a retomada do bairro da lapa, rj
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"O fenômeno de aumento de freqüentadores e opções de lazer no bairro boêmio" A retomada ou revitalização cultural do bairro da Lapa, no Rio de Janeiro Monografia de conclusão de curso @Guto_TRANSCRIPT
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
A RETOMADA DO BAIRRO DA LAPA, RIO DE JANEIRO
O fenômeno de aumento de freqüentadores e opções de lazer no bairro
boêmio
AUGUSTO MOTTA VERÍSSIMO
Matrícula: 0520441 – Habilitação em Publicidade e Propaganda
RIO DE JANEIRO – RJ 2009
2
Dissertação apresentada ao Departamento de
Comunicação Social da PUC-RIO como parte
dos requisitos para a graduação em
Comunicação: Publicidade e Propaganda.
ORIENTADOR:
Renato Cordeiro Gomes
3
AGRADECIMENTOS
. Aos meus pais, por todo o incentivo, exemplo e apoio.
. Ao meu avô Antônio Veríssimo Filho, Mestre da Vida, sempre presente na memória.
. Ao professor Renato Cordeiro Gomes, pelo diálogo esclarecedor.
. Ao professor Antônio Jorge Alaby, pela contribuição no meu desenvolvimento
profissional.
. À Fátima Rendeiro, por ser minha Madrinha no mirabolante mundo da publicidade.
. Ao professor Sérgio Mota, pelo despertar do prazer da investigação cultural.
. Ao professor Adair Rocha, pela contribuição com este estudo e o despertar do olhar
sobre a cidade.
. Ao ilustre amigo Mauricio Garces Ozório, pela amizade e carinho.
. A todos os amigos que conquistei na minha vida até hoje, obrigado pelo apoio.
4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 6
1. O DESPERTAR DA BOÊMIA........................................................................ 10
2. ASCENÇÃO E QUEDA................................................................................. 17
3. A RETOMADA............................................................................................... 24
CONCLUSÃO.......................................................................................................... 40
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................... 44
5
INTRODUÇÃO
6
Esta dissertação tem sua origem no prazer da observação. Considero um
privilégio observar o comportamento humano com a cidade do Rio de Janeiro como
pano de fundo. A investigação das questões sociais e os comportamentos que deles
são gerados e aplicados na vida cotidiana revestem, qualquer observador nato, de
dúvidas e sedução. A descoberta de uma característica da cidade logo desperta uma
curiosidade, como em um ritmo interminável ,àqueles que se propõem à traduzi-la.
Observar o conflito presente de maneira ubíqua no Rio de Janeiro (para o bem e
para o mal) assim como a maneira com que as pessoas se comportam, utilizam e
usufruem de uma cidade como o esta pode revelar sustos, surpresas e achados
reveladores ao virar de uma rua ou esquina. O simples ato de flanar pelas ruas e vielas
do centro da cidade ou da Lapa, por exemplo, pode revelar verdadeiras lições de vida.
Basta que o observador se envolva e permita que isso aconteça.
Em uma cidade onde o choque de classes se encontra no cerne dos traços mais
característicos da cidade maravilhosa, é importante uma dose de cautela e outras
tantas de ponderação não apenas com o que se observa, mas também com aquilo que
se interpreta. Não existem verdades absolutas sobre o Rio. Existem apenas verdades
pequenas e grandes, que compõem esta metrópole que ainda insiste em ser
reconhecida como balneário, deixando pasmos aqueles que vêm de fora, por tamanha
pluralidade de estilos, comportamentos, pessoas, raças e belezas naturais.
A cidade respira, transpira e vive de encontros. Empresários, favelados,
universitários, porteiros, etc.. todos cariocas “sangue bom”. Todos se encontram em
algum lugar, de alguma maneira, por algum motivo nesta cidade provinciana, cartão
postal e caótico, que diferencia o Rio de Janeiro de qualquer outra
cidade no mundo.
E, da necessidade dos encontros, intrínseca na personalidade da cidade,
7
observa-se a redescoberta do bairro da Lapa como um pólo de entretenimento, lazer e
cultura. Um bairro que, mesmo com uma fama “marginal”, enraizada pelo passado,
possibilita hoje, novamente, o encontro dos cariocas de uma maneira suave e não
forçada. O rico e o pobre se encontram na Lapa. No entanto, se no decorrer do dia-a-
dia cada um exerce um papel social diferente, no bairro boêmio eles se encontram no
mesmo patamar no que diz respeito ao objetivo em comum entre os dois: apenas se
divertir.
Ao passear pela Lapa, no período da noite, observa-se uma vasta gama de
opções de lazer atendendo aos mais variados gostos de cidadãos e cidadãs de toda a
cidade. O Hip-Hop, representado por batalhas de rima, o samba e o choro - gêneros
musicais apresentados na maioria das casas noturnas do bairro - , o forró, o reggae
além de diversas outras expressões musicais, como o jongo por exemplo, encontram
espaço naquilo que pode ser considerado o mosaico artístico-cultural que a Lapa
oferece atualmente aos seus visitantes e frequentadores assíduos.
O objetivo desta pesquisa é estudar como e de que maneira se deu o atual
fenômeno classificado e denominado pela mídia, formadores de opinião e a população
fluminense e carioca como “retomada”, “revitalização” ou “redescoberta” do bairro da
Lapa, no centro da cidade do Rio de Janeiro.
Considera-se “retomada”, “revitalização” ou “redescoberta”, uma vez que, no
início do século XX até o final da década de 30, o bairro era conhecido e considerado
pela população carioca (e principalmente pelos boêmios que ali frequentavam), como a
“Montmatre Carioca” - uma alusão ao bairro boêmio da cidade de Paris, na França,
uma vez que o bairro parisiense, assim como a Lapa, era o palco da concentração da
classe artísticas e intelectuais e boêmias da época, abrigando famosos cabarés, bares
e prostíbulos, oferecendo todo o tipo de diversão mundana e adulta para os boêmios
8
que ali freqüentavam, visitavam, viviam e se divertiam.
Com as “medidas moralizadoras”1 do Governo de Getúlio Vargas no final da
década de 30, os cabarés da Lapa tiveram que ser fechados, e o bairro perdera um de
seus maiores atrativos. Acrescido a este fato, houve também o movimento de
expansão da população da cidade para bairros da Zonal Sul que estavam em pleno
crescimento, como a charmosa Copacabana e a longínqua Ipanema. Desta maneira, a
boêmia se mudara, encantada pelo brilho da orla e das boates de Copacabana.
Enquanto, décadas mais tarde artistas como Nara Leão e Vinicius de Morais reuniam
os amigos em seus apartamentos de frente para o mar para compor músicas de Bossa-
Nova2
1 RANGEL, Carlos Fronteira Brasil-Uruguai: entre o nacional e o regional (1928/1938) p.12 2 MOTTA, Nelson. O Som e a Fúria de Tim Maia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006 p. 36
- com constituintes do que considerava-se a “nova boêmia-intelectual” -.A Lapa
se encontrava em estado de desvalorização imobiliária e abandono, caracterizando
uma situação de decadência.
No entanto, devido à contribuição de diversos personagens e fatores, no início
do século XXI o bairro boêmio assistiu ao fenômeno de um aumento exponencial do
fluxo de visitantes e frequentadores por parte da população carioca, fluminense e
turistas de todo o mundo, que atualmente lotam as ruas, vielas e becos do bairro, todas
as noites em busca de diversão, cultura e lazer.
Considera-se, portanto, este o fenômeno denominado neste estudo como
“retomada”, “revitalização” ou “redescoberta” da Lapa.
9
O DESPERTAR DA BOEMIA
10
Até o século XVII, a Lapa permanecia praticamente desabitada. Naquela época,
não havia sequer ruas, esquinas ou vielas. No bairro que atualmente abriga diversas
opções de lazer e recebe visitantes, frequentadores e turistas todos os dias da semana,
quase 24 horas por dia, existia a extinta lagoa do Boqueirão, o que tornava a Lapa um
dos lugares mais insalubres da cidade para viver.
