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A TRIBO DAS BORBOLETAS AZUIS. AMBIENTAÇÃO SERTANEJA E ESTÉTICA EM FAGUNDES VARELA por JOSÉ MANUEL TEIXEIRA CASTRILLON Departamento de Letras Vernáculas Tese de doutorado em Literatura Brasileira apresentada à Coordenação dos Cursos de Pós- Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Professor Doutor Sérgio Martagão Gesteira. Rio de Janeiro, 1º semestre de 2007

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A TRIBO DAS BORBOLETAS AZUIS. AMBIENTAÇÃO SERTANEJA E ESTÉTICA EM FAGUNDES VARELA

por

JOSÉ MANUEL TEIXEIRA CASTRILLON

Departamento de Letras Vernáculas

Tese de doutorado em Literatura Brasileira apresentada à Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Professor Doutor Sérgio Martagão Gesteira.

Rio de Janeiro, 1º semestre de 2007

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Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras. Departamento de Letras Vern?culas.

na literatura. Poesia. 3.Romantismo-Brasil. 4.C?none (Literatura) 5.Romantismo brasileiro. S?culo XIX- Hist?ria e cr?tica. I. S?rgio F. M. Gesteira. II Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras.Departamento de Letras Vern?culas. III. A tribo das borboletas azuis CDD B869.1009

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Banca examinadora

________________________________________________________Professor Doutor Sérgio Fuzeira Martagão Gesteira (orientador)

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Professor Doutor Wellington de Almeida Santos

________________________________________________________________

Professor Doutor Antônio José Jardim e Castro

_________________________________________________________________

Professor Doutor Luís Alberto Nogueira Alves

_________________________________________________________________

Professor Doutor Godofredo de Oliveira Neto

Suplentes:

________________________________________________________________

Professora Doutora Elódia Carvalho de Formiga Xavier

_______________________________________________________________

Professora Doutora Angélica Maria Santos Soares

Defendida a Tese:

Conceito:

Em: / / 2007

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Para C.

Breve sogno

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Agradecimentos

Caso fosse possível, gostaria de agradecer a todos os autores que produziram as

obras que consultei durante o período em que trabalhei na tese.

Agradeço a meus professores na Pós-Graduação da Faculdade de Letras da UFRJ,

dos departamentos de Letras Vernáculas, de Ciência da Literatura e de Letras

Neolatinas.

Agradeço à minha família: Dr. Castrillon, Madre, Lu e Maroca.

Obrigado, Flavia.

Sou grato aos funcionários da biblioteca e da secretária de pós-graduação, tanto aos

que já não mais lá trabalham, como Dona Ezenira e Maria Helena, quanto aos atuais,

em especial, Fátima, Nádia, Celly e Leonardo.

Durante o doutorado pude contar com bolsa do CNPq, apoio fundamental para que

essa empreitada pudesse ser levada a cabo.

Devo ao meu orientador, professor Sérgio Gesteira, uma interlocução preciosa e o

constante chamado para que mantivesse o foco no objetivo da pesquisa.

Agradeço a meus colegas da UNEB, à diretora da Faculdade de Letras Fabiana

Andrade Santos, bem como à coordenadora do colegiado Jaciara Sant’Anna e a todos

os funcionários.

Agradeço aos amigos Caroline, Marly, Conceição, Marta, Nelma, Pedro, Milton,

Everton, Siraiama, Angélica, Paulo Gomes, Edu, Rogério, Luís Fernando, Dr. Meira,

Eduardo Bauster, Yma, Banwart, Mairise, Acácio e Jovita.

Gostaria de agradecer ainda a coisas e eventos aleatórios, como a paisagem que se vê

das salas de aula, a locução de alguma partida de futebol, gente caminhando pela

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tarde, latidos de cachorros roucos, garçons anônimos, eloqüentes motoristas de táxi.

A todos meu sincero obrigado.

