a significaÇÃo aspectual iterativa da perÍfrase ... · resumo da dissertação de mestrado ......
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES
FACULDADE DE LETRAS
ANNE KATHERYNE ESTEBE MAGGESSY
A SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL ITERATIVA DA PERÍFRASE
“ESTAR” + GERÚNDIO NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO
ESPANHOL DO MÉXICO
RIO DE JANEIRO
2013
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
A SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL ITERATIVA DA PERÍFRASE
“ESTAR” + GERÚNDIO NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO
ESPANHOL DO MÉXICO
Anne Katheryne Estebe Maggessy
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como quesito para a obtenção do
Título de Mestre em Letras Neolatinas
(Estudos Linguísticos Neolatinos, opção:
Língua Espanhola)
Orientadora: Profa. Doutora Maria Mercedes
Riveiro Quintans Sebold
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2013
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A SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL ITERATIVA DA PERÍFRASE
“ESTAR” + GERÚNDIO NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO
ESPANHOL DO MÉXICO
Anne Katheryne Estebe Maggessy
Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos mínimos para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas
(Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola)
Aprovada por:
_____________________________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold – UFRJ
_____________________________________________________________________
Profa. Doutora Adriana Leitão Martins – UFRJ
_____________________________________________________________________
Profa. Doutora Viviane C. Antunes Lima – UFRRJ
_____________________________________________________________________
Profa. Doutora Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio – UFRJ, Suplente
_____________________________________________________________________
Prof. Doutor Celso Vieira Novaes – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2013
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M193s Maggessy, Anne Katheryne Estebe. A significação aspectual iterativa da perífrase "estar" + gerúndio no português do Brasil e no espanhol do México / Anne Katheryne Estebe Maggessy. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2013.
131 f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Letras Neolatinas, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Bibliografia: f. 118-121. 1. Gramática gerativa. 2. Perífrase. 3. Aspecto iterativo. Título. II. Sebold, Maria
Mercedes Riveiro Quintans.
CDD 415
5
Dedico esta dissertação à minha
mãe Conchita, que fez nascer em
mim o amor pela língua espanhola e
o encantamento pela vida.
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AGRADECIMENTOS
Ao Deus a quem amo e sirvo, que vem mudando a minha historia de uma
maneira singular, me dando bênçãos imerecidas e sendo a minha força no caminhar.
À minha família tão dedicada por me dar a estrutura psicológica e financeira
para investir nessa carreira tão bonita e difícil. Particularmente ao meu pai George
pelos pés no chão, à minha mãe Conchita por me socorrer em qualquer dificuldade, à
minha irmã Ana Paula e ao meu cunhado Claudio pela torcida e ao meu irmão Junior,
cunhada Keyla e sobrinhas lindas Isabella e Sophia pela alegria que me proporcionam
e pela saudade que me humaniza.
Ao meu namorado Vitor tão paciente, companheiro e carinhoso, que
participou de todo o processo de feitura desta dissertação, sendo capaz de aprender
conceitos de teoria gerativa e aspecto, ouvindo todas as reclamações, frustrações e
conquistas que o mestrado é capaz de proporcionar. À sua família pela torcida, pelo
carinho e orações tão importantes.
Aos meus amigos da Igreja Presbiteriana do Riachuelo que acompanharam
todo o meu crescimento intelectual e espiritual, intercedendo e agradecendo a Deus
pela minha vida. Especialmente às minhas amigas Alice, Ingrid, Rossana e Daiane por
serem as irmãs que eu escolhi e por receberem tantas negativas a seus convites devido
aos meus estudos. Aos meus amigos Rosinha, Renato, Bruninho, Daniel, Gabriel,
Rodrigo, Dudu e Raphael pelas inteligentes e divertidas conversas, também essenciais
para o meu crescimento.
À amiga do peito Tássia pela amizade de sempre, às amigas do francês
Adriana, Carla Marins, Verônica, Renata, Natasha e Carla Nascimento que tornaram-
se amigas da vida toda e que me servem de grandes exemplos acadêmicos. Assim
como as amigas do grupo bioling como Imara, Thaís, Débora, Juju, Estrelinha,
Fernandinha, Lessa, Letícia e Patrícia por me ajudarem a entender melhor as ideias de
Chomsky de maneira tão gostosa, demonstrando companheirismo e amizade. Sem
esquecer dos queridos companheiros de mestrado como Diego, Carol Parrini, Flávia,
Mariana, Raquel, Gabriel, Gisele, Bruno, Carol, Prisicila e Taiana por dividirmos
aflições e ajudas tão importantes neste processo. Agradeço especialmente à querida
Renata Roccha, que é uma pessoa como poucas, sempre disposta a ajudar, amiga e
companheira em todos os momentos.
7
À minha orientadora Mercedes, pela sua competência, pelos seus
ensinamentos e paciência que foram os pilares desta dissertação. Assim como também
os ensinamentos e o carinho do professor Celso que me deram segurança em
prosseguir. À professora Consuelo, pelas suas sugestões no começo deste projeto e à
professora Letícia, por tantos ensinamentos para a minha carreira de professora.
Agradeço também à professora Teresa Wachowicz que me enviou prontamente sua
tese para que eu pudesse estudá-la e ao professor Valdecy também pelo envio de
importante material.
À CAPES por financiar esta conquista e a todo o departamento de Letras
Neolatinas da UFRJ por me darem a oportunidade de obter esse título.
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RESUMO
A SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL ITERATIVA DA PERÍFRASE “ESTAR” + GERÚNDIO NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO
ESPANHOL DO MÉXICO
Anne Katheryne Estebe Maggessy
Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).
O nosso objetivo principal é verificar os fatores relevantes na composição do aspecto iterativo em sentenças com a perífrase “estar” + gerúndio (EG), em variedades do português do Brasil (PB) e do espanhol do México (EM). Consideramos o aspecto iterativo como um aspecto imperfectivo que representa um evento escalonado no decorrer do tempo. A nossa hipótese é de que fatores como tipologia verbal, argumentos pluralizados e presença de advérbio quantificador, serão relevantes na significação aspectual iterativa em sentenças com EG, tanto no PB quanto no EM.
Para tanto, selecionamos para a análise do português do Brasil um corpus oral formado por oito entrevistas transcritas do projeto NURC-RJ e para o espanhol do México, outro corpus oral também formado por oito entrevistas transcritas do projeto PRESEEA México. Ambos recopilados na década de 90, com informantes homens e mulheres, de nível superior, compreendendo a faixa etária jovem (entre 20 e 35 anos). Na seleção e tratamento dos dados, foram utilizados os programas WordSmith Tools 5.0 e GoldVarb X.
Os resultados confirmam a grande semelhança entre essas línguas, sugerindo poucas diferenças na expressão aspectual iterativa em sentenças com EG nessas línguas. Para o PB, os fatores que parecem mais relevantes são a tipologia verbal, o argumento interno plural e a presença do advérbio quantificador. Já para o EM, os fatores que parecem mais relevantes são apenas a presença de argumento interno plural e de advérbio quantificador. Além disso, a significação aspectual no PB parece estar mais estendida que no EM, pois obtivemos 53,4% de sentenças iterativas no PB, frente a 34,7% no EM.
Palavras-chave: aspecto iterativo, perífrase “estar” + gerúndio, gramática gerativa.
Rio de Janeiro Fevereiro de 2013
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RESUMEN
A SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL ITERATIVA DA PERÍFRASE “ESTAR” + GERÚNDIO NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO
ESPANHOL DO MÉXICO
Anne Katheryne Estebe Maggessy
Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
Resumen da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).
Nuestro objetivo principal es investigar los factores relevantes en la composición del aspecto iterativo en sentencias con la perífrasis “estar” + gerundio (EG), en variedades del portugués de Brasil (PB) y del español de México (EM). Consideramos el aspecto iterativo como un aspecto imperfectivo que representa un evento escalonado en el paso del tiempo. Nuestra hipótesis es que factores como tipología verbal, argumentos pluralizados y presencia de adverbio cuantificador, serán relevantes en la significación aspectual iterativa en sentencias con EG, tanto en PB como en EM.
Para tanto, seleccionamos para el análisis del portugués de Brasil un corpus oral formado por ocho entrevistas transcritas del proyecto NURC-RJ y para el español de México, otro corpus oral también formado por ocho entrevistas transcritas del proyecto PRESEEA México. Ambos recopilados en la década de 90, con informantes hombres y mujeres, de nivel superior, comprendiendo un grupo joven (entre 20 y 35 años). En la selección y tratamiento de los datos utilizamos los programas WordSmith Tools 5.0 y GoldVarb X.
Los resultados confirman la gran semejanza entre esas lenguas, sugiriendo pocas diferencias en la expresión aspectual iterativa en sentencias con EG en esas lenguas. Para el PB los factores que parecen más relevantes son la tipología verbal, el argumento interno plural y la presencia de adverbio cuantificador. Mientras para el EM, los factores que parecen más relevantes son solamente la presencia de argumento interno plural y de adverbio cuantificador. Además de eso, la significación aspectual en el PB, parece estar más extendida que en el EM, ya que obtuvimos 53,4% de sentencias iterativas en el PB, frente a 34,7 en el EM.
Palabras Clave: aspecto iterativo, perífrasis “estar” + gerundio, gramática generativa.
Rio de Janeiro Fevereiro de 2013
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11
1. A ABORDAGEM DA TEORIA GERATIVA
1.1. SOBRE A LÍNGUA COMO SISTEMA MENTAL ........................................... 14
1.2. SOBRE O PROGRAMA MINIMALISTA ......................................................... 17
1.3. SOBRE O LUGAR DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA ...................................... 19
2. O ASPECTO
2.1. A CATEGORIA DO ASPECTO ........................................................................ 24
2.2. A COMPOSICIONALIDADE ASPECTUAL ................................................... 44
3. ESTUDOS DESCRITIVOS SOBRE A PERÍFRASE EG
3.1. NO PORTUGUÊS DO BRASIL ......................................................................... 47
3.2. NO ESPANHOL ................................................................................................. 54
4. A EXPRESSÃO ASPECTUAL DA PERÍFRASE EG
4.1. ESTUDOS DE REFERÊNCIA ........................................................................... 60
4.2. A PROPOSTA ASPECTUAL ADOTADA ........................................................ 70
5. CORPUS E METODOLOGIA
5.1. SOBRE O PRESEEA-MÉXICO ......................................................................... 78
5.2. SOBRE O NURC-RJ .......................................................................................... 80
5.3. AS FERRAMENTAS DE ANÁLISE ................................................................. 82
5.4. GRUPO DE FATORES ...................................................................................... 83
6. ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS
6.1. ANÁLISE QUANTITATIVA ............................................................................. 84
6.2. ANÁLISE QUALITATIVA ............................................................................... 95
6.3. ANÁLISE SEGUNDO A PERSPECTIVA DA GRAMÁTICA GERATIVA...110
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 118
ANEXO ................................................................................................................... 122
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INTRODUÇÃO
O estudo da linguagem humana pode nos levar para as qualidades distintivas
da mente que são, até onde sabemos, exclusivas do homem e inseparáveis de qualquer
fase crítica da existência humana, pessoal ou social. Detentores de um sistema
cognitivo inato, nós, seres humanos, nascemos aptos para adquirir qualquer língua
natural. Os estudiosos do gerativismo, um dos programas de investigação dentro da
linguística, tentam definir o conjunto de propriedades inatas do nosso sistema
cognitivo linguístico, a partir de dados linguísticos observados na expressão das
nossas gramáticas particulares.
A Teoria Gerativa, inaugurada pelo linguista Noam Chomsky (1957), é
considerada uma teoria mentalista e universalista, pois é uma teoria que se propõe a
entender a mente através da linguagem e que considera que todos nós somos dotados
de uma Gramática Universal (GU), que é um conjunto de princípios inatos que regem
todas as línguas. Além disso, segundo Chomsky (1986), as línguas têm mais
semelhanças que diferenças entre elas. Para o autor, se um cientista marciano viesse
ao nosso planeta sem conhecer nada sobre linguagem e observasse como nos
comunicamos, concluiria que haveria apenas uma única linguagem humana, com
diferenças apenas marginais.
Nesta dissertação, adotamos a visão de linguagem da Teoria Gerativa e nos
propomos a confirmar esse caráter de semelhança entre as línguas, particularmente
entre as variedades do português do Brasil (PB), da cidade do Rio de Janeiro, e do
espanhol do México (EM), da capital Cidade do México. Faremos isso a partir do
estudo da expressão aspectual iterativa da perífrase “estar” + gerúndio (EG) em
sentenças provenientes de corpora orais, formados por entrevistas transcritas.
Consideramos o estudo de Comrie (1976) sobre o Aspecto, que o define em
função dos diferentes modos de observar a constituição temporal interna de uma
situação. Além disso, para esse autor, esta categoria se opõe à noção de Tempo.
Segundo Comrie (1976), Tempo é uma categoria que marca nas línguas a oposição
que os fatos referidos ocupam no tempo físico e que geralmente toma como ponto de
partida o ponto dêitico da enunciação. Enquanto que Aspecto, segundo esse mesmo
autor, se opõe à noção de tempo externo, pois é uma categoria não dêitica.
Mesmo sendo categorias igualmente relevantes, se compararmos à categoria
12
de Tempo, o Aspecto parece ser menos estudado. Dentro da Teoria Gerativa, o estudo
da noção de Aspecto ganhou maior relevância a partir do Programa Minimalista de
Chomsky (1995), pois passou a ser considerado por alguns autores como um nódulo
na árvore sintática por ser uma categoria conceptualmente motivada, assim como a
categoria de Tempo.
Com isso, a questão que nos propomos a responder é sobre quais são os fatores
em sentenças com “estar” + gerúndio do PB e do EM que favorecem a expressão
aspectual iterativa. A nossa hipótese é de que esses fatores favorecedores serão a
presença de advérbio quantificador, de argumentos pluralizados e a tipologia
semântica do verbo, como verificado em outros trabalhos. Além disso, nos propomos
verificar se há uma interseção de traços entre os aspectos iterativo e durativo e que
traços seriam esses. Assim, pretendemos colaborar com o conhecimento sobre a
categoria do aspecto dentro dos estudos linguísticos, principalmente com a ampliação
do conhecimento sobre o aspecto iterativo, e também na ampliação do conhecimento
sobre a semelhança entre as línguas e a hipótese da universalidade dos traços.
Nosso interesse pela expressão aspectual iterativa em sentenças com a
perífrase “estar” + gerúndio (EG) se dá por sua questão interpretativa, pois apresenta
uma interessante variação de comportamento. Inicialmente, a perífrase EG foi descrita
como a que expressa somente o aspecto progressivo. O aspecto iterativo, também em
seus primeiros estudos, seria expresso somente pelo pretérito perfeito composto (“ter”
+ particípio). No entanto, atualmente é possível encontrar estudos que afirmam sobre
a possibilidade de EG também expressar o aspecto iterativo, tanto no PB quanto no
espanhol. Mas o contexto em que isso se apresenta ainda é muito pouco descrito,
principalmente em relação à língua espanhola.
Finalmente, podemos dizer que esta dissertação se enquadra nas investigações
mais recentes da teoria gerativa, o Programa Minimalista (1995), e também nos
estudos sobre a variação da leitura aspectual iterativa em sentenças com EG no
português do Brasil e no espanhol do México. Esta combinação nos proporciona um
quadro teórico que entende a língua como um sistema mental com componentes
invariáveis, cuja aquisição é regida pela Gramática Universal, por exemplo, e comuns
a todos os seres humanos. Mas que, além disso, valoriza o lugar do aspecto na
estrutura interna do sistema linguístico, sendo considerado um dos nódulos flexionais,
e importante categoria nos estudos do funcionamento da língua na mente.
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Para compreendermos melhor as questões aqui introduzidas, subdividimos esta
dissertação em sete capítulos. No primeiro, trataremos de maneira mais geral os
estudos da Teoria Gerativa, focando no Programa Minimalista e no tratamento dado à
questão da variação na perspectiva gerativista. No segundo, apresentaremos alguns
estudos sobre a categoria do Aspecto e, especificamente, os estudos de Verkuyl
(2003) sobre a composicionalidade aspectual. No terceiro, faremos menção a alguns
trabalhos do português e do espanhol sobre a expressão aspectual da perífrase “estar”
+ gerúndio. No quarto capítulo, traremos os trabalhos de Wachowicz (2003) e de
Mendes (2005) e apresentaremos mais detalhadamente as características dos aspectos
durativo e iterativo. No quinto capítulo, apresentaremos o corpus e a metodologia
utilizada no tratamento dos dados e, no sexto capítulo, a análise dos dados de forma
quantitativa, qualitativa e segundo a perspectiva da gramática gerativa, com seus
respectivos resultados. E, finalmente, no sétimo capítulo, traremos as considerações
finais.
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CAPÍTULO 1
A ABORDAGEM DA GRAMÁTICA GERATIVA
Neste capítulo, apresentaremos um panorama geral da Teoria Gerativa,
focando na sua versão mais atual que é o Programa Minimalista e no tratamento dado
à variação nesta perspectiva de análise linguística.
1.1. SOBRE A LÍNGUA COMO SISTEMA MENTAL
Segundo Chomsky (1928), o estudo da linguagem é bastante antigo e desperta
o interesse de investigadores desde a Índia e a Grécia clássicas. Um interessante
trabalho que consta do século XVI é o do médico espanhol Juan Huarte, que,
publicado em diversas línguas, fala sobre a natureza da inteligência humana. O que
despertou a curiosidade em Huarte foi o fato de que a palavra para “inteligência”,
ingenio, parece ter a mesma raiz latina que várias palavras com significado de
“engendrar” ou “gerar”. Para o autor, isso forneceria uma pista sobre a natureza da
mente, pois o ingenio seria um poder gerador e o entendimento, uma faculdade
gerativa. Dessa forma, na época seguinte, torna-se típica a referência ao uso da
linguagem como um indício da inteligência humana, o que distingue o homem dos
animais e, especificamente, sua ênfase na capacidade criativa da inteligência
racionalista.
Mesmo com o avanço dos estudos linguísticos, pouco dessas ideias germinou
nos períodos seguintes. Só obtivemos real propulsão na década de 50, com o linguista
norte americano Noam Chomsky, que introduziu a teoria da Gramática Gerativa. Essa
teoria tem como pressuposto teórico que as propriedades essenciais da linguagem são
determinadas por propriedades mentais e, consequentemente, estudar a linguagem
humana é estudar as propriedades da mente humana. Seu programa de investigação,
então, pretende desenvolver as três seguintes questões (Chomsky 1988:15):
(1) O que existe na mente do falante que lhe permite falar/compreender e
ter intuições de natureza fonológica, sintática e semântica sobre a sua
língua?
15
(2) Como este sistema de conhecimento se desenvolve na mente do
falante?
(3) Como o sistema de conhecimentos adquiridos é posto em uso?
Buscando responder a essas perguntas, Chomsky (1988) parte da hipótese de
que nossa mente é modular, ou seja, que ela é um sistema complexo, com uma
estrutura altamente diferenciada e com “faculdades” separadas, como por exemplo, a
faculdade da linguagem e a faculdade dos conceitos. Com isso, podemos dizer que a
linguagem é um módulo independente e com seus próprios princípios. Em outras
palavras, a faculdade da linguagem é considerada um sistema autônomo,
independente dos outros sistemas cognitivos da mente humana, mas que mantém com
eles uma interação complexa em pontos específicos. Além disso, podemos afirmar
também que esse sistema autônomo da faculdade da linguagem é inato
(geneticamente determinado) e exclusivo da espécie humana, possuindo “normas”
mentalmente representadas em nosso cérebro.
Em sua teoria, Chomsky chama o estado inicial da faculdade da linguagem de
Gramática Universal (GU), e a define como a soma dos princípios linguísticos
geneticamente determinados, específicos à espécie humana e uniformes através da
espécie. Uma das evidências a favor do inatismo, ou seja, da existência de uma GU,
considerada também como núcleo inato, é o argumento da pobreza de estímulos ou
Problema de Platão, que propõe que os dados primários são insuficientes para explicar
o sistema de conhecimentos que adquirimos no final. O que quer dizer que o falante
adulto tem conhecimentos sobre a sua língua e um potencial criativo sobre ela que não
podem ser explicados exclusivamente pelo ambiente linguístico inicial durante o
curso normal do processo de aquisição.
Portanto, a GU precisa ser suficientemente flexível para acomodar a variação
entre as diferentes línguas. Mas, ao mesmo tempo, precisa ter a rigidez necessária
para explicar as propriedades altamente específicas que caracterizam o conhecimento
final dos falantes. O fato de termos diferentes línguas naturais faz com que os
linguistas multipliquem os mecanismos descritivos da gramática, sem se preocuparem
com o estabelecimento de princípios que os restrinjam. Contudo, segundo Chomsky
(1986), para explicar a natureza específica da gramática do adulto, é necessário
restringir esses mecanismos através de princípios universais, diminuindo
16
consideravelmente o número de gramáticas que podem ser derivadas do sistema
inicial.
No entanto, restringindo a GU, os gerativistas propõem a diminuição da sua
capacidade descritiva, possibilitando a explicação da natureza altamente restritiva das
gramáticas finais e o fato de muitas das suas propriedades serem adquiridas sem
instrução explícita, correção de erros ou explicação gramatical. Sem essa restrição à
GU, por outro lado, acomodamos a variação linguística, mas corremos o risco de
perder a sua capacidade explicativa. Dessa forma, o ideal para a gramática gerativa é
chegar a um equilíbrio exato entre esses dois polos, ou seja, devemos buscar um
sistema que seja ao mesmo tempo flexível para permitir a variação linguística, mas
também restrito para explicar a rigidez final do sistema de conhecimentos adquiridos.
Segundo Raposo (1992), foi a partir dessas ideias que Chomsky, na década de
70, retirou da formulação das regras particulares os aspectos que podiam ser
convertidos em princípios gerais da linguagem e passou a atribuí-los à GU. Surgindo,
assim, o modelo da Teoria Standard Alargada. De acordo com Raposo (1992), essa
teoria propõe que a gramática contém um número distinto e independente de
componentes, cada um deles com uma organização própria caracterizada por um
pequeno número de regras e por princípios que restringem a aplicação dessas regras.
Esses componentes podem ser do tipo lexical, de interpretação de pronomes, de
anáforas, e etc. A organização interna de cada componente é simples, mas as suas
interações podem ser relativamente complexas.
Na década seguinte, segundo os estudos de Raposo (1992), Chomsky (1981)
apresenta o modelo de Princípios e Parâmetros. Esse modelo incorpora boa parte dos
resultados teóricos da Teoria Standard Alargada e potencializa a tendência para
eliminar as regras. Desse modo, fica composto essencialmente por princípios
extremamente gerais, distribuídos pelos vários componentes, e cuja interação
determina representações muito complexas. Além dos princípios rígidos que tínhamos
até aqui, existe agora um sistema de princípios abertos, chamados de parâmetros.
Estes são uma espécie de comutadores linguísticos cujo valor definitivo apenas é
atingido durante o processo de aquisição, através da sua fixação em uma de duas
posições possíveis com base na informação obtida a partir do meio ambiente
linguístico. Assim, a aquisição passa a ser entendida como o crescimento e a
maturação da GU, que passa de um estado apenas parcialmente especificado (com
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parâmetros por fixar) a um estado completamente especificado (com os parâmetros
fixados), funcionando assim como um sistema computacional.
Para representar esse sistema, a Gramática Gerativa se utiliza da representação
sintática em árvore. A árvore é uma estrutura hierárquica composta por nódulos
binários da “estrutura de constituintes”1. Inicialmente, essa representação sintática era
proposta para o nível sintagmático. Com o intuito de que essa estrutura sintagmática
fosse também estendida à estrutura sentencial, os gerativistas propuseram que o
auxiliar (AUX) fosse o núcleo da sentença. Entretanto, como em algumas sentenças
ao invés do auxiliar tem-se apenas uma flexão agregada ao verbo, sugeriram, mais
tarde, que a flexão (FLEX ou I2) fosse o núcleo da sentença.
No entanto, esse tipo de representação com a flexão no núcleo da sentença,
abrigando as informações flexionais do verbo, foi muito discutido e, ao longo do
tempo, surgiram várias propostas de mudanças. Uma das propostas de grande
relevância para os estudos na área da linguística gerativa se refere à constituição da
camada flexional e foi desenvolvido por Pollock em 1989. Em seu trabalho, Pollock
(1989) tinha como objetivo encontrar uma explicação que desse conta da posição dos
verbos em relação aos advérbios, às partículas de negação e aos quantificadores no
francês e no inglês. Sua intenção era conseguir que uma mesma árvore pudesse conter
todos os nódulos necessários para todo tipo de movimento do verbo.
A partir de diversos exemplos extraídos das duas línguas e de assumir que o
advérbio tem posição fixa na sentença e que a posição de origem é [Adv + V], Pollock
(1989) fez algumas observações. Uma delas é que, em sentenças finitas no francês, o
verbo sempre se deslocava para a esquerda do advérbio quando havia, por exemplo,
um marcador de negação ou um quantificador. Enquanto no inglês, não havia tal
movimento, salvo com verbos não lexicais (be / have). Já nas orações não-finitas com
verbos lexicais, o verbo segue o marcador de negação (Neg + V) e antecede o
advérbio (V + Adv) no francês e, em inglês, a negação antecede o verbo (Neg + V).
Com verbos não lexicais o verbo pode anteceder ou se pospor à negação no francês.
Enquanto no inglês a possibilidade de [V + Neg] seria duvidável.
Pollock (1989) propôs, então, que haveria dois sítios de aterrisagem para o
verbo, e não apenas um. Esses sítios ficaram conhecidos como aqueles que abrigam o
1 Organização de uma frase em grupos hierárquicos complexos construídos a partir de elementos de
níveis inferiores incluídos em estruturas maiores. 2 A sigla I vem do inglês Inflection, que significa flexão.
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movimento curto e o movimento longo. O movimento curto ocorre quando os verbos
não-finitos do francês se movem para uma posição entre a partícula de negação e a
posição ocupada pelo advérbio / quantificador, esse sítio de aterrissagem seria o
nódulo que abrigaria as informações de concordância (AGRP3). Já os verbos lexicais
finitos do francês realizariam os movimentos longos e o sítio de aterrissagem
abrigaria as informações de tempo verbal (TP). Dessa forma, para dar conta do
comportamento do verbo em orações finitas e não-finitas e, após observar tais
movimentos, Pollock (1989) percebeu que uma única posição na camada flexional
não poderia dar conta das diferentes posições do verbo no francês. E concluiu que era
necessário cindir o nódulo flexional em dois: tempo (TP) e concordância (AGRP).
O estudo de Pollock (1989) se faz importante nesta dissertação, porque
modifica o olhar sobre a camada flexional e dá início a uma nova perspectiva dentro
da Teoria Gerativa, que se consolida com os estudos do Programa Minimalista, como
veremos a seguir.
1.2. SOBRE O PROGRAMA MINIMALISTA
Com o advento do Programa Minimalista (PM) na década de 90, Chomsky
(1995) propõe que a linguagem seja descrita em termos de economia e simplicidade, e
por isso pontuou que categorias que não eram conceptualmente motivadas eram
elementos supérfluos na camada flexional.
Assim, a linguagem passa a ser descrita como formada por dois componentes
básicos: o léxico e o sistema computacional. O léxico seria responsável pelas
diferenças entre línguas e estaria constituído por elementos substantivos, com
propriedades idiossincráticas (nomes, verbos, etc.), e por algumas categorias
funcionais (marcador de tempo, complementizador, determinante e marcador de
concordância, por exemplo). Já o sistema computacional estaria composto por
princípios invariáveis e seria responsável por utilizar os itens fornecidos pelo léxico
para gerar as derivações linguísticas.
O PM entende o léxico como “uma lista de exceções”, ou seja, uma entrada
lexical deveria fornecer propriedades idiossincráticas que são minimamente
suficientes para se derivar uma representação para os componentes de Forma Lógica
3 AGR é uma abreviação do inglês agreement que quer dizer concordância em português.
19
(LF) e Forma Fonética (PF)4. Com isso, para o PM, cabe às entradas lexicais
especificar os traços que não são predizíveis a partir de outras propriedades da entrada
lexical. Enquanto cabe ao sistema computacional verificar os traços.
Ao contrário da visão de Pollock (1989) de que os verbos se moviam para
incorporar afixos, no PM, o movimento do verbo ocorre para checar os traços que já
estariam presentes no verbo desde o início. Dessa forma, há uma mudança de foco, da
afixação de morfologia verbal para a checagem de traços. Pois, no PM, já não se
defende mais a operação de movimento do verbo como servindo para a incorporação
de afixos verbais ao radical.
O movimento agora é compreendido como uma operação para a checagem dos
traços flexionais presentes nos verbos de uma determinada língua – informação já
disponível na entrada lexical – com os traços invariáveis presentes nas categorias
flexionais das línguas. Portanto, antes se defendia a ideia de que o verbo vinha do
léxico nu e se movimentava para incorporar os morfemas de tempo, concordância,
etc., depois se passou a defender que o verbo já viria flexionado e se movimentaria
para checar a compatibilidade desse morfema com os traços especificados na
categoria funcional.
Esses traços, segundo o PM, são binários, marcados positivamente para um
traço presente e marcados negativamente para um traço ausente. Um verbo seria
classificado, portanto, como [+V] e [-N]. Além disso, para o PM há dois tipos de
traços lexicais: aqueles que recebem interpretação apenas na interface fonológica (se
começa por consoante ou vogal, por exemplo) e aqueles que recebem interpretação
somente na interface semântica (se é roupa, alimento e etc.). Há também os traços
formais, que são acessados no decorrer da computação, como por exemplo,
[±Passado] e [±Plural]. Dentro do grupo de traços formais, alguns são intrínsecos,
estritamente determinados por propriedades enumeradas na entrada lexical. Outros
são opcionais, acrescentados no momento em que o item lexical entra na computação.
Sendo assim, um traço formal pode ser forte ou fraco. Caso seja forte, esse
traço desencadeia uma operação visível, ou seja, uma operação antes de Spell-out5
para que seus traços sejam eliminados através da sua verificação antes que uma
estrutura maior seja formada. Caso contrário, a derivação fracassa nas interfaces. Por
4 A LF e PF são níveis da interface com os sistemas externos, fornecedores das representações de som e
significado que serão lidas pelos sistemas de desempenho. 5 Spell-out é o ponto da computação em que a estrutura formada entra para o componente fonético.
20
isso, se diz que a propriedade de força de um traço seria um dos elementos de
variação linguística. Dessa forma, a questão dos traços tem uma grande importância
para a sintaxe minimalista uma vez que, nessa abordagem, cada traço projetaria um
nódulo na árvore e isso teria consequência direta na hierarquia ou sequência das
categorias funcionais.
Finalmente, com o intuito de atender às condições impostas pelo sistema
conceptual-intencional 6 , somente traços interpretáveis, ou seja, conceptualmente
motivados, projetariam nódulos relevantes na árvore sintática. Com isso, Chomsky
(1995) observou que a concordância verbal (AGR) não seria uma categoria
conceptualmente motivada, já que o fato de um verbo estar no singular ou no plural
não interferiria na interpretação desse verbo, nem mesmo na interpretação do sujeito
sentencial como singular ou plural. E, por isso, AGR não se justificaria como um
nódulo na árvore sintática. Então, surgiu a necessidade de eleger uma nova categoria
para ocupar esse lugar e Koopman e Sportiche (1991, apud Carvalho 2007) foram os
primeiros a propor que a categoria funcional de aspecto (ASP) ocuparia essa posição.
A partir daí, os estudos sobre o aspecto passam a ganhar maior relevância dentro da
teoria linguística.
O Programa Minimalista é relevante para este trabalho, não só pelo seu
entendimento de língua como sistema mental, mas também pela relevância dos traços
linguísticos. Além disso, neste momento da teoria, a categoria funcional de aspecto
passa a ocupar um nódulo na árvore sintática, o que dá a essa categoria um caráter
importante no estudo do funcionamento da língua na mente. A dissertação que aqui
se apresenta considerará para a perífrase “estar” + gerúndio a expressão dos traços
aspectuais [+ durativo] e [+ iterativo] e investigará a possibilidade de interseção
desses traços.
1.3. SOBRE O LUGAR DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
A Gramática Gerativa é uma teoria que advoga a favor do universalismo, ou
seja, para essa teoria as línguas humanas são mais semelhantes do que diferentes. No
entanto, é possível falar de variação em uma teoria como a da Gramática Gerativa?
6 É o sistema de desempenho que interage com o sistema da linguagem e que é responsável pela
interpretação das representações semânticas.
21
A variação linguística que aqui trataremos se refere à expressão aspectual da
perífrase “estar” + gerúndio na variedade carioca do português do Brasil e na
variedade da Cidade do México do espanhol do México. Queremos observar quais os
contextos nas sentenças com essa perífrase que propiciam o aspecto ora durativo e ora
iterativo. E acreditamos que a teoria gerativa nos dará a base teórica para tal, como
veremos a seguir.
Segundo Menegotto (2003), é no final da década de 60 que surge o real
conflito entre a teoria gerativa e os estudos da variação. O modelo gerativo elaborado
a partir de “Estruturas Sintáticas” (1957) e “Aspectos da Teoria da Sintaxe” (1965)
descrevia adequadamente a existência de diferentes estruturas. Entretanto, tal modelo
não explicava o porquê da existência dessas diferenças e o porquê de alguns casos
obedecerem a uma regra e outros casos obedecerem à outra. Como vimos
anteriormente, a evidente falta de adequação explicativa do modelo gerativo standard
nas suas diferentes versões exigiu que se restringissem os sistemas de regras e
transformações. Foi, então, com a teoria de Princípios e Parâmetros (P&P) que
começou a haver algum equilíbrio entre os estudos da variação e a gramática gerativa.
