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A Pós-Modernidade e os Desafios da Educação na Atualidade Júlia Eugênia Gonçalves* Resumo O presente artigo se propõe a apresentar uma visão da educaçã modernidade, a qual se encontra influenciada por perspectivas f conduem a produção de con!ecimento e o sa"er acad#mico produ universidades, na direção de modelos de pensamento transdisciplinar$ Palavras-chave Educação% Pós-Modernidade% &ransdisciplinaridade Abstract &!e present article proposes "' itself to s!o( a vision from education modernit', t!at is influenced "' p!ilosop!ical perscpectives t!a production of )no(ledge, and t!e academical )no(ledge produced on unive fo(ards t!e direction of transdiciplinar t!ougt!s$ Keywords Education% Post Modernit'% &ransdisciplinarit' O *onceito de Pós-Modernidade O que se c!ama de pós-modernidade ou pós-modernismo + um movimento sóci cultural que gan!ou impulso a partir da segunda metade do s+culo $ “Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas sociedades avançadas desde !"#, $uando, por convenç%o, se encerra o modernismo&!##- !"#'( Ele nasce com a ar$uitetura e a computaç%o nos anos )#( cresce ao entrar pela durante os anos +#, como cr tica da cultura ocidental( E amadurece o.e, alastrando- no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência&ciência / tecnologia o cotidiano com desde alimentos processados até microcomputadores'sem $ue ninguém sai é decadência ou renascimento cultural(1 234562, !7)( p(+-7 Este movimento caracteria-se por uma severa cr tica aos padrões +ticos que vigoraram no s+culo passado e + t pico das sociedades pós-industria na informação$ Passou a incorporar uma visão de mundo relacionada ao fi conflitos mundiais e . superação da /guerra-fria0$ 1im"olicamente, pode-se dier que surge com a e2plosão da "om"a em 3iro 4agaa)i, fato que dei2a o mundo perple2o diante do poder demonstrado p ci#ncia moderna e gan!a impulso com os movimentos de contestação pol ti 5rança de 6789$ Mais do que um movimento filosófico, o pós-modernismo + um paradigma só cultural "aseado em novas premissas para a vida e a sociedade conquista do espaço e2tra-terrestre% os avanços da "iologia mol desco"erta do D4A% o aumento desenfreado do consumo nas sociedades capitalistas e sua conseq;#ncia mais imediata- o individualismo li"eração feminina% a m<sica eletr=nica% o niilismo nas artes em geral$ Em termos !istóricos o Pós-Modernismo acompan!a a crise do pós-guerra e e2tinção dos modelos comunistas>socialistas no mundo contempor?ne como o avanço desenfreado do capitalismo em sua feição glo"aliada e ne testemun!a o aumento da densidade populacional nos grandes e m+dios cen ur"anos e a crise de valores que se sucede$ Passa a e2pressar e ao mesm