No início do século XVIII a maioria da população brasileira habitava os campos e
as lavouras, o que dava ao Brasil o título de um país rural em sua maioria. No entanto,
com o desenvolvimento do comércio e da exportação, a cidade passa a ter seu
crescimento e desenvolvimento acelerados e ganha novas dimensões e proporções, tanto
populacional quanto urbanisticamente.
(...) Tudo começou a mudar a partir do início do século XVIII, quando o Rio de
Janeiro assume a função de “centro abastecedor da região aurífera e escoadouro
de todo o ouro que ia alimentar o fausto da coroa portuguesa durante quase três
quartos do século XVIII3”. A intensa movimentação do porto faz com que a cidade
comece a crescer rapidamente. Sua população que, em 1710, era de 12.000
habitantes (por Joaquim Caetano da Silva), passa a 24.397, em 1749 (cálculo de
Baltazar Lisboa), e quase duplica no fim do século. O núcleo urbano se expande,
ultrapassando a barreira defensiva que seguia pela Rua da Vala (hoje
Uruguaiana). Começam a ser ocupadas as áreas vazias situadas fora dos limites
da cidade.4
Logo após esta medida, havia a necessidade de conduzir as águas do Rio Carioca
– que nasce no Cosme Velho, passando por Santa Teresa - até as construções,
monumentos e obras públicas do centro da cidade. Por este motivo, iniciaram-se as obras
Desta maneira, foram necessárias obras de infraestrutura e o aterramento de
diversos mangues e lagoas da capital do então Estado da Guanabara, com a necessidade
de ampliação de terreno sob as planícies da cidade, a lagoa do Boqueirão foi aterrada.
3 Filho, Enéas Martins. 1967. "O Rio de Janeiro do ouro ao tempo dos vice-reis. Curso sobre a fundação da cidade do
Rio de Janeiro". Separata da Revista do instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v.276, jul-set, p. 43. 4 Pinheiro,Eliane Canedo de Freitas e Rabha, Nina Maria de Carvalho Rua do Lavradio p. 41
11
do monumental e charmoso Aqueduto Carioca, hoje mundialmente conhecido como Arcos
da Lapa, construído com pedra, areia e cal é hoje cartão-postal do bairro e do Rio de
Janeiro. Sua construção em estilo romano já foi objeto de estudo e inspiração para
diversos livros, poesias, pinturas, músicas ou qualquer outra forma de expressão que
simbolizasse a boemia carioca e o bairro da Lapa , tanto no Rio de Janeiro quanto nos
mais diversos cantos do mundo.
Portanto, da necessidade de expansão da cidade devido ao seu crescimento e
desenvolvimento nascia o bairro da Lapa, que décadas depois ficaria conhecido como o
bairro da boemia, dos malandros, da prostituição, da jogatina e do lazer mundano e
adulto, carregando em sua história diversos mistérios, histórias populares, personagens e
toda uma mística em sua áurea.
No decorrer do século XIX, ocorrem grandes mudanças na região da praça da
constituição (atual Tiradentes), que ganhava opções de entretenimento, como edificações
destinadas a teatros, bares, cafés e ao pequeno comércio, passando o local a
desempenhar o papel de complementar de lazer e de moradia de personalidades do
império e da classe média constituinte dos bairros nobres como Santa Teresa, Glória,
Catete, Tijuca, São Cristóvão, etc.
A construção do Real Teatro de São João – onde hoje se localiza o teatro João
Caetano pode ser considerada como grande marco desta época. A população passava a
demandar cada vez mais por lazer, entretenimento e cultura. A Lapa e sua intermediações
eram cada vez mais requisitadas para este tipo de atividade e o centro da cidade era o
local que concentrava a maioria das opções de lazer do Rio de Janeiro.5
5 PINHEIRO, Eliane, PINHEIRO, Augusto. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p.65
Este movimento era fomentado de maneira direta e indireta devido à chegada da
família real Portuguesa ao Rio de Janeiro, conforme cita o autor Lima Barreto:
12
“O Rio de Janeiro não possuía palácios nem educação mundana, motivo pelo qual
o imperador incentivava as artes, especialmente a música e a ópera, para
acrescentar erudição ao menos aos membros da nobreza que se intencionava
formar”6
A influência da chegada e permanência da família real atrelado ao fenômeno de
crescimento da cidade contribuiu demasiadamente para a cena cultural da cidade, que
começava a ganhar cada vez mais força. A população carioca estava curiosa e estimulada
a se abrir e descobrir os novos hábitos de lazer e cultura trazidos da Europa pela realeza.
A invasão do elemento europeu, com hábitos e outros modos de vida, resultou na
mudança do comportamento social da população. A vida mundana não se limitava mais
às reuniões fechadas em circulo familiar. A cidade perdia o ar de roça e se abria para
hábitos e comportamento de uma metrópole.
.
7
Em 1894, começam a circular no Rio de Janeiro os primeiros bondes elétricos
importados dos EUA pela companhia do Jardim Botânico.
No final do século XIX, a localização geográfica da Lapa e a chegada dos bondes
elétricos à cidade foi um dos principais contribuintes para que sua característica e fama
boemia se estabelecesse de vez.
8
6 BARRETO, Lima, HENRIQUES, Afonso. A Vida e morte de J. Gonzaga de Sá. São Paulo: Brasiliense,1956, p.101 7 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 57 8 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 82
O centro da cidade, ponto de
partida do principal meio de transporte coletivo da época tornou-se um palco
movimentado para onde os constituintes das mais diversas classes sociais convergiam
para trabalhar, fazer compras e se divertir. Foi, no entanto, devido à frequência aos
teatros localizados na praça Tiradentes e aos cabarés da Lapa que a vida noturna da
cidade passou a fervilhar como nunca antes visto no Rio de Janeiro. Nos primeiros anos,
existiam ainda poucos bondes e, por este motivo, ao sair do trabalho, a população
13
preferia permanecer no centro da cidade até a hora dos espetáculos.
Desta maneira, o carioca procurava restaurantes e bares para passar o tempo,
aproveitando para beber, jantar e trocar uma prosa nas opções oferecidas no entorno da
Lapa, Rua do Lavradio e praça Tiradentes, além das opções de lazer adulto,
proporcionado pelos diversos cabarés ou “inferninhos”, como são popularmente
conhecidos. Por este motivo, multiplicaram-se as cervejarias, bares e cafés, que
concentravam diversos intelectuais e formadores de opinião cultural da época, muitos
pertencentes às camadas da elite da sociedade onde se encontravam tanto para diversão
quanto para discussões de cunho político que, indiretamente, viriam a influenciar a vida
política da cidade e do país.9, dentre estes intelectuais e formadores de opinião pública
estavam Di Cavalcanti, Manuel Bandeira, Drummond de Andrade10
“(...) Além disso, foi nesse tempo que conheci e me liguei, em estreita
camaradagem, que perdura através dos anos, a Odylo Costa, Filho, R. Magalhães
Júnior, Dante Costa, Deocleciano Martins de Oliveira; foi por esse tempo que
conheci Santa Rosa, Márcio Reis, Martins Castello, Amadeu Amaral Junior, que
estão mortos; mortos também estão Carstens e Marcelo Rizzi, mas estes são
posteriores; foi nessa época que me aproximei de Joaquim Ribeiro e Teodomiro
Tostes; foi então, ou pouco depois, que me tornei amigo de Carlos Lacerda, Jorge
Amado, Francisco de Assis Barbosa, Murilo Miranda, Henrique Pongetti, Valdemar
Cavalcanti, Rubem Braga, Newton Freitas, Moacir Werneck de Castro, Genolino
Amado, Clóvis Remalhete, Lúcio Rangel, Dante milano – que todos (salvo erro ou
omissão) foram comparsas, em maior ou menor escala, da grande ópera que se
apresentou na Lapa, na agitada década de 30.”