Nessa teoria de P&P, Chomsky sugere que a GU é um conjunto de princípios
muito gerais, em que alguns princípios serão parametrizados, ou seja, sujeito a um
certo grau de variação. Os parâmetros, então, são alternativas concretas oferecidas à
GU e que vão permitir que, ao atuar com o meio, a criança que está adquirindo a
língua selecione automaticamente as opções pertinentes para a língua a que está
exposta. Com isso, podemos dizer que, nessa teoria, a variação linguística é entendida
como uma variação interlinguística, ou seja, entre as diferentes línguas humanas,
como consequência da existência de diferenças entre as diferentes línguas I7. Logo,
graças a esses parâmetros, a GU dá a possibilidade de que adquiramos qualquer língua
humana. Dessa forma, enquanto os princípios explicarão aquilo que todas as línguas
têm em comum, os parâmetros explicarão em que aspectos essas línguas diferem.
Na teoria de Regência e Ligação (1981), que dá origem à teoria de P&P,
Chomsky (1981) já apresenta um modelo mais restritivo que os anteriores, posto que
os sistemas de regras e princípios propostos se relacionam e cooperam para permitir
um número mínimo de representações linguísticas. Nesse sentido, a teoria de
7 A língua I é o objeto de estudo da gramática gerativa. É um conceito individual e interno à mente, ou seja, é um conjunto de construções, hipóteses, parâmetros, que o indivíduo desenvolve ao adquirir sua língua, formando um sistema de conhecimento linguístico interno na mente.
22
Regência e Ligação tem mais força explicativa que os modelos anteriores, porque se
assumimos que essas regras e princípios se encontram na etapa inicial da
aprendizagem linguística, podemos dar conta do fato de que uma criança desenvolve
um sistema tão complexo como sua gramática em condições não muito favoráveis
para o aprendizado em um tempo bastante curto.
Com relação à variação na teoria da Regência e Ligação (1981), os
parâmetros são apenas sintáticos, ou seja, a possibilidade de que a língua I de
diferentes falantes fosse diferente entre si é uma propriedade constitutiva do sistema
computacional. A preocupação pela identificação e a caracterização precisa de cada
parâmetro proposto levou cada vez mais à comparação de variedades próximas, com a
expectativa de encontrar duas variedades que se diferenciassem em apenas um
parâmetro. Esses estudos de variação, em geral, segundo Menegotto (2003), têm o
objetivo de demonstrar se é válido ou inválido um determinado parâmetro, ou
confirmar uma certa reformulação da teoria geral. Quer dizer, esses estudos têm um
objetivo estritamente teórico de identificar com precisão um conjunto de fenômenos
sintáticos associados, de tal maneira que, se na língua existe um desses fenômenos,
necessariamente devem aparecer outros.
Também de acordo com Menegotto (2003), a mudança da teoria de Regência e
Ligação para o modelo do PM resultou em uma grande mudança com relação ao lugar
da variação na teoria gerativa. Se aceitarmos a hipótese de que o sistema conceptual-
intencional é também comum à espécie humana, a consequência imediata é que a
representação na Forma Lógica deve ser idêntica em todas as línguas. Ou então, se as
representações na Forma Fonética fossem universalmente idênticas, não haveria
diferenças evidentes entre as línguas. Assim, segundo Chomsky (1995), uma fonte
importante de origem da variação interlinguística será encontrada na forma fonética.
A outra fonte de variação linguística é o léxico. Chomsky (1999 apud
Menegotto 2003), já inserido no PM, afirma que estão na GU os princípios invariáveis
do S0 (o estado inicial) e a gama de variação possível. Para ele, a variação tem que ser
determinada a partir dos dados linguísticos primários adquiridos pela criança. Dessa
forma, é esperado que se encontre certo grau de variação no componente da Forma
Fonética e em alguns aspectos do léxico, como na flexão e no parâmetro do núcleo,
por exemplo. A variação na sintaxe explícita ou no componente da forma lógica,
segundo Chomsky, seria mais problemática, posto que a evidência só pode ser muito
indireta. Com isso, para esse autor, não há variação que esteja além das opções da
23
Forma Fonética e das partes não substantivas do léxico e das propriedades gerais dos
elementos léxicos. Concluímos, então, que só há um sistema computacional e um
léxico, que possui um número limitado de variedades.
E onde estariam as possíveis diferenças na expressão aspectual iterativa em
sentenças com a perífrase “estar” + gerúndio entre as variedades do português do
Brasil e do espanhol do México? Como já sabemos que a forma de expressar a
categoria do Aspecto é a mesma em português e em espanhol, havendo diferenças,
essas seriam apenas de caráter composicional, como o fato do tipo de verbo
influenciar em uma língua e na outra não. Essa variação, então, pensando na
afirmação de Chomsky (1999 apud Menegotto 2003), possivelmente estaria dentro
das propriedades gerais do léxico.
Ainda assim, por mais que haja variação entre as línguas, Chomsky (1986)
afirma que há mais semelhanças do que diferenças entre elas. Segundo ele, se um
cientista marciano viesse ao nosso planeta e porventura observasse a nossa forma de
comunicação, estaria certo de que só haveria uma linguagem humana e que as
diferenças seriam apenas marginais, como no léxico, por exemplo. Estudos
gerativistas, a partir da segunda metade do século XX, têm realizado comparações
entre as línguas e observado componentes invariáveis entre todas as línguas. Mas os
estudos sobre suas diferenças nunca perderam seu verdadeiro espaço.
Finalmente, podemos dizer que a existência de variação interlinguística é
consequência direta das propriedades da GU. Segundo Menegotto (2003), a variação
interlinguística dentro do PM propõe que as diferenças paramétricas entre as línguas I
são o resultado da presença ou da ausência de traços formais nas peças léxicas:
particularmente, de traços paramétricos ativos ou inertes que podem, por sua vez,
serem marcados ou não, ou seja, que a existência de variação interlinguística é uma
consequência de propriedades formais da gramática universal. Com isso, esta
dissertação tentará verificar que traços estão envolvidos na possível variação da
expressão aspectual iterativa das variedades do português do Brasil e do espanhol do
México.
24
CAPÍTULO 2
O ASPECTO
Neste capítulo, apresentaremos o tratamento dado ao aspecto pelos autores
mais relevantes para o estudo que aqui se apresenta, que é o caso de Comrie (1976),
Vendler (1967), De Miguel (1999) e Castilho (1968). Além disso, trataremos do tema
da composicionalidade aspectual, através dos estudos de Verkuyl (2003), que dará a
base para o entendimento do processo de análise dos dados.
2.1. A CATEGORIA DO ASPECTO
2.1.1. COMRIE (1976)
O trabalho de Comrie (1976) é um dos mais citados quando o tema é aspecto.
Segundo este autor, o aspecto se define em função dos diferentes modos de observar a
constituição temporal interna de uma situação. O aspecto se opõe à noção de tempo
externo, que está relacionada à noção de Tempo, uma categoria dêitica. Ou seja, para
esse autor, o Tempo (do inglês, tense) é uma categoria que marca nas línguas a
posição que os fatos referidos ocupam no tempo físico e que toma como ponto de
partida, por exemplo, o ponto dêitico da enunciação.
Embora tempo e aspecto representem conceitos diferentes, muitas vezes eles
são representados em um mesmo morfema verbal nas línguas. Por exemplo, os verbos
do português conjugados no Pretérito Imperfeito representam no mesmo morfema
verbal as categorias de tempo e de aspecto. No caso da palavra “andava”, percebe-se
que a desinência “-va” acumula os valores de passado e de imperfectivo, um dos
aspectos das línguas que será discutido mais adiante.
Entretanto, nem toda a expressão aspectual manifestada nos verbos apresenta o
tempo e o aspecto no mesmo morfema. Uma das manifestações aspectuais presente
nas línguas é a que indica que uma ação está em andamento no momento do ato da
fala. No caso do português do Brasil, essa manifestação aspectual é comumente
representada pela perífrase formada pelo verbo auxiliar “estar” mais o verbo principal
no gerúndio. Por exemplo, na sentença “Alice está escrevendo uma carta”, o tempo
está representado no auxiliar que, nesse caso, está no presente e o aspecto está mais
25
claramente representado no verbo principal, que está no gerúndio.
Além do aspecto gramatical, Comrie (1976) trata do aspecto semântico ou
lexical, que, para a literatura atual, refere-se às propriedades aspectuais inerentes às
raízes verbais e a outros itens lexicais empregados pelo enunciador para descrever
uma dada situação. As distinções aspectuais relativas a essa categoria não seriam
codificadas por meio de marcas gramaticais visíveis. Para tanto, Vendler (1967)
organiza um modelo de categorias verbais levando em consideração certos traços
semânticos inerentes às raízes dos verbos. Tal estudo é bastante importante para esta
dissertação e será explicado com detalhes mais abaixo.
Em seu estudo sobre o aspecto, Comrie (1976) afirma haver dois aspectos
básicos nas línguas, o aspecto perfectivo e o imperfectivo. O aspecto perfectivo trata a
situação ou evento como um todo, completo. E o aspecto imperfectivo se refere
essencialmente à estrutura interna de uma situação, vendo-a de dentro. Essa oposição
é gramaticalizada em diversas línguas, como por exemplo, no português e no
espanhol. Ao observarmos os exemplos “Vitor estava lendo um livro” e “Vitor leu um
livro”, percebemos que ambas as sentenças referem-se ao passado. Contudo, há uma
diferença no modo como a constituição interna da situação é vista, ou seja, há uma
diferença aspectual entre elas. Enquanto na primeira o aspecto é imperfectivo, na
segunda é perfectivo.
O autor também propõe uma subdivisão para o aspecto imperfectivo em dois
conceitos distintos: habitual e contínuo/durativo. O primeiro refere-se a uma situação
que ocorre habitualmente num determinado período de tempo de maneira não
acidental, como na primeira oração do exemplo: “Vitor fazia comida todos os dias”. O
segundo representa uma ação em andamento, em progresso, durante determinado
período de tempo, como na oração do exemplo: “Vitor estava fazendo comida quando
tocou o telefone.” Nesses últimos exemplos, temos o que Comrie (1976) denomina de
“aspecto gramatical”, ou seja, a distinção aspectual é expressa pela morfologia verbal,
através do morfema “–ia” (imperfectivo habitual) e da perífrase “estar” + gerúndio
(imperfectivo contínuo).
Com relação às ações contínuas ou durativas, o autor afirma que são aquelas
descritas como em andamento em determinado período de tempo. O autor propõe
ainda que o imperfectivo durativo se subdivida em progressivo, como é expresso pelo
verbo “jogar” em “Todas as tardes, quando Vitor chegava a casa, as crianças estavam
jogando no computador” e em não progressivo, como é expresso também pelo verbo
26
“jogar” em “Todas as tardes, quando Vitor chegava a casa, as crianças jogavam no
computador”. Além disso, Comrie (1976) destaca que uma definição geral de
progressividade pode ser mais bem entendida como uma combinação de sentido
progressivo e não estativo, uma vez que as características de um verbo de estado
seriam incompatíveis com a noção de progressividade, já que a ideia fornecida por um
verbo estático é incompatível com o caráter essencialmente dinâmico do progressivo.
Entretanto, o autor acrescenta que cada língua tem suas próprias regras de quais
verbos podem aparecer na forma progressiva.
Quanto ao imperfectivo habitual, Comrie (1976) explica que o que é comum a
todas as ações habituais é o fato delas serem características de um determinado
período de tempo, de modo que elas não sejam vistas como acidentais. O autor chama
a atenção para que não sejam igualados os conceitos de habitualidade e iteratividade,
ocorrência sucessiva de uma mesma situação, pois uma ação habitual não é
necessariamente iterativa. Sentenças com a expressão “used to” do inglês são
utilizadas pelo autor como exemplos típicos de ações habituais: “Jones used to live in
Patagonia” (Jones morava na Patagonia). Entretanto, Comrie (1976) não deixa claro
se a iteratividade seria um aspecto ou se estaria dentro do aspecto imperfectivo como
a habitualidade ou até mesmo se estaria dentro da habitualidade. O autor só quer
esclarecer que a habitualidade e a iteratividade são conceitos diferentes, embora
apresentem traços semelhantes.
Além dos aspectos perfectivo e imperfectivo, Comrie (1976) propõe um
terceiro aspecto, o aspecto perfeito (perfect). O autor também não esclarece se esse
faz parte de um dos aspectos básicos definidos por ele anteriormente. Mas define o
aspecto perfeito como o que estabelece uma relação entre dois pontos do tempo: o
tempo do estado resultante da situação e o tempo da situação. Segundo esse autor, o
aspecto perfeito é expresso pelo pretérito perfeito composto, tanto no português
(tenho estudado) quanto no espanhol (he estudiado).
É interessante notar que estudos do português, como o de Travaglia (2006),
afirmam que a perífrase “ter” + particípio (tenho estudado) expressa canonicamente o
aspecto iterativo, o que nos faz relacionar o aspecto perfeito com o iterativo,
observando uma possibilidade de interseção de traços entre esses aspectos. Já que o
iterativo, além de representar um evento escalonado, também representa um evento
que começou no passado, mas que continua tendo relevância no presente, assim como
o aspecto perfeito. Já Górbova (2007) aproximará o aspecto perfeito do aspecto
27
progressivo, pois, para essa autora, ambos representam um prolongamento da ação.
Acreditamos que essas relações ocorrem porque esses aspectos, no caso o
progressivo, o iterativo e o perfeito, possuem traços semelhantes devido à relação que
há entre eles e o aspecto imperfectivo. Embora Comrie (1976) não esclareça essa
relação, a não ser a do progressivo como subtipo do imperfectivo, observamos que ela
é bastante possível para o português e o espanhol. Por isso, propomos, nesta
dissertação, que os aspectos perfeito e iterativo, assim como o progressivo, também
estão inseridos dentro do aspecto imperfectivo.
Seguindo com o trabalho de Comrie (1976), esse ainda descreve algumas
distinções aspectuais relacionadas a determinados tempos verbais e afirma que o
tempo que mais frequentemente apresenta distinções aspectuais é o tempo passado.
Além disso, ele sugere que o presente, por ser um tempo essencialmente descritivo,
normalmente carrega um significado imperfectivo. Vejamos abaixo o diagrama das
oposições aspectuais segundo Comrie:
Figura 1: Quadro aspectual de Comrie (1976, p. 25)
Nesta dissertação, investigamos o imperfectivo progressivo com o auxiliar
“estar” no tempo presente, frente a sua possibilidade de dividir traços com o aspecto
28
iterativo. Como observamos anteriormente, o autor não deixa claro o status aspectual
do iterativo. Embora o relacione com o habitual, Comrie (1976) não considera a
diferença estabelecida entre habitual e progressivo como uma distinção aspectual
básica nas línguas, posto que habitual e progressivo seriam subdivisões do aspecto
imperfectivo. Entretanto, neste estudo, o progressivo, o habitual e o iterativo serão
tratados como aspectos verbais. Além disso, seguindo Martins (2006), utilizaremos o
termo progressivo, ao invés do termo contínuo, pelo fato dos verbos investigados
terem sentido não-estático. E, conforme discutido anteriormente, segundo Comrie
(1976), uma ação contínua expressa por verbos não-estáticos caracteriza o valor
progressivo dos verbos nas línguas.
A seguir trataremos do trabalho de Vendler (1967), que apresenta uma
tipologia verbal interessante e coerente, que organiza um modelo de categorias
verbais levando em consideração certos traços semânticos inerentes às raízes dos
verbos. Esta tipologia verbal de Vendler (1967) é bastante usada nos estudos
linguísticos mais recentes e também será adotada nesta dissertação.
2.1.3. VENDLER (1967)
Vendler (1967) baseia seu estudo no comportamento dos verbos dentro de
certos tempos cronológicos e considera o verbo um lexema atemporal. Segundo o
autor, sua classificação traz de forma sistemática uma discussão iniciada, na
antiguidade, por Aristóteles e retoma os trabalhos de outros pesquisadores como Ryle
e Kenny (apud Vendler 1967).
Sua classificação separa os verbos em quatro categorias, de acordo com o tipo
de situação que expressam: states – estados pois expressam uma propriedade
inalienável do sujeito e fatos não modificáveis (como “acreditar”, “amar”, “querer”),
activities – atividades, pois descrevem um processo que envolve algum tipo de
atividade mental ou física (como “caminhar”, “correr”, “nadar”), accomplishments –
processos culminados, pois informam sobre uma duração intrínseca com estágios
sucessivos (como “ler um livro”, “construir uma casa”, “fazer um bolo”) e
achievements – culminações, pois se referem a eventos instantâneos apresentando o
começo ou o clímax do evento (como “cair”, “começar”, “encontrar”).
Também podemos dizer que sua classificação se dá num nível lexical, mas o
29
próprio Vendler (1967) reconhece que a diferença entre uma e outra classe de verbos
não pode ser explicada em termos somente de tempo (presente, passado e futuro).
Pois, de acordo com o autor, há outros fatores importantes a serem considerados,
como a presença ou ausência de objeto, condições e estados de coisas pretendidos. Ou
seja, é necessário observar as especificidades de outros elementos envolvidos no
predicado, ou, em outras palavras, no nível da sentença. Além disso, sua classificação
envolve a detecção de um esquema temporal que se baseia em três oposições que
permitem definir cada tipo de aspecto como um conjunto de traços:
1- A dinamicidade que opõe os estados ([ - dinâmico]) aos demais tipos ([ +
dinâmico]);
2- O fato de ser pontual que opõe a culminação ([ + pontual ]) aos demais ([ -
pontual], ou seja, durativo);
3- A telicidade que opõe processos culminados e culminações ([ + télico]) às
atividades e estados ([- télico]).
E o que seria essa telicidade? Uma situação é télica se existe um final inerente
à mesma, que deve ser alcançado para que se possa dizer que tal situação aconteceu
(como em “Escreveu um livro”). E uma situação é atélica quando não possui um fim
inerente, tem lugar desde o momento que começa e a partir daí pode prolongar-se
indefinidamente ( como em “Ele escreveu livros”).
Com isso, podemos dizer que os verbos de atividade são aqueles que
descrevem processos dinâmicos, durativos e atélicos, ou seja, o final da ação não é
intrínseco ao verbo, e a ação, em si, tem duração temporal indefinida; a atividade não
envolve culminância ou resultado antecipado e são homogêneos. Em outras palavras,
se um VP8 atividade é verdadeiro para um determinado intervalo de tempo, será
verdadeiro para qualquer um dos subintervalos desse intervalo. Numa frase como
“Alice cozinhou o dia todo”, a existência de pequenos lapsos de tempo em que ela não
cozinhou não impede a leitura de cozinhar como um processo.
Com relação aos verbos de estado, podemos afirmar que ocorrem ao longo da
linha do tempo e sem um ponto final, não são considerados ação, não constituem
mudanças e também são homogêneos como os de atividade. O que quer dizer que, no
exemplo “João ama Alice”, em qualquer subdivisão temporal possível dessa oração,
8 Verbo Principal
30
será verdade que João ama Alice, ou seja, A amou B durante um intervalo de tempo I,
significa que em qualquer subintervalo de I, A amou B.
Os verbos cujo aspecto lexical é de processo culminado são verbos com
duração intrínseca, com estágios sucessivos e um ponto de culminância, que
representa a finalização do processo com uma mudança de estado, como por exemplo:
“Alice cozinhou um bolo”. Se A cozinhou um bolo em um intervalo de tempo I,
existe um subintervalo I em que A começou a cozinhar o bolo e existe um
subintervalo I que é o momento exato em que A terminou de cozinhar o bolo.
Enquanto os verbos de culminação são os que descrevem eventos instantâneos, não
possuem estágios e são heterogêneos, o que quer dizer que o valor de verdade de sua
totalidade não pode se estender para suas partes. Opõem-se aos de processo
culminado por referirem-se ao fim da ação e não ao processo inteiro, como no
exemplo: “Alice caiu”.
Em relação aos verbos de atividade e aos de processo culminado, observamos
que ambos têm traços muito próximos ([+ durativo] e [+ dinâmico]) e se diferenciam
apenas pela telicidade. Dessa forma, um verbo de atividade pode se tornar facilmente
de processo culminado, a partir do uso de um complemento. Isso quer dizer que a
atividade de “pintar” pode se transformar em um processo culminado uma vez que se
estabeleça uma faixa limítrofe ou uma meta a partir da inserção de um complemento,
como em “pintar um quadro”.
Como observamos acima, algumas características são compartilhadas por
essas categorias. Uma das distinções que o autor fez foi separar os verbos do tipo
atividade e processo culminado como pertencentes a um gênero e os do tipo estado e
culminação pertencentes a outro. O critério usado para isso foi o fato de, segundo ele,
os verbos do tipo estado, assim como os do tipo culminação, não assumirem o
progressivo. Mas esse é um critério que, se aplicado ao português ou ao espanhol, por
exemplo, não funciona. Pois, verbos do tipo estado como “ser”, “estar” e outros, nas
diferentes línguas românicas, admitem o progressivo, como vemos nos exemplos em
(10) e o mesmo ocorre com os verbos do tipo culminação, como vemos em (11).
(10) a. Alice está querendo comer um doce.
b. A mãe está amando a demonstração de carinho do filho.
c. A cada día Alice está queriendo más a Juan.
31
d. Juan está odiando la idea de ir a la fiesta.9
(11) a. Chame os bombeiros que o prédio está caindo.
b. Alice está resolvendo um problema.
c. Maria está empezando a caminar.
d. Los jóvenes están descubriendo la libertad.10
O que acontece, na verdade, e que já foi apontado por Comrie (1976 apud
Gabardo 2001), é que tanto os verbos do tipo estado como os verbos do tipo
culminação, nessas situações, assumem a função do verbo do tipo atividade, no
sentido que a ação se torna um evento iterativo. O que confirma o que De Miguel
(1999) propõe e que será apresentado mais abixo, de que, se um verbo estativo
apresenta uma leitura dinâmica, não homogênea, poderá apresentar-se na forma
progressiva, sem estranheza de sentido. E, dependendo da presença de determinados
modificadores adverbiais, poderá sim apresentar uma leitura aspectual iterativa.
Nesta dissertação, consideramos que, para haver a expressão do aspecto
iterativo em sentenças com “estar” + gerúndio, é necessário mais do que um
determinado tipo de verbo na forma do progressivo. Consideramos o aspecto iterativo
como a representação de um evento com escalonamento no decorrer do tempo, com a
possibilidade de serem inseridos adjuntos de frequência como “repetidas vezes” e
“frequentemente”.
2.1.2. DE MIGUEL (1999)
Outro importante estudo sobre o aspecto é o de De Miguel (1999). A autora
trata o aspecto a partir de seu caráter composicional. Na distinção entre tempo e
aspecto, De Miguel (1999) afirma que tanto tempo quanto aspecto são noções
relacionadas à temporalidade dos eventos verbais. Para a autora, o tempo localizaria o
evento em um tempo externo, orientando-o em relação ao momento de fala, ou seja, 9 (10) c. A cada dia Alice está gostando mais de Juan. d. João está odiando a ideia de ir a festa. 10 (11) c. Maria está começando a caminhar. d. Os jovens estão descobrindo a liberdade.
32
marcando se o evento ocorreu antes do momento da enunciação (passado), se ocorre
naquele momento (presente) ou se ainda ocorrerá (futuro). O tempo seria, portanto,
uma categoria dêitica. Já o aspecto trataria essa temporalidade como uma propriedade
inerente ou interna do próprio evento, sem fazer referência ao momento da fala. Com
isso, o aspecto seria, então, definido como uma categoria não dêitica, uma vez que
nele há uma visão do evento como um todo, sem fazer referência ao momento da
enunciação.
Em seu trabalho, De Miguel (1999) apresenta o aspecto léxico e o aspecto
flexivo. Segundo a autora, o aspecto léxico, de forma geral, se refere à informação
aspectual contida nas unidades léxicas que constituem os predicados, como sujeito,
complementos e outros elementos como modificadores adverbias e etc., ou seja, é um
aspecto que possui uma natureza composicional. Já o aspecto flexivo se refere à
informação relativa ao modo em que tem lugar um evento que vem proporcionado
pelos morfemas flexivos do verbo. Esses aspectos podem ser comparados ao aspecto
gramatical e ao aspecto flexivo de Comrie (1976) que vimos acima.
Para De Miguel (1999) os significados aspectuais podem ser expressos no
interior do verbo ou em estruturas mais amplas, enumerando os diferentes elementos
que influenciam na especificação aspectual de um predicado. O primeiro elemento
que a autora cita é a raiz verbal, pois defende que os diferentes significados aspectuais
podem ser trazidos pelo verbo, mais especificamente pela raiz verbal. Exemplifica
mostrando verbos que expressam eventos que não mudam (como “odiar” e “saber”,
por exemplo), que depois dará o nome de estativos. Apresenta verbos que trazem a
ideia de eventos que acabam (como por exemplo “nascer” e “morrer”), que poderão
ser do tipo processo culminado ou culminação. E apresenta também, entre outros,
verbos que não acabam (como “andar” e “viajar”, por exemplo), que podem ser
considerados verbos de atividade.
O segundo elemento citado pela autora que poderá influenciar na
especificação aspectual de um predicado seria o afixo derivativo. A autora
exemplifica com o prefixo re-, que estaria dotado de um valor intensificador. Quando
utilizado com um verbo que indica um evento delimitado, esse prefixo admite
repetição, dando ao verbo um valor iterativo, portanto “reconstruir” é voltar a
construir. Entretanto, quando o verbo indica um evento não delimitado, o valor que
acrescenta é o intensivo, sendo assim “reter” não indicaria a repetição da ação, e sim
demonstraria a intensidade com que se realiza o evento. A autora ressalta que há
33
certos verbos delimitados como “cortar” ou “matar” com os quais o prefixo “re-”
apenas traria o valor intensivo. Isso se daria devido ao fato de que os objetos desses
tipos de verbos deixam de existir uma vez que o evento acaba, sendo assim a ação não
poderia ser feita da mesma forma sobre o mesmo objeto (não se pode matar alguém
pela segunda vez - “rematar”).
O terceiro elemento que influencia na especificação aspectual de um predicado
no espanhol, segundo a autora, é o “se” (me, te...) delimitador. Esse “se” traz uma
marca aspectual que informa a delimitação de um evento. Segundo ela, o “se”
aparecerá com verbo que marque que o evento tem um limite, um fim e esse pronome
só poderá aparecer se o verbo tiver um complemento direto. Observe os exemplos que
a autora utiliza (p.2995):
(1) a. Juan (*se) come normalmente en este bar.
b. Juan (*se) come tortilla siempre que puede.
c. Juan #(se) comió una tortilla él solo11.
Para De Miguel (1999), apenas será possível utilizar o “se” na sentença (1c),
uma vez que o complemento “una tortilla” traz um limite para o evento. Embora nessa
sentença o uso de “se” não seja obrigatório, ele reforça a ideia de limite do evento.
Outro uso do “se”, dado pela autora, é com verbos inacusativos, entretanto ainda será
necessário que haja alguma delimitação do evento para que esse pronome possa ser
utilizado. Nesses casos, o que trará essa delimitação será um sintagma que marque
explícita ou implicitamente o início do evento, ou seja, com verbos inacusativos, o
“se” também traz uma marca aspectual de limite, embora seja um limite inicial. Em
“El libro #(se) ha caído del estante12”, o sintagma preposicional “del estante” marca o
ponto de partida do evento, sendo assim é permitido o uso do “se”, ao contrário do
que ocorre em “La lluvia (*se) cae”13. No entanto, se pensamos no português,
verificamos que todos os usos de “se” acima seriam impossíveis nessa língua. O que
nos leva a crer que esse critério não seria válido para o português.
11 (1) a. Juan (*se) come normalmente neste bar. b. Juan (*se) como omelete sempre que pode. c. Juan #(se) comeu um omelete ele sozinho. Essa sentença em português é agramatical. 12 O livro #(se) caiu da prateleira. 13 A chuva (*se) cai.
34
De Miguel (1999) também trata dos elementos que estão relacionados ao
contexto sintático que se encontra em torno do verbo como determinantes na
aspectualidade de um predicado. Esses elementos seriam os complementos dos
verbos, os advérbios ou locuções adverbiais, o sujeito da oração e os verbos modais.
Com relação aos advérbios e locuções adverbiais, a autora afirma que a
presença desses pode reforçar ou modificar um determinado valor aspectual do verbo
como unidade léxica. Como vemos nos exemplos abaixo (p. 3000):
(2) a. El secretario leyó el informe durante una hora.
b. El secretario leyó el informe en una hora14.
Observamos que na frase (2a), devido à locução adverbial temporal, é possível
entender que a ação de “leer el informe” aconteceu por uma hora e em cada momento
desse intervalo de tempo é verdade que o sujeito esteve lendo o documento. Já em
(2b), o marcador temporal “en una hora” demonstra o tempo que o sujeito levou para
ler o documento, o que não ocorre em nenhum momento do intervalo descrito, ou
seja, antes de uma hora, a ação de ler o documento ainda não havia ocorrido. Outros
exemplos são (p.3002):
(3) a. De repente, Inés se acordó de aquel inquietante sueño.
b. Durante años, Inés se acordó de aquel inquietante sueño15.
Para a autora, o marcador temporal “de repente”, na sentença (3a), traz uma
leitura aspectual pontual do evento. Entretanto, o marcador “durante años” é um
advérbio que implica em uma leitura reiterativa.
O próximo elemento sobre o qual De Miguel (1999: 3004) se detém é o sujeito
da oração. A autora defende que o valor aspectual de certos predicados irá variar
dependendo do tipo de sujeito (contável ou não contável16; coletivo ou individual17;
14 (2) a) O secretário leu o relatório durante uma hora. b) O secretário leu o informe em uma hora. 15 (3) a) De repente, Inês se lembrou daquele inquietante sonho. b) Durante anos, Inês se lembrou daquele inquietante sonho. 16 Classificar o sujeito como contável ou não contável tem a ver com o tipo de substantivo que compõe o sujeito. Substantivos contáveis são aqueles que se referem a coisas que não podem ser divididas sem deixar de ser o que são (árvore, mesa). Já os não contáveis podem ser divididos e não deixam de ser o que são (água, vinho). Um pouco de vinho sempre será vinho mas um pedaço de mesa não será uma
35
agentivo ou não agentivo18; genérico ou específico19). Vejamos os exemplos abaixo:
(4) a. La lluvia cayó durante toda la tarde.
b. El árbol cayó al golpearlo el hacha20.
Em (4a), segundo ela, o sujeito “lluvia” (chuva) é não contável e por isso não
pode delimitar o evento de “cair a chuva”, sendo assim temos uma leitura de evento
não delimitado e durativo. Já “árbol” (árvore) é um nome contável possível de
delimitar o evento no qual participa, por isso temos, então, uma leitura de evento
delimitado e pontual.
O esquema abaixo traduz de maneira simplificada as possibilidades de
expressão das distintas informações contidas na aspectualidade:
aspecto léxico
aspecto léxico-sintático
Figura 2: Manifestação da aspectualidade em espanhol de De Miguel (1999, p. 2993)
mesa. 17 O substantivo coletivo é um nome no singular que se refere a um conjunto de elementos (família, cardume). O individual, ao contrário, se refere a um só elemento (mãe, peixe). 18 Sujeito agentivo é aquele que é agente da ação e sujeito não agentivo é aquele que não provoca diretamente a ação. 19 O sujeito específico será quando se referir a um objeto ou indivíduo determinado. Já o genérico, se refere a objetos ou indivíduos não determinados. 20 (4) a. A chuva caiu durante toda a tarde. b. A árvore caiu ao ser cortada pelo machado.
Aspectualidade
Oracional
Marcas léxicas e funcionais (advérbios, negação)
Características gramaticais dos participantes no evento (função semântica, número, determinação e quantificação)
Verbal
Oposição de formas de um mesmo verbo (a oposição imperfeito/perfeito simples)
Afixos derivativos (-re)
Oposição de classes aspectuais de verbos (os modos de ação: viajar/ chegar)
Certas combinações de verbos (modos de ação analíticos: as perífrases verbais)
aspecto flexivo
36
Os fatores que influenciam na especificação aspectual de um predicado ou,
em outras palavras, fatores composicionais envolvidos na aspectualidade, descritos
por De Miguel (1999), são interessantes para este trabalho porque contribuem para a
análise da composicionalidade do aspecto iterativo, que faremos mais adiante. Além
dos fatores composicionais, outro tema que aqui também se faz importante, tratado
pela autora, é o das diferenças entre o uso da forma do progressivo no português e o
uso da forma do progressivo no espanhol.
Segundo a autora, uma das características que diferencia o progressivo no
português do progressivo no espanhol é o fato de que, no espanhol, não se pode usar
verbos de estado com perífrases do tipo “estar” + gerúndio. Para a autora, a razão
dessa inaceitabilidade está no fato de que seria semanticamente contraditório
expressar o progresso no tempo de um evento que se caracteriza por não manifestar o
avanço ou a mudança. No entanto, esse critério nem sempre funciona: com o verbo
“conocer”/ “conhecer” é fácil imaginar exemplos aceitáveis com formas progressivas
(p. 3013):
(5) a. Juan está conociendo ahora el verdadero carácter de su primo.
b. Juan está este verano conociendo a mis abuelos.
c. Los estudiantes están conociendo rápidamente las tascas de la ciudad.21
Mas, para a autora, segundo se deduz do significado dos exemplos de (5), o
verbo conocer/conhecer apresenta um sentido ingressivo (equivalente a “começar,
passar a conhecer ou familiarizar-se”) que dinamiza o evento denotado ao “enfocar
uma fase” – possibilidade negada se o evento se mantivesse homogêneo. De acordo
com De Miguel (1999), quase todos os verbos estativos em espanhol podem
apresentar formas progressivas. A exceção, de acordo com ela, é o próprio verbo
“estar”. O verbo “ser”, ao contrário, é possível de ser usado: cf. “Está siendo.../ *está
estando...”. Mas é preciso que se cumpram certas condições contextuais que
proporcionem uma leitura dinamizada de tal evento, como no exemplo em (6) (p.
3014):
21 (5) a. Juan está conhecendo agora o verdadeiro caráter do seu primo. b. Juan está este verão conhecendo meus avós. c. Os estudantes estão conhecendo rapidamente os bares da cidade.