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A Ps-Modernidade e os Desafios da Educao na AtualidadeJlia Eugnia Gonalves*ResumoO presente artigo se prope a apresentar uma viso da educao na ps-modernidade, a qual se encontra influenciada por perspectivas filosficas que conduzem a produo de conhecimento e o saber acadmico produzido nas universidades, na direo de modelos de pensamento transdisciplinar.Palavras-chaveEducao; Ps-Modernidade; TransdisciplinaridadeAbstractThe present article proposes by itself to show a vision from education on post modernity, that is influenced by philosophical perscpectives that lead to the production of knowledge, and the academical knowledge produced on universities, fowards the direction of transdiciplinar thougths.KeywordsEducation; Post Modernity; TransdisciplinarityO Conceito de Ps-ModernidadeO que se chama de ps-modernidade ou ps-modernismo um movimento scio-cultural que ganhou impulso a partir da segunda metade do sculo XX.Ps-modernismo o nome aplicado s mudanas ocorridas nas cincias, nas artes e nas sociedades avanadas desde 1950, quando, por conveno, se encerra o modernismo(1900-1950). Ele nasce com a arquitetura e a computao nos anos 60. cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crtica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na msica e no cotidiano programado pela tecnocincia(cincia + tecnologia invadindo o cotidiano com desde alimentos processados at microcomputadores)sem que ningum saiba se decadncia ou renascimento cultural.SANTOS, 1986. p.7-8Este movimento caracteriza-se por uma severa crtica aos padres ticos e estticos que vigoraram no sculo passado e tpico das sociedades ps-industriais baseadas na informao. Passou a incorporar uma viso de mundo relacionada ao fim dos conflitos mundiais e superao da guerra-fria.Simbolicamente, pode-se dizer que surge com a exploso da bomba em Hiroxima e Nagazaki, fato que deixa o mundo perplexo diante do poder demonstrado pela cincia moderna e ganha impulso com os movimentos de contestao poltica na Frana de 1968.Mais do que um movimento filosfico, o ps-modernismo um paradigma scio-cultural baseado em novas premissas para a vida e a sociedade humanas: a conquista do espao extra-terrestre; os avanos da biologia molecular com a descoberta do DNA; o aumento desenfreado do consumo nas sociedades capitalistas e sua conseqncia mais imediata- o individualismo exacerbado; a liberao feminina; a msica eletrnica; o niilismo nas artes em geral.Em termos histricos o Ps-Modernismo acompanha a crise do ps-guerra e a extino dos modelos comunistas/socialistas no mundo contemporneo, assim como o avano desenfreado do capitalismo em sua feio globalizada e neoliberal; testemunha o aumento da densidade populacional nos grandes e mdios centros urbanos e a crise de valores que se sucede. Passa a expressar e ao mesmo tempo a criticar toda a lgica cultural do capitalismo avanado, estabelecendo a unio entre arte, cultura e mercado.O que sustenta este novo paradigma a comunicao, baseada numa linguagem composta por signos. A Teoria da Comunicao e a Semiologia so as disciplinas que do suporte ao pensamento ps-moderno. Os signos podem ser digitais ou analgicos. Os primeiros so as letras, nmeros, palavras, porque so descontnuos e arbitrrios; os segundos as imagens, fotos, grficos que so contnuos e mantm semelhana direta com o que representam. Os signos digitais permitem escolher, os analgicos permitem reconhecer ou compreender.Com a invaso da computao digital no cotidiano... estamos assistindo digitalizao do social... O bit a base lgica do computador e constitui, atualmente, o gargalo binrio por onde o social est sendo forado a passar. Na ps-modernidade, o indivduo vive banhado num rio de testes permanentes. Digitalizados, os signos pedem escolha. No uma deciso profunda, existencial, mas uma resposta rpida, impulsiva, boa para o consumo.SANTOS, 1986.p.16-17Provavelmente as artes em geral e as artes plsticas em particular, tenham sido os aspectos da cultura nos quais o ps-modernismo ficou mais evidente. Em relao ao movimento modernista guarda diferenas profundas, como aquelas que reproduzimos na tabela abaixo:Modernismo e Ps-ModernismoModernismoPs-Modernismo

