravessando por entre as pessoas, caminha até a linha do metrô e se joga na frente
do trem. Ouve-se gritos, tudo fica escuro e o banqueiro que andava de metrô fica
para a história.
52
Figura 23: Cena mostrando personagem Zabel se suicidando.
Também merece destaque a cena do baile beneficente para arrecadar fundos
para uma campanha humanitária é uma das mais importantes e resume o tema dos
dois filmes de Oliver Stone: ganância, cobiça e poder. A câmera descreve um amplo
movimento pelo salão e em panorâmica, tendo o foco, principalmente, nas orelhas
das mulheres (velhas, jovens, belas e feias) sempre com joias, especialmente os
brincos de diamante. É possível acreditar que o espectador tenha em mente que se
vendesse toda aquela ostentação, ter-se-ia dinheiro para acabar com a fome do
mundo.
Nessa cena, vê-se algo parecido com o famoso baile da Ilha fiscal, no Brasil,
em que a aristocracia reunida em torno de D. Pedro II, comemorava e dançava
enquanto raiava a República. Tem-se também a sensação de impunidade. No baile,
circulam todos os poderosos de Wall Street como se nada tivesse acontecido. De
certa forma, eles podem tudo: mexem com nosso dinheiro, manipulam as
informações, obtêm lucros exorbitantes, falam da crise para justificar demissões em
massa, dominam a política e a economia do planeta e eles continuam impunes,
leves, soltos, sãos e salvos. “Eles” representam essa aura que paira sobre nossas
cabeças, representam o capitalismo.
53
Figura 24: Cena mostrando socialites e suas joias
O filme Wall Street II: o dinheiro nunca dorme é um prato cheio para
reflexões, principalmente, para quem aprecia o dinheiro. Nele é possível que o
espectador questione: a ganância pode ser vista de forma positiva? Pensar isso é
importante, pois contraditoriamente, é a ganância que faz com que o homem saia da
sua zona de conforto e adentre na zona de desconforto em busca de melhoria em
seu padrão/qualidade de vida. O grande viés dessa questão ainda é que a ganância
tem uma relação diretamente proporcional com a falta de ética e moral e quando a
ganância se estabelece, o ser humano muda: irmão engana irmão, pai engana filha,
assim como o personagem Gordon Gekko engana a sua filha Winnie. Segundo
Maquiavel, em sua obra O Príncipe: “o homem esquece mais facilmente a morte do
pai do que a perda do patrimônio” (2007, cap. XVII, p. 24).
Em Wall Street: O dinheiro nunca dorme, o filme é contado por Jake que inicia
o filme falando das “bolhas” que assolaram a humanidade nas chamadas “crises
econômicas” e o papel dos homens no mundo dos negócios, que mais uma vez
ratifica a fala do personagem Jake: “Eles podem se ferir, mas nunca morrem. Eles
voltam diferentes”. É o que acontece com o personagem de Michael Douglas,
Gordon Gekko.
Percebe-se semelhança em As vinhas da ira (John Ford, 1939), na cena final
quando Pa Joad (Russel Simpson) e Ma Joad (Jane Darwell) conversam acerca do
quanto sofreram com a Crise de 1929 e a Ma Joad diz: “É isso que nos faz fortes.
Os ricos nascem, morrem, e seus filhos também não prestam e desaparecem. Mas,
nós (o “povo”) continuamos. Somos nós que vivemos. Eles não podem acabar
conosco. Não podem nos vencer. Nós viveremos para sempre, pai, porque nós
54
somos o povo”. Na sequência, a câmera em plano médio foca os personagens
suspirando como se fosse um alento. Ainda na cena, mãe e filho conversam: “Eu
estarei nos cantos escuros. Estarei em todo lugar. Onde quer que olhe. Onde
houver uma luta para que os famintos possam comer, eu estarei lá. Onde
houver um policial surrando um sujeito, eu estarei lá. Estarei onde os homens
gritam quando estão enlouquecidos. Estarei onde as crianças riem quando
estão com fome e sabem que o jantar está pronto. E, quando as pessoas
estiverem comendo o que plantaram e vivendo nas casas que construíram, eu
também estarei lá.”