37
(6) a. Te estoy queriendo cada vez más.
b. Juan está odiando a su primo en estos días más de lo que le habrán
odiado en toda su vida.
c. Estoy sabiendo cada vez más cosas sobre ese amigo tuyo tan misterioso.
d. Estos días estoy teniendo muchos problemas con el fax.
e. Últimamente estoy teniendo suerte en todo.22
Segundo a autora, não se espera que os verbos lexicamente estativos de (6a-e)
aceitem formas progressivas. Mas isso pode ocorrer quando o contexto proporciona
uma leitura dinâmica, de acordo com a qual se descreve um evento que avança em
fases sucessivas ou uma acumulação de estados que se repetem (cada vez más, en
estos días, estos días, ultimamente).
Dessa forma, De Miguel (1999: 3013 e 3014) afirma que (6a) e (6b) são
predicados cuja intensidade dá a entender que o evento avança gradualmente: não são,
pois, homogêneos, mas sim, dinâmicos. Em (6c) a leitura recebida é a correspondente
a um verbo de conteúdo similar, mas dotado de dinamismo: enteirar-se (enterarse).
Ou seja, o evento descrito não é propriamente um estado, mas sim o começo de um
estado ou seu desenvolvimento: em suma, constitui um evento ingressivo como
ocorria no exemplo de “conocer” em (5). Com relação a (6d), a aceitabilidade provém
do fato de que o OD23 (“problemas”) permite que o evento denote um fato que está
ocorrendo de maneira repetida: o de suceder os problemas. Em (6e) o nome contínuo
“suerte/sorte”, por sua denotação acumulativa, facilita uma interpretação dinâmica do
evento: se dá sucessivamente o estado de ter sorte. Logo, em sentido estrito, (6d, e)
também não prediz em um estado do sujeito e sim um evento iterativo, que se repete.
Se o OD de (6d, e) fosse “muchos libros/ muitos livros”, o predicado não admitiria, ao
contrário, a leitura progressiva (*{Estos días/ ultimamente} estoy teniendo muchos
libros).
Em outras palavras, percebemos que mesmo que a definição de um verbo do
tipo estado seja o fato de que no período em que se dá não experimenta nenhuma
mudança ou avanço, ele poderá apresentar a forma progressiva. Pois a presença de 22 (6) a. Estou te querendo cada vez mais. b. Juan está odiando seu primo nestes dias mais do que o teriam odiado em toda sua vida. c. Estou sabendo cada vez mais coisas sobre esse amigo teu tão misterioso. d. Estes dias estou tendo muitos problemas com o fax. e. Ultimamente estou tendo sorte em tudo. 23 Objeto Direto
38
determinados modificadores adverbiais ou de certos objetos diretos pode dinamizar a
informação – estativa – atribuída ao verbo como unidade léxica, tal como vimos em
(6).
De Miguel segue, então, seu estudo sobre o aspecto léxico, a partir da
classificação verbal vendleriana, que veremos mais a seguir. Sendo assim, afirma que
tanto os verbos de atividade como os de processo culminado aceitam a perífrase EG,
pois progridem no tempo (p. 3031).
(7) a. Amaya (nadaba/ estaba nadando) en la piscina.
b. Amaya (nadaba/ estaba nadando) hasta el puente.
c. Jorge (comía/ estaba comiendo) pizza.
d. Jorge (comía/ estaba comiendo) una pizza.24
Já os eventos de culminação ou escassamente durativos, segundo a autora, não
deveriam apresentar a forma progressiva, pois possuem a característica de não
avançar no tempo. O mesmo ocorre com os verbos verdadeiramente pontuais, que só
aceitam a construção se sabemos que está descrevendo um evento no mesmo instante
em que ocorre (não enquanto progride), como em (8a, b); quando o verbo de
culminação se combina com uma perífrase progressiva, assinala que o evento é
iminente, que está a ponto de ocorrer (se o verbo é ingressivo, como os de (8c, d), o
que está a ponto de acabar é a fase prévia ao ponto em que a culminação ocorre, como
acontece com os terminativos de (8e, f)) (p. 3035):
(8) a. #Raúl está marcando un gol.
b. # La bomba está explotando.
c. En este momento, el AVE está saliendo de Santa Justa.
d. Eduardo se está mareando.
e. El abuelo se está muriendo.
f. El libro se estaba cayendo del estante.25
24 (7) a. Amaya (nadava/estava nadando) na piscina. b. Amaya (nadava/ estava nadando) até a ponte. c. Jorge (comia/ estava comendo) pizza. d. Jorge (comia/ estava comendo) uma pizza. 25 (8) a. #Raúl está marcando um gol. b. # A bomba está explodindo. c. Neste momento, o AVE (trem de alta velocidade espanhol) está saindo de Santa Justa.
39
Os exemplos de (8), para ela, confirmam a diferença entre aqueles eventos de
culminação que ocorrem em um ponto (8a, b), os que culminam em um ponto inicial
(8c, d) e os que culminam em um ponto final (8e, f). Em qualquer caso, segundo De
Miguel (1999), a duração desse tipo de evento é praticamente inexistente, sendo
inaceitável o uso da perífrase, quando acrescentamos um advérbio como “todavía/
ainda” nas sentenças de (8). Isso ocorre, de acordo com a autora, porque “todavía” é
um advérbio aspectual que enfoca a fase intermediária do evento, pois quer dizer que
“antes já ocorria o fato e agora continua ocorrendo”. Observamos essa
impossibilidade nos exemplos de (9 a-e).
Entretanto, para a autora, se o evento é ingressivo e depois de culminar em um
ponto vai seguido de um processo (dinâmico e durativo), essa segunda fase pode sim
apresentar o advérbio “todavía” (como no caso de hervir/ferver em (9f)). Se o
resultado do início da culminação é um estado, não se admite a perífrase progressiva
combinada com “todavía”, posto que os estados não progridem. A não ser que o
evento seja interpretado como habitual, ou seja, que assinale que o evento já ocorria
no momento temporal anterior (não em uma fase anterior do próprio evento), como é
o caso de marearse/enjoar em (9g):
(9) a. *Raúl está marcando um gol todavía.
b. *La bomba está explotando todavía.
c. ??En este momento, el AVE está saliendo todavía de Santa Justa.
d. *El abuelo se está muriendo todavía.
e. *El libro se estaba cayendo todavía del estante.
f. El agua todavía está hirviendo (= sigue hirviendo)
g. #Eduardo todavia se está mareando (= sigue mareándose, como
hábito).26
d. Eduardo está enjoando. (Este “se” reflexivo em português não é usado) e. O avô está morrendo. (Aqui também o “se” reflexivo não é usado) f. O livro estava caindo da prateleira. (Mais uma vez, não usamos o “se” reflexivo) 26 (9) a. *Raúl ainda está marcando um gol. b. *A bomba ainda está explodindo. c. ?? Neste momento, o AVE ainda está saindo de Santa Justa. d. *O avô ainda está morrendo. e. *O livro ainda estava caindo da prateleira. f. A água ainda estava fervendo. (= segue fervendo) g. #Eduardo ainda está enjoando. (= segue enjoando, como hábito)
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Para De Miguel (1999), os estados, os processos e as ações/ atividades
(tenham ou não limite, tenham ou não duração, sejam únicos ou repetidos) se
constroem combinando a informação aspectual expressa pelo verbo como unidade
léxica com a informação semântica e estrutural contida nos sintagmas nominais que
designam os participantes no evento e em outros elementos que compõem o
predicado, e também com o aspecto flexivo da forma em que o verbo aparece
conjugado.
2.1.4. CASTILHO (1968, 1984, 2002)
Nos estudos voltados para o português do Brasil (PB), um dos principais
teóricos e precursores do estudo do aspecto, foi Castilho (1968). Comparado aos
trabalhos de Comrie (1976) e De Miguel (1999), apresenta uma definição de aspecto
próxima, considera a ideia de composicionalidade aspectual e da existência dos
aspectos perfectivo e imperfectivo, mas se afasta um pouco quanto a outros tipos de
aspectos, como veremos mais adiante. Além de ser considerado por muitos
pesquisadores brasileiros como um estudo base da aspectologia, alguns de seus
trabalhos são importantes nesta dissertação, pois contribuem para a nossa reflexão
sobre a expressão aspectual iterativa da perífrase “estar” + gerúndio.
Em seu primeiro trabalho, o autor define o aspecto em três passagens
diferentes de seu estudo. Mas podemos dizer que Castilho (1968, p.14) conceitua o
aspecto como a visão objetiva da relação entre o processo e o estado expressos pelo
verbo e a ideia de duração ou desenvolvimento. Sendo o aspecto, para o autor, a
representação espacial do processo.
Nesse seu primeiro trabalho, Castilho (1968) aponta como meios de expressão
do aspecto o semantema do verbo, a flexão temporal, os adjuntos adverbiais, certos
tipos oracionais, o complemento do verbo, as perífrases e os sufixos. Pois, segundo o
autor, o item que traduz as noções aspectuais é o verbo detentor de significação plena,
pois, para ele, onde há verbo, há aspecto. Abaixo podemos observar o primeiro
quadro aspectual apresentado por Castilho (1968) para o português brasileiro.
41
VALORES ASPECTOS
1. Duração Imperfectivo
Inceptivo
Cursivo
Terminativo
2. Completamento
Perfectivo
Pontual
Resultativo
Cessativo
3. Repetição
Iterativo
Iterativo Imperfectivo
Iterativo Perfectivo
4. Negação da Duração e do completamento -
Neutralidade
Indeterminado
O aspecto imperfectivo, para Castilho (1968), indica duração pura e simples e
pode ser: inceptivo – começo de ação e mudança de estado; cursivo – duração da qual
se ignoram os limites, podendo ser ampliada ou restrita; terminativo – o término da
ação depois de ter tido um período de duração (expresso por verbos como: acabar,
terminar, cessar, etc.). O aspecto perfectivo indica o completamento da ação e pode
ser: pontual – processo acabado tão logo tenha sido iniciado; resultativo – o
complemento da ação implica um resultado; cessativo – marca fortemente a
interrupção do processo. O aspecto iterativo indica repetição e pode ser: perfectivo –
ação pontual, ex.: “respondia que nada sabia”; imperfectivo – ação durativa, ex.:
“falam de mim”. E o aspecto indeterminado não é nem perfectivo, nem imperfectivo,
é representado por frases que expressam verdades gerais, como no exemplo dado pelo
autor “a terra gira em torno do sol”.
Em Castilho (1984 apud Sousa 1998), o autor já começa a tratar o aspecto
como mais uma propriedade dos enunciados do que do verbo, admitindo que outros
elementos interagem na expressão do aspecto, o tipo oracional, adjuntos adverbiais e a
flexão temporal. Nesse estudo, o autor, tenta dar uma nova configuração ao quadro
42
aspectual anteriormente exposto. Podemos dizer que, graficamente, o altera, pois dá
relevo ao caráter pluridimensional do aspecto, razão por que desaconselha a proposta
de uma tipologia de caráter excludente. É a enunciação como um todo, juntamente
com as suas partes, como os tipos de argumento, marcadores adverbiais e etc., que
indicará as noções aspectuais atualizadas no enunciado. Em essência, contudo, os
valores aspectuais permanecem semelhantes aos anteriores, conforme podemos
visualizar abaixo no modelo semântico para o aspecto:
Figura 3: Modelo semântico para o aspecto de Castilho (1984 apud Sousa 1998, p. 53)
Castilho (1984 apud Sousa 1998) passa a dividir o aspecto em operação e
resultado. No resultado está inserido a face resultativa que engloba o aspecto
resultativo. Na operação está inserida a face qualitativa27 do aspecto, na qual o evento
27 A face qualitativa parece representar o modo de ver da ação. Pois no imperfectivo temos a
resultado Operação
face quantitativa face qualitativa
operação singular
operação repetitiva
operação durativa
operação global
face resultativa
fases da operação
Aspecto
fim meio início
semelfactivo iterativo imperf. incep.
imperf. cursivo
imperf.term.
perf. pontual
resultativo
43
seria apresentado como acabado, chamado de aspecto perfectivo, ou inacabado,
chamado de aspecto imperfectivo. O aspecto imperfectivo se dividiria em inceptivo,
cursivo e terminativo, e o aspecto perfectivo apenas em pontual. Além disso, dentro
da face de operação está inserida outra face, a face quantitativa28, que diz respeito à
ocorrência do evento descrito, que pode ser singular (que ocorre apenas umas vez),
chamado de aspecto semelfactivo, ou uma ocorrência habitual, reiterada, chamado de
aspecto iterativo.
No entanto, o autor observa que nas sentenças (12) e (13) a ação ocorreu uma
única vez. Isso leva a reconhecer, na opinião do autor, que o aspecto tem igualmente
uma face quantitativa, distinguindo-se a ocorrência singular (aspecto semelfactivo) da
ocorrência múltipla, habitual ou reiterada (aspecto iterativo).
(12) “você primeiro arruma as malas... você já está na rua... a mala já está
arrumada”;
(13) “fecha os olhos e concentra-se: por que os vizinhos vivem dizendo tantas
coisas sobre sua família?”;
Embora em seu trabalho de 2002 Castilho mantenha o quadro aspectual
proposto anteriormente, neste momento o autor define o aspecto verbal como uma
“propriedade da predicação que consiste em representar os graus do desenvolvimento
do estado de coisas aí codificado, ou, por outras palavras, as fases que ele pode
compreender” (2002:83).
No que diz respeito à perífrase “estar” + gerúndio, Castilho (2002) afirma que
a grande maioria das perífrases gerundivas analisadas no corpus do Projeto NURC
(São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador) expressa o aspecto imperfectivo cursivo e
constata que 70% delas têm como auxiliar o verbo “estar”. Segundo o autor, quando o
verbo no gerúndio indica mudança de estado, como em “A cidade (...) está crescendo
desordenadamente”, indica-se uma duração mais gradual, o que constitui um subtipo
do imperfectivo cursivo. Para o autor, a perífrase poderia ser mais legitimamente
denominada de “progressiva”. E para que EG expresse a iteratividade, uma série de
visualização do desenvolvimento ou curso de uma ação ou evento, qualificando-se um intervalo de tempo cujo desfecho não é relevante; já no perfectivo, ou não se configura um intervalo de tempo, ou a distância entre o começo e o fim do desenvolvimento de uma ação é mínima, de modo que ela é visualizada como um ponto.
28 Já a face quantitativa distingue o múltiplo (iterativo) do singular (semelfactivo), representando realmente um valor de quantidade da ação.
44
requisitos são obrigatórios, segundo o autor. Seriam esses a pluralização dos
argumentos, no caso o argumento externo, como no exemplo (14), e/ou a ocorrência
de adverbiais, como no exemplo (15). Faltando tais requisitos, essa perífrase
expressaria o semelfactivo, seja imperfectivo ou perfectivo29.
(14) estão controlando a poluição de ar agora né?
(15) embora não tenhamos a lista... que vocês são... no total cinquenta e um...
quer dizer sempre tá faltando... não é um pouco
Embora seja utilizado por muitos estudiosos que trabalharam com a expressão
aspectual da perífrase “estar” + gerúndio como, por exemplo, Wachowicz (2003) e
Mendes (2005), no quadro proposto por Castilho, parece haver certa confusão quanto
à terminologia adotada. Pois o autor emprega, em alguns casos, a mesma
nomenclatura aspectual para designar situações diferentes, como é o caso dos aspectos
perfectivo e imperfectivo. O aspecto imperfectivo pode ser apenas imperfectivo ou
pode ser iterativo imperfectivo ou semelfactivo imperfectivo, assim como o aspecto
perfectivo, que poderá ser apenas perfectivo ou iterativo perfectivo ou até mesmo
semelfactivo perfectivo. Parece-nos que o excesso de aspectos acaba por gerar
confusão quanto à expressão desses na língua. Já que os limites, em geral, são pouco
definidos.
2.2. A COMPOSICIONALIDADE ASPECTUAL
Em trabalhos descritos anteriormente, vimos que todos os autores concordam
que a categoria de aspecto é entendida como resultante de múltiplas variáveis. De
Miguel (1999), por exemplo, enumera os diferentes elementos que influenciam na
especificação aspectual de um predicado. Sendo assim, a informação aspectual é tida
como sendo expressa não apenas por um único morfema ou item lexical, mas pelo
somatório de várias informações disponíveis na sentença.
29 Para Castilho (2000), o aspecto verbal possui uma “dupla face”, já que os critérios qualitativo e
quantitativo não se aplicam de modo mutuamente exclusivo. Com isso, as ações e eventos podem ser: imperfectivas/semelfactivas, imperfectivas/iterativas, perfectivas/semelfactivas, perfectivas/iterativas.
45
Aplicando as ideias de Verkuyl (2003), Celeri (2008) ilustra a ideia da
composicionalidade aspectual com a noção de que moléculas são estruturas
complexas formadas por átomos, e estes por componentes ainda menores e que cada
um destes componentes tem especificidades e desempenham papéis singulares nessa
composição, ou seja, a ideia de que estruturas menores se unem na composição de
estruturas maiores. Com isso, podemos dizer que o objetivo do estudo da
composicionalidade aspectual pode ser a identificação dos itens que contribuem de
alguma forma para a expressão do aspecto verbal.
Segundo Verkuyl (2003), foi Frege, na década de 60, que começou a expressar
ideias sobre a construção do complexo significado de expressões e frases sobre a base
de suas partes menores, ou seja, sobre a composicionalidade aspectual, só que voltado
para os estudos da semântica. Nessa mesma década, segundo Verkuyl (2003), os
estudos de Chomsky sobre as estruturas sintagmáticas permitiram que a noção de
composicionalidade aspectual fosse aplicada nas estruturas arbóreas. Ou seja, a ideia
de composicionalidade na linguística surge, então, propondo que a construção do
sentido de sintagmas e frases seja vista a partir da união de seus componentes
menores, que seriam os verbos com seus argumentos, na formação de unidades
maiores.
Para colocar em prática essa interação, Verkuyl (2003) propõe dois traços, um
relacionado à natureza do complemento e outro à natureza do verbo. O primeiro traço,
[±SQA], que quer dizer [±Specified Quantity of A] ([± Quantidade especificada de
A]), está relacionado à cardinalidade do sintagma nominal. Se este se refere a algo
que pode ser exaustivamente contado ou medido, trata-se de um sintagma de
cardinalidade especificada como “um bolo”, “quatro bolos”, etc., diferentemente de
“bolos”, “uvas”, etc., que pertencem ao grupo de elementos de cardinalidade não
especificada. Mas só o tratamento nominal não basta. Conforme apontado acima, se a
ideia é ler o aspecto composicionalmente, há que se considerar também a natureza do
verbo, bem como a combinação entre verbo e NP30.
O segundo traço, [±ADDTO], vem da abreviatura additive, e visa à distinção
entre verbos estativos como “odiar”, por exemplo, e verbos de atividade como
“comer”. A propriedade [+ADDTO] do verbo expressaria um progresso dinâmico,
mudança, não estatividade ou qualquer outro termo que o distinga de um verbo
30 Sintagma Nominal
46
estativo, que teria um valor negativo para tal propriedade. É interessante observar que
o traço [±ADDTO] é atribuição restrita ao conteúdo lexical do verbo, na sua forma
não-flexionada. Sua morfologia, ou a combinação com o NP argumento interno,
formando o VP, não interessa para a atribuição do traço [±ADDTO]. É justamente a
combinação desse traço com os traços [±SQA] dos argumentos, juntamente com a
atuação da morfologia verbal, que vai definir algum valor aspectual. É, justamente,
por isso, que Verkuyl nomeia sua teoria de ‘composicional’.
Wachowicz (2003) foi quem aplicou aos dados do português do Brasil (PB) a
teoria dos traços composicionais de Verkuyl, e investigou a expressão aspectual do
progressivo na estrutura arbórea. Embora nosso tema de estudo esteja relacionado à
composicionalidade aspectual e à expressão do progressivo, nesta dissertação não
utilizaremos essa metodologia de investigação, pois o nosso objetivo está mais
relacionado com a expressão do aspecto iterativo por EG e não com a gama de
aspectos que EG pode expressar.
No próximo capítulo, apresentaremos mais pesquisas, tanto no português
quanto no espanhol, que trataram do aspecto expresso em sentenças com a perífrase
“estar” + gerúndio, como forma de revisão bibliográfica. E no capítulo que segue,
apresentaremos os trabalhos de maior relevância para o que aqui se apresenta, os
quais serão a base para a investigação da composicionalidade aspectual em sentenças
com a perífrase “estar” + gerúndio.
47
CAPÍTULO 3
ESTUDOS DESCRITIVOS SOBRE A PERÍFRASE “ESTAR” + GERÚNDIO
Neste capítulo, apresentaremos alguns trabalhos como forma de revisão
bibliográfica, que nos darão um panorama do que tem sido descrito acerca da
expressão aspectual da perífrase “estar” + gerúndio por falantes do português
brasileiro e do espanhol.
3.1. NO PORTUGUÊS DO BRASIL
Selecionamos para representar os estudos do português do Brasil (PB) dois
trabalhos que trazem importantes contribuições para esta dissertação. O primeiro
estudo a ser apresentado neste capítulo, Longo & Campos (2002), focará o papel do
auxiliar na composição aspectual da perífrase. E o segundo, Travaglia (2006), um
estudo consagrado sobre a aspectualidade para o português do Brasil, trará
importantes contribuições sobre a expressão aspectual da perífrase “estar” + gerúndio.
3.1.1. LONGO & CAMPOS (2002)
Longo & Campos (2002) tratam o aspecto como categoria não dêitica através
da qual se quantifica o evento expresso pelo verbo ou se expressa a constituição
interna de fases, momentos ou intervalos de tempo que se incluem nesse evento,
considerando basicamente a distinção entre perfectivo e imperfectivo. Enquanto que a
noção de tempo, para as autoras, seria uma categoria dêitica que expressa relações de
anterioridade, simultaneidade ou posterioridade entre os momentos da fala, do evento
e da referência. Essas definições condizem perfeitamente com o que vimos até aqui
sobre a diferença entre tempo e aspecto.
Entretanto, as autoras apresentam o quadro aspectual proposto por Longo
(1990, apud Longo & Campos, 2002), que é grande e com aspectos muito próximos.
Esses aspectos são chamados de valores pelas autoras. Os aspectos propostos são:
48
inceptivo, ingressivo, cursivo, progressivo, permansivo, habitual, iterativo, cessativo,
resultativo e perfectivo.
Nesse trabalho, Longo & Campos (2002) focam a auxiliaridade nas perífrases
de tempo e aspecto no português brasileiro falado. Para as autoras, a auxiliaridade
pode ser definida como uma relação de complementação entre duas formas verbais. O
auxiliar então seria uma forma relacional que toma por complemento um verbo-base e
a perífrase ou locução verbal, um complexo unitário que reúne um verbo e uma forma
de infinitivo, gerúndio ou particípio numa só predicação.
A perífrase “estar” + gerúndio (EG) é tratada, pelas autoras, como uma
perífrase aspectual, pois indica além do tempo, o aspecto, ou seja, como o evento se
desenrola no tempo. Para Longo & Campos (2002), embora os auxiliares possam
apresentar determinados valores básicos isoladamente, ao se formarem as perífrases,
eles podem manter esses valores ou adquirir novos, dependendo de outros elementos
com os quais se combinam na construção da frase.
Dessa forma, segundo essas autoras, é difícil relacionar cada perífrase verbal a
um determinado valor semântico, porque é possível identificar várias interpretações
semânticas para uma mesma perífrase, dependendo de uma série de fatores, que,
segundo Mendes (apud Longo & Campos, 2002), são de natureza léxico-semântica
(tipo de base a que se une), morfológica (atuação da flexão), sintática (tipos de
argumentos ou adjuntos a que se une) ou discursiva (diferentes contextualizações
levam a diferentes interpretações das perífrases). Essa afirmação reitera a
possibilidade da perífrase “estar” + gerúndio expressar os aspectos progressivo,
durativo e iterativo, dependendo do contexto em que se apresenta.
Em uma análise do corpus mínimo do Projeto NURC (São Paulo, Rio de
Janeiro e Salvador) com perífrases aspectuais e temporais, Longo & Campos
(2002:451) encontraram as seguintes interpretações semânticas expressadas por EG:
os aspectos cursivo, progressivo, iterativo e o ingressivo.
O aspecto cursivo, segundo as autoras, apresenta o evento em pleno
desenvolvimento, sem considerar seu início, fim ou progressão, como no exemplo
“então a criança a depender das fases que está estudando tem:: material específico
né?”. Sendo que, neste exemplo, também pode ter o aspecto semelfactivo para as
autoras, pois se refere a um ato único, uma ação singular. O aspecto progressivo é
caracterizado como aquele que apresenta o evento em evolução, como no exemplo “o
teatro eu acho que está caminhando... está melhorando”, sendo que neste exemplo,
49
além do aspecto progressivo, haveria também o aspecto cursivo. O aspecto iterativo,
segundo os autores, indica uma ação terminada que se realizou em várias etapas,
como no exemplo “então eu (es)tive vendo preço de aluguel de apartamentos” ou, da
mesma forma, faz referência a uma pluralidade de ações, como no exemplo “o
período de transmissão é aquele em que o indivíduo está eliminando bacilos”. Este
exemplo também pode apresentar o aspecto cursivo, sendo para as autoras também
considerado iterativo devido ao segundo argumento, no caso “bacilos”, estar na forma
do plural. Já o aspecto ingressivo apresenta um evento limitado a seu estado inicial,
como no exemplo “depois quando vai encenar eu acho que o pessoal já está sabendo
mais do que de cor”.
Finalmente, Longo & Campos (2002:474) concluem o seu estudo afirmando
que a diversidade de perífrases presentes na oralidade é menor do que na língua
escrita e que as nuances semânticas também se reduzem, podendo os valores
derivativos serem originados composicionalmente. Em outras palavras, podemos dizer
que são poucas as perífrases utilizadas na oralidade quando comparamos com a língua
escrita, e que essas variam pouco de sentido, a não ser quando influenciadas pelo
contexto. Além disso, as autoras atestaram que há um predomínio absoluto das
construções com EG, que parecem estar assumindo o papel de outras perífrases como
“andar a, tornar a, voltar a + infinitivo” e “andar + gerúndio” (valor iterativo) e “estar
a + infinitivo” e “seguir e vir + gerúndio” (valor cursivo).
Ao verificarmos a possibilidade de EG expressar o aspecto iterativo,
confirmamos o fato de EG, de alguma forma, estar substituindo perífrases que
expressam canonicamente o iterativo, como a perífrase “ter” + particípio, por
exemplo. No trabalho de Mendes (2005), que trataremos no próximo capítulo, há a
confirmação da gradativa substituição de “ter” + particípio por EG, o que parece
suscitar que EG esteja estendendo seu valor semântico e, consequentemente, sua
expressão aspectual.
3.1.2. TRAVAGLIA (2006)
Outro importante autor da descrição aspectual do português do Brasil é
Travaglia (2006), que seguindo um quadro aspectual bastante parecido ao de Castilho
& Moraes de Castilho (1994), afirma que “aspecto é uma categoria verbal de tempo,
50
não dêitica, através da qual se marca a duração da situação e/ou suas fases, sendo que
estas podem ser consideradas sob diferentes pontos de vista, a saber: o do
desenvolvimento, o do completamento e o da realização da situação” (2006: 40).
Abaixo segue o quadro de aspectos proposto por Travaglia (2006) com seus
respectivos parâmetros:
NOÇÕES ASPECTUAIS ASPECTOS
I.DURAÇÃO
1.Duração
A. Contínua a. Limitada DURATIVO
b. Ilimitada INDETERMINADO
B. Descontínua a. Limitada ITERATIVO
b. Ilimitada HABITUAL
2. Não-Duração ou Pontualidade PONTUAL
II. FASES
1. Fases de
Realização
A. Por Começar NÃO-COMEÇADO
A' Preste a Começar (ao lado do
aspecto há uma noção temporal)
B. Não-Acabado ou Começado NÃO-ACABADO
ou COMEÇADO
C. Acabado ACABADO
C’. Acabado há pouco (ao lado
do aspecto há uma noção
temporal)
2. Fases de
Desenvolvi-
mento
A. Início (no ponto de início ou
nos primeiros momentos) INCEPTIVO
B. Meio CURSIVO
C. Fim (no ponto de término ou
nos últimos momentos) TERMINATIVO
3.
Completamento
A. Completo PERFECTIVO
B. Incompleto IMPERFECTIVO
Ausência de noções aspectuais Aspecto não
atualizado
Figura 4: Quadro aspectual do Português segundo Travaglia (2006, p. 76)
O quadro aspectual de Travaglia, além de ser bastante parecido com o de
Castilho (1994), ainda estende mais a quantidade de possíveis aspectos, tornando o
quadro aspectual ainda mais confuso. Como, por exemplo, o fato de “duração” se
opor a “fases”, já que uma ação durativa admite fases no seu desenvolvimento, e até
mesmo a própria colocação de que as fases de realização e de desenvolvimento são
51
diferentes. Tudo isso torna o modelo ainda mais complexo. O autor traz interessantes
contribuições ao estudo da expressão aspectual pela perífrase “estar” + gerúndio (EG).
Inicialmente, o autor afirma que EG não traz a distinção entre situação narrada
e referencial31. Temos apenas uma situação que, com todas as flexões verbais, exceto
os pretéritos perfeito e mais-que-perfeito do indicativo, apresenta os aspectos
imperfectivo, cursivo, não-acabado e durativo, como se pode observar nos exemplos
abaixo retirados de seu trabalho (2000:173):
(1) “As folhas de avenca estão amarelando”.
(2) “Estou emoldurando vários quadros pra ele”.
A proposta de Travaglia (2006) não é muito diferente da de Comrie (1976)
com relação à expressão aspectual de EG, como vimos no capítulo 2 desta
dissertação. Comrie (1976) afirma que EG expressa o imperfectivo durativo (ou
contínuo) progressivo, o que se aproxima bastante do imperfectivo cursivo não-
acabado e durativo. E para os estudos de Travaglia (2006), o imperfectivo é o que tem
a situação como incompleta, o cursivo se caracteriza por apresentar a situação em
pleno desenvolvimento, o não-acabado se caracteriza por apresentar a situação já em
realização, e o durativo por apresentar uma situação contínua limitada. Mas, muitas
vezes, por influência do adjunto adverbial, o autor afirma haver uma interpretação
iterativa. Nestes casos, o adjunto adverbial marca o iterativo ou o habitual,
contrariando a tendência aspectual da perífrase de expressar apenas o aspecto
durativo, como nos exemplos do autor:
(3) “O trem está partindo pela manhã.” (imperfectivo, não-acabado, iterativo)
a. “O rapaz estava chegando às 8 horas.”
b. “Todos os dias o rapaz estava chegando às 8 horas.”
A frase (3a), segundo o autor, é ambígua, podendo ser iterativa ou não, já (3b)
só pode ser iterativa.
31 Segundo o autor, a situação referencial é um estado resultante da realização anterior da situação narrada, como no exemplo “Daniel tem o menino seguro em uma das mãos e olha para mim como a perguntar o que deve fazer.”; ou um estado anterior à realização da situação narrada como em “A cozinha está por limpar.” (2006: 65)
52
(4) “Hoje em dia os bebês estão nascendo mais fortes” (imperfectivo, não-
acabado, habitual)
(5) “José está caminhando de manhã” (ou toda manhã) (imperfectivo, não-
acabado, iterativo).
Para Travaglia (2006:81), o iterativo se caracteriza por apresentar a situação
como tendo duração descontínua limitada. Já o habitual seria um aspecto que
apresenta a situação como descontínua ilimitada. Entretanto, Travaglia (2006:46)
afirma que no português, todo habitual é iterativo, pois não foi encontrado um só
exemplo em que isto não se desse. O autor encontrou apenas casos em que a iteração
parece atenuada, menos explícita, como no exemplo (6). Segundo o autor, alguém
poderia argumentar que as frases habituais negativas, como o exemplo (7), podem ser
apontadas como casos em que temos o habitual não-iterativo. Mas, para Travaglia
(2006), semelhante proposição não teria validade porque o que ocorre nestes casos é a
negação da iteração habitual, mas não sua ausência. Resta anotar que, para Travaglia,
embora todo habitual seja iterativo, não vale a recíproca, pois abundam as frases de
sentido iterativo que não são habituais.
(6) “Compro dele faz muito tempo.”
(7) “Nunca leio artigos políticos.”
Essa perspectiva de sentenças habituais serem iterativas e vice-versa, não
encontra correspondência nos estudos de Comrie (1976), que afirma que uma
sentença habitual não é necessariamente iterativa. Essa proposição nos leva a perceber
que esses aspectos possuem traços muito próximos que em determinados contextos se
entrecruzam. Travaglia (2006:46) ainda acrescenta que, tendo em vista que as frases
de sentido iterativo habitual apresentam situações de duração descontínua ilimitada,
elas também expressam as chamadas verdades eternas em frases como as dadas pelo
autor e reproduzidas aqui com os números (8) a (10), exatamente como ocorre com as
frases em que a duração é contínua e ilimitada (11) a (13).
(8) “Aves se alimentam de vegetais.”
(9) “As azaléias florescem em maio.”
(10) “Os ratos roem papel.”
53
(11) “A terra gira em torno no Sol.”
(12) “A mocidade busca a mocidade.”
(13) “Este cachorro morde.”
Em consequência desse papel do habitual, muitas vezes, segundo o autor, há
um problema de análise que consiste na dificuldade de distinguir se há, numa dada
frase, o aspecto caracterizado pela duração contínua ilimitada ou o aspecto
caracterizado pela duração descontínua ilimitada, já que os dois aparecem em frases
que expressam verdades “eternas” atemporais.
Com isso, Travaglia (2006) propõe a reunião dos aspectos iterativo e habitual
num só aspecto, já que ambos se caracterizam basicamente pela repetição originada
da duração descontínua. Isso, entretanto, segundo o próprio autor, implicaria em
desconsiderar a distinção entre duração limitada e ilimitada, que é real, representando
duas noções aspectuais distintas. Entretanto, os contextos que propiciam essa duração
descontínua no português parecem que entrecruzam essas noções de duração limitada
e ilimitada, favorecendo a leitura aspectual iterativa.
