a filosofia do direito e seus horizontes

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  • 5/27/2018 A Filosofia Do Direito e Seus Horizontes

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    A filosofia do direito e seus horizontes

    Um dos ramos mais importantes da filosofia tambm um dos menos conhecidos do pblico em geral. Afilosofia do direito quase sempre ignorada pelo filsofo, que desconhece ou tem pouco interesse nosassuntos jurdicos. Mas, ao mesmo tempo, a filosofia do direito ignorada pelo prprio jurista, que no aconsidera uma disciplina prtica, porque imagina que talvez no lhe seja til para a vida forense. Trata-se,portanto, de uma duplamente enjeitada.No entanto, a filosofia do direito sempre se situou nos quadrantes mais importantes dos debates polticos e

    sociais da histria. Grandes revolues e transformaes foram feitas valendo-se de idias jurdicas assimfoi o caso da Revoluo Francesa, e sua dupla petio pelos direitos liberdade e igualdade. A antigatradio filosfica sempre considerou a filosofia do direito um dos temas mais importantes de toda aenciclopdia filosfica. talvez por isso que o jurista mdio, que desconhece as questes jusfilosficas,embora no trabalhe com elas, no deixa, no entanto, de reconhecer o alto valor da filosofia do direito.Ainda que desconhecida, ela , para o jurista, a me de todo o pensamento jurdico.Um pensamento de juristas ou de filsofos?

    A filosofia do direito to-somente a filosofia geral com um tema especfico, o direito. O direito , nessecaso, um objeto da filosofia. Assim sendo, a filosofia do direito, como especialidade filosfica, assemelhada filosofia poltica, filosofia da religio, filosofia da esttica. Poltica, religio, esttica, todos esses sotemas da filosofia geral.

    Houve um tempo no qual juristas, mal-preparados filosoficamente, imaginavam que a filosofia do direitofosse uma filosofia prpria, como se isso fosse um mtodo apartado do mtodo dos filsofos gerais. Noentanto, a filosofia do direito no rivaliza, como se fosse um mtodo, com a filosofia de Kant, com a deHegel, com a de Marx. Pelo contrrio, kantianos, hegelianos e marxistas podem falar das questes do direito,cada qual com seu mtodo filosfico prprio. A filosofia do direito lhes apenas um tema.Pode-se considerar, ento, que a filosofia do direito uma disciplina de filsofos, no de juristas. Mas o

    jurista nunca renunciou a pensar o direito por conta prpria, a partir de sua experincia. Mesmodesconhecendo a filosofia, o jurista produziu muitos pensamentos e muitos deles at mesmo de altaqualidade e bastante originais em toda a histria. Ainda assim, h um certo distanciamento entre opensamento do jurista sobre o direito e o pensamento do filsofo sobre o direito. Para evitar tal confusoentre um pensamento de juristas e um pensamento de filsofos sobre o direito, em geral se diz que h umgrande ramo chamado filosofia do direito e outro chamado teoria geral do direito. O primeiro trataria dosgrandes temas jusfilosficos, das ligaes do direito com a histria, com a sociedade, o seu sentido e suavalorao. A teoria geral do direito seria o pensamento mais abstrato possvel que se haveria de encontrardentro da prpria tcnica. Quando os juristas se indagam sobre as caractersticas universalmenteencontrveis nas normas jurdicas, fariam teoria geral do direito. Quando se indagam sobre a relao danorma com o poder, fariam filosofia do direito. Essa distino parece confortvel, mas revela-se, no fundo,um armistcio. praticamente impossvel delimitar as fronteiras entre um pensamento de juristas e umpensamento de filsofos sobre o direito.Contribui para essa dificuldade o fato de que a filosofia do direito exige um conhecimento duplo: o dafilosofia e o do direito. Esse fato se torna crucial no mundo universitrio bem estabilizado dos temposcontemporneos: o aluno da faculdade de filosofia no conhece os temas jurdicos, e, por isso, se sentemuito desconfortvel ao tratar das teorias constitucionais, dos temas sobre a norma e o ordenamento, dasteorias sobre a justia social, da teoria da revoluo e dos assuntos mais amplos da teoria do Estado. porisso que, em geral, a filosofia do direito sempre desbravada pelo pensador que, alm de conhecer filosofia,foi tambm aluno de direito e trabalha com o fenmeno jurdico.Ao contrrio da filosofia poltica que, a princpio, parece saltar aos olhos de qualquer cidado , aocontrrio da filosofia da religioque tambm salta rapidamente a todo aquele que tenha tido vida religiosa

    , a filosofia do direito hermtica. preciso entrar no mundo prprio do jurista, que domina a tcnica e osproblemas do direito, e s depois disso fazer o cruzamento entre um mtodo filosfico e o objeto especfico,o fenmeno jurdico. Por isso, no mundo atual, h muitos juristas, alguns filsofos, e pouqussimos filsofosdo direito.Filosofia do direito e histria

    Se a filosofia do direito uma disciplina especfica da prpria filosofia geral, ento preciso que se a entendaa partir dos grandes mtodos filosficos. E isso conduz o estudo da filosofia do direito necessariamente histria da filosofia.

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    No sendo qualquer pensamento sobre o direito, mas um pensamento qualificado filosoficamente, a filosofiado direito no existe de todo o sempre. Ela acompanha o mesmo trajeto e as limitaes da histria dafilosofia. Tambm o grande pensamento sobre o direito e o justo comea a se revelar, sistematicamente,com os gregos.No tempo dos clssicos, deixando de lado a mitologia, que situava o justo entre Themis e Dik, deusas daespada e da balana, Scrates, Plato e Aristteles propem o primeiro modelo cannico de conhecimentodas relaes entre o fenmeno jurdico e o justo. O pensamento jurdico de Scrates alcanado pela sua

    prpria experincia pessoal: condenado morte, no fugiu nem corrompeu os algozes. Aceitou a sentenaem prol do respeito s leis da cidade.Mas ser com Plato e Aristteles que o pensamento jusfilosfico chegar ao primeiro apogeu. Em Plato,em A Repblica e em As Leis, h de se ver a relao ntima entre o justo e a plis. Alguma sorte de justiasocial ressalta de seu pensamento. A forma de sua realizao est ligada a um sistema original pelo qual, nopice de um sistema de condies iguais, o rei seja filsofo. Aristteles, principalmente na tica a Nicmaco,em especial no Livro V, quem leva as consideraes sobre o justo sua melhor expresso.Para Aristteles, o justo uma ao, de tal sorte que homem justo o que faz atos justos. Ao contrrio doque viria posteriormente, no mundo medieval, no qual justia uma espcie de contemplao da f, paraAristteles o agir revelava o justo. No ato de dar e distribuir consiste o fundamental dessa ao. Adistribuio, na sociedade, dos bens, das riquezas, das honras, portanto, o tema mais importante da

    filosofia do direito. Acima de tudo, o jurista h de se valer da ferramenta da eqidade, que a adequao danorma geral ao caso concreto. O ofcio do jurista, portanto, para Aristteles, equivale a uma arte. No poroutra razo o direito romano, nos tempos da Idade Antiga, assentava-se na definio Ius est ars boni etaequi. O direito a arte do bem e da eqidade.O pensamento jurdico medieval h de alterar essa concepo. O justo emana da vontade divina. DesdePaulo de Tarso, na Epstola aos Romanos, apresenta-se o problema do poder na Terra como resultado davontade divina. Se assim o , tambm a distribuio das riquezas no pertence mais ao humana. Justo aquele que Deus pronuncia como tal, conforme Santo Agostinho h de afirmar. Ao final da Idade Mdia, SoToms de Aquino se equilibra fragilmente entre o plo teolgico e o plo aristotlico.A Idade Moderna, no entanto, que far a ruptura definitiva com o pensamento tradicional clssico. Amecnica capitalista no pode mais assentar sua concepo de justia no modelo artesanal aristotlico, que,no limite, era tpico das sociedades escravagistas do mundo antigo. O direito moderno previsvel,reprodutvel, controlvel. O jurista, de artista, passa a se considerar tcnico, e sua tcnica se situa nos limitesdos interesses individuais, e a expresso do direito passa a ser estatal. Vem da modernidade, ento, aassociao imediata e aparentemente indissolvel entre direito e Estado. O justo passa a ser a aplicaocorreta da norma estatal.A modernidade prdiga em construir uma metafsica de legitimao do direito estatal. As vrias teorias docontrato social demonstram a clara afirmao jusfilosfica do interesse burgus. O direito natural racional o grande apoio dos filsofos do direito modernos. Diferentemente do direito natural clssico aristotlico,que era um buscar artesanal da natureza das coisas, o direito natural moderno deveria ser uma expressoimutvel e eterna da razo. Immanuel Kant, no apogeu do pensamento burgus no final do sculo 18, chega grande frmula jusnaturalista do imperativo categrico. Eis a consagrao do justo com a lei universal, cujaexpresso est ao alcance do indivduo racional.A filosofia do direito contempornea

    O sculo 19 se abre com o pensamento burgus j definitivamente assentado sobre o poder estatal. Hegel o melhor padro para esse horizonte descortinado: o Estado o racional em si e para si. O jurista h de ser oaplicador do direito positivo (direito posto pelo Estado), porque o Estado representa o momento superior dadialtica da histria.De fato, com muitas variaes, o juspositivismo a doutrina comum da filosofia do direito contempornea. O

    jurista mdio investiga o mundo das leis estatais, prope at mudanas em certas leis, toma partido dosdireitos humanos contra os abusos totalitrios, mas nunca pe em xeque o prprio direito positivo.

    O fetichejuspositivista burgus encontra dplice raiz na histria da filosofia do direito: Kant fornece sua inspirao e

    sua estrutura individualista burguesa, por meio do direito natural universal; Hegel fornece seu mtodo de

    concreo, por meio do Estado burgus. De fato, Kant e Hegel so o apogeu, no arcabouo filosfico, do queo jurista prtico opera na realidade forense, desde o tempo deles at hoje.Podem-se descortinar trs grandes horizontes da filosofia do direito contempornea, tudo isso a dependerde como se considera o fenmeno jurdico a partir de sua vinculao estrita ao Estado. Uma primeira grande

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    corrente da filosofia do direito pode-se considerar juspositivista. Ela se limita aos problemas atinentes aodireito estatal. Uma segunda grande corrente da filosofia do direito compreende o fenmeno jurdico demodo alargado. Pode-se chamar essa viso, com uma certa vnia, de caminho existencialista da filosofia dodireito. Uma terceira grande corrente procede crtica do fenmeno jurdico, no parcialmente, mas pelatotalidade. Nesse grande campo est o marxismo.O primeiro dos grandes caminhos contemporneos da filosofia do direito o da maioria dos pensadores dodireito. Kant e Hegel so sua inspirao ltima. No nvel da teoria geral do direito, sua expresso mais clara

    Hans Kelsen. O pensamento jurdico, nessa grande vertente, se converte em uma discusso do direitoestatal. Mas pode-se vislumbrar uma clivagem desse pensamento: de um lado, uma grande vertenteestritamente juspositivista e, de outro lado, as vertentes eclticas.O juspositivismo estrito encontra na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen seu apogeu. A, de fato, a cinciado direito se converte apenas na cincia da norma jurdica estatal, de modo genrico. O caminho maisavanado desse positivismo se verifica, a partir de meados do sculo 20, com a virada lingstica da filosofiado direito. As questes da linguagem convertem, ento, o pensamento jurdico a uma espcie de lgicanormativa. Esse o caminho de vanguarda dessa fronteira juspositivista hoje.O outro lado do caminho juspositivista a filosofia ecltica, que mistura a preocupao com o direitopositivo estatal com outros fenmenos sociais. Foi o caminho de Miguel Reale, no Brasil, com a sua conhecida mundialmente teoria tridimensional do direito, que situava o fenmeno jurdico na converso

    de trs outros fenmenos, fato, norma e valor.

