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A Noção de na Criança * Conservacão ~ Glaucenete Barros de Oliveira Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia do Ceará. Mestre em Educação pela PUC/RJ. Professor-As- sistente do Departamento de Educação da Universidade Federal do Ceará. INTRODUÇAO Este trabalho é uma réplica dos estudos de Piaget sobre conservação de sólido, líquido, peso, volume, número e com- primento. Pretendemos estudar a estrutura mental de crian- ças, entre 4 e 10 anos, e verificar a idade em que elas atin- gem as noções de conservação acima indicadas. A preocupação central é o conhecimento das estruturas elementares do raciocínio lógico, julgamento crítico e como a criança atinge esta organização. Pretendemos, também, co- nhecer as condições favoráveis a tal desenvolvimento e su- geri-Ias. A primeira parte é um estudo dos mecanismos e pro- cessos cognitivos que determinam a estrutra mental, segun- do Piaget. (*) Estudo realizado no Instituto de Alencar. 82 Na segunda parte, através de provas piagetianas de con- servação, conforme descrição de Fogelman, K. R. (Piagetian tests for the primary school) verificaremos em que níveis de estrutura mental se encontram crianças cearenses, entre 4 e 10 anos. Na terceira parte preocupamo-nos com os aspectos pe- dagógicos da obra de Piaget, relacionando as noções de con- servação ao processo ensino-aprendizagem. E, finalmente, com base nos estudos feitos, sugeriremos, de acordo com as possibilidades e limites de aplicação à nossa realidade, as contribuições de Piaget à didática. PARTE I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 1. Noções básicas dos processos cognitivos, segundo Piaget. No processo do conhecimento Piaget (3) acentua a in- teração entre sujeito e meio ambiente, colocando a aprendi- zagem em função do desenvolvimento, e não o contrário. Por- tanto, para explicar o funcionamento intelectual, Piaget faz referência a dois mecanismos: assimilação e acomodação. A assimilação é uma busca de conhecimento e a acomodação é a modificação dos esquemas adquiridos a novas situações. Estes dois processos estão indissoluvelmente ligados, no en- tanto, em alguns momentos, pode haver o predomínio de um deles. No início do desenvolvimento, a assimilação predomí- na, mas, à medida que o indivíduo vai estabelecendo vínculos com o meio ambiente (acomodação), a assimilação deixa de ficar fixada na subjetividade do indivíduo o qual, através de uma compreensão progressiva, desenvolve o raciocínio. A atividade assimiladora leva a uma acomodação da estrutura mental, seja desenvolvendo novos esquemas, seja diferenciando-os ou coordenando-os uns aos outros. O equi- líbrio entre assimilação e acomodação permite uma adapta- ção cada vez melhor. A coordenação dos esquemas vai am- pliando a possibilidade mental da criança e cada vez mais os esquemas assimilados vão se tornando móveis. Este pro- 83

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Page 1: A Noção de Conservacão à na Criança

A Noção dena Criança *

Conservacão~

Glaucenete Barros de OliveiraLicenciada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia doCeará. Mestre em Educação pela PUC/RJ. Professor-As-sistente do Departamento de Educação da UniversidadeFederal do Ceará.

INTRODUÇAO

Este trabalho é uma réplica dos estudos de Piaget sobreconservação de sólido, líquido, peso, volume, número e com-primento. Pretendemos estudar a estrutura mental de crian-ças, entre 4 e 10 anos, e verificar a idade em que elas atin-gem as noções de conservação acima indicadas.

A preocupação central é o conhecimento das estruturaselementares do raciocínio lógico, julgamento crítico e como acriança atinge esta organização. Pretendemos, também, co-nhecer as condições favoráveis a tal desenvolvimento e su-geri-Ias.

A primeira parte é um estudo dos mecanismos e pro-cessos cognitivos que determinam a estrutra mental, segun-do Piaget.

(*) Estudo realizado no Instituto de Alencar.

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Na segunda parte, através de provas piagetianas de con-servação, conforme descrição de Fogelman, K. R. (Piagetiantests for the primary school) verificaremos em que níveis deestrutura mental se encontram crianças cearenses, entre 4e 10 anos.

Na terceira parte preocupamo-nos com os aspectos pe-dagógicos da obra de Piaget, relacionando as noções de con-servação ao processo ensino-aprendizagem.

E, finalmente, com base nos estudos feitos, sugeriremos,de acordo com as possibilidades e limites de aplicação à nossarealidade, as contribuições de Piaget à didática.

PARTE I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. Noções básicas dos processos cognitivos, segundo Piaget.