Em seu estudo, Travaglia (2006) também define a duratividade como um
aspecto que apresenta a situação como contínua limitada. Para esse autor, a duração é
vista como a primeira noção semântica aspectual. A pontualidade ou não duração se
opõe à duração. Na pontualidade, a situação tem um início e um término que ocorrem
no mesmo instante ou separados por um lapso de tempo curto. Travaglia (2006)
afirma que a duração limitada ocorre quando se indica seu início ou o seu fim ou o
valor da duração ou ainda quando não há uma limitação explícita. São exemplos de
frases durativas:
(14) Ele estava nadando desde as 6 horas da manhã.
(15) O treinador do time esteve doente.
(16) Nossa amizade estreitava-se.
(17) O amor dos tios foi transformando aquela criança.
(18) João ficará atendendo as pessoas.
Não se pode falar em aspecto durativo, de acordo com Travaglia (2006:79),
pelo simples fato de termos na frase um processo ou um estado que são situações
durativas. Para esse autor, é preciso ver se na frase em questão a situação está, por
54
qualquer meio, marcada como durativa, pois até mesmo situações pontuais podem ser
apresentadas como durativas. Além disso, Travaglia (2006) afirma que a forma verbal
utilizada pode fazer abstração da oposição durativo/ pontual, não marcando a situação
nem como uma nem como outra coisa, independente do fato de ser ou não um
processo.
3.2. NO ESPANHOL
Os dois estudos de língua espanhola selecionados são estudos muito diferentes
entre si, mas que podem contribuir para a reflexão que fazemos nesta dissertação. O
primeiro apresentado está voltado exclusivamente para a investigação das perífrases
verbais, e o segundo está voltado para os problemas semânticos do progressivo no
espanhol.
3.2.1. YLLERA (1979, 1999)
Um trabalho bastante consagrado sobre o estudo das perífrases verbais em
espanhol é o de Yllera (1979), traçando o perfil histórico de cada uma delas com
relação ao seu uso. Segundo a autora, as perífrases com gerúndio são geralmente
consideradas como as que expressam os aspectos durativo ou imperfectivo. A
característica comum a todas elas, de acordo com a autora, é apresentar a ação vista
em seu desenvolvimento, sendo consideradas como perífrases cursivas. Mas, para
Yllera (1979), seu aspecto depende do tempo do auxiliar, já que não é possível
considerar como imperfectiva “estuvo” + gerúndio, pois a ação está acabada.
A denominação de perífrase cursiva, segundo a autora, é devido a uma
tentativa em evitar a ambiguidade que contém a denominação “durativa”, já que para
a autora não é possível tratar a perífrase “estar” + gerúndio (EG) por imperfectiva,
pois para ela o aspecto imperfectivo não corresponde a todos os seus empregos. Já
que, como vimos acima, para a autora, EG também pode expressar o aspecto
perfectivo, quando o auxiliar está no passado.
Com isso, a autora afirma que EG apresenta a ação vista em seu transcurso,
mas que sua função principal não é a de expressar uma ação durativa, pois muitas
55
ações durativas não aparecem com EG e muitos exemplos com essa perífrase não
expressam realmente uma ação durativa, como no exemplo dado pela autora “Espera
un momento que me estoy levantando de la cama”. Finalmente, em um trabalho mais
recente, Yllera (1999) afirma que o emprego e sentido de EG dependem do aspecto
léxico (modo de ação) do gerúndio e seus complementos e do tempo perfectivo ou
imperfectivo do auxiliar.
Com o auxiliar ‘estar’ no presente do indicativo, a autora afirma que EG
indica uma ação em curso no momento da enunciação, prescindindo do seu começo
ou do seu fim. Pode expressar também o presente simples, que apresenta um valor de
futuro próximo, como no exemplo dado pela autora em “¿Has escrito la carta? Sí,
ahora la estoy escribiendo. / No, pero ahora la escribo. Ou pode também expressar o
‘presente atual’, como no exemplo dado pela autora em “Estamos luchando por el
agua, que es nuestro gran problema.” Entretanto, segundo Yllera (1999), a forma
mais utilizada para expressar o presente atual é através do uso de predicados que
expressam ‘atividades’ ou ‘realizações’, designando assim a ação que se desenvolve
coincidindo com o ato da enunciação. Além disso, segundo a autora, EG não expressa
ações habituais, a não ser que esteja restringida a um tempo determinado,
apresentando um caráter transitório, como no exemplo dado pela autora em “Estamos
viviendo en el campo”.
Com tempo imperfectivo, de acordo com Yllera (1999), EG é muito frequente
com um advérbio ou complemento de tempo como ahora, en este momento, en esos
días, en aquel momento, entonces, etc. Nestes casos, como segundo a autora o
contexto leva à ‘atualização’ do processo verbal, EG pode ser substituída pela forma
simples, como também pode ocorrer sem advérbio de tempo, quando a situação
propicia a atualização do predicado, como vemos no seguinte exemplo dado pela
autora “Entonces estaban estudiando arquitectura”.
Mas vale ressaltar que, para ela, quando EG apresenta o auxiliar no tempo
imperfectivo e está acompanhado de advérbios como siempre, todo el día, etc. em
construções que tomam um claro valor ‘intensivo’, pode apresentar a ação iterativa
como nos exemplos dados por ela em “¡Siempre te estás quejando!; ¡Todo el día
estás escribiendo!”. O que mais uma vez comprova a possibilidade da expressão
aspectual iterativa pela perífrase EG e o caráter composicional desse aspecto, que
oferece um sentido de evento escalonado a partir da presença de determinados
marcadores adverbiais, como “siempre” e “todo el día”, no caso dos exemplos
56
anteriores, tal como propomos nesta pesquisa. Para a autora, esse tipo de marcador
confere à sentença uma noção de hipérbole, ou seja, de exagero no evento referido.
3.2.2. GÓRBOVA (2007)
Assim como nesta dissertação, em seu trabalho, Górbova (2007) se utiliza do
quadro aspectual de Comrie (1976) para refletir sobre a questão do aspecto
progressivo, representado pela perífrase “estar” + gerúndio (EG). Desse modo, a
autora traz algumas reflexões sobre os problemas existentes na definição dada ao
aspecto progressivo relacionado à sua expressão na língua espanhola. Ela afirma que a
base semântica da oposição aspectual progressivo/ não progressivo é a oposição
caráter concreto/ não concreto do evento denominado pelo verbo, que, segundo ela,
ocupa um lugar particular no limite do campo funcional-semântico da aspectualidade.
Essa particularidade, no entender da autora, se refere ao fato de que a semântica do
progressivo, assim como a semântica do perfeito (‘perfect’ de Comrie 1976),
apresentam o ‘tempo interno’, ou seja, o modo de transcorrer no tempo ou de se
distribuir no tempo de uma ação, o que é próprio da aspectualidade.
Assim, a autora traça um paralelo entre o aspecto progressivo e o aspecto
perfeito, tratados por Comrie (1976), afirmando que o próprio autor qualifica o
progressivo e o perfeito como gramemas aspectuais, ao mostrar traços semelhantes na
caracterização de ambos os aspectos. Para Comrie (1976), o aspecto perfeito indica a
relevância do presente contínuo em uma situação passada, considerando-o um aspecto
num sentido diferente dos aspectos imperfectivo e perfectivo. Já o progressivo, para o
autor, seria a combinação do sentido contínuo com a não estatividade. O que para
Górbova (2007) quer dizer um simples prolongamento da ação, a apresentação da
ação em seu desenvolvimento, relacionada à imperfectividade.
Esta afirmação nos parece bastante interessante, pois ao observarmos que o
progressivo, ou seja, EG pode expressar o aspecto iterativo, também fazemos uma
aproximação com o aspecto perfeito. Já que, para Comrie (1976), em português a
perífrase “ter” + particípio expressa o perfeito, enquanto que, para Travaglia (2006),
expressa o iterativo. Dessa forma, podemos aproximar o perfeito do progressivo,
como faz Górbova (2007), como também aproximar o iterativo do perfeito. Pois o
57
iterativo também poderá representar um evento que começou no passado mas que
segue no presente, principalmente quando é expresso por EG.
Segundo a autora, a partir desses significados dados ao progressivo, há casos
de emprego dessa forma que não condizem com sua caracterização, principalmente a
‘não-estativa’ dada por Comrie (1976). É verdade que Comrie (1976) em seu trabalho,
já reconhecia a possibilidade do emprego de alguns verbos estativos na forma do
progressivo. Com isso, Górbova (2007) conclui que o funcionamento real do
progressivo resulta ainda mais amplo do que se deduz da sua definição, podendo
inclusive expressar uma ação iterativa. Para tanto, segundo a autora, a forma do
progressivo, que consideramos a perífrase “estar” + gerúndio (EG), se apresentaria
com advérbios como ‘siempre’, ‘constantemente’, e o uso do progressivo estaria
relacionado à ênfase ou a uma emoção especial, que de forma hiperbólica se
converteria em uma situação repetida. O que reafirma o que foi dito no estudo de
Yllera (1999) tratado anteriormente.
Em sentenças dadas por Górbova (2007:27) como “pero ahora vete, que si
volvemos a sacar las cuentas me estás debiendo diez pesos”; “creo que estoy
necesitando un médico”32; observamos o uso de verbos do tipo estado na forma do
progressivo. E, para a autora, se pensamos que são verbos de ‘não-ação’, com um
traço negativo para dinamicidade, devido ao seu significado léxico, não seriam
capazes de expressar nenhuma “processualidade com um caráter concreto específico
da ação, ...” (p.27).
Segundo a autora, o problema da definição do progressivo está na menção à
processualidade. Desse modo, para conseguir uma definição o mais ampla possível, a
autora sugere reduzir a definição do progressivo de ‘aspecto concreto-processual’ para
um aspecto apenas ‘concreto’, que se opõe ao ‘não-concreto’ das formas simples (não
progressivas). Assim, seu significado categorial seria ‘a concreção de uma ação’ e
variaria de acordo com o verbo tomado na forma progressiva e a influência dos
elementos do contexto aspectualmente relevantes.
Dessa forma, de acordo com Górbova (2007), um predicado terminativo,
conhecido também como processo culminado, na forma do progressivo, acentua a
processualidade presente no potencial semântico de tal predicado, resultando na
aparição de uma significação ‘concreto-processual’, como veremos nos exemplos 32 “mas agora anda, que se fazemos as contas de novo você está me devendo 10 pesos”; “creio que
estou necessitando de um médico.”
58
dados pela autora: “Valentina no la escucha. Ha tomado el libro de la mesilla de
noche y lo está hojeando”; “Si un día se quemase ‘El Correo’, qué felicidad, Mario,
créeme, que lo que estáis haciendo en el periodicucho ese es labor del demonio,
confundiendo a los infelices y llenándoles la cabeza de pájaros”.33
Com isso, a autora chama a atenção para o fato de que o progressivo de tais
verbos do tipo processo culminado é mais frequente, o que parece proporcionar a base
para a definição categorial do progressivo mediante a característica da
processualidade. Já o uso de verbos do tipo culminação com o progressivo, na opinião
da autora, dá à ação um caráter iterativo, como nos seguintes exemplos da autora:
“¿Es cierto que están inyectando al gallo?”; “La noche de su llegada, las estudiantes
se embrollaron de tal modo tratando de ir al excusado antes de acostarse, que a la
una de la madrugada todavía estaban entrando las últimas”.34 Já que, segundo ela,
são verbos que no progressivo dão uma ideia de repetição ao evento.
Górbova (2007) conclui, então, que para solucionar o problema semântico do
progressivo em espanhol é preciso aceitar como seu significado categorial ‘a
processualidade que tem um específico caráter concreto da ação’, entendendo o termo
ação no sentido amplo, como a determinação do significado comum de uma parte da
oração como o verbo. Nesse caso, segundo a autora, ao empregar um verbo de estado
na forma do progressivo, a definição se reduz à expressão ‘do caráter concreto
específico da ação’, retirando a parte da processualidade. Assim também como no
caso de um verbo do tipo culminação na forma do progressivo que expressará o
aspecto iterativo.
Além disso, a autora afirma que devemos considerar que o significado
categorial do progressivo está baseado na característica semântica da ‘concretude’ do
fenômeno denominado pelo verbo, e que, ao que parece, a particularidade específica
do progressivo em espanhol é um ‘deslizamento’ da significação de caráter ‘concreto’
até uma significação mais enfática da ‘atualização’ da ação (no sentido amplo) pelo
falante para destacar de forma lógica o fragmento correspondente de oração. Isso se
consegue, segundo a autora, ao acentuar o traço semântico de processualidade nos
verbos que pertencem às classes dos verbos do tipo processo culminado e atividade, 33 “Valentina não a escuta. Tomou o livro da mesinha de cabeceira e o está folheando”; “Se um dia ‘O
Correio’ queimasse, que felicidade; Mario, acredite em mim, o que vocês estão fazendo nesse jornalzinho é trabalho do demônio, confundindo os infelizes e enchendo-lhes a cabeça de pássaros”.
34 “É verdade que estão injetando no galo?”; “Na noite de sua chegada, as estudantes se complicaram de tal modo tendo que ir ao banheiro antes de se deitarem, que a uma hora da madrugada ainda estavam entrando as últimas”.
59
ao dar uma localização adicional aos estativos e ao multiplicar a ação dos do tipo
culminação.
Com o estudo de Górbova (2007), pudemos refletir um pouco mais sobre a
definição do que vem a ser o aspecto primeiro da perífrase “estar” + gerúndio, o
aspecto progressivo. A autora também apresenta a relação dos verbos do tipo estado e
culminação que parecem não ter traços compatíveis com a progressividade, mas que
ainda assim são usados como verbos principais da perífrase “estar” + gerúndio. E que,
além disso, quando estão nesse formato, parecem dar ao evento uma ideia de
repetição, propiciando a expressão do aspecto iterativo. Ainda assim, nesta
dissertação, desconfiamos de afirmações que relacionem apenas o tipo de verbo na
expressão aspectual iterativa, pois estamos seguros do caráter composicional desse
aspecto e acreditamos que outros fatores estão relacionados.
60
CAPÍTULO 4
A EXPRESSÃO ASPECTUAL DA PERÍFRASE “ESTAR” + GERÚNDIO
Neste capítulo, apresentaremos dois trabalhos que servirão de base para o
estudo realizado nesta dissertação. Embora não sejam trabalhos de mesma linha
teórica que este, dão escopo ao tema da variação aspectual expresso pela perífrase
“estar” + gerúndio. Além disso, apresentaremos mais detalhadamente as
características dos aspectos durativo e iterativo.
4.1. ESTUDOS DE REFERÊNCIA
4.1.1. WACHOWICZ (2003)
Uma importante estudiosa dos temas do aspecto e da perífrase “estar” +
gerúndio é Wachowicz (2003). Seguindo a proposta de aspecto de Castilho & Moraes
de Castilho (1994), a autora considera em sua tese que, além do aspecto imperfectivo
na perspectiva qualitativa, a perífrase “estar” + gerúndio (tratada pela autora como
“progressiva”) apresenta variação de leitura aspectual na perspectiva quantitativa
entre os aspectos35 semelfactivo e iterativo, que prefere chamar de episódico, iterativo
e habitual, por considerar mais abrangente e intuitivamente aceitável. Pois, segundo a
autora, na literatura linguística não há uniformidade quanto a essa nomenclatura e, a
partir das análises feitas sobre os dados do progressivo, optou por utilizar essa divisão
tripartida. Segundo Wachowicz (2003:38), os aspectos episódico e iterativo
correspondem a uma e a mais de uma situação, respectivamente, e tem
correspondência com intervalos de tempo determinados. Ao passo que o aspecto
habitual tem correspondência com intervalos de tempo indeterminados, ou seja, a
estrutura temporal da interpretação habitual é indefinida.
Na ilustração dada pela autora, as adaptações (2) a (4) de (1) podem ajudar a
sedimentar essas noções. Ainda sem considerar a atuação contextual, e se
centralizando na denotação do argumento interno, Wachowicz (2003) afirma que
tanto (2) quanto (3) e (4) expressam o aspecto episódico, mas (3) pode ser iterativo, e
(2) e (4) podem ser habituais: 35 A autora chama de valor ou leitura aquilo que aqui consideramos como aspecto.
61
(1) Estou pagando uma fonoaudióloga duas vezes por semana, e tal.
(2) Eu estou pagando uma fonoaudióloga.
(3) Eu estou pagando três fonoaudiólogas.
(4) Eu estou pagando fonoaudiólogas.
Segundo a autora, assumindo que a complexidade desses aspectos recai na
inerente ambiguidade das sentenças, bem como na estruturação de níveis de
interpretação (do VP ao contexto), a autora interpreta (1) como habitual, pois a
modificação adverbial “duas vezes por semana” opera sobre a sentença “Estou
pagando uma fonoaudióloga”, definindo sua face aspectual quantitativa. No entanto,
tomando a estrutura da sentença isoladamente, como em (2), a ambiguidade se refaz:
de um lado, estruturalmente a sentença é episódica porque o NP argumento interno
(NPint) denota um único indivíduo, como se o evento de eu estar pagando uma
fonoaudióloga fosse único; mas, por outro lado, o contexto pode atuar sobre a
sentença e quantificá-la para a leitura habitual, como se “uma fonoaudióloga” fosse
interpretado genericamente, e “eu” tivesse o hábito de “pagar uma fonoaudióloga”
(qualquer).
Em (3), para a autora, a ambiguidade continua, mas com outras condições.
Segundo Wachowicz (2003:39), estruturalmente, a sentença pode apresentar três
situações, que resultam em duas leituras: eu posso estar pagando três fonoaudiólogas
juntas, ou eu posso estar pagando duas juntas e outra separadamente, ou eu posso
estar pagando uma de cada vez. A primeira situação leva ao aspecto episódico, pois só
houve um evento de pagar; as outras duas situações são iterativas, pois há dois ou três
eventos determinados, respectivamente, de pagar. O contexto ainda pode atuar sobre
qualquer uma das leituras, quantificando-as para a habitualidade.
Para a autora, em (4), o raciocínio é quase o mesmo. Estruturalmente, a
sentença tem duas situações: eu posso estar pagando todas as fonoaudiólogas juntas,
resultando no aspecto episódico, ou eu posso estar pagando grupos indeterminados de
fonoaudiólogas ou cada uma das fonoaudiólogas por vez, resultando no aspecto
habitual. Mais uma vez, segundo a autora, o contexto também pode atuar sobre
qualquer um dos aspectos, quantificando-as para a habitualidade.
Quanto ao aspecto permansivo, a autora afirma que o problema não é analisar
a denotação ou não do ponto final, nem tampouco a denotação do número de vezes
em que as situações se repetem. A interpretação aspectual de uma sentença como (5),
62
adaptada de (1), por exemplo, foge a essas possibilidades, restringindo a uma leitura
homogênea e contínua da estrutura temporal, como se a sentença denotasse um estado
de coisas que ‘permanece’ no tempo, num estado de coisas na classificação especial
de ‘permansiva’36:
(5) Eu estou sabendo da fonoaudióloga.
Quer dizer, para a autora, o fato de “eu estar sabendo da fonoaudióloga” não
pode ser distribuído em sub-eventos no tempo. Não há como saber uma vez, depois
deixar de saber e depois saber de novo, numa repetição de situações de saber. Se eu
estou sabendo, esse fato percorre homogeneamente todos os intervalos de tempo do
presente.
Segundo Wachowicz (2003:40), com esses pressupostos notacionais
delineados, pode-se dar continuidade à apresentação das sentenças do VARSUL37, no
que se refere à variação episódico, iterativo, habitual e permansivo, e procurar intuir
melhor sobre os fenômenos aspectuais, para podermos entender do que depende
estruturalmente a expressão de um aspecto. Para tanto, a autora apresenta uma
exposição em função do tipo de estrutura linguística verificada.
Com relação à análise dos valores aspectuais, a autora conclui o seguinte:
1) Segundo à natureza quantitativa do aspecto, os aspectos podem ser episódico,
iterativo ou habitual. Quanto ao aspecto episódico, ele pode aparecer em estruturas
intransitivas com verbos dinâmicos (6), em estruturas transitivas com NP argumento
interno denotando entidade com cardinalidade igual a 1 (7), em estruturas com
advérbios momentâneos ou aspectualizadores episódicos (8), ou na atuação do
contexto (9).
(6) “... hoje tem funcionário que está estudando” (p.42) 36 Adaptando os estudos de Castilho (1967) e Castilho & Moraes de Castilho (1994), Mendes (1999 apud Wachowicz 2003) refere-se a um novo esquema de tipologia aspectual, segundo o qual “os estados de coisas que se estabelecem na predicação podem ser permansivos, operativos ou resultativos”, conforme pode ser visto na Introdução da tese de Wachowicz (2003). A denotação aspectual das sentenças com verbos ‘estáticos’, segundo Mendes (1999 apud Wachowicz 2003), estaria no conjunto dos estados de coisas permansivas. Por outro lado, a denotação das sentenças com valores perfectivo / imperfectivo e episódico / iterativo / habitual estaria no conjunto dos estados de coisas operativas. 37 Projeto de Variação Linguística do Sul do Brasil
63
(7) “Já estou lendo o livro.” (p.45)
(8) “Era dez e pouco, onze da manhã, estava dormindo tranquilo.” (p.52)
(9) “Ela está evoluindo hoje às 14 horas.” (p.55)
2) O aspecto iterativo é, entre eles, o que tem mais restrições. Ele é lido em estruturas
transitivas em que o NP argumento interno denota uma entidade cardinalizada e maior
que 1 (10) ou com modificações adverbiais aspectualizadoras específicas (11).
(10) “O meu avô estava brigando com os três, né?” (p.43)
(11) “Ele está tentando vestibular três vezes.” (p.52)
3) O aspecto habitual parece ser o que tem menos restrições. Ele é lido em estruturas
intransitivas com verbos não só estáticos ou dinâmicos, mas também com verbos que
são lexicalmente iterativos (12). Ele também é lido em estruturas transitivas com NP
argumento interno com quantidade não especificada (13), em estruturas com
modificações adverbiais aspectualizadoras específicas (14) e também na atuação do
contexto (15).
(12) “Você estava panfleteando na cidade industrial.” (p.42)
(13) “Eles estão fazendo dragagem nos ribeirões.” (p.44)
(14) “Sempre está gastando alguma coisa.” (p.53)
(15) “... hoje tem funcionário que está estudando todos os dias.” (p.55)
4) Quanto ao aspecto permansivo, ele independe do tipo de estrutura argumental. Se o
verbo, transitivo ou intransitivo, tem denotação estática, a leitura aspectual parece
ficar reduzida invariavelmente ao aspecto permansivo (16).
(16) “Meu filho está crescendo, sabe?” (p.41)
5) O argumento externo, por não estar temporalmente vinculado ao verbo, não tem
papel na leitura aspectual quantitativa (17).
(17) “Agora, as fábricas estão vendendo hoje com um preço muito alterado.”
(p.46)
64
6) Os advérbios podem atuar recursivamente nos valores aspectuais quantitativos
(18).
(18) “Maria está plantando uma árvore todos os dias durante a semana mês a
mês.” (com a inserção dos advérbios a sentença passa de episódico para habitual, em
seguida volta a ser episódico e logo passa para habitual) (p.53)
7) O contexto é o último nível em que se pode interpretar o aspecto, ora selecionando,
ora quantificando, numa espécie de regra ‘vale tudo’ que ganha restrições diferentes
em estruturas diferentes (19).
(19) “Era dez e pouco, onze da manhã, estava dormindo tranquilo.” (p.56)
Wachowicz (2003) também aplica e estende a teoria de Verkuyl para os dados
do progressivo do PB. Segundo a autora, há como aplicar a teoria à leitura aspectual
durativa (ou imperfectiva), principalmente se considerarmos que a flexão “–ndo” atua
como operador em posição ASPα38, na aspectualidade interna. Mas há também como
extrair da teoria subsídios para a leitura de outros valores. Sua intenção é mostrar que
as informações [±ADDTO] e [±SQA] 39 , na aspectualidade interna, também
contribuem para a leitura episódico, iterativo, habitual e permansivo – pelo menos no
que se refere ao progressivo.
Suas estruturas representacionais, no entanto, divergem das de Verkuyl pelo
fato de a autora estar assumindo em seu trabalho que o sujeito (ou argumento externo)
não tem papel determinante na leitura aspectual. Pois, segundo ela, o argumento
externo não está temporalmente vinculado ao verbo, não possuindo papel na leitura
aspectual quantitativa. Nesta dissertação, entretanto, o argumento externo também
será analisado na composição do aspecto iterativo em sentenças com EG, observando
sua real participação na expressão desse aspecto.
De forma resumida, a hipótese teórica dessa autora é que essas leituras
dependem de um tratamento composicional do aspecto nos termos de Verkuyl (1993).
Para tanto, foi buscar dados no corpus VARSUL e, através de testes de interpretação 38 ASPα (aspecto α) opera sobre a aspectualidade interna e pode explicar fenômenos de morfologia
verbal relacionados ao aspecto. 39 O traço [±ADDTO] (additive) é dos verbos dinâmicos/estáticos; e o traço [±SQA] (specified quantity
of A) é dos NPs com quantidade definida/sem quantidade definida.
65
aspectual, constatou que o primeiro valor aspectual lido é o imperfectivo, sob o
critério qualitativo, e isso seria determinado pela marca morfológica “–ndo” do verbo
principal. E observou também que os aspectos episódico, iterativo e habitual são
dependentes de uma leitura composicional (como, por exemplo, a natureza semântica
do verbo no gerúndio, a natureza semântica do argumento interno e modificações
adverbiais).
Do ponto de vista crítico, o trabalho de Wachowicz (2003) apresenta um
quadro aspectual extenso e com traços muito semelhantes entre eles, tornando a
classificação um pouco confusa e cheia de nuances. Inicialmente, a autora considera
três diferentes aspectos que EG poderá expressar, como o episódico, o iterativo e o
habitual. Mas, ao final, acrescenta ainda o aspecto semelfactivo. Entretanto, nesta
dissertação, levamos em consideração as ideias do Programa Minimalista (1995),
buscando propor um quadro aspectual mais econômico e que possa abarcar melhor as
diferenças aspectuais.
Pensando nos moldes do Programa Minimalista (1995), observamos que os
valores iterativo e habitual possuem o mesmo traço de [+ quantidade], e o que os
diferenciaria para Wachowicz (2003) seria a determinação x indeterminação dessa
quantidade. Segundo a autora, como vimos mais acima, em “pago a três
fonoaudiólogas”, tem-se um evento iterativo, mas em “pago a fonoaudiólogas”, tem-
se um evento habitual. Nas duas sentenças percebemos um evento plural, e não
importa se pago juntamente ou separadamente a cada fonoaudióloga. Com isso,
mesmo que haja uma expressão adverbial quantificada como “duas vezes por
semana”, podemos considerá-los iterativos, pois, de qualquer forma, representará uma
repetição do evento analisado.
Da mesma forma, segundo a autora, os aspectos episódico e semelfactivo, que
se definem por representar uma situação e um estado de coisas que permanece no
tempo, respectivamente, têm o traço de [- quantidade] presente em ambos e que
possivelmente pode ser representado por apenas um desses valores, como o
semelfactivo, por exemplo.
Abaixo descrevemos outro trabalho, também bastante importante dentro dos
estudos sobre o aspecto e a perífrase EG, que, embora tampouco seja de cunho
gerativista, possui uma classificação mais interessante a ser considerada.
66
4.1.2 MENDES (2005)
Na tese de Mendes (2005), se observa o estudo das perífrases “estar” +
gerúndio (EG) e “ter” + particípio (TP) tanto na sincronia (50 entrevistas – NURC/SP
e PEUL/RJ) quanto na diacronia (textos do século XVI ao XIX – Corpus Diacrônico
TychoBrahe).
Com relação ao estudo diacrônico, TP expressava basicamente o aspecto
resultativo40 até o século XVII, firmando-se como “perífrase iterativa” a partir do
final do século XVIII. Por outro lado, a perífrase EG era mais largamente empregada
na composição do que se entende por progressivo: a duração de uma ação ou de um
estado de coisas concomitante à sua enunciação numa frase; o emprego de EG na
composição dos aspectos durativo e iterativo é mais tardio. Segundo o autor, trata-se
de uma evidência diacrônica o fato de que, no decorrer de sua história, ambas as
perífrases acumularam “papéis”, alguns deles específicos (distintos) e outros
funcionalmente idênticos.
No corpus sincrônico, ao controlar quantitativamente as ocorrências das
perífrases, o autor constata que o emprego de TP está se tornando mais restrito, tanto
linguística quanto socialmente, configurando mudança em curso, através do construto
teórico “tempo aparente”. Nesse processo, “estar” + gerúndio se revela como a forma
preferida entre os falantes mais jovens, na expressão daqueles aspectos,
independentemente de fatores linguísticos, tais como a classe semântica do verbo
principal e a presença de adjuntos aspectualizadores nos argumentos verbais.
Quanto aos demais elementos das sentenças em que essas perífrases aparecem,
para Mendes (2005), eles são observados no papel de coadjuvantes, mas também são
tomados como variáveis que podem estar envolvidos na seleção de uma ou de outra
perífrase. Além disso, sua pesquisa, assim como a de Wachowicz (2003), também se
aproxima das considerações de Verkuyl (1993) na medida em que o próprio termo
aspecto é empregado para denominar uma categoria que se atualiza
composicionalmente na sentença. Distintamente, porém, a proposta vendleriana – cuja
importância é minimizada em Verkuyl (1993) – é aqui contextualizada nos termos da
variação: considera-se a hipótese de que certos tipos de verbos podem oferecer
restrição ao emprego de uma ou de outra construção perifrástica. Dito de outro modo, 40 Segundo Castilho (2002 apud Mendes 2005), o aspecto resultativo é um subtipo do aspecto perfectivo, uma vez que ele implica uma predicação acabada.
67
as classes de Vendler (1967) são tomadas pelo autor como um grupo de fatores, e
como tais podem ser quantitativamente controladas, assim como adotamos nesta
dissertação.
O que seu trabalho quer evidenciar é que, dependendo do modo como o
progressivo41 é entendido, certos casos de EG escapam da categoria simbólica a que a
denominação remete. E são justamente esses casos cujo termo não se aplicaria que
mais lhe interessam. Vejam-se os exemplos:
(20) Maria está fritando bolinhos.
(21) O senhor não sabe com quem está falando.
Em seu trabalho, Mendes (2005:34) propõe que a nomenclatura “progressivo”
denomina melhor o aspecto em (21) que em (20). Em (21), considerando que o
interlocutor que pronuncia a sentença é o mesmo referente do pronome quem, a única
interpretação possível é a de que a “conversa” está ocorrendo no momento em que
(21) é enunciada. Já em (20), a sentença não é verdadeira apenas quando “Maria está
fritando bolinhos” no momento em que a sentença é enunciada; em outras palavras, a
sentença em (20) pode ser verdadeira mesmo se “Maria não estiver fritando bolinhos”
naquele exato momento. Ou seja, o termo progressivo pode ser tomado como mais
conveniente em (21) porque de fato descreve uma ação em progresso, em curso.
Assim sendo, para esse autor, os usos de EG que configurem casos de
progressivo, nos termos acima, não são considerados em sua pesquisa e, sobretudo,
não são incluídos na análise quantitativa, pois a perífrase TP não pode ser usada em
seu lugar, como forma alternativa. Já que TP não veicula o progressivo e,
consequentemente, indica que EG e TP não são variantes quando a sentença está no
progressivo. Por outro lado, a imperfectividade permanece inalterada no par “Maria
está fritando bolinhos” e “Maria tem fritado bolinhos”, e o que há em comum entre
elas é o fato de que podem ambas remeter a um intervalo de tempo que não engloba,
necessariamente, o momento da enunciação. A sentença em (20), na verdade, pode ser
considerada ambígua fora de contexto, pois a leitura progressiva também é possível.
Tal leitura é facilitada em (20b).
41 Mendes (2005), assim como Wachowicz (2003), trata a perífrase “estar” + gerúndio como sinônimo
de progressivo, mas também considera como o aspecto default expresso pela perífrase “estar” + gerúndio.
68
(20b) Maria está fritando bolinhos. [Ela não pode te dar atenção agora,
infelizmente]
(20c) [Infelizmente, a Maria perdeu aquele emprego]. [Agora acabou a
moleza]. Maria está fritando bolinhos.
Mais uma vez, para Mendes (2005), a diferença entre (20b) e (20c) é que, na
primeira, o momento da enunciação da sentença está obrigatoriamente incluído no
intervalo de tempo caracterizado pelo progressivo. Distintamente, em (20c) o evento
não tem que estar acontecendo no momento de sua enunciação. Portanto, para a
leitura em (20b), o emprego de TP é bloqueado; mas para a leitura em (20c), TP é
uma forma alternativa. Assim, visando estabelecer uma terminologia que reflita as
distinções observadas, o autor propõe que a leitura em (20c) seja denominada
“durativa”. Ou seja, o autor considera que há dois subtipos de imperfectivo: o
progressivo e o durativo. Esses subtipos não guardam relação com as fases da
operação da ação ou do evento, como na proposta de Castilho (2000), mas sim com o
fato de se o momento da enunciação está ou não englobado pelo intervalo de tempo
que caracteriza a imperfectividade.
Com isso, podemos dizer que o progressivo é contínuo por excelência, mas o
que se chamou de durativo acima, o aspecto imperfectivo cujo intervalo de tempo não
engloba o momento da enunciação da sentença, pode ser efetuado de maneira
contínua ou escalonada. Se o evento é continuamente representado, ele é percebido
como “único”, o que nos remete ao semelfactivo, que também é tratado por
Wachowicz (2003). Distintamente, se há escalonamento no decorrer do tempo, o
evento não é visualizado como único, é antes percebido como um evento que se
repete. Neste caso, o evento é considerado como iterativo.
Segundo Mendes (2005), iterativo e semelfactivo são, portanto, subtipos de
durativo, que, por sua vez, é um subtipo de imperfectivo, na proposta terminológica
desse autor. Castilho (2000) já havia proposto essa relação, indicando que o iterativo
não precisa ser tomado como “um outro aspecto”42, e pode ser entendido como um
modo especial de marcar imperfectividade. No entanto, nos parece controversa a
42 Nas palavras do autor: o aspecto iterativo “representa uma quantificação do imperfectivo e do
perfectivo. Desse ponto de vista, não se trata, a rigor, de ‘um outro aspecto’ e, em consequência, haverá um iterativo imperfectivo e um iterativo perfectivo” (Castilho 2000:32).
