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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES FACULDADE DE LETRAS ANNE KATHERYNE ESTEBE MAGGESSY A SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL ITERATIVA DA PERÍFRASE “ESTAR” + GERÚNDIO NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO ESPANHOL DO MÉXICO RIO DE JANEIRO 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES

FACULDADE DE LETRAS

ANNE KATHERYNE ESTEBE MAGGESSY

A SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL ITERATIVA DA PERÍFRASE

“ESTAR” + GERÚNDIO NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO

ESPANHOL DO MÉXICO

RIO DE JANEIRO

2013

  2  

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

A SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL ITERATIVA DA PERÍFRASE

“ESTAR” + GERÚNDIO NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO

ESPANHOL DO MÉXICO

Anne Katheryne Estebe Maggessy

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Letras

Neolatinas da Universidade Federal do Rio de

Janeiro como quesito para a obtenção do

Título de Mestre em Letras Neolatinas

(Estudos Linguísticos Neolatinos, opção:

Língua Espanhola)

Orientadora: Profa. Doutora Maria Mercedes

Riveiro Quintans Sebold

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2013

  3  

A SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL ITERATIVA DA PERÍFRASE

“ESTAR” + GERÚNDIO NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO

ESPANHOL DO MÉXICO

Anne Katheryne Estebe Maggessy

Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos mínimos para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas

(Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola)

Aprovada por:

_____________________________________________________________________

Presidente, Profa. Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold – UFRJ

_____________________________________________________________________

Profa. Doutora Adriana Leitão Martins – UFRJ

_____________________________________________________________________

Profa. Doutora Viviane C. Antunes Lima – UFRRJ

_____________________________________________________________________

Profa. Doutora Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio – UFRJ, Suplente

_____________________________________________________________________

Prof. Doutor Celso Vieira Novaes – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2013

  4  

M193s Maggessy, Anne Katheryne Estebe. A significação aspectual iterativa da perífrase "estar" + gerúndio no português do Brasil e no espanhol do México / Anne Katheryne Estebe Maggessy. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2013.

131 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Letras Neolatinas, Universidade Federal

do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Bibliografia: f. 118-121. 1. Gramática gerativa. 2. Perífrase. 3. Aspecto iterativo. Título. II. Sebold, Maria

Mercedes Riveiro Quintans.

CDD 415

  5  

Dedico esta dissertação à minha

mãe Conchita, que fez nascer em

mim o amor pela língua espanhola e

o encantamento pela vida.

  6  

AGRADECIMENTOS

Ao Deus a quem amo e sirvo, que vem mudando a minha historia de uma

maneira singular, me dando bênçãos imerecidas e sendo a minha força no caminhar.

À minha família tão dedicada por me dar a estrutura psicológica e financeira

para investir nessa carreira tão bonita e difícil. Particularmente ao meu pai George

pelos pés no chão, à minha mãe Conchita por me socorrer em qualquer dificuldade, à

minha irmã Ana Paula e ao meu cunhado Claudio pela torcida e ao meu irmão Junior,

cunhada Keyla e sobrinhas lindas Isabella e Sophia pela alegria que me proporcionam

e pela saudade que me humaniza.

Ao meu namorado Vitor tão paciente, companheiro e carinhoso, que

participou de todo o processo de feitura desta dissertação, sendo capaz de aprender

conceitos de teoria gerativa e aspecto, ouvindo todas as reclamações, frustrações e

conquistas que o mestrado é capaz de proporcionar. À sua família pela torcida, pelo

carinho e orações tão importantes.

Aos meus amigos da Igreja Presbiteriana do Riachuelo que acompanharam

todo o meu crescimento intelectual e espiritual, intercedendo e agradecendo a Deus

pela minha vida. Especialmente às minhas amigas Alice, Ingrid, Rossana e Daiane por

serem as irmãs que eu escolhi e por receberem tantas negativas a seus convites devido

aos meus estudos. Aos meus amigos Rosinha, Renato, Bruninho, Daniel, Gabriel,

Rodrigo, Dudu e Raphael pelas inteligentes e divertidas conversas, também essenciais

para o meu crescimento.

À amiga do peito Tássia pela amizade de sempre, às amigas do francês

Adriana, Carla Marins, Verônica, Renata, Natasha e Carla Nascimento que tornaram-

se amigas da vida toda e que me servem de grandes exemplos acadêmicos. Assim

como as amigas do grupo bioling como Imara, Thaís, Débora, Juju, Estrelinha,

Fernandinha, Lessa, Letícia e Patrícia por me ajudarem a entender melhor as ideias de

Chomsky de maneira tão gostosa, demonstrando companheirismo e amizade. Sem

esquecer dos queridos companheiros de mestrado como Diego, Carol Parrini, Flávia,

Mariana, Raquel, Gabriel, Gisele, Bruno, Carol, Prisicila e Taiana por dividirmos

aflições e ajudas tão importantes neste processo. Agradeço especialmente à querida

Renata Roccha, que é uma pessoa como poucas, sempre disposta a ajudar, amiga e

companheira em todos os momentos.

  7  

À minha orientadora Mercedes, pela sua competência, pelos seus

ensinamentos e paciência que foram os pilares desta dissertação. Assim como também

os ensinamentos e o carinho do professor Celso que me deram segurança em

prosseguir. À professora Consuelo, pelas suas sugestões no começo deste projeto e à

professora Letícia, por tantos ensinamentos para a minha carreira de professora.

Agradeço também à professora Teresa Wachowicz que me enviou prontamente sua

tese para que eu pudesse estudá-la e ao professor Valdecy também pelo envio de

importante material.

À CAPES por financiar esta conquista e a todo o departamento de Letras

Neolatinas da UFRJ por me darem a oportunidade de obter esse título.

  8  

RESUMO

A SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL ITERATIVA DA PERÍFRASE “ESTAR” + GERÚNDIO NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO

ESPANHOL DO MÉXICO

Anne Katheryne Estebe Maggessy

Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).

O nosso objetivo principal é verificar os fatores relevantes na composição do aspecto iterativo em sentenças com a perífrase “estar” + gerúndio (EG), em variedades do português do Brasil (PB) e do espanhol do México (EM). Consideramos o aspecto iterativo como um aspecto imperfectivo que representa um evento escalonado no decorrer do tempo. A nossa hipótese é de que fatores como tipologia verbal, argumentos pluralizados e presença de advérbio quantificador, serão relevantes na significação aspectual iterativa em sentenças com EG, tanto no PB quanto no EM.

Para tanto, selecionamos para a análise do português do Brasil um corpus oral formado por oito entrevistas transcritas do projeto NURC-RJ e para o espanhol do México, outro corpus oral também formado por oito entrevistas transcritas do projeto PRESEEA México. Ambos recopilados na década de 90, com informantes homens e mulheres, de nível superior, compreendendo a faixa etária jovem (entre 20 e 35 anos). Na seleção e tratamento dos dados, foram utilizados os programas WordSmith Tools 5.0 e GoldVarb X.

Os resultados confirmam a grande semelhança entre essas línguas, sugerindo poucas diferenças na expressão aspectual iterativa em sentenças com EG nessas línguas. Para o PB, os fatores que parecem mais relevantes são a tipologia verbal, o argumento interno plural e a presença do advérbio quantificador. Já para o EM, os fatores que parecem mais relevantes são apenas a presença de argumento interno plural e de advérbio quantificador. Além disso, a significação aspectual no PB parece estar mais estendida que no EM, pois obtivemos 53,4% de sentenças iterativas no PB, frente a 34,7% no EM.

Palavras-chave: aspecto iterativo, perífrase “estar” + gerúndio, gramática gerativa.

Rio de Janeiro Fevereiro de 2013

  9  

RESUMEN

A SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL ITERATIVA DA PERÍFRASE “ESTAR” + GERÚNDIO NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO

ESPANHOL DO MÉXICO

Anne Katheryne Estebe Maggessy

Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold

Resumen da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).

Nuestro objetivo principal es investigar los factores relevantes en la composición del aspecto iterativo en sentencias con la perífrasis “estar” + gerundio (EG), en variedades del portugués de Brasil (PB) y del español de México (EM). Consideramos el aspecto iterativo como un aspecto imperfectivo que representa un evento escalonado en el paso del tiempo. Nuestra hipótesis es que factores como tipología verbal, argumentos pluralizados y presencia de adverbio cuantificador, serán relevantes en la significación aspectual iterativa en sentencias con EG, tanto en PB como en EM.

Para tanto, seleccionamos para el análisis del portugués de Brasil un corpus oral formado por ocho entrevistas transcritas del proyecto NURC-RJ y para el español de México, otro corpus oral también formado por ocho entrevistas transcritas del proyecto PRESEEA México. Ambos recopilados en la década de 90, con informantes hombres y mujeres, de nivel superior, comprendiendo un grupo joven (entre 20 y 35 años). En la selección y tratamiento de los datos utilizamos los programas WordSmith Tools 5.0 y GoldVarb X.

Los resultados confirman la gran semejanza entre esas lenguas, sugiriendo pocas diferencias en la expresión aspectual iterativa en sentencias con EG en esas lenguas. Para el PB los factores que parecen más relevantes son la tipología verbal, el argumento interno plural y la presencia de adverbio cuantificador. Mientras para el EM, los factores que parecen más relevantes son solamente la presencia de argumento interno plural y de adverbio cuantificador. Además de eso, la significación aspectual en el PB, parece estar más extendida que en el EM, ya que obtuvimos 53,4% de sentencias iterativas en el PB, frente a 34,7 en el EM.

Palabras Clave: aspecto iterativo, perífrasis “estar” + gerundio, gramática generativa.

Rio de Janeiro Fevereiro de 2013

  10  

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11

1. A ABORDAGEM DA TEORIA GERATIVA

1.1. SOBRE A LÍNGUA COMO SISTEMA MENTAL ........................................... 14

1.2. SOBRE O PROGRAMA MINIMALISTA ......................................................... 17

1.3. SOBRE O LUGAR DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA ...................................... 19

2. O ASPECTO

2.1. A CATEGORIA DO ASPECTO ........................................................................ 24

2.2. A COMPOSICIONALIDADE ASPECTUAL ................................................... 44

3. ESTUDOS DESCRITIVOS SOBRE A PERÍFRASE EG

3.1. NO PORTUGUÊS DO BRASIL ......................................................................... 47

3.2. NO ESPANHOL ................................................................................................. 54

4. A EXPRESSÃO ASPECTUAL DA PERÍFRASE EG

4.1. ESTUDOS DE REFERÊNCIA ........................................................................... 60

4.2. A PROPOSTA ASPECTUAL ADOTADA ........................................................ 70

5. CORPUS E METODOLOGIA

5.1. SOBRE O PRESEEA-MÉXICO ......................................................................... 78

5.2. SOBRE O NURC-RJ .......................................................................................... 80

5.3. AS FERRAMENTAS DE ANÁLISE ................................................................. 82

5.4. GRUPO DE FATORES ...................................................................................... 83

6. ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS

6.1. ANÁLISE QUANTITATIVA ............................................................................. 84

6.2. ANÁLISE QUALITATIVA ............................................................................... 95

6.3. ANÁLISE SEGUNDO A PERSPECTIVA DA GRAMÁTICA GERATIVA...110

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 114

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 118

ANEXO ................................................................................................................... 122

  11  

INTRODUÇÃO

O estudo da linguagem humana pode nos levar para as qualidades distintivas

da mente que são, até onde sabemos, exclusivas do homem e inseparáveis de qualquer

fase crítica da existência humana, pessoal ou social. Detentores de um sistema

cognitivo inato, nós, seres humanos, nascemos aptos para adquirir qualquer língua

natural. Os estudiosos do gerativismo, um dos programas de investigação dentro da

linguística, tentam definir o conjunto de propriedades inatas do nosso sistema

cognitivo linguístico, a partir de dados linguísticos observados na expressão das

nossas gramáticas particulares.

A Teoria Gerativa, inaugurada pelo linguista Noam Chomsky (1957), é

considerada uma teoria mentalista e universalista, pois é uma teoria que se propõe a

entender a mente através da linguagem e que considera que todos nós somos dotados

de uma Gramática Universal (GU), que é um conjunto de princípios inatos que regem

todas as línguas. Além disso, segundo Chomsky (1986), as línguas têm mais

semelhanças que diferenças entre elas. Para o autor, se um cientista marciano viesse

ao nosso planeta sem conhecer nada sobre linguagem e observasse como nos

comunicamos, concluiria que haveria apenas uma única linguagem humana, com

diferenças apenas marginais.

Nesta dissertação, adotamos a visão de linguagem da Teoria Gerativa e nos

propomos a confirmar esse caráter de semelhança entre as línguas, particularmente

entre as variedades do português do Brasil (PB), da cidade do Rio de Janeiro, e do

espanhol do México (EM), da capital Cidade do México. Faremos isso a partir do

estudo da expressão aspectual iterativa da perífrase “estar” + gerúndio (EG) em

sentenças provenientes de corpora orais, formados por entrevistas transcritas.

Consideramos o estudo de Comrie (1976) sobre o Aspecto, que o define em

função dos diferentes modos de observar a constituição temporal interna de uma

situação. Além disso, para esse autor, esta categoria se opõe à noção de Tempo.

Segundo Comrie (1976), Tempo é uma categoria que marca nas línguas a oposição

que os fatos referidos ocupam no tempo físico e que geralmente toma como ponto de

partida o ponto dêitico da enunciação. Enquanto que Aspecto, segundo esse mesmo

autor, se opõe à noção de tempo externo, pois é uma categoria não dêitica.

Mesmo sendo categorias igualmente relevantes, se compararmos à categoria

  12  

de Tempo, o Aspecto parece ser menos estudado. Dentro da Teoria Gerativa, o estudo

da noção de Aspecto ganhou maior relevância a partir do Programa Minimalista de

Chomsky (1995), pois passou a ser considerado por alguns autores como um nódulo

na árvore sintática por ser uma categoria conceptualmente motivada, assim como a

categoria de Tempo.

Com isso, a questão que nos propomos a responder é sobre quais são os fatores

em sentenças com “estar” + gerúndio do PB e do EM que favorecem a expressão

aspectual iterativa. A nossa hipótese é de que esses fatores favorecedores serão a

presença de advérbio quantificador, de argumentos pluralizados e a tipologia

semântica do verbo, como verificado em outros trabalhos. Além disso, nos propomos

verificar se há uma interseção de traços entre os aspectos iterativo e durativo e que

traços seriam esses. Assim, pretendemos colaborar com o conhecimento sobre a

categoria do aspecto dentro dos estudos linguísticos, principalmente com a ampliação

do conhecimento sobre o aspecto iterativo, e também na ampliação do conhecimento

sobre a semelhança entre as línguas e a hipótese da universalidade dos traços.

Nosso interesse pela expressão aspectual iterativa em sentenças com a

perífrase “estar” + gerúndio (EG) se dá por sua questão interpretativa, pois apresenta

uma interessante variação de comportamento. Inicialmente, a perífrase EG foi descrita

como a que expressa somente o aspecto progressivo. O aspecto iterativo, também em

seus primeiros estudos, seria expresso somente pelo pretérito perfeito composto (“ter”

+ particípio). No entanto, atualmente é possível encontrar estudos que afirmam sobre

a possibilidade de EG também expressar o aspecto iterativo, tanto no PB quanto no

espanhol. Mas o contexto em que isso se apresenta ainda é muito pouco descrito,

principalmente em relação à língua espanhola.

Finalmente, podemos dizer que esta dissertação se enquadra nas investigações

mais recentes da teoria gerativa, o Programa Minimalista (1995), e também nos

estudos sobre a variação da leitura aspectual iterativa em sentenças com EG no

português do Brasil e no espanhol do México. Esta combinação nos proporciona um

quadro teórico que entende a língua como um sistema mental com componentes

invariáveis, cuja aquisição é regida pela Gramática Universal, por exemplo, e comuns

a todos os seres humanos. Mas que, além disso, valoriza o lugar do aspecto na

estrutura interna do sistema linguístico, sendo considerado um dos nódulos flexionais,

e importante categoria nos estudos do funcionamento da língua na mente.

  13  

Para compreendermos melhor as questões aqui introduzidas, subdividimos esta

dissertação em sete capítulos. No primeiro, trataremos de maneira mais geral os

estudos da Teoria Gerativa, focando no Programa Minimalista e no tratamento dado à

questão da variação na perspectiva gerativista. No segundo, apresentaremos alguns

estudos sobre a categoria do Aspecto e, especificamente, os estudos de Verkuyl

(2003) sobre a composicionalidade aspectual. No terceiro, faremos menção a alguns

trabalhos do português e do espanhol sobre a expressão aspectual da perífrase “estar”

+ gerúndio. No quarto capítulo, traremos os trabalhos de Wachowicz (2003) e de

Mendes (2005) e apresentaremos mais detalhadamente as características dos aspectos

durativo e iterativo. No quinto capítulo, apresentaremos o corpus e a metodologia

utilizada no tratamento dos dados e, no sexto capítulo, a análise dos dados de forma

quantitativa, qualitativa e segundo a perspectiva da gramática gerativa, com seus

respectivos resultados. E, finalmente, no sétimo capítulo, traremos as considerações

finais.

  14  

CAPÍTULO 1

A ABORDAGEM DA GRAMÁTICA GERATIVA

Neste capítulo, apresentaremos um panorama geral da Teoria Gerativa,

focando na sua versão mais atual que é o Programa Minimalista e no tratamento dado

à variação nesta perspectiva de análise linguística.

1.1. SOBRE A LÍNGUA COMO SISTEMA MENTAL

Segundo Chomsky (1928), o estudo da linguagem é bastante antigo e desperta

o interesse de investigadores desde a Índia e a Grécia clássicas. Um interessante

trabalho que consta do século XVI é o do médico espanhol Juan Huarte, que,

publicado em diversas línguas, fala sobre a natureza da inteligência humana. O que

despertou a curiosidade em Huarte foi o fato de que a palavra para “inteligência”,

ingenio, parece ter a mesma raiz latina que várias palavras com significado de

“engendrar” ou “gerar”. Para o autor, isso forneceria uma pista sobre a natureza da

mente, pois o ingenio seria um poder gerador e o entendimento, uma faculdade

gerativa. Dessa forma, na época seguinte, torna-se típica a referência ao uso da

linguagem como um indício da inteligência humana, o que distingue o homem dos

animais e, especificamente, sua ênfase na capacidade criativa da inteligência

racionalista.

Mesmo com o avanço dos estudos linguísticos, pouco dessas ideias germinou

nos períodos seguintes. Só obtivemos real propulsão na década de 50, com o linguista

norte americano Noam Chomsky, que introduziu a teoria da Gramática Gerativa. Essa

teoria tem como pressuposto teórico que as propriedades essenciais da linguagem são

determinadas por propriedades mentais e, consequentemente, estudar a linguagem

humana é estudar as propriedades da mente humana. Seu programa de investigação,

então, pretende desenvolver as três seguintes questões (Chomsky 1988:15):

(1) O que existe na mente do falante que lhe permite falar/compreender e

ter intuições de natureza fonológica, sintática e semântica sobre a sua

língua?

  15  

(2) Como este sistema de conhecimento se desenvolve na mente do

falante?

(3) Como o sistema de conhecimentos adquiridos é posto em uso?

Buscando responder a essas perguntas, Chomsky (1988) parte da hipótese de

que nossa mente é modular, ou seja, que ela é um sistema complexo, com uma

estrutura altamente diferenciada e com “faculdades” separadas, como por exemplo, a

faculdade da linguagem e a faculdade dos conceitos. Com isso, podemos dizer que a

linguagem é um módulo independente e com seus próprios princípios. Em outras

palavras, a faculdade da linguagem é considerada um sistema autônomo,

independente dos outros sistemas cognitivos da mente humana, mas que mantém com

eles uma interação complexa em pontos específicos. Além disso, podemos afirmar

também que esse sistema autônomo da faculdade da linguagem é inato

(geneticamente determinado) e exclusivo da espécie humana, possuindo “normas”

mentalmente representadas em nosso cérebro.

Em sua teoria, Chomsky chama o estado inicial da faculdade da linguagem de

Gramática Universal (GU), e a define como a soma dos princípios linguísticos

geneticamente determinados, específicos à espécie humana e uniformes através da

espécie. Uma das evidências a favor do inatismo, ou seja, da existência de uma GU,

considerada também como núcleo inato, é o argumento da pobreza de estímulos ou

Problema de Platão, que propõe que os dados primários são insuficientes para explicar

o sistema de conhecimentos que adquirimos no final. O que quer dizer que o falante

adulto tem conhecimentos sobre a sua língua e um potencial criativo sobre ela que não

podem ser explicados exclusivamente pelo ambiente linguístico inicial durante o

curso normal do processo de aquisição.

Portanto, a GU precisa ser suficientemente flexível para acomodar a variação

entre as diferentes línguas. Mas, ao mesmo tempo, precisa ter a rigidez necessária

para explicar as propriedades altamente específicas que caracterizam o conhecimento

final dos falantes. O fato de termos diferentes línguas naturais faz com que os

linguistas multipliquem os mecanismos descritivos da gramática, sem se preocuparem

com o estabelecimento de princípios que os restrinjam. Contudo, segundo Chomsky

(1986), para explicar a natureza específica da gramática do adulto, é necessário

restringir esses mecanismos através de princípios universais, diminuindo

  16  

consideravelmente o número de gramáticas que podem ser derivadas do sistema

inicial.

No entanto, restringindo a GU, os gerativistas propõem a diminuição da sua

capacidade descritiva, possibilitando a explicação da natureza altamente restritiva das

gramáticas finais e o fato de muitas das suas propriedades serem adquiridas sem

instrução explícita, correção de erros ou explicação gramatical. Sem essa restrição à

GU, por outro lado, acomodamos a variação linguística, mas corremos o risco de

perder a sua capacidade explicativa. Dessa forma, o ideal para a gramática gerativa é

chegar a um equilíbrio exato entre esses dois polos, ou seja, devemos buscar um

sistema que seja ao mesmo tempo flexível para permitir a variação linguística, mas

também restrito para explicar a rigidez final do sistema de conhecimentos adquiridos.

Segundo Raposo (1992), foi a partir dessas ideias que Chomsky, na década de

70, retirou da formulação das regras particulares os aspectos que podiam ser

convertidos em princípios gerais da linguagem e passou a atribuí-los à GU. Surgindo,

assim, o modelo da Teoria Standard Alargada. De acordo com Raposo (1992), essa

teoria propõe que a gramática contém um número distinto e independente de

componentes, cada um deles com uma organização própria caracterizada por um

pequeno número de regras e por princípios que restringem a aplicação dessas regras.

Esses componentes podem ser do tipo lexical, de interpretação de pronomes, de

anáforas, e etc. A organização interna de cada componente é simples, mas as suas

interações podem ser relativamente complexas.

Na década seguinte, segundo os estudos de Raposo (1992), Chomsky (1981)

apresenta o modelo de Princípios e Parâmetros. Esse modelo incorpora boa parte dos

resultados teóricos da Teoria Standard Alargada e potencializa a tendência para

eliminar as regras. Desse modo, fica composto essencialmente por princípios

extremamente gerais, distribuídos pelos vários componentes, e cuja interação

determina representações muito complexas. Além dos princípios rígidos que tínhamos

até aqui, existe agora um sistema de princípios abertos, chamados de parâmetros.

Estes são uma espécie de comutadores linguísticos cujo valor definitivo apenas é

atingido durante o processo de aquisição, através da sua fixação em uma de duas

posições possíveis com base na informação obtida a partir do meio ambiente

linguístico. Assim, a aquisição passa a ser entendida como o crescimento e a

maturação da GU, que passa de um estado apenas parcialmente especificado (com

  17  

parâmetros por fixar) a um estado completamente especificado (com os parâmetros

fixados), funcionando assim como um sistema computacional.

Para representar esse sistema, a Gramática Gerativa se utiliza da representação

sintática em árvore. A árvore é uma estrutura hierárquica composta por nódulos

binários da “estrutura de constituintes”1. Inicialmente, essa representação sintática era

proposta para o nível sintagmático. Com o intuito de que essa estrutura sintagmática

fosse também estendida à estrutura sentencial, os gerativistas propuseram que o

auxiliar (AUX) fosse o núcleo da sentença. Entretanto, como em algumas sentenças

ao invés do auxiliar tem-se apenas uma flexão agregada ao verbo, sugeriram, mais

tarde, que a flexão (FLEX ou I2) fosse o núcleo da sentença.

No entanto, esse tipo de representação com a flexão no núcleo da sentença,

abrigando as informações flexionais do verbo, foi muito discutido e, ao longo do

tempo, surgiram várias propostas de mudanças. Uma das propostas de grande

relevância para os estudos na área da linguística gerativa se refere à constituição da

camada flexional e foi desenvolvido por Pollock em 1989. Em seu trabalho, Pollock

(1989) tinha como objetivo encontrar uma explicação que desse conta da posição dos

verbos em relação aos advérbios, às partículas de negação e aos quantificadores no

francês e no inglês. Sua intenção era conseguir que uma mesma árvore pudesse conter

todos os nódulos necessários para todo tipo de movimento do verbo.

A partir de diversos exemplos extraídos das duas línguas e de assumir que o

advérbio tem posição fixa na sentença e que a posição de origem é [Adv + V], Pollock

(1989) fez algumas observações. Uma delas é que, em sentenças finitas no francês, o

verbo sempre se deslocava para a esquerda do advérbio quando havia, por exemplo,

um marcador de negação ou um quantificador. Enquanto no inglês, não havia tal

movimento, salvo com verbos não lexicais (be / have). Já nas orações não-finitas com

verbos lexicais, o verbo segue o marcador de negação (Neg + V) e antecede o

advérbio (V + Adv) no francês e, em inglês, a negação antecede o verbo (Neg + V).

Com verbos não lexicais o verbo pode anteceder ou se pospor à negação no francês.

Enquanto no inglês a possibilidade de [V + Neg] seria duvidável.

Pollock (1989) propôs, então, que haveria dois sítios de aterrisagem para o

verbo, e não apenas um. Esses sítios ficaram conhecidos como aqueles que abrigam o

                                                                                                               1  Organização de uma frase em grupos hierárquicos complexos construídos a partir de elementos de

níveis inferiores incluídos em estruturas maiores. 2 A sigla I vem do inglês Inflection, que significa flexão.

  18  

movimento curto e o movimento longo. O movimento curto ocorre quando os verbos

não-finitos do francês se movem para uma posição entre a partícula de negação e a

posição ocupada pelo advérbio / quantificador, esse sítio de aterrissagem seria o

nódulo que abrigaria as informações de concordância (AGRP3). Já os verbos lexicais

finitos do francês realizariam os movimentos longos e o sítio de aterrissagem

abrigaria as informações de tempo verbal (TP). Dessa forma, para dar conta do

comportamento do verbo em orações finitas e não-finitas e, após observar tais

movimentos, Pollock (1989) percebeu que uma única posição na camada flexional

não poderia dar conta das diferentes posições do verbo no francês. E concluiu que era

necessário cindir o nódulo flexional em dois: tempo (TP) e concordância (AGRP).

O estudo de Pollock (1989) se faz importante nesta dissertação, porque

modifica o olhar sobre a camada flexional e dá início a uma nova perspectiva dentro

da Teoria Gerativa, que se consolida com os estudos do Programa Minimalista, como

veremos a seguir.

1.2. SOBRE O PROGRAMA MINIMALISTA

Com o advento do Programa Minimalista (PM) na década de 90, Chomsky

(1995) propõe que a linguagem seja descrita em termos de economia e simplicidade, e

por isso pontuou que categorias que não eram conceptualmente motivadas eram

elementos supérfluos na camada flexional.

Assim, a linguagem passa a ser descrita como formada por dois componentes

básicos: o léxico e o sistema computacional. O léxico seria responsável pelas

diferenças entre línguas e estaria constituído por elementos substantivos, com

propriedades idiossincráticas (nomes, verbos, etc.), e por algumas categorias

funcionais (marcador de tempo, complementizador, determinante e marcador de

concordância, por exemplo). Já o sistema computacional estaria composto por

princípios invariáveis e seria responsável por utilizar os itens fornecidos pelo léxico

para gerar as derivações linguísticas.

O PM entende o léxico como “uma lista de exceções”, ou seja, uma entrada

lexical deveria fornecer propriedades idiossincráticas que são minimamente

suficientes para se derivar uma representação para os componentes de Forma Lógica

                                                                                                               3 AGR é uma abreviação do inglês agreement que quer dizer concordância em português.

  19  

(LF) e Forma Fonética (PF)4. Com isso, para o PM, cabe às entradas lexicais

especificar os traços que não são predizíveis a partir de outras propriedades da entrada

lexical. Enquanto cabe ao sistema computacional verificar os traços.

Ao contrário da visão de Pollock (1989) de que os verbos se moviam para

incorporar afixos, no PM, o movimento do verbo ocorre para checar os traços que já

estariam presentes no verbo desde o início. Dessa forma, há uma mudança de foco, da

afixação de morfologia verbal para a checagem de traços. Pois, no PM, já não se

defende mais a operação de movimento do verbo como servindo para a incorporação

de afixos verbais ao radical.

O movimento agora é compreendido como uma operação para a checagem dos

traços flexionais presentes nos verbos de uma determinada língua – informação já

disponível na entrada lexical – com os traços invariáveis presentes nas categorias

flexionais das línguas. Portanto, antes se defendia a ideia de que o verbo vinha do

léxico nu e se movimentava para incorporar os morfemas de tempo, concordância,

etc., depois se passou a defender que o verbo já viria flexionado e se movimentaria

para checar a compatibilidade desse morfema com os traços especificados na

categoria funcional.

Esses traços, segundo o PM, são binários, marcados positivamente para um

traço presente e marcados negativamente para um traço ausente. Um verbo seria

classificado, portanto, como [+V] e [-N]. Além disso, para o PM há dois tipos de

traços lexicais: aqueles que recebem interpretação apenas na interface fonológica (se

começa por consoante ou vogal, por exemplo) e aqueles que recebem interpretação

somente na interface semântica (se é roupa, alimento e etc.). Há também os traços

formais, que são acessados no decorrer da computação, como por exemplo,

[±Passado] e [±Plural]. Dentro do grupo de traços formais, alguns são intrínsecos,

estritamente determinados por propriedades enumeradas na entrada lexical. Outros

são opcionais, acrescentados no momento em que o item lexical entra na computação.

Sendo assim, um traço formal pode ser forte ou fraco. Caso seja forte, esse

traço desencadeia uma operação visível, ou seja, uma operação antes de Spell-out5

para que seus traços sejam eliminados através da sua verificação antes que uma

estrutura maior seja formada. Caso contrário, a derivação fracassa nas interfaces. Por

                                                                                                               4  A LF e PF são níveis da interface com os sistemas externos, fornecedores das representações de som e

significado que serão lidas pelos sistemas de desempenho. 5  Spell-out é o ponto da computação em que a estrutura formada entra para o componente fonético.  

  20  

isso, se diz que a propriedade de força de um traço seria um dos elementos de

variação linguística. Dessa forma, a questão dos traços tem uma grande importância

para a sintaxe minimalista uma vez que, nessa abordagem, cada traço projetaria um

nódulo na árvore e isso teria consequência direta na hierarquia ou sequência das

categorias funcionais.

Finalmente, com o intuito de atender às condições impostas pelo sistema

conceptual-intencional 6 , somente traços interpretáveis, ou seja, conceptualmente

motivados, projetariam nódulos relevantes na árvore sintática. Com isso, Chomsky

(1995) observou que a concordância verbal (AGR) não seria uma categoria

conceptualmente motivada, já que o fato de um verbo estar no singular ou no plural

não interferiria na interpretação desse verbo, nem mesmo na interpretação do sujeito

sentencial como singular ou plural. E, por isso, AGR não se justificaria como um

nódulo na árvore sintática. Então, surgiu a necessidade de eleger uma nova categoria

para ocupar esse lugar e Koopman e Sportiche (1991, apud Carvalho 2007) foram os

primeiros a propor que a categoria funcional de aspecto (ASP) ocuparia essa posição.

A partir daí, os estudos sobre o aspecto passam a ganhar maior relevância dentro da

teoria linguística.

O Programa Minimalista é relevante para este trabalho, não só pelo seu

entendimento de língua como sistema mental, mas também pela relevância dos traços

linguísticos. Além disso, neste momento da teoria, a categoria funcional de aspecto

passa a ocupar um nódulo na árvore sintática, o que dá a essa categoria um caráter

importante no estudo do funcionamento da língua na mente. A dissertação que aqui

se apresenta considerará para a perífrase “estar” + gerúndio a expressão dos traços

aspectuais [+ durativo] e [+ iterativo] e investigará a possibilidade de interseção

desses traços.

1.3. SOBRE O LUGAR DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

A Gramática Gerativa é uma teoria que advoga a favor do universalismo, ou

seja, para essa teoria as línguas humanas são mais semelhantes do que diferentes. No

entanto, é possível falar de variação em uma teoria como a da Gramática Gerativa?

                                                                                                               6 É o sistema de desempenho que interage com o sistema da linguagem e que é responsável pela

interpretação das representações semânticas.

  21  

A variação linguística que aqui trataremos se refere à expressão aspectual da

perífrase “estar” + gerúndio na variedade carioca do português do Brasil e na

variedade da Cidade do México do espanhol do México. Queremos observar quais os

contextos nas sentenças com essa perífrase que propiciam o aspecto ora durativo e ora

iterativo. E acreditamos que a teoria gerativa nos dará a base teórica para tal, como

veremos a seguir.

Segundo Menegotto (2003), é no final da década de 60 que surge o real

conflito entre a teoria gerativa e os estudos da variação. O modelo gerativo elaborado

a partir de “Estruturas Sintáticas” (1957) e “Aspectos da Teoria da Sintaxe” (1965)

descrevia adequadamente a existência de diferentes estruturas. Entretanto, tal modelo

não explicava o porquê da existência dessas diferenças e o porquê de alguns casos

obedecerem a uma regra e outros casos obedecerem à outra. Como vimos

anteriormente, a evidente falta de adequação explicativa do modelo gerativo standard

nas suas diferentes versões exigiu que se restringissem os sistemas de regras e

transformações. Foi, então, com a teoria de Princípios e Parâmetros (P&P) que

começou a haver algum equilíbrio entre os estudos da variação e a gramática gerativa.