Figura 25: Personagens Ma Joad (Jane Darwell) e Tom Joad (Henry Fonda)
O protagonista Jake de Wall Street II: O dinheiro nunca dorme que trabalha
apostando em mercados financeiros na renomada Keller Zabel e o seu mentor
Gordon Gekko, seu sogro, tem um relacionamento ao mesmo tempo oposto e
semelhante: oposto, porque o próprio Jake sabe que o sogro é um homem sem
valores, antiético e calculista e Jake não é um tipo assim. Semelhante, porque a
paixão dos dois pelo mercado financeiro é muito parecida e, provavelmente, talvez
seja isso que tenha unido Winnie a Jake. Mas, será que é possível analisar a
atração que Jake sente por seu mentor Gekko? No filme, o personagem Gekko
conhece todos do mercado financeiro e seus problemas, falcatruas, punhaladas e
chantagens e o personagem Jake, pupilo de Zabel, quer ir a fundo e descobrir o que
realmente aconteceu. Aproxima-se do sogro em busca de “assessoria” e em troca
55
promete tentar reaproximar Gekko de sua filha Winnie. Uma troca “aparentemente”
segura, ou seja, um grande negócio.
Ao longo da narrativa, dentre muitas informações que estouram como
“bolhas” e que levam o espectador a possíveis dúvidas quanto ao contexto
econômico/financeiro mostrado, percebe-se a agressividade velada de Wall Street,
assim como é na vida real: conta-se a história de um homem que busca sua
redenção, tentando voltar aos negócios e se aproximar de sua única filha, que o
odeia e o culpa pela morte do irmão, viciado em drogas. É claro que Gekko mudou,
mas não o suficiente e isso é o que se vê filme.
Utilizando do humor de forma inteligente, a obra também é recheada de
referências, como a participação de Bud Fox, personagem de Wall Street: Poder e
cobiça interpretado por Charlie Sheen, que acompanhado de duas lindas moças
com um sorriso irônico e maroto estampado no rosto, ao encontrar seu antigo
mentor Gordon Gekko no baile beneficente, o aconselha: “-Não se meta em
confusão, ok?” Parece mesmo que o pupilo Bud Fox (Sheen) tirou de alguma forma
proveito da experiência que teve com o seu antigo mestre Gekko. Aquele yuppie
ambicioso dos anos 1980, que convidava o velho amigo de faculdade para fazer
trapaças na Bolsa de valores burlando informações, não existe mais. O que se vê
agora é um executivo sério, um homem respeitável que tem dinheiro e aproveita a
vida, e que, no final das contas, parece ter aprendido a lição: o crime contra o
sistema financeiro, o chamado “crime do colarinho branco”, não compensa”.
Figura 26: Personagem Bud Fox (Charlie Sheen) e Gekko.
56
4.4. Analisando o protagonista
Figura 27: Personagem Jake Moore (Shia LaBeouf).
Jake Moore, interpretado pelo ator Shia LaBeouf, é um operador idealista do
mercado de ações e noivo de Winnie Gordon (interpretada por Carey Mulligan), filha
de Gekko. O anel de noivado remete ao compromisso, a uma ligação e ideia de
continuação da história.
Jake, que trabalha para o banco Keller Zabel Investments, vê,
inesperadamente, o colapso financeiro porque passa o seu banco empregador, por
conta da crise imobiliária de 2008. Ouve pela TV, logo pela manhã, a notícia da
morte de seu patrão, Louis Zabel, que se suicida no metrô de Nova York. No
desenrolar da trama, Jake acaba indo trabalhar com Bretton (Josh Brolin) com a
finalidade de vingar a morte de seu mentor Zabel e Jake consegue.