69
proposta de uma vertente perfectiva e imperfectiva para o iterativo, já que para um
evento apresentar repetição parece haver a necessidade de um evento observado do
seu interior (imperfectivo) e não sendo observado como um todo, como um evento
completo (perfectivo). Por isso, nesta dissertação, relacionamos o iterativo ao
imperfectivo sim, mas o consideramos como um outro aspecto, pois apenas
compartilharia traços semelhantes com o imperfectivo.
Com base na hipótese de que a variabilidade no emprego de EG e TP pode
apresentar diferenças conforme o aspecto seja este ou aquele, Mendes (2005) optou
por chamar de durativo propriamente os casos semelfactivos, em oposição aos
iterativos. Ou seja, o autor opõe a ideia de um evento único ou singular, versus um
evento múltiplo ou repetido.
Em resumo, o autor observa a possibilidade de EG também expressar o
aspecto iterativo, além do já canônico aspecto progressivo. O que este autor traz de
novidade é a possibilidade dessas duas formas perifrásticas serem variantes na
expressão de uma ou de outra ideia aspectual. Para tanto, ambas precisam estar com o
verbo auxiliar no presente do indicativo.
Além disso, através da análise de entrevistas compartilhadas do Projeto
NURC/SP, Mendes (2005) verifica também que EG se mostrou mais frequente para
expressar o iterativo nos casos em que o sujeito é plural ou há ocorrência de uma
expressão quantificada, como no exemplo dado pelo autor em “Muita gente está
morrendo”. E, no que diz respeito aos adjuntos adverbiais, EG é mais frequente em
sentenças com um adjunto adverbial quantificador, como no exemplo “sei lá, estão
falando muito nisso, viu? Poluição do ar agora é moda mesmo”. Já o tipo semântico
do verbo principal (classificação de Vendler, 1967) não foi selecionado como
relevante, bem como a variável “número do argumento interno”.
Esse estudo utiliza um bom argumento para a aplicabilidade da teoria da
tipologia verbal do Vendler. E, além disso, aproxima as noções de duratividade e
iteratividade por serem co-ocorrentes em sentenças com EG. No entanto, a sua
hipótese de variação entre TP e EG talvez não seja aplicável ao espanhol, já que não
podemos falar categoricamente que EG esteja substituindo “haber” + particípio no
espanhol, pois TP é descrito com uma significação totalmente diferente. Entretanto,
em Maggessy (2012), pude verificar através de teste que há uma flutuação no usos de
EG, TP e “haber” + particípio em contexto iterativo no espanhol, apresentando a
possibilidade dessas expressões verbais serem intercambiáveis. De todas as formas, o
70
modo como Mendes (2005) classifica aspectualmente as sentenças com EG parece
perfeitamente aplicável tanto ao PB quanto ao EM.
Com isso, a partir da leitura dessa tese, a pergunta que podemos nos fazer tem
relação com a divisão de traços dos aspectos durativo e iterativo, já que, para Mendes
e Castilho, o iterativo não precisa ser considerado como um aspecto à parte, mas sim
como um subtipo do aspecto durativo. Quais seriam, então, os traços compartilhados
pelos aspectos durativo e iterativo, que fazem com que este último seja um subtipo do
primeiro? Diante dessa pergunta, assumimos que esses aspectos realmente
compartilham traços entre si. No capítulo de análise dos dados, trataremos mais
especificamente dessa questão.
Para que fique mais claro o que consideramos sobre os aspectos durativo e
iterativo dentro da teoria linguística, resumimos abaixo as ideias centrais que estão em
consonância com a proposta de classificação aspectual adotada nesta dissertação.
4.2. A PROPOSTA ASPECTUAL ADOTADA
Consideramos a categorização de aspecto nos termos de Comrie (1976) como
o que revela a constituição temporal interna da situação descrita. Além disso,
consideramos também que existem apenas dois aspectos básicos na língua, o aspecto
perfectivo, que trata a situação como um todo, e o aspecto imperfectivo, que se refere
essencialmente à estrutura interna de uma situação.
A partir dessa definição de aspecto, preferimos considerar a duratividade e a
iteratividade como aspectos e não como valores aspectuais. Primeiro porque a
fronteira entre as duas nomenclaturas não parece clara. Enquanto para aspecto se tem
uma definição própria e aceita pela teoria linguística, o “valor aspectual” é uma
expressão usada por alguns autores sem qualquer definição. Além disso, a ideia de
“valor aspectual” é inerente a de aspecto. O mesmo ocorre com terminologias como
“noção aspectual” e “leitura aspectual”.
O que parece claro é que a duratividade e a iteratividade não revelam um
valor, uma noção ou uma leitura de uma constituição temporal interna de uma
situação, mas revelam a própria constituição temporal interna. Sendo assim, esses
aspectos se vinculam a um aspecto maior, presente em todas as línguas, que seria o
aspecto imperfectivo.
71
Também entendemos que as definições de duratividade e iteratividade, dadas
por Mendes (2005), satisfazem ao escopo teórico utilizado nesta dissertação. Com
isso, adotamos as seguintes definições:
- Aspecto Durativo - aspecto imperfectivo cujo intervalo de tempo não engloba o
momento da enunciação da sentença. Não podem ser inseridos os adjuntos de
frequência “repetidas vezes/ frequentemente”.
- Aspecto Iterativo - aspecto imperfectivo que representa um evento continuamente
representado com escalonamento no decorrer do tempo. Podem ser inseridos os
adjuntos de frequência “repetidas vezes/ frequentemente”.
- Aspecto Progressivo - aspecto imperfectivo que está em curso no momento da
enunciação.
Abaixo encontraremos de forma mais expandida o que consideramos como
aspecto durativo e aspecto iterativo e apresentaremos importantes considerações que
são feitas acerca desses aspectos dentro da teoria linguística.
4.2.1. O ASPECTO DURATIVO
Muitas vezes, os adjetivos durativo e progressivo são tratados como
sinônimos. No trabalho de referência sobre o aspecto de Comrie (1976), que já foi
apresentado no capítulo 3 desta dissertação, o durativo se divide em progressivo e não
progressivo, e assim como em Mendes (2005), o durativo também é uma subdivisão
do imperfectivo. Para Comrie (1976), o progressivo seria expresso pelo verbo auxiliar
“estar” mais um verbo principal no gerúndio como em “Todas as tardes, quando Vitor
chegava a casa, as crianças estavam brincando no computador” e o não progressivo
por um verbo no imperfeito, mas que dá a mesma ideia de duratividade como em
“Todas as tardes, quando Vitor chegava a casa, as crianças brincavam no
computador”.
Para aquele autor, a progressividade, que é exemplificada com a perífrase
“estar” + gerúndio, como se observa no exemplo acima, não é incompatível com a
habitualidade, ou seja, propõe que essa perífrase pode expressar também o iterativo e
o habitual, o que ampliaria a tendência aspectual canônica de EG de marcar a
72
progressividade. A progressividade, para Comrie, só não seria compatível com a
estatividade, pois afirma que os verbos de estado teriam características incompatíveis
com a noção de progressividade43.
Com isso, nesta dissertação, também propomos que o progressivo seja um
aspecto inserido dentro do aspecto durativo, como um aspecto que representa um
evento que está em curso no momento da enunciação, e que só pode ser representado
pela perífrase EG. Já o durativo, assim como o progressivo, apresenta um traço de [+
contínuo], só que, ao contrário deste, não está em curso no momento da enunciação.
Além disso, o aspecto durativo poderá ser expresso por outras formas verbais, não só
pela perífrase EG. E, conforme afirma Mendes (2005), o aspecto durativo também
seria incompatível com traços de [+ frequência], próprios do aspecto iterativo.
Alguns estudos afirmam que, para a denotação da leitura durativa na
perífrase EG, são essenciais o auxiliar no presente do indicativo juntamente com a
flexão do gerúndio (“-ndo”). Segundo Mattoso Câmara (1979, apud Cavalli 2008),
além de ser uma forma verbal bastante versátil, o presente é o único em que se
assinala uma duração, contínua ou repetida, até o momento presente, apresentando,
assim, indícios da duração. Também para Wachowicz (2005), o presente é o tempo
verbal que tem como característica indicar homogeneidade 44 , duratividade e
atelicidade45, ou seja, marcas de imperfectividade. Dessa forma, optamos por analisar
apenas perífrases de EG que tivessem o auxiliar no presente do indicativo, tempo
verbal que tem como marca principal a duração.
4.2.2 O ASPECTO ITERATIVO
Assim como o durativo e o progressivo são muitas vezes confundidos dentro
da teoria linguística do aspecto, o mesmo ocorre com o iterativo e o habitual. Mas,
Comrie (1976) propõe uma diferença entre esses aspectos. Segundo esse autor, o
aspecto habitual seria junto com o durativo uma subdivisão do aspecto imperfectivo.
43 Embora Comrie (1976) apresente uma teoria aspectual para todas as línguas, quando fala que o progressivo seria incompatível com verbos de estado, está se referindo mais especificamente ao inglês. Embora hoje já se saiba que essa composição é possível tanto no inglês como no português e no espanhol. 44 Para esta autora, a homogeneidade é a propriedade de um evento que não muda de natureza. 45 E a atelicidade provém da noção de não finitude subjacente à descrição de uma situação, como no
exemplo “Julia come peras”.
73
Só que, em seu texto, como já dito nesta dissertação, não fica claro se o aspecto
iterativo seria uma das leituras possíveis do aspecto habitual ou se apenas dividiriam
traços aspectuais comuns, pois afirma que uma sentença pode ser habitual iterativa ou
apenas habitual.
Segundo Comrie (1976), o traço que é comum a todos os habituais, sendo ou
não também iterativos, é a descrição de uma situação a qual é característica de um
período estendido de tempo, estendido no fato de que a situação referida é para ser
vista não como uma propriedade acidental do momento, mas precisamente como um
traço característico de todo o período.
Para esse autor, se uma situação individual pode ser prolongada
indefinidamente no tempo, então ela será apenas habitual, como no exemplo do inglês
dado pelo autor “The temple of Diana used to stand at Ephesus”46. Já em sentenças
como “The policeman used to stand at the corner for two hours each day”47, haverá a
leitura habitual iterativa. Mas se essa situação não puder ser prolongada, então para o
autor a única interpretação razoável envolvida será a iterativa, como em “The old
professor used always to arrive late”48.
Por fim, Comrie (1976) se refere ao aspecto iterativo como aquele que faz
referência a uma pluralidade de ações. E, ao observar os exemplos do inglês acima,
podemos dizer que, para esse autor, um marcador adverbial, como “two hours each
day” ou “always”, é pelo menos um dos fatores propiciadores da leitura aspectual
iterativa.
Embora Comrie (1976) proponha uma teoria aspectual que pode ser aplicada a
todas as línguas, ele volta seus estudos para a língua inglesa. Com relação mais
especificamente à língua portuguesa, repetimos aqui os estudos de Travaglia (2006),
que propõem não haver diferença entre habitualidade e iteratividade no português.
Pois, segundo este autor, não foi encontrado um só exemplo em que houvesse essa
diferença. Em seus estudos, encontrou apenas casos em que a iteração parece
atenuada, menos explícita, como no exemplo (21).
(21) Compro dele faz muito tempo.
46 O templo de Daiane costumava ficar em Ephesus. 47 O policial costumava ficar na esquina todo dia por duas horas. 48 O antigo professor costumava sempre chegar atrasado.
74
Como já tratado no capítulo 3, Travaglia (2006) afirma que se alguém
argumentasse que as frases habituais negativas, como o exemplo (22), pudessem ser
apontadas como casos em que temos o habitual não-iterativo, seria possível contra-
argumentar que essa proposição não teria validade, porque o que ocorre nesses casos é
a negação da iteração habitual, mas não sua ausência. Resta anotar que, para
Travaglia, embora todo habitual seja iterativo, não vale a recíproca, pois abundam as
frases de sentido iterativo que não são habituais.
(22) Nunca leio artigos políticos.
O autor ainda acrescenta que, tendo em vista que as frases de sentido iterativo
habitual apresentam situações de duração descontínua ilimitada, elas também
expressam as chamadas verdades eternas em frases como as dadas pelo autor e
reproduzidas aqui com os números (23) a (25), exatamente como ocorre com as frases
em que a duração é contínua e ilimitada (26) a (28).
(23) Aves se alimentam de vegetais.
(24) As azaléias florescem em maio.
(25) Os ratos roem papel.
(26) A terra gira em torno no Sol.
(27) A mocidade busca a mocidade.
(28) Este cachorro morde.
Segundo o autor, em consequência desse papel do habitual, muitas vezes,
ocorre um problema de análise que consiste na dificuldade de distinguir se há numa
dada frase o aspecto caracterizado pela duração contínua ilimitada ou o aspecto
caracterizado pela duração descontínua ilimitada, já que os dois aparecem em frases
que expressam verdades “eternas” atemporais.
Wachowicz (2003), como vimos anteriormente, corrobora essa afirmação de
Travaglia (2006). Segundo a autora, os valores iterativo e habitual possuem o mesmo
traço de [+ quantidade], e o que os diferenciaria seria a determinação x
indeterminação dessa quantidade. Pois, no exemplo “pago a três fonoaudiólogas” tem-
se um evento iterativo, mas em “pago a fonoaudiólogas” tem-se um evento habitual.
Nas duas sentenças, para Wachowicz (2003), percebemos um evento quantificado, e
75
não importa se pago juntamente ou separadamente a cada fonoaudióloga. Com isso,
mesmo que haja uma expressão adverbial quantificada como “duas vezes por
semana”, podemos considerá-los iterativos, pois de qualquer forma, representará uma
repetição do evento analisado.
Dessa forma, nesta dissertação, aproximaremos os traços de [+ quantidade] e
[+ repetição] dos aspectos habitual e iterativo, considerando aqui que para o português
e o espanhol todo habitual é iterativo, pois como diz Travaglia (2006) um hábito não
deixa de ser uma ação repetida. Ou seja, como os traços desses aspectos são muito
próximos, decidimos reduzir o quadro aspectual e não considerar o aspecto habitual.
Com relação aos diferentes tratamentos que podem ser dados à iteratividade,
Wachowicz (2006) traz um interessante estudo que nos parece bastante coerente.
Segundo a autora, há duas diferentes tendências para a análise da iteratividade. A
primeira trata a iteratividade como um componente contextual, como se a sentença
denotasse um valor episódico e o contexto fosse responsável por quantificá-lo
conforme situações discursivo-pragmáticas específicas. A segunda defende que a
iteratividade é um conjunto de fatores linguísticos distintos e composicionais que vão
desde a quantificação dos sintagmas nominais em posições argumentais, passando
pela flexão verbal, até modificações adverbiais específicas.
Em seu trabalho, Wachowicz (2006) afirma que não pretende desmentir tais
tendências, mas acredita que a sentença não é internamente apenas episódica.
Concorda que a iteratividade é composicional, mas julga que há mais fenômenos
sintáticos e semânticos por trás dessa composicionalidade. A autora afirma também
que morfologia lexical específica do verbo, papel temático e telicidade são alguns dos
fenômenos, além dos apontados pela literatura, que se relacionam à iteratividade. E
vai justificando o porquê de sua afirmação em cada item do seu trabalho, que
resumirei nas linhas abaixo.
Com relação à flexão verbal, Wachowicz (2006) afirma que os sufixos
flexionais dos verbos em PB contribuem para a leitura iterativa, mas não exibem
comportamento homogêneo, quer dizer, algumas flexões são mais fracas e outras são
mais fortes. Para a autora, o presente simples parece ser a forma verbal menos
marcada para o aspecto, haja vista que é empregada no contexto de manchetes de
jornal, onde o contexto discursivo é que determina a leitura. Mas há situações em que
a iteratividade parece depender exclusivamente da flexão verbal. É o caso de
perífrases verbais específicas como as do verbo “ter” + particípio e do “vir” +
76
gerúndio. Só que, segundo a autora, o gerúndio parece marcar mais uma
habitualidade, em que as situações começam, mas não têm um fim, podendo inclusive
se sobrepor, enquanto o particípio parece marcar mais acentuadamente a iteratividade,
em que as situações têm necessariamente um fim. Essa distinção seria marcada pela
terminação “–ndo”, do gerúndio, para a atelicidade e pela terminação “–do”, do
particípio, para a telicidade, o que parece relacionar iteratividade e telicidade.
Com relação também à telicidade, a autora afirma que a telicidade inerente a
alguns verbos é fator também determinante na iteratividade. Para ela, esse traço
lexical de telicidade parece ser comum aos verbos (de classificação vendleriana) do
tipo accomplishment (processo culminado) e achievement (culminação), que denota a
pontualidade na ação através do item lexical do verbo. Ao passo que, para a autora, as
sentenças com verbos de estado e atividade, a iteratividade é neutralizada.
Como dito anteriormente, a iteratividade também parece depender da
morfologia lexical específica do verbo. Segundo Rothstein 2004 (apud Wachowicz
2006), a primeira evidência para essa afirmação é a existência da classe dos verbos
semelfactivos, que lembrando a classificação de Vendler, estaria entre os de atividade,
por serem dinâmicos e atélicos, e os de culminação, por serem instantâneos, ou
melhor, por serem intervalos mínimos de mudança de estado. Outra evidência,
segundo Lemle (2002 apud Wachowicz 2006), seria o comportamento de alguns
sufixos em “–itar” ou “–ejar”, que podem ser essencialmente iterativos, como por
exemplo, os verbos crepitar, tiritar, etc. e pestanejar, apedrejar, praguejar, o que seria
explicado através de uma investigação histórica.
Segundo Wachowicz (2006), a iteratividade também ganha restrições com
papéis temáticos. Pois, se com papel temático de agente, o sujeito pluralizado não tem
relação com a leitura aspectual, há, em contrapartida, situações em que construções
metonímicas do sujeito neutralizam a iteratividade do VP. No exemplo da autora, “O
autor narra trajetória de Antônio Conselheiro e de Carlos Prestes”, o sujeito agente “o
autor” realiza duas ações divididas no tempo: a narração da trajetória de Antônio
Conselheiro e depois a narração da trajetória de Carlos Prestes. Mas quando esse
sujeito metonimiza, como vemos na sentença “Livro narra trajetória de Antônio
Conselheiro e de Carlos Prestes”, o argumento default de “narrar”, nos termos de
Pustejovsky (1995 apud Wachowicz 2006), é selecionado como sujeito, o papel
temático muda e a leitura aspectual também muda.
77
E, finalmente, outro fator relevante para a autora são os advérbios
aspectualizadores, que também podem ser iterativos. Esse fenômeno seria o mais
intuitivo de todos para ela, pois os trabalhos que tratam de advérbios
aspectualizadores costumam, geralmente, apresentar advérbios de repetição. Essa
repetição, porém, pode ser de vários tipos: de iteratividade determinada, de
habitualidade e de frequencialidade.
Em nota de rodapé, a autora chama a atenção para uma possível contradição,
pois trabalhos sobre aspecto se atêm majoritariamente à distinção
perfectivo/imperfectivo, enquanto trabalhos sobre advérbios aspectualizadores atêm-
se à distinção episódico/iterativo. O que seria mais uma evidência para o fato de que a
iteratividade é uma categoria linguística importante com uma particular composição
aspectual.
Com isso, mais uma vez, definimos aqui o iterativo como um aspecto
imperfectivo cujo evento é escalonado, ou seja, que apresenta repetição. Além disso,
serão considerados como fatores relevantes na composicionalidade do aspecto
iterativo o tipo de verbo (atividade, estado, processo culminado e culminação), o tipo
de argumento interno e externo (singular ou plural) e a presença de advérbios de
frequência.
A seguir, apresentaremos a metodologia usada nesta dissertação a partir da
classificação aspectual adotada acima.
78
CAPÍTULO 5
CORPUS E METODOLOGIA
Para realizar a análise do fenômeno linguístico proposto para estudo,
utilizamos corpora orais de fala espontânea compilados nos últimos anos da década
de 90. Analisamos oito entrevistas sociolinguísticas das amostras do espanhol falado
na Cidade do México do Projeto PRESSEA – México, e, para análise da variedade
carioca do português do Brasil (PB), utilizamos oito entrevistas sociolinguísticas do
Projeto NURC-RJ. Os informantes, cujas falas serão analisadas, possuem nível de
escolaridade superior e compreendem a faixa etária jovem (20 a 35 anos), tendo em
vista trabalhos como o de Mendes (2005), que afirma que o uso de “estar” + gerúndio
(EG) em contexto iterativo é mais comum na faixa etária mais jovem da população.
5.1. SOBRE O PRESEEA – MÉXICO
O PRESEEA (Proyecto para el Estudio Sociolinguístico del Español de
España y de América) compreende mais de 39 regiões, tanto na Espanha, como nos
diversos países americanos de língua espanhola. As condições gerais obedecidas pelo
projeto PRESEEA para incluir uma comunidade de fala são basicamente três: que se
trate de um núcleo urbano hispanofalante, que seja formado por uma população que
pelo menos em parte tenha estado assentada de forma tradicional no lugar, e que essa
população apresente certa heterogeneidade sociológica.
Dessa forma, o Projeto PRESEEA considera três variáveis na hora de
construir a amostra: o gênero, a idade e o grau de instrução. Há também informações
sociais adicionais que formam um segundo grupo de variáveis que são a profissão, a
situação econômica, as condições de moradia e o modo de vida. A composição dessa
amostra é formada por três partes: a entrevista ou a conversação semi-dirigida gravada
com o microfone a vista, uma série de provas linguísticas e um questionário no qual
se completam as informações requeridas para a organização das variáveis sociais.
Além disso, as entrevistas se realizam propondo aos informantes módulos temáticos
(saudações, o tempo, lugar onde vive, família e amizade, costumes, perigo de morte,
anedotas importantes na vida, desejo de melhora econômica) que permitem alcançar
diversos tipos de discurso. As entrevistas têm uma duração mínima de 45 minutos e
foram gravadas no âmbito social do informante, como na sua casa, no seu trabalho ou
79
na sua escola. Dessa forma é possível deixar o informante confortável e controlar as
diferentes regiões dos informantes.
Assim, o PRESEEA do México, disponível on-line no site do Projeto
(http://lef.colmex.mx/Sociolinguistica/CSCM/Corpus.htm), abrange o Distrito Federal
e mais onze municípios do México, como mostra o mapa abaixo, sendo de I a XVI a
parte referente ao Distrito Federal e de 1 ao 11 os outros municípios.
Figura 5: A chamada “Zona Pertinente” para o CSCM49
Os materiais gravados se transcrevem seguindo as convenções baseadas no
sistema SGML (Standard Generalizes Markup Language) e as normas internacionais
da TEI (Text Encoding Initiative).
49 Figura retirada da página ix do Volume I do Corpus sociolinguístico de la ciudad de México (CSCM)
– Materiales de PRESEEA – MÉXICO.
80
Nesta dissertação, consideramos três variáveis sociais: sexo, idade e grau de
instrução, a fim de obtermos dados de um grupo coeso e equilibrado. Assim,
selecionamos entrevistas de 4 homens e 4 mulheres, dentro da faixa correspondente a
jovens, que está entre 25 e 30 anos, e o nível superior de ensino completo.
Abaixo encontramos uma tabela com as entrevistas selecionadas e suas
respectivas descrições:
CORPUS PRESEEA – MÉXICO. Informantes de nível superior
Informante Entrevista Sexo Idade Tema da entrevista
1 01 Masculino 25 Experiência de trabalho, arquitetura e construção
2 02 Masculino 25 Perfurações, tatuagens e forma de vida do informante
3 03 Masculino 30 Estudos, amigos e trabalho 4 04 Masculino 26 Educação, amigos estrangeiros,
bolsas para estudo no exterior e projetos futuros
5 07 Feminino 25 Família, gênero, casamento e férias
6 08 Feminino 29 História, costumes e problemas do bairro de Tepito
7 09 Feminino 30 Situação familiar, filhos, casamento e vida acadêmica
8 10 Feminino 30 Vida escolar, experiências profissionais, relações escolares e
viagens
6.2. SOBRE O NURC-RJ
O corpus levantado no país perfaz hoje um total de mais de 1500 horas de
registros magnetofônicos – se consideramos todas as cidades – realizados na década
de 70, mais precisamente concentrados entre os anos de 1972 a 1978. Esse material
representa o desempenho linguístico de falantes de ambos os sexos, nascidos na
cidade do Rio de Janeiro, com escolaridade universitária, distribuídos em três faixas
etárias – de 25 a 35 anos, de 36 a 55 e de 56 anos em diante – gravados em três
situações distintas: 1) aulas e conferências (Elocução formal/EF); 2) diálogos
81
informais (Diálogo entre dois locutores/D2); 3) entrevistas (Diálogo entre informante
e documentador/DID). O Arquivo Sonoro da fala do Rio de Janeiro abrange um total
de 394 entrevistas com 493 informantes, sendo 238 (60,4%) do tipo Diálogo entre
informante e documentador (DID), 99 (29,1%) do tipo Diálogo entre dois informantes
(D2) e 57 (14,4%) de Elocuções formais (EF).
Para esta pesquisa, serão consideradas as entrevistas do tipo Diálogo entre
informante e documentador (DID) da Amostra Complementar da década de 90, de
informantes jovens entre 26 e 33 anos, tanto do sexo feminino quanto do sexo
masculino, que falaram sobre temas que também possibilitaram um diálogo
espontâneo e passível de comparação com os do PRESEEA – México, conforme
representado no quadro abaixo:
CORPUS NURC- RJ. Informantes de nível superior
Informante Entrevista Sexo Idade Tema
1 01 Masculino 32 Instituições, ensino e Igreja
2 02 Masculino 28 Cidade e comércio
3 13 Masculino 31 Vida social e diversões
4 23 Masculino 33 Vida social e diversões
5 03 Feminino 27 Família, ciclo de vida, saúde
6 12 Feminino 27 Cidade e comércio
7 15 Feminino 27 Vida social e diversão
8 25 Feminino 26 Cidade e comércio
O passo seguinte foi analisar esses dados através de ferramentas específicas
para esse tipo de análise e estabelecer os grupos de fatores importantes para a
investigação que aqui se apresenta.
82
5.3. AS FERRAMENTAS DE ANÁLISE
Com relação à análise dos dados, realizamos um levantamento quantitativo
das ocorrências de sentenças com EG tendo o auxiliar no presente do indicativo, tanto
no PB quanto no espanhol do México (EM), e de alguns fatores sintáticos que
circundam cada sentença. Em seguida, realizamos uma análise qualitativa dos
contextos identificados para chegar a um resultado que, de certa forma, mostrasse os
fatores linguísticos que influenciam na interpretação aspectual iterativa de EG.
5.3.1. WORDSMITH TOOLS (VERSÃO 5)
Utilizamos a metodologia da Linguística de Corpus50, através da ferramenta
computacional WordSmith Tools (versão 5.0), desenvolvida por Mike Scott e Oxford
University Press. Esse programa consiste em uma metodologia atual, organizada e
totalmente confiável que facilita a análise quantitativa, pois nos mostra todas as
ocorrências existentes do que estamos pesquisando. Dentre as ferramentas
disponibilizadas pelo software, WordList, Keywords e Concord entre outros
utilitários, a ferramenta Concord foi a de maior relevância para a análise realizada na
pesquisa, pois busca as palavras selecionadas dentro do seu contexto.
5.3.2. GOLDVARB X
Além do WordSmith Tools (versão 5.0), utilizamos o pacote computacional de
regra variável GoldVarb X, que também foi fundamental na análise qualitativa dos
dados selecionados, pois permitiu que pudéssemos observar os fatores envolvidos na
leitura aspectual da sentença. Este programa forneceu a informação estatística através
das frequências absoluta e relativa com relação às sentenças analisadas segundo os
fatores considerados.
No quadro abaixo, podemos observar os códigos utilizados para a análise
50 Linguística de Corpus: área de estudos linguísticos que se ocupa da coleta de grandes quantidades de
dados de fala e escrita autênticas, guardado em formatos digital, para a exploração por meio de programas de computador especializados. (cf. SARDINHA 2007)
83
através do GoldVarb X:
CÓDIGOS PARA ANÁLISE NO GOLDVARB 2001
Número Variáveis Fatores Códigos
1 Dependente Aspecto (Iterativo, Durativo e Progressivo) i, d, p
2 Independente Sexo (masculino, feminino) m, f
3 Independente Tipo de verbo (atividade, estado, processo
culminado e culminação)
a, e, p, c
4 Independente Tipo de argumento interno (singular, plural s, p
5 Independente Expressão adverbial (quantificadores e de
frequência, de duração, negação e
agora/ahorita)51
1, 2, 3, 4
6 Independente Tipo de argumento externo (singular, plural) s, p
7 Independente Língua (português, espanhol) p, e
5.4. O GRUPO DE FATORES
Para realizar tais análises, precisamos estabelecer um grupo de fatores52 que
estaria condicionando à realização de uma ou outra variável. Definimos três variáveis
dependentes: significação aspectual iterativa, durativa e progressiva. Como variável
independente extralinguística, definimos o gênero (masculino e feminino) e a faixa
etária (de 20 a 35 anos). Consideramos como variáveis independentes linguísticas, a
língua (português e espanhol), a conjugação verbal (1ª, 2ª e 3ª), o tempo presente do
indicativo do auxiliar “estar”, o tipo verbal de acordo com a classificação de Vendler
(1957) (atividade, processo culminado, culminação e estado), o tipo dos argumentos
interno e externo (se é plural ou singular) e o tipo de advérbio (de frequência ou de
quantidade).
51 Os fatores da expressão adverbial foram selecionados conforme ia sendo observado na análise das
sentenças. E como o fator expressão adverbial só poderia ter uma letra ou algarismo, foi dado um diferente código para quando a sentença apresentava dois advérbios.
52 No presente trabalho, adotamos a definição de 'grupo de fatores' de Guy & Zilles (2007, p.238): “um grupo de fatores representa uma das variáveis independentes, seja ela linguística ou social, que o pesquisador quer testar como possível influência no comportamento da variável dependente”.
84
CAPÍTULO 6
ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS
Neste capítulo, apresentaremos os dados analisados a partir de uma análise
quantitativa e qualitativa, e seus respectivos resultados, ressaltando as características e
os fatores envolvidos na expressão aspectual durativa e iterativa da perífrase “estar” +
gerúndio na variante do espanhol mexicano e na variante do português brasileiro.
6.1. ANÁLISE QUANTITATIVA
Nas 16 entrevistas analisadas, 8 do Português do Brasil (PB), da cidade do Rio
de Janeiro, e 8 do Espanhol do México (EM), da capital Cidade do México, foram
contabilizadas 170 sentenças com a perífrase “estar” + gerúndio (EG), estando o
auxiliar no presente do indicativo. Embora se tenha encontrado mais sentenças no
corpus do EM (108) do que no do PB (62), não podemos fazer nenhuma afirmação
acerca da frequência de uso de cada população estudada, já que não temos a mesma
quantidade de tempo de interação em cada entrevista.
Dessas 170 sentenças encontradas, 6 delas foram classificadas como
progressivas, 2 do PB e 4 do EM, pois o evento estava em curso no momento da
enunciação; 97 foram classificadas como durativas, pois o intervalo de tempo não
englobava o momento da enunciação e tampouco possibilitava a ideia de frequência; e
67 foram classificadas como iterativas por apresentarem um evento escalonado no
tempo. Devido ao baixo número de sentenças classificadas como progressivas, essas
foram desconsideradas numa segunda análise para que os dados fossem rodados sem
nocautes53 e pudessem informar os pesos relativos54 dos fatores mais relevantes.
Resolvemos também eliminar da análise as sentenças que apresentavam uma
expressão idiomática55 e que poderiam gerar dúvida na sua classificação. Como por
exemplo “estou fugindo do assunto”, “está pintando umas viagens”, “estoy echando
53 Nocaute é um fator que corresponde a uma frequência de 0% ou 100% para um dos valores da
variável dependente e é caracterizado um erro na rodada dos dados. (cf. Guy e Zilles 2007). 54 O peso relativo é o peso de um fator que é calculado pelo GoldVarb e que indica o efeito desse fator
sobre o uso da variante investigada neste conjunto. (cf. Guy e Zilles 2007). 55 Consideramos por expressão idiomática um conjunto de palavras que se caracteriza por não ser
possível identificar seu significado mediante o sentido literal dos termos analisados individualmente.
85
como una carga”, “estoy yendo bien a la chava” e etc. No total foram 11 sentenças
excluídas, 2 do português e 9 do espanhol.
Finalmente, a partir das 153 sentenças analisadas, podemos afirmar que no PB
a significação aspectual iterativa para a perífrase EG foi mais produtiva, pois 53,4%
de suas sentenças foram classificadas como iterativas, frente a 34,7% das sentenças do
EM. Tais resultados, entretanto, não podem ser comparados a outros estudos, pois não
foi encontrado nenhum trabalho que comparasse essas duas línguas com relação à
leitura aspectual em sentenças com EG. Abaixo podemos observar uma tabela com os
valores dessa rodada:
Tabela 1: Ocorrências da variável linguística língua
DURATIVO ITERATIVO
N/Total % N/Total %
PORTUGUÊS 27/58 46,6 31/58 53,4
ESPANHOL 62/95 65,3 33/95 34,7
Totais 89/153 58,2 64/153 41,8
Nesta dissertação, adotamos o quadro aspectual proposto por Mendes (2005),
que já foi detalhado no capítulo 4:56
- Aspecto Durativo: aspecto imperfectivo cujo intervalo de tempo não engloba o
momento da enunciação da sentença. Não podem ser inseridos os adjuntos de
frequência “repetidas vezes/ frequentemente”.
- Aspecto Iterativo: evento continuamente representado com escalonamento no
decorrer do tempo. Podem ser inseridos os adjuntos de frequência “repetidas vezes/
frequentemente”.