Nessa teoria de P&P, Chomsky sugere que a GU é um conjunto de princípios

muito gerais, em que alguns princípios serão parametrizados, ou seja, sujeito a um

certo grau de variação. Os parâmetros, então, são alternativas concretas oferecidas à

GU e que vão permitir que, ao atuar com o meio, a criança que está adquirindo a

língua selecione automaticamente as opções pertinentes para a língua a que está

exposta. Com isso, podemos dizer que, nessa teoria, a variação linguística é entendida

como uma variação interlinguística, ou seja, entre as diferentes línguas humanas,

como consequência da existência de diferenças entre as diferentes línguas I7. Logo,

graças a esses parâmetros, a GU dá a possibilidade de que adquiramos qualquer língua

humana. Dessa forma, enquanto os princípios explicarão aquilo que todas as línguas

têm em comum, os parâmetros explicarão em que aspectos essas línguas diferem.

Na teoria de Regência e Ligação (1981), que dá origem à teoria de P&P,

Chomsky (1981) já apresenta um modelo mais restritivo que os anteriores, posto que

os sistemas de regras e princípios propostos se relacionam e cooperam para permitir

um número mínimo de representações linguísticas. Nesse sentido, a teoria de

                                                                                                               7  A língua I é o objeto de estudo da gramática gerativa. É um conceito individual e interno à mente, ou seja, é um conjunto de construções, hipóteses, parâmetros, que o indivíduo desenvolve ao adquirir sua língua, formando um sistema de conhecimento linguístico interno na mente.

  22  

Regência e Ligação tem mais força explicativa que os modelos anteriores, porque se

assumimos que essas regras e princípios se encontram na etapa inicial da

aprendizagem linguística, podemos dar conta do fato de que uma criança desenvolve

um sistema tão complexo como sua gramática em condições não muito favoráveis

para o aprendizado em um tempo bastante curto.

Com relação à variação na teoria da Regência e Ligação (1981), os

parâmetros são apenas sintáticos, ou seja, a possibilidade de que a língua I de

diferentes falantes fosse diferente entre si é uma propriedade constitutiva do sistema

computacional. A preocupação pela identificação e a caracterização precisa de cada

parâmetro proposto levou cada vez mais à comparação de variedades próximas, com a

expectativa de encontrar duas variedades que se diferenciassem em apenas um

parâmetro. Esses estudos de variação, em geral, segundo Menegotto (2003), têm o

objetivo de demonstrar se é válido ou inválido um determinado parâmetro, ou

confirmar uma certa reformulação da teoria geral. Quer dizer, esses estudos têm um

objetivo estritamente teórico de identificar com precisão um conjunto de fenômenos

sintáticos associados, de tal maneira que, se na língua existe um desses fenômenos,

necessariamente devem aparecer outros.

Também de acordo com Menegotto (2003), a mudança da teoria de Regência e

Ligação para o modelo do PM resultou em uma grande mudança com relação ao lugar

da variação na teoria gerativa. Se aceitarmos a hipótese de que o sistema conceptual-

intencional é também comum à espécie humana, a consequência imediata é que a

representação na Forma Lógica deve ser idêntica em todas as línguas. Ou então, se as

representações na Forma Fonética fossem universalmente idênticas, não haveria

diferenças evidentes entre as línguas. Assim, segundo Chomsky (1995), uma fonte

importante de origem da variação interlinguística será encontrada na forma fonética.

A outra fonte de variação linguística é o léxico. Chomsky (1999 apud

Menegotto 2003), já inserido no PM, afirma que estão na GU os princípios invariáveis

do S0 (o estado inicial) e a gama de variação possível. Para ele, a variação tem que ser

determinada a partir dos dados linguísticos primários adquiridos pela criança. Dessa

forma, é esperado que se encontre certo grau de variação no componente da Forma

Fonética e em alguns aspectos do léxico, como na flexão e no parâmetro do núcleo,

por exemplo. A variação na sintaxe explícita ou no componente da forma lógica,

segundo Chomsky, seria mais problemática, posto que a evidência só pode ser muito

indireta. Com isso, para esse autor, não há variação que esteja além das opções da

  23  

Forma Fonética e das partes não substantivas do léxico e das propriedades gerais dos

elementos léxicos. Concluímos, então, que só há um sistema computacional e um

léxico, que possui um número limitado de variedades.

E onde estariam as possíveis diferenças na expressão aspectual iterativa em

sentenças com a perífrase “estar” + gerúndio entre as variedades do português do

Brasil e do espanhol do México? Como já sabemos que a forma de expressar a

categoria do Aspecto é a mesma em português e em espanhol, havendo diferenças,

essas seriam apenas de caráter composicional, como o fato do tipo de verbo

influenciar em uma língua e na outra não. Essa variação, então, pensando na

afirmação de Chomsky (1999 apud Menegotto 2003), possivelmente estaria dentro

das propriedades gerais do léxico.

Ainda assim, por mais que haja variação entre as línguas, Chomsky (1986)

afirma que há mais semelhanças do que diferenças entre elas. Segundo ele, se um

cientista marciano viesse ao nosso planeta e porventura observasse a nossa forma de

comunicação, estaria certo de que só haveria uma linguagem humana e que as

diferenças seriam apenas marginais, como no léxico, por exemplo. Estudos

gerativistas, a partir da segunda metade do século XX, têm realizado comparações

entre as línguas e observado componentes invariáveis entre todas as línguas. Mas os

estudos sobre suas diferenças nunca perderam seu verdadeiro espaço.

Finalmente, podemos dizer que a existência de variação interlinguística é

consequência direta das propriedades da GU. Segundo Menegotto (2003), a variação

interlinguística dentro do PM propõe que as diferenças paramétricas entre as línguas I

são o resultado da presença ou da ausência de traços formais nas peças léxicas:

particularmente, de traços paramétricos ativos ou inertes que podem, por sua vez,

serem marcados ou não, ou seja, que a existência de variação interlinguística é uma

consequência de propriedades formais da gramática universal. Com isso, esta

dissertação tentará verificar que traços estão envolvidos na possível variação da

expressão aspectual iterativa das variedades do português do Brasil e do espanhol do

México.

  24  

CAPÍTULO 2

O ASPECTO

Neste capítulo, apresentaremos o tratamento dado ao aspecto pelos autores

mais relevantes para o estudo que aqui se apresenta, que é o caso de Comrie (1976),

Vendler (1967), De Miguel (1999) e Castilho (1968). Além disso, trataremos do tema

da composicionalidade aspectual, através dos estudos de Verkuyl (2003), que dará a

base para o entendimento do processo de análise dos dados.

2.1. A CATEGORIA DO ASPECTO

2.1.1. COMRIE (1976)

O trabalho de Comrie (1976) é um dos mais citados quando o tema é aspecto.

Segundo este autor, o aspecto se define em função dos diferentes modos de observar a

constituição temporal interna de uma situação. O aspecto se opõe à noção de tempo

externo, que está relacionada à noção de Tempo, uma categoria dêitica. Ou seja, para

esse autor, o Tempo (do inglês, tense) é uma categoria que marca nas línguas a

posição que os fatos referidos ocupam no tempo físico e que toma como ponto de

partida, por exemplo, o ponto dêitico da enunciação.

Embora tempo e aspecto representem conceitos diferentes, muitas vezes eles

são representados em um mesmo morfema verbal nas línguas. Por exemplo, os verbos

do português conjugados no Pretérito Imperfeito representam no mesmo morfema

verbal as categorias de tempo e de aspecto. No caso da palavra “andava”, percebe-se

que a desinência “-va” acumula os valores de passado e de imperfectivo, um dos

aspectos das línguas que será discutido mais adiante.

Entretanto, nem toda a expressão aspectual manifestada nos verbos apresenta o

tempo e o aspecto no mesmo morfema. Uma das manifestações aspectuais presente

nas línguas é a que indica que uma ação está em andamento no momento do ato da

fala. No caso do português do Brasil, essa manifestação aspectual é comumente

representada pela perífrase formada pelo verbo auxiliar “estar” mais o verbo principal

no gerúndio. Por exemplo, na sentença “Alice está escrevendo uma carta”, o tempo

está representado no auxiliar que, nesse caso, está no presente e o aspecto está mais

  25  

claramente representado no verbo principal, que está no gerúndio.

Além do aspecto gramatical, Comrie (1976) trata do aspecto semântico ou

lexical, que, para a literatura atual, refere-se às propriedades aspectuais inerentes às

raízes verbais e a outros itens lexicais empregados pelo enunciador para descrever

uma dada situação. As distinções aspectuais relativas a essa categoria não seriam

codificadas por meio de marcas gramaticais visíveis. Para tanto, Vendler (1967)

organiza um modelo de categorias verbais levando em consideração certos traços

semânticos inerentes às raízes dos verbos. Tal estudo é bastante importante para esta

dissertação e será explicado com detalhes mais abaixo.

Em seu estudo sobre o aspecto, Comrie (1976) afirma haver dois aspectos

básicos nas línguas, o aspecto perfectivo e o imperfectivo. O aspecto perfectivo trata a

situação ou evento como um todo, completo. E o aspecto imperfectivo se refere

essencialmente à estrutura interna de uma situação, vendo-a de dentro. Essa oposição

é gramaticalizada em diversas línguas, como por exemplo, no português e no

espanhol. Ao observarmos os exemplos “Vitor estava lendo um livro” e “Vitor leu um

livro”, percebemos que ambas as sentenças referem-se ao passado. Contudo, há uma

diferença no modo como a constituição interna da situação é vista, ou seja, há uma

diferença aspectual entre elas. Enquanto na primeira o aspecto é imperfectivo, na

segunda é perfectivo.

O autor também propõe uma subdivisão para o aspecto imperfectivo em dois

conceitos distintos: habitual e contínuo/durativo. O primeiro refere-se a uma situação

que ocorre habitualmente num determinado período de tempo de maneira não

acidental, como na primeira oração do exemplo: “Vitor fazia comida todos os dias”. O

segundo representa uma ação em andamento, em progresso, durante determinado

período de tempo, como na oração do exemplo: “Vitor estava fazendo comida quando

tocou o telefone.” Nesses últimos exemplos, temos o que Comrie (1976) denomina de

“aspecto gramatical”, ou seja, a distinção aspectual é expressa pela morfologia verbal,

através do morfema “–ia” (imperfectivo habitual) e da perífrase “estar” + gerúndio

(imperfectivo contínuo).

Com relação às ações contínuas ou durativas, o autor afirma que são aquelas

descritas como em andamento em determinado período de tempo. O autor propõe

ainda que o imperfectivo durativo se subdivida em progressivo, como é expresso pelo

verbo “jogar” em “Todas as tardes, quando Vitor chegava a casa, as crianças estavam

jogando no computador” e em não progressivo, como é expresso também pelo verbo

  26  

“jogar” em “Todas as tardes, quando Vitor chegava a casa, as crianças jogavam no

computador”. Além disso, Comrie (1976) destaca que uma definição geral de

progressividade pode ser mais bem entendida como uma combinação de sentido

progressivo e não estativo, uma vez que as características de um verbo de estado

seriam incompatíveis com a noção de progressividade, já que a ideia fornecida por um

verbo estático é incompatível com o caráter essencialmente dinâmico do progressivo.

Entretanto, o autor acrescenta que cada língua tem suas próprias regras de quais

verbos podem aparecer na forma progressiva.

Quanto ao imperfectivo habitual, Comrie (1976) explica que o que é comum a

todas as ações habituais é o fato delas serem características de um determinado

período de tempo, de modo que elas não sejam vistas como acidentais. O autor chama

a atenção para que não sejam igualados os conceitos de habitualidade e iteratividade,

ocorrência sucessiva de uma mesma situação, pois uma ação habitual não é

necessariamente iterativa. Sentenças com a expressão “used to” do inglês são

utilizadas pelo autor como exemplos típicos de ações habituais: “Jones used to live in

Patagonia” (Jones morava na Patagonia). Entretanto, Comrie (1976) não deixa claro

se a iteratividade seria um aspecto ou se estaria dentro do aspecto imperfectivo como

a habitualidade ou até mesmo se estaria dentro da habitualidade. O autor só quer

esclarecer que a habitualidade e a iteratividade são conceitos diferentes, embora

apresentem traços semelhantes.

Além dos aspectos perfectivo e imperfectivo, Comrie (1976) propõe um

terceiro aspecto, o aspecto perfeito (perfect). O autor também não esclarece se esse

faz parte de um dos aspectos básicos definidos por ele anteriormente. Mas define o

aspecto perfeito como o que estabelece uma relação entre dois pontos do tempo: o

tempo do estado resultante da situação e o tempo da situação. Segundo esse autor, o

aspecto perfeito é expresso pelo pretérito perfeito composto, tanto no português

(tenho estudado) quanto no espanhol (he estudiado).

É interessante notar que estudos do português, como o de Travaglia (2006),

afirmam que a perífrase “ter” + particípio (tenho estudado) expressa canonicamente o

aspecto iterativo, o que nos faz relacionar o aspecto perfeito com o iterativo,

observando uma possibilidade de interseção de traços entre esses aspectos. Já que o

iterativo, além de representar um evento escalonado, também representa um evento

que começou no passado, mas que continua tendo relevância no presente, assim como

o aspecto perfeito. Já Górbova (2007) aproximará o aspecto perfeito do aspecto

  27  

progressivo, pois, para essa autora, ambos representam um prolongamento da ação.

Acreditamos que essas relações ocorrem porque esses aspectos, no caso o

progressivo, o iterativo e o perfeito, possuem traços semelhantes devido à relação que

há entre eles e o aspecto imperfectivo. Embora Comrie (1976) não esclareça essa

relação, a não ser a do progressivo como subtipo do imperfectivo, observamos que ela

é bastante possível para o português e o espanhol. Por isso, propomos, nesta

dissertação, que os aspectos perfeito e iterativo, assim como o progressivo, também

estão inseridos dentro do aspecto imperfectivo.

Seguindo com o trabalho de Comrie (1976), esse ainda descreve algumas

distinções aspectuais relacionadas a determinados tempos verbais e afirma que o

tempo que mais frequentemente apresenta distinções aspectuais é o tempo passado.

Além disso, ele sugere que o presente, por ser um tempo essencialmente descritivo,

normalmente carrega um significado imperfectivo. Vejamos abaixo o diagrama das

oposições aspectuais segundo Comrie:

Figura 1: Quadro aspectual de Comrie (1976, p. 25)

Nesta dissertação, investigamos o imperfectivo progressivo com o auxiliar

“estar” no tempo presente, frente a sua possibilidade de dividir traços com o aspecto

  28  

iterativo. Como observamos anteriormente, o autor não deixa claro o status aspectual

do iterativo. Embora o relacione com o habitual, Comrie (1976) não considera a

diferença estabelecida entre habitual e progressivo como uma distinção aspectual

básica nas línguas, posto que habitual e progressivo seriam subdivisões do aspecto

imperfectivo. Entretanto, neste estudo, o progressivo, o habitual e o iterativo serão

tratados como aspectos verbais. Além disso, seguindo Martins (2006), utilizaremos o

termo progressivo, ao invés do termo contínuo, pelo fato dos verbos investigados

terem sentido não-estático. E, conforme discutido anteriormente, segundo Comrie

(1976), uma ação contínua expressa por verbos não-estáticos caracteriza o valor

progressivo dos verbos nas línguas.

A seguir trataremos do trabalho de Vendler (1967), que apresenta uma

tipologia verbal interessante e coerente, que organiza um modelo de categorias

verbais levando em consideração certos traços semânticos inerentes às raízes dos

verbos. Esta tipologia verbal de Vendler (1967) é bastante usada nos estudos

linguísticos mais recentes e também será adotada nesta dissertação.

2.1.3. VENDLER (1967)

Vendler (1967) baseia seu estudo no comportamento dos verbos dentro de

certos tempos cronológicos e considera o verbo um lexema atemporal. Segundo o

autor, sua classificação traz de forma sistemática uma discussão iniciada, na

antiguidade, por Aristóteles e retoma os trabalhos de outros pesquisadores como Ryle

e Kenny (apud Vendler 1967).

Sua classificação separa os verbos em quatro categorias, de acordo com o tipo

de situação que expressam: states – estados pois expressam uma propriedade

inalienável do sujeito e fatos não modificáveis (como “acreditar”, “amar”, “querer”),

activities – atividades, pois descrevem um processo que envolve algum tipo de

atividade mental ou física (como “caminhar”, “correr”, “nadar”), accomplishments –

processos culminados, pois informam sobre uma duração intrínseca com estágios

sucessivos (como “ler um livro”, “construir uma casa”, “fazer um bolo”) e

achievements – culminações, pois se referem a eventos instantâneos apresentando o

começo ou o clímax do evento (como “cair”, “começar”, “encontrar”).

Também podemos dizer que sua classificação se dá num nível lexical, mas o

  29  

próprio Vendler (1967) reconhece que a diferença entre uma e outra classe de verbos

não pode ser explicada em termos somente de tempo (presente, passado e futuro).

Pois, de acordo com o autor, há outros fatores importantes a serem considerados,

como a presença ou ausência de objeto, condições e estados de coisas pretendidos. Ou

seja, é necessário observar as especificidades de outros elementos envolvidos no

predicado, ou, em outras palavras, no nível da sentença. Além disso, sua classificação

envolve a detecção de um esquema temporal que se baseia em três oposições que

permitem definir cada tipo de aspecto como um conjunto de traços:

1- A dinamicidade que opõe os estados ([ - dinâmico]) aos demais tipos ([ +

dinâmico]);

2- O fato de ser pontual que opõe a culminação ([ + pontual ]) aos demais ([ -

pontual], ou seja, durativo);

3- A telicidade que opõe processos culminados e culminações ([ + télico]) às

atividades e estados ([- télico]).

E o que seria essa telicidade? Uma situação é télica se existe um final inerente

à mesma, que deve ser alcançado para que se possa dizer que tal situação aconteceu

(como em “Escreveu um livro”). E uma situação é atélica quando não possui um fim

inerente, tem lugar desde o momento que começa e a partir daí pode prolongar-se

indefinidamente ( como em “Ele escreveu livros”).

Com isso, podemos dizer que os verbos de atividade são aqueles que

descrevem processos dinâmicos, durativos e atélicos, ou seja, o final da ação não é

intrínseco ao verbo, e a ação, em si, tem duração temporal indefinida; a atividade não

envolve culminância ou resultado antecipado e são homogêneos. Em outras palavras,

se um VP8 atividade é verdadeiro para um determinado intervalo de tempo, será

verdadeiro para qualquer um dos subintervalos desse intervalo. Numa frase como

“Alice cozinhou o dia todo”, a existência de pequenos lapsos de tempo em que ela não

cozinhou não impede a leitura de cozinhar como um processo.

Com relação aos verbos de estado, podemos afirmar que ocorrem ao longo da

linha do tempo e sem um ponto final, não são considerados ação, não constituem

mudanças e também são homogêneos como os de atividade. O que quer dizer que, no

exemplo “João ama Alice”, em qualquer subdivisão temporal possível dessa oração,

                                                                                                               8  Verbo Principal  

  30  

será verdade que João ama Alice, ou seja, A amou B durante um intervalo de tempo I,

significa que em qualquer subintervalo de I, A amou B.

Os verbos cujo aspecto lexical é de processo culminado são verbos com

duração intrínseca, com estágios sucessivos e um ponto de culminância, que

representa a finalização do processo com uma mudança de estado, como por exemplo:

“Alice cozinhou um bolo”. Se A cozinhou um bolo em um intervalo de tempo I,

existe um subintervalo I em que A começou a cozinhar o bolo e existe um

subintervalo I que é o momento exato em que A terminou de cozinhar o bolo.

Enquanto os verbos de culminação são os que descrevem eventos instantâneos, não

possuem estágios e são heterogêneos, o que quer dizer que o valor de verdade de sua

totalidade não pode se estender para suas partes. Opõem-se aos de processo

culminado por referirem-se ao fim da ação e não ao processo inteiro, como no

exemplo: “Alice caiu”.

Em relação aos verbos de atividade e aos de processo culminado, observamos

que ambos têm traços muito próximos ([+ durativo] e [+ dinâmico]) e se diferenciam

apenas pela telicidade. Dessa forma, um verbo de atividade pode se tornar facilmente

de processo culminado, a partir do uso de um complemento. Isso quer dizer que a

atividade de “pintar” pode se transformar em um processo culminado uma vez que se

estabeleça uma faixa limítrofe ou uma meta a partir da inserção de um complemento,

como em “pintar um quadro”.

Como observamos acima, algumas características são compartilhadas por

essas categorias. Uma das distinções que o autor fez foi separar os verbos do tipo

atividade e processo culminado como pertencentes a um gênero e os do tipo estado e

culminação pertencentes a outro. O critério usado para isso foi o fato de, segundo ele,

os verbos do tipo estado, assim como os do tipo culminação, não assumirem o

progressivo. Mas esse é um critério que, se aplicado ao português ou ao espanhol, por

exemplo, não funciona. Pois, verbos do tipo estado como “ser”, “estar” e outros, nas

diferentes línguas românicas, admitem o progressivo, como vemos nos exemplos em

(10) e o mesmo ocorre com os verbos do tipo culminação, como vemos em (11).

(10) a. Alice está querendo comer um doce.

b. A mãe está amando a demonstração de carinho do filho.

c. A cada día Alice está queriendo más a Juan.

  31  

d. Juan está odiando la idea de ir a la fiesta.9

(11) a. Chame os bombeiros que o prédio está caindo.

b. Alice está resolvendo um problema.

c. Maria está empezando a caminar.

d. Los jóvenes están descubriendo la libertad.10

O que acontece, na verdade, e que já foi apontado por Comrie (1976 apud

Gabardo 2001), é que tanto os verbos do tipo estado como os verbos do tipo

culminação, nessas situações, assumem a função do verbo do tipo atividade, no

sentido que a ação se torna um evento iterativo. O que confirma o que De Miguel

(1999) propõe e que será apresentado mais abixo, de que, se um verbo estativo

apresenta uma leitura dinâmica, não homogênea, poderá apresentar-se na forma

progressiva, sem estranheza de sentido. E, dependendo da presença de determinados

modificadores adverbiais, poderá sim apresentar uma leitura aspectual iterativa.

Nesta dissertação, consideramos que, para haver a expressão do aspecto

iterativo em sentenças com “estar” + gerúndio, é necessário mais do que um

determinado tipo de verbo na forma do progressivo. Consideramos o aspecto iterativo

como a representação de um evento com escalonamento no decorrer do tempo, com a

possibilidade de serem inseridos adjuntos de frequência como “repetidas vezes” e

“frequentemente”.

2.1.2. DE MIGUEL (1999)

Outro importante estudo sobre o aspecto é o de De Miguel (1999). A autora

trata o aspecto a partir de seu caráter composicional. Na distinção entre tempo e

aspecto, De Miguel (1999) afirma que tanto tempo quanto aspecto são noções

relacionadas à temporalidade dos eventos verbais. Para a autora, o tempo localizaria o

evento em um tempo externo, orientando-o em relação ao momento de fala, ou seja,                                                                                                                9  (10) c. A cada dia Alice está gostando mais de Juan. d. João está odiando a ideia de ir a festa. 10 (11) c. Maria está começando a caminhar. d. Os jovens estão descobrindo a liberdade.    

  32  

marcando se o evento ocorreu antes do momento da enunciação (passado), se ocorre

naquele momento (presente) ou se ainda ocorrerá (futuro). O tempo seria, portanto,

uma categoria dêitica. Já o aspecto trataria essa temporalidade como uma propriedade

inerente ou interna do próprio evento, sem fazer referência ao momento da fala. Com

isso, o aspecto seria, então, definido como uma categoria não dêitica, uma vez que

nele há uma visão do evento como um todo, sem fazer referência ao momento da

enunciação.

Em seu trabalho, De Miguel (1999) apresenta o aspecto léxico e o aspecto

flexivo. Segundo a autora, o aspecto léxico, de forma geral, se refere à informação

aspectual contida nas unidades léxicas que constituem os predicados, como sujeito,

complementos e outros elementos como modificadores adverbias e etc., ou seja, é um

aspecto que possui uma natureza composicional. Já o aspecto flexivo se refere à

informação relativa ao modo em que tem lugar um evento que vem proporcionado

pelos morfemas flexivos do verbo. Esses aspectos podem ser comparados ao aspecto

gramatical e ao aspecto flexivo de Comrie (1976) que vimos acima.

Para De Miguel (1999) os significados aspectuais podem ser expressos no

interior do verbo ou em estruturas mais amplas, enumerando os diferentes elementos

que influenciam na especificação aspectual de um predicado. O primeiro elemento

que a autora cita é a raiz verbal, pois defende que os diferentes significados aspectuais

podem ser trazidos pelo verbo, mais especificamente pela raiz verbal. Exemplifica

mostrando verbos que expressam eventos que não mudam (como “odiar” e “saber”,

por exemplo), que depois dará o nome de estativos. Apresenta verbos que trazem a

ideia de eventos que acabam (como por exemplo “nascer” e “morrer”), que poderão

ser do tipo processo culminado ou culminação. E apresenta também, entre outros,

verbos que não acabam (como “andar” e “viajar”, por exemplo), que podem ser

considerados verbos de atividade.

O segundo elemento citado pela autora que poderá influenciar na

especificação aspectual de um predicado seria o afixo derivativo. A autora

exemplifica com o prefixo re-, que estaria dotado de um valor intensificador. Quando

utilizado com um verbo que indica um evento delimitado, esse prefixo admite

repetição, dando ao verbo um valor iterativo, portanto “reconstruir” é voltar a

construir. Entretanto, quando o verbo indica um evento não delimitado, o valor que

acrescenta é o intensivo, sendo assim “reter” não indicaria a repetição da ação, e sim

demonstraria a intensidade com que se realiza o evento. A autora ressalta que há

  33  

certos verbos delimitados como “cortar” ou “matar” com os quais o prefixo “re-”

apenas traria o valor intensivo. Isso se daria devido ao fato de que os objetos desses

tipos de verbos deixam de existir uma vez que o evento acaba, sendo assim a ação não

poderia ser feita da mesma forma sobre o mesmo objeto (não se pode matar alguém

pela segunda vez - “rematar”).

O terceiro elemento que influencia na especificação aspectual de um predicado

no espanhol, segundo a autora, é o “se” (me, te...) delimitador. Esse “se” traz uma

marca aspectual que informa a delimitação de um evento. Segundo ela, o “se”

aparecerá com verbo que marque que o evento tem um limite, um fim e esse pronome

só poderá aparecer se o verbo tiver um complemento direto. Observe os exemplos que

a autora utiliza (p.2995):

(1) a. Juan (*se) come normalmente en este bar.

b. Juan (*se) come tortilla siempre que puede.

c. Juan #(se) comió una tortilla él solo11.

Para De Miguel (1999), apenas será possível utilizar o “se” na sentença (1c),

uma vez que o complemento “una tortilla” traz um limite para o evento. Embora nessa

sentença o uso de “se” não seja obrigatório, ele reforça a ideia de limite do evento.

Outro uso do “se”, dado pela autora, é com verbos inacusativos, entretanto ainda será

necessário que haja alguma delimitação do evento para que esse pronome possa ser

utilizado. Nesses casos, o que trará essa delimitação será um sintagma que marque

explícita ou implicitamente o início do evento, ou seja, com verbos inacusativos, o

“se” também traz uma marca aspectual de limite, embora seja um limite inicial. Em

“El libro #(se) ha caído del estante12”, o sintagma preposicional “del estante” marca o

ponto de partida do evento, sendo assim é permitido o uso do “se”, ao contrário do

que ocorre em “La lluvia (*se) cae”13. No entanto, se pensamos no português,

verificamos que todos os usos de “se” acima seriam impossíveis nessa língua. O que

nos leva a crer que esse critério não seria válido para o português.

                                                                                                               11  (1) a. Juan (*se) come normalmente neste bar. b. Juan (*se) como omelete sempre que pode. c. Juan #(se) comeu um omelete ele sozinho. Essa sentença em português é agramatical. 12  O livro #(se) caiu da prateleira. 13  A chuva (*se) cai.

  34  

De Miguel (1999) também trata dos elementos que estão relacionados ao

contexto sintático que se encontra em torno do verbo como determinantes na

aspectualidade de um predicado. Esses elementos seriam os complementos dos

verbos, os advérbios ou locuções adverbiais, o sujeito da oração e os verbos modais.

Com relação aos advérbios e locuções adverbiais, a autora afirma que a

presença desses pode reforçar ou modificar um determinado valor aspectual do verbo

como unidade léxica. Como vemos nos exemplos abaixo (p. 3000):

(2) a. El secretario leyó el informe durante una hora.

b. El secretario leyó el informe en una hora14.

Observamos que na frase (2a), devido à locução adverbial temporal, é possível

entender que a ação de “leer el informe” aconteceu por uma hora e em cada momento

desse intervalo de tempo é verdade que o sujeito esteve lendo o documento. Já em

(2b), o marcador temporal “en una hora” demonstra o tempo que o sujeito levou para

ler o documento, o que não ocorre em nenhum momento do intervalo descrito, ou

seja, antes de uma hora, a ação de ler o documento ainda não havia ocorrido. Outros

exemplos são (p.3002):

(3) a. De repente, Inés se acordó de aquel inquietante sueño.

b. Durante años, Inés se acordó de aquel inquietante sueño15.

Para a autora, o marcador temporal “de repente”, na sentença (3a), traz uma

leitura aspectual pontual do evento. Entretanto, o marcador “durante años” é um

advérbio que implica em uma leitura reiterativa.

O próximo elemento sobre o qual De Miguel (1999: 3004) se detém é o sujeito

da oração. A autora defende que o valor aspectual de certos predicados irá variar

dependendo do tipo de sujeito (contável ou não contável16; coletivo ou individual17;

                                                                                                               14  (2) a) O secretário leu o relatório durante uma hora. b) O secretário leu o informe em uma hora. 15  (3) a) De repente, Inês se lembrou daquele inquietante sonho. b) Durante anos, Inês se lembrou daquele inquietante sonho. 16  Classificar o sujeito como contável ou não contável tem a ver com o tipo de substantivo que compõe o sujeito. Substantivos contáveis são aqueles que se referem a coisas que não podem ser divididas sem deixar de ser o que são (árvore, mesa). Já os não contáveis podem ser divididos e não deixam de ser o que são (água, vinho). Um pouco de vinho sempre será vinho mas um pedaço de mesa não será uma

  35  

agentivo ou não agentivo18; genérico ou específico19). Vejamos os exemplos abaixo:

(4) a. La lluvia cayó durante toda la tarde.

b. El árbol cayó al golpearlo el hacha20.

Em (4a), segundo ela, o sujeito “lluvia” (chuva) é não contável e por isso não

pode delimitar o evento de “cair a chuva”, sendo assim temos uma leitura de evento

não delimitado e durativo. Já “árbol” (árvore) é um nome contável possível de

delimitar o evento no qual participa, por isso temos, então, uma leitura de evento

delimitado e pontual.

O esquema abaixo traduz de maneira simplificada as possibilidades de

expressão das distintas informações contidas na aspectualidade:

aspecto léxico

aspecto léxico-sintático

Figura 2: Manifestação da aspectualidade em espanhol de De Miguel (1999, p. 2993)

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             mesa. 17  O substantivo coletivo é um nome no singular que se refere a um conjunto de elementos (família, cardume). O individual, ao contrário, se refere a um só elemento (mãe, peixe). 18  Sujeito agentivo é aquele que é agente da ação e sujeito não agentivo é aquele que não provoca diretamente a ação. 19  O sujeito específico será quando se referir a um objeto ou indivíduo determinado. Já o genérico, se refere a objetos ou indivíduos não determinados. 20  (4) a. A chuva caiu durante toda a tarde. b. A árvore caiu ao ser cortada pelo machado.  

Aspectualidade

Oracional

Marcas léxicas e funcionais (advérbios, negação)

Características gramaticais dos participantes no evento (função semântica, número, determinação e quantificação)

Verbal

Oposição de formas de um mesmo verbo (a oposição imperfeito/perfeito simples)

Afixos derivativos (-re)

Oposição de classes aspectuais de verbos (os modos de ação: viajar/ chegar)

Certas combinações de verbos (modos de ação analíticos: as perífrases verbais)

aspecto flexivo

  36  

Os fatores que influenciam na especificação aspectual de um predicado ou,

em outras palavras, fatores composicionais envolvidos na aspectualidade, descritos

por De Miguel (1999), são interessantes para este trabalho porque contribuem para a

análise da composicionalidade do aspecto iterativo, que faremos mais adiante. Além

dos fatores composicionais, outro tema que aqui também se faz importante, tratado

pela autora, é o das diferenças entre o uso da forma do progressivo no português e o

uso da forma do progressivo no espanhol.

Segundo a autora, uma das características que diferencia o progressivo no

português do progressivo no espanhol é o fato de que, no espanhol, não se pode usar

verbos de estado com perífrases do tipo “estar” + gerúndio. Para a autora, a razão

dessa inaceitabilidade está no fato de que seria semanticamente contraditório

expressar o progresso no tempo de um evento que se caracteriza por não manifestar o

avanço ou a mudança. No entanto, esse critério nem sempre funciona: com o verbo

“conocer”/ “conhecer” é fácil imaginar exemplos aceitáveis com formas progressivas

(p. 3013):

(5) a. Juan está conociendo ahora el verdadero carácter de su primo.

b. Juan está este verano conociendo a mis abuelos.

c. Los estudiantes están conociendo rápidamente las tascas de la ciudad.21

Mas, para a autora, segundo se deduz do significado dos exemplos de (5), o

verbo conocer/conhecer apresenta um sentido ingressivo (equivalente a “começar,

passar a conhecer ou familiarizar-se”) que dinamiza o evento denotado ao “enfocar

uma fase” – possibilidade negada se o evento se mantivesse homogêneo. De acordo

com De Miguel (1999), quase todos os verbos estativos em espanhol podem

apresentar formas progressivas. A exceção, de acordo com ela, é o próprio verbo

“estar”. O verbo “ser”, ao contrário, é possível de ser usado: cf. “Está siendo.../ *está

estando...”. Mas é preciso que se cumpram certas condições contextuais que

proporcionem uma leitura dinamizada de tal evento, como no exemplo em (6) (p.

3014):

                                                                                                               21  (5)  a. Juan está conhecendo agora o verdadeiro caráter do seu primo. b. Juan está este verão conhecendo meus avós. c. Os estudantes estão conhecendo rapidamente os bares da cidade.