Cultura elevadaCotidiano banalizado

ArteAntiarte

EstetizaoDesestetizao

InterpretaoApresentao

Obra/originalidadeProcesso/ pastiche

Forma/abstraoContedo/figurao

HermetismoFcil compreenso

Conhecimento superiorJogo com a arte

Oposio ao pblicoParticipao do pblico

Crtica culturalComentrio cmico, social

Afirmao da arteDesvalorizao obra/autor

FONTE: SANTOS, 1986.p.41-42Viso Filosfica da Ps-ModernidadeO ps-modernismo chega filosofia como uma tentativa de desconstruir o discurso filosfico ocidental a partir do prprio discurso, tal qual foi elaborado desde a antiguidade clssica.Desconstruir o discurso no destru-lo, nem mostrar como foi construdo, mas pr a nu o no dito por trs do que foi dito, buscar o silenciado (reprimido) sob o que foi falado.SANTOS,1986.p.71O prefixo ps indica o que vem depois, o que sucede modernidade, significando um corte, uma ruptura no apenas no mbito da poltica e da economia mas, sobretudo, no pensamento das pessoas, as quais compreendem que esto vivendo uma fase de grandes transformaes que afetam a todos direta ou indiretamente e que necessrio compreender seu significado no contexto da sociedade como um todo.H ento um afastamento em relao ao moderno no sentido de que a filosofia ps-moderna vai reivindicar uma posio amadurecida frente ao modelo positivista, caracterstico do que se convencionou chamar de modernidade.A chamada Escola Filosfica de Frankfurt representada por Horkheimer, Adorno e Habermas, dentre outros, vai ser a pioneira na reflexo sobre as mudanas sofridas na sociedade ocidental do ps-guerra. Tendo sido fundada com o objetivo de realizar estudos aprofundados sobre o marxismo, sua orientao de estudos e pesquisas inicialmente teve nfase econmica, mas ganha impulso filosfico a partir do momento em que Horkheimer assume a direo do Instituto de Investigao Social, vinculado Universidade de Frankfurt. Com ele surge a chamada Teoria Crtica, guia terico deste grupo, nos anos seguintes.A Escola de Frankfurt passa ento a refletir sobre o destino do homem que membro de uma comunidade, que vive em uma sociedade. Isso leva necessariamente a uma articulao entre conhecimentos filosficos, sociolgicos, econmicos e antropolgicos, estreitando, desta forma, os laos entre a Filosofia e a Cincia, na medida em que esta se baseia em dados empricos, diminuindo a dicotomia entre estes dois campos do conhecimento humano.Estas propostas ensejam trabalhos de natureza interdisciplinar, pois a compreenso da vida humana no contexto social exigia a conexo entre vrios campos cientficos e entre estes e a Filosofia, que no podia mais partir de uma compreenso abstrata dos indivduos, fora de seu contexto.A Teoria Crtica acentua os aspectos da relao Filosofia-Cincia, interdisciplinaridade e totalidade, introduzindo um vetor menos economicista no marxismo e chamando a ateno para os aspectos psicolgicos contidos no social, sobretudo com a adeso de Eric Fromm ao grupo, que agrega os conhecimentos da psicanlise s discusses. Com a guerra na Europa, muitos dos integrantes da Escola de Frankfurt so levados a emigrar, primeiramente para Genebra, depois para Londres e Paris e, por fim, para os EEUU, onde ficariam sediados em Nova York desde 1934 at o retorno para a Alemanha, em 1950.O perodo americano foi profcuo para o amadurecimento da Teoria Crtica, que passa a analisar a natureza do fascismo, a investigar as caractersticas psicossociais dos indivduos e outros temas relevantes para a poca, tais como a reviso da filosofia positivista e os preconceitos contra os judeus, comprometendo-se com a transformao da sociedade. Questes referentes cultura de massa, mdia, sociedade de consumo e proliferao de signos, articulao arte e sociedade, assim como as mudanas econmicas que levaram globalizao e ao multiculturalismo passam a ser objeto de ateno deste grupo, que reconhece a resistncia do sistema capitalista, muito hbil em superar as crises que o assolam.Na Frana h tambm um movimento de pensadores que discute a condio ps-moderna. Dentre eles, destacam-se Baudrillard e Lyotard.Baudrillard v a ps-modernidade como uma imploso do social como um todo e centra seu trabalho no fim da era de modernidade, dominada pela produo e pelo capitalismo industrial, caracterizada pela tecnologia e pelo consumo e no advento de uma era ps-moderna, constituda