Conforme o esperado, a variável extralinguística sexo não foi relevante na
análise que aqui se apresenta. Nesta pesquisa e na de Mendes (2005), este grupo de
56 Conforme visto no capítulo 5 de Metodologia, Mendes (2005) fala também do aspecto progressivo -
aspecto imperfectivo que está em curso no momento da enunciação. Mas, assim como em seu trabalho, resolvemos não analisar as sentenças com o aspecto progressivo devido ao baixo número de ocorrências, que contabilizaram apenas 5, o que prejudicaria a análise pelo GoldVarb por gerar muitos nocautes.
86
fatores não foi selecionado pelo GoldVarb X como relevante em nenhuma das
amostras. Com uma divisão igualitária de 4 homens e 4 mulheres entrevistados em
cada corpus, os dados não sugeriram qualquer diferença no uso de EG e tampouco no
uso específico do aspecto iterativo com essa perífrase. Os resultados do GoldVarb X,
quando analisados os dados do português junto com os do espanhol, foram de 49% de
uso de EG por parte do sexo masculino e de 51% por parte do sexo feminino. E das
64 sentenças que foram classificadas como iterativas, 29 delas foram produzidas por
homens e 35 por mulheres. Quando analisadas separadamente temos os seguintes
valores:
Tabela 2: Ocorrências da variável extralinguística sexo
PORTUGUÊS DURATIVO ITERATIVO
N/Total % N/Total %
FEMININO 11/27 40,7 16/27 59,3
MASCULINO 16/31 51,6 15/31 48,4
Totais 27/58 46,6 31/58 53,4
Tabela 2: Ocorrências da variável extralinguística sexo
ESPANHOL DURATIVO ITERATIVO
N/Total % N/Total %
FEMININO 32/51 62,7 19/51 37,3
MASCULINO 30/44 68,2 14/44 31,8
Totais 62/95 65,3 33/95 34,7
Os resultados do português e do espanhol, separadamente, nos mostram uma
pequena diferença da expressão aspectual de EG e apontam para uma diferente
tendência de uso das populações estudadas. No português, as mulheres apresentaram
um uso superior de EG em contexto iterativo, mas a diferença de uso por parte do
sexo masculino entre durativo e iterativo foi pequena, com apenas 3,2% de diferença.
Por outro lado, os dados demonstraram um uso maior de EG em contexto iterativo por
parte da população carioca estudada. Enquanto no espanhol, ambos os sexos
87
apresentaram mais uso de EG em contexto durativo, o que também já aponta para um
uso de EG que ainda é do tipo mais durativo por parte dessa população estudada da
Cidade do México.
Com relação ao tipo de verbo, selecionamos a proposta quadripartida de
Vendler (1967), da qual tratamos mais detalhadamente no capítulo 2. Esse autor
subdivide os verbos em accomplishments – processos culminados (quando são
inerentemente durativos e télicos) e em activities – atividades (quando são
inerentemente durativos e atélicos). Os verbos que só poderiam ser conjugados na
forma simples são subdivididos em states – estados (inerentemente durativos e
atélicos) e achievements – culminações (inerentemente pontuais e télicos).
Os testes empregados para a classificação de um determinado verbo envolvem
a detecção de um esquema temporal que se define, portanto, pelos traços
[durativo/pontual] e [télico/atélico]; os verbos de estado se destacam ainda pelo traço
[- dinâmico], em oposição a todos os outros. Uma situação é télica se existe um final
inerente à mesma, que deve ser alcançado para que se possa dizer que tal situação
aconteceu (Ex.: Ele faz um esporte). E uma situação é atélica quando não possui um
fim inerente, tem lugar desde o momento que começa e a partir daí pode se prolongar
indefinidamente (Ex.: Ele faz esportes).
A noção de inerência se remete ao fato de que a classificação se dá num nível
lexical, mas o próprio Vendler reconhece que a classificação de um mesmo verbo
pode ser diferente, dependendo de especificidades de outros elementos envolvidos no
predicado, ou seja, no nível da sentença.
Abaixo seguem os traços que estão envolvidos na classificação e análise de
cada tipo de verbo:
- Verbos de estado: [- dinâmico], [- pontual] e [- télico].
Ex.: (P1M3) “Então uma pessoa que tá querendo fazer Eletrônica”
- Verbos de atividade: [+ dinâmico], [- pontual] e [- télico].
Ex.: (P1M2) “Já não quer ir e tá dando aula lá”
- Verbos de processo culminado: [+ dinâmico], [- pontual] e [+ télico].
Ex.: (P2M11) “A sociedade tá aumentando”
- Verbos de culminação: [+ dinâmico], [+ pontual] e [+ télico]
Ex.: (P2M1) “quando eu tô saltando vieram três caras”
88
Os resultados da análise da variável linguística tipo de verbo mostraram que,
no PB, os verbos do tipo atividade e processo culminado são mais usuais com EG,
sendo iterativos em 60,7% e 85,7%, respectivamente, do total. Além disso, possuem
grande relevância na leitura aspectual iterativa, já que 17 sentenças iterativas possuem
verbo principal do tipo atividade e 12 do tipo processo culminado. O tipo de verbo de
estado apresentou apenas 2 de suas ocorrências do total de 14 em contexto iterativo. O
verbo do tipo culminação não apresentou sentenças com leitura iterativa no corpus
estudado. O que pode sugerir a necessidade da dinamicidade e da não pontualidade do
verbo, como traços relevantes, para a expressão aspectual iterativa.
Esses resultados diferem dos encontrados em Mendes (2005) que em seu
trabalho afirmou haver mais ocorrências de sentenças com verbos do tipo processo
culminado e culminação com EG expressando a iteratividade. Segundo o autor, é
possível que o traço [+ télico] comum a estes tipos de verbo seja importante na leitura
aspectual iterativa. Em seu trabalho sobre a iteratividade, Wachowicz (2006) também
afirma que este aspecto é mais comumente usado com verbos do tipo processo
culminado e culminação, só que em seu trabalho a autora não trata da expressão
aspectual da perífrase EG. Para Wachowicz (2006, p.4), esses tipos de verbo parecem
estar mais próximos da iteratividade, pois, segundo a autora, é como se o processo
gradual ou incremental, inerente à leitura dos de processo culminado, pudesse
sobrepor intervalos das respectivas situações.
No EM, das 95 sentenças analisadas, 57 apresentaram verbos do tipo
atividade. Assim, das 33 sentenças consideradas iterativas, 21 apresentaram verbos do
tipo atividade e apenas 6 do tipo processo culminado, 4 do tipo estado e 2 do tipo
culminação. Diferentemente do português, que não apresentou nenhuma ocorrência de
aspecto iterativo em sentenças cujo verbo principal fosse do tipo culminação.
89
Tabela 3: Ocorrências da variável linguística tipo de verbo
PORTUGUÊS DURATIVO ITERATIVO
N/Total % N/Total %
ATIVIDADE 11/28 39,3 17/28 60,7
ESTADO 12/14 85,7 2/14 14,3
PROC. CULM. 2/14 14,3 12/14 85,7
CULMINAÇÃO 2/2 100,0 0/2 0
Totais 27/58 46,6 31/58 53,4
Tabela 3: Ocorrências da variável linguística tipo de verbo
ESPANHOL DURATIVO ITERATIVO
N/Total % N/Total %
ATIVIDADE 36/57 63,2 21/57 36,8
ESTADO 6/10 60,0 4/10 40,0
PROC. CULM. 15/21 71,4 6/21 28,6
CULMINAÇÃO 5/7 71,4 2/7 28,6
Totais 62/95 65,3 33/95 34,7
A variável linguística argumento interno também se revelou um fator
importante na leitura aspectual iterativa. No PB, das 31 sentenças consideradas
iterativas, 15 dos argumentos internos estavam no singular, 10 estavam no plural e 6
não apresentaram argumento interno devido ao verbo principal ser intransitivo. Sendo
que as 10 sentenças que apresentaram argumento interno plural foram consideradas
iterativas. Ou seja, o contexto para a expressão da iteratividade não requer
necessariamente a presença de um complemento pluralizado, mas quando ele está
presente, é mais provável que sua leitura aspectual seja iterativa. Esses resultados são
compatíveis aos encontrados por Mendes (2005) e por Wachowicz (2006), que
também comprovam a estreita relação entre o argumento interno pluralizado e a
expressão aspectual iterativa, já que, segundo os autores, o argumento interno plural
parece proporcionar uma leitura de evento plural, que dá uma ideia de repetição.
90
No EM, das 33 sentenças consideradas iterativas, 16 apresentaram argumento
interno no singular, 14 argumento interno plural e 3 não apresentaram nenhum
argumento. Mas, semelhante ao português, do total de 16 sentenças que apresentaram
argumento interno plural, apenas 2 foram consideradas durativas. O que também
parece sugerir que embora o argumento interno plural não seja essencial para a
expressão aspectual iterativa, quando uma sentença o apresenta, sua leitura aspectual
é provavelmente iterativa.
Tabela 4: Ocorrência da variável linguística argumento interno
PORTUGUÊS DURATIVO ITERATIVO
N/Total % N/Total %
SINGULAR 23/38 60,5 15/38 39,5
PLURAL 0/10 0 10/10 100,0
Totais 23/48 47,9 25/48 52,1
Tabela 4: Ocorrência da variável linguística argumento interno
ESPANHOL DURATIVO ITERATIVO
N/Total % N/Total %
SINGULAR 53/69 76,8 16/69 23,2
PLURAL 2/16 12,5 14/16 87,5
Totais 55/85 64,7 30/85 35,3
O mesmo podemos dizer com relação à variável argumento externo. No PB,
das 31 sentenças iterativas, 14 tinham o sujeito no singular e 17 tinham o sujeito
pluralizado. Mas as sentenças com sujeito plural representam um universo de 54,8%
que expressam iteratividade, frente a 51,9% com sujeito no singular que também
expressam iteratividade. Ou seja, devido a essa pequena diferença há uma grande
probabilidade de que o sujeito pluralizado não favoreça a iteratividade em sentenças
com EG que tenham o sujeito pluralizado. No entanto, nos trabalhos de Mendes
(2005) e Wachowicz (2006) é afirmado que o sujeito plural teria relevância na leitura
aspectual iterativa.
91
No EM, das 33 sentenças consideradas iterativas, apenas 11 apresentaram
sujeito plural, frente a 22 sentenças com sujeito no singular. Mas das 95 sentenças
com EG, apenas 25 apresentaram sujeito plural, sendo 14 classificadas como
durativas e 11 como iterativas. Tanto no caso do PB quanto no do EM, houve uma
quantidade aproximada de sujeito plural expressando duratividade e iteratividade, o
que parece sugerir uma menor relevância dessa variável na expressão aspectual
iterativa.
Tabela 5: Ocorrência da variável linguística argumento externo
PORTUGUÊS DURATIVO ITERATIVO
N/Total % N/Total %
SINGULAR 13/27 48,1 14/27 51,9
PLURAL 14/31 45,2 17/31 54,8
Totais 27/58 46,6 31/58 53,4
Tabela 5: Ocorrência da variável linguística argumento externo
ESPANHOL DURATIVO ITERATIVO
N/Total % N/Total %
SINGULAR 48/70 68,6 22/70 31,4
PLURAL 14/25 56,0 11/25 44,0
Totais 62/95 65,3 33/95 34,7
Assim como a pluralidade do argumento interno, a expressão adverbial
também se mostrou bastante relevante para a leitura aspectual iterativa. Tanto no PB
quanto no EM, todas as sentenças que apresentaram o adjunto adverbial quantificador,
um total de 13 sentenças, 7 no PB e 6 no EM, foram classificadas como iterativas,
gerando inclusive um nocaute nos resultados obtidos pelo GoldVarb X, já que
nenhuma sentença classificada como durativa apresentou qualquer advérbio desse
tipo. Os adjuntos adverbiais de duração tiveram maior relevância na leitura durativa
no PB que no EM. No PB, apenas 1 sentença, das 3 com marcador adverbial durativo,
92
foi considerada iterativa. Enquanto que, no EM, 5 das 13 sentenças foram
consideradas iterativas.
Outra expressão adverbial que é considerada propiciadora de duração é a
negação. Pois, segundo Ilari (2000, apud Mendes 2005), negar a reiteração regular de
uma certa ação não é o mesmo que negar que essa mesma ação tenha acontecido uma
ou outra vez e, além disso, não se chega a excluir que um determinado fato tenha
acontecido afirmando que se repete com alguma regularidade sua não-realização.
Observando os exemplos (A) “não tenho quase lido livros” e (B) “Não tenho lido
livros”, pode-se observar, segundo Mendes (2005), em (A), que "quase" funciona
como um quantificador indefinido que resolve em certa medida a problemática
apontada por Ilari (2000). Portanto, nega-se a reiteração regular da atividade "ler
livros", mas, ao mesmo tempo, "quase" indica que tal atividade seguramente
aconteceu uma ou outra vez, dentro do intervalo de tempo em questão. Já em (B), com
a ausência do quantificador, fica sensivelmente mais difícil afirmar com segurança
que "ler livros" tenha acontecido alguma vez dentro de um certo intervalo de tempo.
Torna-se possível, então, uma interpretação durativa, que pode ser parafraseada
assim: "desde a última vez que eu li um livro, já faz algum tempo". Com isso, na
análise que aqui apresentamos, todas as sentenças com a presença da negação, foram
consideradas durativas, tanto no PB quanto no EM.
Outro advérbio importante para este estudo é o “ahorita” da variedade
mexicana. Embora não tenhamos encontrado nenhum estudo aprofundado sobre as
possíveis interpretações desta expressão adverbial, os dicionários da RAE e
COLMEX dão a possibilidade de correspondência com a expressão por “ahora
mismo” ou “muy recientemente”, o que sugere uma gradação do (+) durativo para o
(+) iterativo. Além disso, essa gradação pode ser perfeitamente observável através das
sentenças analisadas neste presente trabalho. Como se pode ver nos exemplos abaixo:
(4) ahorita está esperando bebé (E10F17)57
(5) ahorita él está dando clases (E10F15)
No exemplo (4), o sujeito do evento realmente está esperando um bebê no no
período em que foi realizada a enunciação, ou seja, o advérbio nesta sentença é (+) 57 Consideramos essa sentença durativa porque nos parece que o evento de esperar um bebê é [+
durativo] e [- pontual], o que exclui a possibilidade de ser considerada progressiva.
93
durativo. Já no exemplo (5), é (+) iterativo, pois pode ser traduzido como
“recentemente” e o verbo principal do tipo atividade com um complemento interno
plural reforça a leitura iterativa da sentença. Dessa forma, na análise que aqui se
apresenta, o advérbio “ahorita” expressou mais duratividade no EM, com 6 das 8
sentenças classificadas como durativas.
No PB, das sentenças encontradas com o advérbio “agora”, algumas foram
desconsideradas da classificação por apresentarem o aspecto progressivo, outras por
estarem em sentenças que representavam expressões idiomáticas e outras por estarem
acompanhadas de um advérbio de negação, que já favorecia uma leitura aspectual
durativa para a sentença. E, por isso, esse advérbio não foi considerado relevante para
o PB como foi para o EM.
Tabela 6: Ocorrências da variável linguística expressão adverbial
PORTUGUÊS DURATIVO ITERATIVO
N/Total % N/Total %
QUANTITATIVO 0/7 0 7/7 100
DURAÇÃO 2/3 66,7 1/3 33,3
NEGAÇÃO 10/10 100,0 0/10 0
AGORA/AHORITA 0/0 0 0/0 0
Totais 12/20 60,0 8/20 40,0
Tabela 6: Ocorrências da variável linguística expressão adverbial
ESPANHOL DURATIVO ITERATIVO
N/Total % N/Total %
QUANTITATIVO 0/6 0 6/6 100
DURAÇÃO 8/13 61,5 5/13 38,5
NEGAÇÃO 9/9 100,0 0/9 0
AGORA/AHORITA 6/8 75,0 2/8 25,0
Totais 23/36 63,9 13/36 36,1
94
Abaixo observamos um quadro mais ilustrativo da análise da expressão
adverbial realizada nesta investigação:
1 – “Quantificadores” (que expressam
quantidade de vezes; frequência) – um
pouco, pra caramba, mais, muitos,
mucho, de todo, siempre, ultimamente,
bien = bastante
“tão deixando elas mais” agressivas [26]
“que está teniendo así como que mucho
éxito” [106]
2 – “Duração” (que expressam
duração, progressão ou localização no
tempo) – há quatro anos e meio, há
muito tempo, hoje em dia, ya58, desde,
apenas, por la mañana
“eu deixei o carro quando eu tô saltando
vieram” [6]
“ah ya la estás haciendo” [103]
3 – negação – não, no, ni, nada “não está atuando que ele poderia atuar” [8]
“no te digo que nada más está inventando”
[115]
4 – ahorita “ahorita estoy lo estoy estudiando y a mí se
me” [72]
/ - não se aplica “Então uma pessoa que tá querendo fazer
Eletrônica” [3]
“estoy haciendo mis trámites para el título”
[83]
De todos os fatores analisados, na rodada binominal (stepping up and stepping
down), realizada no programa GoldVarb X, a rodada de favorecimento (stepping up)
selecionou para o PB os grupos 2 (tipo de verbo), 3 (número do argumento interno) e
4 (expressão adverbial) como favorecedores da leitura aspectual iterativa. No EM, os
grupos favorecedores selecionados foram o 3 (número do argumento interno) e 4
(expressão adverbial).
58 Nesta dissertação, consideramos o “ya” como um marcador adverbial de duração, pois entendemos
que esse dá à sentença uma leitura [+] durativa por manifestar a realização de uma ação simultânea com o momento em que se fala ou seu término anterior ou em um momento imediatamente anterior.
95
Tabela 7: Peso relativo dos fatores mais relevantes para a leitura aspectual
PORTUGUÊS (Run #12) GRUPO 2 a: 0,301 e: 0,908 c: 0,829 p: 0,282
GRUPO 3 s: 0,703 p: 0,049
GRUPO 4 3: 0,603 2: 0,745 1: 0,243 --
Tabela 7: Peso relativo dos fatores mais relevantes para a leitura aspectual
ESPANHOL (Run #9) GRUPO 3 s: 0,670 p: 0,045
GRUPO 4 2: 0,402 4: 0,512 3: 0,915 1: 0,062
A seguir, encontraremos algumas sentenças transcritas que representam os
diferentes fatores que parecem diferenciar a leitura aspectual das sentenças com EG,
para que os números, aqui apresentados, possam fazer mais sentido ao leitor.
6.2. ANÁLISE QUALITATIVA
Os três aspectos que serão apresentados na análise abaixo, o progressivo, o
durativo e o iterativo, estão inseridos no aspecto imperfectivo, já que todos envolvem
um intervalo de tempo que se estende do passado ao presente.
6.2.1. PROGRESSIVO
Embora tenhamos descartado o aspecto progressivo da nossa análise devido ao
número baixo de ocorrências, acreditamos que seja interessante apresentá-lo aqui para
que fique mais claro a nossa consideração do que vem a ser o aspecto progressivo.
Conforme já foi afirmado no capítulo sobre aspecto, o aspecto progressivo se
refere à “duração de uma ação ou de um estado de coisas concomitante à sua
enunciação numa frase” (Mendes 2005:4). Os primeiros trabalhos descritivos sobre
96
EG traziam o progressivo como a única leitura aspectual possível dessa perífrase.
Inclusive, muitos tratavam o progressivo como sinônimo de EG.
Trabalhos como o de Wachowicz (2003), Gonçalves (2003) e Mendes (2005)
já haviam salientado que a leitura aspectual de progressividade não seria a única
leitura aspectual possível de EG. Mas muitos autores ainda afirmam que o progressivo
seria o aspecto mais típico expresso por EG, e o que se pode observar através dos
dados é que ele não é só mais o único aspecto que EG pode expressar como parece ser
também o aspecto que menos está sendo expresso por essa perífrase.
É interessante observar que, nos dados aqui analisados, apenas uma sentença
do português foi classificada como progressiva, o que mais uma vez sugere que EG
está estendendo mais sua significação aspectual no PB que no EM. Com relação aos
fatores considerados mais relevantes na leitura aspectual de progressivo para o PB e
EM, podemos dizer sobre o tipo de verbo que cinco sentenças tiveram o verbo
principal classificado como do tipo atividade e apenas uma, a sentença 3 (E3M9/80),
teve o verbo principal classificado como do tipo processo culminado devido à
telicidade do argumento interno (“la historia”). O fator número do argumento interno
teve a ocorrência de uma sentença no plural (P3F1), e as outras cinco no singular. E a
expressão adverbial teve ocorrência da expressão do fator tipo de quantificador e de
negação, o que na maioria dos dados analisados levava à leitura aspectual iterativa e
durativa, respectivamente.
O que quer dizer que dentre os fatores composicionais da sentença, não houve
nenhum fator que parecesse estar mais relacionado à expressão aspectual progressiva.
O que pode sugerir que esse aspecto esteja mais no âmbito do discurso pragmático do
que no da sintaxe, pois o evento precisa estar relacionado com o momento da
enunciação. Abaixo podemos observar todas as seis sentenças, tanto do PB quanto do
EM, que foram classificadas como progressivas nos corpora analisados.
1 - (P1M1/1) “Por exemplo, outro dia, até um, dar um exemplo, que eu não sei se tô
fugindo um pouco do assunto, mas, por exemplo, outro dia, eu vejo, eu assisto muito
o Jô Soares”.
Nesse exemplo (1) acima, o entrevistado interrompe a sua fala com a
preocupação de estar fugindo do assunto da entrevista, por isso se utiliza da perífrase
“estar” + gerúndio para expressar naquele momento sua preocupação. Dessa forma,
97
mesmo utilizando uma expressão adverbial quantificadora “um pouco”, a sentença é
considerada progressiva.
2 - (P3F1/35) “mas de repente é a falta que elas têm, né, da figura paterna, do pai, de
um homem ali, por exemplo, essas duas que eu tô falando, por um acaso, elas não
têm nenhum irmão, homem, sabe, é só irmã”.
Nesse exemplo (2), o entrevistado faz um comentário sobre a sua própria fala.
Ele utiliza a perífrase EG para dizer sobre quem naquele momento ele estava falando.
Da mesma forma, como o evento descreve algo que ocorre no momento da
enunciação, a sentença é classificada como progressiva.
3 - (E3M9/80) “ya terminé mi carrera// pero eh/ yo terminé t-/ t-/ obtuve mi
certificado// ya te estoy contando toda la historia E: sí/ está bien (risa) I: me puse a
trabajar E: ajá I: y ahorita que tengo tiempo// después ya de/”.
O mesmo se pode dizer desse exemplo (3), em que o informante interrompe
sua fala para dizer que está contando toda a história naquele momento e por isso é
classificada também como progressiva, mesmo tendo uma expressão adverbial “ya”
considerada como durativa.
4 - (E7F17/126) “bien gracias ¿y tú? (risa)/// te presento a P/ I: hola P: hola mucho
gusto// ¿están grabando entonces? E: ¿vas a ocupar el Kay ? P: sí pero E: en cinco
minutos te lo paso”.
Neste exemplo (4), há a interrupção da entrevista por parte de uma terceira
pessoa que entra na sala e pergunta se estão gravando a conversa. É mais um evento
que ocorre no momento da enunciação, caracterizando o aspecto progressivo.
5 - (E8F7/135) “sí/ me platicaba un amigo/ un ex vecino/ que ya no vive aquí// que
una vez/ su tío/ venía a visitarlos/ ¿no?/ el tío era joven/ estamos hablando yo/ qué te
diré/ del cincuenta/ sesenta E: mh I: y ya tenía fama el barrio/ ¿no? E: mh I: entonces
el señor creo”.
98
6 - (E9F5/141) “pues nunca voy a trabajar// nunca voy a estudiar/ si es/ si es lo que/
no quieres”/ un ejemplo no/ [no estoy diciendo que/ que así sea mi pareja] 119 E:
[mh/ mh/ mh/ mh] 120 I: para mí eso sería doblegarme/ pero para mí más que
doblegarme sería”.
No exemplo (5), o entrevistado interrompe sua fala para explicá-la melhor,
dizendo mais ou menos a idade da pessoa que ele considera jovem. O mesmo ocorre
no exemplo (6), o entrevistado também utiliza a perífrase EG para naquele momento
explicar melhor sobre o que está dizendo ou não está dizendo. Assim, consideramos
como progressivas todas as sentenças até aqui exemplificadas, por representarem um
evento que ocorre no momento da enunciação.
6.2.2. DURATIVO
A diferença entre o aspecto progressivo e o durativo, considerada aqui, é dada
por Mendes (2005), que afirma que o primeiro remete à continuidade de uma ação ou
evento no momento da enunciação, enquanto o segundo diz respeito a um evento cuja
continuidade é percebida desde algum momento anterior ao da enunciação.
O advérbio “agora”, quando presente nas sentenças, serve para mostrar que a
distinção entre durativo e progressivo depende de outros elementos. Se eles não
estiverem presentes na sentença, certamente serão recuperáveis no contexto maior. E,
observando os contextos como os exemplificados abaixo em (7) e (8), podemos
perceber que não se inclui o momento exato da enunciação nessas sentenças, por isso
elas não podem ser classificadas como progressivas. Mas observamos que há uma
continuidade que se opõe à intermitência da iteratividade e, por isso, são classificadas
como durativas. O exemplo (7), inclusive, tem a negação que reitera a duratividade
expressa pela sentença, impossibilitando qualquer escalonamento do evento.
7 - (P1M4/4) “minha mãe começou a cobrar: tá vendo, último ano, você tinha que tá
estudando, agora não tá estudando, não sei o que!”.
8 - (E3M11/82) “yo después/ este// del ochenta y cinco me vine a vivir ya a lo que/
donde estoy viviendo ahorita/ [donde] E: [mh] I: estoy radicando que es este/ te digo
que en el pueblo de San Mateo E: mm 1I: ahí en// eh//”.
99
Com relação ao tipo de verbo, temos em (7) o verbo principal “estudar”
classificado como de atividade, por descrever um processo dinâmico. E em (8) temos
o verbo principal “vivir” classificado como do tipo estado, que, diferentemente, é [-
dinâmico] e não representa mudança durante o período de tempo. E com relação ao
fator número do argumento interno, temos em (7) a ausência de argumento interno e
em (8) um verbo intransitivo.
Nos exemplos (9) e (10) abaixo, temos casos de aspecto durativo, pois se
observa que há um alongamento do passado para o presente que é visualizado de
maneira continuada. Além disso, a inserção de um advérbio de frequência como
“várias vezes” não seria possível, pois modificaria o sentido da frase, já que o evento
de “querer fazer eletrônica” e “aprender inglês” repetidas vezes não faria sentido,
como é possível observar em (9a) e (10a).
9 - (P1M3/3) “Então uma pessoa que tá querendo fazer Eletrônica, vai ter Cálculo,
vai ter parte de Desenho, por exemplo, que ele nunca vai usar na vida”.
9a* – Então uma pessoa que tá querendo fazer Eletrônica várias vezes, vai ter
Cálculo, vai ter parte de Desenho....
10 - (E3M8/79) “también te lo comenté hace rato/ estoy aprendiendo inglés E: claro
I: y / pienso irme a Europa// entonces es aprender inglés// y además otro idioma//”.
10a* – también te lo comenté hace rato/ estoy aprendiendo inglés varias veces
O comentário do informante entrevistado, em (9), sobre alguém que pensa em
fazer o curso de Eletrônica, não se refere à quantidade de vezes que se quer fazer este
curso. O evento é contínuo e a tentativa de escaloná-lo com o advérbio de frequência
torna a frase estranha. Já que ter Cálculo ou Desenho no curso de Eletrônica não está
relacionado com o fato de se querer fazer esse curso várias vezes. Além disso, o verbo
principal “querer” em (9) é do tipo estado e o argumento interno “Eletrônica” está no
singular, o que de acordo com trabalhos anteriores como o de Mendes (2005), por
exemplo, são fatores que não propiciam intermitência.
Da mesma forma, em (10a) podemos observar um estranhamento na
quantificação do evento “aprender inglês”, que parece escapar ao que o informante
reiterava já haver dito, o fato de estar aprendendo inglês. O evento é claramente
contínuo e por isso classificado como durativo. O verbo principal “aprender” da
sentença (10) é classificado como do tipo atividade, por ser dinâmico e atélico. E com
100
o argumento interno “inglês” no singular, parece corroborar a caracterização do
aspecto durativo.
Outro fator que parece levar para uma interpretação durativa é o advérbio de
negação. A presença da negação nas sentenças com EG aqui analisadas, conforme já
discutido anteriormente, parece inviabilizar a possibilidade de repetição do evento,
dando a ele um caráter [+ contínuo], logo [+ durativo]. Pois não podemos afirmar que
tal evento tenha acontecido alguma vez, nem ao menos que ele tenha acontecido de
maneira repetitiva para indicar iteratividade. Abaixo podemos observar os exemplos
(11) e (12).
11 - (P12F10/48) “pessoal de lá, o povo muito simpático, super acessível, quer dizer,
quando você vai num esquema desse de competição, você não tá vendo exatamente o
dia-a-dia da cidade, você, realmente tá em contato com pessoas que são, voltadas pro
esporte”.
No exemplo (11) acima, embora tenhamos o substantivo “dia-a-dia”, que
sugere uma repetição do evento de ver com frequência a cidade, a presença da
negação vai contra a repetição, por justamente negar a ocorrência do evento. Além
disso, temos o verbo principal do tipo estado e o argumento interno “o dia-a-dia da
cidade” no singular. Mas o que realmente parece influenciar na leitura aspectual da
sentença é a presença do advérbio de negação, que sugere duratividade.
12 - (E9F12/148) “creo que no/ que es lo más tonto e inmaduro/ ¿no?/ que puedo
hacer/ porque ni estás resolviendo el problema/ y les estás provocando conflictos
emocionales a tus hijos/ si no es que ya están dañados E: claro”.
No exemplo (12) acima, o verbo principal “resolver” é classificado como do
tipo processo culminado por ser dinâmico e télico, e o argumento interno “el
problema” está no singular. A presença da negação “ni”, da mesma forma, nega a
possível repetição do evento “resolver el problema” e dá o caráter de [+ durativo] para
a sentença.
Além do advérbio de negação, os advérbios classificados aqui como de
duração também parecem ser importantes na expressão aspectual durativa. As
sentenças de (13) – (16) exemplificadas abaixo apresentam marcadores adverbiais de
101
duração, ou seja, que expressam duração, progressão ou localização no tempo. Essas
sentenças são classificadas como durativas, pois a progressão do passado para o
presente se dá de maneira contínua e não escalonada.
13 - (P3F2/36) “Depende, entendeu, porque eu tô namorando há quatro anos e meio,
e aí fica meio dependente de namorado, meu namorado, é super caseiro, não é de sair
muito”.
14 – (P3F3/37) “Eu acho que, eu acho que existe, cobrança, por exemplo, cobram, se
você tá namorando há muito tempo, cobram, que você tem que casar, aí depois que
você casa, cobram os filhos,...”
Nos exemplos (13) e (14), o verbo principal “namorar” é classificado como do
tipo atividade, por ser dinâmico e atélico. Com relação ao argumento interno, ambos
não apresentam complemento por apresentarem o verbo “namorar” na sua forma
intransitiva. A expressão adverbial presente em (13), “há quatro anos e meio”, é
durativa com um tempo específico, o que parece bloquear a ideia de escalonamento
do evento de namorar, assim como a expressão adverbial “há muito tempo”, que
também parece impedir uma interpretação iterativa.
15 – (E7F4/113) “y ahora a los veinte años/ apenas estás empezando a I: tu vida
[pues va empezando a funcionar]”
No exemplo (15), o verbo principal “empezar” é classificado como do tipo
culminação por ser dinâmico e télico. Seu argumento interno “a tu vida” está no
singular. E a expressão adverbial “apenas” expressa um momento um pouco anterior
ao acontecimento do evento, dando uma ideia de continuidade e não de intermitência,
sendo, por isso, classificado como durativo.
16 - (E1M5/67) “la propuesta del estructurista/ [tienen que confrontar] E: [pero
mientras ustedes] ya están cuantificando/ ¿no? I: sí/ [o sea que se/ se puede
modificar] E: [o sea/ que sí es difícil] ¡útale!”.
No exemplo (16), o verbo principal “cuantificar” é classificado como do tipo
processo culminado por ser dinâmico e télico. Seu argumento interno deslocado “la
102
propuesta del estructurista” está no singular. A expressão adverbial “ya” manifesta um
momento imediatamente anterior ao evento de “cuantificar”, e também é considerado
durativo por não representar uma repetição do evento que sugerisse iteratividade.
6.2.3. ITERATIVO
A principal diferença que se pode observar entre o durativo e o iterativo é que
o durativo pressupõe continuidade e que o iterativo pressupõe escalonamento no
tempo. A hipótese apresentada em Mendes (2005) é que o número do sujeito e do
argumento interno do verbo têm papel decisivo na composição do aspecto iterativo.
Esta hipótese não é confirmada nesta dissertação, pois o número do sujeito não é
selecionado como relevante na rodada de favorecimento do GoldVarb X.
No entanto, nos exemplos abaixo, podemos observar a relação da pluralidade
dos argumentos com a ideia de repetição do evento.
17 - (P2M15/20) “de, digamos né, a gente vai ter esse ano aqui isso Rio-92. Tudo bem
que, todos esses projetos, obras, né, melhorias, cê vê, estão asfaltando, "n" ruas do
Rio, principalmente as de acesso à Barra da Tijuca, né. A Tijuca tá sendo beneficiada
por aí”.
18 - (E10F20/170) “algo/ o// se me va a morir aquí”// o sea/ ¿qué onda?/ y ¡no!/ o sea
te enseñan ellos// “debes de leer su diagnóstico/ debes de leer qué medicamentos
están tomando/ investígate// para qué son esos medicamentos/ si tienes alguna duda/
me pr-/ me/ preguntas”/ esta persona que conocí yo// este”.
19 - (E3M26/97) “como cosas de seguridad para// un drive 105 E: mh I: pads/ este/
joysticks / juegos/ mouse E: mh I: todo ese tipo de cosas ya/ se están introduciendo/
est- esta empresa maneja/ varias marcas E: mh I: te voy a mencionar algunas/ como
son Kensington//”.