    Mas h um ecletismo contemporneo, que vem alcanando

    fama mundial nos anos neoliberais em que vivemos atualmente, e que tenta encontrar algum acordo dodireito positivo com a moral e a tica. Esse tipo de ecletismo se verifica em Habermas, Dworkin, Rawls e

    Alexy, dentre outros, cada qual ao seu modo. No se tratam de filosofias amplamente crticas ao direitopositivo. Pelo contrrio, apiam-se no direito como meio de refundao ou de reforma ou de garantia dosdireitos humanos, da democracia e da cidadania.A segunda grande vertente da filosofia do direito aquela que no se conforma com o reducionismo dofenmeno jurdico ao mero normativismo estatal. Como h de buscar a manifestao do direito a partir daconcretude dos fatos e das relaes sociais, pode-se, em sentido vago, denominar essa vertente de caminhoexistencialista do direito. De fato, Heidegger sua melhor inspirao, saindo do fetiche metafsico da lei parao ser-a jurdico. Um grande pensador que foi ao fenmeno bruto do poder, da deciso soberana, que fundao direito e portanto est acima da norma estatal, Carl Schmitt, o melhor pensador da teoria geral do direitonesta vertente. A busca do ser jurdico uma corrente minoritria em face da grande corrente juspositivista;pode-se nela tambm ver, ao seu modo, grandes historiadores do direito como o francs Michel Villey, nasua volta a Aristteles.O terceiro grande caminho da filosofia do direito a vertente crtica, que encontra no marxismo a sua maisimportante expresso. No somente o marxismo, porque Michel Foucault, sem o s-lo, um dos grandesrepresentantes de uma vertente crtica para o direito. Mas o grande caminho crtico se verifica a partir deMarx. O pensamento de Marx sobre o direito revolucionrio nas suas propostas mas tambm na suacompreenso do fenmeno jurdico. Valendo-se da ferramenta da histria, Marx h de identificar ofenmeno jurdico, tal qual o conhecemos, ao capitalismo, tendo em vista o apoio necessrio dos institutos

    jurdicos estatais prpria circulao mercantil. Assim sendo, os conceitos de sujeito de direito, direitosubjetivo, contrato, autonomia da vontade revelam-se outros, no mais institutos criados pela mera razo do

    jurista, e sim movimentos necessrios de uma certa reproduo econmica, poltica e social.

    O direito compreendido, dialeticamente, em relao totalidade qualificada das relaes sociais.Pachukanis o grande pensador da teoria geral do direito marxista. De fato, foi Pachukanis quem mais longechegou na compreenso do fenmeno jurdico a partir do texto de Marx, em especial em O Capital, e queconcluiu que a forma jurdica equivale forma mercantil. Assim sendo, para o marxismo, o socialismo, com ofim da diviso de classes, ser o fim do direito e do Estado, e no uma outra forma de dominao estatal. Omarxismo jurdico se desdobra para o campo da ideologia e grandes pensadores esto nessa fronteira,como os da Escola de Frankfurt, tambm Gramsci, Lukcs e Bloch, na sua magistral obra Direito Natural eDignidade Humanae sua crtica ao direito a mais ampla de todas, porque no se fixa em algumas leis oualguns arranjos do Estado, mas na prpria totalidade social capitalista.A tradio paulista da filosofia do direito

    No sculo 20, o filsofo brasileiro de maior destaque nacional e mundial foi, certamente, Miguel Reale.Falando da tradio paulista da filosofia do direito, Tercio Sampaio Ferraz Jnior o pioneiro e maiorpensador da vanguarda de compreenso do direito a partir da comunicao e da linguagem, de maneira

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    crtica. Paulo de Barros Carvalho, pela vertente analtica, Alar Caff Alves, vindo de uma tradio marxista,Eduardo Bittar, e outros mais, tambm tm se voltado questo. filosofia do direito de tipo ecltico, natradio paulista, esto ligados Goffredo Telles Jnior e Franco Montoro. Os pensamentos ticos de CelsoLafer e Fbio Konder Comparato tambm podem ser situados a partir dessa ampla vertente. Pioneiramente,viu-se uma escola existencialista paulista, destacadamente com Aloysio Ferraz Pereira e Jeannette AntoniosMaman. Ari Marcelo Solon guarda tambm uma posio particular no estudo da filosofia do direito. NoBrasil, uma vertente crtica marxista ainda muito pouco se verifica no direito. No presente, o pensamento de

    Mrcio Bilharinho Naves se destaca. tambm a partir da vertente crtica, marxista, que tenho desenvolvidominhas pesquisas, junto de um crculo de meus orientandos.Alysson Leandro Mascaro doutor e livre-docente em Filosofia do Direito pela USP. Professor da ps-graduao em Direito daUniversidade Mackenzie. Autor de Introduo Filosofia do Direito: dos modernos aos contemporneos(Editora Atlas)

    INTRODUONo h que se falar em filosofia do direito sem antes atentarmos para o que seria filosofia e como seria suaaplicao dentro do universo jurdico. Baseado no pensamento ocidental, verifico que a palavra "filosofia"

    significa "amor pela sabedoria", fato que faz dos filsofos segundo conceito deles prprios, amigos dasabedoria.O filosofo autentico como um verdadeiro cientista, um pesquisador incansvel, procurando semprerenovar as perguntas formuladas por ele prprio ou por terceiros, no sentido de alcanar respostas quesejam condies das demais. A filosofia comea com um estado de inquietao para culminar numa atitudecritica diante do real e da vida.A filosofia por ser a expresso mais alta da amizade pela sabedoria, tende a no se contentar com umaresposta, enquanto esta no atinja a essncia. A certa verdade, porm, quando se diz que a filosofia acincia das causas primeiras ou das razes ultimas. Portanto a filosofia um conhecimento que converte emproblema os pressupostos das cincias sendo sempre de natureza critica, pois, uma filosofia que no crticano alcanar as evidncias universalmente vlidas. Esta uma noo geral do que se entende por filosofia,como estudo das condies ltimas, dos primeiros princpios que governam a realidade natural e mundomoral, e ainda a compreenso crtica do universo e da vida.

    CONCEITO DE FILOSOFIA DO DIREITOEm estudo sobre os ensinamentos de Miguel Reale, pude constatar que a filosofia do direito no disciplina

    jurdica, mas a prpria filosofia voltada para a realidade jurdica. Nem mesmo pode-se afirmar que seja elafilosofia especial, porque a filosofia jurdica em sua totalidade, na medida em que se preocupa com algo quepossui valor universal, experincia histrica e social do direito.O direito realidade universal. Onde quer que exista o homem, existir o direito como expresso de vida econvenincia. exatamente por ser o direito fenmeno universal que ele suscetvel de indagao filosfica,pois, a filosofia no pode cuidar se no daquilo que tenha sentido universalmente vlido. Falar em vidahumana falar tambm em direito, da se evidenciando os ttulos existenciais de uma filosofia jurdica. Afilosofia do direito deve refletir-se, na mesma necessidade de especulao do problema jurdico de suasrazes, independentemente de preocupaes imediatas de ordem prtica.Enquanto o jurista constri a sua cincia partindo de pressupostos fornecidos pela lei, o filsofo do direitoconverte em problema o que para o jurista vale como resposta ou ponto assente e imperativo. A misso dafilosofia do direito , criticar a experincia jurdica, no sentido de determinar as suas condiestranscendentais, ou seja, aquelas condies que servem de fundamento experincia, tornando-a possvel.Portanto, a contribuio da filosofia do direito est no campo prtico-terico, devido desvinculao quetem dos dogmas. Por vezes, a nfase na resposta somente torna ainda mais obtusa a possibilidade de sequestionarem os fundamentos de uma pratica jurdica humana e social, da a nfase na investigao comoforma de abrir os horizontes para outras possibilidades, outras alternativas, outras propostas eentendimentos.A filosofia do direito possui metas e tarefas que esto compreendidas em suas perspectivas de investigao,sendo elas:Proceder crtica das prticas, das atitudes e atividades dos operadores do direito;

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    Avaliar e questionar a atividade legiferante, bem como oferecer suporte ao legislador;Proceder avaliao do papel desempenhado pela cincia jurdica e o comportamento do jurista diante dela;

    Investigar as causas de desestruturao, enfraquecimento ou extino de um sistema jurdico;Depurar a linguagem jurdica, os conceitos filosficos e cientficos do direito, bem como analisar suaestrutura lgica;Investigar a eficcia dos institutos jurdicos, sua atuao e seus compromissos com as questes sociais;Esclarecer e definir a teleologia do direito, seu aspecto valorativo e suas relaes com a sociedade e sua

    cultura;

    Resgatar origens e valores fundamentais dos processos e institutos jurdicos;Criticar o conceito institucional, valorativo, poltico e procedimental, auxiliando o juiz no processo decisrio;Insculpir a mentalidade da justia como fundamento e finalidade das prticas jurdicas;

    Estudar, discutir e avaliar criticamente a dimenso aplicativa dos direitos humanos;Otimizar e atualizar os conceitos, hbitos e prticas habituais, objetivando a melhoria do sistema jurdico;

    Desmascarar as ideologias que orientam a cultura dos juristas, seus preconceitos e atitudes, desenvolver as

    crticas necessrias para reorientao da funo de responsabilidade tico-social das profisses jurdicas.

    OBJETIVO DA FILOSOFIA DO DIREITONo que tange ao objetivo, funo ou atribuio da filosofia do direito, surge diversidades de teorias, sendo

    uma desenvolvida por Eduardo Bittar e Guilherme Assis, na qual filosofia do direito deve ocupar-se do justoe do injusto, sendo este seu objeto; Para outros o justo e o injusto esto fora do alcance do jurista sendoobjeto de estudo da tica; Para outros, ainda, a filosofia do direito deve ser um estudo combatidopoliticamente, uma vezes que inata sua funo de lutar contra a tirania; Existem propostas que enfatizamque a tarefa filosfica deve consistir na escavao conceitual do direito. Muitas vezes, autores atribuem filosofia do direito, tarefas de fazer derivar da razo pura a estrutura do prprio direito, tantos outrosparticipam de toda especulao filosfica como necessidade crtico-valorativa das instituies jurdicas.A filosofia do direito um saber crtico a respeito das construes erigidas pela cincia do direito e pelaprpria prxis do direito, mais que isto, sua tarefa buscar os fundamentos do direito, seja para cientificar-sede sua natureza, seja para criticar o assento para qual se fundam as estruturas do raciocnio jurdico,provocando, por vezes, fissuras no edifcio que sobre as mesmas se ergue.A filosofia jurdica possui um papel universal, um mtodo que faculta que a investigao se prolongue deforma a abrir mo da possibilidade de circunscrever seus prprios pilares. Por isso, deve-se dizer que areflexo filosfica do direito no pode extenuar-se, seu compromisso atentar para as modificaescotidianas do direito, a evoluo dos institutos jurdicos e das instituies por esse usadas, s prticas dodiscurso do direito, s realizaes poltico-jurdico-sociais, ao tratamento jurdico indispensvel pessoahumana, se fazendo assim, sempre atual, reservando para si este direito-dever de estar sempre impregnadada preocupao de investigar as realizaes jurdicas.