Enfim, o protagonista Jake é bem diferente do protagonista George Bailey de
A felicidade não se compra (Frank Capra, 1946). Jake, um típico representante da
chamada geração Y, deixa transparecer um grande desencontro entre as suas
atitudes de protagonista versus os objetivos e comportamento dos espectadores da
mesma faixa etária. Jake, a todo momento, passa a ideia de que é um workaholic,
um desesperado pelo trabalho, característica pouco presente no universo da
geração Y que procura cada vez mais conforto, comodidade e uma vida tranquila.
57
Também, contrariamente à geração yuppie de Bud Fox (Charlie Sheen) em
Wall Street: poder e cobiça, a geração Y a que Jake está inserido, deseja muito mais
qualidade de vida do que bônus financeiros a qualquer custo. No filme Wall Street II:
o dinheiro nunca dorme, de imediato, Jake recebe uma bonificação de U$ 1,5 milhão
das mãos de seu padrinho Zabel e, para surpresa do espectador, gasta parte desse
valor comprando ações da própria companhia. Um erro grave, à luz do mercado
financeiro moderno, para um operador de mercado de ações, pois se a empresa for
à falência, ele perde o emprego e o dinheiro investido. Como típico representante da
geração Y, todos jovens muito bem informados e antenados contra qualquer tipo de
risco, o que Jake devia fazer era abrir seu próprio negócio e, a partir daí, tirar o seu
próprio sustento. No entanto, é Winnie (Carey Mulligan) mesmo quem melhor
representa a geração Y. Dando um desconto para a sua fragilidade desmedida, a
moça é tranquila, zen e trabalha como ativista em um organismo não
governamental.
Enfim, Jake Moore, é um típico jovem de Wall Street que não vem de grandes
universidades, assim como o personagem Bud Fox (Charlie Sheen). Ainda existem
perfis assim em Wall Street que, ao contrário do que todos pensam sobre a maioria,
não é um físico ou matemático, PhD oriundo de universidades como Chicago, MIT e
Princeton ou um recém-formado em um MBA renomado de alguma escola do
planeta.
4.5. Analisando o mentor
Figura 28: Cena em que Gekko palestra para universitários
58
Gekko, interpretado pelo ator Michael Douglas, em inglês significa “raposa”.
Ele é um corporate raider, termo muito usado nos anos 1980 para se referir àquele
especulador e oportunista que, por uma ação que alguém acredita que está cara, ele
acredita que vai subir mais ainda e, inescrupulosamente, faz uso de informações
privilegiadas (insider trading, no jargão em inglês).
Em Wall Street: Poder e cobiça (Oliver Stone, 1987), na cena em que o
personagem discursa na assembleia da empresa Papéis Teldar, ele diz a sua mais
famosa frase e que se tornou o nome de seu livro em Wall Street II: O dinheiro
nunca dorme: “Greed is good”, ou, em português, “A ganância é boa”. Essa
expressão tornou-se o símbolo da América corporativa chegou a ser foi repetida em
artigos de jornal e programa de televisão. Séries de TV americanas como The
Office, Chuck e White Collar já fizeram menção ao personagem.
Contudo, no enredo de Wall Street: Poder e cobiça, Gordon Gekko utiliza o
discurso como artifício para que não descubram quem realmente ele é. Percebe-se
isso, quando a câmera dá um close no rosto de Gordon Gekko, já quase no final de
seu discurso e o espectador tem a “impressão” de ouvir a expressão “bando de
idiotas”. Nesse filme, Gekko tem vários apartamentos e carros luxuosos, anda de
limusine e jato particular, é um colecionador de obras de arte e como o filme é
militante, o personagem utiliza frases de efeito. Quando é convidado para almoçar,
devolve: - “Almoço? Almoço é para os fracos”. Conversando com investidores, diz: –
“A ganância é boa!” Falando sobre o dinheiro, solta: –“Se alguma coisa merecer ser
realizada [nessa vida], é por dinheiro.” Sobre o seu status em meio à comunidade
Wall Street, revela: “São pessoas como eu que fazem as regras, as notícias, a
guerra, a paz, a fome, as revoltas, o preço de um clipe de papel”.