por novas formas de tecnologia, cultura e sociedade.Lyotard apresenta este perodo no como uma escola unificada de pensamento, mas como uma perspectiva que rejeita um pensamento totalizante e os referenciais universais iluministas e que implode a razo moderna.Taschner, 1 analisando as posies destes filsofos, conclui que Lyotard pe em cheque as grandes narrativas que caracterizaram a modernidade, pautando sua anlise na esfera lingstica; que Baudrillard considera que o social transformou-se, na ps-modernidade, em um simulacro de si mesmo tendendo para o desaparecimento e que Habermas sequer aceita a expresso ps-modernidade, por julgar que o que vivemos resqucio de uma modernidade que ainda no se completou.Tem sido comum caracterizar a ps-modernidade como um movimento de negao, como uma oposio modernidade, a partir da leitura de seus filsofos. Isso traz algumas dificuldades, que podem ser exemplificadas pelo prefixo ps, j referido: ele significa o que vem depois, o que sucede e, portanto, traz em si a idia de linearidade, conceito negado pelo prprio movimento.O que se verifica que a ps-modernidade muda o enfoque sobre o sujeito, situado pelo Iluminismo como um ser superior e localizado, com um perfil eurocntrico, branco, machista e colonizador. A relao sujeito/objeto, dirigida pelo primeiro, privilegiava o segundo e acabava objetivando o convvio humano. O movimento ps-moderno passa a considerar o par sujeito /objeto sob uma nova tica, valorizando esta relao sob um ponto de vista humanista e ecolgico, que pauta suas aes pela cooperao e pela solidariedade e no mais pelo domnio e competio. Esta mudana de perspectiva traz profundas alteraes no entendimento do conhecimento cientfico, que vai se comprometer com novas promessas, baseadas em novos pressupostos, os quais, a priori, no podem garantir verdade e felicidade... fica abalada at mesmo a mxima Kantiana do caminho seguro da Cincia. Como veremos, esse desaguadouro - na medida em que se pretende um campo desdogmatizado - implica uma postura de humildade frente ao conhecimento em geral, e frente, especialmente, ao conhecimento cientfico.VEIGA NETO, 1997. p.3.Houve um deslocamento do foco das investigaes, que deixaram de lado a busca das bases racionais slidas sobre as quais se poderia erigir um conhecimento cientfico seguro, para a busca da compreenso das prprias prticas cientficas, seus produtos e suas relaes com a sociedade. Passou-se da reflexo metafsica e da investigao lgica para a investigao histrica, hermenutica, compreensiva. Como conseqncia desta mudana a cincia no foi mais submetida ao tribunal da razo e passou a se comprometer com o futuro da humanidade, com seus efeitos morais e com a construo de uma sociedade mais cooperativa.Influncia da Ps-Modernidade na Organizao dos ConhecimentosDe acordo com o pensamento ps-moderno, as formas de conhecer e de pensar o conhecimento no pode mais seguir uma lgica mecanicista e determinista. As repercusses da globalizao sobre as maneiras de se pensar e sentir, viver e agir no mundo, afetam as concepes filosficas sobre a realidade. Espao territoriais sem fronteiras, mercados comuns, moedas transnacionais so desafios para a mente humana que no podem coexistir com conhecimentos divididos, hierarquizados, sistematizados:A insistncia na diviso do saber em disciplinas s tende a perpetuar e aprofundar as tenses. A educao disciplinar constitui-se num sistema fundado com base em valores de outros sculos, o que ratifica seu descompasso com as aceleradas mudanas contemporneas.STRIEDER, 2000.p.76O conhecimento humano passa a ser visto com o auxlio de outros vetores, os quais evoluem de posturas disciplinares, interdisciplinares, multidisciplinares para atitudes transdisciplinares. Para se compreender tal evoluo de pontos de vista, mister que se faa uma apreciao destes termos:A atitude disciplinar frente ao conhecimento humano, como j se viu, fruto da viso cartesiana moderna que tinha no processo mental da anlise sua base interpretativa, seguindo a suposio de que para conhecer o todo preciso compreender as partes.No incio do sculo XX, esta viso foi substituda por duas outras, que coexistiram durante vrias dcadas: a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade. A primeira diz respeito a uma transferncia de mtodo de