  37  

(6) a. Te estoy queriendo cada vez más.

b. Juan está odiando a su primo en estos días más de lo que le habrán

odiado en toda su vida.

c. Estoy sabiendo cada vez más cosas sobre ese amigo tuyo tan misterioso.

d. Estos días estoy teniendo muchos problemas con el fax.

e. Últimamente estoy teniendo suerte en todo.22

Segundo a autora, não se espera que os verbos lexicamente estativos de (6a-e)

aceitem formas progressivas. Mas isso pode ocorrer quando o contexto proporciona

uma leitura dinâmica, de acordo com a qual se descreve um evento que avança em

fases sucessivas ou uma acumulação de estados que se repetem (cada vez más, en

estos días, estos días, ultimamente).

Dessa forma, De Miguel (1999: 3013 e 3014) afirma que (6a) e (6b) são

predicados cuja intensidade dá a entender que o evento avança gradualmente: não são,

pois, homogêneos, mas sim, dinâmicos. Em (6c) a leitura recebida é a correspondente

a um verbo de conteúdo similar, mas dotado de dinamismo: enteirar-se (enterarse).

Ou seja, o evento descrito não é propriamente um estado, mas sim o começo de um

estado ou seu desenvolvimento: em suma, constitui um evento ingressivo como

ocorria no exemplo de “conocer” em (5). Com relação a (6d), a aceitabilidade provém

do fato de que o OD23 (“problemas”) permite que o evento denote um fato que está

ocorrendo de maneira repetida: o de suceder os problemas. Em (6e) o nome contínuo

“suerte/sorte”, por sua denotação acumulativa, facilita uma interpretação dinâmica do

evento: se dá sucessivamente o estado de ter sorte. Logo, em sentido estrito, (6d, e)

também não prediz em um estado do sujeito e sim um evento iterativo, que se repete.

Se o OD de (6d, e) fosse “muchos libros/ muitos livros”, o predicado não admitiria, ao

contrário, a leitura progressiva (*{Estos días/ ultimamente} estoy teniendo muchos

libros).

Em outras palavras, percebemos que mesmo que a definição de um verbo do

tipo estado seja o fato de que no período em que se dá não experimenta nenhuma

mudança ou avanço, ele poderá apresentar a forma progressiva. Pois a presença de                                                                                                                22  (6) a.  Estou te querendo cada vez mais. b. Juan está odiando seu primo nestes dias mais do que o teriam odiado em toda sua vida. c. Estou sabendo cada vez mais coisas sobre esse amigo teu tão misterioso. d. Estes dias estou tendo muitos problemas com o fax. e. Ultimamente estou tendo sorte em tudo. 23  Objeto Direto  

  38  

determinados modificadores adverbiais ou de certos objetos diretos pode dinamizar a

informação – estativa – atribuída ao verbo como unidade léxica, tal como vimos em

(6).

De Miguel segue, então, seu estudo sobre o aspecto léxico, a partir da

classificação verbal vendleriana, que veremos mais a seguir. Sendo assim, afirma que

tanto os verbos de atividade como os de processo culminado aceitam a perífrase EG,

pois progridem no tempo (p. 3031).

(7) a. Amaya (nadaba/ estaba nadando) en la piscina.

b. Amaya (nadaba/ estaba nadando) hasta el puente.

c. Jorge (comía/ estaba comiendo) pizza.

d. Jorge (comía/ estaba comiendo) una pizza.24

Já os eventos de culminação ou escassamente durativos, segundo a autora, não

deveriam apresentar a forma progressiva, pois possuem a característica de não

avançar no tempo. O mesmo ocorre com os verbos verdadeiramente pontuais, que só

aceitam a construção se sabemos que está descrevendo um evento no mesmo instante

em que ocorre (não enquanto progride), como em (8a, b); quando o verbo de

culminação se combina com uma perífrase progressiva, assinala que o evento é

iminente, que está a ponto de ocorrer (se o verbo é ingressivo, como os de (8c, d), o

que está a ponto de acabar é a fase prévia ao ponto em que a culminação ocorre, como

acontece com os terminativos de (8e, f)) (p. 3035):

(8) a. #Raúl está marcando un gol.

b. # La bomba está explotando.

c. En este momento, el AVE está saliendo de Santa Justa.

d. Eduardo se está mareando.

e. El abuelo se está muriendo.

f. El libro se estaba cayendo del estante.25

                                                                                                               24  (7) a. Amaya (nadava/estava nadando) na piscina. b. Amaya (nadava/ estava nadando) até a ponte. c. Jorge (comia/ estava comendo) pizza. d. Jorge (comia/ estava comendo) uma pizza. 25  (8) a. #Raúl está marcando um gol. b. # A bomba está explodindo. c. Neste momento, o AVE (trem de alta velocidade espanhol) está saindo de Santa Justa.

  39  

Os exemplos de (8), para ela, confirmam a diferença entre aqueles eventos de

culminação que ocorrem em um ponto (8a, b), os que culminam em um ponto inicial

(8c, d) e os que culminam em um ponto final (8e, f). Em qualquer caso, segundo De

Miguel (1999), a duração desse tipo de evento é praticamente inexistente, sendo

inaceitável o uso da perífrase, quando acrescentamos um advérbio como “todavía/

ainda” nas sentenças de (8). Isso ocorre, de acordo com a autora, porque “todavía” é

um advérbio aspectual que enfoca a fase intermediária do evento, pois quer dizer que

“antes já ocorria o fato e agora continua ocorrendo”. Observamos essa

impossibilidade nos exemplos de (9 a-e).

Entretanto, para a autora, se o evento é ingressivo e depois de culminar em um

ponto vai seguido de um processo (dinâmico e durativo), essa segunda fase pode sim

apresentar o advérbio “todavía” (como no caso de hervir/ferver em (9f)). Se o

resultado do início da culminação é um estado, não se admite a perífrase progressiva

combinada com “todavía”, posto que os estados não progridem. A não ser que o

evento seja interpretado como habitual, ou seja, que assinale que o evento já ocorria

no momento temporal anterior (não em uma fase anterior do próprio evento), como é

o caso de marearse/enjoar em (9g):

(9) a. *Raúl está marcando um gol todavía.

b. *La bomba está explotando todavía.

c. ??En este momento, el AVE está saliendo todavía de Santa Justa.

d. *El abuelo se está muriendo todavía.

e. *El libro se estaba cayendo todavía del estante.

f. El agua todavía está hirviendo (= sigue hirviendo)

g. #Eduardo todavia se está mareando (= sigue mareándose, como

hábito).26

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              d. Eduardo está enjoando. (Este “se” reflexivo em português não é usado) e. O avô está morrendo. (Aqui também o “se” reflexivo não é usado) f. O livro estava caindo da prateleira. (Mais uma vez, não usamos o “se” reflexivo) 26  (9) a. *Raúl ainda está marcando um gol. b. *A bomba ainda está explodindo. c. ?? Neste momento, o AVE ainda está saindo de Santa Justa. d. *O avô ainda está morrendo. e. *O livro ainda estava caindo da prateleira. f. A água ainda estava fervendo. (= segue fervendo) g. #Eduardo ainda está enjoando. (= segue enjoando, como hábito)

  40  

Para De Miguel (1999), os estados, os processos e as ações/ atividades

(tenham ou não limite, tenham ou não duração, sejam únicos ou repetidos) se

constroem combinando a informação aspectual expressa pelo verbo como unidade

léxica com a informação semântica e estrutural contida nos sintagmas nominais que

designam os participantes no evento e em outros elementos que compõem o

predicado, e também com o aspecto flexivo da forma em que o verbo aparece

conjugado.

2.1.4. CASTILHO (1968, 1984, 2002)

Nos estudos voltados para o português do Brasil (PB), um dos principais

teóricos e precursores do estudo do aspecto, foi Castilho (1968). Comparado aos

trabalhos de Comrie (1976) e De Miguel (1999), apresenta uma definição de aspecto

próxima, considera a ideia de composicionalidade aspectual e da existência dos

aspectos perfectivo e imperfectivo, mas se afasta um pouco quanto a outros tipos de

aspectos, como veremos mais adiante. Além de ser considerado por muitos

pesquisadores brasileiros como um estudo base da aspectologia, alguns de seus

trabalhos são importantes nesta dissertação, pois contribuem para a nossa reflexão

sobre a expressão aspectual iterativa da perífrase “estar” + gerúndio.

Em seu primeiro trabalho, o autor define o aspecto em três passagens

diferentes de seu estudo. Mas podemos dizer que Castilho (1968, p.14) conceitua o

aspecto como a visão objetiva da relação entre o processo e o estado expressos pelo

verbo e a ideia de duração ou desenvolvimento. Sendo o aspecto, para o autor, a

representação espacial do processo.

Nesse seu primeiro trabalho, Castilho (1968) aponta como meios de expressão

do aspecto o semantema do verbo, a flexão temporal, os adjuntos adverbiais, certos

tipos oracionais, o complemento do verbo, as perífrases e os sufixos. Pois, segundo o

autor, o item que traduz as noções aspectuais é o verbo detentor de significação plena,

pois, para ele, onde há verbo, há aspecto. Abaixo podemos observar o primeiro

quadro aspectual apresentado por Castilho (1968) para o português brasileiro.

  41  

VALORES ASPECTOS

1. Duração Imperfectivo

Inceptivo

Cursivo

Terminativo

2. Completamento

Perfectivo

Pontual

Resultativo

Cessativo

3. Repetição

Iterativo

Iterativo Imperfectivo

Iterativo Perfectivo

4. Negação da Duração e do completamento -

Neutralidade

Indeterminado

O aspecto imperfectivo, para Castilho (1968), indica duração pura e simples e

pode ser: inceptivo – começo de ação e mudança de estado; cursivo – duração da qual

se ignoram os limites, podendo ser ampliada ou restrita; terminativo – o término da

ação depois de ter tido um período de duração (expresso por verbos como: acabar,

terminar, cessar, etc.). O aspecto perfectivo indica o completamento da ação e pode

ser: pontual – processo acabado tão logo tenha sido iniciado; resultativo – o

complemento da ação implica um resultado; cessativo – marca fortemente a

interrupção do processo. O aspecto iterativo indica repetição e pode ser: perfectivo –

ação pontual, ex.: “respondia que nada sabia”; imperfectivo – ação durativa, ex.:

“falam de mim”. E o aspecto indeterminado não é nem perfectivo, nem imperfectivo,

é representado por frases que expressam verdades gerais, como no exemplo dado pelo

autor “a terra gira em torno do sol”.

Em Castilho (1984 apud Sousa 1998), o autor já começa a tratar o aspecto

como mais uma propriedade dos enunciados do que do verbo, admitindo que outros

elementos interagem na expressão do aspecto, o tipo oracional, adjuntos adverbiais e a

flexão temporal. Nesse estudo, o autor, tenta dar uma nova configuração ao quadro

  42  

aspectual anteriormente exposto. Podemos dizer que, graficamente, o altera, pois dá

relevo ao caráter pluridimensional do aspecto, razão por que desaconselha a proposta

de uma tipologia de caráter excludente. É a enunciação como um todo, juntamente

com as suas partes, como os tipos de argumento, marcadores adverbiais e etc., que

indicará as noções aspectuais atualizadas no enunciado. Em essência, contudo, os

valores aspectuais permanecem semelhantes aos anteriores, conforme podemos

visualizar abaixo no modelo semântico para o aspecto:

Figura 3: Modelo semântico para o aspecto de Castilho (1984 apud Sousa 1998, p. 53)

Castilho (1984 apud Sousa 1998) passa a dividir o aspecto em operação e

resultado. No resultado está inserido a face resultativa que engloba o aspecto

resultativo. Na operação está inserida a face qualitativa27 do aspecto, na qual o evento

                                                                                                               27  A face qualitativa parece representar o modo de ver da ação. Pois no imperfectivo temos a

resultado Operação

face quantitativa face qualitativa

operação singular

operação repetitiva

operação durativa

operação global

face resultativa

fases da operação

Aspecto

fim meio início

semelfactivo iterativo imperf. incep.

imperf. cursivo

imperf.term.

perf. pontual

resultativo

  43  

seria apresentado como acabado, chamado de aspecto perfectivo, ou inacabado,

chamado de aspecto imperfectivo. O aspecto imperfectivo se dividiria em inceptivo,

cursivo e terminativo, e o aspecto perfectivo apenas em pontual. Além disso, dentro

da face de operação está inserida outra face, a face quantitativa28, que diz respeito à

ocorrência do evento descrito, que pode ser singular (que ocorre apenas umas vez),

chamado de aspecto semelfactivo, ou uma ocorrência habitual, reiterada, chamado de

aspecto iterativo.

No entanto, o autor observa que nas sentenças (12) e (13) a ação ocorreu uma

única vez. Isso leva a reconhecer, na opinião do autor, que o aspecto tem igualmente

uma face quantitativa, distinguindo-se a ocorrência singular (aspecto semelfactivo) da

ocorrência múltipla, habitual ou reiterada (aspecto iterativo).

(12) “você primeiro arruma as malas... você já está na rua... a mala já está

arrumada”;

(13) “fecha os olhos e concentra-se: por que os vizinhos vivem dizendo tantas

coisas sobre sua família?”;

Embora em seu trabalho de 2002 Castilho mantenha o quadro aspectual

proposto anteriormente, neste momento o autor define o aspecto verbal como uma

“propriedade da predicação que consiste em representar os graus do desenvolvimento

do estado de coisas aí codificado, ou, por outras palavras, as fases que ele pode

compreender” (2002:83).

No que diz respeito à perífrase “estar” + gerúndio, Castilho (2002) afirma que

a grande maioria das perífrases gerundivas analisadas no corpus do Projeto NURC

(São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador) expressa o aspecto imperfectivo cursivo e

constata que 70% delas têm como auxiliar o verbo “estar”. Segundo o autor, quando o

verbo no gerúndio indica mudança de estado, como em “A cidade (...) está crescendo

desordenadamente”, indica-se uma duração mais gradual, o que constitui um subtipo

do imperfectivo cursivo. Para o autor, a perífrase poderia ser mais legitimamente

denominada de “progressiva”. E para que EG expresse a iteratividade, uma série de                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              

visualização do desenvolvimento ou curso de uma ação ou evento, qualificando-se um intervalo de tempo cujo desfecho não é relevante; já no perfectivo, ou não se configura um intervalo de tempo, ou a distância entre o começo e o fim do desenvolvimento de uma ação é mínima, de modo que ela é visualizada como um ponto.

28 Já a face quantitativa distingue o múltiplo (iterativo) do singular (semelfactivo), representando realmente um valor de quantidade da ação.

  44  

requisitos são obrigatórios, segundo o autor. Seriam esses a pluralização dos

argumentos, no caso o argumento externo, como no exemplo (14), e/ou a ocorrência

de adverbiais, como no exemplo (15). Faltando tais requisitos, essa perífrase

expressaria o semelfactivo, seja imperfectivo ou perfectivo29.

(14) estão controlando a poluição de ar agora né?

(15) embora não tenhamos a lista... que vocês são... no total cinquenta e um...

quer dizer sempre tá faltando... não é um pouco

Embora seja utilizado por muitos estudiosos que trabalharam com a expressão

aspectual da perífrase “estar” + gerúndio como, por exemplo, Wachowicz (2003) e

Mendes (2005), no quadro proposto por Castilho, parece haver certa confusão quanto

à terminologia adotada. Pois o autor emprega, em alguns casos, a mesma

nomenclatura aspectual para designar situações diferentes, como é o caso dos aspectos

perfectivo e imperfectivo. O aspecto imperfectivo pode ser apenas imperfectivo ou

pode ser iterativo imperfectivo ou semelfactivo imperfectivo, assim como o aspecto

perfectivo, que poderá ser apenas perfectivo ou iterativo perfectivo ou até mesmo

semelfactivo perfectivo. Parece-nos que o excesso de aspectos acaba por gerar

confusão quanto à expressão desses na língua. Já que os limites, em geral, são pouco

definidos.

2.2. A COMPOSICIONALIDADE ASPECTUAL

Em trabalhos descritos anteriormente, vimos que todos os autores concordam

que a categoria de aspecto é entendida como resultante de múltiplas variáveis. De

Miguel (1999), por exemplo, enumera os diferentes elementos que influenciam na

especificação aspectual de um predicado. Sendo assim, a informação aspectual é tida

como sendo expressa não apenas por um único morfema ou item lexical, mas pelo

somatório de várias informações disponíveis na sentença.

                                                                                                               29 Para Castilho (2000), o aspecto verbal possui uma “dupla face”, já que os critérios qualitativo e

quantitativo não se aplicam de modo mutuamente exclusivo. Com isso, as ações e eventos podem ser: imperfectivas/semelfactivas, imperfectivas/iterativas, perfectivas/semelfactivas, perfectivas/iterativas.

  45  

Aplicando as ideias de Verkuyl (2003), Celeri (2008) ilustra a ideia da

composicionalidade aspectual com a noção de que moléculas são estruturas

complexas formadas por átomos, e estes por componentes ainda menores e que cada

um destes componentes tem especificidades e desempenham papéis singulares nessa

composição, ou seja, a ideia de que estruturas menores se unem na composição de

estruturas maiores. Com isso, podemos dizer que o objetivo do estudo da

composicionalidade aspectual pode ser a identificação dos itens que contribuem de

alguma forma para a expressão do aspecto verbal.

Segundo Verkuyl (2003), foi Frege, na década de 60, que começou a expressar

ideias sobre a construção do complexo significado de expressões e frases sobre a base

de suas partes menores, ou seja, sobre a composicionalidade aspectual, só que voltado

para os estudos da semântica. Nessa mesma década, segundo Verkuyl (2003), os

estudos de Chomsky sobre as estruturas sintagmáticas permitiram que a noção de

composicionalidade aspectual fosse aplicada nas estruturas arbóreas. Ou seja, a ideia

de composicionalidade na linguística surge, então, propondo que a construção do

sentido de sintagmas e frases seja vista a partir da união de seus componentes

menores, que seriam os verbos com seus argumentos, na formação de unidades

maiores.

Para colocar em prática essa interação, Verkuyl (2003) propõe dois traços, um

relacionado à natureza do complemento e outro à natureza do verbo. O primeiro traço,

[±SQA], que quer dizer [±Specified Quantity of A] ([± Quantidade especificada de

A]), está relacionado à cardinalidade do sintagma nominal. Se este se refere a algo

que pode ser exaustivamente contado ou medido, trata-se de um sintagma de

cardinalidade especificada como “um bolo”, “quatro bolos”, etc., diferentemente de

“bolos”, “uvas”, etc., que pertencem ao grupo de elementos de cardinalidade não

especificada. Mas só o tratamento nominal não basta. Conforme apontado acima, se a

ideia é ler o aspecto composicionalmente, há que se considerar também a natureza do

verbo, bem como a combinação entre verbo e NP30.

O segundo traço, [±ADDTO], vem da abreviatura additive, e visa à distinção

entre verbos estativos como “odiar”, por exemplo, e verbos de atividade como

“comer”. A propriedade [+ADDTO] do verbo expressaria um progresso dinâmico,

mudança, não estatividade ou qualquer outro termo que o distinga de um verbo

                                                                                                               30 Sintagma Nominal

  46  

estativo, que teria um valor negativo para tal propriedade. É interessante observar que

o traço [±ADDTO] é atribuição restrita ao conteúdo lexical do verbo, na sua forma

não-flexionada. Sua morfologia, ou a combinação com o NP argumento interno,

formando o VP, não interessa para a atribuição do traço [±ADDTO]. É justamente a

combinação desse traço com os traços [±SQA] dos argumentos, juntamente com a

atuação da morfologia verbal, que vai definir algum valor aspectual. É, justamente,

por isso, que Verkuyl nomeia sua teoria de ‘composicional’.

Wachowicz (2003) foi quem aplicou aos dados do português do Brasil (PB) a

teoria dos traços composicionais de Verkuyl, e investigou a expressão aspectual do

progressivo na estrutura arbórea. Embora nosso tema de estudo esteja relacionado à

composicionalidade aspectual e à expressão do progressivo, nesta dissertação não

utilizaremos essa metodologia de investigação, pois o nosso objetivo está mais

relacionado com a expressão do aspecto iterativo por EG e não com a gama de

aspectos que EG pode expressar.

No próximo capítulo, apresentaremos mais pesquisas, tanto no português

quanto no espanhol, que trataram do aspecto expresso em sentenças com a perífrase

“estar” + gerúndio, como forma de revisão bibliográfica. E no capítulo que segue,

apresentaremos os trabalhos de maior relevância para o que aqui se apresenta, os

quais serão a base para a investigação da composicionalidade aspectual em sentenças

com a perífrase “estar” + gerúndio.

  47  

CAPÍTULO 3

ESTUDOS DESCRITIVOS SOBRE A PERÍFRASE “ESTAR” + GERÚNDIO

Neste capítulo, apresentaremos alguns trabalhos como forma de revisão

bibliográfica, que nos darão um panorama do que tem sido descrito acerca da

expressão aspectual da perífrase “estar” + gerúndio por falantes do português

brasileiro e do espanhol.

3.1. NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Selecionamos para representar os estudos do português do Brasil (PB) dois

trabalhos que trazem importantes contribuições para esta dissertação. O primeiro

estudo a ser apresentado neste capítulo, Longo & Campos (2002), focará o papel do

auxiliar na composição aspectual da perífrase. E o segundo, Travaglia (2006), um

estudo consagrado sobre a aspectualidade para o português do Brasil, trará

importantes contribuições sobre a expressão aspectual da perífrase “estar” + gerúndio.

3.1.1. LONGO & CAMPOS (2002)

Longo & Campos (2002) tratam o aspecto como categoria não dêitica através

da qual se quantifica o evento expresso pelo verbo ou se expressa a constituição

interna de fases, momentos ou intervalos de tempo que se incluem nesse evento,

considerando basicamente a distinção entre perfectivo e imperfectivo. Enquanto que a

noção de tempo, para as autoras, seria uma categoria dêitica que expressa relações de

anterioridade, simultaneidade ou posterioridade entre os momentos da fala, do evento

e da referência. Essas definições condizem perfeitamente com o que vimos até aqui

sobre a diferença entre tempo e aspecto.

Entretanto, as autoras apresentam o quadro aspectual proposto por Longo

(1990, apud Longo & Campos, 2002), que é grande e com aspectos muito próximos.

Esses aspectos são chamados de valores pelas autoras. Os aspectos propostos são:

  48  

inceptivo, ingressivo, cursivo, progressivo, permansivo, habitual, iterativo, cessativo,

resultativo e perfectivo.

Nesse trabalho, Longo & Campos (2002) focam a auxiliaridade nas perífrases

de tempo e aspecto no português brasileiro falado. Para as autoras, a auxiliaridade

pode ser definida como uma relação de complementação entre duas formas verbais. O

auxiliar então seria uma forma relacional que toma por complemento um verbo-base e

a perífrase ou locução verbal, um complexo unitário que reúne um verbo e uma forma

de infinitivo, gerúndio ou particípio numa só predicação.

A perífrase “estar” + gerúndio (EG) é tratada, pelas autoras, como uma

perífrase aspectual, pois indica além do tempo, o aspecto, ou seja, como o evento se

desenrola no tempo. Para Longo & Campos (2002), embora os auxiliares possam

apresentar determinados valores básicos isoladamente, ao se formarem as perífrases,

eles podem manter esses valores ou adquirir novos, dependendo de outros elementos

com os quais se combinam na construção da frase.

Dessa forma, segundo essas autoras, é difícil relacionar cada perífrase verbal a

um determinado valor semântico, porque é possível identificar várias interpretações

semânticas para uma mesma perífrase, dependendo de uma série de fatores, que,

segundo Mendes (apud Longo & Campos, 2002), são de natureza léxico-semântica

(tipo de base a que se une), morfológica (atuação da flexão), sintática (tipos de

argumentos ou adjuntos a que se une) ou discursiva (diferentes contextualizações

levam a diferentes interpretações das perífrases). Essa afirmação reitera a

possibilidade da perífrase “estar” + gerúndio expressar os aspectos progressivo,

durativo e iterativo, dependendo do contexto em que se apresenta.

Em uma análise do corpus mínimo do Projeto NURC (São Paulo, Rio de

Janeiro e Salvador) com perífrases aspectuais e temporais, Longo & Campos

(2002:451) encontraram as seguintes interpretações semânticas expressadas por EG:

os aspectos cursivo, progressivo, iterativo e o ingressivo.

O aspecto cursivo, segundo as autoras, apresenta o evento em pleno

desenvolvimento, sem considerar seu início, fim ou progressão, como no exemplo

“então a criança a depender das fases que está estudando tem:: material específico

né?”. Sendo que, neste exemplo, também pode ter o aspecto semelfactivo para as

autoras, pois se refere a um ato único, uma ação singular. O aspecto progressivo é

caracterizado como aquele que apresenta o evento em evolução, como no exemplo “o

teatro eu acho que está caminhando... está melhorando”, sendo que neste exemplo,

  49  

além do aspecto progressivo, haveria também o aspecto cursivo. O aspecto iterativo,

segundo os autores, indica uma ação terminada que se realizou em várias etapas,

como no exemplo “então eu (es)tive vendo preço de aluguel de apartamentos” ou, da

mesma forma, faz referência a uma pluralidade de ações, como no exemplo “o

período de transmissão é aquele em que o indivíduo está eliminando bacilos”. Este

exemplo também pode apresentar o aspecto cursivo, sendo para as autoras também

considerado iterativo devido ao segundo argumento, no caso “bacilos”, estar na forma

do plural. Já o aspecto ingressivo apresenta um evento limitado a seu estado inicial,

como no exemplo “depois quando vai encenar eu acho que o pessoal já está sabendo

mais do que de cor”.

Finalmente, Longo & Campos (2002:474) concluem o seu estudo afirmando

que a diversidade de perífrases presentes na oralidade é menor do que na língua

escrita e que as nuances semânticas também se reduzem, podendo os valores

derivativos serem originados composicionalmente. Em outras palavras, podemos dizer

que são poucas as perífrases utilizadas na oralidade quando comparamos com a língua

escrita, e que essas variam pouco de sentido, a não ser quando influenciadas pelo

contexto. Além disso, as autoras atestaram que há um predomínio absoluto das

construções com EG, que parecem estar assumindo o papel de outras perífrases como

“andar a, tornar a, voltar a + infinitivo” e “andar + gerúndio” (valor iterativo) e “estar

a + infinitivo” e “seguir e vir + gerúndio” (valor cursivo).

Ao verificarmos a possibilidade de EG expressar o aspecto iterativo,

confirmamos o fato de EG, de alguma forma, estar substituindo perífrases que

expressam canonicamente o iterativo, como a perífrase “ter” + particípio, por

exemplo. No trabalho de Mendes (2005), que trataremos no próximo capítulo, há a

confirmação da gradativa substituição de “ter” + particípio por EG, o que parece

suscitar que EG esteja estendendo seu valor semântico e, consequentemente, sua

expressão aspectual.

3.1.2. TRAVAGLIA (2006)

Outro importante autor da descrição aspectual do português do Brasil é

Travaglia (2006), que seguindo um quadro aspectual bastante parecido ao de Castilho

& Moraes de Castilho (1994), afirma que “aspecto é uma categoria verbal de tempo,

  50  

não dêitica, através da qual se marca a duração da situação e/ou suas fases, sendo que

estas podem ser consideradas sob diferentes pontos de vista, a saber: o do

desenvolvimento, o do completamento e o da realização da situação” (2006: 40).

Abaixo segue o quadro de aspectos proposto por Travaglia (2006) com seus

respectivos parâmetros:

NOÇÕES ASPECTUAIS ASPECTOS

I.DURAÇÃO

1.Duração

A. Contínua a. Limitada DURATIVO

b. Ilimitada INDETERMINADO

B. Descontínua a. Limitada ITERATIVO

b. Ilimitada HABITUAL

2. Não-Duração ou Pontualidade PONTUAL

II. FASES

1. Fases de

Realização

A. Por Começar NÃO-COMEÇADO

A' Preste a Começar (ao lado do

aspecto há uma noção temporal)

B. Não-Acabado ou Começado NÃO-ACABADO

ou COMEÇADO

C. Acabado ACABADO

C’. Acabado há pouco (ao lado

do aspecto há uma noção

temporal)

2. Fases de

Desenvolvi-

mento

A. Início (no ponto de início ou

nos primeiros momentos) INCEPTIVO

B. Meio CURSIVO

C. Fim (no ponto de término ou

nos últimos momentos) TERMINATIVO

3.

Completamento

A. Completo PERFECTIVO

B. Incompleto IMPERFECTIVO

Ausência de noções aspectuais Aspecto não

atualizado

Figura 4: Quadro aspectual do Português segundo Travaglia (2006, p. 76)

O quadro aspectual de Travaglia, além de ser bastante parecido com o de

Castilho (1994), ainda estende mais a quantidade de possíveis aspectos, tornando o

quadro aspectual ainda mais confuso. Como, por exemplo, o fato de “duração” se

opor a “fases”, já que uma ação durativa admite fases no seu desenvolvimento, e até

mesmo a própria colocação de que as fases de realização e de desenvolvimento são

  51  

diferentes. Tudo isso torna o modelo ainda mais complexo. O autor traz interessantes

contribuições ao estudo da expressão aspectual pela perífrase “estar” + gerúndio (EG).

Inicialmente, o autor afirma que EG não traz a distinção entre situação narrada

e referencial31. Temos apenas uma situação que, com todas as flexões verbais, exceto

os pretéritos perfeito e mais-que-perfeito do indicativo, apresenta os aspectos

imperfectivo, cursivo, não-acabado e durativo, como se pode observar nos exemplos

abaixo retirados de seu trabalho (2000:173):

(1) “As folhas de avenca estão amarelando”.

(2) “Estou emoldurando vários quadros pra ele”.

A proposta de Travaglia (2006) não é muito diferente da de Comrie (1976)

com relação à expressão aspectual de EG, como vimos no capítulo 2 desta

dissertação. Comrie (1976) afirma que EG expressa o imperfectivo durativo (ou

contínuo) progressivo, o que se aproxima bastante do imperfectivo cursivo não-

acabado e durativo. E para os estudos de Travaglia (2006), o imperfectivo é o que tem

a situação como incompleta, o cursivo se caracteriza por apresentar a situação em

pleno desenvolvimento, o não-acabado se caracteriza por apresentar a situação já em

realização, e o durativo por apresentar uma situação contínua limitada. Mas, muitas

vezes, por influência do adjunto adverbial, o autor afirma haver uma interpretação

iterativa. Nestes casos, o adjunto adverbial marca o iterativo ou o habitual,

contrariando a tendência aspectual da perífrase de expressar apenas o aspecto

durativo, como nos exemplos do autor:

(3) “O trem está partindo pela manhã.” (imperfectivo, não-acabado, iterativo)

a. “O rapaz estava chegando às 8 horas.”

b. “Todos os dias o rapaz estava chegando às 8 horas.”

A frase (3a), segundo o autor, é ambígua, podendo ser iterativa ou não, já (3b)

só pode ser iterativa.

                                                                                                               31  Segundo o autor, a situação referencial é um estado resultante da realização anterior da situação narrada, como no exemplo “Daniel tem o menino seguro em uma das mãos e olha para mim como a perguntar o que deve fazer.”; ou um estado anterior à realização da situação narrada como em “A cozinha está por limpar.” (2006: 65)

  52  

(4) “Hoje em dia os bebês estão nascendo mais fortes” (imperfectivo, não-

acabado, habitual)

(5) “José está caminhando de manhã” (ou toda manhã) (imperfectivo, não-

acabado, iterativo).

Para Travaglia (2006:81), o iterativo se caracteriza por apresentar a situação

como tendo duração descontínua limitada. Já o habitual seria um aspecto que

apresenta a situação como descontínua ilimitada. Entretanto, Travaglia (2006:46)

afirma que no português, todo habitual é iterativo, pois não foi encontrado um só

exemplo em que isto não se desse. O autor encontrou apenas casos em que a iteração

parece atenuada, menos explícita, como no exemplo (6). Segundo o autor, alguém

poderia argumentar que as frases habituais negativas, como o exemplo (7), podem ser

apontadas como casos em que temos o habitual não-iterativo. Mas, para Travaglia

(2006), semelhante proposição não teria validade porque o que ocorre nestes casos é a

negação da iteração habitual, mas não sua ausência. Resta anotar que, para Travaglia,

embora todo habitual seja iterativo, não vale a recíproca, pois abundam as frases de

sentido iterativo que não são habituais.

(6) “Compro dele faz muito tempo.”

(7) “Nunca leio artigos políticos.”

Essa perspectiva de sentenças habituais serem iterativas e vice-versa, não

encontra correspondência nos estudos de Comrie (1976), que afirma que uma

sentença habitual não é necessariamente iterativa. Essa proposição nos leva a perceber

que esses aspectos possuem traços muito próximos que em determinados contextos se

entrecruzam. Travaglia (2006:46) ainda acrescenta que, tendo em vista que as frases

de sentido iterativo habitual apresentam situações de duração descontínua ilimitada,

elas também expressam as chamadas verdades eternas em frases como as dadas pelo

autor e reproduzidas aqui com os números (8) a (10), exatamente como ocorre com as

frases em que a duração é contínua e ilimitada (11) a (13).

(8) “Aves se alimentam de vegetais.”

(9) “As azaléias florescem em maio.”

(10) “Os ratos roem papel.”

  53  

(11) “A terra gira em torno no Sol.”

(12) “A mocidade busca a mocidade.”

(13) “Este cachorro morde.”

Em consequência desse papel do habitual, muitas vezes, segundo o autor, há

um problema de análise que consiste na dificuldade de distinguir se há, numa dada

frase, o aspecto caracterizado pela duração contínua ilimitada ou o aspecto

caracterizado pela duração descontínua ilimitada, já que os dois aparecem em frases

que expressam verdades “eternas” atemporais.

Com isso, Travaglia (2006) propõe a reunião dos aspectos iterativo e habitual

num só aspecto, já que ambos se caracterizam basicamente pela repetição originada

da duração descontínua. Isso, entretanto, segundo o próprio autor, implicaria em

desconsiderar a distinção entre duração limitada e ilimitada, que é real, representando

duas noções aspectuais distintas. Entretanto, os contextos que propiciam essa duração

descontínua no português parecem que entrecruzam essas noções de duração limitada

e ilimitada, favorecendo a leitura aspectual iterativa.