Durante o desenrolar da trama em Wall Street: Poder e cobiça (1987), Gordon
continua com suas pérolas: “A ganância é certa, dá certo”. “A ganância esclarece,
corta ao meio e captura a essência do espírito embrionário”. “A ganância tem
marcado a evolução ascendente da humanidade”. “Eu não sou um devastador de
empresas, sou um libertador”.
Já em Wall Street II, o personagem Gordon Gekko parece, a princípio, ter
recebido uma lição de humildade: vive em um apartamento alugado, faz uso do
metrô como meio de transporte, usa roupas simples. Isso até o momento em que
consegue enganar a filha e sacar os 100 milhões de dólares, fruto das trapaças,
falcatruas e, porque não dizer, da sua habilidade em alavancar dinheiro, que
59
estavam depositados em um banco na Suíça. A partir daí, Gekko, a “velha raposa”,
se transforma. Vai a uma alfaiataria e encomenda costumes de primeira linha.
Aparece calçado com bons sapatos italianos e o circo continua.
Na cena em que Gordon Gekko palestra para estudantes de uma
universidade, referindo-se ao livro que escreveu enquanto esteve preso por crime
contra o sistema financeiro, diz: “Comprem o meu livro”. Sobre essa nuvem que
paira por nossas cabeças chamada de capitalismo, acerta: “O capitalismo é
sistêmico, global e maligno como um câncer”. Ainda sobre o dinheiro, diz: “Se eu
aprendi alguma coisa na prisão, foi que dinheiro não é a coisa mais importante na
vida... O tempo é!” Sobre seu “novo” status na comunidade Wall Street, afirma com
propriedade: “Perto desses tubarões de hoje, sou um amador”.
Mas, na parte afetiva a vida de Gordon é um verdadeiro desastre. Na cena do
jantar em que tenta reatar o relacionamento com sua filha Winnie (interpretada pela
atriz Carey Mulligan), ouve da mesma: “Você é um sociopata”. E as pérolas de
Gordon continuam no segundo filme. Ele diz a um rival: “Vamos combinar uma coisa.
Você pare de contar mentiras sobre mim e eu paro de contar verdades sobre você”.
Na cena do baile beneficente, ele afirma, ironicamente: “Se esse lugar fosse
bombardeado, não sobraria ninguém para comandar o mundo”. Na cena do
lançamento do livro, explica a uma senhora que o indaga acerca do que seria “risco
moral”: “É quando alguém pega seu dinheiro e não é responsável por ele”.
Enfim, o personagem Gekko representa um marco na história financeira do
mundo com a ascensão do dinheiro, sua desmaterialização e a consequente
virtualização. Antes de Gordon Gekko, nenhum diretor de Hollywood traduziu para o
espectador com tamanha ousadia e coragem o lado “sujo” da cultura do dinheiro,
dos traços de personalidade presentes em vários daqueles que comandam e
manipulam o capital financeiro do planeta. Gekko, além de frio, calculista, ambicioso
desmedido, péssimo pai de família e “sociopata”, como sua própria filha o classifica,
é asqueroso, arrogante, prepotente e, infelizmente, inteligente. O impacto do
personagem na sociedade contemporânea é tão grande que recentemente o ator
Michael Douglas foi contratado pelo Federal Bureau of Investigations (FBI), a polícia
federal americana, para “convencer” os profissionais de Wall Street a andar na
linha14.
14
Fonte: Gekko muda de lado. PRESSINOTT, F. Revista Isto é dinheiro, São Paulo, Finanças, ed.752, de 02/03/2012.