uma disciplina para outra, abrindo espaos, algumas vezes, para o aparecimento de novas contribuies no campo das cincias, mas seus objetivos permanecem afeitos ao mbito das disciplinas.Interdisciplinaridade... diz respeito transferncia de mtodos de uma disciplina outra. Podemos distinguir trs graus de interdisciplinaridade: a) um grau de aplicao . Por exemplo, quando os mtodos da fsica nuclear so transferidos para a medicina, resultam no aparecimento de novos tratamentos de cncer; b) um grau epistemolgico. Por exemplo, transferindo os mtodos da lgica formal para a rea do direito geral, geram anlises interessantes de epistemologia do direito; c) um grau de gerao de novas disciplinas. Por exemplo, quando mtodos da matemtica foram transferidos para a fsica geraram a fsica matemtica e, quando transferidos para os fenmenos meteorolgicos ou para os processos do mercado de aes, geraram a teoria do caos; transferindo mtodos da fsica de partculas para a astrofsica, produziu-se a cosmologia quntica e, transferindo mtodos computacionais para a arte, obteve-se a arte computacional.NICOLESCU,1997. Conferncia no Congresso International "A Responsabilidade da UniversidadeA este respeito, Rieder1, traz informaes do Grupo MULTIRIO, da Secretaria Municipal de Educao do Estado do Rio de Janeiro, baseadas nas reflexes do filsofo brasileiro, Hilton Japiassu. Segundo os documentos produzidos por este grupo, os termos multi ou pluridisciplinaridade indicam uma justaposio ou a integrao de contedos de disciplinas distintas sob o ponto de vista de seus mtodos, teorias e conhecimentos. feita uma distino entre estes dois conceitos:"No sistema multidisciplinar uma gama de disciplinas so propostas simultaneamente para estudar um objeto sem que apaream as relaes entre elas""No sistema pluridisciplinar justapem-se disciplinas situadas no mesmo nvel hierrquico de modo a que se estabeleam relaes entre elas".Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro, 1998.Quanto ao termo interdisciplinar, o documento explicita:Em relao interdisciplinaridade tem-se uma relao de reciprocidade, de mutualidade, em regime de co-propriedade que possibilita um dilogo mais fecundo entre os vrios campos do saber. A exigncia interdisciplinar impe a cada disciplina que transcenda sua especialidade formando conscincia de seus prprios limites para acolher as contribuies de outras disciplinas. A interdisciplinaridade provoca trocas generalizadas de informaes e de crticas, amplia a formao geral e questiona a acomodao dos pressupostos implcitos em cada rea, fortalecendo o trabalho de equipe. Em vez de disciplinas fragmentadas, a interdisciplinaridade postula a construo de interconexes apresentando-se como arma eficaz contra a pulverizao do saber.Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro,1998.Pode-se depreender destas afirmaes, que as propostas interdisciplinares ou multidisciplinares correspondem a avanos na maneira de pensar o conhecimento humano, porm ainda esto, em grande medida, presas aos domnios das disciplinas.O progresso das teorias filosficas ps-modernas exigia novas formulaes para a Cincia que se configurava no final do sculo XX. Isto se formalizou por ocasio do primeiro Congresso Internacional da Transdisciplinaridade, realizado no convento de Arrbida, em Portugal, de 3 a 7 de novembro de 1994, do qual resultou a Carta da Transdisciplinaridade1 , redigida por Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu, adotada por seus participantes e aberta assinatura de todo ser humano interessado em medidas progressistas de ordem nacional ou internacional.Apesar de ter sido formalizada neste evento h quase dez anos, a palavra transdisciplinaridade ainda no empregada com a freqncia e propriedade que se poderia esperar. Random2 alega que ela traz em si uma ambigidade conceitual contida na presena do prefixo trans juntamente com a palavra disciplina: enquanto o prefixo aponta uma abertura, a palavra traz em si o significado do fechamento. Isso, a seu ver, dificulta sua assimilao pelo pblico. Porm, este autor acredita que exista algo mais. Ele considera a dinmica implcita entre as duas partes do conceito, que permite ir alm das qualidades prprias das disciplinas, comunicando-se entre si nos mais altos nveis possveis, como pressuposto para uma tomada