No processo do conhecimento Piaget (3) acentua a in-teração entre sujeito e meio ambiente, colocando a aprendi-zagem em função do desenvolvimento, e não o contrário. Por-tanto, para explicar o funcionamento intelectual, Piaget fazreferência a dois mecanismos: assimilação e acomodação. Aassimilação é uma busca de conhecimento e a acomodação éa modificação dos esquemas adquiridos a novas situações.Estes dois processos estão indissoluvelmente ligados, no en-tanto, em alguns momentos, pode haver o predomínio de umdeles. No início do desenvolvimento, a assimilação predomí-na, mas, à medida que o indivíduo vai estabelecendo vínculoscom o meio ambiente (acomodação), a assimilação deixa deficar fixada na subjetividade do indivíduo o qual, através deuma compreensão progressiva, desenvolve o raciocínio.

A atividade assimiladora leva a uma acomodação daestrutura mental, seja desenvolvendo novos esquemas, sejadiferenciando-os ou coordenando-os uns aos outros. O equi-líbrio entre assimilação e acomodação permite uma adapta-ção cada vez melhor. A coordenação dos esquemas vai am-pliando a possibilidade mental da criança e cada vez maisos esquemas assimilados vão se tornando móveis. Este pro-

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cesso de diferenciação e reagrupamento vai permitindo umaelaboração cada vez mais precisa do mundo.

Geneticamente, Piaget distinguiu diferentes estruturasmentais. Estas estruturas sucedem-se umas às outras emníveis cada vez mais complexos, integrando-se as anterioresnas posteriores. Inicialmente a estrutura mental do récem--nascido (período sensório-motor) permite a formação de es-quemas de ação. Progressivamente estas ações são interiori-zadas tornando-se cada vez mais móveis e reversíveis. Surge,no final deste período, a capacidade de representação men-tal. No entanto, a capacidade de representação mental, nesteperíodo, é bastante limitada e a inteligência é de naturezaprática, No período seguinte (pré-operatório) a criança vaiaperfeiçoando suas aquisições, estabelecendo associações sim-ples e preparando-se para a fase operatória. A atividade ope-ratória (período das operações concretas) inicia-se com acapacidade de seriação e classificação. Piaget acredita (3) quesão necessáríos 5 ou 6 anos para a criança passar da ação àoperação. Até 6 anos a criança manifesta, acentuadamente,centração subjetiva, é incapaz de estabelecer compensaçõesou coordenar diferentes pontos de vista. A descentração éque vai permitir mobilidade de pensamento, capacidade derelacionar vários aspectos de um problema. É a reversibili-dade de pensamento que vai permitir à criança manifestarnoção de conservação entendida por Piaget (8) como profun-damente diferente da noção de objeto.

2. Diferentes níveis de inteligência sensório-motora e anoção de objeto.

A inteligência sensório-motara é um período de desen-volvimento mental em que não há ainda capacidade de abs-tração e a atividade intelectual consiste na coordenação deações e percepções.

Piaget (9) subdivide o estágio sensório-motor em seissubestágíos:

Reflexos (O a 1 mês) :. exercício do equipamento reflexo.

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Reações Circulares prímárías (1 - 3 meses): coordena-ção de ações reflexas, movimentos centralizados no pró-prio corpo.Reações circulares secundárias (3 - 6 meses): são mo-vimentos centralizados sobre um resultado produzidocom a intenção de mantê-lo. A criança tenta reproduzirum resultado satisfatório.Coordenação de esquemas secundários (8 - 10 meses):neste subestágío a criança não tenta apenas repetir ouprolongar um efeito que descobrir por acaso, mas perse-gue um fim utilizando meios intermediários.Reações circulares tercíárías (12 - 19 meses): a crian-..ça começa a experimentar comportamentos, à procurade novos resultados.Início do Simbolismo (18 meses a 2 anos): neste sub-estágio a criança começa a inventar e descobrir, atra-vés de combinações mentais, soluções imediatas paraproblemas. Começa a utilizar símbolos verbais, começaa representar o mundo mentalmente.

A noção de objeto constitui, segundo Piaget, (3) a pri-meira das formas de conservação e resulta de uma relaçãoracional e dedutiva sobre os objetos.

A noção de objeto, como qualquer noção, se forma poucoa pouco.

Nos dois primeiros subestágíos do sensório-motor, o uni-verso infantil é formado de quadros que podem ser reconhe-cidos pela criança, mas sem permanência substancial nemorganização espacial. O objeto cessa de existir para o bebê,quando ele desaparece de seu campo visual. Só existe parao bebê o que ele está percebendo visualmente. O bebê é in-capaz de conservar a imagem do objeto.

No terceiro subestágío do sensório-motor é conferido àscoisas um começo de permanência. A criança é capaz de per-ceber o desaparecimento de um objeto, mas não esboça pro-cura sistemática para reencontrá-lo.

No quarto subestágío (aplicação dos meios conhecidosàs novas situações) observa-se uma procura dos objetos desa-

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parecidos, porém sem levar em conta os deslocamentos domesmo.

No quinto subestágio, a criança é capaz de perceber oobjeto como algo individual, permanente, inserido em gruposde deslocamentos, mas a criança não é capaz de percebermudanças de posição fora do campo de percepção direta.