, entre diversos outros
pensadores da época, conforme cita o autor Luís Martins, que fizera parte das rodas dos
principais intelectuais que frequentaram a Lapa quando o bairro vivia seu auge:
11
Estes e outros personagens presenciaram a boemia vivida na Lapa do início do
9 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 82 10 PASCHOAL, Rodolfo A Cidade Proibida, Madame Satã e outros personagens da velha Lapa. Rio de Janeiro: PUC-
RIO, 1998, p. 68 11 MARTINS, Luís in: PASCHOAL, Rodolfo A Cidade Proibida, Madame Satã e outros personagens da velha Lapa.
Rio de Janeiro: PUC-RIO, 1998, p. 141
14
século XX, que teve seu auge até a década de 30. Foi a classe de artistas que, além de
integrar aquilo que fora considerada a elite intelectual da boemia carioca, também assistiu
ao surgimento de personagens peculiares do bairro, como João Francisco dos Santos –
ou Madame Satã.
Madame Satã
Pernambucano do agreste, filho de uma família grande (tinha 16 irmãos) e pobre.
Muito Jovem foi para o Recife e, logo depois, para o Rio de Janeiro. Descobriu a Lapa,
onde inicialmente sobreviveu fazendo pequenos serviços e com o decorrer do tempo, foi
se integrando à malandragem12
Outro registro de sua vida data de 1971, quando a equipe do jornal O Pasquim se
deslocou até o presídio de segurança máxima de Ilha Grande, no estado do Rio de
.
Devido a esta integração, tornou-se uma espécie de malandro e artista
transformista que se tornara figura lendária da Lapa e suas intermediações, sendo
considerado – até hoje – o maior dos malandros que já passou pela Lapa.
Madame Satã teve sua biografia registrada no livro Memórias de Madame Satã,
aonde João Francisco dos Santos narra ao autor Sylvan Paezzo (uma vez que Madame
Satã era analfabeto) algumas de suas histórias mais emblemáticas vividas na Lapa.
O livro aborda as históricas brigas do travesti com a polícia, a vida boemia agitada
da Lapa dos anos 30, os principais malandros que já passaram pelo bairro, suas brigas de
rua e até mesmo os homicídios cometidos por este personagem peculiar das ruas
cariocas estão imortalizados neste livro de memória que é, atualmente, objeto raro de
colecionador, uma vez que não se encontra mais disponível para impressão pela editora e
é dificilmente encontrado em sebos da cidade.
12 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 102
15
Janeiro para entrevistar Madame Satã, que se encontrava cumprindo pena.
Na ocasião, Madame Satã revelou aos entrevistadores Chico, Sérgio Cabral e
Jaguar que manteve estreitos laços de amizade, graças à convivência no bairro da Lapa,
com alguns dos maiores letristas e sambistas do país.
(...) Sérgio - Você disse que foi amigo do Francisco Alves. O que que você achava
dele?
Satã - O Chico Alves pra mim foi uma grande pessoa, não só como cantor, mas
também como companheiro de farra e como amigo.
Sérgio - E Noel Rosa, era bom sujeito?
Satã - Noel Rosa já desceu de Vila Isabel como um bom sujeito, pelo menos como
cantor e como companheiro.
Jaguar - Você conheceu a Araci de Almeida?
Satã - Araci de Almeida eu conheci menina, ainda, quando ela começou a gravar
as músicas de Noel Rosa. Pra mim foi uma grande amiga e uma grande
companheira. Era o meu tipo, o tipo assim que quando se queimava já viu, né.
Jaguar - Quando Nelson Cavaquinho foi da polícia, ele nunca te prendeu, não?
Satã - Nunca. Nelson Cavaquinho é muito meu amigo, sempre foi.
Jaguar - Mas ele não era civil.
Satã - Mas era muito meu amigo.13
13 MADAME SATÃ. Entrevista. In: As grandes entrevistas do Pasquim, Rio de Janeiro: Codecri, 1975
A história e vida de Madame Satã revela e reforça a singularidade que existe no
que diz respeito ao bairro da Lapa, uma vez que a vivência no bairro concedera o título de
maior dos malandros, a um homossexual assumido e possibilitara a um cidadão
analfabeto, pobre e marginalizado a convivência intensa com uma elite boemia-intelectual
e formadora de opinião da época.
16
ASCENÇÃO E QUEDA
17
No período em que a Lapa vivenciava seu auge, a Rua do Lavradio – logradouro
que foi moradia para João Francisco dos Santos (Madame Satã), dentre diversos outros
nomes importantes do bairro - funcionava como uma espécie de “ponte” para a boemia
que freqüentava o bairro, uma vez que conectava os bares e prostíbulos da velha Lapa
com os teatros e outras opções de lazer e cultura da praça Tiradentes. A rua desempenha
até hoje um papel vital para a o bairro e sua retomada, uma vez que atualmente casas de
shows dividem espaço com antiquários e brechós da Lavradio, evidenciando a
característica e capacidade do bairro de misturar o novo com o antigo, além de abrigar,
desde 1996, uma feira de antiguidades que ocorre mensalmente, atraindo milhares de
visitantes dos mais diversos cantos da cidade.
Outro fator importante para a questão da boemia na cidade foi a chegada da
cerveja ao Brasil ou “chopes-berrantes”, apelidado assim pela população devido às
cervejarias barulhentas que se concentravam na Lapa e na região do centro da cidade. A
cerveja, tipo mais adaptado de bebida alcoólica ao clima tropical brasileiro, era um
produto importado da Europa e só passou a ser comercializada para a população do Rio
de Janeiro a partir do século XX, depois da emancipação do Brasil da coroa Portuguesa,
que não permitia a entrada no país de outra bebida que não fosse o vinho Português.14
14 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 144
A boemia carioca do início do século XX vivia seu auge, tendo a Lapa como uma
espécie referência naquilo que diz respeito à diversão adulta e mundana, com seus
cabarés, bares e espetáculos em um ritmo frenético, atraindo a população carioca para o
bairro.
18
Outro espaço da cidade que também colaborou de maneira orgânica para a cena
para esta concentração de frequentadores na região, na mesma época, era a vizinha – e
também boemia - praça Tiradentes.
A praça Tiradentes
A história da cena de cultura e lazer na cidade do Rio de Janeiro, assim como a
história do bairro da Lapa, está diretamente ligada à importância da praça Tiradentes. No
período compreendido entre o século XIV e início do século XX a Tiradentes era o local
onde se concentravam os principais teatros e casas de espetáculo da cidade, atraindo
milhares de visitantes para as ruas do centro da cidade em busca de cultura e diversão.
Inicialmente, o hábito de ir aos teatros era quase que exclusivo às classes mais
abastadas da cidade. Aos poucos, o costume fora absorvido também pela pequena
burguesia moradora dos bairros servidos pelas linhas dos bondes elétricos e das demais
camadas sociais da população, o que fez surgir e proliferar diversas companhias teatrais
e casas de espetáculo na região da praça Tiradentes. O teatro foi, durante muito tempo, a
principal opção de lazer da cidade e as atividades comerciais ao redor da praça
mantinham a Tiradentes acessa quase 24 horas por dia.
Com o decorrer do tempo a praça foi dividindo sua importância para a cena teatral
da cidade com outros bairros, que começavam a abrigar casas e companhias teatrais
para atender a demanda que se estendia Rio de Janeiro a fora. Mesmo assim,
atualmente, a praça ainda se destaca na vida cultural da cidade, abrigando dois dos mais
importantes teatros da cidade, o João Caetano e o Carlos Gomes que, anualmente,
recebem algumas das mais importantes peças teatrais e apresentações do país.
Acrescido a esta efervescência cultura-teatral da praça Tiradentes do século XIV e
19
XX, que se estendia também por ruas importantes para a cena boemia da cidade como a
Rua do Lavradio - aonde também existiam importantes bares e casas de espetáculo,
(como o Teatro Apolo, por exemplo) -, estava a Lapa vivenciando o auge de seus anos
dourados.
Neste período, a Lapa dos malandros, dos poetas, dos vagabundos, dos cabarés,
das prostitutas francesas, polacas e mulatas15
Nos idos do início do século IXX até o final da década de 30 (ao contrário do que
ocorre atualmente na Lapa), o principal pilar de diversão e renda para o bairro era a
, do lazer noturno e adulto fez com que a
imagem do bairro da Lapa fica ligada a estes elementos antes citados, e o bairro ganha
alguns atributos da vida noturna que lhe conferem fama de bairro marginal e vadio, para o
restante da população.