Em seu estudo, Travaglia (2006) também define a duratividade como um

aspecto que apresenta a situação como contínua limitada. Para esse autor, a duração é

vista como a primeira noção semântica aspectual. A pontualidade ou não duração se

opõe à duração. Na pontualidade, a situação tem um início e um término que ocorrem

no mesmo instante ou separados por um lapso de tempo curto. Travaglia (2006)

afirma que a duração limitada ocorre quando se indica seu início ou o seu fim ou o

valor da duração ou ainda quando não há uma limitação explícita. São exemplos de

frases durativas:

(14) Ele estava nadando desde as 6 horas da manhã.

(15) O treinador do time esteve doente.

(16) Nossa amizade estreitava-se.

(17) O amor dos tios foi transformando aquela criança.

(18) João ficará atendendo as pessoas.

Não se pode falar em aspecto durativo, de acordo com Travaglia (2006:79),

pelo simples fato de termos na frase um processo ou um estado que são situações

durativas. Para esse autor, é preciso ver se na frase em questão a situação está, por

  54  

qualquer meio, marcada como durativa, pois até mesmo situações pontuais podem ser

apresentadas como durativas. Além disso, Travaglia (2006) afirma que a forma verbal

utilizada pode fazer abstração da oposição durativo/ pontual, não marcando a situação

nem como uma nem como outra coisa, independente do fato de ser ou não um

processo.

3.2. NO ESPANHOL

Os dois estudos de língua espanhola selecionados são estudos muito diferentes

entre si, mas que podem contribuir para a reflexão que fazemos nesta dissertação. O

primeiro apresentado está voltado exclusivamente para a investigação das perífrases

verbais, e o segundo está voltado para os problemas semânticos do progressivo no

espanhol.

3.2.1. YLLERA (1979, 1999)

Um trabalho bastante consagrado sobre o estudo das perífrases verbais em

espanhol é o de Yllera (1979), traçando o perfil histórico de cada uma delas com

relação ao seu uso. Segundo a autora, as perífrases com gerúndio são geralmente

consideradas como as que expressam os aspectos durativo ou imperfectivo. A

característica comum a todas elas, de acordo com a autora, é apresentar a ação vista

em seu desenvolvimento, sendo consideradas como perífrases cursivas. Mas, para

Yllera (1979), seu aspecto depende do tempo do auxiliar, já que não é possível

considerar como imperfectiva “estuvo” + gerúndio, pois a ação está acabada.

A denominação de perífrase cursiva, segundo a autora, é devido a uma

tentativa em evitar a ambiguidade que contém a denominação “durativa”, já que para

a autora não é possível tratar a perífrase “estar” + gerúndio (EG) por imperfectiva,

pois para ela o aspecto imperfectivo não corresponde a todos os seus empregos. Já

que, como vimos acima, para a autora, EG também pode expressar o aspecto

perfectivo, quando o auxiliar está no passado.

Com isso, a autora afirma que EG apresenta a ação vista em seu transcurso,

mas que sua função principal não é a de expressar uma ação durativa, pois muitas

  55  

ações durativas não aparecem com EG e muitos exemplos com essa perífrase não

expressam realmente uma ação durativa, como no exemplo dado pela autora “Espera

un momento que me estoy levantando de la cama”. Finalmente, em um trabalho mais

recente, Yllera (1999) afirma que o emprego e sentido de EG dependem do aspecto

léxico (modo de ação) do gerúndio e seus complementos e do tempo perfectivo ou

imperfectivo do auxiliar.

Com o auxiliar ‘estar’ no presente do indicativo, a autora afirma que EG

indica uma ação em curso no momento da enunciação, prescindindo do seu começo

ou do seu fim. Pode expressar também o presente simples, que apresenta um valor de

futuro próximo, como no exemplo dado pela autora em “¿Has escrito la carta? Sí,

ahora la estoy escribiendo. / No, pero ahora la escribo. Ou pode também expressar o

‘presente atual’, como no exemplo dado pela autora em “Estamos luchando por el

agua, que es nuestro gran problema.” Entretanto, segundo Yllera (1999), a forma

mais utilizada para expressar o presente atual é através do uso de predicados que

expressam ‘atividades’ ou ‘realizações’, designando assim a ação que se desenvolve

coincidindo com o ato da enunciação. Além disso, segundo a autora, EG não expressa

ações habituais, a não ser que esteja restringida a um tempo determinado,

apresentando um caráter transitório, como no exemplo dado pela autora em “Estamos

viviendo en el campo”.

Com tempo imperfectivo, de acordo com Yllera (1999), EG é muito frequente

com um advérbio ou complemento de tempo como ahora, en este momento, en esos

días, en aquel momento, entonces, etc. Nestes casos, como segundo a autora o

contexto leva à ‘atualização’ do processo verbal, EG pode ser substituída pela forma

simples, como também pode ocorrer sem advérbio de tempo, quando a situação

propicia a atualização do predicado, como vemos no seguinte exemplo dado pela

autora “Entonces estaban estudiando arquitectura”.

Mas vale ressaltar que, para ela, quando EG apresenta o auxiliar no tempo

imperfectivo e está acompanhado de advérbios como siempre, todo el día, etc. em

construções que tomam um claro valor ‘intensivo’, pode apresentar a ação iterativa

como nos exemplos dados por ela em “¡Siempre te estás quejando!; ¡Todo el día

estás escribiendo!”. O que mais uma vez comprova a possibilidade da expressão

aspectual iterativa pela perífrase EG e o caráter composicional desse aspecto, que

oferece um sentido de evento escalonado a partir da presença de determinados

marcadores adverbiais, como “siempre” e “todo el día”, no caso dos exemplos

  56  

anteriores, tal como propomos nesta pesquisa. Para a autora, esse tipo de marcador

confere à sentença uma noção de hipérbole, ou seja, de exagero no evento referido.

3.2.2. GÓRBOVA (2007)

Assim como nesta dissertação, em seu trabalho, Górbova (2007) se utiliza do

quadro aspectual de Comrie (1976) para refletir sobre a questão do aspecto

progressivo, representado pela perífrase “estar” + gerúndio (EG). Desse modo, a

autora traz algumas reflexões sobre os problemas existentes na definição dada ao

aspecto progressivo relacionado à sua expressão na língua espanhola. Ela afirma que a

base semântica da oposição aspectual progressivo/ não progressivo é a oposição

caráter concreto/ não concreto do evento denominado pelo verbo, que, segundo ela,

ocupa um lugar particular no limite do campo funcional-semântico da aspectualidade.

Essa particularidade, no entender da autora, se refere ao fato de que a semântica do

progressivo, assim como a semântica do perfeito (‘perfect’ de Comrie 1976),

apresentam o ‘tempo interno’, ou seja, o modo de transcorrer no tempo ou de se

distribuir no tempo de uma ação, o que é próprio da aspectualidade.

Assim, a autora traça um paralelo entre o aspecto progressivo e o aspecto

perfeito, tratados por Comrie (1976), afirmando que o próprio autor qualifica o

progressivo e o perfeito como gramemas aspectuais, ao mostrar traços semelhantes na

caracterização de ambos os aspectos. Para Comrie (1976), o aspecto perfeito indica a

relevância do presente contínuo em uma situação passada, considerando-o um aspecto

num sentido diferente dos aspectos imperfectivo e perfectivo. Já o progressivo, para o

autor, seria a combinação do sentido contínuo com a não estatividade. O que para

Górbova (2007) quer dizer um simples prolongamento da ação, a apresentação da

ação em seu desenvolvimento, relacionada à imperfectividade.

Esta afirmação nos parece bastante interessante, pois ao observarmos que o

progressivo, ou seja, EG pode expressar o aspecto iterativo, também fazemos uma

aproximação com o aspecto perfeito. Já que, para Comrie (1976), em português a

perífrase “ter” + particípio expressa o perfeito, enquanto que, para Travaglia (2006),

expressa o iterativo. Dessa forma, podemos aproximar o perfeito do progressivo,

como faz Górbova (2007), como também aproximar o iterativo do perfeito. Pois o

  57  

iterativo também poderá representar um evento que começou no passado mas que

segue no presente, principalmente quando é expresso por EG.

Segundo a autora, a partir desses significados dados ao progressivo, há casos

de emprego dessa forma que não condizem com sua caracterização, principalmente a

‘não-estativa’ dada por Comrie (1976). É verdade que Comrie (1976) em seu trabalho,

já reconhecia a possibilidade do emprego de alguns verbos estativos na forma do

progressivo. Com isso, Górbova (2007) conclui que o funcionamento real do

progressivo resulta ainda mais amplo do que se deduz da sua definição, podendo

inclusive expressar uma ação iterativa. Para tanto, segundo a autora, a forma do

progressivo, que consideramos a perífrase “estar” + gerúndio (EG), se apresentaria

com advérbios como ‘siempre’, ‘constantemente’, e o uso do progressivo estaria

relacionado à ênfase ou a uma emoção especial, que de forma hiperbólica se

converteria em uma situação repetida. O que reafirma o que foi dito no estudo de

Yllera (1999) tratado anteriormente.

Em sentenças dadas por Górbova (2007:27) como “pero ahora vete, que si

volvemos a sacar las cuentas me estás debiendo diez pesos”; “creo que estoy

necesitando un médico”32; observamos o uso de verbos do tipo estado na forma do

progressivo. E, para a autora, se pensamos que são verbos de ‘não-ação’, com um

traço negativo para dinamicidade, devido ao seu significado léxico, não seriam

capazes de expressar nenhuma “processualidade com um caráter concreto específico

da ação, ...” (p.27).

Segundo a autora, o problema da definição do progressivo está na menção à

processualidade. Desse modo, para conseguir uma definição o mais ampla possível, a

autora sugere reduzir a definição do progressivo de ‘aspecto concreto-processual’ para

um aspecto apenas ‘concreto’, que se opõe ao ‘não-concreto’ das formas simples (não

progressivas). Assim, seu significado categorial seria ‘a concreção de uma ação’ e

variaria de acordo com o verbo tomado na forma progressiva e a influência dos

elementos do contexto aspectualmente relevantes.

Dessa forma, de acordo com Górbova (2007), um predicado terminativo,

conhecido também como processo culminado, na forma do progressivo, acentua a

processualidade presente no potencial semântico de tal predicado, resultando na

aparição de uma significação ‘concreto-processual’, como veremos nos exemplos                                                                                                                32 “mas agora anda, que se fazemos as contas de novo você está me devendo 10 pesos”; “creio que

estou necessitando de um médico.”

  58  

dados pela autora: “Valentina no la escucha. Ha tomado el libro de la mesilla de

noche y lo está hojeando”; “Si un día se quemase ‘El Correo’, qué felicidad, Mario,

créeme, que lo que estáis haciendo en el periodicucho ese es labor del demonio,

confundiendo a los infelices y llenándoles la cabeza de pájaros”.33

Com isso, a autora chama a atenção para o fato de que o progressivo de tais

verbos do tipo processo culminado é mais frequente, o que parece proporcionar a base

para a definição categorial do progressivo mediante a característica da

processualidade. Já o uso de verbos do tipo culminação com o progressivo, na opinião

da autora, dá à ação um caráter iterativo, como nos seguintes exemplos da autora:

“¿Es cierto que están inyectando al gallo?”; “La noche de su llegada, las estudiantes

se embrollaron de tal modo tratando de ir al excusado antes de acostarse, que a la

una de la madrugada todavía estaban entrando las últimas”.34 Já que, segundo ela,

são verbos que no progressivo dão uma ideia de repetição ao evento.

Górbova (2007) conclui, então, que para solucionar o problema semântico do

progressivo em espanhol é preciso aceitar como seu significado categorial ‘a

processualidade que tem um específico caráter concreto da ação’, entendendo o termo

ação no sentido amplo, como a determinação do significado comum de uma parte da

oração como o verbo. Nesse caso, segundo a autora, ao empregar um verbo de estado

na forma do progressivo, a definição se reduz à expressão ‘do caráter concreto

específico da ação’, retirando a parte da processualidade. Assim também como no

caso de um verbo do tipo culminação na forma do progressivo que expressará o

aspecto iterativo.

Além disso, a autora afirma que devemos considerar que o significado

categorial do progressivo está baseado na característica semântica da ‘concretude’ do

fenômeno denominado pelo verbo, e que, ao que parece, a particularidade específica

do progressivo em espanhol é um ‘deslizamento’ da significação de caráter ‘concreto’

até uma significação mais enfática da ‘atualização’ da ação (no sentido amplo) pelo

falante para destacar de forma lógica o fragmento correspondente de oração. Isso se

consegue, segundo a autora, ao acentuar o traço semântico de processualidade nos

verbos que pertencem às classes dos verbos do tipo processo culminado e atividade,                                                                                                                33  “Valentina não a escuta. Tomou o livro da mesinha de cabeceira e o está folheando”; “Se um dia ‘O

Correio’ queimasse, que felicidade; Mario, acredite em mim, o que vocês estão fazendo nesse jornalzinho é trabalho do demônio, confundindo os infelizes e enchendo-lhes a cabeça de pássaros”.

34  “É verdade que estão injetando no galo?”; “Na noite de sua chegada, as estudantes se complicaram de tal modo tendo que ir ao banheiro antes de se deitarem, que a uma hora da madrugada ainda estavam entrando as últimas”.  

  59  

ao dar uma localização adicional aos estativos e ao multiplicar a ação dos do tipo

culminação.

Com o estudo de Górbova (2007), pudemos refletir um pouco mais sobre a

definição do que vem a ser o aspecto primeiro da perífrase “estar” + gerúndio, o

aspecto progressivo. A autora também apresenta a relação dos verbos do tipo estado e

culminação que parecem não ter traços compatíveis com a progressividade, mas que

ainda assim são usados como verbos principais da perífrase “estar” + gerúndio. E que,

além disso, quando estão nesse formato, parecem dar ao evento uma ideia de

repetição, propiciando a expressão do aspecto iterativo. Ainda assim, nesta

dissertação, desconfiamos de afirmações que relacionem apenas o tipo de verbo na

expressão aspectual iterativa, pois estamos seguros do caráter composicional desse

aspecto e acreditamos que outros fatores estão relacionados.

  60  

CAPÍTULO 4

A EXPRESSÃO ASPECTUAL DA PERÍFRASE “ESTAR” + GERÚNDIO

Neste capítulo, apresentaremos dois trabalhos que servirão de base para o

estudo realizado nesta dissertação. Embora não sejam trabalhos de mesma linha

teórica que este, dão escopo ao tema da variação aspectual expresso pela perífrase

“estar” + gerúndio. Além disso, apresentaremos mais detalhadamente as

características dos aspectos durativo e iterativo.

4.1. ESTUDOS DE REFERÊNCIA

4.1.1. WACHOWICZ (2003)

Uma importante estudiosa dos temas do aspecto e da perífrase “estar” +

gerúndio é Wachowicz (2003). Seguindo a proposta de aspecto de Castilho & Moraes

de Castilho (1994), a autora considera em sua tese que, além do aspecto imperfectivo

na perspectiva qualitativa, a perífrase “estar” + gerúndio (tratada pela autora como

“progressiva”) apresenta variação de leitura aspectual na perspectiva quantitativa

entre os aspectos35 semelfactivo e iterativo, que prefere chamar de episódico, iterativo

e habitual, por considerar mais abrangente e intuitivamente aceitável. Pois, segundo a

autora, na literatura linguística não há uniformidade quanto a essa nomenclatura e, a

partir das análises feitas sobre os dados do progressivo, optou por utilizar essa divisão

tripartida. Segundo Wachowicz (2003:38), os aspectos episódico e iterativo

correspondem a uma e a mais de uma situação, respectivamente, e tem

correspondência com intervalos de tempo determinados. Ao passo que o aspecto

habitual tem correspondência com intervalos de tempo indeterminados, ou seja, a

estrutura temporal da interpretação habitual é indefinida.

Na ilustração dada pela autora, as adaptações (2) a (4) de (1) podem ajudar a

sedimentar essas noções. Ainda sem considerar a atuação contextual, e se

centralizando na denotação do argumento interno, Wachowicz (2003) afirma que

tanto (2) quanto (3) e (4) expressam o aspecto episódico, mas (3) pode ser iterativo, e

(2) e (4) podem ser habituais:                                                                                                                35 A autora chama de valor ou leitura aquilo que aqui consideramos como aspecto.

  61  

(1) Estou pagando uma fonoaudióloga duas vezes por semana, e tal.

(2) Eu estou pagando uma fonoaudióloga.

(3) Eu estou pagando três fonoaudiólogas.

(4) Eu estou pagando fonoaudiólogas.

Segundo a autora, assumindo que a complexidade desses aspectos recai na

inerente ambiguidade das sentenças, bem como na estruturação de níveis de

interpretação (do VP ao contexto), a autora interpreta (1) como habitual, pois a

modificação adverbial “duas vezes por semana” opera sobre a sentença “Estou

pagando uma fonoaudióloga”, definindo sua face aspectual quantitativa. No entanto,

tomando a estrutura da sentença isoladamente, como em (2), a ambiguidade se refaz:

de um lado, estruturalmente a sentença é episódica porque o NP argumento interno

(NPint) denota um único indivíduo, como se o evento de eu estar pagando uma

fonoaudióloga fosse único; mas, por outro lado, o contexto pode atuar sobre a

sentença e  quantificá-la para a leitura habitual, como se “uma fonoaudióloga” fosse

interpretado genericamente, e “eu” tivesse o hábito de “pagar uma fonoaudióloga”

(qualquer).

Em (3), para a autora, a ambiguidade continua, mas com outras condições.

Segundo Wachowicz (2003:39), estruturalmente, a sentença pode apresentar três

situações, que resultam em duas leituras: eu posso estar pagando três fonoaudiólogas

juntas, ou eu posso estar pagando duas juntas e outra separadamente, ou eu posso

estar pagando uma de cada vez. A primeira situação leva ao aspecto episódico, pois só

houve um evento de pagar; as outras duas situações são iterativas, pois há dois ou três

eventos determinados, respectivamente, de pagar. O contexto ainda pode atuar sobre

qualquer uma das leituras, quantificando-as para a habitualidade.

Para a autora, em (4), o raciocínio é quase o mesmo. Estruturalmente, a

sentença tem duas situações: eu posso estar pagando todas as fonoaudiólogas juntas,

resultando no aspecto episódico, ou eu posso estar pagando grupos indeterminados de

fonoaudiólogas ou cada uma das fonoaudiólogas por vez, resultando no aspecto

habitual. Mais uma vez, segundo a autora, o contexto também pode atuar sobre

qualquer um dos aspectos, quantificando-as para a habitualidade.

Quanto ao aspecto permansivo, a autora afirma que o problema não é analisar

a denotação ou não do ponto final, nem tampouco a denotação do número de vezes

em que as situações se repetem. A interpretação aspectual de uma sentença como (5),

  62  

adaptada de (1), por exemplo, foge a essas possibilidades, restringindo a uma leitura

homogênea e contínua da estrutura temporal, como se a sentença denotasse um estado

de coisas que ‘permanece’ no tempo, num estado de coisas na classificação especial

de ‘permansiva’36:

(5) Eu estou sabendo da fonoaudióloga.

Quer dizer, para a autora, o fato de “eu estar sabendo da fonoaudióloga” não

pode ser distribuído em sub-eventos no tempo. Não há como saber uma vez, depois

deixar de saber e depois saber de  novo, numa repetição de situações de saber. Se eu

estou sabendo, esse fato percorre homogeneamente todos os intervalos de tempo do

presente.

Segundo Wachowicz (2003:40), com esses pressupostos notacionais

delineados, pode-se dar continuidade à apresentação das sentenças do VARSUL37, no

que se refere à variação episódico, iterativo, habitual e permansivo, e procurar intuir

melhor sobre os fenômenos aspectuais, para podermos entender do que depende

estruturalmente a expressão de um aspecto. Para tanto, a autora apresenta uma

exposição em função do tipo de estrutura linguística verificada.

Com relação à análise dos valores aspectuais, a autora conclui o seguinte:

1) Segundo à natureza quantitativa do aspecto, os aspectos podem ser episódico,

iterativo ou habitual. Quanto ao aspecto episódico, ele pode aparecer em estruturas

intransitivas com verbos dinâmicos (6), em estruturas transitivas com NP argumento

interno denotando entidade com cardinalidade igual a 1 (7), em estruturas com

advérbios momentâneos ou aspectualizadores episódicos (8), ou na atuação do

contexto (9).

(6) “... hoje tem funcionário que está estudando” (p.42)                                                                                                                36  Adaptando os estudos de Castilho (1967) e Castilho & Moraes de Castilho (1994), Mendes (1999 apud Wachowicz 2003) refere-se a um novo esquema de tipologia aspectual, segundo o qual “os estados de coisas que se estabelecem na predicação podem ser permansivos, operativos ou resultativos”, conforme pode ser visto   na Introdução da tese de Wachowicz (2003). A denotação aspectual das sentenças com verbos ‘estáticos’, segundo Mendes (1999 apud Wachowicz 2003), estaria no conjunto dos estados  de  coisas permansivas. Por outro lado, a denotação das sentenças com valores perfectivo / imperfectivo e episódico / iterativo / habitual estaria no conjunto dos estados de coisas operativas. 37 Projeto de Variação Linguística do Sul do Brasil

  63  

(7) “Já estou lendo o livro.” (p.45)

(8) “Era dez e pouco, onze da manhã, estava dormindo tranquilo.” (p.52)

(9) “Ela está evoluindo hoje às 14 horas.” (p.55)

2) O aspecto iterativo é, entre eles, o que tem mais restrições. Ele é lido em estruturas

transitivas em que o NP argumento interno denota uma entidade cardinalizada e maior

que 1 (10) ou com modificações adverbiais aspectualizadoras específicas (11).

(10) “O meu avô estava brigando com os três, né?” (p.43)

(11) “Ele está tentando vestibular três vezes.” (p.52)

3) O aspecto habitual parece ser o que tem menos restrições. Ele é lido em estruturas

intransitivas com verbos não só estáticos ou dinâmicos, mas também com verbos que

são lexicalmente iterativos (12). Ele também é lido em estruturas transitivas com NP

argumento interno com quantidade não especificada (13), em estruturas com

modificações adverbiais aspectualizadoras específicas (14) e também na atuação do

contexto (15).

(12) “Você estava panfleteando na cidade industrial.” (p.42)

(13) “Eles estão fazendo dragagem nos ribeirões.” (p.44)

(14) “Sempre está gastando alguma coisa.” (p.53)

(15) “... hoje tem funcionário que está estudando todos os dias.” (p.55)

4) Quanto ao aspecto permansivo, ele independe do tipo de estrutura argumental. Se o

verbo, transitivo ou intransitivo, tem denotação estática, a leitura aspectual parece

ficar reduzida invariavelmente ao aspecto permansivo (16).

(16) “Meu filho está crescendo, sabe?” (p.41)

5) O argumento externo, por não estar temporalmente vinculado ao verbo, não tem

papel na leitura aspectual quantitativa (17).

(17) “Agora, as fábricas estão vendendo hoje com um preço muito alterado.”

(p.46)

  64  

6) Os advérbios podem atuar recursivamente nos valores aspectuais quantitativos

(18).

(18) “Maria está plantando uma árvore todos os dias durante a semana mês a

mês.” (com a inserção dos advérbios a sentença passa de episódico para habitual, em

seguida volta a ser episódico e logo passa para habitual) (p.53)

7) O contexto é o último nível em que se pode interpretar o aspecto, ora selecionando,

ora quantificando, numa espécie de regra ‘vale tudo’ que ganha restrições diferentes

em estruturas diferentes (19).

(19) “Era dez e pouco, onze da manhã, estava dormindo tranquilo.” (p.56)

Wachowicz (2003) também aplica e estende a teoria de Verkuyl para os dados

do progressivo do PB. Segundo a autora, há como aplicar a teoria à leitura aspectual

durativa (ou imperfectiva), principalmente se considerarmos que a flexão “–ndo” atua

como operador em posição ASPα38, na aspectualidade interna. Mas há também como

extrair da teoria subsídios para a leitura de outros valores. Sua intenção é mostrar que

as informações [±ADDTO] e [±SQA] 39 , na aspectualidade interna, também

contribuem para a leitura episódico, iterativo, habitual e permansivo – pelo menos no

que se refere ao progressivo.

Suas estruturas representacionais, no entanto, divergem das de Verkuyl pelo

fato de a autora estar assumindo em seu trabalho que o sujeito (ou argumento externo)

não tem papel determinante na leitura aspectual. Pois, segundo ela, o argumento

externo não está temporalmente vinculado ao verbo, não possuindo papel na leitura

aspectual quantitativa. Nesta dissertação, entretanto, o argumento externo também

será analisado na composição do aspecto iterativo em sentenças com EG, observando

sua real participação na expressão desse aspecto.

De forma resumida, a hipótese teórica dessa autora é que essas leituras

dependem de um tratamento composicional do aspecto nos termos de Verkuyl (1993).

Para tanto, foi buscar dados no corpus VARSUL e, através de testes de interpretação                                                                                                                38  ASPα (aspecto α) opera sobre a aspectualidade interna e pode explicar fenômenos de morfologia

verbal relacionados ao aspecto. 39  O traço [±ADDTO] (additive) é dos verbos dinâmicos/estáticos; e o traço [±SQA] (specified quantity

of A) é dos NPs com quantidade definida/sem quantidade definida.

  65  

aspectual, constatou que o primeiro valor aspectual lido é o imperfectivo, sob o

critério qualitativo, e isso seria determinado pela marca morfológica “–ndo” do verbo

principal. E observou também que os aspectos episódico, iterativo e habitual são

dependentes de uma leitura composicional (como, por exemplo, a natureza semântica

do verbo no gerúndio, a natureza semântica do argumento interno e modificações

adverbiais).

Do ponto de vista crítico, o trabalho de Wachowicz (2003) apresenta um

quadro aspectual extenso e com traços muito semelhantes entre eles, tornando a

classificação um pouco confusa e cheia de nuances. Inicialmente, a autora considera

três diferentes aspectos que EG poderá expressar, como o episódico, o iterativo e o

habitual. Mas, ao final, acrescenta ainda o aspecto semelfactivo. Entretanto, nesta

dissertação, levamos em consideração as ideias do Programa Minimalista (1995),

buscando propor um quadro aspectual mais econômico e que possa abarcar melhor as

diferenças aspectuais.

Pensando nos moldes do Programa Minimalista (1995), observamos que os

valores iterativo e habitual possuem o mesmo traço de [+ quantidade], e o que os

diferenciaria para Wachowicz (2003) seria a determinação x indeterminação dessa

quantidade. Segundo a autora, como vimos mais acima, em “pago a três

fonoaudiólogas”, tem-se um evento iterativo, mas em “pago a fonoaudiólogas”, tem-

se um evento habitual. Nas duas sentenças percebemos um evento plural, e não

importa se pago juntamente ou separadamente a cada fonoaudióloga. Com isso,

mesmo que haja uma expressão adverbial quantificada como “duas vezes por

semana”, podemos considerá-los iterativos, pois, de qualquer forma, representará uma

repetição do evento analisado.

Da mesma forma, segundo a autora, os aspectos episódico e semelfactivo, que

se definem por representar uma situação e um estado de coisas que permanece no

tempo, respectivamente, têm o traço de [- quantidade] presente em ambos e que

possivelmente pode ser representado por apenas um desses valores, como o

semelfactivo, por exemplo.

Abaixo descrevemos outro trabalho, também bastante importante dentro dos

estudos sobre o aspecto e a perífrase EG, que, embora tampouco seja de cunho

gerativista, possui uma classificação mais interessante a ser considerada.

  66  

4.1.2 MENDES (2005)

Na tese de Mendes (2005), se observa o estudo das perífrases “estar” +

gerúndio (EG) e “ter” + particípio (TP) tanto na sincronia (50 entrevistas – NURC/SP

e PEUL/RJ) quanto na diacronia (textos do século XVI ao XIX – Corpus Diacrônico

TychoBrahe).

Com relação ao estudo diacrônico, TP expressava basicamente o aspecto

resultativo40 até o século XVII, firmando-se como “perífrase iterativa” a partir do

final do século XVIII. Por outro lado, a perífrase EG era mais largamente empregada

na composição do que se entende por progressivo: a duração de uma ação ou de um

estado de coisas concomitante à sua enunciação numa frase; o emprego de EG na

composição dos aspectos durativo e iterativo é mais tardio. Segundo o autor, trata-se

de uma evidência diacrônica o fato de que, no decorrer de sua história, ambas as

perífrases acumularam “papéis”, alguns deles específicos (distintos) e outros

funcionalmente idênticos.

No corpus sincrônico, ao controlar quantitativamente as ocorrências das

perífrases, o autor constata que o emprego de TP está se tornando mais restrito, tanto

linguística quanto socialmente, configurando mudança em curso, através do construto

teórico “tempo aparente”. Nesse processo, “estar” + gerúndio se revela como a forma

preferida entre os falantes mais jovens, na expressão daqueles aspectos,

independentemente de fatores linguísticos, tais como a classe semântica do verbo

principal e a presença de adjuntos aspectualizadores nos argumentos verbais.

Quanto aos demais elementos das sentenças em que essas perífrases aparecem,

para Mendes (2005), eles são observados no papel de coadjuvantes, mas também são

tomados como variáveis que podem estar envolvidos na seleção de uma ou de outra

perífrase. Além disso, sua pesquisa, assim como a de Wachowicz (2003), também se

aproxima das considerações de Verkuyl (1993) na medida em que o próprio termo

aspecto é empregado para denominar uma categoria que se atualiza

composicionalmente na sentença. Distintamente, porém, a proposta vendleriana – cuja

importância é minimizada em Verkuyl (1993) – é aqui contextualizada nos termos da

variação: considera-se a hipótese de que certos tipos de verbos podem oferecer

restrição ao emprego de uma ou de outra construção perifrástica. Dito de outro modo,                                                                                                                40  Segundo Castilho (2002 apud Mendes 2005), o aspecto resultativo é um subtipo do aspecto perfectivo, uma vez que ele implica uma predicação acabada.

  67  

as classes de Vendler (1967) são tomadas pelo autor como um grupo de fatores, e

como tais podem ser quantitativamente controladas, assim como adotamos nesta

dissertação.

O que seu trabalho quer evidenciar é que, dependendo do modo como o

progressivo41 é entendido, certos casos de EG escapam da categoria simbólica a que a

denominação remete. E são justamente esses casos cujo termo não se aplicaria que

mais lhe interessam. Vejam-se os exemplos:

(20) Maria está fritando bolinhos.

(21) O senhor não sabe com quem está falando.

Em seu trabalho, Mendes (2005:34) propõe que a nomenclatura “progressivo”

denomina melhor o aspecto em (21) que em (20). Em (21), considerando que o

interlocutor que pronuncia a sentença é o mesmo referente do pronome quem, a única

interpretação possível é a de que a “conversa” está ocorrendo no momento em que

(21) é enunciada. Já em (20), a sentença não é verdadeira apenas quando “Maria está

fritando bolinhos” no momento em que a sentença é enunciada; em outras palavras, a

sentença em (20) pode ser verdadeira mesmo se “Maria não estiver fritando bolinhos”

naquele exato momento. Ou seja, o termo progressivo pode ser tomado como mais

conveniente em (21) porque de fato descreve uma ação em progresso, em curso.

Assim sendo, para esse autor, os usos de EG que configurem casos de

progressivo, nos termos acima, não são considerados em sua pesquisa e, sobretudo,

não são incluídos na análise quantitativa, pois a perífrase TP não pode ser usada em

seu lugar, como forma alternativa. Já que TP não veicula o progressivo e,

consequentemente, indica que EG e TP não são variantes quando a sentença está no

progressivo. Por outro lado, a imperfectividade permanece inalterada no par “Maria

está fritando bolinhos” e “Maria tem fritado bolinhos”, e o que há em comum entre

elas é o fato de que podem ambas remeter a um intervalo de tempo que não engloba,

necessariamente, o momento da enunciação. A sentença em (20), na verdade, pode ser

considerada ambígua fora de contexto, pois a leitura progressiva também é possível.

Tal leitura é facilitada em (20b).

                                                                                                               41  Mendes (2005), assim como Wachowicz (2003), trata a perífrase “estar” + gerúndio como sinônimo

de progressivo, mas também considera como o aspecto default expresso pela perífrase “estar” + gerúndio.

  68  

(20b) Maria está fritando bolinhos. [Ela não pode te dar atenção agora,

infelizmente]

(20c) [Infelizmente, a Maria perdeu aquele emprego]. [Agora acabou a

moleza]. Maria está fritando bolinhos.

Mais uma vez, para Mendes (2005), a diferença entre (20b) e (20c) é que, na

primeira, o momento da enunciação da sentença está obrigatoriamente incluído no

intervalo de tempo caracterizado pelo progressivo. Distintamente, em (20c) o evento

não tem que estar acontecendo no momento de sua enunciação. Portanto, para a

leitura em (20b), o emprego de TP é bloqueado; mas para a leitura em (20c), TP é

uma forma alternativa. Assim, visando estabelecer uma terminologia que reflita as

distinções observadas, o autor propõe que a leitura em (20c) seja denominada

“durativa”. Ou seja, o autor considera que há dois subtipos de imperfectivo: o

progressivo e o durativo. Esses subtipos não guardam relação com as fases da

operação da ação ou do evento, como na proposta de Castilho (2000), mas sim com o

fato de se o momento da enunciação está ou não englobado pelo intervalo de tempo

que caracteriza a imperfectividade.

Com isso, podemos dizer que o progressivo é contínuo por excelência, mas o

que se chamou de durativo acima, o aspecto imperfectivo cujo intervalo de tempo não

engloba o momento da enunciação da sentença, pode ser efetuado de maneira

contínua ou escalonada. Se o evento é continuamente representado, ele é percebido

como “único”, o que nos remete ao semelfactivo, que também é tratado por

Wachowicz (2003). Distintamente, se há escalonamento no decorrer do tempo, o

evento não é visualizado como único, é antes percebido como um evento que se

repete. Neste caso, o evento é considerado como iterativo.

Segundo Mendes (2005), iterativo e semelfactivo são, portanto, subtipos de

durativo, que, por sua vez, é um subtipo de imperfectivo, na proposta terminológica

desse autor. Castilho (2000) já havia proposto essa relação, indicando que o iterativo

não precisa ser tomado como “um outro aspecto”42, e pode ser entendido como um

modo especial de marcar imperfectividade. No entanto, nos parece controversa a

                                                                                                               42  Nas palavras do autor: o aspecto iterativo “representa uma quantificação do imperfectivo e do

perfectivo. Desse ponto de vista, não se trata, a rigor, de ‘um outro aspecto’ e, em consequência, haverá um iterativo imperfectivo e um iterativo perfectivo” (Castilho 2000:32).