No sexto subestágio, a criança é capaz de representaçãomental e percebe alguns deslocamentos do objeto, mesmoque estes deslocamentos tenham sido inferidos e não visíveis.A imagem do objeto é conservada e surge desta maneira nidéia de sua permanência.

Como vimos, nas duas primeiras fases do sensório-motornão há evocação de imagem. A criança, através dos reflexose da coordenação de ações reflexas, está reconhecendo suaprópria ação. À medida que vai coordenando as ações refle-xas, ela vai adquirindo uma percepção mais clara e coerentedo mundo. Só no terceiro subestágio de sensório-motor éque podemos falar de primórdios de busca ativa dos objetosdesaparecidos. A criança é capaz de acompanhar objetos como olhar, mas não tem noção exata de causalidade, de per-manência independente do objeto. Neste subestágio, quandoa criança perde o objeto de vista, ela prolonga os movimen-tos ou volta ao ponto de partida, ao local que antes se en-contrava o objeto.

Piaget afirma (8) que não é a imperícia motora que ex-plica a ausência de uma verdadeira busca, mas a noção pri-mitiva da criança sobre o objeto. A criança no terceiro sub-estágio limita-se ao movimento e não busca, realmente, neminventa qualquer meio para reencontrar o objeto desapare-cido. Neste subestágio, a criança não tem a idéia de per-manência real, independente de sua ação.

É no quarto subestágio que há uma busca ativa doobjeto desaparecido, porém sem levar em conta a sucessãodos deslocamentos visíveis. Piaget, ao relacionar a noção deobjeto com a noção de espaço, diz claramente que a elabo-ração do espaço é uma objetivação dos quadros percebidos. Eesta conquista de relações espaciais só é possível no quintosubestágio. A criança no quinto subestágio do sensório-mo..

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tor, dá provas de um espírito sistemático na busca do objetodesaparecido. No entanto, só leva em conta os deslocamen-tos visíveis e as posições em que o objeto foi efetivamentevisto.

É no sexto subestágio que há a representação dos des-locamentos invisíveis, a formação de sistemas e a criança écapaz de reconstituir mentalmente a ordem dos deslocamen-tos. A criança já percebe determinadas leis espaciais. A crian-ça é capaz de encontrar objetos desaparecidos pela deduçãodo itinerário. .

3. Construção de relações e o desenvolvimento da noçãode Conservação.

Ao relacionar a noção de objeto à noção de espaço, tem-po e causalidade, Piaget esclarece que a memória não é ín-vocada independente das elaborações temporais e causais.

Um objeto para Fiaget (8)

"é um sistema de quadros perceptivos, dotadode uma forma espacial constante através deseus deslocamentos sucessivos e constituindoum termo isolável nas séries causais que se de-senrolam no tempo", (p. 89).

Portanto, na medida em que as coisas se desligam daação do sujeito e esta ação se situa num conjunto de even-tos ambientes, o sujeito é forçado a elaborar um sistema derelações para compreender a série de eventos e para se com-preender em relação a estes eventos.

Ora, a construção de tais relações é que permite à crian-ça demonstrar noções de conservação.

Até o período das operações concretas, os esquemas dacriança estão num nível bastante prático e mesmo com certopoder de representação mental a criança não é capaz de esta-belecer relações muito complexas. Ela possui, no sensório--motor, noção de objeto sem possuir ainda noções de conser-vação.

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Na medida em que a criança constrói um sistema derelações de causa e efeito, ela passa a apresentar argumentosmais lógicos, mais verdadeiros. Nesta época, segundo Piaget,formou-se a primeira estrutura lógica elementar. As açõesfísicas vão sendo internalizadas como ações mentais, inicia--se o período das operações concretas.

4. Relação entre a noção de objeto e a noção de conserva-ção.

.Piaget chama atenção (8) para o fato de que, emboraa cn~nça ~o s~nsório-motor tenha adquirido a noção de obje-to, nao atribuí a este, automaticamente, a constância da ma-téria, do peso, do volume, etc.

Para a noção de objeto, segundo Piaget, (8) três proces-sos são necessários:

Percepção visual.Coordenação de esquemas que permitem conceber umamultiplicidade de qualidade no objeto.Dedução própria dos raciocínios sensório-motores, queconcilia as variações com a permanência, compreenden-do os locamentos.

Para Piaget (8), estes três processos mudam inteiramen-te de estrutura quando passam do plano sensório-motor para.o plano da~ operações concretas, para o plano da linguagem,das operaçoes conceituais.

Piaget afirma (8) que estes simples esquemas práticosvão ser substituídos por sistemas de classes e de relações re-fletidas.

Na noção de objeto, há apenas a permanência de quali-dades. Na noção de conservação, há uma relação quantita-tiva, a idéia de que apesar das modificações algo se con-serva.

Estas relações quantitativas, de acordo com Piaget (8)

"implicam, sobretudo, numa coordenação declasses e de relações lógicas, assim como umadedução propriamente dita", (p. 346).

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É o processo interno da lógica infantil, sob o trlplpecto sistêmico de uma elaboração das estruturas dedutiva,das relações e das classes que explica o desenvolvimento dosprincípios de conservação.