Desta espécie de condenação, pode manifestar-se por uma recusa a compartilhar
este espaço e participar das relações nele contidas, através da rejeição do discurso
sensual e/ou criminoso em nome da ordem e da moral burguesa estabelecidas, conforme
cita o autor Luís Martin no livro Noturno da Lapa:
(...) Eu acho engraçadíssimo o ar de malícia escandalizada
com que algumas pessoas, falando baixinho, às vezes me
perguntam, como se aludissem a uma coisa secreta e inconfessável: -
Você, em moço, freqüentou muito a Lapa, não foi ?
Dessa maneira, podemos considerar que o bairro da Lapa exerce uma função de
“ilha” para a cidade do Rio de Janeiro, observa-se que neste espaço os prazeres da
carne, os pequenos crimes, a prostituição e o culto à malandragem são tolerados e muitas
vezes aceitos, se o palco for a Lapa. O bairro permeia o imaginário popular como uma
espécie de espaço que possui leis próprias, aonde existe o caos, mas ao mesmo tempo é
organizado
15 LUSTOSA, Isabel A Lapa do desterro e do desvario. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001, p.109
20
exploração da prostituição e com o início do de Governo de Getúlio Vargas - que
governava e morava no Catete, bairro separado da Lapa apenas pela Glória -, vieram
ações e medidas de seu programa de governo conhecidas como “medidas
moralizadoras”.
A através de um decreto proferido no final da década de 30, obrigando o
fechamento imediato de todos os prostíbulos e cabarés da cidade, colocando um ponto
final na principal fonte de atração de frequentadores do bairro. O decreto soou como um
duro golpe para a economia o bairro. A Lapa, que perdera a característica de bairro de
moradia da elite carioca para dar espaço à cena noturna das “diversões adultas” tinha a
prostituição como um dos principais pilares de sustentação econômica do bairro.
Os cabarés requintados que se estendiam ao longo das ruas que cruzavam o
bairro eram o grande atrativo do bairro da Lapa. O sexo pago atraia visitantes que
transitavam pelas ruas e lá gastavam seus salários não apenas nos cabarés, mas
também nos restaurantes, cafés, bares e casas de espetáculo que existiam na região.
No entanto, acabar com a prostituição em uma capital não era algo possível de
fazer em um curto prazo de tempo, muito menos de uma maneira sutil e polida. O
momento do decreto que, dera início a decadência do bairro, é traduzido pelo autor
Moacyr Andrade, no livro Lapa do Desterro e do Desvario, de Isabel Lustosa como um
movimento violento por parte do estado, que promovera uma verdadeira “caça às bruxas”
dentre os estabelecimentos de prostituição e ruas da Lapa, utilizando-se da força policial.
(...) O regime getulista fechou-lhe os prostíbulos, numa cruzada moralista
executada sob o comando de um coronel de artilharia, o chefe da polícia Alcides
Gonçalves Etchegoyen. Promoveu uma caçada aos malandros e às prostitutas.
Vasculhavam pensões, cabarés, casas de jogos. Queria dar a impressão de que
tinha a obsessão da ética do trabalho.16
16 ANDRADE, Moacyr in: A Lapa do Desterro e do Desvario, p.89
21
Além da prática da prostituição, a Lapa também era abrigo do jogo, que fora o alvo
posterior do governo de Getúlio Vargas, logo após o decreto de fechamento dos
prostíbulos e cabarés. Sem o jogo e o sexo pago, começava o processo de decadência
do bairro “ilha”, aonde quase tudo podia.
A boemia intelectual que frequentava o bairro trocava a penumbra dos abajours dos
quartos onde as “moças de vida fácil” - como são popularmente conhecidas as prostitutas
– trabalhavam, pelas luzes coloridas e ofuscantes das boates de Copacabana. O “chope-
berrante” dava espaço para o whisky e o samba e o choro para a cultuada Bossa Nova.
Em outra passagem do livro, o autor recorda alguns dos fatos que evidenciavam o
processo de decadência do bairro, citando ainda o após as proibições “moralizadoras”
que o bairro sofrera e o afastamento da bemia para os bairros da zona sul:
“(...) O jogo logo teria a ilegalidade decretada. A Lapa caía. Intelectuais,
artistas e políticos e boêmios atravessaram os túneis rumo a Copacabana, as
boates tomavam o lugar dos cabarés.
A última instituição a resistir na Lapa como era ela foi a feira-livre dos
sábados no Largo, ao lado da estaçãozinha dos bondes - “o bonde da Lapa é cem
reis de chapa”, dizia a marchinha “Seu condutor”, grande sucesso do carnaval de
1938 da maior dupla caipira do rádio, Alvarenga e Ranchinho -, do ponto de venda
do Hidrolitol, um sal para curar ressaca dos boêmios, que se tomava ali mesmo no
balcão junto ao Café Imperial (o vendedor punha num copo com água o pozinho
que provocava efervescência) ou era levados para casa em saquinhos e
caixinhas, Descrita em 1954, em crônica de Homero Homem que é um legítimo
curta-metragem, essa feira reunia, depois do meio-dia, quando os guardas
sopravam o apito de encerramento, o lado mais sombrio do bairro, a multidão de
párias que disputava a sobra dos produtos não vendidos, os legumes e frutas semi
perecidos refugados pelos compradores. Um bota-abaixo retardatário fez
desaparecer o Largo, hoje prolongamento de imenso descampado. Essa
derrubada levou o Capela a mudar de pouco e nome, instalado na Avenida Mem
de Sá. Guarda-se ali o último elo com a Lapa da belle époque carioca: o conjunto
de aquarelas art noveau – o jogador de futebol, o jóquei, os pugilistas, a nadadora,
a tenista a atiradora e a mulher com piteira e copo – transferindo da casa antiga e
disposto nas paredes laterais, por sobre as mesas, de um lado e do outro da
entrada.
22
Além disso – ao fundo do bairro, soberano – só o cartão-postal, o colonial
Aqueduto dos Arcos, um desafio aos milênios.”
Até o final da década de 60 e o início de 70 o bairro vivia em estado de decadência
e total abandono. Os inúmeros cortiços da Lapa, que existem e resistem até hoje nas ruas
do bairro, eram moradias que apresentavam condições precárias de vida. Enquanto
bairros como Ipanema e Leblon viviam seu auge, a velha Lapa sucumbia perante à cidade
como ponto de drogas, crimes e prostituição. Dos intelectuais, sobrara apenas Aguinaldo
Silva como um dos últimos escritores a abandonar o bairro, em 1969.17
Agnaldo vivenciou um momento-chave do bairro, da cidade, do país naquele
instante, pelas lentes e códigos daquele espaço, deixando a Lapa um pouco antes da
grande reforma urbana sofrida com o projeto Corredor Cultural, que trouxe uma completa
remodelagem ao bairro, tendo como conseqüência uma mudança drástica no aspecto
geográfico e visual da Lapa até os dias de hoje. Silva também não assistiu à derrubada
dos cortiços e do chamado Ferro de Engomar – um quarteirão em bico, exatamente no
formato do utensílio doméstico.
O Corredor Cultural
18
O bairro não perdera a fama de marginal após a reforma, nem atraíra uma
quantidade expressiva de visitantes em um curto prazo de tempo, todavia, ruas, praças e
O projeto Corredor Cultural pode ser considerado um dos principais fatores para a
retomada do bairro, uma vez que com a reforma urbanística, a Lapa não apenas perdeu
parte de sua característica decadente e asquerosa, aos olhos da sociedade, como
ganhou espaço para a livre circulação de um número muito maior de pessoas.
17 LUSTOSA, Isabel Lapa do Desterro e do Desvario – Uma antologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001, p.221 18 KUSHNIR, Beatriz A Lapa e os filhos da revolução boêmia. Rio de Janeiro: Casa Rui Barbosa, p.6
23
calçadas surgiram ou foram alargadas melhorando a circulação dos transeuntes do bairro.