  69  

proposta de uma vertente perfectiva e imperfectiva para o iterativo, já que para um

evento apresentar repetição parece haver a necessidade de um evento observado do

seu interior (imperfectivo) e não sendo observado como um todo, como um evento

completo (perfectivo). Por isso, nesta dissertação, relacionamos o iterativo ao

imperfectivo sim, mas o consideramos como um outro aspecto, pois apenas

compartilharia traços semelhantes com o imperfectivo.

Com base na hipótese de que a variabilidade no emprego de EG e TP pode

apresentar diferenças conforme o aspecto seja este ou aquele, Mendes (2005) optou

por chamar de durativo propriamente os casos semelfactivos, em oposição aos

iterativos. Ou seja, o autor opõe a ideia de um evento único ou singular, versus um

evento múltiplo ou repetido.

Em resumo, o autor observa a possibilidade de EG também expressar o

aspecto iterativo, além do já canônico aspecto progressivo. O que este autor traz de

novidade é a possibilidade dessas duas formas perifrásticas serem variantes na

expressão de uma ou de outra ideia aspectual. Para tanto, ambas precisam estar com o

verbo auxiliar no presente do indicativo.

Além disso, através da análise de entrevistas compartilhadas do Projeto

NURC/SP, Mendes (2005) verifica também que EG se mostrou mais frequente para

expressar o iterativo nos casos em que o sujeito é plural ou há ocorrência de uma

expressão quantificada, como no exemplo dado pelo autor em “Muita gente está

morrendo”. E, no que diz respeito aos adjuntos adverbiais, EG é mais frequente em

sentenças com um adjunto adverbial quantificador, como no exemplo “sei lá, estão

falando muito nisso, viu? Poluição do ar agora é moda mesmo”. Já o tipo semântico

do verbo principal (classificação de Vendler, 1967) não foi selecionado como

relevante, bem como a variável “número do argumento interno”.

Esse estudo utiliza um bom argumento para a aplicabilidade da teoria da

tipologia verbal do Vendler. E, além disso, aproxima as noções de duratividade e

iteratividade por serem co-ocorrentes em sentenças com EG. No entanto, a sua

hipótese de variação entre TP e EG talvez não seja aplicável ao espanhol, já que não

podemos falar categoricamente que EG esteja substituindo “haber” + particípio no

espanhol, pois TP é descrito com uma significação totalmente diferente. Entretanto,

em Maggessy (2012), pude verificar através de teste que há uma flutuação no usos de

EG, TP e “haber” + particípio em contexto iterativo no espanhol, apresentando a

possibilidade dessas expressões verbais serem intercambiáveis. De todas as formas, o

  70  

modo como Mendes (2005) classifica aspectualmente as sentenças com EG parece

perfeitamente aplicável tanto ao PB quanto ao EM.

Com isso, a partir da leitura dessa tese, a pergunta que podemos nos fazer tem

relação com a divisão de traços dos aspectos durativo e iterativo, já que, para Mendes

e Castilho, o iterativo não precisa ser considerado como um aspecto à parte, mas sim

como um subtipo do aspecto durativo. Quais seriam, então, os traços compartilhados

pelos aspectos durativo e iterativo, que fazem com que este último seja um subtipo do

primeiro? Diante dessa pergunta, assumimos que esses aspectos realmente

compartilham traços entre si. No capítulo de análise dos dados, trataremos mais

especificamente dessa questão.

Para que fique mais claro o que consideramos sobre os aspectos durativo e

iterativo dentro da teoria linguística, resumimos abaixo as ideias centrais que estão em

consonância com a proposta de classificação aspectual adotada nesta dissertação.

4.2. A PROPOSTA ASPECTUAL ADOTADA

Consideramos a categorização de aspecto nos termos de Comrie (1976) como

o que revela a constituição temporal interna da situação descrita. Além disso,

consideramos também que existem apenas dois aspectos básicos na língua, o aspecto

perfectivo, que trata a situação como um todo, e o aspecto imperfectivo, que se refere

essencialmente à estrutura interna de uma situação.

A partir dessa definição de aspecto, preferimos considerar a duratividade e a

iteratividade como aspectos e não como valores aspectuais. Primeiro porque a

fronteira entre as duas nomenclaturas não parece clara. Enquanto para aspecto se tem

uma definição própria e aceita pela teoria linguística, o “valor aspectual” é uma

expressão usada por alguns autores sem qualquer definição. Além disso, a ideia de

“valor aspectual” é inerente a de aspecto. O mesmo ocorre com terminologias como

“noção aspectual” e “leitura aspectual”.

O que parece claro é que a duratividade e a iteratividade não revelam um

valor, uma noção ou uma leitura de uma constituição temporal interna de uma

situação, mas revelam a própria constituição temporal interna. Sendo assim, esses

aspectos se vinculam a um aspecto maior, presente em todas as línguas, que seria o

aspecto imperfectivo.

  71  

Também entendemos que as definições de duratividade e iteratividade, dadas

por Mendes (2005), satisfazem ao escopo teórico utilizado nesta dissertação. Com

isso, adotamos as seguintes definições:

- Aspecto Durativo - aspecto imperfectivo cujo intervalo de tempo não engloba o

momento da enunciação da sentença. Não podem ser inseridos os adjuntos de

frequência “repetidas vezes/ frequentemente”.

- Aspecto Iterativo - aspecto imperfectivo que representa um evento continuamente

representado com escalonamento no decorrer do tempo. Podem ser inseridos os

adjuntos de frequência “repetidas vezes/ frequentemente”.

- Aspecto Progressivo - aspecto imperfectivo que está em curso no momento da

enunciação.

Abaixo encontraremos de forma mais expandida o que consideramos como

aspecto durativo e aspecto iterativo e apresentaremos importantes considerações que

são feitas acerca desses aspectos dentro da teoria linguística.

4.2.1. O ASPECTO DURATIVO

Muitas vezes, os adjetivos durativo e progressivo são tratados como

sinônimos. No trabalho de referência sobre o aspecto de Comrie (1976), que já foi

apresentado no capítulo 3 desta dissertação, o durativo se divide em progressivo e não

progressivo, e assim como em Mendes (2005), o durativo também é uma subdivisão

do imperfectivo. Para Comrie (1976), o progressivo seria expresso pelo verbo auxiliar

“estar” mais um verbo principal no gerúndio como em “Todas as tardes, quando Vitor

chegava a casa, as crianças estavam brincando no computador” e o não progressivo

por um verbo no imperfeito, mas que dá a mesma ideia de duratividade como em

“Todas as tardes, quando Vitor chegava a casa, as crianças brincavam no

computador”.

Para aquele autor, a progressividade, que é exemplificada com a perífrase

“estar” + gerúndio, como se observa no exemplo acima, não é incompatível com a

habitualidade, ou seja, propõe que essa perífrase pode expressar também o iterativo e

o habitual, o que ampliaria a tendência aspectual canônica de EG de marcar a

  72  

progressividade. A progressividade, para Comrie, só não seria compatível com a

estatividade, pois afirma que os verbos de estado teriam características incompatíveis

com a noção de progressividade43.

Com isso, nesta dissertação, também propomos que o progressivo seja um

aspecto inserido dentro do aspecto durativo, como um aspecto que representa um

evento que está em curso no momento da enunciação, e que só pode ser representado

pela perífrase EG. Já o durativo, assim como o progressivo, apresenta um traço de [+

contínuo], só que, ao contrário deste, não está em curso no momento da enunciação.

Além disso, o aspecto durativo poderá ser expresso por outras formas verbais, não só

pela perífrase EG. E, conforme afirma Mendes (2005), o aspecto durativo também

seria incompatível com traços de [+ frequência], próprios do aspecto iterativo.

Alguns estudos afirmam que, para a denotação da leitura durativa na

perífrase EG, são essenciais o auxiliar no presente do indicativo juntamente com a

flexão do gerúndio (“-ndo”). Segundo Mattoso Câmara (1979, apud Cavalli 2008),

além de ser uma forma verbal bastante versátil, o presente é o único em que se

assinala uma duração, contínua ou repetida, até o momento presente, apresentando,

assim, indícios da duração. Também para Wachowicz (2005), o presente é o tempo

verbal que tem como característica indicar homogeneidade 44 , duratividade e

atelicidade45, ou seja, marcas de imperfectividade. Dessa forma, optamos por analisar

apenas perífrases de EG que tivessem o auxiliar no presente do indicativo, tempo

verbal que tem como marca principal a duração.

4.2.2 O ASPECTO ITERATIVO

Assim como o durativo e o progressivo são muitas vezes confundidos dentro

da teoria linguística do aspecto, o mesmo ocorre com o iterativo e o habitual. Mas,

Comrie (1976) propõe uma diferença entre esses aspectos. Segundo esse autor, o

aspecto habitual seria junto com o durativo uma subdivisão do aspecto imperfectivo.

                                                                                                               43  Embora Comrie (1976) apresente uma teoria aspectual para todas as línguas, quando fala que o progressivo seria incompatível com verbos de estado, está se referindo mais especificamente ao inglês. Embora hoje já se saiba que essa composição é possível tanto no inglês como no português e no espanhol. 44  Para esta autora, a homogeneidade é a propriedade de um evento que não muda de natureza. 45 E a atelicidade provém da noção de não finitude subjacente à descrição de uma situação, como no

exemplo “Julia come peras”.

  73  

Só que, em seu texto, como já dito nesta dissertação, não fica claro se o aspecto

iterativo seria uma das leituras possíveis do aspecto habitual ou se apenas dividiriam

traços aspectuais comuns, pois afirma que uma sentença pode ser habitual iterativa ou

apenas habitual.

Segundo Comrie (1976), o traço que é comum a todos os habituais, sendo ou

não também iterativos, é a descrição de uma situação a qual é característica de um

período estendido de tempo, estendido no fato de que a situação referida é para ser

vista não como uma propriedade acidental do momento, mas precisamente como um

traço característico de todo o período.

Para esse autor, se uma situação individual pode ser prolongada

indefinidamente no tempo, então ela será apenas habitual, como no exemplo do inglês

dado pelo autor “The temple of Diana used to stand at Ephesus”46. Já em sentenças

como “The policeman used to stand at the corner for two hours each day”47, haverá a

leitura habitual iterativa. Mas se essa situação não puder ser prolongada, então para o

autor a única interpretação razoável envolvida será a iterativa, como em “The old

professor used always to arrive late”48.

Por fim, Comrie (1976) se refere ao aspecto iterativo como aquele que faz

referência a uma pluralidade de ações. E, ao observar os exemplos do inglês acima,

podemos dizer que, para esse autor, um marcador adverbial, como “two hours each

day” ou “always”, é pelo menos um dos fatores propiciadores da leitura aspectual

iterativa.

Embora Comrie (1976) proponha uma teoria aspectual que pode ser aplicada a

todas as línguas, ele volta seus estudos para a língua inglesa. Com relação mais

especificamente à língua portuguesa, repetimos aqui os estudos de Travaglia (2006),

que propõem não haver diferença entre habitualidade e iteratividade no português.

Pois, segundo este autor, não foi encontrado um só exemplo em que houvesse essa

diferença. Em seus estudos, encontrou apenas casos em que a iteração parece

atenuada, menos explícita, como no exemplo (21).

(21) Compro dele faz muito tempo.

                                                                                                               46  O templo de Daiane costumava ficar em Ephesus. 47 O policial costumava ficar na esquina todo dia por duas horas. 48 O antigo professor costumava sempre chegar atrasado.

  74  

Como já tratado no capítulo 3, Travaglia (2006) afirma que se alguém

argumentasse que as frases habituais negativas, como o exemplo (22), pudessem ser

apontadas como casos em que temos o habitual não-iterativo, seria possível contra-

argumentar que essa proposição não teria validade, porque o que ocorre nesses casos é

a negação da iteração habitual, mas não sua ausência. Resta anotar que, para

Travaglia, embora todo habitual seja iterativo, não vale a recíproca, pois abundam as

frases de sentido iterativo que não são habituais.

(22) Nunca leio artigos políticos.

O autor ainda acrescenta que, tendo em vista que as frases de sentido iterativo

habitual apresentam situações de duração descontínua ilimitada, elas também

expressam as chamadas verdades eternas em frases como as dadas pelo autor e

reproduzidas aqui com os números (23) a (25), exatamente como ocorre com as frases

em que a duração é contínua e ilimitada (26) a (28).

(23) Aves se alimentam de vegetais.

(24) As azaléias florescem em maio.

(25) Os ratos roem papel.

(26) A terra gira em torno no Sol.

(27) A mocidade busca a mocidade.

(28) Este cachorro morde.

Segundo o autor, em consequência desse papel do habitual, muitas vezes,

ocorre um problema de análise que consiste na dificuldade de distinguir se há numa

dada frase o aspecto caracterizado pela duração contínua ilimitada ou o aspecto

caracterizado pela duração descontínua ilimitada, já que os dois aparecem em frases

que expressam verdades “eternas” atemporais.

Wachowicz (2003), como vimos anteriormente, corrobora essa afirmação de

Travaglia (2006). Segundo a autora, os valores iterativo e habitual possuem o mesmo

traço de [+ quantidade], e o que os diferenciaria seria a determinação x

indeterminação dessa quantidade. Pois, no exemplo “pago a três fonoaudiólogas” tem-

se um evento iterativo, mas em “pago a fonoaudiólogas” tem-se um evento habitual.

Nas duas sentenças, para Wachowicz (2003), percebemos um evento quantificado, e

  75  

não importa se pago juntamente ou separadamente a cada fonoaudióloga. Com isso,

mesmo que haja uma expressão adverbial quantificada como “duas vezes por

semana”, podemos considerá-los iterativos, pois de qualquer forma, representará uma

repetição do evento analisado.

Dessa forma, nesta dissertação, aproximaremos os traços de [+ quantidade] e

[+ repetição] dos aspectos habitual e iterativo, considerando aqui que para o português

e o espanhol todo habitual é iterativo, pois como diz Travaglia (2006) um hábito não

deixa de ser uma ação repetida. Ou seja, como os traços desses aspectos são muito

próximos, decidimos reduzir o quadro aspectual e não considerar o aspecto habitual.

Com relação aos diferentes tratamentos que podem ser dados à iteratividade,

Wachowicz (2006) traz um interessante estudo que nos parece bastante coerente.

Segundo a autora, há duas diferentes tendências para a análise da iteratividade. A

primeira trata a iteratividade como um componente contextual, como se a sentença

denotasse um valor episódico e o contexto fosse responsável por quantificá-lo

conforme situações discursivo-pragmáticas específicas. A segunda defende que a

iteratividade é um conjunto de fatores linguísticos distintos e composicionais que vão

desde a quantificação dos sintagmas nominais em posições argumentais, passando

pela flexão verbal, até modificações adverbiais específicas.

Em seu trabalho, Wachowicz (2006) afirma que não pretende desmentir tais

tendências, mas acredita que a sentença não é internamente apenas episódica.

Concorda que a iteratividade é composicional, mas julga que há mais fenômenos

sintáticos e semânticos por trás dessa composicionalidade. A autora afirma também

que morfologia lexical específica do verbo, papel temático e telicidade são alguns dos

fenômenos, além dos apontados pela literatura, que se relacionam à iteratividade. E

vai justificando o porquê de sua afirmação em cada item do seu trabalho, que

resumirei nas linhas abaixo.

Com relação à flexão verbal, Wachowicz (2006) afirma que os sufixos

flexionais dos verbos em PB contribuem para a leitura iterativa, mas não exibem

comportamento homogêneo, quer dizer, algumas flexões são mais fracas e outras são

mais fortes. Para a autora, o presente simples parece ser a forma verbal menos

marcada para o aspecto, haja vista que é empregada no contexto de manchetes de

jornal, onde o contexto discursivo é que determina a leitura. Mas há situações em que

a iteratividade parece depender exclusivamente da flexão verbal. É o caso de

perífrases verbais específicas como as do verbo “ter” + particípio e do “vir” +

  76  

gerúndio. Só que, segundo a autora, o gerúndio parece marcar mais uma

habitualidade, em que as situações começam, mas não têm um fim, podendo inclusive

se sobrepor, enquanto o particípio parece marcar mais acentuadamente a iteratividade,

em que as situações têm necessariamente um fim. Essa distinção seria marcada pela

terminação “–ndo”, do gerúndio, para a atelicidade e pela terminação “–do”, do

particípio, para a telicidade, o que parece relacionar iteratividade e telicidade.

Com relação também à telicidade, a autora afirma que a telicidade inerente a

alguns verbos é fator também determinante na iteratividade. Para ela, esse traço

lexical de telicidade parece ser comum aos verbos (de classificação vendleriana) do

tipo accomplishment (processo culminado) e achievement (culminação), que denota a

pontualidade na ação através do item lexical do verbo. Ao passo que, para a autora, as

sentenças com verbos de estado e atividade, a iteratividade é neutralizada.

Como dito anteriormente, a iteratividade também parece depender da

morfologia lexical específica do verbo. Segundo Rothstein 2004 (apud Wachowicz

2006), a primeira evidência para essa afirmação é a existência da classe dos verbos

semelfactivos, que lembrando a classificação de Vendler, estaria entre os de atividade,

por serem dinâmicos e atélicos, e os de culminação, por serem instantâneos, ou

melhor, por serem intervalos mínimos de mudança de estado. Outra evidência,

segundo Lemle (2002 apud Wachowicz 2006), seria o comportamento de alguns

sufixos em “–itar” ou “–ejar”, que podem ser essencialmente iterativos, como por

exemplo, os verbos crepitar, tiritar, etc. e pestanejar, apedrejar, praguejar, o que seria

explicado através de uma investigação histórica.

Segundo Wachowicz (2006), a iteratividade também ganha restrições com

papéis temáticos. Pois, se com papel temático de agente, o sujeito pluralizado não tem

relação com a leitura aspectual, há, em contrapartida, situações em que construções

metonímicas do sujeito neutralizam a iteratividade do VP. No exemplo da autora, “O

autor narra trajetória de Antônio Conselheiro e de Carlos Prestes”, o sujeito agente “o

autor” realiza duas ações divididas no tempo: a narração da trajetória de Antônio

Conselheiro e depois a narração da trajetória de Carlos Prestes. Mas quando esse

sujeito metonimiza, como vemos na sentença “Livro narra trajetória de Antônio

Conselheiro e de Carlos Prestes”, o argumento default de “narrar”, nos termos de

Pustejovsky (1995 apud Wachowicz 2006), é selecionado como sujeito, o papel

temático muda e a leitura aspectual também muda.

  77  

E, finalmente, outro fator relevante para a autora são os advérbios

aspectualizadores, que também podem ser iterativos. Esse fenômeno seria o mais

intuitivo de todos para ela, pois os trabalhos que tratam de advérbios

aspectualizadores costumam, geralmente, apresentar advérbios de repetição. Essa

repetição, porém, pode ser de vários tipos: de iteratividade determinada, de

habitualidade e de frequencialidade.

Em nota de rodapé, a autora chama a atenção para uma possível contradição,

pois trabalhos sobre aspecto se atêm majoritariamente à distinção

perfectivo/imperfectivo, enquanto trabalhos sobre advérbios aspectualizadores atêm-

se à distinção episódico/iterativo. O que seria mais uma evidência para o fato de que a

iteratividade é uma categoria linguística importante com uma particular composição

aspectual.

Com isso, mais uma vez, definimos aqui o iterativo como um aspecto

imperfectivo cujo evento é escalonado, ou seja, que apresenta repetição. Além disso,

serão considerados como fatores relevantes na composicionalidade do aspecto

iterativo o tipo de verbo (atividade, estado, processo culminado e culminação), o tipo

de argumento interno e externo (singular ou plural) e a presença de advérbios de

frequência.

A seguir, apresentaremos a metodologia usada nesta dissertação a partir da

classificação aspectual adotada acima.

  78  

CAPÍTULO 5

CORPUS E METODOLOGIA

Para realizar a análise do fenômeno linguístico proposto para estudo,

utilizamos corpora orais de fala espontânea compilados nos últimos anos da década

de 90. Analisamos oito entrevistas sociolinguísticas das amostras do espanhol falado

na Cidade do México do Projeto PRESSEA – México, e, para análise da variedade

carioca do português do Brasil (PB), utilizamos oito entrevistas sociolinguísticas do

Projeto NURC-RJ. Os informantes, cujas falas serão analisadas, possuem nível de

escolaridade superior e compreendem a faixa etária jovem (20 a 35 anos), tendo em

vista trabalhos como o de Mendes (2005), que afirma que o uso de “estar” + gerúndio

(EG) em contexto iterativo é mais comum na faixa etária mais jovem da população.

5.1. SOBRE O PRESEEA – MÉXICO

O PRESEEA (Proyecto para el Estudio Sociolinguístico del Español de

España y de América) compreende mais de 39 regiões, tanto na Espanha, como nos

diversos países americanos de língua espanhola. As condições gerais obedecidas pelo

projeto PRESEEA para incluir uma comunidade de fala são basicamente três: que se

trate de um núcleo urbano hispanofalante, que seja formado por uma população que

pelo menos em parte tenha estado assentada de forma tradicional no lugar, e que essa

população apresente certa heterogeneidade sociológica.

Dessa forma, o Projeto PRESEEA considera três variáveis na hora de

construir a amostra: o gênero, a idade e o grau de instrução. Há também informações

sociais adicionais que formam um segundo grupo de variáveis que são a profissão, a

situação econômica, as condições de moradia e o modo de vida. A composição dessa

amostra é formada por três partes: a entrevista ou a conversação semi-dirigida gravada

com o microfone a vista, uma série de provas linguísticas e um questionário no qual

se completam as informações requeridas para a organização das variáveis sociais.

Além disso, as entrevistas se realizam propondo aos informantes módulos temáticos

(saudações, o tempo, lugar onde vive, família e amizade, costumes, perigo de morte,

anedotas importantes na vida, desejo de melhora econômica) que permitem alcançar

diversos tipos de discurso. As entrevistas têm uma duração mínima de 45 minutos e

foram gravadas no âmbito social do informante, como na sua casa, no seu trabalho ou

  79  

na sua escola. Dessa forma é possível deixar o informante confortável e controlar as

diferentes regiões dos informantes.

Assim, o PRESEEA do México, disponível on-line no site do Projeto

(http://lef.colmex.mx/Sociolinguistica/CSCM/Corpus.htm), abrange o Distrito Federal

e mais onze municípios do México, como mostra o mapa abaixo, sendo de I a XVI a

parte referente ao Distrito Federal e de 1 ao 11 os outros municípios.

Figura 5: A chamada “Zona Pertinente” para o CSCM49

Os materiais gravados se transcrevem seguindo as convenções baseadas no

sistema SGML (Standard Generalizes Markup Language) e as normas internacionais

da TEI (Text Encoding Initiative).

                                                                                                               49  Figura retirada da página ix do Volume I do Corpus sociolinguístico de la ciudad de México (CSCM)

– Materiales de PRESEEA – MÉXICO.

  80  

Nesta dissertação, consideramos três variáveis sociais: sexo, idade e grau de

instrução, a fim de obtermos dados de um grupo coeso e equilibrado. Assim,

selecionamos entrevistas de 4 homens e 4 mulheres, dentro da faixa correspondente a

jovens, que está entre 25 e 30 anos, e o nível superior de ensino completo.

Abaixo encontramos uma tabela com as entrevistas selecionadas e suas

respectivas descrições:

CORPUS PRESEEA – MÉXICO. Informantes de nível superior

Informante Entrevista Sexo Idade Tema da entrevista

1 01 Masculino 25 Experiência de trabalho, arquitetura e construção

2 02 Masculino 25 Perfurações, tatuagens e forma de vida do informante

3 03 Masculino 30 Estudos, amigos e trabalho 4 04 Masculino 26 Educação, amigos estrangeiros,

bolsas para estudo no exterior e projetos futuros

5 07 Feminino 25 Família, gênero, casamento e férias

6 08 Feminino 29 História, costumes e problemas do bairro de Tepito

7 09 Feminino 30 Situação familiar, filhos, casamento e vida acadêmica

8 10 Feminino 30 Vida escolar, experiências profissionais, relações escolares e

viagens

6.2. SOBRE O NURC-RJ

O corpus levantado no país perfaz hoje um total de mais de 1500 horas de

registros magnetofônicos – se consideramos todas as cidades – realizados na década

de 70, mais precisamente concentrados entre os anos de 1972 a 1978. Esse material

representa o desempenho linguístico de falantes de ambos os sexos, nascidos na

cidade do Rio de Janeiro, com escolaridade universitária, distribuídos em três faixas

etárias – de 25 a 35 anos, de 36 a 55 e de 56 anos em diante – gravados em três

situações distintas: 1) aulas e conferências (Elocução formal/EF); 2) diálogos

  81  

informais (Diálogo entre dois locutores/D2); 3) entrevistas (Diálogo entre informante

e documentador/DID). O Arquivo Sonoro da fala do Rio de Janeiro abrange um total

de 394 entrevistas com 493 informantes, sendo 238 (60,4%) do tipo Diálogo entre

informante e documentador (DID), 99 (29,1%) do tipo Diálogo entre dois informantes

(D2) e 57 (14,4%) de Elocuções formais (EF).

Para esta pesquisa, serão consideradas as entrevistas do tipo Diálogo entre

informante e documentador (DID) da Amostra Complementar da década de 90, de

informantes jovens entre 26 e 33 anos, tanto do sexo feminino quanto do sexo

masculino, que falaram sobre temas que também possibilitaram um diálogo

espontâneo e passível de comparação com os do PRESEEA – México, conforme

representado no quadro abaixo:

CORPUS NURC- RJ. Informantes de nível superior

Informante Entrevista Sexo Idade Tema

1 01 Masculino 32 Instituições, ensino e Igreja

2 02 Masculino 28 Cidade e comércio

3 13 Masculino 31 Vida social e diversões

4 23 Masculino 33 Vida social e diversões

5 03 Feminino 27 Família, ciclo de vida, saúde

6 12 Feminino 27 Cidade e comércio

7 15 Feminino 27 Vida social e diversão

8 25 Feminino 26 Cidade e comércio

O passo seguinte foi analisar esses dados através de ferramentas específicas

para esse tipo de análise e estabelecer os grupos de fatores importantes para a

investigação que aqui se apresenta.

  82  

5.3. AS FERRAMENTAS DE ANÁLISE

Com relação à análise dos dados, realizamos um levantamento quantitativo

das ocorrências de sentenças com EG tendo o auxiliar no presente do indicativo, tanto

no PB quanto no espanhol do México (EM), e de alguns fatores sintáticos que

circundam cada sentença. Em seguida, realizamos uma análise qualitativa dos

contextos identificados para chegar a um resultado que, de certa forma, mostrasse os

fatores linguísticos que influenciam na interpretação aspectual iterativa de EG.

5.3.1. WORDSMITH TOOLS (VERSÃO 5)

Utilizamos a metodologia da Linguística de Corpus50, através da ferramenta

computacional WordSmith Tools (versão 5.0), desenvolvida por Mike Scott e Oxford

University Press. Esse programa consiste em uma metodologia atual, organizada e

totalmente confiável que facilita a análise quantitativa, pois nos mostra todas as

ocorrências existentes do que estamos pesquisando. Dentre as ferramentas

disponibilizadas pelo software, WordList, Keywords e Concord entre outros

utilitários, a ferramenta Concord foi a de maior relevância para a análise realizada na

pesquisa, pois busca as palavras selecionadas dentro do seu contexto.

5.3.2. GOLDVARB X

Além do WordSmith Tools (versão 5.0), utilizamos o pacote computacional de

regra variável GoldVarb X, que também foi fundamental na análise qualitativa dos

dados selecionados, pois permitiu que pudéssemos observar os fatores envolvidos na

leitura aspectual da sentença. Este programa forneceu a informação estatística através

das frequências absoluta e relativa com relação às sentenças analisadas segundo os

fatores considerados.

No quadro abaixo, podemos observar os códigos utilizados para a análise

                                                                                                               50  Linguística de Corpus: área de estudos linguísticos que se ocupa da coleta de grandes quantidades de

dados de fala e escrita autênticas, guardado em formatos digital, para a exploração por meio de programas de computador especializados. (cf. SARDINHA 2007)  

  83  

através do GoldVarb X:

CÓDIGOS PARA ANÁLISE NO GOLDVARB 2001

Número Variáveis Fatores Códigos

1 Dependente Aspecto (Iterativo, Durativo e Progressivo) i, d, p

2 Independente Sexo (masculino, feminino) m, f

3 Independente Tipo de verbo (atividade, estado, processo

culminado e culminação)

a, e, p, c

4 Independente Tipo de argumento interno (singular, plural s, p

5 Independente Expressão adverbial (quantificadores e de

frequência, de duração, negação e

agora/ahorita)51

1, 2, 3, 4

6 Independente Tipo de argumento externo (singular, plural) s, p

7 Independente Língua (português, espanhol) p, e

5.4. O GRUPO DE FATORES

Para realizar tais análises, precisamos estabelecer um grupo de fatores52 que

estaria condicionando à realização de uma ou outra variável. Definimos três variáveis

dependentes: significação aspectual iterativa, durativa e progressiva. Como variável

independente extralinguística, definimos o gênero (masculino e feminino) e a faixa

etária (de 20 a 35 anos). Consideramos como variáveis independentes linguísticas, a

língua (português e espanhol), a conjugação verbal (1ª, 2ª e 3ª), o tempo presente do

indicativo do auxiliar “estar”, o tipo verbal de acordo com a classificação de Vendler

(1957) (atividade, processo culminado, culminação e estado), o tipo dos argumentos

interno e externo (se é plural ou singular) e o tipo de advérbio (de frequência ou de

quantidade).

                                                                                                               51  Os fatores da expressão adverbial foram selecionados conforme ia sendo observado na análise das

sentenças. E como o fator expressão adverbial só poderia ter uma letra ou algarismo, foi dado um diferente código para quando a sentença apresentava dois advérbios.

52 No presente trabalho, adotamos a definição de 'grupo de fatores' de Guy & Zilles (2007, p.238): “um grupo de fatores representa uma das variáveis independentes, seja ela linguística ou social, que o pesquisador quer testar como possível influência no comportamento da variável dependente”.

  84  

CAPÍTULO 6

ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS

Neste capítulo, apresentaremos os dados analisados a partir de uma análise

quantitativa e qualitativa, e seus respectivos resultados, ressaltando as características e

os fatores envolvidos na expressão aspectual durativa e iterativa da perífrase “estar” +

gerúndio na variante do espanhol mexicano e na variante do português brasileiro.

6.1. ANÁLISE QUANTITATIVA

Nas 16 entrevistas analisadas, 8 do Português do Brasil (PB), da cidade do Rio

de Janeiro, e 8 do Espanhol do México (EM), da capital Cidade do México, foram

contabilizadas 170 sentenças com a perífrase “estar” + gerúndio (EG), estando o

auxiliar no presente do indicativo. Embora se tenha encontrado mais sentenças no

corpus do EM (108) do que no do PB (62), não podemos fazer nenhuma afirmação

acerca da frequência de uso de cada população estudada, já que não temos a mesma

quantidade de tempo de interação em cada entrevista.

Dessas 170 sentenças encontradas, 6 delas foram classificadas como

progressivas, 2 do PB e 4 do EM, pois o evento estava em curso no momento da

enunciação; 97 foram classificadas como durativas, pois o intervalo de tempo não

englobava o momento da enunciação e tampouco possibilitava a ideia de frequência; e

67 foram classificadas como iterativas por apresentarem um evento escalonado no

tempo. Devido ao baixo número de sentenças classificadas como progressivas, essas

foram desconsideradas numa segunda análise para que os dados fossem rodados sem

nocautes53 e pudessem informar os pesos relativos54 dos fatores mais relevantes.

Resolvemos também eliminar da análise as sentenças que apresentavam uma

expressão idiomática55 e que poderiam gerar dúvida na sua classificação. Como por

exemplo “estou fugindo do assunto”, “está pintando umas viagens”, “estoy echando

                                                                                                               53  Nocaute   é um fator que corresponde a uma frequência de 0% ou 100% para um dos valores da

variável dependente e é caracterizado um erro na rodada dos dados. (cf. Guy e Zilles 2007).  54 O peso relativo é o peso de um fator que é calculado pelo GoldVarb e que indica o efeito desse fator

sobre o uso da variante investigada neste conjunto. (cf. Guy e Zilles 2007). 55  Consideramos por expressão idiomática um conjunto de palavras que se caracteriza por não ser

possível identificar seu significado mediante o sentido literal dos termos analisados individualmente.

  85  

como una carga”, “estoy yendo bien a la chava” e etc. No total foram 11 sentenças

excluídas, 2 do português e 9 do espanhol.

Finalmente, a partir das 153 sentenças analisadas, podemos afirmar que no PB

a significação aspectual iterativa para a perífrase EG foi mais produtiva, pois 53,4%

de suas sentenças foram classificadas como iterativas, frente a 34,7% das sentenças do

EM. Tais resultados, entretanto, não podem ser comparados a outros estudos, pois não

foi encontrado nenhum trabalho que comparasse essas duas línguas com relação à

leitura aspectual em sentenças com EG. Abaixo podemos observar uma tabela com os

valores dessa rodada:

Tabela 1: Ocorrências da variável linguística língua

DURATIVO ITERATIVO

N/Total % N/Total %

PORTUGUÊS 27/58 46,6 31/58 53,4

ESPANHOL 62/95 65,3 33/95 34,7

Totais 89/153 58,2 64/153 41,8

Nesta dissertação, adotamos o quadro aspectual proposto por Mendes (2005),

que já foi detalhado no capítulo 4:56

- Aspecto Durativo: aspecto imperfectivo cujo intervalo de tempo não engloba o

momento da enunciação da sentença. Não podem ser inseridos os adjuntos de

frequência “repetidas vezes/ frequentemente”.

- Aspecto Iterativo: evento continuamente representado com escalonamento no

decorrer do tempo. Podem ser inseridos os adjuntos de frequência “repetidas vezes/

frequentemente”.