    CONCLUSOPenso que a relao entre o papel e as tarefas da filosofia do direito, com os pontos de vista tradicionaisficaram suficientemente esclarecido diante o exposto no decorrer deste breve artigo, assim, limitar-me-eiapenas em finaliz-lo, dizendo que a filosofia do direito na qual se inserem problemas, lgicos, analtico,tico e sociolgico, tem como principio norteador o direito a luz dos pressupostos aqui j ditos (lgicos,analticos, ticos e sociolgicos); Enfim, o principio utilizado, bem como os meios e fins no so to claros ehomogneos, porm, de fundamental importncia para a devida compreenso dos ensinamentos jurdicos,se fazendo disciplina indispensvel no currculo do profissional de direito.

    BIBLIOGRAFIAREALE, Miguel. FILOSOFIA DO DIREITOSaraiva 1972ROSS, Alf. DIREITO E JUSTIAEdipro 2000BITTAR, Eduardo e ASSIS, Guilherme. CURSO DE FILOSOFIA DO DIREITOAtlas 2002

    Alexy e os problemas de uma teoria jurdica sem filosofiaPor Andr Karam Trindade e Lenio Luiz Streck

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    A coluna deste sbado em parceria. O tema merece. E o ttulo uma provocao a partir da qual seprope, mais uma vez, refletir a respeito do modo como a teoria jurdica de Robert Alexy vem sendo aplicadapor aqui. Na ltima semana, o renomado jurista alemo retornou ao Brasil, desta vez Universidade doOeste de Santa Catarina, onde recebeu o ttulo de doutor honoris causa e ministrou trs conferncias emseminrio voltado discusso de sua obra.O evento tinha como principal objetivo a compreenso, a partir do prprio autor uma espcie de voluntasauctor , dos pilares tericos de sua teoria dos direitos fundamentais. O debate contou com a presena de

    importantes nomes do direito brasileiro que adotam de um modo ou de outro as ideias de Alexy e que,na ocasio, tiveram a oportunidade de dialogar com o jurista alemo.Infelizmente no pudemos prestigiar o evento, mas recebemos em primeirssima mo o relato do professordoutor

    Fausto Santos de Morais a quem, desde j, agradecemos pela parceria , que um dos maiores

    estudiosos da teoria de alexyana na atualidade. Assim, considerando a importncia dos temas abordados e,sobretudo, o teor das respostas formuladas por Alexy, aproveitamos o espao desta coluna para difundir umbreve balano do que foi discutido. Afinal, este precisamente um dos compromissos deste Dirio de Classe.Ao contrrio da sua ltima visita ao Brasil, em outubro de 2013, quando se limitou a apresentar sua frmulado peso, desta vez, Alexy surpreendeu o pblico por vrios motivos. Segundo Fausto, trs foram as questesque chamaram ateno e merecem uma reflexo mais aprofundada: a) a rigorosidade conceitual que Alexyconfere Cincia do Direito; b) o problema da aplicao da sua teoria no Brasil; c) o ataque hermenutica

    filosfica, de Gadamer, e coerncia, de Dworkin.Logo na conferncia inaugural, Alexy mostrou a nfase depositada num modelo analtico que oriente aCincia do Direito. Para ele, sua teoria dos direitos fundamentais busca, analiticamente, apresentar o modelode aplicao dos direitos fundamentais realizado pelo Tribunal Constitucional Federal alemo(Bundesverfassungsgericht). Assim, o papel da Cincia do Direito seria o de precisar, rigorosamente, osconceitos empregados nas decises da Corte alem, identificando os modelos normativos que representam odireito positivo. Desse modo, o tratamento conferido pela dogmtica jurisprudncia retroalimentaria oconhecimento dos limites normativos do Direito. Sobre este tema, Alexy foi bastante enftico:

    no existeconhecimento jurdico sem rigorosidade conceitual. Mais do que isto, afirmou: a falta dessa rigorosidade me

    deixa furioso. Aqui, j podemos indagar: apesar desse rigor, a anlise de Alexy das decises doBundesverfassungsgericht no aponta para equvocos feitos por aquele tribunal. Isso apenas para comearporque o tema merece uma coluna prpria.Outro problema decorre da aplicao da proporcionalidade no Brasil, como um destaque a ser feito. Oumelhor, os problemas. O primeiro delas seria a falta de rigorismo conceitual e operacional daproporcionalidade. O segundo remete rudimentar relao entre teoria e prtica. O terceiro, e certamente omais grave dos problemas, diz respeito falta de racionalidade verificada nas decises judiciais.Como se sabe, no Brasil, a aplicao da proporcionalidade tornou-se uma vulgata (leia aqui). Essa vulgatanasceu na doutrina ptria que importou, parcialmente, a teoria de Alexy e piorou quando os tribunaispassaram a utilizar o argumento da proporcionalidade sem qualquer tipo de critrio. A partir de ento,proliferaram-se os trabalhos que se utilizam do princpio da proporcionalidade na condio de suportecentral da tese para o desenvolvimento cientfico-jurdico dos mais diversos direitos fundamentais. Alis,proporcionalidade e ponderao passaram a andar sempre juntas, como se fossem gmeas siamesas. Dissoresultam, costumeiramente, dois outros problemas: primeiro,

    o sentido da proporcionalidade assume a

    direo que o intrprete quer dar, independentemente da proposta de sistematizao reclamada por Alexy,o que exige testes diferentes quando se tratam de direitos de liberdade e direitos prestacionais; segundo,esquece-se que estes testes da proporcionalidade so apenas estruturas formais do pensamento. Comodisse o prprio Alexy, o procedimento argumentativo no envolve, por si s, os necessrios elementosmateriais que devem fazer parte da justificao racional e legtima.Na jurisprudncia, por sua vez, os abusos so ainda maiores, o que torna o cenrio ainda mais catico, umavez que todo rigor cientfico proposto por Alexy vai por gua abaixo. Como num passe de mgicas, derepente, todas as questes jurdicas a serem resolvidas passam a envolver uma coliso de princpios. A

    justificao racional e legtima perseguida por Alexy reduz-se a peties de princpios e refernciameramente retrica do princpio da proporcionalidade. Em tempo: Alexy ratificou, novamente, que aproporcionalidade uma regra e, portanto, deve ser aplicada como tal , embora com nome deprincpio (sic).Ainda sobre a escatologia da justificao racional das decises judiciais que ponderam princpios, teria sidoimpressionante a reao de Mathias Klatt (discpulo de Alexy) quando tomou conhecimento de que o

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    Supremo Tribunal Federal, ao exercer a funo de corte constitucional, no apresenta um parecer decisrionico e dialogado, mas compe a deliberao com a soma de votos dos ministros, muitas vezes,completamente contraditrios entre si. Um clssico exemplo desse problema so os votos proferidos nadeciso do famoso caso Ellwanger (HC 82.424/RS). Ocorre que, na soma, nem sempre, vence o melhorargumento racional. Pois . De h muito denunciamos isso por aqui em terrae brasilis. Marcelo Cattoni foi oprimeiro a levantar essa lebre depois do caso Elwanger.Alis, importante deixar claro que muito difcil saber em que sentido a proporcionalidade empregada

    pelo STF e, igualmente, se as suas decises atendem exigncia de justificao racional reclamada por Alexy.Tambm impossvel saber em que sentido o STF emprega a ponderao. Essa questo da (ir)racionalidadedas decises tomadas a partir da aplicao da proporcionalidade , precisamente, o problema enfrentado natese de doutorado do Fausto, a ser publicada muito em breve, em que ele faz uma contundente crtica

    jurisprudncia do STF.O mais impressionante, ao menos a nosso ver, fica por conta do ataque alexyano hermenutica, nofinalzinho do evento aqueles que saram antes perderam esta parte , aps ser questionado peloprofessor Rogrio Gesta Leal sobre o modo como sua teoria se relaciona com outras mais especificamenteaquelas que se valem dos aportes tericos de Gadamer e Dworkin , no que diz respeito ao enfrentamentodo problema da racionalidade nas decises judiciais.Para ele, a hermenutica no basta para o Direito. Muito embora reconhea que o crculo hermenutico

    inafastvel, Alexy acredita que, tal como teria feito Gadamer em Wahrheit und Methode, a hermenuticacolocaria inmeros pontos de vista para um problema, sem dar a soluo e teoriz-la com o rigor necessrio.Rigor, aqui, significa a possibilidade de se estabelecer, analiticamente, uma frmula lgico-matemtica comopasso inicial para a fundamentao racional da deciso judicial.Tal resposta evidencia o dficit filosfico que atravessa a teoria alexyana. Tudo indica que o jurista alemono compreendeu os avanos que o giro ontolgico-lingustico produziu sobre a questo do mtodo. Istoporque, na hermenutica filosfica, o que est no centro da reflexo a relao intersubjetiva que condio de possibilidade para todo conhecimento. por isso que se fala em ser-no-mundo, por exemplo. Etambm por isto que, para a hermenutica, o Direito no pode operar apenas no plano argumentativo.Observa-se, assim, que Alexy ignora a dobra da linguagem e, consequentemente, do discurso jurdico. Acrtica, absolutamente apressada e equivocada, de Alexy hermenutica vai no mesmo nvel de quemconfunde a hermenutica com qualquer teoria relativista, esquecendo que Gadamer odiava queconfundissem a hermenutica com qualquer apego irracionalidade. Verdade contra o Mtodo no querdizer estado de natureza ou relativismo. Ao contrrio: se Deus morreu, agora que no podemos fazerqualquer coisa!Em relao exigncia de coerncia, nos termos propostos de Dworkin em sua teoria do Direito comointegridade, Alexy entende que no existe um critrio unvoco para tal finalidade, de maneira que oscritrios de coerncia poderiam ser ponderados (sic). Eis, de novo, o principal problema de Alexy. Para ele,tudo pode ser ponderado! E isto ainda mais problemtico no Brasil, onde sequer se presta ateno quiloque Alexy chama de princpios formais, mais resistentes ponderao. Em suma, a coerncia no faz sentidopara Alexy porque o seu modelo jurdico composto por princpios jurdicos mandados de otimizao quesequer so deontolgicos , e no por questes de princpio. Entre essas duas concepes existe umadiferena que abissal. Isto porque, quando se est diante de uma questo de princpio, o intrprete notem a sua disposio um repositrio de princpios ponderveis. Alexy desconhece que deciso jurdica no escolha. O intrprete (juiz) no est livre porque possui uma responsabilidade poltico-jurdica. anecessidade de coerncia que faz com que o jurista se lembre de que ele no est sozinho no mundo. Poristo, ele precisa conhecer (e bem) as questes de princpio de uma ordem jurdica compromissada com oEstado Democrtico de Direito, por exemplo.Este rpido balano permite concluirmos duas coisas. Primeiro que preciso estudar mais o que diz Alexypara se combater o uso de Alexy que se faz no Brasil. Algo do tipo: Alexy contra Alexy. Com isto, colocar-se-iaum fim aplicao de uma teoria alexyana darwinianamente-mal-adaptada, em que os princpios tornaram-se

    verdadeiros libis tericos na medida em que passaram a ser empregados como enunciadosperformativos que se encontram disposio dos intrpretes para que, ao final, decidam de acordo com suavontade.Segundo, e mais triste, precisamos mostrar e dizer que impossvel fazer Teoria do Direito sem Filosofia.Pelas crticas superficiais feitas por Alexy a Gadamer, fica ntido que ele quer fazer teoria sem filosofia. EmAlexy, parece que est proibido falar em paradigmas filosficos. Nele, por exemplo, discricionariedade