O projeto Corredor Cultural marcou a Lapa como mais uma intervenção do governo que
modificou a paisagem do bairro possibilitando ao bairro, anos mais tarde, absorver o
número expressivo de visitantes que recebe todos os finais de semana, após seu
processo de retomada cultural.
A RETOMADA
24
A retomada da vida cultural e noturna do bairro é um fenômeno também
contemplado por outras grandes cidades ao redor do mundo. Em Buenos Aires, por
exemplo, houve uma espécie de reciclagem de antigos espaços portuários deteriorados,
que após a revitalização passaram a receber turistas e visitantes.
Ao redor do mundo, os espaços históricos e/ou boêmios de grandes capitais como
Londres, Paris e Nova York também sofreram um processo de revitalização, contribuindo
para a transformação de locais abandonados ou em decadência em pontos de turismo,
cultura e lazer, como ocorre atualmente com o bairro da Lapa, que atrai um número de
turistas brasileiros e estrangeiros cada vez maior para suas ruas e casas de espetáculo.
No caso da Lapa, este processo de retomada se deu de maneira gradual, onde se
destacam investimentos por parte da iniciativa privada, uma mudança de comportamento
de vida noturna por parte da população carioca e fluminense - que passou a considerar o
a Lapa como opção de lazer, buscando por atrações de cultura, entretenimento e lazer
que ofereçam identidade brasileira -, além de algumas contribuições por parte dos
governos do municipais e estaduais, que interviram na Lapa através de investimentos,
reformas tanto urbanísticas quanto de centros de cultura na área.
Um dos fatores considerados mais relevantes, na opinião dos frequentadores
entrevistados para este estudo, é que a Lapa tem como diferencial dos demais centros de
entretenimento e lazer da cidade, o fato de oferecer uma extensa e variada gama de
opções de lazer próximas umas das outras a preços acessíveis e um perfil diferenciado
25
de visitantes. Os entrevistados a consideram um espaço democrático, que busca
preservar as características históricas da cidade, sendo um dos poucos que, atualmente
(e mesmo com a violência vivida na cidade todos os dias), pode propiciar o encontro das
mais diversas camadas sócio-econômicas da sociedade fluminense e carioca em um
espaço em comum e com o mesmo objetivo: a diversão.
Outro fator determinante é o fato do bairro oferecer opções de lazer (choro, samba,
MPB, etc.) que trazem ao visitante do bairro a sensação de estar em maior contato e
experiência com gêneros musicais que fazem parte das raízes culturais e folclóricas de
seu país.
O frequentador da Lapa, em sua maioria, busca por opções de lazer que ofereçam
e carreguem características da identidade brasileira, conforme cita Plínio Fróes – dono
das casas Rio Scenarium e Mangue Seco em entrevista ao professor Micael Herschmann,
para o livro “Lapa, a cidade da música”, no ano de 2005:
(...) Eu vou te dar um dado curioso: o 11 de setembro foi marcante – aquele
atentado – e, naquela época, foi muito comentado pela imprensa os reais objetivos
daquele atentado...Foi um não à colonização do americano, não à globalização... No
Rio Scenarium, coincidentemente ou não, a partir daquele momento, mesmo num
ambiente de perplexidade, tivemos certamente o menor número de pessoas na casa -
todo mundo em casa vendo televisão principalmente naquela semana -, mas depois
disso a curva das pessoas em busca da identidade brasileira começou a ascender e
não parou mais... a gente verificou, agora, numa pesquisa que é isso que nosso
público quer. Esse público passou a freqüentar a nossa casa, eu não sei se as outras
casas da Lapa têm a mesma estatística, mas eu acredito que sim porque não foi só o
Rio Scenarium que cresceu a partir desse momento.
Desta maneira, a crescente demanda da busca por identidade brasileira, por parte
dos freqüentadores do bairro, fez com que diversos casarões ao longo das ruas da Lapa
fossem comprados, reformados e transformados em casas de shows e espetáculos,
26
oferecendo aquilo que pode ser considerado “música de raiz”, para o ouvido dos boêmios
da cidade. A reforma e inauguração de estabelecimentos voltados para este tipo de
público estimulou o desenvolvimento econômico do bairro que hoje apresenta uma
retomada não apenas cultural como econômica, evidenciada pela quantidade de casas de
diversão e cultura, restaurantes, bares além de condomínios de classe média que vêm
sendo inaugurados no bairro, uma das consequências do processo de retomada do
bairro.
Aos poucos, o carioca foi descobrindo uma Lapa para chamar de sua. O bairro hoje
não se restringe ao samba, choro e cabarés dos tempos de Noel Rosa, Di Cavalcanti e
Madame Satã. Caminhar pelas ruas do bairro em uma sexta-feira ou sábado à noite é
perceber que o bairro soube aproveitar e explorar a cultura de nicho, oferecendo diversas
opções de lazer dos mais variados tipos.
Atualmente, existe uma Lapa para cada tipo de gosto, para cada tipo de ouvido e
de gênero. Do Jongo à música eletrônica existe espaço para o Reggae, Rock and Roll,
Forró, Rap, Funk, etc. Segundo Adair Rocha, chefe da Representação Regional do Rio de
Janeiro e do Espírito Santo no Ministério da Cultura e professor de Comunicação Social
da PUC-RIO, a Lapa representa hoje uma síntese da cidade do Rio de Janeiro, por ser
um dos poucos espaços da cidade (além das praias), onde a população converge e se
encontra, independente de raça, credo ou condição social. Onde existe o conflito e a
tensão existentes no Rio de Janeiro condensados em uma espécie de organismo sob o
guarda chuva da boemia, vida noturna e diversão.
Mesmo sendo a Lapa um bairro considerado democrático, ela apresenta
segmentações estabelecidas pelos próprios frequentadores. Por exemplo, observa-se
uma concentração de adeptos ao gênero Rock and Roll no gramado da praça dos arcos,
enquanto logo em frente, na calçada da casa FEBARJ, na Rua do Riachuelo – casa
27
noturna destinada à músicas afro-descendentes, concentram-se frequentadores vestidos
ao caráter do gênero musical Hip-Hop. Desta maneira, diferentes grupos ou “tribos”19
Outro fenômeno observado no processo de retomada da Lapa foi aquilo que pode
se
encontram e se separam de uma maneira quase sempre pacífica, em um mesmo
ambiente.
Também observa-se uma segmentação por faixa econômica. Considerando-se que
transitar pelas ruas do bairro pode ser considerado uma opção de entretenimento e lazer,
a Lapa atrai um público das mais variadas faixas econômicas que também convergem e
se segmentam neste espaço comum que é a Lapa. Algumas casas de shows do bairro
como o Rio Scenarium, localizado na Rua do Lavradio e o Carioca da Gema e o
Sacrilégio e Estrela da Lapa todos localizados na Avenida Mem de Sá, oferecem um
serviço de qualificação consideravelmente mais elevada em comparação com as demais
casa do bairro, tendo seu foco na atração e retenção de clientes de classe média/alta,
enquanto outras casas como por exemplo a FEBARJ e o Manifesta, ambos localizados na
Rua do Riachuelo, que oferecem opções de lazer mais acessíveis e atraem todo tipo de
público, dos constituintes das classes mais baixas às mais abastadas, abrigando também
muitos turistas, que visitam o bairro em busca de uma cena alternativa de diversão na
cidade maravilhosa.
São todos personagens que dão à Lapa esta a característica plural nela
reconhecida atualmente e que a caracteriza como um espaço democrático, que devido à
busca por diversão, lazer e cultura, possibilita um espaço amplo e único. É neste palco de
multifacetado onde ocorrem todas as noites encontros de classes, tribos, etnias, raças e
crenças, sob a aura boemia, malandra e democrática que o bairro carrega e preserva até
hoje.
19 Considera-se por “tribo” microgrupos de indivíduos urbanos que têm como objetivo principal estabelecer rede de amigos com base em interesses comuns.