Como antes das operações concretas este processo nãoatingiu a ínter-relação adequada, há uma defasagem entrea noção de objeto e a noção de conservação.

A criança, tendo chegado aos 2 anos ao plano represen-tativo, tem de adaptar-se a este novo nível. Na medida emque a criança vai conseguindo coordenar seu ponto de vistacom outros próprios de diferentes indivíduos, vai dominandoa lógica das relações, assim como já domina as relações prá-ticas no plano sensório-motor.

Desta observação piagetiana, conclui-se que o plano dopensamento reflexivo só pode ser atingido através do inter-câmbio cultural, do espírito de cooperação que deve ser in-centivado nas escolas. A noção de objeto não se prolongaimediatamente no plano conceptual, porque o pensamentonão atingiu ainda a estruturação lógica necessária a essa ela-boração. A ausência da noção de conservação leva acentralização do pensamento a um único aspecto do proble-ma, o pensamento da criança no sensório-motor e no pré--operatório é incapaz do manejo de operações reversíveis, e,por conseqüência, da descoberta das conservações elementa-

.res de massa, líquido, peso, volume, número e comprimento .

PARTE II - NOÇAO DE CONSERVAÇAO DE SÓLIDO,LíQUIDO, PESO, VOLUME, NÚMERO ECOMPRIMENTO EM CRIANÇAS DE 4 - 10ANOS.

1. Sujeitos e Procedimentos.

Neste estudo foram testadas 70 (setenta) crianças, sendo42 do sexo masculino e 28 do sexo feminino. A idade variouentre 4 a 10 anos. Todas elas cursando I Grau numa escola

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particular do bairro da Aldeota, na cidade de Fortaleza. Tes-tamos 9 crianças de 4 anos; 10 de 5 anos; 9 de 6 anos; 10 de7 anos; 6 de 8 anos; 13 de 9 anos e 13 de 10 anos. Em rela-ção ao nível de escolaridade estavam assim distribuídas: 11no Jardim I; 10 no Jardim II; 10 na alfabetização; 10 no1.0 ano / I Grau; 10 no 2.0 ano / I Grau; 10 no 3.0 ano /I Grau; 9 no 4.0 ano / I Grau. Cinqüenta por cento dos paisexerciam profissão liberal e cinqüenta por cento das mãesocupação doméstica.

No processo de escolha das crianças, sugerimos às pro-fessoras que as selecionassem aleatoriamente. As nrovas fo-ram aplicadas na escola, em sala preparada para- este fim,no horário das aulas escolares. Dois examinadores acompa-nharam os procedimentos experimentais: um aplicava asprovas e o outro registrava as respostas. Este procedimentotinha por objetivo evitar demora na aplicação ou no registro.As provas foram avaliadas pelos dois examinadores que par-ticiparam deste estudo e, conseqüentemente, da coleta dosdados.

As provas utilizadas foram selecionadas entre as publi-cadas por Fogelman. (7) O critério de seleção baseou-se nasimplicidade do material e instruções. As provas foram tradu-zidas e adaptadas para o português procurando-se manter asmesmas instruções para todos os sujeitos. Em alguns casos,crianças intermediárias foram usadas contra sugestões. Istoé, sem dizer que a criança estava certa ou errada, contra-pondo-se a ela opiniões diferentes. Por exemplo: "um outromenino de sua idade achou que tinha a mesma quantidadede massa, o que você acha?"

Na impossibilidade de investigar as várias noções estu-dadas por Piaget, ou uma mesma noção relacionada ao al-cance conceptual das crianças em vários grupos de idade,optou-se pelo estudo de algumas noções de conservação, sema preocupação de estudá-Ias em profundidade.

Na impossibilidade de trabalhar com amostra significa-tiva das crianças de Fortaleza, não pudemos verificar a pro-porção provável de crianças que alcançam uma determinadanoção de conservação, em certo grupo de idade.

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Preocupados com as condições sócio-econômicas dascrianças, escolhemos uma escola particular, situada no ~e-lhor bairro de Fortaleza, que tivesse condições de proporcIO-nar um ambiente de aprendizagem estimulante.

Tendo em vista a complexidade da teoria piagetiana enossa inexperiência na área cognitiva, simplificamos o estu-do à classificação das crianças em conservadoras, interme-diárias e não conservadoras.

Foram consideradas conservadoras aquelas crianças que,através de julgamentos ou explanações corretas, resolviamo problema.

Intermediárias aquelas que tinha dúvidas quanto à res-posta a ser dada.

Não conservadoras as que davam respostas incorretaspela incapacidade de considerar dois elementos, dois aspectosna apreciação do problema. Por exemplo: relação entre cum-primento e largura, forma reta e curvilínea.. ..

De modo geral as crianças conservadoras tinham facili-dade de argumentar a reversibilidade de pensamento. Exem-plo: "a gente pode virar a salsicha em bola, novamente".Estas crianças eram também capazes de estabelecer as de-vidas compensações entre largura / altura, etc.