60
A influência do mentor Gekko (Michael Douglas) sobre o “herói” Jake Moore
(Shia Labeouf) só é possível porque o jovem operador do mercado de ações é
fascinado por Gekko e como tem sede de vingança, isso o deixa atraído ao ponto de
fazê-lo procurar quando palestrava em uma universidade. O ensinamento maior que
Gekko deu para Jake é que “não se deve confiar em ninguém”, pois até mesmo um
pai, como no caso dele, pode “trapacear” com a filha quando o assunto envolve
dinheiro. Tudo muito diferente do mentor Clarence (Henry Travers) de A felicidade
não se compra (Frank Capra, 1946) que procura o “herói” George Bailey, homem
exemplar e tão “bem intencionado” com o dinheiro alheio, e o ajuda, ensinando-o
que aquele que age pelo bem, mesmo quando o assunto é dinheiro, merece e
recebe a proteção de Deus.
61
Considerações finais
Da década de 1940 para cá, a definição do protagonismo e do antagonismo
representando, respectivamente, o herói e o vilão, o bem e o mal, torna-se mais
difícil, complexa, “cinzenta”. Além disso, antes era o banqueiro a figura central;
agora é a dupla especulador/banqueiro. A estrutura, a forma do filme, acompanha
essa mudança também. O próprio estilo clássico modifica para se manter o mesmo.
Será que com o capitalismo também não é assim? Mas, a minha análise recai mais
sobre o enredo e a caracterização dos personagens, com algumas
observações/reflexões interpretativas sobre objetos de cena.
Nos filmes A felicidade não se compra e Wall Street II: o dinheiro nunca
dorme observa-se dois momentos distintos da história do capitalismo que a partir
dos anos 1960/70 vai se intensificando até os dias atuais, o que JAMESON (1997)
chama de “lógica do capitalismo tardio”.
As crises econômicas, vividas pelas classes média e alta dos dois filmes
analisados: A felicidade não se compra e Wall Street II: o dinheiro nunca dorme, nos
remetem ao desespero e sofrimento vivido pelos personagens dos filmes que ao
longo da narrativa vão apresentando os elementos simbólicos e representativos da
cultura do dinheiro de cada época distinta.
Em A felicidade não se compra, no cenário que compunha o escritório do
banqueiro, Sr. Potter (Lionel Barrymore), além de belos quadros, da cadeira de
“presidente” e da escravinha toda entalhada em madeira, semelhante ao mobiliário
português, do século XVII, sobre essa escrivaninha, uma caveirinha de metal usada
como peso de papel. Esse elemento como uma mensagem ao espectador de que o
“mal”, representado pela caveira, estava mais do que presente naquele ambiente e
na vida do capitalista.
Em Wall Street II: o dinheiro nunca dorme, o cenário do loft alugado pelo
especulador Gekko exibe toda a sua decoração fria, em meio a isso, lá está o
quadro da “Tulipomania” (a Crise das tulipas nos países baixos, no século XVII: a
primeira bolha especulativa conhecida), no momento em que, nos EUA, o preço de
um apartamento ficou mais barato do que acreditavam que valia, fazendo uma
alusão à época em que um apartamento chegou a valer menos que uma tulipa. Esse
elemento leva o espectador a crer que esses astutos especuladores do mercado
62
financeiro, ao contrário da maioria das outras pessoas que aplicam, estão muito bem
preparados, sabem a história do dinheiro e, por isso e oportunamente, aproveitam as
lacunas deixadas pela desregulação do mercado financeiro. Homens iguais ao
Gekko, implacáveis, pouco preocupados com a moralidade e o lado ético dos
negócios, construíram sem fazer força e sem perguntar por que o que se chama de
“capitalismo que mata”.