28
ser considerado e denominado como uma espécie de “redescoberta” de espaços de
entretenimento e lazer e por parte da população fluminense e carioca como ,por exemplo,
o Clube dos Democráticos, localizado na Rua do Riachuelo.
Fundado em 19 de janeiro de 1867, o Clube dos Democráticos é a mais antiga
sociedade carnavalesca do Brasil e uma das poucas ainda em atividade. Sua sede na
Lapa – o Castelo dos Democráticos, tombado pelo IPHAN em 1987, voltou aos tempos de
glória, já que atualmente o espaço tem sido palco para músicos da nova geração do
samba e do choro que promovem animadas noitadas frequentadas por um público
composto, em sua maioria, por jovens universitários de classe média.20
Dessa maneira, a Lapa vive o que pode ser considerado um momento ímpar na
Como consequência, de todo o fenômeno de retomada cultural do bairro, observou-
se um aumento no nível da qualidade de serviço das casas de espetáculo do bairro. Este
fenômeno contribuiu para a atração e retenção de um público de classe média alta,
exigente e acostumado com serviços de melhor qualidade. Estes, por sua vez, foram os
porta-vozes do fenômeno de retomada para seu ciclo social, mídia e formadores de
opinião, fazendo com que as classes mais abastadas também considerassem o bairro
antes conhecido apenas pelos prostíbulos, tráfico de drogas e travestis como uma boa
opção entretenimento e lazer.
A frequência dos moradores mais abastados contribuiu não apenas para a melhoria
a qualidade das casas e serviços oferecidos, mas também modificou o perfil do quem vai
à Lapa, atraindo um número de visitantes mais qualificados como empregados de
museus, centros culturais, estudantes universitários, professores universitários, etc.,
resgatando ao bairro os ares de seus “anos dourados”, vividos até o final da década de
30, quando diversos intelectuais frequentavam o bairro.
20 Informação retirada do site Samba & Choro no dia 14/11 no link: http://www.samba-choro.com.br/casas/rio/355
29
história do bairro, uma vez que a prostituição - considerada em um passado não muito
distante o principal atrativo do bairro - perdeu e vem perdendo seu espaço para esta nova
Lapa revitalizada. De uma maneira gradual, as ruas do bairro que eram conhecidas como
ponto de prostituição, vêm inaugurando centros culturais e casas noturnas de música
brasileira e de raiz que consequentemente gera um processo de afastamento dos pontos
de prostituição para locais cada vez mais periféricos do bairro. O “novo frequentador” da
Lapa, em sua maioria, não busca mais a prostituição de rua, mas sim de opções de lazer
que não são facilmente encontradas nos demais bairros da cidade, nem na quantidade
que a Lapa oferece.
Outro fenômeno interessante de ser observado no bairro, após a sua retomada, é a
diferença entre sua rotina diurna e noturna. Ao cair da noite, funcionários dos centros
empresariais do centro da cidade e visitantes dos mais variados bairros se encontram na
Lapa. Os bares e casas noturnas do bairro ficam cheios e as principais vias públicas que
cortam o bairro - a Avenida Mem de Sá e a Rua do Riachuelo – ficam engarrafadas. Aos
finais de semana, é preciso reforço policial e em casos de necessidade, parte do trânsito
da Rua do Riachuelo é desviada para a Rua do Lavradio. O bairro não deixa a cidade
dormir com suas casas noturnas e bares funcionando a todo o vapor, enquanto os outros
bairros vizinhos à Lapa repousam em sono.
À luz do dia, a rotina do bairro muda, o sol escaldante do Rio de Janeiro, as casas
noturnas que ficam fechadas durante o dia e a população de rua afastam os turistas e
visitantes, transformando a Lapa em um bairro de passagem durante o período diurno.
Mesmo os restaurantes e bares que costumam ficar lotados aos finais de semana,
quando abrem, recebem um número tímido de clientes no período diurno não lembrando
em nada a Lapa da noite, que desde o início do século XXI voltou à sua efervescência
cultural.
30
O Circo Voador
Para que o fenômeno de retomada ocorresse, alguns fatores determinantes foram
necessários e aquele que pode ser considerado como um dos mais emblemáticos foi a
ida do Circo Voador para a Lapa.
O Circo Voador começou em janeiro de 1982 na praia do Arpoador, cultuada pela
nata da cultura e juventude carioca de então. Foi neste cenário que o Circo levantou sua
lona azul e branca pela primeira vez. Fruto do anseio de uma enorme onda de artistas
carentes de espaço para atingir o grande público, o Circo foi a grande alavanca para
muitos grupos, hoje consagrados.
O primeiro passo foi dado pelos grupos de teatro criados a partir dos cursos
ministrados pelos integrantes do Asdrúbal Trouxe o Trombone, Perfeito Fortuna, Patrícia
Travassos, Evandro Mesquita, Regina Casé e Luis Fernando Guimarães.
A princípio, a montagem duraria apenas um mês (durante o qual diversas
atividades artísticas se desenvolveram), mas durou três meses e ainda assim foi
necessária força policial para desmontar e retirar a estrutura. Este grupo de artistas,
liderado por Perfeito Fortuna, saiu em campo buscando um novo espaço para o projeto,
até que a Prefeitura destinasse um terreno baldio defronte aos Arcos da Lapa para que o
Circo pudesse se estabelecer. A localização interessou aos organizadores e o Circo
31
ganhou seu novo lugar, servindo de espaço para a criação e apresentação de tudo o que
estava para explodir em termos de arte e cultura populares,21
Após 8 anos fechados, a casa reabriu para o público carioca no mesmo endereço
no ano de 2004 com uma estrutura moderna, ampla, segura, com tratamento acústico e
mesmo com a Lapa ainda
decadente, marginal e esquecida pela cena noturna do entretenimento e lazer da cidade,
conforme cita Diogo Tratado, responsável pela comunicação do Circo Voador, em
entrevista:
“(...) Bom, o circo chegou na Lapa em 82, naquela época a Lapa já era
bem decadente mesmo. O terreno que estamos aqui era bem abandonado,
frequentado por travestis e prostitutas, apesar de que até hoje é frequentado por
essa galera, isso era basicamente o que tínhamos aqui.”
Concebido e administrado por Perfeito Fortuna, Maurício Sette e Marcio Calvão, o
Circo foi o pioneiro em iniciativas, contribuindo de maneira orgânica para o processo de
retomada cultural do bairro:
“(...) Desde aquela a época vem crescendo no imaginário carioca, começou a ter a
classe média passando a frequentar aqui, era um filão que não era explorado.
Tava mais pro lado da decadência, das drogas e da prostituição e que conseguiu,
através da cultura, dar esta volta por cima.”
Em 1996, o então prefeito da cidade Luiz Paulo Conde fazia uma carreata pelo
bairro para sua reeleição ao cargo. Quando Conde e seus cabos-eleitorais decidiram
fazer uma visita ao Circo, ocorria um show da banda “Ratos de Porão”, comandada pelo
apresentador da MTV João Gordo, que iniciou uma vaia ao prefeito. Poucos dias após o
ocorrido, o Circo Voador fechava suas portas, devido a um mandato que alegava que a
casa estava às voltas com dívidas judiciais e por sua estrutura física ser incapaz de
manter os moradores vizinhos a salvo do barulho insuportável.
21 Informação retirada do site da Fundição Progresso no dia 15/11/2009 no link:
http://www.fundicaoprogresso.com.br/index.php?page=Internas.MemoriaCirco
32
sem pendências judiciais, trazendo artistas de renome nacional e internacional para
apresentações exclusivas no bairro, atraindo mais público para o bairro, reforçando e
evidenciando o momento de retomada cultural que o bairro da Lapa já se encontrava.
33
22
No final da década de 80, ao lado do Circo Voador, uma antiga e desativada
fundição de fogões e cofres estava sendo demolida. O ato de destruir um prédio antigo e
grande inteiro mobilizou um o grupo de artistas e circenses do Circo Voador, que se
puseram entre as marretas e o prédio enquanto outros foram buscar ajuda, com o objetivo
de embargar politicamente a demolição
O Circo Voador “aterrizou” em uma Lapa decadente, na década de 80.