As situações experimentais eram apresentadas às crian-ças de forma individuál e suas respostas eram anotadas nafolha de registro. Como já foi dito, para maior controle naaplicação, as provas eram administradas por um examinador(Professora Glaucenete Barros de Oliveira) e o registro dasrespostas era feito por outro examinador (professor~ M_ariaLúcia Lopes Dallago). Isto permitiu rapidez na aplicação eorganização do registro.

2. Descrição das provas selecionadas.

As provas selecionadas para este estudo foram elabo-radas por pesquisadores interessados em testar noções deconservação, baseando-se na teoria piagetiana. Elas exigemda criança apenas uma resposta direta a perguntas, tais

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como: a massa continua tendo o mesmo peso? Entretanto,às vezes se torna necessária uma seqüência de perguntas,amplamente abertas, com o objetivo de completar a expla-nação do pensamento da criança. Neste procedimento estátanto a força como a fraqueza do método de Piaget. Forçaporque obtemos muitas informações sobre o pensamento dacriança. A fraqueza deve-se à falta de estruturação que podelevantar suspeitas quanto a variações nas informações obti-das e conclusões tiradas. É importante salientar nossa preo-cupação quanto à forma de elaborar as perguntas a fim denão afetar a habilidade da criança à situação experimental.

As provas piagetianas selecionadas por Fogelman (7)

foram classificadas em cinco grupos de acordo com o con-ceito testado. Os dois primeiros grupos contêm testes de ope-rações lógicas e testes de conservação. O terceiro grupo cor-responde aos testes de transitividade e seriação. O quartogrupo são os testes de conceitos de número. E o quinto gruporefere-se aos testes de conceitos espaciais.

Os testes de conservação estão subagrupados em testesde quantidades contínuas (líquido e sólido) peso, volume,número e comprimento.

Testes de conservação - Os testes de conservação são consi-derados por Fogelman (7) os mais divulgados dentretodos elaborados por Fiaget.

Conservação de sólido - Estes testes verificam se a criançaé capaz de perceber que mudanças na forma de umsólido, tais como bola de massa plástica, não altera aquantidade deste sólido.

Prova selecionada - Ruth Beard.Material - Massa plástica.Procedimento - O examinador faz duas bolas de tamanhos

iguais. Depois ele enrola uma, transformando-a numasalsicha.

Pergunta - A salsicha tem o mesmo tanto de massa da- bola?

Conservação de líquido - Estes testes verificam se as crian-

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ças consideram que as variações na forma do co~te~dode um líquido não afetam a quantidade daquele líquido.

Prova selecionada - Ruth Beard.Material _ Quantidades iguais de água em dois copos exa-

tamente iguais e três copos menores.Procedimento - A água é derramada dos dois copos para os

três copos menores: o examinador enche novamenteos dois copos.

Pergunta - Quem tem mais água para beber - eu quetenho os dois copos ou você que tem os três? Por que?

Conservação de peso - Estes testes são empregados paraexaminar se a criança considera que as mudanças naforma de um objeto não causam mudanças no seu peso.

Prova selecionada - Ruth Beard.Material - balança com um prato de cada lado. Massa plás-

tica.Procedimento - Duas bolas de massa são colocadas nos pra-

tos de modo a comprovar a igualdade de peso. Uma delasé retirada do prato e achatada.

Pergunta - Você acha que ela continua tendo o mesmo peso?Conservação de volume - Estes testes verificam se a crian-

ça é capaz de perceber que o volume de um objeto man-tém-se o mesmo independente das mudanças que a suaforma venha a sofrer.

Prova selecionada - Ruth Beard.Material - 2 copos iguais d'água.

2 bolas de massa iguais.Procedimento - O examinador coloca uma das bolas dentro

de um dO!5copos e mostra a diferença de nível entre osdois copos.

Achata a outra bola e pergunta: agora se eu colocaresta bola achatada neste copo a água subirá o mesmotanto? Por que você pensa assim?

Conservação de número - Estes testes investigam se a cria~-ça se dá conta que o número de objetos numa coleçaopermanece o mesmo se aquela coleção é espalhada ouagrupada.

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Prova selecionada - Ruth Beard.Material - Um tubo de ensaio;

Um prato raso;Contas grandes.

Procedimento - Pede-se à criança para ir colocando umaconta no prato cada vez que o examinador coloca umano tubo. Até o tubo ficar cheio.

Pergunta - Se cada um de nós fizesse com nossas contas umcolar, quem teria o colar mais comprido? Ou seriam elesiguais?

Conservação de comprimento - Estes testes verificam se acriança percebe que o comprimento comparativo não éafetado por suas posições ou formas relativas.

Prova selecionada - Lovell.Material - Lápis.

Massa plástica ondulada.Procedimento - O lápis e a massa são colocados lado a lado

com as extremidades em alinhamento. Pede-se à criançaque compare os comprimentos.