Tanto em A felicidade não se compra, quanto em Wall Street II: o dinheiro
nunca dorme, vê-se um “esforço” chamando a atenção para a necessidade de
aprender a lidar com o dinheiro e a importância de ficar protegido contra aqueles que
especulam gananciosamente o seu dinheiro. Por intermédio deles, assim como no
mundo real, a sociedade ainda não é tão esclarecida com relação às questões do
universo do dinheiro e suas peripécias. Tanto é fato que se a sociedade americana
fosse mais preparada e menos consumista, tanto a crise de 1929, quanto a crise de
2008 não teriam efeitos tão abrasadores.
Ao longo da análise dos filmes, confirma-se que o aventureiro capitalista com
suas ações de caráter especulativo e irracional, totalmente a parte dos bons
costumes e da moralidade, sempre existiu e existirá. A irracionalidade, ligada à
ausência da moralidade, faz com que essas “raposas”, tão semelhantes ao
personagem Gekko, de Oliver Stone, se sintam fascinadas com a profundidade de
suas artimanhas e com as bolhas que podem explodir a qualquer momento, mas,
claro, depois de protegidos e salvos os seus investimentos, e longe, é claro, dos
olhos da maioria dos cidadãos que andam prá lá e pra cá sem ter uma noção
mínima do que acontece.
Economicamente, analisando tópicos relacionados ao comportamento dos
personagens com relação à crise, é possível afirmar que em A felicidade não se
compra, a um menor alerta de crise, todos correm para os bancos e sacam cada
centavo na tentativa de diminuir o rombo; e isso, fenômeno conhecido no mercado
como o “estouro da manada”, um erro crucial para a economia, leva os bancos muito
mais rápido à falência.
Com relação ao perfil de investidor frente à volatilidade das ações, em Wall
Street II: o dinheiro nunca dorme o preço de uma ação começa em U$ 17 pela
manhã, e no final do dia cai para U$ 2. Também isso leva a um questionamento:
todos estariam aptos a aplicar na Bolsa? A volatilidade do dinheiro, representado
pela alta e baixa das ações, faz com que se exija um nível de conhecimento para
63
que alguém aplique em Bolsas de Valores e, como acontece, pessoas continuam
investindo sem ter a menor ideia do risco, tal como a ex-enfermeira e mãe de Jake,
personagem “relâmpago” interpretada pela atriz Susan Sarandon, que no filme
abandona o posto de enfermeira em um hospital, até então motivo de orgulho do
filho, e se transforma da noite para o dia em uma “inexperiente” especuladora do
mercado imobiliário, conforme se vê no filme.
A indústria de Hollywood podia fazer mais filmes “inspiracionais” como A
felicidade não se compra que encara a crise de 1929 e seus reflexos como uma
oportunidade de crescimento através do aprendizado sobre a importância dos
valores humanos em qualquer situação que seja. Mais filmes como Wall Street II: o
dinheiro nunca dorme, no qual o diretor Oliver Stone chama a atenção do
espectador para a divisão do planeta em dois grupos: os que têm e que não têm
dinheiro e que ainda – infelizmente, quem tem dinheiro continua não sendo punido,
assim como Gekko e os responsáveis pela Crise de 2008, cujos efeitos ainda podem
ser percebidos ao redor do mundo.
O cinema pode ser um ótimo veículo para ensinar as pessoas a lidar com o
dinheiro, pois, se pensarmos bem, estamos perto de uma “nova” guerra, só que
agora uma guerra que dispara, em vez mísseis, como na II Grande Guerra,
proibições e boicotes econômicos, como na Guerra Fria, essa nova guerra dispara
“conglomerados econômicos” concorrentes, ávidos por capital, numa inusitada
batalha por domínio econômico.
A ética nos negócios é proclamada em todo momento, dentro e fora desse
campo de atuação, da mesma forma como é ministrada e proferida pelos defensores
do assunto nas disciplinas lecionadas nos cursos de gestão de negócios. Tanto no
mundo dos negócios, quanto nos filmes analisados, vê-se uma preocupação com o
sistema financeiro, os dogmas do mercado e com a importância da ética e da
moralidade na economia como um todo. Mas, infelizmente, vê-se, também, uma
inércia, um não fazer. Tanto é que Oliver Stone em Wall Street II: o dinheiro nunca
dorme poderia ter abordado o universo de quem “pagou o pato” efetivamente com a
crise de 2008, e isso ele não fez.