A Fundição Progresso
23
Atualmente, o palco da Fundição recebe alguns dos artistas mais renomados e
. Os integrantes do Circo se organizaram para
intervir no processo de demolição da Fundição Progresso e conseguiram, com a
intervenção do poder público, a suspensão das obras de destruição daquele espaço.
Como principal contribuinte para a preservação deste espaço e devido à sua
influência na cena cultural da cidade, os integrantes do Circo Voador receberam da
Prefeitura do Rio de Janeiro e do Governo do Estado a concessão para utilizar o espaço
da Fundição. A partir daí, a Fundição passou a ser uma extensão do Circo Voador e
ambos os espaços culturais funcionavam ao mesmo tempo, complementando-se
mutuamente.
Após mais de 20 anos de existência, a Fundição Progresso vem sendo utilizada
com o intuito de se tornar um espaço em um centro de cultura, meio-ambiente e educação
para toda a população. Várias obras, melhoramentos arquitetônicos e medidas de
segurança fundamentais foram necessários para que a Fundição Progresso pudesse
abrigar um número cada vez maior de pessoas.
22 Imagem retirada do site: http://www.circovoador.com.br/circo/diario.htm. Acessado no dia 14/11/2009 23 Informação retirada do site da Fundição Progresso, no dia 20/10/2009 no link:
http://www.fundicaoprogresso.com.br/index.php?page=Internas.MemoriaFundicao
34
reconhecidos no cenário cultural, tanto nacional quanto internacionalmente, atraindo
milhares de visitantes aos grandes eventos promovidos no decorrer de sua história.
Desta maneira, a contribuição da Fundição Progresso para o fenômeno de
retomada da Lapa se dá na medida em que ela se torna e se consolida como uma casa
das mais importantes e estruturadas casas espetáculo do Rio de Janeiro, entrando para o
calendário cultural da cidade e se tornando uma opção de lazer que atrai os mais diversos
estilos e gêneros e frequentadores para o mosaico cultural que é a Lapa.
A Rua e a Feira do Lavradio
Outro movimento que contribuiu para a retomada cultural do bairro é a Feira do
Lavradio, organizada mensalmente na Rua do Lavradio.
Esta rua pode ser considerada uma das mais importantes da história da cidade e
do bairro da Lapa. Servindo como ponte entre a Lapa e a Praça Tiradentes – dois dos
principais pontos turísticos e arquitetônicos da cidade – e facilitando a proximidade com a
Cinelândia, o Largo da Carioca, a praça XV, o Campo de Santana, dentre outras atrações
igualmente importantes do Centro Histórico, esta rua ganha um caráter plural e muito
especial.
Mesmo tendo sofrido diversas transformações ao longo de sua história, como o
“Bota Abaixo” - proposta de transformação do centro histórico da cidade conduzido pelo
prefeito Pereira Passos que conferiu um novo visual ao bairro do centro, no início do
século XX -.Primeira rua residencial da cidade mantém a arquitetura do lado direito da rua
praticamente intacto. Casarões, moradias populares, quitandas, restaurantes, bares,
brechós e até grandes antiquários e casas noturnas evidenciam a pluralidade existente
35
nela.24
Na década de 90 um grupo de comerciantes locais que tinham em comum o gosto
pelo comércio, restauração de antiguidades além da insatisfação com o estado de
abandono da região começaram a debater possibilidades de solução para atrair mais
visitantes para a rua e lucro para seus negócios. Desses encontros, surgiu em outubro de
1996, a ideia de promover a Feira Rio Antigo de móveis, antiguidades arte e cultura – hoje
conhecida como Feira do Lavradio.
25
A agitação e o grande número de visitantes da feira mensal contrastam com a
tranquilidade diurna da rua. A rua é tomada por visitantes, turistas nacionais e
Organizada pela ACCRA – Associação dos Comerciantes do Centro do Rio Antigo,
a feira foi aos poucos ganhando um número cada vez maior de freqüentadores,
formadores de opinião e entrou no calendário cultural da cidade, conforme cita Plínio
Fróes – dono das casas noturnas Rio Scenarium e Mangue Seco -, na apresentação do
livro Rua do Lavradio:
(...)Primeiro, atraímos os comerciantes da Zona Sul, depois, formadores de opinião como
o cartunista Ziraldo, o arquiteto Chicô Gouveia e a jornalista Danuza Leão, considerada a
madrinha da rua. Cada nota na “Coluna da Danuza” era sinal de sucesso – e de muitos
bons negócios. Fomos inovando e garantindo público.
Nós mesmo produzíamos os vários shows, sempre preocupados em oferecer projetos
musicais de qualidade para um público exigente, já identificado com o evento. Quando
nos demos conta, a feira era uma realidade e se transformava em opção cultural da
cidade.
Atualmente, a feira organizada todo o primeiro sábado do mês é um sucesso de
público. Dezenas de barraquinhas expõem móveis e artigos de decoração, discos antigos
e raros de vinil e roupas antigos ao longo da rua, também havendo espaço para
apresentações artísticas de dança, teatro, circo etc.
24 PINHEIRO,Eliane, RABHA, Nina. Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 41 25 FRÓES, Plínio Rua do Lavradio. Rio de Janeiro: Ipsis, 2007, p. 13
36
estrangeiros, colecionadores e vendedores. O evento garante lucro aos donos de bares e
restaurantes que ficam lotados ao longo do espaço físico da rua, além de revelar - aos
freqüentadores noturnos o bairro -, seus brechós e antiquários, que encerram suas
atividades ao início da vida noturna da Lapa.
Tendo em vista a contribuição não apenas cultural, mas também comercial e
econômica da Feira do Lavradio - no sentido de atração de um grande número de
visitantes e formadores de opinião que voltaram a lançar a atenção da população carioca
e fluminense para o bairro, a feira pode ser considerada como uma das principais
protagonistas para o fenômeno de retomada e redescoberta do bairro da Lapa.
Outros Atores
Além do Circo Voador, Fundição Progresso e a Feira do Lavradio, a retomada da
Lapa também se deve a investimentos como a casa Estrela da Lapa, o Rio Scenarium e o
Café Musical Carioca da Gema, que usufruíram e exploraram a demanda por opções de
lazer que agregassem identidade nacional e boêmia, abrindo suas portas para artistas
que agregassem esses valores, oferecendo serviço qualificado, voltado para os públicos
das classes sociais A e B, agregando valor, sofisticação e contribuindo positivamente para
a imagem do bairro boêmio junto à população carioca.
Enquanto investimentos privados somavam atributos ao bairro da Lapa, no campo
artístico-musical destaca-se a cantora Teresa Cristina e o Grupo musical Semente, que
começou em 1998, quando Teresa e o grupo começaram a se apresentar no Bar
Semente, que acabou dando nome à banda que a acompanhava. Este conjunto, originado
na Lapa, ganhou notoriedade nacional e internacional quando, em 2003, conquistou
prêmios importantes como o BR Rival e o prêmio Tim de música, além da indicação ao
37
Grammy Latino de melhor disco de samba.
Este exemplo evidencia o poder cultural que o bairro da Lapa tem de revelar e alçar
talentos para o Brasil e para o mundo, não se restringindo ao seu circuito cultural,
mantendo suas características de boemia e identidade nacional preservadas e cultuadas.
38
Vista de cima da Feira do Lavradio
39
Condomínio Cores da Lapa
O condomínio Cores da Lapa é considerado um marco no mercado imobiliário
carioca. Com seis edifícios e um total de 688 apartamentos, o empreendimento na Rua do
Riachuelo foi vendido em poucas horas durante o coquetel de lançamento realizado no
dia 10 de novembro de 2005. O resultado alcançado nesta data alterou os planos de
grandes construtoras, até então voltados para projetos na Zona Sul e na Barra da
Tijuca.26
26 BRISOLLA, Fabio Revista do OGLOBO in: Lapa doce Lapa. Rio de Janeiro, n 274, outubro. 2009
O condomínio encravado no bairro boêmio e antigo do Rio de Janeiro oferece infra-
estrutura de condomínios modernos e, - ao passo que injetou centenas de novos
moradores de classe média no bairro -, contribuiu para a tomada de decisão por parte da
Prefeitura do Rio de Janeiro no sentido de revitalizar e reformar a calçada da Rua do
Riachuelo, uma das principais ruas do bairro.