Pergunta - São do mesmo comprimento?Se a criança disser que são iguais, pede-se para pas-

sar o dedo por sobre as duas linhas e então se repete apergunta.

3. Resultados.

As provas de conservação permitem identificar as crian-ças que já atingiram o nível de operações reversíveis (queintegram invariâncias e transformações) e as que estão nonível pré-operatórío incapazes de realizar as devidas compen-sações.

Pelos dados obtidos pudemos verificar, em que idade,quase todas as crianças testadas entendem os conceitos deconservação.

Os resultados do estudo são semelhantes aos obtidos porBeard (2) e outros pesquisadores embora a amostra nãotenha sido suficientemente abrangente e significativa paratais conclusões.

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Chamamos atenção para o fato de as crianças terem sidoagrupadas por idade, sem as devidas aproximações. É bemprovável que uma criança de 6. O anos não tenha atingido omesmo conceito que uma criança de 6. 11 meses.

Encontramos variações, num mesmo grupo de idade,em relação às seis noções testadas. Isto evidencia a possibi-lidade de desenvolvimento no aprendizado dos conceitos.Acreditamos que os conceitos examinados neste trabalho sãoadquiridos gradativamente durante o período de escolari-dade elementar. Embora possamos supor que uma minoriade crianças não possa manejar estes conceitos mesmo de-pois de estarem na escola secundária. O desnivelamento, se-gundo Piaget, (5) deve-se ao fato de que alguns conceitos sãoensinados antes de outros. Os conceitos são ensinados em se-qüência e não em conjunto. Piaget também admite que ummesmo conceito pode ser compreendido de maneira diferenteem termos de complexidade e nós não identificamos o índicede dificuldade das provas. É possível que umas sejam maissimples do que outras.

Observamos, também, que as primeiras noções atingidasforam as de número e comprimento. Com 5 anos três crian-ças, dentre dez, tinham conservação de número e quatrodelas conservação de comprimento. Acreditamos que isto, emparte, parece devido a experiências relevantes em treina-mento numérico e à simplicidade de prova de comprimento.Observamos que a experiência desempenha um grande papelno que as crianças são capazes de compreender. As criançaschegaram a admitir que lhes faltou experiência prática paraque pudessem responder as provas de peso e volume. A partirde 6 anos quase todas as crianças têm noções de conserva-ção de número e comprimento. A noção de conservação devolume é, realmente, atingida mais tarde do que as outrasnoções. Observamos neste estudo que a noção de conservaçãose vai afirmando gradualmente. No decurso do desenvolvi-mento são atingidas, sucessivamente, as conservações de nú-mero e comprimento, de sólido, de peso, de líquido e de vo-lume. Salientamos, entretanto, que quase todas as crianças,aos 9 anos, possuem noção de sólido, número, comprimento

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e peso. No entanto três, dentre treze de 10 anos, não pos-suíam noção de volume. Este é mais um dado coincidentecom a teoria piagetiana: a noção de conservação de volumeé mais complexa do que as outras noções de conservação.Beard (2) relata pesquisas em que a noção de conservaçãode volume só é atingida, em média, aos 9 anos de idade.

Finalmente, supomos que as condições sócio-ambientaisafetam os resultados que possivelmente seriam diferentesnuma outra realidade econômico-pedagógica. Compreende-mos que a organização neurofisiológica é importante mas sódesenvolve-se num ambiente estimulante, rico em experiên-cias que desafiem o raciocínio das crianças.

Observando a tabela I, nota-se que há um decréscimopercentual, com o aumento de idade, em relação às criançasnão conservadoras, de 4 a 10 anos. Por outro lado, observa-seque a noção de conservação começa a se evidenciar a partirde 6 anos, embora aos 4 anos uma criança tenha reveladonoção de conservação de comprimento e aos 4 anos trêscrianças tenham revelado noção de conservação de númeroe quatro crianças noção de conservação de comprimento.Deduz-se destes resultados que a noção de conservação im-plica numa organização mental, numa capacidade opera-tória que resulta de um processo cognitivo de desenvolvi-mento.

A tabela II mostra que, possivelmente, existe uma di-ferença significativa entre as crianças de 4, 5 e 6 anos e ascrianças de 8, 9 e 10 anos, em relação às noções de conser-vação testadas. No primeiro grupo (crianças de 4, 5 e 6 anos)a noção de conservação está em processo de formação, aopasso que o segundo grupo (crianças de 8, 9 e 10 anos) de-monstra ter adquirido a capacidade de perceber invariânciase estabelecer relações. Conclui-se, portanto, que a aprendiza-gem é função do desenvolvimento, podendo se estabeleceridades médias para o desempenho de certas habilidades.

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o gráfico revela curvas demonstrativas da capacidade decompreensão das crianças quanto às noções de conservação.As curvas são ascendentes com declínios, principalmente aos8 anos.

Esta discrepância pode-se atribuir ao número reduzidoda amostra, correndo-se o risco das crianças selecionada"neste grupo de idade serem lentas.