20 - (P2M4/9) “pra inglês ver mas, é melhor, dessa forma né. DOC. - Ao menos dessa
forma a gente vê alguma coisa né. LOC. - É, nossa, é, e a gente tá vendo coisas que,
tava há séculos né, parado, coisas que tavam paradas, né, eu acho que tem que
mobilizar essas pessoas”.
Nos exemplos (17) e (18), os verbos principais “asfaltar” e “tomar” foram
classificados como do tipo atividade, devido à presença de dinamicidade e atelicidade.
103
Conforme dito anteriormente, os argumentos internos são pluralizados, assim como os
argumentos externos. Essa combinação é o que parece sugerir uma repetição do
evento.
Em (19), o verbo principal é considerado como do tipo culminação, e mesmo
aparentemente sendo um dos tipos de verbo que menos suscita a iteração, com a
presença do argumento externo plural, o evento se torna escalonado, sendo, por isso,
considerado iterativo. O mesmo ocorre com a sentença (20), cujo verbo principal é
considerado do tipo estado.
Com relação mais especificamente ao argumento interno, podemos dizer que
em (20), o evento “a gente tá vendo coisas” se refere a coisas que estavam paradas,
mas que agora estão em andamento, parecendo remeter a uma frequência do evento
devido à generalização dada aos argumentos, pois não os especifica. Ao não os
especificar, temos a ideia de que há uma repetição no ato de ver essas coisas se
modificarem. Do mesmo modo, em (17) e (19), os eventos “estão asfaltando ‘n’ ruas
do Rio” e “todo ese tipo de cosas ya se están introduciendo” apresentam a não
especificidade dos argumentos, o que parece estar relacionado com a iteratividade. Já
na sentença (18), o sujeito “ellos” de “están” se refere a um grupo de pessoas
determinado, enquanto que o argumento interno “medicamentos” está generalizado.
Mas, igualmente, essa combinação dos argumentos plurais parece sugerir um evento
intermitente, que é classificado como iterativo.
No exemplo (21) abaixo, temos uma sentença com o advérbio “ahora” que
parece ter um caráter [+ iterativo], podendo ser comparado à expressão “nos últimos
tempos”. Pois, neste exemplo, o advérbio “ahora” não se refere ao momento da
enunciação, mas a um evento que aconteceu recentemente, nos últimos tempos. Com
isso, podemos classificar essa sentença como iterativa pela frequência suscitada com o
advérbio “ahorita”.
21 - (E3M1/72) “E: ya cuando uno está grande/ como que te cuesta un chorro de
trabajo I: me creerás que ultim-/ ahorita estoy es-/ lo estoy estudiando// y / a mí se
me hace padre E: sí/ ¿sí te gustó? I: sí/ me lo/ lo bueno es eso/ que me gusta/ que no/
no me lo estoy echando”.
Selecionamos os exemplos de (22) – (24), porque apresentam marcadores
adverbiais de duração que parecem influenciar na leitura iterativa, juntamente com os
104
outros fatores da sentença. Estas ocorrências refutam a hipótese de Mendes (2005) de
que apenas marcadores de frequência ou de quantificação poderiam proporcionar uma
leitura aspectual iterativa. Observe os exemplos abaixo:
22 – (P3F5/38) “tem uma, vamos supor, o pessoal que tá na, as minhas amigas que,
achavam ridículo igreja, véu e grinalda, hoje em dia, elas tão casando de véu e
grinalda, bonitinhas e tal, e de repente, de repente pessoas que achavam legal, hoje em
dia não acham”.
No exemplo (22), embora haja um marcador de duração como o “hoje em
dia”, a pluralidade do argumento externo parece dar um sentido [+ iterativo] ao
evento, pois remete a uma frequência no fato de as amigas da informante estarem
casando de véu e grinalda. Pois parece ser frequente que as meninas de hoje, que
antigamente “achavam ridículo igreja, véu e grinalda”, agora queiram casar dessa
forma. E isso abrange não só as amigas da informante, como um maior grupo de
meninas que pensem dessa forma. Assim, podemos classificar a sentença como a que
expressa o aspecto iterativo.
23 – (E3M5/76) “tres o cuatro años// para que tú aprendas un idioma// igual te va a
llevar tres/ o cuatro años E: ¡sí!/ pero si te digo que lo estoy estudiando desde/ que
tengo/ cinco años I: o sea/ tú te sientes/ así E: sí I: con buenas bases para E: sí// sí y
además pues //”.
No exemplo (23), a expressão adverbial “desde que tengo cinco años”, embora
considerada durativa, é a que parece dar o caráter iterativo ao evento. Pois remete a
uma repetição ao evento de estudar, que acontece com frequência desde essa época.
Por isso, mesmo com o sujeito “yo” de “estoy”, que é uma forma no singular, a
percepção de evento escalonado se mantém. O mesmo se pode dizer do exemplo
abaixo (24), cuja expressão “desde primaria” também sugere uma frequência do ato
de dar aulas de inglês, que tem sua classificação iterativa reforçada com a pluralidade
dos argumentos externo e interno.
24 - (E3M24/95) “por la calle y ves anuncios en inglés/ y películas en inglés y// todo
está en inglés/ y además ya te familiarizas más/ y si desde primaria/ kínder/ te están
105
dando clases de inglés/ pues así como que no// dices/ “bueno/ si voy a Estados
Unidos/ seguramente/ en un ratito ya/ empiezo a hablar”.
Também no exemplo (25) abaixo, repetido do exemplo (20), encontramos um
marcador de duração que é o “ya”, que expressa um momento imediatamente anterior
ao ato de “introducir”, como é o caso. Embora esse advérbio pareça apresentar um
traço [+ contínuo], o fato dos argumentos dessa sentença darem uma ideia de
pluralidade favorece a percepção de repetição e possibilita que a sentença seja
classificada como iterativa.
25 – (E3M26/97) “como cosas de seguridad para// un drive 105 E: mh I: pads/ este/
joysticks / juegos/ mouse E: mh I: todo ese tipo de cosas ya/ se están introduciendo/
est- esta empresa maneja/ varias marcas E: mh I: te voy a mencionar algunas/ como
son Kensington//”.
Já os exemplos que selecionamos abaixo, de (26) – (31), foram agrupados por
apresentarem marcadores de quantificação, que, segundo Mendes (2005), influenciam
na leitura aspectual iterativa, por darem uma ideia de repetição ao evento. Observe os
exemplos abaixo:
26 - (P12F3/41) “tem cara de, que, aqui no Rio a maioria das pessoas mora em
prédios né, São Paulo, geralmente o pessoal mora em casa, ah, tá mudando um
pouco, mas, é, São Paulo é uma cidade mais, esparramada, assim, o Rio de Janeiro, o
Rio de Janeiro tem mar de”.
No exemplo (26), classificamos o verbo principal “mudar” como do tipo
processo culminado por representar a finalização do processo com uma mudança de
estado. O argumento interno implícito “a situação” está no singular, pois
consideramos que o fato de que no Rio as pessoas moram mais em apartamento e em
São Paulo moram mais em casa seja uma situação em mudança. A expressão
adverbial “um pouco” designa que a mudança ocorra pouco frequentemente, mas que
mesmo assim há alguma frequência. Por isso, a sentença pode ser classificada como
iterativa.
106
27 - (P12F7/45) “às vezes em lojas assim. Aí tem aquela competição né, de loja: Ah
essa loja tá vendendo mais do que a gente, essa outra tá vendendo mais, e uma amiga
minha trabalhava numa loja, acho que do Rio Sul, ou no shopping, sei lá, um
shopping da Barra,”.
No exemplo (27), classificamos o verbo principal “vender” como do tipo
atividade, por sua dinamicidade e atelicidade. O argumento interno implícito “coisas”
está no plural, pois na entrevista não há nenhuma fala que especifique o que se venda
nessas lojas. O informante entrevistado fala apenas de forma generalizada que uma
loja está vendendo mais que a outra. Dessa forma, a expressão adverbial “mais”
quantifica o evento e dá uma ideia de repetição do ato de vender, sugerindo não só
uma comparação entre as lojas, como também uma frequência nas vendas.
28 - (E10F7/157) “so no// (carraspeo) no me quejo mucho digamos/ ahorita sí/ la
ciudad es un/ des-/ tremendo despapaye// el trafico/ está horrible/ ahorita ya estoy/ me
estoy soltando más para manejar// pero nada más de ver/ ¡ay!/ cada loco que te
encuentras/ y es que te digo/ no// me da más pánico el manejar/ y digo”.
No exemplo (28), consideramos o verbo principal “soltar” como do tipo
culminação e o argumento interno “me” está no singular. O advérbio “más” de
comparação, como no exemplo (27), também quantifica o evento e possibilita uma
ideia de frequência do ato de se soltar, como se o informante sempre tivesse tentado
se soltar mas só agora está realmente se soltando. Há uma comparação do presente
com o passado. Assim, como em (27), a leitura aspectual é iterativa.
29 - (E8F1/129) “yo no// no me acerco ahí porque E: [ni de día] I: [no]/ no/ ni de
día/// y mira/ yo creo que es algo así/ es un fenómeno o algo así/ que se está viendo
últimamente porque/ antes sí// sí siempre ha sido peligroso el barrio/ pero como que
había más respeto”.
No exemplo (29), classificamos o verbo principal “ver” como do tipo estado e
seu argumento interno “un fenómeno” está no singular. E é a expressão adverbial
“ultimamente” que parece dar o caráter aspectual iterativo da sentença, como também
vimos nos exemplos anteriores. Pois, da mesma forma, essa expressão quantifica o
evento, ressaltando sua frequência.
107
30 - (E7F19/128) “E: ah/ que casi nunca te casas con el hombre de tu vida I: ella dice
eso E: (clic) yo creo que sí/ ¿eh? I: ¿mh? E: siempre/ siempre estamos buscando que
tuviera esto/ aquello/ que fuera así I: por eso pero que no siempre/ que a veces te
casas con otra persona//”.
No exemplo (30), classificamos o verbo principal “buscar” como do tipo
atividade e observamos que seu argumento interno “esto” está no singular. A
expressão adverbial que o acompanha é a canonicamente considerada como de
frequência, que é o advérbio “siempre”, que possibilita a leitura aspectual iterativa da
sentença.
No exemplo (31) abaixo, o verbo principal “enseñar” também é aqui
classificado como do tipo atividade. O argumento interno “todo”, embora esteja no
singular, quantifica o evento de ensinar. O que nos mostra que não é apenas a
expressão adverbial que pode quantificar o evento, os argumentos e o tipo de verbo
também podem evidenciar que o evento ocorre em um número “plural” de vezes.
31 - (E2M2/69) “o que eran los dos I: aquí va a estar uno/ y en el otro va a estar en el
otro E: ya ya I: [sí más que nada/ ¿no?] E: [entonces] le estás enseñando todo a/ [a
tu cuate] I: [ajá]// sí/ pues he enseñado a varios// a perforar E: ¿es de tu edad/ o más
chico? I: no es”.
Embora já tenhamos afirmado que houve ocorrência de todos os tipos de verbo
tanto com o aspecto durativo quanto com o aspecto iterativo, percebemos que os do
tipo atividade e processo culminado foram os mais usados com ambos os aspectos,
sendo, por isso, considerados relevantes na leitura aspectual da sentença pelo
programa estatístico GoldVarb X. A diferença entre os verbos do tipo atividade e os
do tipo processo culminado, segundo Vendler (1976), está apenas na telicidade do
argumento, pois ambos possuem o traço de [+ dinâmico] e [+ durativo]. Como não
houve muita diferença no uso de um ou de outro para expressar o aspecto iterativo,
não podemos afirmar que a telicidade seja um fator relevante, nem ao menos a
dinamicidade, pois tampouco houve muita diferença na expressão do aspecto
durativo. Ainda assim, o tipo de verbo é considerado bastante relevante na leitura
108
aspectual iterativa, conforme já foi percebido por Mendes (2005) e Wachowicz
(2006).
Mas a partir dos dados analisados nesta dissertação, podemos observar que os
fatores número do argumento interno e presença de advérbios quantificadores
parecem ser mais importantes para a leitura iterativa. E que existem alguns verbos,
que independentemente da classificação que possuam dentro do quadro de Vendler,
suscitam uma repetição intrínseca a sua semântica. Observe os exemplos abaixo:
32 - (P2M21/27) “de como, estar dentro dessas situações, de aglomeração. Eu acho
que isso é inevitável. A sociedade tá aumentando, as pessoas tão aumentando em
número, o espaço físico é o mesmo, mas isso em vez de, socializar mais as pessoas
pelo contrário, tão”.
No exemplo (32), o verbo principal é aqui caracterizado como do tipo
“processo culminado” e o argumento externo “pessoas” está no plural. A partir desses
dois fatores já teríamos indícios para a leitura aspectual iterativa. Além disso, o
próprio verbo “aumentar” nos dá uma ideia de evento escalonado, pois pode haver
variação nesse aumento, envolvendo dinamicidade e processo.
33 - (P1M2/2) “vem no esquema de, ele é o degredado, tá, sei lá, pê da vida ... né, e
vem. DOC. - ( ininteligível ) LOC. - Já não quer ir e tá dando aula lá, entendeu, como
se desse por favor, então era assim. Em Matemática também, o Instituto de
Matemática manda”.
No exemplo (33), o verbo principal “dar” é aqui classificado como do tipo
atividade e seu argumento interno “aula” está no singular, assim como o argumento
externo “ele”. Embora esses fatores não sejam determinantes do aspecto iterativo, o
contexto pragmático nos diz que o evento de “dar aula” em algum lugar, ainda mais
com o uso da perífrase no gerúndio, sugere uma repetição. Pois, se um professor dá
aula em um curso ou colégio, ele dá aula periodicamente, frequentemente. Dessa
forma, este evento pode ser caracterizado como aspecto iterativo.
E, como dissemos acima, há verbos que parecem suscitar iteratividade sem
necessitar de qualquer outro fator como pluralidade do argumento ou presença de
advérbio quantificador. O próprio verbo “tentar” no exemplo (34) abaixo é de
109
natureza repetitiva, pois o ato de tentar envolve mais de uma atitude sobre o evento.
Assim como o verbo “buscar” do exemplo (35), que também envolve uma frequência,
pois quando se busca algo, há uma ideia de ato repetitivo. E o mesmo se pode dizer do
verbo “reconquistar” no exemplo (36), cujo próprio prefixo “re” sugere a repetição do
evento. Com isso, essas sentenças são classificadas como expressões do aspecto
iterativo pela própria natureza semântica do verbo.
34 - (P25F2/51) “mas eu acho que ::... éh::... eu sei que::... noventa por cento... é
contra o que eu digo mas eu acho que ::ele é um cara que tá tentando entendeu?...
e:::... eu acho que:: dentro de alguns anos a gente vai ver o resultado... de que:: vai
ter... vai”.
35 - (E7F8/117) “santos que eso no lo conté/ ¿eh? 413 I: quién sabe cómo/ cómo pasó
ahí E: ¿qué te dijo? I: creo que ella también busca departamento E: sí/ está buscando
depa// ¡ay! ¿que tú no le contaste a H? I: no E: sí/ que le dijiste que ya no te ib-/ que te
ibas a esperar hasta después”.
36 - (E4M11/108) “les enseñe a sus hijos/ [y este] 114 E: [ándale] I: aparte que
convivan con los latinos porque ahorita sí hay/ mucho/ mucho español E: sí los
estamos/ reconquistando I: sí/ mucho español por todos lados E: [sí] I: [pues sí]/
[pero sí saben] E: [sí hay un buen]//”.
Finalmente, neste capítulo de análise, confirmamos, primeiramente, que a
variável extralinguística sexo não é relevante na leitura do aspecto iterativo. Além
disso, diferentemente da hipótese de Mendes (2005) e de Wachowicz (2006),
verificamos que o tipo de verbo atividade, e não o tipo culminação, é mais usual com
EG na expressão da iteratividade junto com o tipo do processo culminado no PB. E,
concordamos que a variável linguística argumento interno juntamente com a
expressão adverbial do tipo quantificadora são realmente relevantes na composição do
aspecto iterativo. Enquanto que a variável linguística argumento externo, que
esperávamos ser também essencial nessa composição, não foi selecionada como
importante na análise através dos pesos relativos feita pela ferramenta computacional
GoldVarb X. Assim como a variável linguística tipo de verbo, que foi selecionada
como relevante apenas dentro dos dados do PB.
Pudemos perceber também que a leitura aspectual iterativa do EG parece ser
mais produtiva no PB que no EM, que ainda apresenta uma maior quantidade de
110
sentenças com EG com leituras durativas. Mas é interessante notar a baixa quantidade
de sentenças progressivas em ambos os corpora, pois o aspecto progressivo ainda é
considerado pelos linguistas como o que é expresso canonicamente pela perífrase EG.
Observamos também que, em muitos casos, é difícil estabelecer uma diferença clara
entre iteratividade e duratividade. Embora tenhamos claro que o durativo pressupõe
continuidade e que o iterativo pressupõe escalonamento no tempo, parece haver uma
fronteira bastante tênue entre os traços desses aspectos. Segundo a teoria de Verkuyl
(1993), a grande diferença aspectual, de um modo geral, é aquela existente entre
eventos terminativos e durativos. Dessa forma, se um mesmo evento se repete com o
decorrer do tempo, podemos interpretar o aspecto como sendo iterativo (se
focalizarmos as repetidas vezes em que o evento se dá) ou como durativo (se a
distância temporal entre cada uma das vezes em que se dá o evento forem
menosprezadas).
Tal fato nos leva a crer na possibilidade de haver traços semelhantes entre
esses dois aspectos que são compartilhados, a princípio, em sentenças com EG. Na
próxima seção, observaremos os traços relacionados aos aspectos aqui tratados.
6.3. ANÁLISE SEGUNDO A PERSPECTIVA DA GRAMÁTICA GERATIVA
As análises que fizemos até aqui não contradizem de nenhuma forma os
estudos da Gramática Gerativa. Mas nesta seção, pretendemos dar mais atenção aos
traços que parecem estar envolvidos na expressão aspectual durativa e iterativa da
perífrase “estar” + gerúndio (EG).
Como já sabemos, o quadro teórico que adotamos nesta dissertação é a versão
mais nova da Teoria Gerativa, o Programa Minimalista (PM). Nesse quadro teórico,
dá-se grande importância à questão dos traços, pois cada traço projetaria um nódulo
na árvore e isso teria consequência direta na hierarquia ou sequência das categorias
funcionais. Segundo Pollard & Sag (1987, apud Parrini 2011), “uma estrutura de
traços é apenas um objeto informativo que descreve ou representa uma outra coisa
através da especificação de valores para vários atributos da coisa descrita, (...) a
estrutura de traços fornece uma informação parcial sobre a coisa descrita”.
Para que entendamos melhor, Adger & Svenonius (2009, apud Parrini 2011)
fazem uma interessante analogia entre traços linguísticos e as propriedades dos
111
átomos. Segundo esses autores, os traços seriam como as propriedades sintáticas dos
átomos. Um traço de [plural], por exemplo, de acordo com eles, é usado de forma
análoga ao uso do H pelos químicos para o hidrogênio. E a propriedade que os traços
apresentam, para os autores, faz com que esses possam se relacionar com outros
traços. Por analogia, as propriedades dos átomos também são tais, que podem se
relacionar da mesma forma com outros átomos.
Como já vimos no capítulo 1, para o PM há dois tipos de traços lexicais:
aqueles que recebem interpretação apenas na interface fonológica (se começa por
consoante ou vogal) e aqueles que recebem interpretação somente na interface
semântica (se é roupa, alimento e etc.). Há também os traços formais, que são
acessados no decorrer da computação, como por exemplo, [±Passado] e [±Plural].
Dentro do grupo de traços formais, alguns são intrínsecos, estritamente determinados
por propriedades enumeradas na entrada lexical. Outros são opcionais, acrescentados
no momento em que o item lexical entra na computação. Sendo assim, um traço
formal pode ser forte ou fraco. Caso seja forte, esse traço desencadeia uma operação
visível, ou seja, uma operação antes de Spell-out59 para que seus traços sejam
eliminados através da sua verificação antes que uma estrutura maior seja formada.
Caso contrário, a derivação fracassa nas interfaces. Por isso, se diz que a propriedade
de força de um traço seria um dos elementos de variação linguística.
Dentro dos moldes do PM, adotamos nesta dissertação o princípio da
universalidade dos traços, no qual se advoga que todas as línguas possuem os mesmos
traços e os falantes têm acesso a todos eles. A partir deste princípio, Novaes & Sebold
(2008) analisaram a transferência do traço universal do aspecto perfeito. E verificaram
que os falantes do PB e do espanhol, a partir de uma tarefa de versão de um texto
escrito de natureza informal contendo a perífrase “estar” + gerúndio (EG), usaram a
mesma perífrase em espanhol no momento de versão. Os informantes não
distinguiram a diferença aspectual em que estava contextualizada a perífrase. Não
houve diferença para o informante se EG estava em contexto do aspecto iterativo ou
do aspecto durativo. Podemos concluir que esses aspectos possuem traços muito
semelhantes, além de serem universais, estando presentes, por exemplo, tanto no
português quanto no espanhol.
59 Spell-out é o ponto da computação em que a estrutura formada entra para o componente fonético.
112
Outro trabalho, do qual também participei, e que nos leva a uma semelhante
conclusão, é o de Sebold (2010). Nesse trabalho, analisamos dois corpora orais. Um
composto por seis entrevistas transcritas do NURC-RJ, variedade carioca do PB, e
outro composto também por seis entrevistas transcritas do PRESEEA – Alcalá,
variedade madrilena do espanhol. E verificamos a disponibilidade da significação
aspectual iterativa de EG tanto no espanhol quanto no PB. Entretanto, tais dados
apareceram em número menor de ocorrências no espanhol evidenciando que a
significação aspectual iterativa dessa perífrase no espanhol, ainda está sendo
ampliada. Tal alargamento nos sugere uma interseção de traços dos aspectos durativo
e iterativo e reforça a hipótese de que esses traços são universais.
Da mesma forma, esta dissertação considera, para a perífrase “estar” +
gerúndio, a expressão dos traços aspectuais [+ durativo] e [+ iterativo] e também
propõe que há uma interseção desses traços. Pois, o fato de uma mesma perífrase
expressar ambos aspectos indica que há traços que se entrecruzam. O traço que parece
diferenciá-los é o traço de [± quantidade], conforme propõe Wachowicz (2003). O
durativo teria o traço de [- quantidade] e o iterativo o traço de [+ quantidade]. Isso foi
evidenciado ao percebermos que o que levaria uma sentença com EG a expressar o
aspecto iterativo seria um argumento interno plural, um adjunto adverbial de
quantidade ou de frequência e tipos de verbo com o traço de [+ dinamicidade], como
os de processo culminado e os de atividade.
Como vimos no capítulo 3, é o traço de [+ quantidade] que parece aproximar o
aspecto iterativo do aspecto habitual. Segundo Wachowicz (2003), o que os
diferenciaria seria o traço de [± determinação] dessa quantidade. Marcando [+
determinação] ao aspecto iterativo, em “pago a três fonoaudiólogas”, e [-
determinação] ao aspecto habitual, como em “pago a fonoaudiólogas”. Entretanto, o
traço de [+ repetição] também parece aproximá-los. Pois, para a autora, mesmo que
haja uma expressão adverbial quantificada como “duas vezes por semana”, podemos
considerá-los iterativos, pois, de qualquer forma, representará uma repetição do
evento analisado. O que nos leva a concluir que a iteratividade possui também o traço
de [+ repetição].
Outro aspecto que parece também compartilhar traços com o aspecto iterativo
é o aspecto perfeito. Segundo Comrie (1976), o aspecto perfeito é expresso pelo
pretérito perfeito, tanto no português (tenho estudado) quanto no espanhol (he
estudiado). Com relação ao português, Travaglia (2006) afirma que o pretérito
113
perfeito expressa canonicamente o aspecto iterativo. Se recorremos às suas definições,
observamos que parece realmente haver traços semelhantes. Para Comrie (1976), o
aspecto perfeito é o que estabelece uma relação entre dois pontos do tempo: o tempo
do estado resultante da situação e o tempo da situação. Em outras palavras, representa
um evento que começou no passado e que ainda tem relevância no presente. O
iterativo, também apresenta essa significação, principalmente quando expresso por
EG, mas é, antes de tudo, um evento escalonado, com repetição. Talvez o traço que
aproxime esses aspectos seja o de [+ continuidade].
O traço de [+ continuidade] parece ser o que faz com que Górbova (2007)
aproxime o aspecto perfeito do aspecto progressivo, que é um aspecto com o traço de
[+ continuidade] por natureza. Pois, para a autora, ambos representam um
prolongamento da ação.
Acreditamos que essas relações ocorrem porque esses aspectos, no caso o
progressivo, o iterativo e o perfeito, possuem traços semelhantes devido à relação que
há entre eles e o aspecto imperfectivo. Embora Comrie (1976) não esclareça essa
relação, a não ser a do progressivo como subtipo do imperfectivo, observamos que ela
é bastante possível para o português e o espanhol. Por isso, propomos, nesta
dissertação, que os aspectos perfeito e iterativo, assim como o progressivo, o durativo
e o habitual, também estão inseridos dentro do aspecto imperfectivo.
114
CAPÍTULO 7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta dissertação, primeiramente, objetivamos verificar os contextos
propiciadores da expressão aspectual iterativa em sentenças com a perífrase “estar” +
gerúndio (EG), com o auxiliar “estar” no presente do indicativo. Para tanto,
analisamos dois corpora orais, compostos de oito entrevistas transcritas do português
do Brasil (PB) - NURC-RJ, da cidade do Rio de Janeiro, e outras oito entrevistas
transcritas do espanhol do México (EM) - PRESEEA-México, da capital Cidade do
México, todas compiladas na década de 90.
A partir de um quadro teórico baseado na versão mais recente da Teoria
Gerativa de Chomsky (1995), o Programa Minimalista, consideramos aqui a
linguagem como um sistema mental, possuidora de um conjunto de princípios inatos
que regem todas as línguas, conhecido em seu estado inicial, como Gramática
Universal. Nesta dissertação, nos propusemos confirmar que as línguas possuem mais
semelhanças que diferenças entre elas. E essas semelhanças estariam nos traços
universais que são acessados por todos os seres humanos.
Com a possibilidade de EG expressar, além do aspecto durativo, o aspecto
iterativo, tanto no português quanto no espanhol, verificada em alguns trabalhos
anteriores (Sebold 2010, Maggessy 2011) e em outros apresentados aqui (Wachowicz
2006, Mendes 2005), objetivamos também, investigar a possibilidade de interseção de
traços entre o aspecto iterativo e o aspecto durativo. E a nossa primeira hipótese era
de que realmente haveria uma interseção desses traços.
Outra hipótese, referente ao nosso primeiro objetivo, era a de que os fatores
favorecedores da expressão aspectual iterativa em sentenças com EG seriam a
presença de advérbio quantificador, de argumentos pluralizados e a tipologia
semântica do verbo, como já havia sido verificado em outros trabalhos. E que não
haveria variação na forma de expressar tal aspecto no português do Brasil (PB) e no
espanhol do México (EM), ou seja, nossa suposição era de que os fatores
composicionais seriam os mesmos em ambas as línguas.
Com relação à categoria do aspecto, pudemos observar com este trabalho que
ainda há muita confusão na formação de um quadro aspectual que abarque de maneira
115
econômica os diferentes aspectos da língua. Dessa forma, resolvemos adotar a
definição de Comrie (1976) para aspecto, que o considera em função dos diferentes
modos de observar a constituição temporal interna de uma situação. Desse autor,
também adotamos os aspectos imperfectivo e perfectivo como aspectos básicos e
gerais das línguas.
Entretanto, decidimos considerar o progressivo, o durativo e o iterativo
também como aspectos, numa proposta semelhante a que adota Mendes (2005). Estes
seriam aspectos que estariam inseridos dentro de um aspecto maior, que seria o
imperfectivo, pois, de alguma forma, todos se referem à estrutura interna de uma
situação, vendo-a de dentro. Assim, o aspecto progressivo seria um aspecto
imperfectivo que está em curso no momento da enunciação; o aspecto durativo seria
um aspecto imperfectivo cujo intervalo de tempo não engloba o momento da
enunciação da sentença; e o aspecto iterativo seria um aspecto imperfectivo que
representa um evento escalonado no decorrer do tempo.
Analisando os dados, pudemos observar que o progressivo, realmente, não é o
único aspecto que EG poderá expressar. Além dele, há pelo menos a possibilidade de
expressão dos aspectos durativo e iterativo. Da mesma forma, podemos dizer que o
iterativo não será expresso apenas pelo pretérito perfeito (“ter” + particípio) no
português. O que se verifica é que o aspecto não estará preso a uma realização
morfológica específica, mas que precisará de diferentes fatores para expressá-lo.
Assim, confirmamos o caráter composicional da categoria do aspecto.
No entanto, a significação aspectual de EG parece estar mais estendida no PB
que no EM, pois contabilizamos mais ocorrências do aspecto iterativo com essa
perífrase na variedade do português estudada que na variedade espanhola. Mas, ao
mesmo tempo, confirmamos a possibilidade de EG expressar tal aspecto em ambas as
línguas. Isso talvez demonstre que essas línguas encontram-se em momentos
diferentes em relação à significação aspectual da perífrase EG, mas que com o tempo
possam vir a equiparar-se nesse quesito.
Com relação aos fatores composicionais da expressão aspectual iterativa,
pudemos confirmar a nossa hipótese. No PB, a presença de advérbio quantificador, de
argumentos pluralizados e a tipologia semântica do verbo foram relevantes na
iteratividade. Embora, entre os argumentos, apenas o argumento interno pluralizado
tenha sido relevante, ou seja, o fato do sujeito ser plural ou singular não favoreceu tal
aspecto. No EM, não fui muito diferente. A presença de argumento interno
116
pluralizado e a presença de advérbios quantificadores foram selecionados pelo
GoldVarb X como relevantes na expressão da iteratividade. O que quer dizer que a
tipologia verbal não foi relevante dentro dos dados que investigamos para o EM.
Os tipos de verbo mais usados no contexto investigado foram os mesmos em
ambas as línguas, o tipo de atividade e o de processo culminado. E ao mesmo tempo,
foram os tipos de verbo mais usados com EG de forma geral. Nosso trabalho se
apresentou diferente do de Wachowicz (2006), que afirmou que os verbos do tipo
processo culminado e culminação propiciariam a expressão aspectual iterativa devido
ao traço lexical de [+ télico] que estes tipos de verbo apresentam. E o que até aqui se
verificou tampouco confirma o que disse Mendes (2005), que o tipo semântico do
verbo principal e o número do argumento interno não influenciariam na significação
aspectual iterativa em sentenças com EG. Da mesma forma, o que disse De Miguel
(1999) acerca dos verbos de estado, que sempre na forma do progressivo
expressariam iteratividade, não se confirmou. Assim também como não verificamos o
que disse Comrie (1976, apud Gabardo 2001) sobre os verbos de culminação que
sempre na forma do progressivo expressariam iteratividade.
O fato de no PB os tipos de verbo atividade e processo culminado serem os
que mais suscitam a iteratividade nos leva a crer que o traço de [+ ou – télico] não é
relevante na expressão aspectual iterativa e que os traços de [+ dinamicidade] e [-
pontualidade] são potencialmente relevantes. Entretanto, analisando os dados,
pudemos perceber que apenas o tipo de verbo, processo culminado ou atividade, não
favorece a iteratividade. É preciso um argumento interno pluralizado e/ou um
advérbio de frequência e/ou um contexto que nos faça perceber o escalonamento de
tal evento. Mas, avaliar o contexto ainda é uma tarefa complexa nos estudos
linguísticos, principalmente devido à sua carga de variação interpretativa. No entanto,
não podemos desconsiderar o contexto, que pode ser marcado por fatores sintáticos,
como os apresentados aqui, ou apenas fatores semânticos.
Por fim, confirmamos também a existência de uma interseção de traços entre
os aspectos iterativo e durativo. O traço que pode ocasionar essa interseção é o traço
de [± quantidade]. O durativo teria o traço de [- quantidade] e o iterativo o traço de [+
quantidade]. Isso foi evidenciado ao percebermos que o que levaria uma sentença com
EG a expressar o aspecto iterativo seria um argumento interno plural, um adjunto
adverbial de quantidade ou de frequência e tipos de verbo com o traço de [+
dinamicidade], como os de processo culminado e os de atividade.
117
Além do traço de [+ quantidade], o iterativo parece apresentar os traços de [+
determinação] e [+ repetição] quando comparado ao aspecto habitual. E, quando
comparado ao aspecto perfeito, o iterativo parece apresentar o traço de [+
continuidade]. O que nos faz perceber que enquanto o traço de [+ determinação]
diferencia o iterativo do habitual, o traço de [+ continuidade] aproxima o iterativo do
perfeito. Todos esses traços parecem estar inseridos também no aspecto imperfectivo,
que consideramos nesta dissertação o aspecto maior entre todos esses aspectos citados
e que, ao mesmo tempo, os contêm.
A semelhança de traços que observamos nesses aspectos confirma a hipótese
de que os traços são universais e que as línguas são mais semelhantes que diferentes.
Pois, tanto o português quanto o espanhol acessam todos esses traços, seja para o [+]
ou para o [-]. Além disso, as diferenças identificadas não nos podem levar a uma
conclusão de variação na expressão aspectual dessas línguas, já que o universo
investigado é muito pequeno e as diferenças ainda menores, para que seja feita essa
afirmação.
Acreditamos que, este trabalho é relevante na revisão que faz sobre a teoria
gerativa e sobre o aspecto. Com ele, pudemos contribuir para reafirmar o caráter
composicional do aspecto, assim como expandir o conhecimento sobre o aspecto
iterativo, tão pouco investigado, mas que parece ter um uso bastante significativo nas
línguas. Pudemos também confirmar a ideia de Chomsky (1986) de que as línguas
possuem mais semelhanças que diferenças e que os traços, que podem ser um dos
fatores de variação nas línguas, é justamente o que as aproximam.