O sucesso do empreendimento jogou um feche de luz para o bairro, gerando a
propagação de mídia espontânea nos mais diversos meios e veículos de comunicação,
trazendo o fenômeno da retomada da Lapa como algo cada vez mais evidente, claro e
consolidado.
O êxito de vendas e a grande procura pelo empreendimento pode ser considerado,
portanto, como uma das consequências mais emblemáticas da virada do bairro. A Lapa
dos cortiços, tráfico de drogas, prostituição e da áura pobre e marginal agora é também o
bairro de uma classe média que demanda por proximidade ao seu local de trabalho e
opções de cultura, lazer e entretenimento.
40
CONCLUSÃO
41
Partindo da observação de uma cidade plural, multifacetada que é a segunda
grande metrópole do país e que ainda preserva características provincianas, como é o
caso do Rio de Janeiro, nota-se aquilo que pode ser denominado de retomada,
revitalização ou redescoberta do bairro da Lapa por parte da população carioca e
fluminense.
Analisando a história do bairro percebe-se a Lapa enquanto um espaço eleito para
exercer a função de uma ilha dentro da cidade: em todo o decorrer da história do bairro, a
Lapa era percebida como um lugar onde aflorava o que era rotulado como perversão. Lá,
esse crime e/ou pecado era permitido, vigiado, consentido e punido.27
A Lapa é percebida como um espaço democrático, jovem, adulto, de liberdade
artística e de criação, além de exercer uma importância única para a cidade, devido ao
fato de sua contribuição orgânica para a cena urbana e cultural da cidade. Foi na Lapa
que o samba deu origem ao chorinho, o bairro também fez ressurgir a lendária e urbana
figura do malandro e a boemia carioca. A Lapa dos “anos dourados” abrigou personagens
tão lendários que ganhavam vida própria, tendo suas histórias propagadas pelas ruas da
cidade, como Madame Satã, por exemplo. Além disso, a Lapa também vê diversos de
seus artistas que começaram em pequenas ou grandes casas noturnas do bairro
despontarem para o sucesso nacional e mundial como o grupo Paralamas do Sucesso, a
A Lapa dos
intelectuais da década de 30, passando pela Lapa da decadência após as “normas
moralizadoras” que fecharam os cabarés e a Lapa dos Cortiços, de Agnaldo Silva,
chegando até o bairro que hoje recebe milhares de visitantes todas as noites sempre
manteve uma espécie de áura mística e misteriosa no imaginário popular da cidade.
27 KUSHNIR, Beatriz A Lapa e os filhos da revolução boêmica p.3
42
cantora Teresa Cristina e o grupo Semente, Casuarina, o cantor Marcelo D2, Monobloco,
dentre diversos outros exemplos.
A retomada cultural do bairro, observada a partir do início do século XXI, aponta
para um “olhar pra dentro” da história do Rio de Janeiro e do Brasil, por parte do cidadão
carioca e fluminense. Observa-se um bairro e seus personagens considerados marginais
sendo objeto de estudo e contemplação para a atual geração que vai de encontro ao
fenômeno da globalização e a pasteurização dos gêneros musicais e culturais,
frequentando o bairro em busca de opções de cultura, entretenimento e lazer que
ofereçam identidade nacional como principal atrativo e diferencial em relação às demais
opções de lazer existentes na cidade.
Esta redescoberta pode ser também atribuída aos famosos boêmios-intelectuais,
que frequentavam o bairro até o final década de 30 e todos os escritores que vivenciaram
a Lapa em seu auge e que mais tarde registraram suas memórias em textos e livros sobre
o bairro. Estas histórias de noites e boemia, de frequencia intelectual e ilustre, que foram
registradas em texto e que são contadas e propagadas até hoje pelas ruas e esquinas da
cidade, foram formando a imagem da Monmartre dos trópicos28
Observa-se também, em relação à retomada cultural do bairro, um fenômeno que
vai de encontro à movimentação da cidade como um todo, no que diz respeito ao
comportamento da população diante do caos gerado pela violência no Rio de Janeiro. A
violência e a desordem estabelecidas na cidade mudaram as características tanto físicas
, o que contribuiu para que
hoje para que a experiência de vida noturna no bairro remeta a uma volta ao Rio Antigo.
Isto se faz evidente uma vez que as casas noturnas, mesmo as mais modernas, procuram
passar a sensação de “Rio Antigo”, para atender a este desejo e demanda “culto ao
passado”, observada nas mais diversas gerações, das mais diversas décadas.
28 PASCHOAL, Rodolfo A Cidade Proibida, Madame Satã e outros personagens da velha Lapa. Rio de Janeiro: PUC-
RIO, 1998, p. 45
43
e urbanísticas quanto comportamentais, uma vez que a violência “obriga” cidadãos e
cidadãs da cidade a se comportar de maneira cada vez mais defensiva e desconfiada.
Atrelado a este fato, nota-se um movimento por parte da população, sobretudo da classe
média, que se protege e esconde atrás de muros de condomínios, segurança privada,
vidros blindados, etc.
Salvo algumas exceções, a questão comportamental observada na Lapa após a
retomada, vai de encontro com este movimento de afastamento e segmentação devido à
questão da violência. A Lapa atual oferece um mosaico não apenas cultural,mas também
de raças, cores sendo frequentada por constituintes das mais diversas camadas
econômicas e sociais. O espaço é considerado como democrático pelos frequentadores
por concentrar e oferecer uma gama variada opção de lazer, para pessoas do mais
diversos tipos de poderio aquisitivo.
É também neste espaço, localizado no coração da cidade onde os moradores dos
mais diversos bairros convergem, se encontram e convive; atraídos pelas opções de lazer
e cultura, transformando o bairro - antes compreendido como uma espécie de “ilha”,
aonde os pecados eram permitidos e concedidos -, em um espaço democrático, de
encontro de classes, propiciando uma espécie de síntese desta cidade de misturas e
diversas realidades que se encontram e se chocam todos os dias, como é o caso do Rio
de Janeiro.
Outra consequencia interessante de ser observada após o fenômeno de retomada
da Lapa é a mudança do perfil do atual visitante do bairro e de suas opções de lazer.
Enquanto que naqueles que foram considerados os “anos dourados” da Lapa (décadas de
20 e 30) seus frequentadores iam ao bairro em busca de jogo, álcool e principalmente
sexo pago, a Lapa de hoje apresenta um perfil bastante diferente. Observa-se um público
que vai ao bairro busca cultura, lazer e entretenimento. Peças Teatrais, oficinas, artes
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circenses e plásticas, shows internacionais, concertos clássicos, jogos de bilhar,
antiquários, restaurantes, bares, gafieira, bailes de dança e diversas outras opções de
entretenimento e lazer ocupam o espaço antes exercido pelo jogo e a prostituição.
Concluímos, portanto, que o bairro da Lapa, devido a sua vocação para a boemia e
contribuição para a cena cultural da cidade vive hoje aquilo que pode ser considerado
como uma retomada de sua cena cultural, uma revitalização tanto física quanto
urbanística, devido a diversos investimentos por parte da iniciativa privada, que vem
remodelando com a modernização e transformação de antigos casarões, tombados ou
não pelo patrimônio histórico em espaços modernos de cultura, entretenimento e lazer,
além daquilo que pode ser considerado como uma redescoberta por parte da população
carioca e fluminense, que considera o bairro cada vez mais como uma opção válida de
lazer e lota as ruas e vielas da Lapa em busca de atrações culturais alternativas às
oferecidas nos demais bairros do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense.
Atrelado a estes conjunto de fatores, está a crescente valorização do bairro, que
joga um olhar da população não apenas para a questão da demanda por opções
alternativas de lazer e cultura e identidade nacional. A nova Lapa revela o culto ao
passado, a experimentação do presente e a curiosidade sobre o futuro.
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