de conscincia a respeito da complexidade da prpria vida.O pensamento transdisciplinar precisamente uma primeira abertura, uma ao concreta sobre a nossa realidade, para nela inserir a viso de um real global e no mais causal, revelado pela nova fsica quntica, um real holstico no qual todos os aspectos da realidade podem ser considerados e respeitados, sejam eles cientficos, materiais, afetivos ou espirituais.RANDOM,2000.p.19Nicolescu1 trabalha este conceito com mais profundidade. Esclarece que o prefixo trans designa aquilo que est ao mesmo tempo entre as disciplinas, atravs das diferentes disciplinas e alm de qualquer disciplina. Que isto s pode ser compreendido quando se supera o pensamento clssico, segundo o qual a transdisciplinaridade seria um absurdo inconcebvel posto que no espao entre as disciplinas, ou alm delas, s existiria o vazio, j que cada disciplina, de per si, conteria um campo de abrangncia e pertinncia inesgotvel.Entretanto, segundo a viso ps-moderna influenciada pela fsica quntica, a realidade no una, o conhecimento no fragmentado e o pensamento clssico no absurdo, mas seu campo de aplicao restrito.Diante de vrios nveis de Realidade, o espao entre as disciplinas e alm delas est cheio, como o vazio quntico est cheio de todas as potencialidades: da partcula quntica s galxias, do quark aos elementos pesados que condicionam o aparecimento da vida no Universo.NICOLESCU,1999. p.46.Da ele infere que o espao transdisciplinar s pode ser pensado de forma descontnua, j que se configura em oposio continuidade inerente ao espao concebido pela fsica clssica, compreendido como um encadeamento contnuo de causas e efeitos. A noo de descontinuidade, um dos pilares do pensamento ps-moderno, foi apresentada por Planck no comeo do sculo XX, ao descobrir que a energia tem uma estrutura discreta, descontnua: oquantum1, que iria subsidiar a mecnica quntica e reformular completamente a viso de mundo com o surgimento da fsica quntica disseminada aps a segunda guerra mundial. Com ela evidencia-se um novo tipo de causalidade, segundo a qual as entidades qunticas continuam a interagir qualquer que seja seu afastamento, j que so concernentes a um sistema que engloba todas as entidades fsicas em seu conjunto.Este autor acrescenta que a transdisciplinaridade, enquanto relacionada com a descontinuidade, representa a superao da viso dicotmica e dualista dos tempos modernos.A transdisciplinaridade a transgresso da dualidade que ope os pares binrios: sujeito-objeto, subjetividade-objetividade, matria-conscincia, natureza-divino, simplicidade-complexidade, reducionismo-holismo, diversidade-unidade. Esta dualidade transgredida pela unidade aberta que engloba tanto o Universo como o ser humano.NICOLESCU,1999.p.57.ConclusoO conceito ps-moderno de transdisciplinaridade tem sido aceito no ambiente universitrio, como aponta Brando, porque se coaduna com o esprito da Universidade.No sem razo que o ambiente acadmico das universidades se volta para pensar o ensino e a gerao do saber dentro de uma forma transdisciplinar que v alm da perspectiva multidisciplinar e, mesmo, da interdisciplinaridade. As universidades foram criadas para abarcar todo o conhecimento relevante e providenciar pesquisas de ponta. Contudo, a quantidade de informaes existentes e transmitidas, sobretudo atravs das redes de informtica, torna impossvel dominar todas as informaes sobre um determinado assunto. Mesmo se o consegussemos, no nos restaria tempo para trabalh-las e explor-las devidamente. Alm disso, o conhecimento de fronteira, por sua prpria definio, leva a por em contato os contedos de um campo de saber com os contedos de outros campos, aproximados pelo desdobramento das pesquisas. Ao pesquisador realmente universitrio torna-se impossvel permanecer cego quilo que cai sob sua perspectiva, razo pela qual ele se obriga a percorrer caminhos que vo alm de sua disciplina especfica.Cfr.BRANDO,2000.disponvel en internethttp://www.arq.ufmg.br/ia/trans%20e%20humanismoApesar da adoo da abordagem transdisciplinar nas Universidades, sobretudo nos cursos de formao em novos campos do conhecimento humano, tais como a mecatrnica, a bioqumica ,a biomedicina ou a psicopedagogia, no deixa de existir, nos meios acadmicos, alguma reserva ao conceito de trasndisciplinaridade, j que