Conforme o esperado, a variável extralinguística sexo não foi relevante na

análise que aqui se apresenta. Nesta pesquisa e na de Mendes (2005), este grupo de

                                                                                                               56 Conforme visto no capítulo 5 de Metodologia, Mendes (2005) fala também do aspecto progressivo -

aspecto imperfectivo que está em curso no momento da enunciação. Mas, assim como em seu trabalho, resolvemos não analisar as sentenças com o aspecto progressivo devido ao baixo número de ocorrências, que contabilizaram apenas 5, o que prejudicaria a análise pelo GoldVarb por gerar muitos nocautes.

 

  86  

fatores não foi selecionado pelo GoldVarb X como relevante em nenhuma das

amostras. Com uma divisão igualitária de 4 homens e 4 mulheres entrevistados em

cada corpus, os dados não sugeriram qualquer diferença no uso de EG e tampouco no

uso específico do aspecto iterativo com essa perífrase. Os resultados do GoldVarb X,

quando analisados os dados do português junto com os do espanhol, foram de 49% de

uso de EG por parte do sexo masculino e de 51% por parte do sexo feminino. E das

64 sentenças que foram classificadas como iterativas, 29 delas foram produzidas por

homens e 35 por mulheres. Quando analisadas separadamente temos os seguintes

valores:

Tabela 2: Ocorrências da variável extralinguística sexo

PORTUGUÊS DURATIVO ITERATIVO

N/Total % N/Total %

FEMININO 11/27 40,7 16/27 59,3

MASCULINO 16/31 51,6 15/31 48,4

Totais 27/58 46,6 31/58 53,4

Tabela 2: Ocorrências da variável extralinguística sexo

ESPANHOL DURATIVO ITERATIVO

N/Total % N/Total %

FEMININO 32/51 62,7 19/51 37,3

MASCULINO 30/44 68,2 14/44 31,8

Totais 62/95 65,3 33/95 34,7

Os resultados do português e do espanhol, separadamente, nos mostram uma

pequena diferença da expressão aspectual de EG e apontam para uma diferente

tendência de uso das populações estudadas. No português, as mulheres apresentaram

um uso superior de EG em contexto iterativo, mas a diferença de uso por parte do

sexo masculino entre durativo e iterativo foi pequena, com apenas 3,2% de diferença.

Por outro lado, os dados demonstraram um uso maior de EG em contexto iterativo por

parte da população carioca estudada. Enquanto no espanhol, ambos os sexos

  87  

apresentaram mais uso de EG em contexto durativo, o que também já aponta para um

uso de EG que ainda é do tipo mais durativo por parte dessa população estudada da

Cidade do México.

Com relação ao tipo de verbo, selecionamos a proposta quadripartida de

Vendler (1967), da qual tratamos mais detalhadamente no capítulo 2. Esse autor

subdivide os verbos em accomplishments – processos culminados (quando são

inerentemente durativos e télicos) e em activities – atividades (quando são

inerentemente durativos e atélicos). Os verbos que só poderiam ser conjugados na

forma simples são subdivididos em states – estados (inerentemente durativos e

atélicos) e achievements – culminações (inerentemente pontuais e télicos).

Os testes empregados para a classificação de um determinado verbo envolvem

a detecção de um esquema temporal que se define, portanto, pelos traços

[durativo/pontual] e [télico/atélico]; os verbos de estado se destacam ainda pelo traço

[- dinâmico], em oposição a todos os outros. Uma situação é télica se existe um final

inerente à mesma, que deve ser alcançado para que se possa dizer que tal situação

aconteceu (Ex.: Ele faz um esporte). E uma situação é atélica quando não possui um

fim inerente, tem lugar desde o momento que começa e a partir daí pode se prolongar

indefinidamente (Ex.: Ele faz esportes).

A noção de inerência se remete ao fato de que a classificação se dá num nível

lexical, mas o próprio Vendler reconhece que a classificação de um mesmo verbo

pode ser diferente, dependendo de especificidades de outros elementos envolvidos no

predicado, ou seja, no nível da sentença.

Abaixo seguem os traços que estão envolvidos na classificação e análise de

cada tipo de verbo:

   

- Verbos de estado: [- dinâmico], [- pontual] e [- télico].

Ex.: (P1M3) “Então uma pessoa que tá querendo fazer Eletrônica”

- Verbos de atividade: [+ dinâmico], [- pontual] e [- télico].

Ex.: (P1M2) “Já não quer ir e tá dando aula lá”

- Verbos de processo culminado: [+ dinâmico], [- pontual] e [+ télico].

Ex.: (P2M11) “A sociedade tá aumentando”

- Verbos de culminação: [+ dinâmico], [+ pontual] e [+ télico]

Ex.: (P2M1) “quando eu tô saltando vieram três caras”

 

  88  

Os resultados da análise da variável linguística tipo de verbo mostraram que,

no PB, os verbos do tipo atividade e processo culminado são mais usuais com EG,

sendo iterativos em 60,7% e 85,7%, respectivamente, do total. Além disso, possuem

grande relevância na leitura aspectual iterativa, já que 17 sentenças iterativas possuem

verbo principal do tipo atividade e 12 do tipo processo culminado. O tipo de verbo de

estado apresentou apenas 2 de suas ocorrências do total de 14 em contexto iterativo. O

verbo do tipo culminação não apresentou sentenças com leitura iterativa no corpus

estudado. O que pode sugerir a necessidade da dinamicidade e da não pontualidade do

verbo, como traços relevantes, para a expressão aspectual iterativa.

Esses resultados diferem dos encontrados em Mendes (2005) que em seu

trabalho afirmou haver mais ocorrências de sentenças com verbos do tipo processo

culminado e culminação com EG expressando a iteratividade. Segundo o autor, é

possível que o traço [+ télico] comum a estes tipos de verbo seja importante na leitura

aspectual iterativa. Em seu trabalho sobre a iteratividade, Wachowicz (2006) também

afirma que este aspecto é mais comumente usado com verbos do tipo processo

culminado e culminação, só que em seu trabalho a autora não trata da expressão

aspectual da perífrase EG. Para Wachowicz (2006, p.4), esses tipos de verbo parecem

estar mais próximos da iteratividade, pois, segundo a autora, é como se o processo

gradual ou incremental, inerente à leitura dos de processo culminado, pudesse

sobrepor intervalos das respectivas situações.

No EM, das 95 sentenças analisadas, 57 apresentaram verbos do tipo

atividade. Assim, das 33 sentenças consideradas iterativas, 21 apresentaram verbos do

tipo atividade e apenas 6 do tipo processo culminado, 4 do tipo estado e 2 do tipo

culminação. Diferentemente do português, que não apresentou nenhuma ocorrência de

aspecto iterativo em sentenças cujo verbo principal fosse do tipo culminação.

  89  

Tabela 3: Ocorrências da variável linguística tipo de verbo

PORTUGUÊS DURATIVO ITERATIVO

N/Total % N/Total %

ATIVIDADE 11/28 39,3 17/28 60,7

ESTADO 12/14 85,7 2/14 14,3

PROC. CULM. 2/14 14,3 12/14 85,7

CULMINAÇÃO 2/2 100,0 0/2 0

Totais 27/58 46,6 31/58 53,4

Tabela 3: Ocorrências da variável linguística tipo de verbo

ESPANHOL DURATIVO ITERATIVO

N/Total % N/Total %

ATIVIDADE 36/57 63,2 21/57 36,8

ESTADO 6/10 60,0 4/10 40,0

PROC. CULM. 15/21 71,4 6/21 28,6

CULMINAÇÃO 5/7 71,4 2/7 28,6

Totais 62/95 65,3 33/95 34,7

A variável linguística argumento interno também se revelou um fator

importante na leitura aspectual iterativa. No PB, das 31 sentenças consideradas

iterativas, 15 dos argumentos internos estavam no singular, 10 estavam no plural e 6

não apresentaram argumento interno devido ao verbo principal ser intransitivo. Sendo

que as 10 sentenças que apresentaram argumento interno plural foram consideradas

iterativas. Ou seja, o contexto para a expressão da iteratividade não requer

necessariamente a presença de um complemento pluralizado, mas quando ele está

presente, é mais provável que sua leitura aspectual seja iterativa. Esses resultados são

compatíveis aos encontrados por Mendes (2005) e por Wachowicz (2006), que

também comprovam a estreita relação entre o argumento interno pluralizado e a

expressão aspectual iterativa, já que, segundo os autores, o argumento interno plural

parece proporcionar uma leitura de evento plural, que dá uma ideia de repetição.

  90  

No EM, das 33 sentenças consideradas iterativas, 16 apresentaram argumento

interno no singular, 14 argumento interno plural e 3 não apresentaram nenhum

argumento. Mas, semelhante ao português, do total de 16 sentenças que apresentaram

argumento interno plural, apenas 2 foram consideradas durativas. O que também

parece sugerir que embora o argumento interno plural não seja essencial para a

expressão aspectual iterativa, quando uma sentença o apresenta, sua leitura aspectual

é provavelmente iterativa.

Tabela 4: Ocorrência da variável linguística argumento interno

PORTUGUÊS DURATIVO ITERATIVO

N/Total % N/Total %

SINGULAR 23/38 60,5 15/38 39,5

PLURAL 0/10 0 10/10 100,0

Totais 23/48 47,9 25/48 52,1

Tabela 4: Ocorrência da variável linguística argumento interno

ESPANHOL DURATIVO ITERATIVO

N/Total % N/Total %

SINGULAR 53/69 76,8 16/69 23,2

PLURAL 2/16 12,5 14/16 87,5

Totais 55/85 64,7 30/85 35,3

O mesmo podemos dizer com relação à variável argumento externo. No PB,

das 31 sentenças iterativas, 14 tinham o sujeito no singular e 17 tinham o sujeito

pluralizado. Mas as sentenças com sujeito plural representam um universo de 54,8%

que expressam iteratividade, frente a 51,9% com sujeito no singular que também

expressam iteratividade. Ou seja, devido a essa pequena diferença há uma grande

probabilidade de que o sujeito pluralizado não favoreça a iteratividade em sentenças

com EG que tenham o sujeito pluralizado. No entanto, nos trabalhos de Mendes

(2005) e Wachowicz (2006) é afirmado que o sujeito plural teria relevância na leitura

aspectual iterativa.

  91  

No EM, das 33 sentenças consideradas iterativas, apenas 11 apresentaram

sujeito plural, frente a 22 sentenças com sujeito no singular. Mas das 95 sentenças

com EG, apenas 25 apresentaram sujeito plural, sendo 14 classificadas como

durativas e 11 como iterativas. Tanto no caso do PB quanto no do EM, houve uma

quantidade aproximada de sujeito plural expressando duratividade e iteratividade, o

que parece sugerir uma menor relevância dessa variável na expressão aspectual

iterativa.

Tabela 5: Ocorrência da variável linguística argumento externo

PORTUGUÊS DURATIVO ITERATIVO

N/Total % N/Total %

SINGULAR 13/27 48,1 14/27 51,9

PLURAL 14/31 45,2 17/31 54,8

Totais 27/58 46,6 31/58 53,4

Tabela 5: Ocorrência da variável linguística argumento externo

ESPANHOL DURATIVO ITERATIVO

N/Total % N/Total %

SINGULAR 48/70 68,6 22/70 31,4

PLURAL 14/25 56,0 11/25 44,0

Totais 62/95 65,3 33/95 34,7

Assim como a pluralidade do argumento interno, a expressão adverbial

também se mostrou bastante relevante para a leitura aspectual iterativa. Tanto no PB

quanto no EM, todas as sentenças que apresentaram o adjunto adverbial quantificador,

um total de 13 sentenças, 7 no PB e 6 no EM, foram classificadas como iterativas,

gerando inclusive um nocaute nos resultados obtidos pelo GoldVarb X, já que

nenhuma sentença classificada como durativa apresentou qualquer advérbio desse

tipo. Os adjuntos adverbiais de duração tiveram maior relevância na leitura durativa

no PB que no EM. No PB, apenas 1 sentença, das 3 com marcador adverbial durativo,

  92  

foi considerada iterativa. Enquanto que, no EM, 5 das 13 sentenças foram

consideradas iterativas.

Outra expressão adverbial que é considerada propiciadora de duração é a

negação. Pois, segundo Ilari (2000, apud Mendes 2005), negar a reiteração regular de

uma certa ação não é o mesmo que negar que essa mesma ação tenha acontecido uma

ou outra vez e, além disso, não se chega a excluir que um determinado fato tenha

acontecido afirmando que se repete com alguma regularidade sua não-realização.

Observando os exemplos (A) “não tenho quase lido livros” e (B) “Não tenho lido

livros”, pode-se observar, segundo Mendes (2005), em (A), que "quase" funciona

como um quantificador indefinido que resolve em certa medida a problemática

apontada por Ilari (2000). Portanto, nega-se a reiteração regular da atividade "ler

livros", mas, ao mesmo tempo, "quase" indica que tal atividade seguramente

aconteceu uma ou outra vez, dentro do intervalo de tempo em questão. Já em (B), com

a ausência do quantificador, fica sensivelmente mais difícil afirmar com segurança

que "ler livros" tenha acontecido alguma vez dentro de um certo intervalo de tempo.

Torna-se possível, então, uma interpretação durativa, que pode ser parafraseada

assim: "desde a última vez que eu li um livro, já faz algum tempo". Com isso, na

análise que aqui apresentamos, todas as sentenças com a presença da negação, foram

consideradas durativas, tanto no PB quanto no EM.

Outro advérbio importante para este estudo é o “ahorita” da variedade

mexicana. Embora não tenhamos encontrado nenhum estudo aprofundado sobre as

possíveis interpretações desta expressão adverbial, os dicionários da RAE e

COLMEX dão a possibilidade de correspondência com a expressão por “ahora

mismo” ou “muy recientemente”, o que sugere uma gradação do (+) durativo para o

(+) iterativo. Além disso, essa gradação pode ser perfeitamente observável através das

sentenças analisadas neste presente trabalho. Como se pode ver nos exemplos abaixo:

(4) ahorita está esperando bebé (E10F17)57

(5) ahorita él está dando clases (E10F15)

No exemplo (4), o sujeito do evento realmente está esperando um bebê no no

período em que foi realizada a enunciação, ou seja, o advérbio nesta sentença é (+)                                                                                                                57 Consideramos essa sentença durativa porque nos parece que o evento de esperar um bebê é [+

durativo] e [- pontual], o que exclui a possibilidade de ser considerada progressiva.

  93  

durativo. Já no exemplo (5), é (+) iterativo, pois pode ser traduzido como

“recentemente” e o verbo principal do tipo atividade com um complemento interno

plural reforça a leitura iterativa da sentença. Dessa forma, na análise que aqui se

apresenta, o advérbio “ahorita” expressou mais duratividade no EM, com 6 das 8

sentenças classificadas como durativas.

No PB, das sentenças encontradas com o advérbio “agora”, algumas foram

desconsideradas da classificação por apresentarem o aspecto progressivo, outras por

estarem em sentenças que representavam expressões idiomáticas e outras por estarem

acompanhadas de um advérbio de negação, que já favorecia uma leitura aspectual

durativa para a sentença. E, por isso, esse advérbio não foi considerado relevante para

o PB como foi para o EM.

Tabela 6: Ocorrências da variável linguística expressão adverbial

PORTUGUÊS DURATIVO ITERATIVO

N/Total % N/Total %

QUANTITATIVO 0/7 0 7/7 100

DURAÇÃO 2/3 66,7 1/3 33,3

NEGAÇÃO 10/10 100,0 0/10 0

AGORA/AHORITA 0/0 0 0/0 0

Totais 12/20 60,0 8/20 40,0

Tabela 6: Ocorrências da variável linguística expressão adverbial

ESPANHOL DURATIVO ITERATIVO

N/Total % N/Total %

QUANTITATIVO 0/6 0 6/6 100

DURAÇÃO 8/13 61,5 5/13 38,5

NEGAÇÃO 9/9 100,0 0/9 0

AGORA/AHORITA 6/8 75,0 2/8 25,0

Totais 23/36 63,9 13/36 36,1

  94  

Abaixo observamos um quadro mais ilustrativo da análise da expressão

adverbial realizada nesta investigação:

1 – “Quantificadores” (que expressam

quantidade de vezes; frequência) – um

pouco, pra caramba, mais, muitos,

mucho, de todo, siempre, ultimamente,

bien = bastante

“tão deixando elas mais” agressivas [26]

“que está teniendo así como que mucho

éxito” [106]

2 – “Duração” (que expressam

duração, progressão ou localização no

tempo) – há quatro anos e meio, há

muito tempo, hoje em dia, ya58, desde,

apenas, por la mañana

“eu deixei o carro quando eu tô saltando

vieram” [6]

“ah ya la estás haciendo” [103]

3 – negação – não, no, ni, nada “não está atuando que ele poderia atuar” [8]

“no te digo que nada más está inventando”

[115]

4 – ahorita “ahorita estoy lo estoy estudiando y a mí se

me” [72]

/ - não se aplica “Então uma pessoa que tá querendo fazer

Eletrônica” [3]

“estoy haciendo mis trámites para el título”

[83]

De todos os fatores analisados, na rodada binominal (stepping up and stepping

down), realizada no programa GoldVarb X, a rodada de favorecimento (stepping up)

selecionou para o PB os grupos 2 (tipo de verbo), 3 (número do argumento interno) e

4 (expressão adverbial) como favorecedores da leitura aspectual iterativa. No EM, os

grupos favorecedores selecionados foram o 3 (número do argumento interno) e 4

(expressão adverbial).

                                                                                                               58  Nesta dissertação, consideramos o “ya” como um marcador adverbial de duração, pois entendemos

que esse dá à sentença uma leitura [+] durativa por manifestar a realização de uma ação simultânea com o momento em que se fala ou seu término anterior ou em um momento imediatamente anterior.

  95  

Tabela 7: Peso relativo dos fatores mais relevantes para a leitura aspectual

PORTUGUÊS (Run #12) GRUPO 2 a: 0,301 e: 0,908 c: 0,829 p: 0,282

GRUPO 3 s: 0,703 p: 0,049

GRUPO 4 3: 0,603 2: 0,745 1: 0,243 --

Tabela 7: Peso relativo dos fatores mais relevantes para a leitura aspectual

ESPANHOL (Run #9) GRUPO 3 s: 0,670 p: 0,045

GRUPO 4 2: 0,402 4: 0,512 3: 0,915 1: 0,062

A seguir, encontraremos algumas sentenças transcritas que representam os

diferentes fatores que parecem diferenciar a leitura aspectual das sentenças com EG,

para que os números, aqui apresentados, possam fazer mais sentido ao leitor.

6.2. ANÁLISE QUALITATIVA

Os três aspectos que serão apresentados na análise abaixo, o progressivo, o

durativo e o iterativo, estão inseridos no aspecto imperfectivo, já que todos envolvem

um intervalo de tempo que se estende do passado ao presente.

6.2.1. PROGRESSIVO

Embora tenhamos descartado o aspecto progressivo da nossa análise devido ao

número baixo de ocorrências, acreditamos que seja interessante apresentá-lo aqui para

que fique mais claro a nossa consideração do que vem a ser o aspecto progressivo.

Conforme já foi afirmado no capítulo sobre aspecto, o aspecto progressivo se

refere à “duração de uma ação ou de um estado de coisas concomitante à sua

enunciação numa frase” (Mendes 2005:4). Os primeiros trabalhos descritivos sobre

  96  

EG traziam o progressivo como a única leitura aspectual possível dessa perífrase.

Inclusive, muitos tratavam o progressivo como sinônimo de EG.

Trabalhos como o de Wachowicz (2003), Gonçalves (2003) e Mendes (2005)

já haviam salientado que a leitura aspectual de progressividade não seria a única

leitura aspectual possível de EG. Mas muitos autores ainda afirmam que o progressivo

seria o aspecto mais típico expresso por EG, e o que se pode observar através dos

dados é que ele não é só mais o único aspecto que EG pode expressar como parece ser

também o aspecto que menos está sendo expresso por essa perífrase.

É interessante observar que, nos dados aqui analisados, apenas uma sentença

do português foi classificada como progressiva, o que mais uma vez sugere que EG

está estendendo mais sua significação aspectual no PB que no EM. Com relação aos

fatores considerados mais relevantes na leitura aspectual de progressivo para o PB e

EM, podemos dizer sobre o tipo de verbo que cinco sentenças tiveram o verbo

principal classificado como do tipo atividade e apenas uma, a sentença 3 (E3M9/80),

teve o verbo principal classificado como do tipo processo culminado devido à

telicidade do argumento interno (“la historia”). O fator número do argumento interno

teve a ocorrência de uma sentença no plural (P3F1), e as outras cinco no singular. E a

expressão adverbial teve ocorrência da expressão do fator tipo de quantificador e de

negação, o que na maioria dos dados analisados levava à leitura aspectual iterativa e

durativa, respectivamente.

O que quer dizer que dentre os fatores composicionais da sentença, não houve

nenhum fator que parecesse estar mais relacionado à expressão aspectual progressiva.

O que pode sugerir que esse aspecto esteja mais no âmbito do discurso pragmático do

que no da sintaxe, pois o evento precisa estar relacionado com o momento da

enunciação. Abaixo podemos observar todas as seis sentenças, tanto do PB quanto do

EM, que foram classificadas como progressivas nos corpora analisados.

1 - (P1M1/1) “Por exemplo, outro dia, até um, dar um exemplo, que eu não sei se tô

fugindo um pouco do assunto, mas, por exemplo, outro dia, eu vejo, eu assisto muito

o Jô Soares”.

Nesse exemplo (1) acima, o entrevistado interrompe a sua fala com a

preocupação de estar fugindo do assunto da entrevista, por isso se utiliza da perífrase

“estar” + gerúndio para expressar naquele momento sua preocupação. Dessa forma,

  97  

mesmo utilizando uma expressão adverbial quantificadora “um pouco”, a sentença é

considerada progressiva.

2 - (P3F1/35) “mas de repente é a falta que elas têm, né, da figura paterna, do pai, de

um homem ali, por exemplo, essas duas que eu tô falando, por um acaso, elas não

têm nenhum irmão, homem, sabe, é só irmã”.

Nesse exemplo (2), o entrevistado faz um comentário sobre a sua própria fala.

Ele utiliza a perífrase EG para dizer sobre quem naquele momento ele estava falando.

Da mesma forma, como o evento descreve algo que ocorre no momento da

enunciação, a sentença é classificada como progressiva.

3 - (E3M9/80) “ya terminé mi carrera// pero eh/ yo terminé t-/ t-/ obtuve mi

certificado// ya te estoy contando toda la historia E: sí/ está bien (risa) I: me puse a

trabajar E: ajá I: y ahorita que tengo tiempo// después ya de/”.

O mesmo se pode dizer desse exemplo (3), em que o informante interrompe

sua fala para dizer que está contando toda a história naquele momento e por isso é

classificada também como progressiva, mesmo tendo uma expressão adverbial “ya”

considerada como durativa.

4 - (E7F17/126) “bien gracias ¿y tú? (risa)/// te presento a P/ I: hola P: hola mucho

gusto// ¿están grabando entonces? E: ¿vas a ocupar el Kay ? P: sí pero E: en cinco

minutos te lo paso”.

Neste exemplo (4), há a interrupção da entrevista por parte de uma terceira

pessoa que entra na sala e pergunta se estão gravando a conversa. É mais um evento

que ocorre no momento da enunciação, caracterizando o aspecto progressivo.

5 - (E8F7/135) “sí/ me platicaba un amigo/ un ex vecino/ que ya no vive aquí// que

una vez/ su tío/ venía a visitarlos/ ¿no?/ el tío era joven/ estamos hablando yo/ qué te

diré/ del cincuenta/ sesenta E: mh I: y ya tenía fama el barrio/ ¿no? E: mh I: entonces

el señor creo”.

  98  

6 - (E9F5/141) “pues nunca voy a trabajar// nunca voy a estudiar/ si es/ si es lo que/

no quieres”/ un ejemplo no/ [no estoy diciendo que/ que así sea mi pareja] 119 E:

[mh/ mh/ mh/ mh] 120 I: para mí eso sería doblegarme/ pero para mí más que

doblegarme sería”.

No exemplo (5), o entrevistado interrompe sua fala para explicá-la melhor,

dizendo mais ou menos a idade da pessoa que ele considera jovem. O mesmo ocorre

no exemplo (6), o entrevistado também utiliza a perífrase EG para naquele momento

explicar melhor sobre o que está dizendo ou não está dizendo. Assim, consideramos

como progressivas todas as sentenças até aqui exemplificadas, por representarem um

evento que ocorre no momento da enunciação.

6.2.2. DURATIVO

A diferença entre o aspecto progressivo e o durativo, considerada aqui, é dada

por Mendes (2005), que afirma que o primeiro remete à continuidade de uma ação ou

evento no momento da enunciação, enquanto o segundo diz respeito a um evento cuja

continuidade é percebida desde algum momento anterior ao da enunciação.

O advérbio “agora”, quando presente nas sentenças, serve para mostrar que a

distinção entre durativo e progressivo depende de outros elementos. Se eles não

estiverem presentes na sentença, certamente serão recuperáveis no contexto maior. E,

observando os contextos como os exemplificados abaixo em (7) e (8), podemos

perceber que não se inclui o momento exato da enunciação nessas sentenças, por isso

elas não podem ser classificadas como progressivas. Mas observamos que há uma

continuidade que se opõe à intermitência da iteratividade e, por isso, são classificadas

como durativas. O exemplo (7), inclusive, tem a negação que reitera a duratividade

expressa pela sentença, impossibilitando qualquer escalonamento do evento.

7 - (P1M4/4) “minha mãe começou a cobrar: tá vendo, último ano, você tinha que tá

estudando, agora não tá estudando, não sei o que!”.

8 - (E3M11/82) “yo después/ este// del ochenta y cinco me vine a vivir ya a lo que/

donde estoy viviendo ahorita/ [donde] E: [mh] I: estoy radicando que es este/ te digo

que en el pueblo de San Mateo E: mm 1I: ahí en// eh//”.

  99  

Com relação ao tipo de verbo, temos em (7) o verbo principal “estudar”

classificado como de atividade, por descrever um processo dinâmico. E em (8) temos

o verbo principal “vivir” classificado como do tipo estado, que, diferentemente, é [-

dinâmico] e não representa mudança durante o período de tempo. E com relação ao

fator número do argumento interno, temos em (7) a ausência de argumento interno e

em (8) um verbo intransitivo.

Nos exemplos (9) e (10) abaixo, temos casos de aspecto durativo, pois se

observa que há um alongamento do passado para o presente que é visualizado de

maneira continuada. Além disso, a inserção de um advérbio de frequência como

“várias vezes” não seria possível, pois modificaria o sentido da frase, já que o evento

de “querer fazer eletrônica” e “aprender inglês” repetidas vezes não faria sentido,

como é possível observar em (9a) e (10a).

9 - (P1M3/3) “Então uma pessoa que tá querendo fazer Eletrônica, vai ter Cálculo,

vai ter parte de Desenho, por exemplo, que ele nunca vai usar na vida”.

9a* – Então uma pessoa que tá querendo fazer Eletrônica várias vezes, vai ter

Cálculo, vai ter parte de Desenho....

10 - (E3M8/79) “también te lo comenté hace rato/ estoy aprendiendo inglés E: claro

I: y / pienso irme a Europa// entonces es aprender inglés// y además otro idioma//”.

10a* – también te lo comenté hace rato/ estoy aprendiendo inglés varias veces

O comentário do informante entrevistado, em (9), sobre alguém que pensa em

fazer o curso de Eletrônica, não se refere à quantidade de vezes que se quer fazer este

curso. O evento é contínuo e a tentativa de escaloná-lo com o advérbio de frequência

torna a frase estranha. Já que ter Cálculo ou Desenho no curso de Eletrônica não está

relacionado com o fato de se querer fazer esse curso várias vezes. Além disso, o verbo

principal “querer” em (9) é do tipo estado e o argumento interno “Eletrônica” está no

singular, o que de acordo com trabalhos anteriores como o de Mendes (2005), por

exemplo, são fatores que não propiciam intermitência.

Da mesma forma, em (10a) podemos observar um estranhamento na

quantificação do evento “aprender inglês”, que parece escapar ao que o informante

reiterava já haver dito, o fato de estar aprendendo inglês. O evento é claramente

contínuo e por isso classificado como durativo. O verbo principal “aprender” da

sentença (10) é classificado como do tipo atividade, por ser dinâmico e atélico. E com

  100  

o argumento interno “inglês” no singular, parece corroborar a caracterização do

aspecto durativo.

Outro fator que parece levar para uma interpretação durativa é o advérbio de

negação. A presença da negação nas sentenças com EG aqui analisadas, conforme já

discutido anteriormente, parece inviabilizar a possibilidade de repetição do evento,

dando a ele um caráter [+ contínuo], logo [+ durativo]. Pois não podemos afirmar que

tal evento tenha acontecido alguma vez, nem ao menos que ele tenha acontecido de

maneira repetitiva para indicar iteratividade. Abaixo podemos observar os exemplos

(11) e (12).

11 - (P12F10/48) “pessoal de lá, o povo muito simpático, super acessível, quer dizer,

quando você vai num esquema desse de competição, você não tá vendo exatamente o

dia-a-dia da cidade, você, realmente tá em contato com pessoas que são, voltadas pro

esporte”.

No exemplo (11) acima, embora tenhamos o substantivo “dia-a-dia”, que

sugere uma repetição do evento de ver com frequência a cidade, a presença da

negação vai contra a repetição, por justamente negar a ocorrência do evento. Além

disso, temos o verbo principal do tipo estado e o argumento interno “o dia-a-dia da

cidade” no singular. Mas o que realmente parece influenciar na leitura aspectual da

sentença é a presença do advérbio de negação, que sugere duratividade.

12 - (E9F12/148) “creo que no/ que es lo más tonto e inmaduro/ ¿no?/ que puedo

hacer/ porque ni estás resolviendo el problema/ y les estás provocando conflictos

emocionales a tus hijos/ si no es que ya están dañados E: claro”.

No exemplo (12) acima, o verbo principal “resolver” é classificado como do

tipo processo culminado por ser dinâmico e télico, e o argumento interno “el

problema” está no singular. A presença da negação “ni”, da mesma forma, nega a

possível repetição do evento “resolver el problema” e dá o caráter de [+ durativo] para

a sentença.

Além do advérbio de negação, os advérbios classificados aqui como de

duração também parecem ser importantes na expressão aspectual durativa. As

sentenças de (13) – (16) exemplificadas abaixo apresentam marcadores adverbiais de

  101  

duração, ou seja, que expressam duração, progressão ou localização no tempo. Essas

sentenças são classificadas como durativas, pois a progressão do passado para o

presente se dá de maneira contínua e não escalonada.

13 - (P3F2/36) “Depende, entendeu, porque eu tô namorando há quatro anos e meio,

e aí fica meio dependente de namorado, meu namorado, é super caseiro, não é de sair

muito”.

14 – (P3F3/37) “Eu acho que, eu acho que existe, cobrança, por exemplo, cobram, se

você tá namorando há muito tempo, cobram, que você tem que casar, aí depois que

você casa, cobram os filhos,...”

Nos exemplos (13) e (14), o verbo principal “namorar” é classificado como do

tipo atividade, por ser dinâmico e atélico. Com relação ao argumento interno, ambos

não apresentam complemento por apresentarem o verbo “namorar” na sua forma

intransitiva. A expressão adverbial presente em (13), “há quatro anos e meio”, é

durativa com um tempo específico, o que parece bloquear a ideia de escalonamento

do evento de namorar, assim como a expressão adverbial “há muito tempo”, que

também parece impedir uma interpretação iterativa.

15 – (E7F4/113) “y ahora a los veinte años/ apenas estás empezando a I: tu vida

[pues va empezando a funcionar]”

No exemplo (15), o verbo principal “empezar” é classificado como do tipo

culminação por ser dinâmico e télico. Seu argumento interno “a tu vida” está no

singular. E a expressão adverbial “apenas” expressa um momento um pouco anterior

ao acontecimento do evento, dando uma ideia de continuidade e não de intermitência,

sendo, por isso, classificado como durativo.

16 - (E1M5/67) “la propuesta del estructurista/ [tienen que confrontar] E: [pero

mientras ustedes] ya están cuantificando/ ¿no? I: sí/ [o sea que se/ se puede

modificar] E: [o sea/ que sí es difícil] ¡útale!”.

No exemplo (16), o verbo principal “cuantificar” é classificado como do tipo

processo culminado por ser dinâmico e télico. Seu argumento interno deslocado “la

  102  

propuesta del estructurista” está no singular. A expressão adverbial “ya” manifesta um

momento imediatamente anterior ao evento de “cuantificar”, e também é considerado

durativo por não representar uma repetição do evento que sugerisse iteratividade.

6.2.3. ITERATIVO

A principal diferença que se pode observar entre o durativo e o iterativo é que

o durativo pressupõe continuidade e que o iterativo pressupõe escalonamento no

tempo. A hipótese apresentada em Mendes (2005) é que o número do sujeito e do

argumento interno do verbo têm papel decisivo na composição do aspecto iterativo.

Esta hipótese não é confirmada nesta dissertação, pois o número do sujeito não é

selecionado como relevante na rodada de favorecimento do GoldVarb X.

No entanto, nos exemplos abaixo, podemos observar a relação da pluralidade

dos argumentos com a ideia de repetição do evento.

17 - (P2M15/20) “de, digamos né, a gente vai ter esse ano aqui isso Rio-92. Tudo bem

que, todos esses projetos, obras, né, melhorias, cê vê, estão asfaltando, "n" ruas do

Rio, principalmente as de acesso à Barra da Tijuca, né. A Tijuca tá sendo beneficiada

por aí”.

18 - (E10F20/170) “algo/ o// se me va a morir aquí”// o sea/ ¿qué onda?/ y ¡no!/ o sea

te enseñan ellos// “debes de leer su diagnóstico/ debes de leer qué medicamentos

están tomando/ investígate// para qué son esos medicamentos/ si tienes alguna duda/

me pr-/ me/ preguntas”/ esta persona que conocí yo// este”.

19 - (E3M26/97) “como cosas de seguridad para// un drive 105 E: mh I: pads/ este/

joysticks / juegos/ mouse E: mh I: todo ese tipo de cosas ya/ se están introduciendo/

est- esta empresa maneja/ varias marcas E: mh I: te voy a mencionar algunas/ como

son Kensington//”.