Verifica-se, também, que há diferenças quanto à idadeno início de formação das curvas. Aos 4 e 5 anos há umapequena percentagem de crianças conservadoras, ao passoque aos 6 anos, com excessão da curva de conservação delíquido, é que os conceitos de conservação começam a se ma-nifestar. Isto evidencia certo desnivelamento na aquisiçãodas noções e possivelmente a interferência do treino, comotambém da maior ou menor complexidade das provas utili-zadas para testar as diferentes noções de conservação.

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PARTE II - NOÇÃO DE CONSERVAÇÃOE O PROCESSOENSINO-APRENDIZAGEM.

1. Métodos de ensino e suas influências na aquisição denoções de conservação.

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Conservação para Piaget, como já foi dito, é o estudo decomo a criança chega a distinguir entre aparência e reali-dade, ou seja, a permanência dentro da mudança aparente.

Elkind (5) utiliza uma expressão - "sempre mudando,sempre o mesmo" (p. 17) para definir o espírito da Noçãode Conservação de Piaget. Desta forma é só através de expe-riências que a criança pode descobrir as constâncias destemundo mutável. E se a escola ensina conceitos de forma bas-tante estática esquece-se deste aspecto dinâmico da apren-dizagem.

Para Piaget (5) os aspectos dinâmicos da aprendizagemsão mais importantes do que a estática classificação de obje-tos numa categoria ou noutra. A opinião de Piaget, segunElkind (5) é que a educação tende a focalizar mais os as é

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tos estáticos da realidade do que suas transformações dín -micas. Ensina-se às crianças como e o que as coisas são, masnão as condições sob as quais mudam ou permanecem asmesmas. De acordo com o pensamento piagetiano, isto é umerro pedagógico, uma vez que a criança é confrontada cons-tantemente com a mudança e a alteração. A criança recebeuma educação estática apesar de viver num mundo em tran-sição.

A criança que é submetida a uma educação estática tempoucas condições de perceber a permanência dentro da mu-dança aparente.

As concepções abstratas evoluem através da coordena-ção de diferentes julgamentos, o que deve ser proporcionadopelo processo ensino-aprendizagem.

Piaget propõe que a escola dê a melhor nutrição pos-sível ao desenvolvimento mental tornando a aquisição deconhecimento mais sólida, substancial e relativa. Piaget de-fende a estimulação do desenvolvimento mental, mas nãoaconselha a aceleração máxima. a que Piaget advoga é que oambiente escolar ofereça estímulos que favoreçam o desen-volvimento da capacidade mental em tempo e ritmo próprios.

A preocupação do ensino tradicional era levar a criançaa aprender a ler e escrever. a objetivo do método piagetianoé desenvolver o pensamento da criança para que ela possausar, inteligentemente, a comunicação verbal. No ensinoPiaget coloca em primeiro plano o desenvolvimento do pen-samento operativo e em segundo plano a técnica da leiturae escrita. (6) Assim, ao invés de uma escola verbalista, pro-põe um ambiente estimulante que desenvolva ao máximo ainteligência. a ensino piagetiano sugere uma nova perspecti-va para o desenvolvimento cognitivo. Como já foi dito, umaescola operativa, dirigida para atividades de pensamentopossibilitando a evolução da capacidade de pensar.

a ensino limitado à copilação, memorização e descriçãooferece poucos desafios para a mente. a intelecto fica atro-fiado porque não é plenamente desenvolvido.

Castro (3) propóe um esquema para um currículo deI Grau, fundamentado nas áreas de conhecimento delínea-

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das por Piaget, através de suas pesquisas. O esquema currí-cular pode ser assim resumido:

Período sensório-motor atividades diversificadas, expe-riências que desenvolvam os sentidos e coordenem osmovimentos.

Período pré-operaiôria - atividades de classificação, seriaçãoque levem a criança a estabelecer relações simples.

Período das operações concretas - atividades que tenhampor objetivo levar a criança a perceber transformações,diferentes pontos de vista e que permitam a criança ra-ciocinar de forma direta e inversa.

Em todos estes períodos é importante a observação darealidade, acompanhada, sempre que possível, de ativa ma-nipulação de objetos. A aprendizagem de qualquer noção sóserá significativa na medida em que a criança tiver a opor-tunidade de construí-Ia através da manipulação de objetos.

Gostaríamos de frisar que exercitar o pensamento dacriança não é ir muito além do centro de sua perspectiva eexperiência pessoal. Acreditamos que a educação é uma con-dição formadora que deve ajudar o indivíduo a adquirir es-truturas mentais cada vez mais complexas, obedecendo àscaracterísticas evolutivas do desenvolvimento cognitivo. Odesenvolvimento cognitivo não deve ser apressado, o proble-ma é estruturar situações correspondentes a cada estágio eapresentá-Ias de maneira assimilável à estrutura mental donível considerado.