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    parece ser uma coisa natural e que nada tem a ver com o paradigma da filosofia da conscincia (ou suasvulgatas voluntaristas). Sua apreciao filosfica parece ter ficado no neopositivismo lgico e na relaosintaxe-semntica-pragmtica, com alguma nfase na tentativa de racionalizao da pragmtica.Mais ainda, tudo est a indicar que Alexy no se d conta de que Gadamer trabalha em um nvel e as teoriasanalticas como a teoria da argumentao jurdica por ele proposta em outro nvel, o da mera

    justificao (que, na hermenutica, se chama de nvel

    apofntico da linguagem).Por isso, no fcil falar de Teoria do Direito. Por vezes, escapar desse imbrglio com uma linguagem lgica

    de segundo nvel, herdada do neopositivismo, parece ser um caminho (qui um atalho) mais fcil para fugirda coisa mais importante na interpretao: o plano compreensivo, que sempre antecede a mera justificao.E disso Alexy no quer saber, bastando para tanto ver o que ele disse de (e sobre) Gadamer, desqualificando,com poucas frases, toda a obra do mestre de Tbingen.Numa palavra: se verdade que a argumentao importante para o processo de aplicao das normas

    jurdicas, preciso reconhecer que no se faz direito sem hermenutica. E isto incontornvel, mein Freund.

    Andr Karam Trindade doutor em Teoria e Filosofia do Direito (Roma Tre/Itlia) e coordenador doPrograma de Pos-Graduao em Direito da IMED.Lenio Luiz Streck procurador de Justia no Rio Grande do Sul, doutor e ps-Doutor em Direito. Assine oFacebook.

    Revista Consultor Jurdico, 5 de abril de 2014

    Marcelo Francisco (Procurador do Municpio)Na volta de feriado prolongado local...... encontro duas respostas para coisas que me incomodavam.No texto vejo que o Supremo deve evoluir para um Tribunal Constitucional. Basta ler o texto...E estou achando (desculpa, mas palpite) que essa tal discricionariedade no existe nem no DireitoAdministrativo. Acho que algum brasileiro j escreveu sobre isso.Abrao.Neto (Funcionrio pblico)So dois olhos, dois ouvidos, duas narinas e... s uma boca!Dizem por a que a sabedoria oriental prega o silncio como possvel caminho sabedoria, a qual seriaconstruda na travessia do andarilho. Outra interpretao seria a aplicao da proporcionalidade. Vejam s!Ela, a proporcionalidade (mas sem qualquer ponderao de naipe alexyano; argumento "ab auctoritate" isolante, deixa o debatedor falando sozinho com sua autoridade). Afinal, o ser humano tem dois ouvidos euma boca, devendo us-los nessa proporo, segundo a sabedoria chinesa. Seria algo como a proibio daproteo deficiente ("Untermassverbot") e a proibio de excesso ("bermassverbot"). Devemos nosproteger...! Conquanto o ser humano possua duas mos, essa linha de raciocnio como travessia aodesenvolvimento pode e deve ser aplicada fluidez de teclar comentrios na internet, espao virtual daintersubjetividade. Escrever andar por a, arriscar-se em caminhos, mais das vezes, desconhecidos.Precisamos estar preparados para essas andanas, pois h predadores endgenos e exgenos. Por exemplo,um jogador de futebol deve treinar bastante e/ou ter muito talento, deve entrar em campo fardado,observar as regras do jogo, no cometer faltas, etc. Caso no tenha essa pr-estrutura compreensiva estarfadado ao insucesso ou sequer entrar em campo...! Isso tudo no nvel hermenutico. Caso opte,apofanticamente, por permanecer na sua tentativa de jogar futebol, poder acabar jogando boto,manipulando objetos. A linguagem ser uma mera palheta, como terceira coisa que se interpe entre osujeito-jogador e o objeto-boto. Toda a complexidade envolvida em um verdadeiro jogo de futebol, a qualse notabiliza em uma final de campeonato, fica velada. PS: And, Gadamer e Lenio j escreveram mais de1780 caracteres, limite aos comentrios nesta ConJur.FNunes (Defensor Pblico Estadual)Decepcionante realmente lamentvel ver um nome to forte no Direito, como o caso de Alexy, no conseguircompreender algumas pginas de Gadamer. E falo isso porque basta ler poucas pginas de Verdade eMtodo para (se comear a compreender at onde vai redundar a sua crtica ao mtodo nas cincias doesprito. E se percebe logo que no vai dar em um relativismo ou em algo aberto em que nunca se chega auma resposta. E essa da ponderao dentro da integridade... arg! algo realmente to assustador quanto o

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    desconhecimento da obra de Gadamer! Como compatibilizar a ponderao com a necessria exigncia decoerncia em Dworkin? Realmente no sei. Comentrios como esse certamente mais atrapalham do queajudam a sua prpria teoria. Transformar tudo em ponderao levar a sua teoria a um caminho que vairedundar em discricionarismo puro e sem volta. Alexy est destruindo a prpria teoria que teve tantotrabalho para construir.

    Variveis ocultas e efeito borboleta na deciso penal

    Por Alexandre Morais da RosaNenhuma teoria do senso comum terico (Warat) da deciso penal capaz de apresentar todas as variveisintervenientes na deciso judicial. Jorram falas, imagens, teorias, julgados, autores, recortes antigos, a vidapregressa, as contas para pagar, a pressa para pegar os filhos no colgio, o cheiro da sala, a temperatura doar condicionado. Enfim, no se pode saber quais as condies fsicas e mentais do momento da coleta dainformao e muito menos no momento da prolao da sentena. E cada um desses significantes podealterar tudo, conforme o efeito borboleta (veja o vdeo abaixo para entender): em sntese, uma pequenaalterao pode gerar resultados imprevisveis.Inexiste conhecimento direto sobre os fatos salvo do crime acontecido na sala de audincia, mas julgadoposteriormente por outro julgador. Todo material probatrio de segunda mo, nos autos ou fora dele: o

    julgador e jogadores constroem narrativas em face de um evento passado, com as informaes que esto

    disposio. Nesse articular, a forma em que os fatos sero ajustados pode mudar o sentido.A reconstruo do fato criminoso sempre retratada por uma imagem ou filme (apresentada nadenncia/queixa) e que, analisada em face do que h antes (inqurito policial, auto de priso em flagranteou documentos) indica a existncia de justa causa (informao mnima de materialidade e autoria) capaz de

    justificar a tipicidade aparente da conduta. Da que se opera com imagens superpostas e narrativascontroversas. Constri-se uma narrativa englobante da acusao e da em diante o jogo processual ser depreencher ou esvaziar a histria/imputao.Uma estratgia utilizada a de colocar o mnimo de detalhes na acusao, narrando os fatos genericamente,antecipando, com isso, as inconsistncias de informao (prova). Quanto mais detalhada for a descrio,mais chances de inconsistncia. O limite disso acontece na impossibilidade de se defender de fatos. Porexemplo, analise as seguintes opes: a) entre os anos de 1998 a 2007 o acusado que atuava comoempregado da vtima subtraiu para si dois pingentes de ouro, um liquidificador e duas camisetas, avaliadosem R$ 800, os quais no foram recuperados; b) no dia 17 de maio de 2006, entre 19h e 20h30, na residnciada vtima, o acusado subtraiu para si dois pingentes de ouro, um liquidificador e duas camisetas, avaliadosem R$ 800, os quais no foram recuperados. Qual das duas descries mais fcil de ser acolhida nasentena? Evidentemente que a primeira. O devido processo legal substancial pressupe que o sujeito sejaacusado de uma conduta especfica, no tempo e no espao. Acusaes genricas, com longo espao detempo, tornam a defesa impossvel, sendo uma trapaa processual, no que j denominei de dopingprocessual.Na imagem que se forma na maneira como pensamos, encontram-se os esteretipos. Ou seja, asrepresentaes cristalizadas que no se baseiam naquele caso especfico, mas nas experincias anteriores(lugar em que o fato se deu, moradia dos envolvidos, profisso, beleza ou feiura, idade, cor, sobrenome,status social, antecedentes etc.). No me venham histericamente dizer que isso no importa. Concordoteoricamente.Na prtica, isso acontece todos os dias e melhor estar preparado para esse tipo de captura psquica do quefingir que no importa. Parem de ser platnicos, pois estamos justamente na dobra platnica, onde o sentido colonizado pelo silncio que diz. Os esteretipos simplesmente formam parte do arsenal de sentidos eoperam. Queiramos ou no. Podem se basear em preconceitos, lugares comuns, influncia da mdia etc. Sequeremos ser minimamente honestos, devemos admitir a influncia de fatores externos, como por exemplo,a leitura do jornal do dia, a conversa do almoo, do caf com os vizinhos, da lembrana de que fomos um diafurtados... Respondemos no decorrer do processo com aquilo que nos faz sentido, seja ele qual for(louqussimo, muitas vezes). Quanto mais entendermos o mecanismo aleatrio de atribuio de sentido,mais teremos credibilidade pelo que se passa no processo penal. Como operamos com imagens, no rarotomamos uma coisa por outra, atribumos peso demasiado e, muitas vezes, imaginamos errado. E destruiruma imagem cristalizada muito complicado.

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    Franco Cordero chamou isso de postura paranoica, ou seja, o primado das hipteses sobre os fatos, comovisto anteriormente, to bem articulada no Brasil por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, via psicanlise.Essa ancoragem antecedente em imagens pode gerar a fixao do convencimento e as informaes trazidasno decorrer da instruo processual servem para simples confirmao, seja de que qualidade for. Essapostura paranoica sedutora. Em primeiro lugar, pensando do ponto de vista histrico, o julgador colocadocomo portador da (imaginria) Verdade Real[1], potencializada pela teoria de processo (relao jurdica) pelaqual os jogadores do os fatos e o juiz o direito.

    Em segundo, adotando-se a contribuio da psicanlise[2], pode-se dizer que o paranoico caracteriza-se pelodelrio de perseguio sistematizado, acrescido de delrios de cimes, de erotomania e de grandeza. Namatriz contratualista e de estabelecimento da civilizao encontram-se traos paranoicos de desconfianarecproca, sendo o Estado o terceiro que poderia fazer lao social. No contexto atual das relaes humanas, otrao paranoico se apresenta em qualquer sensao de excluso, colocando-se na condio de vtima e seacreditando que a ao do outro dirigida especialmente ao sujeito.