sua adoo importa numa reviso das estratgias de conhecimento desenvolvida na modernidade e que ainda no caram em desuso.H uma desconfiana no que tange s metodologias gerais que podem ser transportadas de um campo do conhecimento a outro. Esse ir alm que est contido no prefixo trans visto como nfase no estabelecimento de um mtodo geral para as disciplinas,como se os mtodos especficos fossem insuficientes para a compreenso do real em sua totalidade. novamente Brando quem traz esta questo:No se trata de uma averso metodologia em sentido estrito, mas a desconfiana de que a dedicao excessiva a problemas metodolgicos leva a uma hipertrofia dos meios e seu descomprometimento com os fins do saber. Essa desconfiana j se encontra tematizada em Hans-Georg Gadamer em seu Verdade e Mtodo e fundamenta o neopragmatismo da filosofia de R. Rorty.Tambm na filosofia de Leon Battista Alberti (1404-1472), tal desconfiana em relao sofisticao metodolgica da escolstica se apresenta atrs do seu epteto Quid tum?Cfr. BRANDO, 2000. disponvel en internethttp://www.arq.ufmg.br/ia/trans%20e%20humanismoH tambm uma desconfiana em relao adoo de uma hermenutica geral que o conceito de transdisciplinaridade implica pois, segundo este ponto de vista, preciso que os conceitos de uma disciplina sejam traduzidos no mbito de outra disciplina. Isso implica num esforo compreensivo muito grande.Como espao sem fronteiras e limites disciplinares, a transdisicplinaridade pode se situar tanto alm como aqum das disciplinas, e esse o perigo que corre um conceito num mundo no qual a busca de novidades impede o exerccio da racionalidade. Pode servir apenas para promover a passividade e a inibio do pensamento, diante de uma rede de informaes to intensa como a que temos na atualidade.Por outro lado, preciso lembrar que grandes gnios , como Leonardo Da Vinci, transitavam tranqilamente da arte para a engenharia, de cincia humana para cincia exata, sem perda de contedo e criticidade. A transdisciplinaridade, no , de forma alguma, a abolio das disciplinas, mas a formao de snteses disciplinares inovadoras e criativas, capazes de explicar o Universo e a Realidade sob uma nova tica e uma nova tica.Cumpre educao ps-moderna tal objetivo, como forma de responder s novas necessidades de um mundo, globalizado, complexo, sistmico, tecnolgico que exige do ser humano novas respostas.Bibliografia ABREU JR, L. (1996). Conhecimento Transdisciplinar: o cenrio epistemolgico da complexidade. Piracicaba: Unimep. ASSMANN, H. (1998). Metforas Novas Para Reencantar a Educao: epistemologia e didtica.2 edio. Piracicaba: Unimep. ______________.(1998). Reencantar a Educao: rumo sociedade aprendente.Petrpolis: Vozes. DEMO, P. (2000).Educao e Conhecimento: relao necessria, insuficiente e controversa.Petrpolis: Vozes. Interdisciplinaridade, Transdisciplinaridade, Multidisciplinaridade,Pluridisciplinaridade. Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro. Grupo Multirio. Disponvel na internet em:http://www.multirio.rj.gov.br/cime/ME04/ME04_007.html LYOTARD, J.F. (1988) O Ps-Moderno. Rio de janeiro: Jos Olmpio. MORIN, E. (1990) Introduo ao Pensamento Complexo; traduo Dulce Matos; 2 edio. Lisboa: Instituto Piaget. _________(2002) O Mtodo: a natureza da natureza; traduo Ilana Heineberg.Porto Alegre: Sulina. NICOLESCU, B. (1999) O Manifesto da Transdisciplinaridade;traduo de Lcia Pereira de Souza. So Paulo; Triom. _____________(1997). Conferncia no Congresso Internacional "A Responsabilidade da Universidade para com a Sociedade", International Association of Universities, Chulalongkorn University, Bangkok, Thailand. Disponvel emhttp://perso.club-internet.fr/nicol/ciret/ SANTOS, Boaventura Sousa.(2000) A Crtica da Razo Indolente. Contra o Desperdcio da Experincia: para um novo senso comum; a cincia, o direito e a poltica na transio paradigmtica .Vol 1. So Paulo: Cortez. STRIEDER, Roque.(2000) Educar para a Iniciativa e a Solidariedade. Iju:Ed.UNIJU.(Coleo Educao). TASCHNER, Gisela B. (1999), A Ps Modernidade e a Sociologia. Revista USP, So Paulo, n 42.ju/agosto. p 6 -19.*Doutoranda em Filosofia e Cincias da Educao pela Universidade de Len, Espanha, meste em Educao pela Universidade Federal Fluminense, RJ, psicopedagoga, membro do Conselho Nacional da ABPp- Associao Brasileira de Psicopedagogia.