20 - (P2M4/9) “pra inglês ver mas, é melhor, dessa forma né. DOC. - Ao menos dessa

forma a gente vê alguma coisa né. LOC. - É, nossa, é, e a gente tá vendo coisas que,

tava há séculos né, parado, coisas que tavam paradas, né, eu acho que tem que

mobilizar essas pessoas”.

Nos exemplos (17) e (18), os verbos principais “asfaltar” e “tomar” foram

classificados como do tipo atividade, devido à presença de dinamicidade e atelicidade.

  103  

Conforme dito anteriormente, os argumentos internos são pluralizados, assim como os

argumentos externos. Essa combinação é o que parece sugerir uma repetição do

evento.

Em (19), o verbo principal é considerado como do tipo culminação, e mesmo

aparentemente sendo um dos tipos de verbo que menos suscita a iteração, com a

presença do argumento externo plural, o evento se torna escalonado, sendo, por isso,

considerado iterativo. O mesmo ocorre com a sentença (20), cujo verbo principal é

considerado do tipo estado.

Com relação mais especificamente ao argumento interno, podemos dizer que

em (20), o evento “a gente tá vendo coisas” se refere a coisas que estavam paradas,

mas que agora estão em andamento, parecendo remeter a uma frequência do evento

devido à generalização dada aos argumentos, pois não os especifica. Ao não os

especificar, temos a ideia de que há uma repetição no ato de ver essas coisas se

modificarem. Do mesmo modo, em (17) e (19), os eventos “estão asfaltando ‘n’ ruas

do Rio” e “todo ese tipo de cosas ya se están introduciendo” apresentam a não

especificidade dos argumentos, o que parece estar relacionado com a iteratividade. Já

na sentença (18), o sujeito “ellos” de “están” se refere a um grupo de pessoas

determinado, enquanto que o argumento interno “medicamentos” está generalizado.

Mas, igualmente, essa combinação dos argumentos plurais parece sugerir um evento

intermitente, que é classificado como iterativo.

No exemplo (21) abaixo, temos uma sentença com o advérbio “ahora” que

parece ter um caráter [+ iterativo], podendo ser comparado à expressão “nos últimos

tempos”. Pois, neste exemplo, o advérbio “ahora” não se refere ao momento da

enunciação, mas a um evento que aconteceu recentemente, nos últimos tempos. Com

isso, podemos classificar essa sentença como iterativa pela frequência suscitada com o

advérbio “ahorita”.

21 - (E3M1/72) “E: ya cuando uno está grande/ como que te cuesta un chorro de

trabajo I: me creerás que ultim-/ ahorita estoy es-/ lo estoy estudiando// y / a mí se

me hace padre E: sí/ ¿sí te gustó? I: sí/ me lo/ lo bueno es eso/ que me gusta/ que no/

no me lo estoy echando”.

Selecionamos os exemplos de (22) – (24), porque apresentam marcadores

adverbiais de duração que parecem influenciar na leitura iterativa, juntamente com os

  104  

outros fatores da sentença. Estas ocorrências refutam a hipótese de Mendes (2005) de

que apenas marcadores de frequência ou de quantificação poderiam proporcionar uma

leitura aspectual iterativa. Observe os exemplos abaixo:

22 – (P3F5/38) “tem uma, vamos supor, o pessoal que tá na, as minhas amigas que,

achavam ridículo igreja, véu e grinalda, hoje em dia, elas tão casando de véu e

grinalda, bonitinhas e tal, e de repente, de repente pessoas que achavam legal, hoje em

dia não acham”.

No exemplo (22), embora haja um marcador de duração como o “hoje em

dia”, a pluralidade do argumento externo parece dar um sentido [+ iterativo] ao

evento, pois remete a uma frequência no fato de as amigas da informante estarem

casando de véu e grinalda. Pois parece ser frequente que as meninas de hoje, que

antigamente “achavam ridículo igreja, véu e grinalda”, agora queiram casar dessa

forma. E isso abrange não só as amigas da informante, como um maior grupo de

meninas que pensem dessa forma. Assim, podemos classificar a sentença como a que

expressa o aspecto iterativo.

23 – (E3M5/76) “tres o cuatro años// para que tú aprendas un idioma// igual te va a

llevar tres/ o cuatro años E: ¡sí!/ pero si te digo que lo estoy estudiando desde/ que

tengo/ cinco años I: o sea/ tú te sientes/ así E: sí I: con buenas bases para E: sí// sí y

además pues //”.

No exemplo (23), a expressão adverbial “desde que tengo cinco años”, embora

considerada durativa, é a que parece dar o caráter iterativo ao evento. Pois remete a

uma repetição ao evento de estudar, que acontece com frequência desde essa época.

Por isso, mesmo com o sujeito “yo” de “estoy”, que é uma forma no singular, a

percepção de evento escalonado se mantém. O mesmo se pode dizer do exemplo

abaixo (24), cuja expressão “desde primaria” também sugere uma frequência do ato

de dar aulas de inglês, que tem sua classificação iterativa reforçada com a pluralidade

dos argumentos externo e interno.

24 - (E3M24/95) “por la calle y ves anuncios en inglés/ y películas en inglés y// todo

está en inglés/ y además ya te familiarizas más/ y si desde primaria/ kínder/ te están

  105  

dando clases de inglés/ pues así como que no// dices/ “bueno/ si voy a Estados

Unidos/ seguramente/ en un ratito ya/ empiezo a hablar”.

Também no exemplo (25) abaixo, repetido do exemplo (20), encontramos um

marcador de duração que é o “ya”, que expressa um momento imediatamente anterior

ao ato de “introducir”, como é o caso. Embora esse advérbio pareça apresentar um

traço [+ contínuo], o fato dos argumentos dessa sentença darem uma ideia de

pluralidade favorece a percepção de repetição e possibilita que a sentença seja

classificada como iterativa.

25 – (E3M26/97) “como cosas de seguridad para// un drive 105 E: mh I: pads/ este/

joysticks / juegos/ mouse E: mh I: todo ese tipo de cosas ya/ se están introduciendo/

est- esta empresa maneja/ varias marcas E: mh I: te voy a mencionar algunas/ como

son Kensington//”.

Já os exemplos que selecionamos abaixo, de (26) – (31), foram agrupados por

apresentarem marcadores de quantificação, que, segundo Mendes (2005), influenciam

na leitura aspectual iterativa, por darem uma ideia de repetição ao evento. Observe os

exemplos abaixo:

26 - (P12F3/41) “tem cara de, que, aqui no Rio a maioria das pessoas mora em

prédios né, São Paulo, geralmente o pessoal mora em casa, ah, tá mudando um

pouco, mas, é, São Paulo é uma cidade mais, esparramada, assim, o Rio de Janeiro, o

Rio de Janeiro tem mar de”.

No exemplo (26), classificamos o verbo principal “mudar” como do tipo

processo culminado por representar a finalização do processo com uma mudança de

estado. O argumento interno implícito “a situação” está no singular, pois

consideramos que o fato de que no Rio as pessoas moram mais em apartamento e em

São Paulo moram mais em casa seja uma situação em mudança. A expressão

adverbial “um pouco” designa que a mudança ocorra pouco frequentemente, mas que

mesmo assim há alguma frequência. Por isso, a sentença pode ser classificada como

iterativa.

  106  

27 - (P12F7/45) “às vezes em lojas assim. Aí tem aquela competição né, de loja: Ah

essa loja tá vendendo mais do que a gente, essa outra tá vendendo mais, e uma amiga

minha trabalhava numa loja, acho que do Rio Sul, ou no shopping, sei lá, um

shopping da Barra,”.

No exemplo (27), classificamos o verbo principal “vender” como do tipo

atividade, por sua dinamicidade e atelicidade. O argumento interno implícito “coisas”

está no plural, pois na entrevista não há nenhuma fala que especifique o que se venda

nessas lojas. O informante entrevistado fala apenas de forma generalizada que uma

loja está vendendo mais que a outra. Dessa forma, a expressão adverbial “mais”

quantifica o evento e dá uma ideia de repetição do ato de vender, sugerindo não só

uma comparação entre as lojas, como também uma frequência nas vendas.

28 - (E10F7/157) “so no// (carraspeo) no me quejo mucho digamos/ ahorita sí/ la

ciudad es un/ des-/ tremendo despapaye// el trafico/ está horrible/ ahorita ya estoy/ me

estoy soltando más para manejar// pero nada más de ver/ ¡ay!/ cada loco que te

encuentras/ y es que te digo/ no// me da más pánico el manejar/ y digo”.

No exemplo (28), consideramos o verbo principal “soltar” como do tipo

culminação e o argumento interno “me” está no singular. O advérbio “más” de

comparação, como no exemplo (27), também quantifica o evento e possibilita uma

ideia de frequência do ato de se soltar, como se o informante sempre tivesse tentado

se soltar mas só agora está realmente se soltando. Há uma comparação do presente

com o passado. Assim, como em (27), a leitura aspectual é iterativa.

29 - (E8F1/129) “yo no// no me acerco ahí porque E: [ni de día] I: [no]/ no/ ni de

día/// y mira/ yo creo que es algo así/ es un fenómeno o algo así/ que se está viendo

últimamente porque/ antes sí// sí siempre ha sido peligroso el barrio/ pero como que

había más respeto”.

No exemplo (29), classificamos o verbo principal “ver” como do tipo estado e

seu argumento interno “un fenómeno” está no singular. E é a expressão adverbial

“ultimamente” que parece dar o caráter aspectual iterativo da sentença, como também

vimos nos exemplos anteriores. Pois, da mesma forma, essa expressão quantifica o

evento, ressaltando sua frequência.

  107  

30 - (E7F19/128) “E: ah/ que casi nunca te casas con el hombre de tu vida I: ella dice

eso E: (clic) yo creo que sí/ ¿eh? I: ¿mh? E: siempre/ siempre estamos buscando que

tuviera esto/ aquello/ que fuera así I: por eso pero que no siempre/ que a veces te

casas con otra persona//”.

No exemplo (30), classificamos o verbo principal “buscar” como do tipo

atividade e observamos que seu argumento interno “esto” está no singular. A

expressão adverbial que o acompanha é a canonicamente considerada como de

frequência, que é o advérbio “siempre”, que possibilita a leitura aspectual iterativa da

sentença.

No exemplo (31) abaixo, o verbo principal “enseñar” também é aqui

classificado como do tipo atividade. O argumento interno “todo”, embora esteja no

singular, quantifica o evento de ensinar. O que nos mostra que não é apenas a

expressão adverbial que pode quantificar o evento, os argumentos e o tipo de verbo

também podem evidenciar que o evento ocorre em um número “plural” de vezes.

31 - (E2M2/69) “o que eran los dos I: aquí va a estar uno/ y en el otro va a estar en el

otro E: ya ya I: [sí más que nada/ ¿no?] E: [entonces] le estás enseñando todo a/ [a

tu cuate] I: [ajá]// sí/ pues he enseñado a varios// a perforar E: ¿es de tu edad/ o más

chico? I: no es”.

Embora já tenhamos afirmado que houve ocorrência de todos os tipos de verbo

tanto com o aspecto durativo quanto com o aspecto iterativo, percebemos que os do

tipo atividade e processo culminado foram os mais usados com ambos os aspectos,

sendo, por isso, considerados relevantes na leitura aspectual da sentença pelo

programa estatístico GoldVarb X. A diferença entre os verbos do tipo atividade e os

do tipo processo culminado, segundo Vendler (1976), está apenas na telicidade do

argumento, pois ambos possuem o traço de [+ dinâmico] e [+ durativo]. Como não

houve muita diferença no uso de um ou de outro para expressar o aspecto iterativo,

não podemos afirmar que a telicidade seja um fator relevante, nem ao menos a

dinamicidade, pois tampouco houve muita diferença na expressão do aspecto

durativo. Ainda assim, o tipo de verbo é considerado bastante relevante na leitura

  108  

aspectual iterativa, conforme já foi percebido por Mendes (2005) e Wachowicz

(2006).

Mas a partir dos dados analisados nesta dissertação, podemos observar que os

fatores número do argumento interno e presença de advérbios quantificadores

parecem ser mais importantes para a leitura iterativa. E que existem alguns verbos,

que independentemente da classificação que possuam dentro do quadro de Vendler,

suscitam uma repetição intrínseca a sua semântica. Observe os exemplos abaixo:

32 - (P2M21/27) “de como, estar dentro dessas situações, de aglomeração. Eu acho

que isso é inevitável. A sociedade tá aumentando, as pessoas tão aumentando em

número, o espaço físico é o mesmo, mas isso em vez de, socializar mais as pessoas

pelo contrário, tão”.

No exemplo (32), o verbo principal é aqui caracterizado como do tipo

“processo culminado” e o argumento externo “pessoas” está no plural. A partir desses

dois fatores já teríamos indícios para a leitura aspectual iterativa. Além disso, o

próprio verbo “aumentar” nos dá uma ideia de evento escalonado, pois pode haver

variação nesse aumento, envolvendo dinamicidade e processo.

33 - (P1M2/2) “vem no esquema de, ele é o degredado, tá, sei lá, pê da vida ... né, e

vem. DOC. - ( ininteligível ) LOC. - Já não quer ir e tá dando aula lá, entendeu, como

se desse por favor, então era assim. Em Matemática também, o Instituto de

Matemática manda”.

No exemplo (33), o verbo principal “dar” é aqui classificado como do tipo

atividade e seu argumento interno “aula” está no singular, assim como o argumento

externo “ele”. Embora esses fatores não sejam determinantes do aspecto iterativo, o

contexto pragmático nos diz que o evento de “dar aula” em algum lugar, ainda mais

com o uso da perífrase no gerúndio, sugere uma repetição. Pois, se um professor dá

aula em um curso ou colégio, ele dá aula periodicamente, frequentemente. Dessa

forma, este evento pode ser caracterizado como aspecto iterativo.

E, como dissemos acima, há verbos que parecem suscitar iteratividade sem

necessitar de qualquer outro fator como pluralidade do argumento ou presença de

advérbio quantificador. O próprio verbo “tentar” no exemplo (34) abaixo é de

  109  

natureza repetitiva, pois o ato de tentar envolve mais de uma atitude sobre o evento.

Assim como o verbo “buscar” do exemplo (35), que também envolve uma frequência,

pois quando se busca algo, há uma ideia de ato repetitivo. E o mesmo se pode dizer do

verbo “reconquistar” no exemplo (36), cujo próprio prefixo “re” sugere a repetição do

evento. Com isso, essas sentenças são classificadas como expressões do aspecto

iterativo pela própria natureza semântica do verbo.

34 - (P25F2/51) “mas eu acho que ::... éh::... eu sei que::... noventa por cento... é

contra o que eu digo mas eu acho que ::ele é um cara que tá tentando entendeu?...

e:::... eu acho que:: dentro de alguns anos a gente vai ver o resultado... de que:: vai

ter... vai”.

35 - (E7F8/117) “santos que eso no lo conté/ ¿eh? 413 I: quién sabe cómo/ cómo pasó

ahí E: ¿qué te dijo? I: creo que ella también busca departamento E: sí/ está buscando

depa// ¡ay! ¿que tú no le contaste a H? I: no E: sí/ que le dijiste que ya no te ib-/ que te

ibas a esperar hasta después”.

36 - (E4M11/108) “les enseñe a sus hijos/ [y este] 114 E: [ándale] I: aparte que

convivan con los latinos porque ahorita sí hay/ mucho/ mucho español E: sí los

estamos/ reconquistando I: sí/ mucho español por todos lados E: [sí] I: [pues sí]/

[pero sí saben] E: [sí hay un buen]//”.

Finalmente, neste capítulo de análise, confirmamos, primeiramente, que a

variável extralinguística sexo não é relevante na leitura do aspecto iterativo. Além

disso, diferentemente da hipótese de Mendes (2005) e de Wachowicz (2006),

verificamos que o tipo de verbo atividade, e não o tipo culminação, é mais usual com

EG na expressão da iteratividade junto com o tipo do processo culminado no PB. E,

concordamos que a variável linguística argumento interno juntamente com a

expressão adverbial do tipo quantificadora são realmente relevantes na composição do

aspecto iterativo. Enquanto que a variável linguística argumento externo, que

esperávamos ser também essencial nessa composição, não foi selecionada como

importante na análise através dos pesos relativos feita pela ferramenta computacional

GoldVarb X. Assim como a variável linguística tipo de verbo, que foi selecionada

como relevante apenas dentro dos dados do PB.

Pudemos perceber também que a leitura aspectual iterativa do EG parece ser

mais produtiva no PB que no EM, que ainda apresenta uma maior quantidade de

  110  

sentenças com EG com leituras durativas. Mas é interessante notar a baixa quantidade

de sentenças progressivas em ambos os corpora, pois o aspecto progressivo ainda é

considerado pelos linguistas como o que é expresso canonicamente pela perífrase EG.

Observamos também que, em muitos casos, é difícil estabelecer uma diferença clara

entre iteratividade e duratividade. Embora tenhamos claro que o durativo pressupõe

continuidade e que o iterativo pressupõe escalonamento no tempo, parece haver uma

fronteira bastante tênue entre os traços desses aspectos. Segundo a teoria de Verkuyl

(1993), a grande diferença aspectual, de um modo geral, é aquela existente entre

eventos terminativos e durativos. Dessa forma, se um mesmo evento se repete com o

decorrer do tempo, podemos interpretar o aspecto como sendo iterativo (se

focalizarmos as repetidas vezes em que o evento se dá) ou como durativo (se a

distância temporal entre cada uma das vezes em que se dá o evento forem

menosprezadas).

Tal fato nos leva a crer na possibilidade de haver traços semelhantes entre

esses dois aspectos que são compartilhados, a princípio, em sentenças com EG. Na

próxima seção, observaremos os traços relacionados aos aspectos aqui tratados.

6.3. ANÁLISE SEGUNDO A PERSPECTIVA DA GRAMÁTICA GERATIVA

As análises que fizemos até aqui não contradizem de nenhuma forma os

estudos da Gramática Gerativa. Mas nesta seção, pretendemos dar mais atenção aos

traços que parecem estar envolvidos na expressão aspectual durativa e iterativa da

perífrase “estar” + gerúndio (EG).

Como já sabemos, o quadro teórico que adotamos nesta dissertação é a versão

mais nova da Teoria Gerativa, o Programa Minimalista (PM). Nesse quadro teórico,

dá-se grande importância à questão dos traços, pois cada traço projetaria um nódulo

na árvore e isso teria consequência direta na hierarquia ou sequência das categorias

funcionais. Segundo Pollard & Sag (1987, apud Parrini 2011), “uma estrutura de

traços é apenas um objeto informativo que descreve ou representa uma outra coisa

através da especificação de valores para vários atributos da coisa descrita, (...) a

estrutura de traços fornece uma informação parcial sobre a coisa descrita”.

Para que entendamos melhor, Adger & Svenonius (2009, apud Parrini 2011)

fazem uma interessante analogia entre traços linguísticos e as propriedades dos

  111  

átomos. Segundo esses autores, os traços seriam como as propriedades sintáticas dos

átomos. Um traço de [plural], por exemplo, de acordo com eles, é usado de forma

análoga ao uso do H pelos químicos para o hidrogênio. E a propriedade que os traços

apresentam, para os autores, faz com que esses possam se relacionar com outros

traços. Por analogia, as propriedades dos átomos também são tais, que podem se

relacionar da mesma forma com outros átomos.

Como já vimos no capítulo 1, para o PM há dois tipos de traços lexicais:

aqueles que recebem interpretação apenas na interface fonológica (se começa por

consoante ou vogal) e aqueles que recebem interpretação somente na interface

semântica (se é roupa, alimento e etc.). Há também os traços formais, que são

acessados no decorrer da computação, como por exemplo, [±Passado] e [±Plural].

Dentro do grupo de traços formais, alguns são intrínsecos, estritamente determinados

por propriedades enumeradas na entrada lexical. Outros são opcionais, acrescentados

no momento em que o item lexical entra na computação. Sendo assim, um traço

formal pode ser forte ou fraco. Caso seja forte, esse traço desencadeia uma operação

visível, ou seja, uma operação antes de Spell-out59 para que seus traços sejam

eliminados através da sua verificação antes que uma estrutura maior seja formada.

Caso contrário, a derivação fracassa nas interfaces. Por isso, se diz que a propriedade

de força de um traço seria um dos elementos de variação linguística.

Dentro dos moldes do PM, adotamos nesta dissertação o princípio da

universalidade dos traços, no qual se advoga que todas as línguas possuem os mesmos

traços e os falantes têm acesso a todos eles. A partir deste princípio, Novaes & Sebold

(2008) analisaram a transferência do traço universal do aspecto perfeito. E verificaram

que os falantes do PB e do espanhol, a partir de uma tarefa de versão de um texto

escrito de natureza informal contendo a perífrase “estar” + gerúndio (EG), usaram a

mesma perífrase em espanhol no momento de versão. Os informantes não

distinguiram a diferença aspectual em que estava contextualizada a perífrase. Não

houve diferença para o informante se EG estava em contexto do aspecto iterativo ou

do aspecto durativo. Podemos concluir que esses aspectos possuem traços muito

semelhantes, além de serem universais, estando presentes, por exemplo, tanto no

português quanto no espanhol.

                                                                                                               59 Spell-out é o ponto da computação em que a estrutura formada entra para o componente fonético.

  112  

Outro trabalho, do qual também participei, e que nos leva a uma semelhante

conclusão, é o de Sebold (2010). Nesse trabalho, analisamos dois corpora orais. Um

composto por seis entrevistas transcritas do NURC-RJ, variedade carioca do PB, e

outro composto também por seis entrevistas transcritas do PRESEEA – Alcalá,

variedade madrilena do espanhol. E verificamos a disponibilidade da significação

aspectual iterativa de EG tanto no espanhol quanto no PB. Entretanto, tais dados

apareceram em número menor de ocorrências no espanhol evidenciando que a

significação aspectual iterativa dessa perífrase no espanhol, ainda está sendo

ampliada. Tal alargamento nos sugere uma interseção de traços dos aspectos durativo

e iterativo e reforça a hipótese de que esses traços são universais.

Da mesma forma, esta dissertação considera, para a perífrase “estar” +

gerúndio, a expressão dos traços aspectuais [+ durativo] e [+ iterativo] e também

propõe que há uma interseção desses traços. Pois, o fato de uma mesma perífrase

expressar ambos aspectos indica que há traços que se entrecruzam. O traço que parece

diferenciá-los é o traço de [± quantidade], conforme propõe Wachowicz (2003). O

durativo teria o traço de [- quantidade] e o iterativo o traço de [+ quantidade]. Isso foi

evidenciado ao percebermos que o que levaria uma sentença com EG a expressar o

aspecto iterativo seria um argumento interno plural, um adjunto adverbial de

quantidade ou de frequência e tipos de verbo com o traço de [+ dinamicidade], como

os de processo culminado e os de atividade.

Como vimos no capítulo 3, é o traço de [+ quantidade] que parece aproximar o

aspecto iterativo do aspecto habitual. Segundo Wachowicz (2003), o que os

diferenciaria seria o traço de [± determinação] dessa quantidade. Marcando [+

determinação] ao aspecto iterativo, em “pago a três fonoaudiólogas”, e [-

determinação] ao aspecto habitual, como em “pago a fonoaudiólogas”. Entretanto, o

traço de [+ repetição] também parece aproximá-los. Pois, para a autora, mesmo que

haja uma expressão adverbial quantificada como “duas vezes por semana”, podemos

considerá-los iterativos, pois, de qualquer forma, representará uma repetição do

evento analisado. O que nos leva a concluir que a iteratividade possui também o traço

de [+ repetição].

Outro aspecto que parece também compartilhar traços com o aspecto iterativo

é o aspecto perfeito. Segundo Comrie (1976), o aspecto perfeito é expresso pelo

pretérito perfeito, tanto no português (tenho estudado) quanto no espanhol (he

estudiado). Com relação ao português, Travaglia (2006) afirma que o pretérito

  113  

perfeito expressa canonicamente o aspecto iterativo. Se recorremos às suas definições,

observamos que parece realmente haver traços semelhantes. Para Comrie (1976), o

aspecto perfeito é o que estabelece uma relação entre dois pontos do tempo: o tempo

do estado resultante da situação e o tempo da situação. Em outras palavras, representa

um evento que começou no passado e que ainda tem relevância no presente. O

iterativo, também apresenta essa significação, principalmente quando expresso por

EG, mas é, antes de tudo, um evento escalonado, com repetição. Talvez o traço que

aproxime esses aspectos seja o de [+ continuidade].

O traço de [+ continuidade] parece ser o que faz com que Górbova (2007)

aproxime o aspecto perfeito do aspecto progressivo, que é um aspecto com o traço de

[+ continuidade] por natureza. Pois, para a autora, ambos representam um

prolongamento da ação.

Acreditamos que essas relações ocorrem porque esses aspectos, no caso o

progressivo, o iterativo e o perfeito, possuem traços semelhantes devido à relação que

há entre eles e o aspecto imperfectivo. Embora Comrie (1976) não esclareça essa

relação, a não ser a do progressivo como subtipo do imperfectivo, observamos que ela

é bastante possível para o português e o espanhol. Por isso, propomos, nesta

dissertação, que os aspectos perfeito e iterativo, assim como o progressivo, o durativo

e o habitual, também estão inseridos dentro do aspecto imperfectivo.

       

  114  

CAPÍTULO 7

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta dissertação, primeiramente, objetivamos verificar os contextos

propiciadores da expressão aspectual iterativa em sentenças com a perífrase “estar” +

gerúndio (EG), com o auxiliar “estar” no presente do indicativo. Para tanto,

analisamos dois corpora orais, compostos de oito entrevistas transcritas do português

do Brasil (PB) - NURC-RJ, da cidade do Rio de Janeiro, e outras oito entrevistas

transcritas do espanhol do México (EM) - PRESEEA-México, da capital Cidade do

México, todas compiladas na década de 90.

A partir de um quadro teórico baseado na versão mais recente da Teoria

Gerativa de Chomsky (1995), o Programa Minimalista, consideramos aqui a

linguagem como um sistema mental, possuidora de um conjunto de princípios inatos

que regem todas as línguas, conhecido em seu estado inicial, como Gramática

Universal. Nesta dissertação, nos propusemos confirmar que as línguas possuem mais

semelhanças que diferenças entre elas. E essas semelhanças estariam nos traços

universais que são acessados por todos os seres humanos.

Com a possibilidade de EG expressar, além do aspecto durativo, o aspecto

iterativo, tanto no português quanto no espanhol, verificada em alguns trabalhos

anteriores (Sebold 2010, Maggessy 2011) e em outros apresentados aqui (Wachowicz

2006, Mendes 2005), objetivamos também, investigar a possibilidade de interseção de

traços entre o aspecto iterativo e o aspecto durativo. E a nossa primeira hipótese era

de que realmente haveria uma interseção desses traços.

Outra hipótese, referente ao nosso primeiro objetivo, era a de que os fatores

favorecedores da expressão aspectual iterativa em sentenças com EG seriam a

presença de advérbio quantificador, de argumentos pluralizados e a tipologia

semântica do verbo, como já havia sido verificado em outros trabalhos. E que não

haveria variação na forma de expressar tal aspecto no português do Brasil (PB) e no

espanhol do México (EM), ou seja, nossa suposição era de que os fatores

composicionais seriam os mesmos em ambas as línguas.

Com relação à categoria do aspecto, pudemos observar com este trabalho que

ainda há muita confusão na formação de um quadro aspectual que abarque de maneira

  115  

econômica os diferentes aspectos da língua. Dessa forma, resolvemos adotar a

definição de Comrie (1976) para aspecto, que o considera em função dos diferentes

modos de observar a constituição temporal interna de uma situação. Desse autor,

também adotamos os aspectos imperfectivo e perfectivo como aspectos básicos e

gerais das línguas.

Entretanto, decidimos considerar o progressivo, o durativo e o iterativo

também como aspectos, numa proposta semelhante a que adota Mendes (2005). Estes

seriam aspectos que estariam inseridos dentro de um aspecto maior, que seria o

imperfectivo, pois, de alguma forma, todos se referem à estrutura interna de uma

situação, vendo-a de dentro. Assim, o aspecto progressivo seria um aspecto

imperfectivo que está em curso no momento da enunciação; o aspecto durativo seria

um aspecto imperfectivo cujo intervalo de tempo não engloba o momento da

enunciação da sentença; e o aspecto iterativo seria um aspecto imperfectivo que

representa um evento escalonado no decorrer do tempo.

Analisando os dados, pudemos observar que o progressivo, realmente, não é o

único aspecto que EG poderá expressar. Além dele, há pelo menos a possibilidade de

expressão dos aspectos durativo e iterativo. Da mesma forma, podemos dizer que o

iterativo não será expresso apenas pelo pretérito perfeito (“ter” + particípio) no

português. O que se verifica é que o aspecto não estará preso a uma realização

morfológica específica, mas que precisará de diferentes fatores para expressá-lo.

Assim, confirmamos o caráter composicional da categoria do aspecto.

No entanto, a significação aspectual de EG parece estar mais estendida no PB

que no EM, pois contabilizamos mais ocorrências do aspecto iterativo com essa

perífrase na variedade do português estudada que na variedade espanhola. Mas, ao

mesmo tempo, confirmamos a possibilidade de EG expressar tal aspecto em ambas as

línguas. Isso talvez demonstre que essas línguas encontram-se em momentos

diferentes em relação à significação aspectual da perífrase EG, mas que com o tempo

possam vir a equiparar-se nesse quesito.

Com relação aos fatores composicionais da expressão aspectual iterativa,

pudemos confirmar a nossa hipótese. No PB, a presença de advérbio quantificador, de

argumentos pluralizados e a tipologia semântica do verbo foram relevantes na

iteratividade. Embora, entre os argumentos, apenas o argumento interno pluralizado

tenha sido relevante, ou seja, o fato do sujeito ser plural ou singular não favoreceu tal

aspecto. No EM, não fui muito diferente. A presença de argumento interno

  116  

pluralizado e a presença de advérbios quantificadores foram selecionados pelo

GoldVarb X como relevantes na expressão da iteratividade. O que quer dizer que a

tipologia verbal não foi relevante dentro dos dados que investigamos para o EM.

Os tipos de verbo mais usados no contexto investigado foram os mesmos em

ambas as línguas, o tipo de atividade e o de processo culminado. E ao mesmo tempo,

foram os tipos de verbo mais usados com EG de forma geral. Nosso trabalho se

apresentou diferente do de Wachowicz (2006), que afirmou que os verbos do tipo

processo culminado e culminação propiciariam a expressão aspectual iterativa devido

ao traço lexical de [+ télico] que estes tipos de verbo apresentam. E o que até aqui se

verificou tampouco confirma o que disse Mendes (2005), que o tipo semântico do

verbo principal e o número do argumento interno não influenciariam na significação

aspectual iterativa em sentenças com EG. Da mesma forma, o que disse De Miguel

(1999) acerca dos verbos de estado, que sempre na forma do progressivo

expressariam iteratividade, não se confirmou. Assim também como não verificamos o

que disse Comrie (1976, apud Gabardo 2001) sobre os verbos de culminação que

sempre na forma do progressivo expressariam iteratividade.

O fato de no PB os tipos de verbo atividade e processo culminado serem os

que mais suscitam a iteratividade nos leva a crer que o traço de [+ ou – télico] não é

relevante na expressão aspectual iterativa e que os traços de [+ dinamicidade] e [-

pontualidade] são potencialmente relevantes. Entretanto, analisando os dados,

pudemos perceber que apenas o tipo de verbo, processo culminado ou atividade, não

favorece a iteratividade. É preciso um argumento interno pluralizado e/ou um

advérbio de frequência e/ou um contexto que nos faça perceber o escalonamento de

tal evento. Mas, avaliar o contexto ainda é uma tarefa complexa nos estudos

linguísticos, principalmente devido à sua carga de variação interpretativa. No entanto,

não podemos desconsiderar o contexto, que pode ser marcado por fatores sintáticos,

como os apresentados aqui, ou apenas fatores semânticos.

Por fim, confirmamos também a existência de uma interseção de traços entre

os aspectos iterativo e durativo. O traço que pode ocasionar essa interseção é o traço

de [± quantidade]. O durativo teria o traço de [- quantidade] e o iterativo o traço de [+

quantidade]. Isso foi evidenciado ao percebermos que o que levaria uma sentença com

EG a expressar o aspecto iterativo seria um argumento interno plural, um adjunto

adverbial de quantidade ou de frequência e tipos de verbo com o traço de [+

dinamicidade], como os de processo culminado e os de atividade.

  117  

Além do traço de [+ quantidade], o iterativo parece apresentar os traços de [+

determinação] e [+ repetição] quando comparado ao aspecto habitual. E, quando

comparado ao aspecto perfeito, o iterativo parece apresentar o traço de [+

continuidade]. O que nos faz perceber que enquanto o traço de [+ determinação]

diferencia o iterativo do habitual, o traço de [+ continuidade] aproxima o iterativo do

perfeito. Todos esses traços parecem estar inseridos também no aspecto imperfectivo,

que consideramos nesta dissertação o aspecto maior entre todos esses aspectos citados

e que, ao mesmo tempo, os contêm.

A semelhança de traços que observamos nesses aspectos confirma a hipótese

de que os traços são universais e que as línguas são mais semelhantes que diferentes.

Pois, tanto o português quanto o espanhol acessam todos esses traços, seja para o [+]

ou para o [-]. Além disso, as diferenças identificadas não nos podem levar a uma

conclusão de variação na expressão aspectual dessas línguas, já que o universo

investigado é muito pequeno e as diferenças ainda menores, para que seja feita essa

afirmação.

Acreditamos que, este trabalho é relevante na revisão que faz sobre a teoria

gerativa e sobre o aspecto. Com ele, pudemos contribuir para reafirmar o caráter

composicional do aspecto, assim como expandir o conhecimento sobre o aspecto

iterativo, tão pouco investigado, mas que parece ter um uso bastante significativo nas

línguas. Pudemos também confirmar a ideia de Chomsky (1986) de que as línguas

possuem mais semelhanças que diferenças e que os traços, que podem ser um dos

fatores de variação nas línguas, é justamente o que as aproximam.