    A manifestao paranoica se d pela certeza do sujeito em possuir a verdade e no qualquer verdade, mas aVerdade Real. Portador da verdade capaz de pontificar, apresentar a soluo para todos os problemas,indicar as causas e as solues, enfim, postar-se no lugar de Salvador. E a tentao de ocupar esse lugar

    permanente, afinal, no seria maravilhoso poder reparar o mundo, reformar as coisas, ajudar as pessoas aandarem no caminho certo e do bem? A pergunta a posta por Agostinho Ramalho Marques Neto[3]: quemnos salva da bondade dos bons? Paranoicos, acrescento eu. A estrutura psquica do sujeito singular, poisvai depender da passagem pelo traumatismo de se perceber no mais o objeto de satisfao da me. Nocomplicarei mais, h referncias para quem quiser entender. O mais interessante, todavia, que o paranoicoprocurar ser parado, est procura de um limite, de algum ou algo que o possa deter.

    Se os jogadores do processo, em regra, no sabem dos fatos que sero articulados, j que receberam anarrativa de terceiros, o que no sabem do evento mais importante do que sabem. Da que se instalamduas posies: conforto pelo que trazido ou angstia pelo que no trazido. No raro se concentrasomente no que trazido, esforando-se para que do material informativo tragado para o contexto do jogose possa elaborar uma narrativa minimante coerente, conforme a acusao.

    A tendncia mental a de buscar a confirmao do narrado, ter averso ao argumento defensivo, construirnarrativas frgeis de conforto, rejeitar as emoes e aspectos biolgicos como variveis da deciso, fechandoos olhos para os truques, trunfos e silncio do processo. Taleb[4] afirma que diante da opacidade do mundoarticulamos trs grandes redutores de complexidade, ou seja, nos autoenganamos de que temos: a) a ilusoda compreenso; a certeza ingnua de que sabemos o que est acontecendo em um mundo maiscomplicado do que percebemos; b) a distoro retrospectiva: como realizamos uma tarefa de contar o fatocriminoso como se estivssemos olhando pelo retrovisor a histria aparenta ser mais clara e organizada doque o mundo de fato ; c) supervalorizao da informao factual: a deficincia das pessoas emcompreenderem a complexidade a partir de teorias simplificadoras e platnicas.

    A reconstruo do caso penal se d pelas narrativas dos envolvidos vtima(s) e acusado(s) e de terceiros(informantes, testemunhas e peritos), bem assim por imagens (gravaes em vdeo, reprodues etc.) e sons(udio, interceptao de conversas) e escritos (interceptao de dados, cartas, e-mails, etc.). Busca-secompulsivamente estabelecer A histria, recontando como se tudo pudesse ser, efetivamente,reproduzido no futuro. Um remake do evento.

    Amarrados ao pensamento causalista (causa e efeito), avessos complexidade das verses paralelas ecoerentes ao mesmo tempo, remontam a histria com uma boa dose de imaginrio. Isso promove asensao de compreenso do ocorrido, como se os jogadores e o julgador passassem, da em diante, a sertestemunhas diretas do ocorrido. No se trata mais do evento histrico, mas do que se fala dele, perdendo,assim, a sua singularidade. Somos treinados a dar sentido, explicar os fenmenos, acoplando tipos penais,incapazes de aceitar o no saber.

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    Recordar eventos passados exige que o sujeito (testemunha, informante, acusado, vtima, perito) possa darsentido ao fragmento de momentos que teve conhecimento. Da que a memria filtrada e limitada,relegando o que no faz sentido e se focando naquilo que possa explicar o caso penal. No raro se querque a prova responda simplesmente: (no) aconteceu. Como se as demais circunstncias fossemirrelevantes.

    O esforo narrativo do declarante sempre retrospectivo. Da que uma das tticas dos jogadores inverter a

    ordem das perguntas, a saber, ao invs de indagar o sujeito na lgica linear, pede-se para que conte do finalpara o incio. A histria decorada e prenhe de sentidos pode ficar em curto-circuito. Mas sempre arriscadoe depende qual a estratgia utilizada[5]. Especialmente quando h interesses na condenao/absolvio, aseleo dos eventos relevantes ao lado que se pretende favorecer no deixa de ser uma modalidade dedoping processual, de certa forma de trapaa.

    Alm disso, as informaes trazidas pelos depoentes so articuladas em arrazoados que buscam(des)confirmar as teses apresentadas pelos jogadores e como linguagem que so, servem manipulao. Daque significantes abertos (perto, longe, medo, parecido, alto, baixo, etc.) so matreiramente utilizados paradepois servirem de material confirmatrio. E o mundo, todavia, vago. Ademais, quando mais articulado onarrador, melhor aparentar a sedutora narrativa, a qual junta materiais de informao e costura um sentido

    que joga com o imaginrio de jogadores e especialmente julgador, lembram Jos Calvo Gonzlez e AndrKaram Trindade. E depois h o efeito semblante de que a deciso o retrato retrospectivo do que se passou,isento de ausncias e inconsistncias. E isso preocupa, bem sabem Lenio Streck e Aury Lopes Jr. Mas seriamuito complicado aos julgadores admitir que julgam sem saber, salvo aos honestos. A situao poderia serdiferente se tivssemos dado o salto de qualidade em face da resposta correta, como defende Dworkin e, noBrasil, Lenio Streck. Enquanto as decises forem inautnticas do ponto de vista hermenutico, a borboletaest solta.

    [1] KHALED JR, Salah H. A busca da verdade no processo penal: para alm da ambio inquisitorial. So Paulo:Atlas, 2013, p. 361: Dizer que a verdade contigencial significa abrir mo desse fim a busca da verdadeeassumir outro horizonte, no qual o juiz dever estar predisposto a absolver, por exigncia da presuno deinocncia: em outras palavras, o valor inocncia deve ser estruturante e fundador do processo penal,inclusive no que se refere misso e funo do juiz, possibilitando dessa forma o rompimento com aepistemologia inquisitria orientada persecuo do inimigo. [2] MELMAN, Charles. Como algum se torna paranoico?. Trad. Telma Queiroz. Porto Alegre: CMC, 2008.[3] MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judicirio na Perspectiva da Sociedade Democrtica: O JuizCidado. In: Revista ANAMATRA. So Paulo, n. 21, p. 30-50, 1994: Uma vez perguntei: quem nos protege dabondade dos bons? Do ponto de vista do cidado comum, nada nos garante, a priori, que nas mos do Juizestamos em boas mos, mesmo que essas mos sejam boas. (...) Enfim, necessrio, parece-me, que asociedade, na medida em que o lugar do Juiz um lugar que aponta para o grande Outro, para o simblico,para o terceiro..[4] TALEB, Nassim Nicholas. A Lgica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvvel. Trad. MarceloSchild. So Paulo: Best Seller, 2012, p. 37.[5] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2014.

    FNeto (Funcionrio pblico)Fenmeno complexo atravessado de raios significantesFalar em raios, lembra-me de luz. Raios do sol, raios da chuva, ambos iluminam, clareiam. As nuvensescondem a Lua e cortinam sua luminosidade. O raio corta o escuro ali presente. Talvez aqui haja umaaproximao com a clareira heideggeriana. desde esse ponto de vista que enxergo a abordagem doprocesso, com nfase na seara penal, construda por Alexandre Morais da Rosa. Confesso que no entendi ocomentrio de que o "autor cai (...) na sua prpria critica". O comentrio parece (ob)nub(i)lar o horizonte desentido propiciado no texto do artigo, conquanto explicite a inteno de iluminar o ambiente. Ocorre que oraio se faz presente quando h nuvens. E o artigo de Alexandre Morais da Rosa, desde a perspectiva aquiconstruda, como se fosse Sol, ou seja, o cu no est nublado...! O artigo propicia uma viso alogrfica

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    (Eros Grau) do acontecer processual, desde um ponto de vista em paralaxe (Zizek). dizer, problematiza aatuao interpretativa dos jogadores no tabuleiro processual sob a perspectiva da teoria dos jogos. Aqui, aremisso s artes (v.g. msica, teatro) pode ser alograficamente elucidativa. Afinal, comum falarmos quefulano interpretou muito bem a pea, sicrano interpretou pessimamente a msica. Respectivamente,poderamos enfocar para o fenmeno jurdico: beltrano prolatou deciso constitucionalmente (in)adequada(Streck). O fenmeno jurdico fenmeno complexo. E o processo exemplo privilegiado disso. Aabordagem construda por Alexandre Morais da Rosa tem por escopo (ao menos essa a compreenso aqui

    explicitada) desvelar essas complexidades que se atravessam nas inter-relaes sujeito-sujeito do acontecerprocessual. Mas, obviamente, desvelamento como prtica hermenutica; no como pretensodescomplicadora, simplificadora.25/03/2014 20:05 Andr (Estagirio - Empresarial)ContinuaoLogo, concebido o processo como o ambiente prprio no qual o Estado pode exercer a jurisdio semrecorrer arbitrariedade, ouvindo ambas as partes e lhes permitindo provar o que alegam, cujodesenvolvimento se d mediante um conjunto pre-determinado de regras fora das quais nada permitidonem vlido, ou seja, tal qual acontece num jogo, o fato que no d para conceber o Juiz como pea foradesse tabuleiro.Pense no caso de um Jri, onde os fatos esto sujeitos a toda forma de distoro, dissimulao, um estica-e-

    puxa tanto da parte da acusao quanto da defesa, a primeira fazendo de tudo para convencer da imputaodo crime e a segunda ainda mais para convencer do contrrio; diante dessa queda de brao, onde a atividadedesenvolvida pelas partes nada faz seno distanciar o debate cada vez mais da verdade (at porque ningumest preocupado com isso, a briga pelo convencimento do juiz da tese que cada um defende), quererempurrar o Juiz para esse precipcio que o julgamento da verdade equivale quase que ao espernearhistrico de uma criana que quer um brinquedo mesmo sabendo que o pai no possui condies decompr-lo.25/03/2014 19:36 Andr (Estagirio - Empresarial)Eporque a culpa tem que ser do Juiz?Caro Davi, compreendo o sentido da crtica do prof. Alexandre. A questo que no me parece razovel essatendncia de sempre desequilibrar (para abusar da expresso) a balana pro lado de quem julga.Ora, se estamos falando de um jogo, e eu acredito mesmo que seja assim - por isso afirmei que em nenhumprocesso, civil ou penal, julga-se realidade alguma, mas apenas uma fatia dela que trazida para os autos,essa que por sua vez j vem poluda pela narrativa convenientemente ajustada aos interesses de quem adescreve, o mesmo se aplicando parte que se defende -, em suma, se este o jogo, o Juiz nada mais doque parte dele, assumindo a mesma carga de responsabilidade dos demais participantes e estando sujeito smesmas influncias, seja o bater de asas da borboleta, o frio do ar condicionado ou o que for...