118
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUTRAGUEÑO, P. M., LASTRA, Y. Corpus sociolingüístico de la ciudad de México. Materiales de PRESEEA – MÉXICO. Disponível em: http://lef.colmex.mx/Sociolinguistica/CSCM/Corpus.htm CARVALHO, F. R. Dissociação de tempo e aspecto no processamento sintático on-line. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2007. CASTILHO, A. T. de. Introdução ao estudo do aspecto verbal no português. Marília: FFCL, coleção teses, 1968. CASTILHO, A. T. de; MORAES de CASTILHO, C. M. O aspecto verbal no português falado. In: VIII Seminário do Projeto de Gramática do português Falado. Campos do Jordão. 1994. CASTILHO, A. T. de. O aspecto verbal no português falado. Gramática do Português Falado. Campinas: Ed. da Unicamp, 2002. v. 7. CAVALI, S. R. S. Perífrases durativas do português brasileiro. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: UFPR/ Faculdade de Letras, 2008 CELERI, W. C. Composicionalidade aspectual revisitada. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2008. CHOMSKY, N. 1928. Novos horizontes no estudo da linguagem e da mente / Noam Chomsky, tradução Marco Antônio Sant’Anna – São Paulo. Editora UNESP, 2005. _____________ Knowledge of language: its nature, origin and use. New York: Praeger, 1986. _____________ 1988. El problema de investigación de la lingüística moderna. In: El lenguaje y los problemas del conocimiento. Conferencias de Managua. Madrid: Visor, 1989. Conferencia 2. _____________ The Minimalist Program. Cambridge, MA: MIT Press, 1995. COMRIE, B. Aspect: an introduction to the study of verbal aspect and related problems. New York: Cambridge University Press, 1976, p. 1-65. COSTA, S. B. B. O aspecto em português. 3ª Ed. São Paulo: Contexto, 2002. CURTISS, S. Dissociations between language and cognition: cases and implications. Journal of Autism and Developmental Disorders, 11, p. 15-30, 1981.
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122
ANEXO
1. PARA O ENTENDIMENTO DA TRANSCRIÇÃO DOS DADOS DO PRESEEA- MÉXICO:
A fim de facilitar o entendimento do leitor, explicarei alguns símbolos e
codificações que poderão aparecer no próximo capítulo que será de análise dos dados:
- Dois pontos [:] indicam sílabas ou sons alongados;
- Pontos de exclamação [¡!] indicam exclamações e tom animado;
- Pontos de interrogação [¿?] indicam entonação interrogativa;
- Parênteses duplos [(( ))] especificam algum fenômeno ou ação não verbal. Por
exemplo, ((pigarro)), ((interrupção)), ((ruídos));
- Parênteses [( )] marcam diversos tipos de informação
A) passagens incertas de transcrição;
B) ruídos ou sons significativos da gravação ( (hh): respiração ou aspiração audível;
(e:): titubeio, (ts): muxoxo; (m:): dúvida; (hm): confirmação; (ahá): entendimento,
apoio; (risa = 1): risada do informante, (risa = 2): risada do entrevistador, (risa =
todos) risada de ambos;
C) lapsos ou pausas de duração superior a 2 segundos: (lapso = 2): pausa de 2 a 3
segundos, (lapso = 3): pausa de 3 a 4 segundos, aproximadamente;
- Barra [/] indica pausa: [/]: pausa breve; [//]: pausa média; [///] pausa longa (silencio
de 1,0 a 1,2 segundos);
- Sublinhado [___] indica superposição de discurso;
- Travessão [–] indica palavra ou enunciado cortado, seja por correção ou por
hesitação;
- Três pontos [...] indica suspensão do discurso;
- Aspas [« »] indicam citação e estilo direto.
2. PARA O ENTENDIMENTO DA TRANSCRIÇÃO DOS DADOS DO NURC-
RJ:
Para a transcrição desse material foram formuladas diferentes codificações
para que o texto se aproximasse ao máximo da oralidade. A seguir, apresenta-se um
123
quadro explicativo com os sinais que poderão aparecer nos exemplos do próximo
capítulo:
NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO - NURC
OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO*
Incompreensão de palavras ou segmentos
( ) Do nível de renda... ( ) nível de renda nominal
Hipótese que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com o gravador)
Truncamento (havendo homografia, usa-se acento indicativo da tônica e/ou timbre)
/
E comé/ e reinicia
Entoação enfática maiúscula Porque as pessoas reTÊM moeda
Prolongamento de vogal e consoante (como s, r)
:: podendo aumentar para ::: ou mais
Ao emprestarem os... éh::: ...o dinheiro
Silabação - Por motivo tran-sa-ção Interrogação ? E o Banco... Central...
certo? Qualquer pausa
...
São três motivos... ou três razões... que fazem com que se retenha moeda... existe uma... retenção
Comentários descritivos do transcritos
((minúsculas)) ((tossiu))
Comentários que quebram a sequência temática da exposição; desvio temático
-- --
... a demanda de moeda – vamos dar essa notação – demanda de moeda por motivo
Superposição, simultaneidade de vozes
[ ligando as linhas
A. na casa da sua irmã [ B. sexta-feira? A. fizeram lá... [ B. cozinharam lá?
Indicação de que a fala foi tomada ou interrompida em determinado ponto. Não no seu início, por exemplo
(...)
(...) nós vimos que existem...
Citações literais ou leituras de textos, durante a gravação
“ “
Pedro Lima... ah escreve na ocasião... “O cinema falado em língua estrangeira não precisa de nenhuma baRREIra entre nós”...
124
* Exemplos retirados dos inquéritos NURC/SP No. 338 EF e 331 D2. Observações:
1. Iniciais maiúsculas só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.) 2. Fáticos: ah, éh, eh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? Você está brava?) 3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados. 4. Números: por extenso. 5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa). 6. Não se anota o cadenciamento da frase. 7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::... (alongamento e pausa). 8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-
vírgula, ponto final, dois pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa, conforme referido na Introdução.
Fonte: PRETI (2001)
3. DADOS ANALISADOS NESSA DISSERTAÇÃO:
OCO. ASPECTO 1. (P1M1) eu não sei se tô fugindo um pouco do assunto, PROGRESSIVO
2. (P1M2) Já não quer ir e tá dando aula lá, entendeu, ITERATIVO 3. (P1M3) Então uma pessoa que tá querendo fazer Eletrônica, vai
ter Cálculo, vai ter parte de Desenho, DURATIVO
4. (P1M4) tá vendo, último ano, você tinha que tá estudando, agora não tá estudando, não sei o que!
DURATIVO
5. (P1M5) minha mãe começou a cobrar: tá vendo, último ano, você tinha que tá estudando,
EXPRESSÃO IDIOMÁTICA
6. (P2M1) quando eu tô saltando vieram três caras me renderam, DURATIVO 7. (P2M2) eu tô me cruzando, com um executivo como eu tô
cruzando com um pivete. DURATIVO
8. (P2M3) seja ele qual for, é, não está atuando, que ele poderia atuar para a vida na cidade ser melhor?
DURATIVO
9. (P2M4) É, nossa, é, e a gente tá vendo coisas que, tava há séculos né, parado
ITERATIVO
10. (P2M5) Brizola tá fazendo coisa pra caramba, a gente tá vendo que ele tá fazendo.
ITERATIVO
11. (P2M6) se você não tá fazendo nada, nem por você nem pelo social, tá parado no teu lugar, né,
DURATIVO
12. (P2M7) Então é perceber o que tá acontecendo e tentar interferir dentro disso de alguma forma,
ITERATIVO
13. (P2M8) até que ponto você não tá sendo instrumento, reprodutor desse sistema político ultrapassado aí
DURATIVO
14. (P2M9) Brizola tá fazendo coisa pra caramba, a gente tá vendo que ele tá fazendo.
ITERATIVO
15. (P2M10) Não muito, não muito, agora que tá pintando umas viagens mas eu não viajo muito,
EXPRESSÃO IDIOMÁTICA
16. (P2M11) A sociedade tá aumentando, as pessoas tão aumentando em número, o espaço físico é o mesmo,
ITERATIVO
17. (P2M12) A Tijuca tá sendo beneficiada por aí, ruim com isso DURATIVO
125
pior sem isso. 18. (P2M13) Brizola tá fazendo coisa pra caramba, a gente tá vendo
que ele tá fazendo. ITERATIVO
19. (P2M14) O que eles vão fazer depois é outra história né, mas que tá sendo feito, tá, né,
DURATIVO
20. (P2M15) cê vê, estão asfaltando, "n" ruas do Rio, principalmente as de acesso à Barra da Tijuca, né.
ITERATIVO
21. (P2M16) O Grajaú. Eles tão, asfaltando, melhorando também. ITERATIVO 22. (P2M17) É, pois é, eles tão fazendo, ali no, no Borel, o Ciep de
lá, DURATIVO
23. (P2M18) A Avenida das Américas, eles tão recapeando ela toda, né.
ITERATIVO
24. (P2M19) Tem outro, a própria, aquela rua, Teodoro da Silva né, eles tão recapeando também.
ITERATIVO
25. (P2M20) É, mas eles tão mexendo sabe, melhor do que ficar só parado. A Linha Vermelha, vai melhorar né, eu acho que...
ITERATIVO
26. (P2M21) 26 pessoas tão aumentando em número, o espaço físico é o mesmo, mas isso em vez de, socializar mais as pessoas pelo contrário, tão deixando elas mais, agressivas.
ITERATIVO
27. (P2M22) A sociedade tá aumentando, as pessoas tão aumentando em número, o espaço físico é o mesmo,
ITERATIVO
28. (P2M23) esses comerciantes, eles tem uma um olho clínico aí pra ver o que que as pessoas tão precisando, a hora que elas tão precisando, vem diretamente proporcional,
DURATIVO
29. (P2M24) eles tem uma um olho clínico aí pra ver o que que as pessoas tão precisando, a hora que elas tão precisando,
DURATIVO
30. (P13M1) porque quando eu estou em casa eu estou fazendo alguma coisa
DURATIVO
31. (P13M2) o tempo que eu tiver podendo ouvir também estou ouvindo...não tenho preferência por tipo de música...
ITERATIVO
32. (P23M1) tenho a minha avaliação dele... mais até do que quando eu estou jogando...
DURATIVO
33. (P23M2) ou pelo menos tenho sempre uma opinião a dar quando eu estou vendo o jogo... tenho a minha avaliação dele...
DURATIVO
34. (P23M3) porque em geral esses esportes eu assisto pela televisão... quer dizer... o que está passando...
DURATIVO
35. (P3F1) essas duas que eu tô falando, por um acaso, elas não têm nenhum irmão, homem, sabe, é só irmã,
PROGRESSIVO
36. (P3F2) Depende, entendeu, porque eu tô namorando há quatro anos e meio, e aí fica meio dependente de namorado,
DURATIVO
37. (P3F3) Eu acho que, eu acho que existe, cobrança, por exemplo, cobram, se você tá namorando há muito tempo, cobram, que você tem que casar,
DURATIVO
38. (P3F4) as minhas amigas que, achavam ridículo igreja, véu e grinalda, hoje em dia, elas tão casando de véu e grinalda,
ITERATIVO
39. (P12F1) Que isso, isso nunca aconteceu no Brasil, não tô entendendo isso.
DURATIVO
40. (P12F2) é um problema, muito sério e você, hoje em dia, dirigindo um carro, você, eu, pelo menos, sou assim, paro no sinal, você não tá, passeando pela cidade, você não consegue passear.
DURATIVO
41. (P12F3) aqui no Rio a maioria das pessoas mora em prédios né, São Paulo, geralmente o pessoal mora em casa, ah, tá mudando
ITERATIVO
126
um pouco, mas, é, São Paulo é uma cidade mais, esparramada, 42. (P12F4) Pô, tá velho, o cara não tá cuidando! (risos) quer dizer,
os caras pensam em tudo, DURATIVO
43. (P12F5) Cê pára no sinal, você presta atenção se tem pivete, se tem alguém olhando meio suspeito, se você tá sendo seguido por algum carro, entendeu, então...
DURATIVO
44. (P12F6) É, é meio acomodado. Pô tá tudo bem, não tô nem aí, mas, tá mudando!
ITERATIVO
45. (P12F7) Ah essa loja tá vendendo mais do que a gente, essa outra tá vendendo mais,
ITERATIVO
46. (P12F8) Ah essa loja tá vendendo mais do que a gente, essa outra tá vendendo mais,
ITERATIVO
47. (P12F9) Porque eu não tava sabendo, você não tá convivendo o dia-a-dia do país, então, você olhava aquela notícia, você fica um pouco chocado.
DURATIVO
48. (P12F10) quando você vai num esquema desse de competição, você não tá vendo exatamente o dia-a-dia da cidade,
DURATIVO
49. (P15F1) a Denise a respeito da injustiça das mudanças que estão havendo nas leis né... e o Paulo Goulart falou sobre família...
ITERATIVO
50. (P25F1) gente que... poderia muito bem morar na Avenida Atlântica e tá morando em Bonsucesso... entendeu?
DURATIVO
51. (P25F2) é contra o que eu digo mas eu acho que ::ele é um cara que tá tentando entendeu?...
ITERATIVO
52. (P25F3) Barra é um/ é um::... é um bairro que tem que tomar muito cuidado ele tá crescendo... né?
ITERATIVO
53. (P25F4) Barra é um/ é um::... é um bairro que tem que tomar muito cuidado ele tá crescendo... né?
ITERATIVO
54. (P25F5) poderia muito bem morar na Avenida Atlântica e tá morando em Bonsucesso... entendeu?
DURATIVO
55. (P25F6) ele não tá tentando destruir a cidade ele tá tentando melhorar como nenhum outro fez né? ele tá tentando... né ele é um cara corajoso...
ITERATIVO
56. (P25F7) ele tá tentando:: modificar e::... ele tá tentando::... éh::... a/éh/agradar mesmo o povo carioca...
ITERATIVO
57. (P25F8) ele tá tentando:: modificar e::... ele tá tentando::... éh::... a/éh/agradar mesmo o povo carioca...
ITERATIVO
58. (P25F9) ele faz tudo meio atrapalhado mas eu... eu acho que ele... ele tá tentando né...
ITERATIVO
59. (P25F10) ele não tá tentando destruir a cidade ele tá tentando melhorar como nenhum outro fez né?
ITERATIVO
60. (P25F11) ele não tá tentando destruir a cidade ele tá tentando melhorar como nenhum outro fez né?
DURATIVO
61. (P25F12) já te/te... tão construindo muitos prédios no Recreio então quer dizer...
ITERATIVO
62. (P25F13) já te/te... tão construindo muitos prédios no Recreio então... quer dizer... éh::...
ITERATIVO
63. (E1M1)¿el jacuzzi? I: creo que sí/ ¿oye/ está pasando el diamante?/ ¿sí lo pasa/ el diamante?
DURATIVO
64. (E1M2) en las obras lo que/ en esas compañías grandes/ están colando con la olla// entonces llega un supervisor/
ITERATIVO
65. (E1M3) si el concreto que mandó la compañía// o que la que están colocando/ pasa la norma de resistencia
DURATIVO
66. (E1M4) y hay partes que no se le/ pues que se están cayendo/ con la misma tierra
ITERATIVO
127
67. (E1M5) [pero mientras ustedes] ya están cuantificando/ ¿no? DURATIVO 68. (E2M1) ah órale/ le estás enseñando ITERATIVO 69. (E2M2) [entonces] le estás enseñando todo a/ [a tu cuate] ITERATIVO 70. (E2M3) sí pues sí// más que nada/ y/ y cuando lo estás haciendo
pues se siente bien DURATIVO
71. (E2M4) cuando estás haciendo música/ es así// [chido] DURATIVO 72. (E3M1) me creerás que ultim-/ ahorita estoy es-/ lo estoy
estudiando// y / a mí se me hace padre ITERATIVO
73. (E3M2tú háblame güey// aunque sepas que estoy trabajando/ tú háblame el fin de semana//
DURATIVO
74. (E3M3) o sea la gente que ya no quiero que/ tener cerca de mí/ o sea / yo no estoy pensando en qué estará haciendo esa persona/
DURATIVO
75. (E3M4) sí/ me lo/ lo bueno es eso/ que me gusta/ que no/ no me lo estoy echando como una carga de que/ “ay”/ no/ o sea/ tengo interés// por aprenderlo y/
EXPRESSÃO IDIOMÁTICA
76. (E3M5)¡sí!/ pero si te digo que lo estoy estudiando desde/ que tengo/ cinco años
ITERATIVO
77. (E3M6) o sea estoy haciendo el curso/ para hacer el Toefl // pero/ pero/ ¿cuándo empiezo?/ mañana/ mañana [empiezo]
DURATIVO
78. (E3M7)¡no!/ pues es que/ digo/ he estudiado toda la vida// y ahorita más bien estoy haciendo como el// curso para el Toefl
DURATIVO
79. (E3M8) [entre] ellos/ también te lo comenté hace rato/ estoy aprendiendo inglés
DURATIVO
80. (E3M9) ya terminé mi carrera// pero eh/ yo terminé t-/ t-/ obtuve mi certificado// ya te estoy contando toda la historia
PROGRESSIVO
81. (E3M10) estoy radicando que es este/ te digo que en el pueblo de San Mateo
DURATIVO
82. (E3M11) eh/ yo después/ este// del ochenta y cinco me vine a vivir ya a lo que/ donde estoy viviendo ahorita/ [donde]
DURATIVO
83. (E3M12) apenas voy a sacar mi título/ estoy haciendo mis trámites para el título/ ya tengo todos mis papeles/
ITERATIVO
84. (E3M13) entonces bueno/ hice conciencia/ y ahorita lo estoy haciendo/ o sea / tomándome mi tiempo y todo//
DURATIVO
85. (E3M14) pues sí/ pero bueno/ nunca es tarde/ ¿no? I: no/ o sea/ lo estoy haciendo/ por eso te digo o sea// me arrepiento de una cosa me/
DURATIVO
86. (E3M15) sí/ es lo que estoy haciendo ahorita// ya tengo todo// a ver/ vamos a ver si no falta nada/ nada lo entrego//
DURATIVO
87. (E3M16) o hacer algo y/ pues más o menos te enteras de/ qué está diciendo// y y más/ si ya estás estudiando inglés/
DURATIVO
88. (E3M17)¡sí/ a fuerzas! y aprovéchenlo/ tú// ¿no estás estudiando entonces inglés?
DURATIVO
89. (E3M18) sea escuela/ trabajo/ tu barrio// donde caigas/ o sea/ conoces gente/ si no te gusta la gente que estás tratando/ pues simplemente te aparta
ITERATIVO
90. (E3M19) “ay”/ no/ o sea/ tengo interés// por aprenderlo y/ aparte me está gustando/ o sea ya/ ya le agarré gusto 687
DURATIVO
91. (E3M20) vas viendo la película/ y más o menos como que/ cuando ves a alguien platicar// o/ o hacer algo y/ pues más o menos te enteras de/ qué está diciendo// y y más/ si ya estás estudiando inglés/
DURATIVO
92. (E3M21) carpetas/ o sea todo lo que es artículo/ de hecho/ ITERATIVO
128
ahorita es- ya se está metiendo lo que es este/ artículos de/ computación//
93. (E3M22)¿sabes qué onda?// así mejor trabajo por mi cuenta”/ y le está yendo bien a la chava esta
EXPRESSÃO IDIOMÁTICA
94. (E3M23) entonces/ ella se dedica a lo que es fiscal// y / pero igual o sea el/ la conocí porque / estamos estudiando/ inglés
DURATIVO
95. (E3M24) todo está en inglés/ y además ya te familiarizas más/ y si desde primaria/ kínder/ te están dando clases de inglés/
ITERATIVO
96. (E3M25) me lo están diciendo con el afán de E: sí/ no/ [no es por ] I: [de ayudarme] E: por molestarte
DURATIVO
97. (E3M26) todo ese tipo de cosas ya/ se están introduciendo/ est- esta empresa maneja/ varias marcas
ITERATIVO
98. (E4M1) en la Unam// y estoy haciendo mi tesis de lingüística DURATIVO 99. (E4M2) mh/ yo estoy haciendo la tesis/ a ver si me I: ah/ ¿estás
haciendo la tesis? DURATIVO
100. (E4M3) [ya te titulas]/ pues también yo por eso estoy haciendo el servicio/ porque no quiero este// no quiero ya al último tener/ que hacer [el servicio]
DURATIVO
101. (E4M4) [sí aquí]// sí ya/ a cuántos a/ cinco grados ya estás diciendo/ “¡ay cabrón!“
DURATIVO
102. (E4M5) ah/ ¿estás haciendo la tesis? E: sí// [y pues suena] I: [¿y para qué] vas tú? E: yo estudié/ lengua y literatura/ [hispánicas]
DURATIVO
103. (E4M6) [sí]/ pues es lo/ en lo que estoy yo ahorita E: [ah/ ya la estás haciendo] I: [la tesina]/ sí
DURATIVO
104. (E4M7) es donde se está dando// bueno/ es una de las regiones donde se está dando la cultura pero/ [tremendo]
DURATIVO
105. (E4M8) 134 E: [chido]/ sí I: ¿no? E: sí I: está generando ideas E: sí/ ándale// sí/ hay mucho de eso/ ¿no?
ITERATIVO
106. (E4M9) [que]/ que ahorita por ejemplo también/ el español/ pues tú sabes que está teniendo así como que// mucho éxito/ ¿no?/ por todos lados [¿no?/ entonces ahorita ]
ITERATIVO
107. (E4M10) es donde se está dando// bueno/ es una de las regiones donde se está dando la cultura pero/ [tremendo]
DURATIVO
108. (E4M11) aparte que convivan con los latinos porque ahorita sí hay/ mucho/ mucho español E: sí los estamos/ reconquistando I: sí/ mucho español por todos lados
ITERATIVO
109. (E4M12) es así como que la novedad y todos así/ “¿qué onda?/ ¿qué están pensando/ allá?/ ¿qué han escrito?”
DURATIVO
110. (E7F1) tu vida [pues va empezando a funcionar o] E: [estás empezando a/ ajá] E: [y te vas saliendo a los cuarenta/ ¿no?]
DURATIVO
111. (E7F2) “oye/ que estás buscando casa [que no sé qué]” E: [¿y ella cómo sabe?]
DURATIVO
112. (E7F3) sí/ y aunque/ yo cierre mi recámara y todo pues estás oyendo el ruido de afuera y/ la televisión y mi hermana/ pues ya está// imagínate/ una adolescente ahí
DURATIVO
113. (E7F4) padres de familia/ y tenían que trabajar/ y ya heredaban// y ahora a los veinte años/ apenas estás empezando a I: tu vida [pues va empezando a funcionar o]
DURATIVO
114. (E7F5) sí/ es lo que te digo/ pues de hecho hasta se está estudiando eso/ ¿no?/ hay ya libros y todo/ de que// cada vez se retrasa más la// edad adulta
DURATIVO
115. (E7F6) ya/ se siente feliz así/ porque/ ay no/ en la casa no te digo que nada más está inventando/ [por supuesto no agarra un
EXPRESSÃO IDIOMÁTICA
129
libro/ ni por equivocación] 116. (E7F7) está ahí/ nada más está inventando a ver qué hace/ ay
no [ya] E: [¿no] tiene novio? EXPRESSÃO IDIOMÁTICA
117. (E7F8) sí/ está buscando depa// ¡ay! ¿que tú no le contaste a H? ITERATIVO 118. (E7F9) [por supuesto que está cambiando/ ¿pero// solteras por
su voluntad] [o porque no han// encontrado?] ITERATIVO
119. (E7F10) y todo lo demás/ ¿no? I: mh E: además es I: pero eso está cambiando también/ ¿no?/ [yo sí conozco]
ITERATIVO
120. (E7F11 [pero no] está dando [clases/ ni nada] I: [no/ no está dando clases] E: ni tiene tampoco/ [no está tomando]
DURATIVO
121. (E7F12) [pero no] está dando [clases/ ni nada] I: [no/ no está dando clases] E: ni tiene tampoco/ [no está tomando]
DURATIVO
122. (E7F13) está trabajando aparte E: ¿en qué trabaja? I: no con/ lo de las reuniones estas de los
DURATIVO
123. (E7F14) pues ya con eso// y mi mamá es de las que no tiene qué hacer/ y nada más está inventando/ así que...
EXPRESSÃO IDIOMÁTICA
124. (E7F15) si acaso una vez/ en la semana y luego el fin de semana ya// pero/ ahora/ para mí/ esto de la huelga está resultando un problema verdadero/ porque/ en mi casa está todo el mundo
DURATIVA
125. (E7F16) no con/ lo de las reuniones estas de los [] 11 E: [pero no] está dando [clases/ ni nada]
DURATIVO
126. (E7F17) hola mucho gusto// ¿están grabando entonces? E: ¿vas a ocupar el Kay ? P: sí pero E: en cinco minutos te lo paso/ te de-/ te desocupamos si
PROGRESSIVO
127. (E7F18) nunca toma realmente/ la decisión de decir “ya/ hasta aquí”/ ¿no?// y toda la vida se están agarrando de todo lo que pueden/ [y cuando]
ITERATIVO
128. (E7F19) E: siempre/ siempre estamos buscando que tuviera esto/ aquello/ que fuera así
ITERATIVO
129. (E8F1) yo creo que es algo así/ es un fenómeno o algo así/ que se está viendo últimamente porque/ antes sí// sí siempre ha sido peligroso el barrio/
ITERATIVO
130. (E8F2) 130 ahí/ ahí justo donde/ donde estaban diciendo/ Díaz de León y Manuel Doblado/ justo ahí es donde estaban los estos de Hacienda// o sea/ [¿qué qué está pasando no?// sí]
ITERATIVO
131. (E8F3) pues ahorita sí/ se está/ usando así/ porque hay un montón de triques ahí
DURATIVO
132. (E8F4) después pues ya que/ te vuelves más consciente/ te das cuenta de es lo que está sucediendo// pero de/ a últimas fechas/ bueno de unos años para acá/
ITERATIVO
133. (E8F5) no/ no/ es es lo que te digo// m-/ los/ o sea los/ los medios de comunicación/ no te van a decir la verdad// en primer lugar/ además algo están pensando/ porque bueno/ cómo te explicas
DURATIVO
134. (E8F6) pues n-/ mm/ tan truculento que no me imagino/ pero hay algo así muy// muy oscuro/ muy negro ¿no?/ que/ que están pensando en hacer aquí// ¿qué qué qué podría ser pues?
DURATIVO
135. (E8F7) sí/ me platicaba un amigo/ un ex vecino/ que ya no vive aquí// que una vez/ su tío/ venía a visitarlos/ ¿no?/ el tío era joven/ estamos hablando yo/ qué te diré/ del cincuenta/ sesenta
PROGRESSIVO
136. (E8F8) pero pues ahorita nos estamos dando cuenta que// que si era eso/ pues no/ no hay ningún problema/ porque/// otros vecinos// uno/ el de uno/ de esta a la siguiente casa
EXPRESSÃO IDIOMÁTICA
130
137. (E9F1) porque sí hay momentos que llegas a ese grado// pero digo “no/ o sea yo decidí estudiar esto/ me gusta/ lo estoy disfrutando/ y creo que es lo que va a hacer que/ que valore todavía más”/ ¿ya se acabó?
ITERATIVO
138. (E9F2) ve que me subo al autobús// me voy// aparte de del aspecto aca-/ aspecto académico que he aprendido muchísimas cosas/ que estoy aprendiendo/// este// trato de aprovecharlo// porque// aprendo/ de// de las vivencias de/ de mis compañeros/ de mis compañeras///
ITERATIVO
139. (E9F3) le digo/ “bueno”/ como quiera/ lo que me hace sentir bien/ es que cosas malas/ a lo mejor no les estoy dejando E: claro
DURATIVO
140. (E9F4) como que todo eso me ha servido/ y hace que/ que yo no desista de mis objetivos y hace de que yo no/ hace/ que yo no desista de / de lo que estoy viviendo y experimentando como pareja/ entonces/ eso hace/ eso hace también que me motive y no desista/ del aspecto escolar//
ITERATIVO
141. (E9F5) si es/ si es lo que/ no quieres”/ un ejemplo no/ [no estoy diciendo que/ que así sea mi pareja
PROGRESSIVO
142. (E9F6) en mi cabeza nunca pasó la idea de tener novio/// ni mucho menos vivir con alguien// sucedió/ tuve novio// estoy viviendo con una persona// ahorita estoy tranquila/
DURATIVO
143. (E9F7) ciertas notas para su trabajo// yo me siento y estoy estudiando// estoy leyendo// o luego le digo “¿cómo ves?/
ITERATIVO
144. (E9F8) elaborar// ciertas notas para su trabajo// yo me siento y estoy estudiando// estoy leyendo// o luego le digo
ITERATIVO
145. (E9F9) 145 hijas o mis hijos” 157 E: mh I: creo que no/ que es lo más tonto e inmaduro/ ¿no?/ que puedo hacer/ porque ni estás resolviendo el problema/ y les estás provocando conflictos emocionales a tus hijos/ si no es que ya están dañados E: claro I: entonces este// digo/ “no/
ITERATIVO
146. (E9F10) como adultos/ aparte de que te comparten conocimiento/ de la carrera que estás estudiando// te comparten conocimientos de sus otras áreas que hay
DURATIVO
147. (E9F11) como profesionista/ porque no estás este/ limitando esa parte// y aparte estás confiando en mí
DURATIVO
148. (E9F12) creo que no/ que es lo más tonto e inmaduro/ ¿no?/ que puedo hacer/ porque ni estás resolviendo el problema/ y les estás provocando conflictos emocionales a tus hijos
DURATIVO
149. (E9F13) que te toca ver/ escuchar y dices// ”¿cómo es posible?”// se está demostrando ¿no?/ que son personas egoístas/ porque ni a él como padre/
ITERATIVO
150. (E9F14) te puede hacer bromas/ y que tú le dices “¿sabes qué?/ que estamos organizando una comida/ vamos a salir/ no sé/ ¿vas?”/
DURATIVO
151. (E10F1) que se llama/ eh/ este/ Despierta// son son unas charlas/ no hombre/ me estoy dando una divertida/
DURATIVO
152. (E10F2) pero/ en realidad/ cada quien hace su mundo// y va girando alrededor de lo que uno hace// esto-/ estoy leyendo un
DURATIVA
153. (E10F3) y me dice “doctora/ quiero que/ le tomes una radiografía a una niña”// y yo/ “pero es que estoy trabajando”/ y yo volteé a ver/ y las fresas/ ¡pues estaban paradas/ sin hacer nada!//
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154. (E10F4) “no/ este me va a decir que se lo traiga y no”// y no/ te DURATIVO
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digo/ excelente/ ya/ ahorita ya nada más me falta ir por la cédula/ que me estoy haciendo pato/ apenas vi a una amiga la semana pasada/ y me dice/ “oye// este/ ¿y la cédula?”/ pero de la especialidad
155. (E10F5) “no/ es que la quiero que la tomes tú”// y yo así/ “pero es que estoy trabajando”/ “no te preocupes/ ahorita terminas/ y la tomas”//
DURATIVO
156. (E10F6) y// hay quienes decimos/ “yo quiero más/ yo quiero subir/ aún más”// y decir/ yo lo estoy pensando/ y digo/ “no/ yo quiero ir por más”
DURATIVO
157. (E10F7) la ciudad es un/ des-/ tremendo despapaye// el trafico/ está horrible/ ahorita ya estoy/ me estoy soltando más para manejar// pero nada más de ver/
ITERATIVO
158. (E10F8) y el trabajo ahorita/ pues súper cómodo/ porque no tengo que trasladarme// excepto porque estoy haciendo otras cosas por la mañana///
ITERATIVO
159. (E10F9) o muchas veces/ yo hago corajes aquí// porque/ muchos pacientes me dicen/ “¿y cuánto es lo menos?”/ y digo// “si no estoy vendiendo naranjas/ no estoy vendiendo en el tianguis/ estoy vendiendo lo que yo sé/// mi conocimiento”
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160. (E10F10) “¿y cuánto es lo menos?”/ y digo// “si no estoy vendiendo naranjas/ no estoy vendiendo en el tianguis/ estoy vendiendo lo que yo sé/// mi conocimiento”
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161. (E10F11) “¿y cuánto es lo menos?”/ y digo// “si no estoy vendiendo naranjas/ no estoy vendiendo en el tianguis/ estoy vendiendo lo que yo sé/// mi conocimiento”
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162. (E10F12) me estás conociendo/ entonces/ pues no/ no tienes por qué hombre// hay que confiar”// [pero pues sí]
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163. (E10F13) para ellos// entonces no// aquí tienes que ser fuerte// y apenas/ estás viendo algo// todavía te falta/ en un año/ vas a ver muchísimo”/
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164. (E10F14) y yo ya tengo especialidad/ y sí la puedo hacer// de hecho/ una de mis amigas/ la está estudiando/ y en la administración de hospitales/ me dice que está padrísimo//
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165. (E10F15) ingeniero mecánico/ pero él estudió una especialidad en robótica// entonces/ ahorita él está/ dando clases/ en una vocacional y en una prepa// bien chistoso porque/ en la vocacional/ es del Poli/ en la tarde/
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166. (E10F16) pero el mugroso amigo que según me iba a avisar/ él ya lo está tomando/ y nunca me dijo// le dije/ “ándele/ ándele”/ le digo/ “no te preocupes/ ya habrá otro
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167. (E10F17) con ella sí/ ella vive aquí en la Sor Juana y la visito/ ahorita está esperando bebé
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168. (E10F18) que según me estaba asesorando un tipo// que cuando le llevaba para revisiones/ me decía/ “¡ay mi hija !/ te está quedando bien bonito”/ o sea/ era lo ¡único!
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169. (E10F19) nos decían/ “¡es que ustedes son unas niñas!”// pues es que/ apenas estamos estudiando/ egresadas de la licenciatura/ y la especialidad y pues //
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170. (E10F20) “debes de leer su diagnóstico/ debes de leer qué medicamentos están tomando/ investígate// para qué son esos medicamentos/
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