2. Importância da Noção de Conservação no desenvolvi-mento cognitivo, emocional e social.

Educar para Piaget (12) é adaptar o indivíduo ao meiosocial ambiente. Portanto, os métodos de ensino sugeridospor Piaget (11) procuram favorecer a adaptação a um meioambiente mutável.

A criança, em seu desenvolvimento, defronta-se diaria-mente com transformações. No entanto, para descobrir asconstâncias, ela deve aprendera distinguir entre a. realidade

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e a aparência, entre o que as coisas parecem e o que real-mente são.

O desenvolvimento da Noção de Conservação é, desta for-ma, muito necessário para que as crianças possam descobrir,entre alterações aparentes, permanências básicas. Estas apa-rências predominam tanto no plano físico como no planoemocional e social. A adaptação efetiva só se efetua quandoo indivíduo é capaz de distinguir entre o que as coisas pare-cem e o que são na verdade.

Como menciona Versiani (4), o ensino experiencial exigeum esforço de coordenação de perspectiva que vai ajudar acriança a construir suas estruturas operatórias. A coordena-ção de perspectivas é caracterizada por um processo de des-centração para um estado de objetividade, assimilado porcoordenações cada vez mais numerosas e complexas. Em ex-periências de conservação a criança desenvolve a mobilidadede pensamento, em lugar de centrar sua percepção numadimensão do problema. Há uma mudança na organizaçãomental e na compreensão das situações. Este é o verdadeirosentido do desenvolvimento do raciocínio para Piaget. Não setrata de um acúmulo de conhecimentos mas de uma estru-tu ração progressiva cada vez mais lógica e coerente. A ex-periência leva o aluno a elaborar fundamentos sólidos parao pensamento.

Em Le Jugement moral chez l'enfant, Piaget afirma (10)

que o desenvolvimento moral passa por estágios que acom-panham de perto o desenvolvimento intelectual. Conclui queas crianças no início têm uma noção muito egocêntrica deregras. A interpretação da criança é rígida, limitada às con-seqüências externas. Não faz análise da essência dos fatos,da intenção do sujeito.

Quanto mais experiencial for o ensino tanto mais eleconcorrerá para o desenvolvimento da noção de conservaçãoque implica na capacidade do indíviduo estabelecer relações.As relações dentro dos fatos são representadas pelas causase conseqüências e, nas ações humanas, pelas razões e obje-tivos.

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Segundo Aebli (1), uma metodologia viável de desenvol-vimento da cognição será também uma metodologia viávelde desenvolvimento emocional e social.

Quanto mais experiencial for o ensino, tanto melhor oindivíduo aprenderá a solucionar problemas, a tomar de-cisões e tanto mais adaptável se tornará às transformaçõesda vida.

CONCLUSAO

Pelos resultados obtidos, podemos concluir:

1. As crianças, de modo geral, apresentam um desenvolvi-mento cognitivo normal.

2. O desnivelamento na aquisição das noções pode ser atri-buído à maior ou menor complexidade da prova, à fami-liaridade da criança com o material utilizado, bem comoo n.o de experiências escolares relativas a alguma noção,em particular.

3. A aquisição tardia, principalmente da noção de conser-vação de líquido e volume, pode-se atribuir à ausênciade exercícios escolares com quantidades contínuas (lí-quido) .

4. As respostas incorretas das crianças de 8 anos a respeitoda maioria das noções de conservação deve-se, possivel-mente, ao número limitado de sujeitos ou a alguma ten-denciosidade do processo de escolha.

SUGESTõES

As implicações do estudo das noções de Conservação po-dem ter para educação um longo alcance. Acreditamos quecom a proliferação de escolas voltadas para o desenvolvimen-to do raciocínio, o professor irá tendo condições de:

1. Criar condições operacionais de ensino adequadas à es-trutura mental da criança.

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2. Avaliar o alcance conceptual de seus alunos.3. Avaliar o desempenho deles em relação ao desenvolvi-

mento cognitivo.4. Partir para uma avaliação mais qualitativa do que quan-

titativa.5. Avaliar a capacidade de diferenciação e integração de

conceitos.6. Permitir às crianças descobrirem relações numericas,

verbais, geográficas, históricas e sociais, bem como trans-formações.

7. Incentivar o desenvolvimento do raciocínio ao invés dese preocupar em transmitir informações.

8. Construir escolas para o pensamento ao invés de escolasverbalísticas.

9. Tornar o ensino experiencial, dinâmico e não estático.10. Desenvolver uma sociedade criativa ao invés de uma so-

ciedade de consumo.

BIBLIOGRAFIA

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Edição Saraíva, 1974.04. CUNHA, M. A. Versiani - Didática fundamentada na teoria de Piaget.

Rio de Janeiro, Forense, 1973.05. ELKIND, D. - Crianças e adolescentes - Ensaios interpretativos sobre

Iean Piage/. Rio de Janeiro, Zahar, 1975.06. FURTH, H. - Piaget lia sala de aula. Rio de Janeiro, Forense, 1972.07. FOGELMAN, K.R. - Piagetian tests for the primary School. England

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