  118  

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PARRINI, C. F. Futuro simples > future perifrástico: uma análise gerativa do processo de mudança da variante madrilena do espanhol. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011. POLLOCK, J-Y. Verb Movement, Universal Grammar, and the Structure of IP. Linguistic Inquiry, 1989. PRETI, D. (org.). Estudos de língua falada. Projetos Paralelos – NURC/SP, 2 ed. São Paulo: Humanitas, 1999a, pp.131-151. YLLERA, A. Sintaxis histórica del verbo español: las perifrasis medievales. Departamento de Filología. Universidad de Zaragoza, 1979. ______________. Las perífrasis verbales de gerundio y participio. Gramática descriptiva de la lengua española. Ignacio Bosque y Violeta Demonte, eds. Vol. 2. Madrid: Espasa (3391-3441), 1999. RAPOSO, E. P. Tradução de CHOMSKY, Noam. O Programa Minimalista. Lisboa: Caminho, 1992. SEBOLD, M. M. R. Q. A perífrase “estar” + gerúndio no português do Brasil e espanhol: interseção de traços de duratividade e iteratividade. In: Avaliações & perspectivas: estudos empíricos em Letras / Sonia Zyngier, Vander Viana (Eds.), Rio de Janeiro: Publit, p. 127 – 141, 2010. SOUSA, M. M. F. de. O aspecto verbal nas formas perifrásticas do português oral culto de Fortaleza. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Ceará, 1998. TRAVAGLIA, L. C. O aspecto verbal no português: a categoria e sua expressão.4.ed. Uberlândia: EDUFU, 2006. VENDLER, Z. Linguistics in philosophy. Ithaca: Cornell University Press.1957. VERKUYL, H. A theory of aspectuality - The interaction between temporal and atemporal structure. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. WACHOWICZ, T. C. As leituras aspectuais da forma do progressivo do português brasileiro. São Paulo, Tese (Doutorado em Lingüística) – Pós Graduação em Lingüística, USP. 2003 __________________. O aspecto do auxiliar. Comunicação apresentada em reunião do GT ‘Teoria da Gramática’, da ANPOLL. UFMG. Ouro Preto-MG. 2005. __________________. Marcas linguísticas de iteratividade em PB. Artigo publicado nos Anais do 6° Encontro Celsul – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul, 2006.

  121  

Wordsmith Tools. V 3.0. Microsoft Corp. Mike Scott & Oxford University Press: 1999

  122  

ANEXO

1. PARA O ENTENDIMENTO DA TRANSCRIÇÃO DOS DADOS DO PRESEEA- MÉXICO:

A fim de facilitar o entendimento do leitor, explicarei alguns símbolos e

codificações que poderão aparecer no próximo capítulo que será de análise dos dados:

- Dois pontos [:] indicam sílabas ou sons alongados;

- Pontos de exclamação [¡!] indicam exclamações e tom animado;

- Pontos de interrogação [¿?] indicam entonação interrogativa;

- Parênteses duplos [(( ))] especificam algum fenômeno ou ação não verbal. Por

exemplo, ((pigarro)), ((interrupção)), ((ruídos));

- Parênteses [( )] marcam diversos tipos de informação

A) passagens incertas de transcrição;

B) ruídos ou sons significativos da gravação ( (hh): respiração ou aspiração audível;

(e:): titubeio, (ts): muxoxo; (m:): dúvida; (hm): confirmação; (ahá): entendimento,

apoio; (risa = 1): risada do informante, (risa = 2): risada do entrevistador, (risa =

todos) risada de ambos;

C) lapsos ou pausas de duração superior a 2 segundos: (lapso = 2): pausa de 2 a 3

segundos, (lapso = 3): pausa de 3 a 4 segundos, aproximadamente;

- Barra [/] indica pausa: [/]: pausa breve; [//]: pausa média; [///] pausa longa (silencio

de 1,0 a 1,2 segundos);

- Sublinhado [___] indica superposição de discurso;

- Travessão [–] indica palavra ou enunciado cortado, seja por correção ou por

hesitação;

- Três pontos [...] indica suspensão do discurso;

- Aspas [« »] indicam citação e estilo direto.

2. PARA O ENTENDIMENTO DA TRANSCRIÇÃO DOS DADOS DO NURC-

RJ:

Para a transcrição desse material foram formuladas diferentes codificações

para que o texto se aproximasse ao máximo da oralidade. A seguir, apresenta-se um

  123  

quadro explicativo com os sinais que poderão aparecer nos exemplos do próximo

capítulo:

NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO - NURC

OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO*

Incompreensão de palavras ou segmentos

( ) Do nível de renda... ( ) nível de renda nominal

Hipótese que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com o gravador)

Truncamento (havendo homografia, usa-se acento indicativo da tônica e/ou timbre)

/

E comé/ e reinicia

Entoação enfática maiúscula Porque as pessoas reTÊM moeda

Prolongamento de vogal e consoante (como s, r)

:: podendo aumentar para ::: ou mais

Ao emprestarem os... éh::: ...o dinheiro

Silabação - Por motivo tran-sa-ção Interrogação ? E o Banco... Central...

certo? Qualquer pausa

...

São três motivos... ou três razões... que fazem com que se retenha moeda... existe uma... retenção

Comentários descritivos do transcritos

((minúsculas)) ((tossiu))

Comentários que quebram a sequência temática da exposição; desvio temático

-- --

... a demanda de moeda – vamos dar essa notação – demanda de moeda por motivo

Superposição, simultaneidade de vozes

[ ligando as linhas

A. na casa da sua irmã [ B. sexta-feira? A. fizeram lá... [ B. cozinharam lá?

Indicação de que a fala foi tomada ou interrompida em determinado ponto. Não no seu início, por exemplo

(...)

(...) nós vimos que existem...

Citações literais ou leituras de textos, durante a gravação

“ “

Pedro Lima... ah escreve na ocasião... “O cinema falado em língua estrangeira não precisa de nenhuma baRREIra entre nós”...

  124  

* Exemplos retirados dos inquéritos NURC/SP No. 338 EF e 331 D2. Observações:

1. Iniciais maiúsculas só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.) 2. Fáticos: ah, éh, eh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? Você está brava?) 3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados. 4. Números: por extenso. 5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa). 6. Não se anota o cadenciamento da frase. 7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::... (alongamento e pausa). 8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-

vírgula, ponto final, dois pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa, conforme referido na Introdução.

Fonte: PRETI (2001)

3. DADOS ANALISADOS NESSA DISSERTAÇÃO:

OCO. ASPECTO 1. (P1M1) eu não sei se tô fugindo um pouco do assunto, PROGRESSIVO

2. (P1M2) Já não quer ir e tá dando aula lá, entendeu, ITERATIVO 3. (P1M3) Então uma pessoa que tá querendo fazer Eletrônica, vai

ter Cálculo, vai ter parte de Desenho, DURATIVO

4. (P1M4) tá vendo, último ano, você tinha que tá estudando, agora não tá estudando, não sei o que!

DURATIVO

5. (P1M5) minha mãe começou a cobrar: tá vendo, último ano, você tinha que tá estudando,

EXPRESSÃO IDIOMÁTICA

6. (P2M1) quando eu tô saltando vieram três caras me renderam, DURATIVO 7. (P2M2) eu tô me cruzando, com um executivo como eu tô

cruzando com um pivete. DURATIVO

8. (P2M3) seja ele qual for, é, não  está atuando, que ele poderia atuar para a vida na cidade ser melhor?

DURATIVO

9. (P2M4) É, nossa, é, e a gente tá vendo coisas que, tava há séculos né, parado

ITERATIVO

10. (P2M5) Brizola tá fazendo coisa pra caramba, a gente tá vendo que ele tá fazendo.

ITERATIVO

11. (P2M6) se você não tá fazendo nada, nem por você nem pelo social, tá parado no teu lugar, né,

DURATIVO

12. (P2M7) Então é perceber o que tá acontecendo e tentar interferir dentro disso de alguma forma,

ITERATIVO

13. (P2M8) até que ponto você não tá sendo instrumento, reprodutor desse sistema político ultrapassado aí

DURATIVO

14. (P2M9) Brizola tá fazendo coisa pra caramba, a gente tá vendo que ele tá fazendo.

ITERATIVO

15. (P2M10) Não muito, não muito, agora que tá pintando umas viagens mas eu não viajo muito,

EXPRESSÃO IDIOMÁTICA

16. (P2M11) A sociedade tá aumentando, as pessoas tão aumentando em número, o espaço físico é o mesmo,

ITERATIVO

17. (P2M12) A Tijuca tá sendo beneficiada por aí, ruim com isso DURATIVO

  125  

pior sem isso. 18. (P2M13) Brizola tá fazendo coisa pra caramba, a gente tá vendo

que ele tá fazendo. ITERATIVO

19. (P2M14) O que eles vão fazer depois é outra história né, mas que tá sendo feito, tá, né,

DURATIVO

20. (P2M15) cê vê, estão asfaltando, "n" ruas do Rio, principalmente as de acesso à Barra da Tijuca, né.

ITERATIVO

21. (P2M16) O Grajaú. Eles tão, asfaltando, melhorando também. ITERATIVO 22. (P2M17) É, pois é, eles tão fazendo, ali no, no Borel, o Ciep de

lá, DURATIVO

23. (P2M18) A Avenida das Américas, eles tão recapeando ela toda, né.

ITERATIVO

24. (P2M19) Tem outro, a própria, aquela rua, Teodoro da Silva né, eles tão recapeando também.

ITERATIVO

25. (P2M20) É, mas eles tão mexendo sabe, melhor do que ficar só parado. A Linha Vermelha, vai melhorar né, eu acho que...

ITERATIVO

26. (P2M21) 26 pessoas tão aumentando em número, o espaço físico é o mesmo, mas isso em vez de, socializar mais as pessoas pelo contrário, tão deixando elas mais, agressivas.

ITERATIVO

27. (P2M22) A sociedade tá aumentando, as pessoas tão aumentando em número, o espaço físico é o mesmo,

ITERATIVO

28. (P2M23) esses comerciantes, eles tem uma um olho clínico aí pra ver o que que as pessoas tão precisando, a hora que elas tão precisando, vem diretamente proporcional,

DURATIVO

29. (P2M24) eles tem uma um olho clínico aí pra ver o que que as pessoas tão precisando, a hora que elas tão precisando,

DURATIVO

30. (P13M1) porque quando eu estou em casa eu estou fazendo alguma coisa

DURATIVO

31. (P13M2) o tempo que eu tiver podendo ouvir também estou ouvindo...não tenho preferência por tipo de música...

ITERATIVO

32. (P23M1) tenho a minha avaliação dele... mais até do que quando eu estou jogando...

DURATIVO

33. (P23M2) ou pelo menos tenho sempre uma opinião a dar quando eu estou vendo o jogo... tenho a minha avaliação dele...

DURATIVO

34. (P23M3) porque em geral esses esportes eu assisto pela televisão... quer dizer... o que está passando...

DURATIVO

35. (P3F1) essas duas que eu tô falando, por um acaso, elas não têm nenhum irmão, homem, sabe, é só irmã,

PROGRESSIVO

36. (P3F2) Depende, entendeu, porque eu tô namorando há quatro anos e meio, e aí fica meio dependente de namorado,

DURATIVO

37. (P3F3) Eu acho que, eu acho que existe, cobrança, por exemplo, cobram, se você tá namorando há muito tempo, cobram, que você tem que casar,

DURATIVO

38. (P3F4) as minhas amigas que, achavam ridículo igreja, véu e grinalda, hoje em dia, elas tão casando de véu e grinalda,

ITERATIVO

39. (P12F1) Que isso, isso nunca aconteceu no Brasil, não tô entendendo isso.

DURATIVO

40. (P12F2) é um problema, muito sério e você, hoje em dia, dirigindo um carro, você, eu, pelo menos, sou assim, paro no sinal, você não tá, passeando pela cidade, você não consegue passear.

DURATIVO

41. (P12F3) aqui no Rio a maioria das pessoas mora em prédios né, São Paulo, geralmente o pessoal mora em casa, ah, tá mudando

ITERATIVO

  126  

um pouco, mas, é, São Paulo é uma cidade mais, esparramada, 42. (P12F4) Pô, tá velho, o cara não tá cuidando! (risos) quer dizer,

os caras pensam em tudo, DURATIVO

43. (P12F5) Cê pára no sinal, você presta atenção se tem pivete, se tem alguém olhando meio suspeito, se você tá sendo seguido por algum carro, entendeu, então...

DURATIVO

44. (P12F6) É, é meio acomodado. Pô tá tudo bem, não tô nem aí, mas, tá mudando!

ITERATIVO

45. (P12F7) Ah essa loja tá vendendo mais do que a gente, essa outra tá vendendo mais,

ITERATIVO

46. (P12F8) Ah essa loja tá vendendo mais do que a gente, essa outra tá vendendo mais,

ITERATIVO

47. (P12F9) Porque eu não tava sabendo, você não tá convivendo o dia-a-dia do país, então, você olhava aquela notícia, você fica um pouco chocado.

DURATIVO

48. (P12F10) quando você vai num esquema desse de competição, você não tá vendo exatamente o dia-a-dia da cidade,

DURATIVO

49. (P15F1) a Denise a respeito da injustiça das mudanças que estão havendo nas leis né... e o Paulo Goulart falou sobre família...

ITERATIVO

50. (P25F1) gente que... poderia muito bem morar na Avenida Atlântica e tá morando em Bonsucesso... entendeu?

DURATIVO

51. (P25F2) é contra o que eu digo mas eu acho que ::ele é um cara que tá tentando entendeu?...

ITERATIVO

52. (P25F3) Barra é um/ é um::... é um bairro que tem que tomar muito cuidado ele tá crescendo... né?

ITERATIVO

53. (P25F4) Barra é um/ é um::... é um bairro que tem que tomar muito cuidado ele tá crescendo... né?

ITERATIVO

54. (P25F5) poderia muito bem morar na Avenida Atlântica e tá morando em Bonsucesso... entendeu?

DURATIVO

55. (P25F6) ele não tá tentando destruir a cidade ele tá tentando melhorar como nenhum outro fez né? ele tá tentando... né ele é um cara corajoso...

ITERATIVO

56. (P25F7) ele tá tentando:: modificar e::... ele tá tentando::... éh::... a/éh/agradar mesmo o povo carioca...

ITERATIVO

57. (P25F8) ele tá tentando:: modificar e::... ele tá tentando::... éh::... a/éh/agradar mesmo o povo carioca...

ITERATIVO

58. (P25F9) ele faz tudo meio atrapalhado mas eu... eu acho que ele... ele tá tentando né...

ITERATIVO

59. (P25F10) ele não tá tentando destruir a cidade ele tá tentando melhorar como nenhum outro fez né?

ITERATIVO

60. (P25F11) ele não tá tentando destruir a cidade ele tá tentando melhorar como nenhum outro fez né?

DURATIVO

61. (P25F12) já te/te... tão construindo muitos prédios no Recreio então quer dizer...

ITERATIVO

62. (P25F13) já te/te... tão construindo muitos prédios no Recreio então... quer dizer... éh::...

ITERATIVO

63. (E1M1)¿el jacuzzi? I: creo que sí/ ¿oye/ está pasando el diamante?/ ¿sí lo pasa/ el diamante?

DURATIVO

64. (E1M2) en las obras lo que/ en esas compañías grandes/ están colando con la olla// entonces llega un supervisor/

ITERATIVO

65. (E1M3) si el concreto que mandó la compañía// o que la que están colocando/ pasa la norma de resistencia

DURATIVO

66. (E1M4) y hay partes que no se le/ pues que se están cayendo/ con la misma tierra

ITERATIVO

  127  

67. (E1M5) [pero mientras ustedes] ya están cuantificando/ ¿no? DURATIVO 68. (E2M1) ah órale/ le estás enseñando ITERATIVO 69. (E2M2) [entonces] le estás enseñando todo a/ [a tu cuate] ITERATIVO 70. (E2M3) sí pues sí// más que nada/ y/ y cuando lo estás haciendo

pues se siente bien DURATIVO

71. (E2M4) cuando estás haciendo música/ es así// [chido] DURATIVO 72. (E3M1) me creerás que ultim-/ ahorita estoy es-/ lo estoy

estudiando// y / a mí se me hace padre ITERATIVO

73. (E3M2tú háblame güey// aunque sepas que estoy trabajando/ tú háblame el fin de semana//

DURATIVO

74. (E3M3) o sea la gente que ya no quiero que/ tener cerca de mí/ o sea / yo no estoy pensando en qué estará haciendo esa persona/

DURATIVO

75. (E3M4) sí/ me lo/ lo bueno es eso/ que me gusta/ que no/ no me lo estoy echando como una carga de que/ “ay”/ no/ o sea/ tengo interés// por aprenderlo y/

EXPRESSÃO IDIOMÁTICA

76. (E3M5)¡sí!/ pero si te digo que lo estoy estudiando desde/ que tengo/ cinco años

ITERATIVO

77. (E3M6) o sea estoy haciendo el curso/ para hacer el Toefl // pero/ pero/ ¿cuándo empiezo?/ mañana/ mañana [empiezo]

DURATIVO

78. (E3M7)¡no!/ pues es que/ digo/ he estudiado toda la vida// y ahorita más bien estoy haciendo como el// curso para el Toefl

DURATIVO

79. (E3M8) [entre] ellos/ también te lo comenté hace rato/ estoy aprendiendo inglés

DURATIVO

80. (E3M9) ya terminé mi carrera// pero eh/ yo terminé t-/ t-/ obtuve mi certificado// ya te estoy contando toda la historia

PROGRESSIVO

81. (E3M10) estoy radicando que es este/ te digo que en el pueblo de San Mateo

DURATIVO

82. (E3M11) eh/ yo después/ este// del ochenta y cinco me vine a vivir ya a lo que/ donde estoy viviendo ahorita/ [donde]

DURATIVO

83. (E3M12) apenas voy a sacar mi título/ estoy haciendo mis trámites para el título/ ya tengo todos mis papeles/

ITERATIVO

84. (E3M13) entonces bueno/ hice conciencia/ y ahorita lo estoy haciendo/ o sea / tomándome mi tiempo y todo//

DURATIVO

85. (E3M14) pues sí/ pero bueno/ nunca es tarde/ ¿no? I: no/ o sea/ lo estoy haciendo/ por eso te digo o sea// me arrepiento de una cosa me/

DURATIVO

86. (E3M15) sí/ es lo que estoy haciendo ahorita// ya tengo todo// a ver/ vamos a ver si no falta nada/ nada lo entrego//

DURATIVO

87. (E3M16) o hacer algo y/ pues más o menos te enteras de/ qué está diciendo// y y más/ si ya estás estudiando inglés/

DURATIVO

88. (E3M17)¡sí/ a fuerzas! y aprovéchenlo/ tú// ¿no estás estudiando entonces inglés?

DURATIVO

89. (E3M18) sea escuela/ trabajo/ tu barrio// donde caigas/ o sea/ conoces gente/ si no te gusta la gente que estás tratando/ pues simplemente te aparta

ITERATIVO

90. (E3M19) “ay”/ no/ o sea/ tengo interés// por aprenderlo y/ aparte me está gustando/ o sea ya/ ya le agarré gusto 687

DURATIVO

91. (E3M20) vas viendo la película/ y más o menos como que/ cuando ves a alguien platicar// o/ o hacer algo y/ pues más o menos te enteras de/ qué está diciendo// y y más/ si ya estás estudiando inglés/

DURATIVO

92. (E3M21) carpetas/ o sea todo lo que es artículo/ de hecho/ ITERATIVO

  128  

ahorita es- ya se está metiendo lo que es este/ artículos de/ computación//

93. (E3M22)¿sabes qué onda?// así mejor trabajo por mi cuenta”/ y le está yendo bien a la chava esta

EXPRESSÃO IDIOMÁTICA

94. (E3M23) entonces/ ella se dedica a lo que es fiscal// y / pero igual o sea el/ la conocí porque / estamos estudiando/ inglés

DURATIVO

95. (E3M24) todo está en inglés/ y además ya te familiarizas más/ y si desde primaria/ kínder/ te están dando clases de inglés/

ITERATIVO

96. (E3M25) me lo están diciendo con el afán de E: sí/ no/ [no es por ] I: [de ayudarme] E: por molestarte

DURATIVO

97. (E3M26) todo ese tipo de cosas ya/ se están introduciendo/ est- esta empresa maneja/ varias marcas

ITERATIVO

98. (E4M1) en la Unam// y estoy haciendo mi tesis de lingüística DURATIVO 99. (E4M2) mh/ yo estoy haciendo la tesis/ a ver si me I: ah/ ¿estás

haciendo la tesis? DURATIVO

100. (E4M3) [ya te titulas]/ pues también yo por eso estoy haciendo el servicio/ porque no quiero este// no quiero ya al último tener/ que hacer [el servicio]

DURATIVO

101. (E4M4) [sí aquí]// sí ya/ a cuántos a/ cinco grados ya estás diciendo/ “¡ay cabrón!“

DURATIVO

102. (E4M5) ah/ ¿estás haciendo la tesis? E: sí// [y pues suena] I: [¿y para qué] vas tú? E: yo estudié/ lengua y literatura/ [hispánicas]

DURATIVO

103. (E4M6) [sí]/ pues es lo/ en lo que estoy yo ahorita E: [ah/ ya la estás haciendo] I: [la tesina]/ sí

DURATIVO

104. (E4M7) es donde se está dando// bueno/ es una de las regiones donde se está dando la cultura pero/ [tremendo]

DURATIVO

105. (E4M8) 134 E: [chido]/ sí I: ¿no? E: sí I: está generando ideas E: sí/ ándale// sí/ hay mucho de eso/ ¿no?

ITERATIVO

106. (E4M9) [que]/ que ahorita por ejemplo también/ el español/ pues tú sabes que está teniendo así como que// mucho éxito/ ¿no?/ por todos lados [¿no?/ entonces ahorita ]

ITERATIVO

107. (E4M10) es donde se está dando// bueno/ es una de las regiones donde se está dando la cultura pero/ [tremendo]

DURATIVO

108. (E4M11) aparte que convivan con los latinos porque ahorita sí hay/ mucho/ mucho español E: sí los estamos/ reconquistando I: sí/ mucho español por todos lados

ITERATIVO

109. (E4M12) es así como que la novedad y todos así/ “¿qué onda?/ ¿qué están pensando/ allá?/ ¿qué han escrito?”

DURATIVO

110. (E7F1) tu vida [pues va empezando a funcionar o] E: [estás empezando a/ ajá] E: [y te vas saliendo a los cuarenta/ ¿no?]

DURATIVO

111. (E7F2) “oye/ que estás buscando casa [que no sé qué]” E: [¿y ella cómo sabe?]

DURATIVO

112. (E7F3) sí/ y aunque/ yo cierre mi recámara y todo pues estás oyendo el ruido de afuera y/ la televisión y mi hermana/ pues ya está// imagínate/ una adolescente ahí

DURATIVO

113. (E7F4) padres de familia/ y tenían que trabajar/ y ya heredaban// y ahora a los veinte años/ apenas estás empezando a I: tu vida [pues va empezando a funcionar o]

DURATIVO

114. (E7F5) sí/ es lo que te digo/ pues de hecho hasta se está estudiando eso/ ¿no?/ hay ya libros y todo/ de que// cada vez se retrasa más la// edad adulta

DURATIVO

115. (E7F6) ya/ se siente feliz así/ porque/ ay no/ en la casa no te digo que nada más está inventando/ [por supuesto no agarra un

EXPRESSÃO IDIOMÁTICA

  129  

libro/ ni por equivocación] 116. (E7F7) está ahí/ nada más está inventando a ver qué hace/ ay

no [ya] E: [¿no] tiene novio? EXPRESSÃO IDIOMÁTICA

117. (E7F8) sí/ está buscando depa// ¡ay! ¿que tú no le contaste a H? ITERATIVO 118. (E7F9) [por supuesto que está cambiando/ ¿pero// solteras por

su voluntad] [o porque no han// encontrado?] ITERATIVO

119. (E7F10) y todo lo demás/ ¿no? I: mh E: además es I: pero eso está cambiando también/ ¿no?/ [yo sí conozco]

ITERATIVO

120. (E7F11 [pero no] está dando [clases/ ni nada] I: [no/ no está dando clases] E: ni tiene tampoco/ [no está tomando]

DURATIVO

121. (E7F12) [pero no] está dando [clases/ ni nada] I: [no/ no está dando clases] E: ni tiene tampoco/ [no está tomando]

DURATIVO

122. (E7F13) está trabajando aparte E: ¿en qué trabaja? I: no con/ lo de las reuniones estas de los

DURATIVO

123. (E7F14) pues ya con eso// y mi mamá es de las que no tiene qué hacer/ y nada más está inventando/ así que...

EXPRESSÃO IDIOMÁTICA

124. (E7F15) si acaso una vez/ en la semana y luego el fin de semana ya// pero/ ahora/ para mí/ esto de la huelga está resultando un problema verdadero/ porque/ en mi casa está todo el mundo

DURATIVA

125. (E7F16) no con/ lo de las reuniones estas de los [] 11 E: [pero no] está dando [clases/ ni nada]

DURATIVO

126. (E7F17) hola mucho gusto// ¿están grabando entonces? E: ¿vas a ocupar el Kay ? P: sí pero E: en cinco minutos te lo paso/ te de-/ te desocupamos si

PROGRESSIVO

127. (E7F18) nunca toma realmente/ la decisión de decir “ya/ hasta aquí”/ ¿no?// y toda la vida se están agarrando de todo lo que pueden/ [y cuando]

ITERATIVO

128. (E7F19) E: siempre/ siempre estamos buscando que tuviera esto/ aquello/ que fuera así

ITERATIVO

129. (E8F1) yo creo que es algo así/ es un fenómeno o algo así/ que se está viendo últimamente porque/ antes sí// sí siempre ha sido peligroso el barrio/

ITERATIVO

130. (E8F2) 130 ahí/ ahí justo donde/ donde estaban diciendo/ Díaz de León y Manuel Doblado/ justo ahí es donde estaban los estos de Hacienda// o sea/ [¿qué qué está pasando no?// sí]

ITERATIVO

131. (E8F3) pues ahorita sí/ se está/ usando así/ porque hay un montón de triques ahí

DURATIVO

132. (E8F4) después pues ya que/ te vuelves más consciente/ te das cuenta de es lo que está sucediendo// pero de/ a últimas fechas/ bueno de unos años para acá/

ITERATIVO

133. (E8F5) no/ no/ es es lo que te digo// m-/ los/ o sea los/ los medios de comunicación/ no te van a decir la verdad// en primer lugar/ además algo están pensando/ porque bueno/ cómo te explicas

DURATIVO

134. (E8F6) pues n-/ mm/ tan truculento que no me imagino/ pero hay algo así muy// muy oscuro/ muy negro ¿no?/ que/ que están pensando en hacer aquí// ¿qué qué qué podría ser pues?

DURATIVO

135. (E8F7) sí/ me platicaba un amigo/ un ex vecino/ que ya no vive aquí// que una vez/ su tío/ venía a visitarlos/ ¿no?/ el tío era joven/ estamos hablando yo/ qué te diré/ del cincuenta/ sesenta

PROGRESSIVO

136. (E8F8) pero pues ahorita nos estamos dando cuenta que// que si era eso/ pues no/ no hay ningún problema/ porque/// otros vecinos// uno/ el de uno/ de esta a la siguiente casa

EXPRESSÃO IDIOMÁTICA

  130  

137. (E9F1) porque sí hay momentos que llegas a ese grado// pero digo “no/ o sea yo decidí estudiar esto/ me gusta/ lo estoy disfrutando/ y creo que es lo que va a hacer que/ que valore todavía más”/ ¿ya se acabó?

ITERATIVO

138. (E9F2) ve que me subo al autobús// me voy// aparte de del aspecto aca-/ aspecto académico que he aprendido muchísimas cosas/ que estoy aprendiendo/// este// trato de aprovecharlo// porque// aprendo/ de// de las vivencias de/ de mis compañeros/ de mis compañeras///

ITERATIVO

139. (E9F3) le digo/ “bueno”/ como quiera/ lo que me hace sentir bien/ es que cosas malas/ a lo mejor no les estoy dejando E: claro

DURATIVO

140. (E9F4) como que todo eso me ha servido/ y hace que/ que yo no desista de mis objetivos y hace de que yo no/ hace/ que yo no desista de / de lo que estoy viviendo y experimentando como pareja/ entonces/ eso hace/ eso hace también que me motive y no desista/ del aspecto escolar//

ITERATIVO

141. (E9F5) si es/ si es lo que/ no quieres”/ un ejemplo no/ [no estoy diciendo que/ que así sea mi pareja

PROGRESSIVO

142. (E9F6) en mi cabeza nunca pasó la idea de tener novio/// ni mucho menos vivir con alguien// sucedió/ tuve novio// estoy viviendo con una persona// ahorita estoy tranquila/

DURATIVO

143. (E9F7) ciertas notas para su trabajo// yo me siento y estoy estudiando// estoy leyendo// o luego le digo “¿cómo ves?/

ITERATIVO

144. (E9F8) elaborar// ciertas notas para su trabajo// yo me siento y estoy estudiando// estoy leyendo// o luego le digo

ITERATIVO

145. (E9F9) 145 hijas o mis hijos” 157 E: mh I: creo que no/ que es lo más tonto e inmaduro/ ¿no?/ que puedo hacer/ porque ni estás resolviendo el problema/ y les estás provocando conflictos emocionales a tus hijos/ si no es que ya están dañados E: claro I: entonces este// digo/ “no/

ITERATIVO

146. (E9F10) como adultos/ aparte de que te comparten conocimiento/ de la carrera que estás estudiando// te comparten conocimientos de sus otras áreas que hay

DURATIVO

147. (E9F11) como profesionista/ porque no estás este/ limitando esa parte// y aparte estás confiando en mí

DURATIVO

148. (E9F12) creo que no/ que es lo más tonto e inmaduro/ ¿no?/ que puedo hacer/ porque ni estás resolviendo el problema/ y les estás provocando conflictos emocionales a tus hijos

DURATIVO

149. (E9F13) que te toca ver/ escuchar y dices// ”¿cómo es posible?”// se está demostrando ¿no?/ que son personas egoístas/ porque ni a él como padre/

ITERATIVO

150. (E9F14) te puede hacer bromas/ y que tú le dices “¿sabes qué?/ que estamos organizando una comida/ vamos a salir/ no sé/ ¿vas?”/

DURATIVO

151. (E10F1) que se llama/ eh/ este/ Despierta// son son unas charlas/ no hombre/ me estoy dando una divertida/

DURATIVO

152. (E10F2) pero/ en realidad/ cada quien hace su mundo// y va girando alrededor de lo que uno hace// esto-/ estoy leyendo un

DURATIVA

153. (E10F3) y me dice “doctora/ quiero que/ le tomes una radiografía a una niña”// y yo/ “pero es que estoy trabajando”/ y yo volteé a ver/ y las fresas/ ¡pues estaban paradas/ sin hacer nada!//

DURATIVO

154. (E10F4) “no/ este me va a decir que se lo traiga y no”// y no/ te DURATIVO

  131  

digo/ excelente/ ya/ ahorita ya nada más me falta ir por la cédula/ que me estoy haciendo pato/ apenas vi a una amiga la semana pasada/ y me dice/ “oye// este/ ¿y la cédula?”/ pero de la especialidad

155. (E10F5) “no/ es que la quiero que la tomes tú”// y yo así/ “pero es que estoy trabajando”/ “no te preocupes/ ahorita terminas/ y la tomas”//

DURATIVO

156. (E10F6) y// hay quienes decimos/ “yo quiero más/ yo quiero subir/ aún más”// y decir/ yo lo estoy pensando/ y digo/ “no/ yo quiero ir por más”

DURATIVO

157. (E10F7) la ciudad es un/ des-/ tremendo despapaye// el trafico/ está horrible/ ahorita ya estoy/ me estoy soltando más para manejar// pero nada más de ver/

ITERATIVO

158. (E10F8) y el trabajo ahorita/ pues súper cómodo/ porque no tengo que trasladarme// excepto porque estoy haciendo otras cosas por la mañana///

ITERATIVO

159. (E10F9) o muchas veces/ yo hago corajes aquí// porque/ muchos pacientes me dicen/ “¿y cuánto es lo menos?”/ y digo// “si no estoy vendiendo naranjas/ no estoy vendiendo en el tianguis/ estoy vendiendo lo que yo sé/// mi conocimiento”

DURATIVO

160. (E10F10) “¿y cuánto es lo menos?”/ y digo// “si no estoy vendiendo naranjas/ no estoy vendiendo en el tianguis/ estoy vendiendo lo que yo sé/// mi conocimiento”

DURATIVO

161. (E10F11) “¿y cuánto es lo menos?”/ y digo// “si no estoy vendiendo naranjas/ no estoy vendiendo en el tianguis/ estoy vendiendo lo que yo sé/// mi conocimiento”

DURATIVO

162. (E10F12) me estás conociendo/ entonces/ pues no/ no tienes por qué hombre// hay que confiar”// [pero pues sí]

DURATIVO

163. (E10F13) para ellos// entonces no// aquí tienes que ser fuerte// y apenas/ estás viendo algo// todavía te falta/ en un año/ vas a ver muchísimo”/

DURATIVO

164. (E10F14) y yo ya tengo especialidad/ y sí la puedo hacer// de hecho/ una de mis amigas/ la está estudiando/ y en la administración de hospitales/ me dice que está padrísimo//

DURATIVO

165. (E10F15) ingeniero mecánico/ pero él estudió una especialidad en robótica// entonces/ ahorita él está/ dando clases/ en una vocacional y en una prepa// bien chistoso porque/ en la vocacional/ es del Poli/ en la tarde/

ITERATIVO

166. (E10F16) pero el mugroso amigo que según me iba a avisar/ él ya lo está tomando/ y nunca me dijo// le dije/ “ándele/ ándele”/ le digo/ “no te preocupes/ ya habrá otro

DURATIVO

167. (E10F17) con ella sí/ ella vive aquí en la Sor Juana y la visito/ ahorita está esperando bebé

DURATIVO

168. (E10F18) que según me estaba asesorando un tipo// que cuando le llevaba para revisiones/ me decía/ “¡ay mi hija !/ te está quedando bien bonito”/ o sea/ era lo ¡único!

ITERATIVO

169. (E10F19) nos decían/ “¡es que ustedes son unas niñas!”// pues es que/ apenas estamos estudiando/ egresadas de la licenciatura/ y la especialidad y pues //

DURATIVO

170. (E10F20) “debes de leer su diagnóstico/ debes de leer qué medicamentos están tomando/ investígate// para qué son esos medicamentos/

ITERATIVO