    Construo dos pr-compromissos constitucionais nos EUAPor Rafael Tomaz de Oliveira

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    De l para c, o constitucionalismo estadunidense produziu uma considervel bibliografia sobre como foram

    julgados esses casos em que se discutia a aplicao dos direitos fundamentais, sendo que hoje o foco deanlise se d em torno da delimitao das experincias ativistas da Suprema Corte ao longo da histria, bemcomo na identificao da construo de argumentos de limitao do poder de reviso da corte, conhecidocomo judicial self-restraint. isso que est indicado no texto de Christopher Wolfe The rise of modern

    judicial review: from constitutional interpretation to judge-made law.[1]

    Ou seja, diferentemente do contexto europeu, a tradio norte-americana vivenciou a experincia deconstitucionalizao acompanhada de um amplo debate sobre como a Suprema Corte deveria se comportare quais os limites desta atuao. Isso porque, paralelo expanso do movimento constitucionalizador nosEstados Unidos, crescia, conjuntamente, a atividade jurisdicional. Isso repercutiu diretamente numapreocupao no modo de delinear o espao poltico-institucional do Judicirio, mas no apenas nisso: numesforo intelectual com o objetivo de aprofundar os debates sobre como compreender a interpretao

    judicial da Constituio.

    Essa questo aparece, por exemplo, nos textos de Walter Murphy (Judicial Supremacy)[2], que discute a ideiade supremacia judicial em contraposio noo de autorrestrio; Laurence Tribe (The Invisible

    Constitution)[3], um dos mais conhecidos constitucionalistas estadunidenses; John Hart Ely (Democracy andDistrust)[4], que apresenta uma posio bem distinta sobre o papel do judicirio na realizao dainterpretao da Constituio; Charles Beard (The Supreme Court and the Constitution)[5], que faz umaampla reconstruo histrica sobre o nascimento do judicial review, retomando, de modo bastanteaprofundado, s peculiaridades da discusso sobre o posicionamento exarado no julgamento do casoMarbury vs. Madison; Mark Tushnet (Taking the Constitution away from the Courts)[6], que faz umainteressante leitura sobre a relao da atuao do Suprema Corte com a conjuntura poltica norte-americana; Alexander Bickel (The Last Dangerous Branch: the Supreme Court at the Bar of Politics)[7] e RaoulBerger (Government by Judiciary)[8].

    Em todas as obras citadas, h um nmero significativo de referncias a casos julgados pela Suprema Corte,nos quais a interpretao da Constituio implicava na aplicao direta de direitos fundamentais (para o beme para o mal). Independentemente, o fato que, em ltima anlise, os autores acima citados corroboram aafirmao de que o problema da fora normativa da Constituio se apresenta no contexto estadunidensedesde a afirmao da judicial review. Indo um pouco mais alm, possvel afirmar que a noo desupremacia constitucional, nos Estados Unidos, esteve diretamente relacionada com a afirmao do PoderJudicirio (judicial review), razo pela qual a interpretao, desde os primrdios, sempre foi o principalobjeto de discusso acadmica.

    Alm de tudo isso, do ponto de vista constitucional, preciso reconhecer nos Estados Unidos um certopioneirismo. No que tange especificamente engenharia constitucional, este pioneirismo teve lugar por doismotivos concomitantes:

    1) Os Estados Unidos no viveram os problemas dos conflitos religiosos que marcaram a experinciaconstitucional europeia. De algum modo, os imigrantes que se instalaram nas colnias encontraram ali oambiente propcio para uma convivncia pacfica entre as diversas crenas e religies. E esse ideal deliberdade religiosa, que de algum modo inspira todos os membros dessa sociedade em formao, possibilitoua configurao de uma sociedade plural e multifacetada, o que tardou a acontecer na Europa;

    2) Os norte-americanos conheciam as construes tericas do iluminismo ingls e francs e sabiam dasmedidas que a Inglaterra e a Frana vinham tomando para moderar o poder do rei. Nesse particular, aexperincia inglesa importante, sobretudo em face da inexorvel influncia que a metrpole exercia sobrea ento colnia.

    Nessa medida, a revoluo americana representa a construo de uma srie de aportes tericos quetransformam profundamente o constitucionalismo. Em primeiro lugar, a afirmao de um sistema federalistade governo que garantiu autonomia administrativa e legislativa aos estados (13 colnias independentes). Por

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    outro lado, a criao de uma nova modalidade de limitao do poder com a construo de instrumentos queprocuram travar a vontade das maiorias eventuais prevenindo um possvel governo arbitrrio por partedestas maiorias, uma vez que os representantes eleitos pelo voto majoritrio poderiam se tornar um tipo dearistocracia de fato*9+ a partir da garantia dos direitos da minoria. Estratgia justificada na desconfianade Madison formulada no seguinte enunciado: em todos os casos em que a maioria est unida por uminteresse ou paixo comum, os direitos da minoria esto em perigo.

    Por fim, e talvez o mais importante, a construo de um ambiente cultural no interior do qual a lei ocupa olugar do rei, em contraposio aos modelos absolutistas em que o rei a lei. Desse modo, a afirmao deThomas Paine de que uma Constituio no um ato de um governo, mas sim o ato de um povo que criaum governo, ou, em outras palavras, um governo sem Constituio um poder sem direito, encontraterreno frtil para brotar e dar frutos.[10]

    Estas trs caractersticas permitem visualizar o carter de pr-compromisso de que se reveste a Constituio,a partir dos contornos que lhe d o constitucionalismo estadunidense. Ou seja, com Stockton, possveldizer que Constituies so correntes com as quais os homens se amarram em seus momentos de sanidadepara que no morram por uma mo suicida em seu dia de frenesi. So, portanto, restries que os prpriosautores polticos estabelecem para si e para as geraes futuras, para garantir um governo que esteja sob o

    direito e no sobre ele. Como assevera Cass Sunstein: as estratgias de pr -compromisso constitucionaispoderiam servir para superar a miopia ou a fraqueza da vontade da coletividade*11+.

    Desse modo, a judicial review a garantia de que esse pr-compromisso ser devidamente cumprido porisso a ligao entre Judicirio e supremacia constitucional. E isso consequncia da verdadeira soberania dalei. Mas no de qualquer lei, e sim daquela que passa a ser entendida como a lei das leis, a paramount law,dotada de supremacia e rigidez: a Constituio. Nas palavras de Matteucci: em lugar da velha leiconsuetudinria, uma Constituio escrita, que contm os direitos garantidos aos cidados por um juiz, quefixa e declara a lei*12+.Vejamos, ento, os contornos que essa jurisdio, constituidora deste elo pr -compromissrio, receber na formao da federao americana.

    De tudo o que foi dito, ao menos uma coisa parece ficar clara: a deciso de Marshall no leading case Marburyv.s. Madson mais um ponto de chegada do que um ponto de partida. Ou seja, nesta deciso, a SupremaCorte afirmou um mecanismo que j vinha se sedimentando no interior da construo histrica doconstitucionalismo e que encontrou as condies adequadas para seu desenvolvimento em solo norte-americano.

    importante lembrar que, nos debates sobre a unificao das 13 colnias e na redao da Constituio em1788[13], j estavam desenhados os contornos de um necessrio controle dos atos do parlamento e doexecutivo com relao Constituio Federal. Isso se d, como ressaltei no item anterior, a partir da ideia depr-compromissos constitucionais. Por isso, a tese de Marshall, embora tenha gerado muitas controvrsias,no provocou ruptura ou inovou no contexto do constitucionalismo norte-americano, mas ampliou a ideia desupremacia constitucional (e, por conseguinte, de controle), sedimentando-a a partir da atuao

    jurisdicional. [14]

    Como lembra Matteucci, a consagrao do judicial review pelo chief justice John Marshall representa oacabamento da construo constitucional norte-americana. Sem ele, o modelo de freios e contrapesos que,com Elster, podemos dizer que caracteriza o constitucionalismo estadunidense, no estaria completo.[15]

    Agora, importante para nossa pesquisa esclarecer alguns pontos no que tange ao papel que a cortedesempenha no exerccio do judicial review. Quero dizer, alm do tradicional juzo de constitucionalidade(determinar se a lei do parlamento est ou no de acordo com a paramount law), a Suprema Corte cumprealgumas funes deveras importantes. Entre estas funes est o carter de fechamento do sistemafederativo e sua participao nos problemas envolvendo questes da federao na administrao dosEstados.

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    Todo esse poder conferido ao Judicirio no se apresenta isento de problemas. Se era necessria a criao deum mecanismo de controle dos pr-compromissos constitucionais, tambm certo que os limites dessaatividade de controle passam a gerar certa discusso. Christopher Wolfe coloca com preciso astransformaes que ocorreram no Judicirio, ou melhor, no exerccio do judicial review. Ele alerta que, com opassar dos anos, o papel desempenhado pela Suprema Corte foi significativamente alterado, de modo que,de intrprete privilegiado da Constituio, o tribunal passou a agir como uma variante do Poder Legislativo.

    [1] WOLFE, Christopher. The rise of modern judicial review: from constitutional interpretation to judge-madelaw. Boston: Littlefield Adams Quality Paperbacks, 1994.[2] MURPHY, Walter F. Judicial Supremacy. In: LEVY, Leonard W.; KARST, Kenneth L.; MAHONEY, Dennis J.(Orgs.). Judicial Power and the Constitution: selections from the Encyclopedia of the American Constitution.New York: Macmillan, 1990, p. 54-7.[3] TRIBE, Laurence H. The invisible constitution. New York: Oxford University Press, 2008.[4] ELY, John Hart. Democracy and distrust: a theory of judicial review. Cambridge: Harvard University Press,2002.[5] BEARD, Charles A. The Supreme Court and the Constitution. Mineola: Dover Publications Inc., 2006.Destaca-se que a primeira edio desta obra saiu em 1912, sendo que a segunda foi publicada em 1962,edio esta que a mais recente em termos conteudsticos.

    [6] TUSHNET, Mark. Taking the constitution away from the courts. Princeton: Princeton University Press,2000.[7] BICKEL, Alexander. The Last Dangerous Branch: the Supreme Court at the Bar of Politics. N. York: Vail-Ballou Press, 1986.[8] BERGER, Raoul. Government by Judiciary. Harvard University Press, 1977.[9] A expresso de Mirabeu e utilizada por Elster (Cf. Elster, Jon. Ulisses Liberto. So Paulo: Unesp, 2010,p.169).[10] Cf. Matteucci, Nicola. Organizacin del Poder y Libertad. Madrid: Trotta, 2006, p. 164.[11] Ambos citados por Elster (Cf. Elster, Jon. op., cit., p. 120). Alis, importante anotar que foi Elster quemmelhor trabalhou a aproximao entre a ideia de pr-compromisso que aparece na Odissia de Homero e asmodernas Constituies, principalmente aquela que representa a consagrao do constitucionalismo norte-americano. Com efeito, no pico de Homero, Ulisses, durante seu regresso a taca, sabia que enfrentariaprovaes de toda sorte. A mais conhecida destas provaes o canto das sereias que, por seu efeitoencantador, desviava os homens de seus objetivos e os conduzia a caminhos tortuosos, dos quaisdificilmente seria possvel voltar. Ocorre que, sabedor do efeito encantador do canto das sereias, Ulissesordena aos seus subordinados que o acorrentem ao mastro do navio e que, em hiptese alguma, obedeamqualquer ordem de soltura que ele venha a emitir posteriormente. Ou seja, Ulisses sabia que no resistiria e,por isso, cria uma autorrestrio para no sucumbir depois. Do mesmo modo, as Constituies poderiam servistas como as correntes de Ulisses, atravs das quais o corpo poltico estabelece algumas restries parano sucumbir ao despotismo das futuras maiorias (parlamentares ou monocrticas). Todavia, Elster revisitouessa sua construo e a entende, atualmente, apenas parcialmente correta. Isso por uma srie de questesque no cabem serem aqui analisadas. Para efeitos do que aqui pretendo encaminhar, entendo continuarcorreta a ideia de pr-compromissos constitucionais tal qual Elster havia descrito em Ulisses and the Sirens.[12] Cf. Matteucci, Nicola. op., cit., p. 169.[13] De se lembrar que, com a independncia das treze colnias, colocou-se em pauta o debate pela unioou separao de cada um dos territrios. Evidentemente que o problema passava pela afirmao de umaautonomia administrativa de cada uma das colnias. em 1778, com a ratificao da Constituio pelamaioria dos Estados, que se culmina o processo histrico de unificao, ou melhor, de federao dascolnias, que fora iniciado desde o congresso de Albany em 1754.[14] Essa discusso em torno do posicionamento de Marshall pode ser encontrada na obra de Charles Beard,op. cit., passim, que foi escrita justamente com o fito de colocar fim s discusses levantadas sobre alegitimadade do judicial review.[15] Cf. Matteucci, Nicola. op., cit., p. 167/169.