Também, mesmo que com um olhar à distância e superficial, pois merecia
mais estudos, gostaria de citar a indústria cinematográfica que representa um
segmento de mercado bem expressivo, dentre os muitos investidores que têm
dinheiro. A crise de 1929, período de penúria na vida da sociedade americana,
64
controversamente é contemporânea de outro importante advento: o surgimento do
cinema falado, que exigia alta tecnologia, diretores e atores de expressão. Esse fato,
analisado à luz da economia, pode mais uma vez confirmar que “em época de crise
de dinheiro, sempre tem alguém ganhando dinheiro” e perdendo. Afinal, essa não é
a lógica do sistema?
Outro ponto, não menos interessante, foi perceber, através da análise de A
felicidade não se compra e Wall Street II: o dinheiro nunca dorme que o “dinheiro” na
época da Crise de 1929 era materializado, conforme a própria fala do personagem
Bailey: quando diz “o dinheiro não está aqui, está na casa dos Kennedy, da sra.
Maitland e cem outras” e, ao longo do século XX, mais especificamente na década
de 1980, passou para o universo total da desmaterialização. Em Wall Street II: o
dinheiro nunca dorme, vê-se o dinheiro desmaterializado, virtualizado e totalmente à
deriva do que em economia se chama lastro; aqui falo de uma situação, em que nem
investidores e nem mesmo profissionais de mercado sabem precisar a materialidade
ou o lastro do dinheiro que circula no planeta e, principalmente, em tempos de
“bolhas econômicas”. Por isso, é comum ouvir: - “O chão está cedendo sob nossos
pés”.
Enquanto em A felicidade não se compra a crise está restrita ao capital
econômico e o antídoto é a ética, protestante ou não, em Wall Street II: o dinheiro
nunca dorme a grande temática é a crise moral, pois, se pai (Gekko) rouba a filha
(Winnie), imagina o que os banqueiros fazem com a fortuna de “terceiros”. Não
menos importante, é o distanciamento temporal existente entre os dois filmes.
Enquanto A felicidade não se compra foi produzido em 1946, período inicial do ciclo
de expansão da economia americana após a crise de 1929, quando o ânimo e
otimismo voltam a imperar na vida da sociedade americana, Wall Street II foi
produzido em 2010, no “olho do furacão”.
Também, em A felicidade não se compra, se levarmos em conta que a crise
se deu pela “singela” ou “simbólica” quantia de U$ 8 mil dólares contra os U$ 700
bilhões de dólares pleiteados pelos banqueiros de Wall Street II: o dinheiro nunca
dorme, pode-se chegar a reflexões do tipo: - tanto na vida real, quanto no mundo da
representação econômica dos dois filmes analisados, houve, efetivamente, o
fenômeno econômico da expansão do capital financeiro.
Por fim, para fazer jus à porção de justiça, que segundo Amartya Sen todo
homem espera, tanto em A felicidade não se compra, de Frank Capra,
65
representando a Crise de 1929, quanto em Wall Street II: o dinheiro nunca dorme de
Oliver Stone, representando a Crise de 2008, cheguei à conclusão que o cinema não
educa, mas se levado para o universo didático, tem-se, excepcionalmente, excelente
material para “aulas” de história e economia. As diferenças são positivas até para
esse tipo de utilização dos filmes. Enquanto Frank Capra, nacionalista, acreditava no
sistema, Oliver Stone, por sua vez, panfletário, foi um crítico voraz do sistema. O
filme de Capra, ao contrário da obra de Stone, um filme “direcionado”, um filme que
apresenta uma estratégia política e econômica por parte do diretor e do governo
americano daquela época. Mas, aprendi que isso é cinema. Isso é Hollywood!
66
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