    Construo dos pr-compromissos constitucionais nos EUAPor Rafael Tomaz de Oliveira

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    1) Os Estados Unidos no viveram os problemas dos conflitos religiosos que marcaram a experinciaconstitucional europeia. De algum modo, os imigrantes que se instalaram nas colnias encontraram ali oambiente propcio para uma convivncia pacfica entre as diversas crenas e religies. E esse ideal deliberdade religiosa, que de algum modo inspira todos os membros dessa sociedade em formao, possibilitoua configurao de uma sociedade plural e multifacetada, o que tardou a acontecer na Europa;

    2) Os norte-americanos conheciam as construes tericas do iluminismo ingls e francs e sabiam dasmedidas que a Inglaterra e a Frana vinham tomando para moderar o poder do rei. Nesse particular, aexperincia inglesa importante, sobretudo em face da inexorvel influncia que a metrpole exercia sobrea ento colnia.

    Nessa medida, a revoluo americana representa a construo de uma srie de aportes tericos quetransformam profundamente o constitucionalismo. Em primeiro lugar, a afirmao de um sistema federalistade governo que garantiu autonomia administrativa e legislativa aos estados (13 colnias independentes). Poroutro lado, a criao de uma nova modalidade de limitao do poder com a construo de instrumentos queprocuram travar a vontade das maiorias eventuais prevenindo um possvel governo arbitrrio por partedestas maiorias, uma vez que os representantes eleitos pelo voto majoritrio poderiam se tornar um tipo de

    aristocracia de fato*9+ a partir da garantia dos direitos da minoria. Estratgia justificada na desconfianade Madison formulada no seguinte enunciado: em todos os casos em que a maioria est unida por uminteresse ou paixo comum, os direitos da minoria esto em perigo.

    Por fim, e talvez o mais importante, a construo de um ambiente cultural no interior do qual a lei ocupa olugar do rei, em contraposio aos modelos absolutistas em que o rei a lei. Desse modo, a afirmao deThomas Paine de que uma Constituio no um ato de um governo, mas sim o ato de um povo que criaum governo, ou, em outras palavras, um governo sem Constituio um poder sem direito, encontraterreno frtil para brotar e dar frutos.[10]

    Estas trs caractersticas permitem visualizar o carter de pr-compromisso de que se reveste a Constituio,a partir dos contornos que lhe d o constitucionalismo estadunidense. Ou seja, com Stockton, possveldizer que Constituies so correntes com as quais os homens se amarram em seus momentos de sanidadepara que no morram por uma mo suicida em seu dia de frenesi. So, portanto, restries que os prpriosautores polticos estabelecem para si e para as geraes futuras, para garantir um governo que esteja sob odireito e no sobre ele. Como assevera Cass Sunstein: as estratgias de pr -compromisso constitucionaispoderiam servir para superar a miopia ou a fraqueza da vontade da coletividade*11+.

    Desse modo, a judicial review a garantia de que esse pr-compromisso ser devidamente cumprido porisso a ligao entre Judicirio e supremacia constitucional. E isso consequncia da verdadeira soberania dalei. Mas no de qualquer lei, e sim daquela que passa a ser entendida como a lei das leis, a paramount law,dotada de supremacia e rigidez: a Constituio. Nas palavras de Matteucci: em lugar da velha leiconsuetudinria, uma Constituio escrita, que contm os direitos garantidos aos cidados por um juiz, quefixa e declara a lei*12].Vejamos, ento, os contornos que essa jurisdio, constituidora deste elo pr-compromissrio, receber na formao da federao americana.

    De tudo o que foi dito, ao menos uma coisa parece ficar clara: a deciso de Marshall no leading case Marburyv.s. Madson mais um ponto de chegada do que um ponto de partida. Ou seja, nesta deciso, a SupremaCorte afirmou um mecanismo que j vinha se sedimentando no interior da construo histrica doconstitucionalismo e que encontrou as condies adequadas para seu desenvolvimento em solo norte-americano.

    importante lembrar que, nos debates sobre a unificao das 13 colnias e na redao da Constituio em1788[13], j estavam desenhados os contornos de um necessrio controle dos atos do parlamento e doexecutivo com relao Constituio Federal. Isso se d, como ressaltei no item anterior, a partir da ideia depr-compromissos constitucionais. Por isso, a tese de Marshall, embora tenha gerado muitas controvrsias,no provocou ruptura ou inovou no contexto do constitucionalismo norte-americano, mas ampliou a ideia de

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    supremacia constitucional (e, por conseguinte, de controle), sedimentando-a a partir da atuaojurisdicional. [14]

    Como lembra Matteucci, a consagrao do judicial review pelo chief justice John Marshall representa oacabamento da construo constitucional norte-americana. Sem ele, o modelo de freios e contrapesos que,com Elster, podemos dizer que caracteriza o constitucionalismo estadunidense, no estaria completo.[15]

    Agora, importante para nossa pesquisa esclarecer alguns pontos no que tange ao papel que a cortedesempenha no exerccio do judicial review. Quero dizer, alm do tradicional juzo de constitucionalidade(determinar se a lei do parlamento est ou no de acordo com a paramount law), a Suprema Corte cumprealgumas funes deveras importantes. Entre estas funes est o carter de fechamento do sistemafederativo e sua participao nos problemas envolvendo questes da federao na administrao dosEstados.

    Todo esse poder conferido ao Judicirio no se apresenta isento de problemas. Se era necessria a criao deum mecanismo de controle dos pr-compromissos constitucionais, tambm certo que os limites dessaatividade de controle passam a gerar certa discusso. Christopher Wolfe coloca com preciso astransformaes que ocorreram no Judicirio, ou melhor, no exerccio do judicial review. Ele alerta que, com o

    passar dos anos, o papel desempenhado pela Suprema Corte foi significativamente alterado, de modo que,de intrprete privilegiado da Constituio, o tribunal passou a agir como uma variante do Poder Legislativo.

    [1] WOLFE, Christopher. The rise of modern judicial review: from constitutional interpretation to judge-madelaw. Boston: Littlefield Adams Quality Paperbacks, 1994.[2] MURPHY, Walter F. Judicial Supremacy. In: LEVY, Leonard W.; KARST, Kenneth L.; MAHONEY, Dennis J.(Orgs.). Judicial Power and the Constitution: selections from the Encyclopedia of the American Constitution.New York: Macmillan, 1990, p. 54-7.[3] TRIBE, Laurence H. The invisible constitution. New York: Oxford University Press, 2008.[4] ELY, John Hart. Democracy and distrust: a theory of judicial review. Cambridge: Harvard University Press,2002.[5] BEARD, Charles A. The Supreme Court and the Constitution. Mineola: Dover Publications Inc., 2006.Destaca-se que a primeira edio desta obra saiu em 1912, sendo que a segunda foi publicada em 1962,edio esta que a mais recente em termos conteudsticos.[6] TUSHNET, Mark. Taking the constitution away from the courts. Princeton: Princeton University Press,2000.[7] BICKEL, Alexander. The Last Dangerous Branch: the Supreme Court at the Bar of Politics. N. York: Vail-Ballou Press, 1986.[8] BERGER, Raoul. Government by Judiciary. Harvard University Press, 1977.[9] A expresso de Mirabeu e utilizada por Elster (Cf. Elster, Jon. Ulisses Liberto. So Paulo: Unesp, 2010,p.169).[10] Cf. Matteucci, Nicola. Organizacin del Poder y Libertad. Madrid: Trotta, 2006, p. 164.[11] Ambos citados por Elster (Cf. Elster, Jon. op., cit., p. 120). Alis, importante anotar que foi Elster quemmelhor trabalhou a aproximao entre a ideia de pr-compromisso que aparece na Odissia de Homero e asmodernas Constituies, principalmente aquela que representa a consagrao do constitucionalismo norte-americano. Com efeito, no pico de Homero, Ulisses, durante seu regresso a taca, sabia que enfrentariaprovaes de toda sorte. A mais conhecida destas provaes o canto das sereias que, por seu efeito encantador, desviava os homens de seus objetivos e os conduzia a caminhos tortuosos, dos quaisdificilmente seria possvel voltar. Ocorre que, sabedor do efeito encantador do canto das sereias, Ulissesordena aos seus subordinados que o acorrentem ao mastro do navio e que, em hiptese alguma, obedeamqualquer ordem de soltura que ele venha a emitir posteriormente. Ou seja, Ulisses sabia que no resistiria e,por isso, cria uma autorrestrio para no sucumbir depois. Do mesmo modo, as Constituies poderiam servistas como as correntes de Ulisses, atravs das quais o corpo poltico estabelece algumas restries parano sucumbir ao despotismo das futuras maiorias (parlamentares ou monocrticas). Todavia, Elster revisitouessa sua construo e a entende, atualmente, apenas parcialmente correta. Isso por uma srie de questesque no cabem serem aqui analisadas. Para efeitos do que aqui pretendo encaminhar, entendo continuarcorreta a ideia de pr-compromissos constitucionais tal qual Elster havia descrito em Ulisses and the Sirens.

  • 5/27/2018 A Filosofia Do Direito e Seus Horizontes

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    [12] Cf. Matteucci, Nicola. op., cit., p. 169.[13] De se lembrar que, com a independncia das treze colnias, colocou-se em pauta o debate pela unioou separao de cada um dos territrios. Evidentemente que o problema passava pela afirmao de umaautonomia administrativa de cada uma das colnias. em 1778, com a ratificao da Constituio pelamaioria dos Estados, que se culmina o processo histrico de unificao, ou melhor, de federao dascolnias, que fora iniciado desde o congresso de Albany em 1754.[14] Essa discusso em torno do posicionamento de Marshall pode ser encontrada na obra de Charles Beard,

    op. cit., passim, que foi escrita justamente com o fito de colocar fim s discusses levantadas sobre alegitimadade do judicial review.[15] Cf. Matteucci, Nicola. op., cit., p. 167/169.

    Opacidade do Direito ainda conceito mal compreendidoPor Andr Karam Trindade e Alexandre Morais da Rosa

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  • 5/27/2018 A Filosofia Do Direito e Seus Horizontes

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    Alberto Binder destaca que, em sociedades complexas e excludentes, o princpio da suficiente advertnciamostra-se absolutamente necessrio. O princpio da legalidade, por si s, no garante que o sujeito saibaquais as condutas que so permitidas/proibidas. E como a reao estatal violncia legitimada mediantea imposio de penas , o prvio conhecimento da ilicitude da conduta no pode continuar sendo tratadocomo uma quimera, devendo inverter a lgica no Direito Penal, justamente porque a ignorncia e o erro decompreenso produzem efeitos determinantes sobre a existncia da responsabilidade penal.

    Esta advertncia deve ser clara o suficiente, no bastando a publicao da lei, no sentido de permitir que seorientem as condutas conforme a norma. Para tanto, a existncia de um Cdigo Penal, sem legislaoextravagante, o ponto de partida. Isto a tal reserva de cdigo, da qual nos fala Ferrajoli, embora o atualprojeto seja de Cdigo Penal tenha muitssimos problemas. A consequncia deste princpio que o sujeitono pode ser declarado responsvel, dado que aquilo que se demanda de conhecimento, dentro dascondies propiciadas, mostra-se impossvel. Se o sujeito no compreende a ilicitude, o desconhecimento dalei, portanto, o salva. Razovel, ademais, que exista, em sociedades com alto ndice de analfabetismo emanietados pela histria recente autoritria, uma debilidade de conhecimento e compreenso das regrasproibitivas, cabendo ao Poder Judicirio, no processo, apurar essa situao.

    Todavia, se a opacidade do Direito uma caracterstica cada vez mais presente na sociedade

    contempornea, este fenmeno no pode ser estendido aos denominados operadores do Direito. Paraeles, no apenas o conhecimento da lei mais especificamente, da lei constitucional , mas tambm suavinculao a ela, so impositivos. Este , alis, um dos pilares do Estado Democrtico de Direito.

    Por isto, a noo de opacidade precisa ser apreendida pelo senso comum terico brasileiro, evitando-se, comisso, a responsabilidade praticamente objetiva de boa parcela da comunidade brasileira, ainda incapaz decompreender a complexidade criada pelo sistema jurdico brasileiro, de maneira que o estudo da obra deCarlos Mara Crcova pode ser um sendero.

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  • 5/27/2018 A Filosofia Do Direito e Seus Horizontes

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    Ainda bem que tenho o Criminologia do Srgio Salomo Shecaira na minha mesa.Abraos.P.S.: Algum acredita na nova novela da 21:00 quando mostra a moa que est atrs da personagem daGiovana Antonelli conversando com a amiga e ao funda mulheres como ninfas gregas, fazendo caro... Ou ocara brasileiro que flautista com fama na ustria!!! Vai saber o que vem depois disso.8/03/2014 10:53 FNeto (Funcionrio pblico)No af da resposta, opaca(s) a(s) pergunta(s)...

    Poderamos metaforizar o carter vinculativo das leis sob a tica do Estado Democrtico de Direito comopergunta(s), do tipo: vamos nos transformar em uma sociedade mais livre, justa e igualitria?; vamospromover o bem de todos, sem quaisquer formas de discriminao?; vamos garantir o desenvolvimentonacional?; vamos reduzir as desigualdades sociais e regionais? O stio Viomundo acaba de publicar entrevistade Luiz Flavio Gomes em que o mesmo aborda o carter redutor da criminalidade nos pases de capitalismoevoludo e distributivo. Um dos problemas seria que ainda nos encontramos em um capitalismo do tiposelvagem, segundo o referido jurista; caracterstica de modo a deixar opacas as perguntas constitucionais e aenfraquecer a vinculatividade das respostas sociais. Opacidade como pedra no meio do caminho detransformatividade que se realizar(i) no decorrer da temporalidade da diferena ontolgica - em sentidohermenutico. A opacidade do Direito trabalhada por Carlos Mara Crcova e aqui esclarecida por AndrKaram Trindade e Alexandre Morais da Rosa tem aproximao com a advertncia de que se deve praticar um

    constitucionalismo adequado (Bckenfrd, Streck) s suas condies de possibilidade - no caso brasileiro,capitalismo perifrico de tipo selvagem. Afinal, com Elas Daz, pode-se dizer que a vinculatividadeconstitucional trasformativa tambm se realiza no carter poroso da legalidade (des)conhecida.PS: Verifico que a recomendao de distanciamento dos holofotes lanada a ttulo provocativo na colunaDirio de Classe da semana passada no ganhou a devida repercusso. O ministro Joaquim Barbosa deuentrevista poca (da bilionria Globo). Emblemtica a foto do ministro caminhando (algo como "ficaligado, man!") em direo ao leitor.

    Da carnavalizao do Direito ao baile de mscaras no STFPor Andr Karam Trindade e Alexandre Morais da Rosa

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  • 5/27/2018 A Filosofia Do Direito e Seus Horizontes

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    problema, conhecido de todos e negado por muitos, que a alteridade promove o encontro com algoestranho e, ao mesmo tempo, to prximo, a saber, a violncia constitutiva da sociedade. Ela se identifica eincorpora, de alguma maneira, o discurso normativista baseado numa imaginria paz perptua ,mediante intervenes violentas para, paradoxalmente, promov-la.

    Em seu Manifesto do Surrealismo Jurdico, Warat propunha a reinveno do ensino do Direito atravs doamor, da magia, da poesia e da loucura sem se esquecer dos desvios instaurados pelo inconsciente

    atravessados pelo desejo , a partir dos aportes do surrealismo e da carnavalizao. Esta mesma frmulase encontra em seu A Cincia Jurdica e seus dois maridos, cuja leitura desde logo recomendada!

    Brincando de mocinho na democracia constitucionalSe uma coisa a carnavalizao do Direito, nos termos propostos por Warat, a partir dos aportes tericos deBakhtin, outra, bem diversa, o baile de mscaras que se observa no Supremo Tribunal Federal.

    Talvez boa parte dos magistrados e membros do Ministrio Pblico tenha, quando criana, brincado democinho e bandido. A dinmica era simples: o bem contra o mal. Na luta eterna, idealizada pela mdia esuper-heris, era assim que preenchamos o imaginrio infantil. Flvio Kothe, professor de esttica da UnB,aponta que a narrativa trivial encena um ritual banal de vitria do bem contra o mal. Essas dicotomias so

    dadas desde antes, maniqueisticamente, e beiram ao obsessivo e doentio retorno do mesmo. Diz Kothe:Sob a aparncia de diverso, faz uma doutrinao, em que os preconceitos do pblico so legitimados eauratizados.

    Isso nos mostra que a convivncia democrtica no se faz presente para aqueles cujo retorno sempreatrelado a ocupar o lugar de mocinho, imaginrio por excelncia, que ficou retido na vida, aparentemente,adulta. A luta por defenestrar o mal, acabar com os ditos criminosos, punir todos que fazem objeo cruzada pela salvao social o mote. Nessa luta pelo bem, claro, podem existir juzes que dizem no! Hregras a se cumprir. Sabemos, por Agamben, que a necessidade de purificar a sociedade no encontrabarreiras. Tal necessidade faz a sua lei, sempre de exceo, contando, tambm, com o apoio do pblico, noespetculo da destruio subjetiva do outro.

    Tudo isso, quem sabe, possa servir para entender o que se passa com o julgamento recente da Ao Penal470 pelo Supremo Tribunal Federal. No se trata de discutir o mrito da deciso. A deciso estfundamentada, o relator ministro Joaquim Barbosa disse expressamente que aumentou a pena para noprescrever, ou seja, o julgamento foi condicionado pela prescrio, e no pela pena adequada. Da que adiscusso precisa ser recomposta. Realinhar a discusso no campo jurdico, e no sob os holofotes, umcaminho importante em tempos de linchamento pblico e de pessoas amarradas em postes. O PoderJudicirio tem essa funo de evitar a vingana privada, colocando-se como barreira. Isto no significa,todavia, que os juzes possam assumir o papel de mocinhos (e nem de bandidos). Sua funo resgatar oprocesso civilizatrio dentro de limites democrticos. Todavia, nos ltimos tempos, sua atuao ganhoucontornos de Salvao dos Bons.

    Agostinho Ramalho Marques Neto nos pergunta: Quem nos salvar da bondade dos bons? O perigo deuma cruzada dessas foi representado na histria por Robespierre e outros tantos, para os quais o discursoprecisa ser forte, entendendo, todavia, que no adianta o querer convencer. Esto eclipsados em suasfantasias de mocinhos eternos, insuflados por eles mesmos, para os quais, nada adianta dizer...

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  • 5/27/2018 A Filosofia Do Direito e Seus Horizontes

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    BSERVATRIO CONSTITUCIONALEfetividade dos direitos sociais sem assistencialismo judicialPor Fbio Lima Quintas

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  • 5/27/2018 A Filosofia Do Direito e Seus Horizontes

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    eleitos ou tecnicamente mais preparados para tratar do assunto qual a legitimidade do Poder Judiciriopara definir prioridades governamentais, considerando, ainda, os inegveis impactos no planejamento e nooramento pblico? [2]

    Sendo talvez mais produtivo afastar-se desse dilema, entre judicializar ou no os direitos sociais, cabeidentificar outros caminhos a serem explorados.

    Admitindo-se a judicializao das polticas pblicas para a concretizao dos direitos sociais, pode-se fugir doideal do juiz como um provedor primrio de direitos sociais, para pensar o Judicirio exercendo uma funode provedor secundrio, assegurando que procedimentos justos foram adotados tanto na alocao quantona prestao de quaisquer benefcios decorrentes de direitos sociais. Esse modelo tem a virtude de evitaruma alocao seletiva de benefcios, fortalecer a responsabilidade poltica e garantir a implementao dosdireitos sociais de forma ampla. o que prope D. M. Davis, que conclui:

    Dessa forma, o Poder Judicirio confere efetividade aos direitos sociais de uma maneira compatvel com asescolhas polticas democraticamente feitas por meio dos Poderes Executivo e Legislativo. Assegura que ogoverno seja lembrado de seus deveres, decorrentes de determinaes constitucionais, mas que isso se faapor meio da implementao de polticas pblicas.*3+ (traduo livre)

    Exemplo dessa perspectiva de atuao judicial encontrado na Suprema Corte da Repblica da frica do Sul,que, ao lidar com o grande desafio de dar concretude aos direitos scio-econmicos estabelecidos em suaConstituio de 1996, conformou jurisprudncia que se tornou uma referncia mundial para essa discusso.

    No primeiro caso paradigmtico, Government of the Republic of South Africa v. Grootboom (2000), aSuprema Corte Sul Africana lidou com demanda proposta por um grupo de sem tetos Irene Grootboom eoutros que reclamavam do Estado provimento judicial que lhes garantisse alguma acomodao adequadaat que lhes fosse dada moradia definitiva, com base no direito constitucionalmente assegurado moradia.A Corte, desde l