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Resumo

A presente tese investiga a vertente cabocla, ou sertaneja, na poesia brasileira de

meados do século XIX, tendo como referência principal Fagundes Varela. Nesse

percurso, buscou-se compreender os mecanismos atuantes na formação do cânone da

poesia romântica e caracterizar parte da recepção desta produção. A indagação sobre

um possível e intencional silenciar dessa poética teve enfoque significativo, bem

como o de alguns de seus agentes, marcos cronológicos e teóricos. Buscou-se, com

isso, atualizar a leitura de nossa poesia romântica, prejudicada, talvez, por alguma

idealização e outros fatores intervenientes.

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Abstract

This work aims to discuss the mid-nineteenth century poetry of the provincial areas

of Brazil mainly by focusing on the works of Fagundes Varela. By doing so, the

acceptance and reception of this poetry is depicted, as is the process of establishing

the canons of poetry in the romantic era. A possible intentional silencing of this

provincial poetry – together with its relevant participants, chronological landmarks

and theories – is also discussed here. Finally, this work presents a fresh reading of

Brazilian poetry of the romantic era, avoiding the prejudices and idealizations

against it.

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Résumé

La présente thèse porte sur le versant “cabocle” (métis de blanc et d’indien), ou lié à

des habitants du sertão, de la poésie brésilienne du milieu du XIXe siècle en prenant

comme principale référence, l’œuvre poétique de Fagundes Varela. Cette démarche a

eu pour objectif de chercher et de mettre en évidence les mécanismes de formation

du canon romantique tout en caractérisant une part de la réception de celui-ci. La

recherche sur une possible et intentionnelle tentative de masquer cette poétique a eu

un effet significatif, tout comme celui de certains agents ont constitué des repères

chronologiques et théoriques. Nous avons ainsi tenté d’actualiser la lecture de notre

poésie romantique qui a peut-être subi quelque préjugé par une certaine idéalisation,

voire divers autres facteurs.

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Sumário

1.Introdução 11

2. Fundamentos do poético e a poesia brasileira de meados do século XI 30

2.1.Romantismo, sentimento da natureza e sensibilidade interiorana. 30

2.2. Poesia e definição do ser 35

2.3. Formação do cânone romântico. Recepção ao Romantismo 41

2.4.Fatores determinantes no início da formação do cânone romântico 66

2.5.Contribuições posteriores à formação do cânone do Romantismo 76

2.6. O romantismo brasileiro e a idéia de nação 88

3-Poesia romântica e ambientação sertaneja na poesia de Fagundes Varela 94

4.Conclusão 113

Referências Bibliográficas 121

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Punha-se o sol, as sombras sonolentas

Mansamente nos vales se alongavam,

Bebiam na taberna os arrieiros

E as bestas na poeira se espojavam.

Fagundes Varela

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1. Introdução

Libertadores da América

Uma pergunta comum e fundamental: Quem somos nós? Em particular, tentamos

responder: quem é brasileiro, latino, latino-americano, sul-americano, gaúcho,

cucaracha, brazuca, tupiniquim? O conceito de identidade tem se desmanchado no

ar. A identidade se construiria numa longa cadeia de associações cujas origens,

obrigatoriamente remotas, parecem perdidas para sempre. Multiculturalismo.

Mensagens provenientes de todas as partes circulam vertiginosamente. Nelas,

entretanto, não se deixa de notar certa homogeneidade. Certamente há um novo

totalitarismo de natureza extremamente radical que uniformiza os discursos, como

afirmava Pasolini1.

1- que as “classes médias” mudaram radicalmente, diria até, antropologicamente; seus valores positivos não são mais os valores reacionários e clericais, mas sim os valores (...) da ideologia hedonista do consumo e da conseqüente tolerância modernista do tipo americana. Foi o próprio Poder –– através do “desenvolvimento” da produção de bens supérfluos, da imposição do consumo frenético, da moda, da informação ( e principalmente, de maneira imponente da televisão) –– que criou tais valores, descartando cinicamente os valores tradicionais e a própria Igreja, que era o símbolo desses valores.

(...) Mas esse Poder também padronizou culturalmente a Itália: trata-se portanto de uma “padronização” repressiva, mesmo se obtida através da imposição do hedonismo e da joie de vivre.2

Embora o autor se refira às mudanças acontecidas na Itália dos anos de sessenta e

setenta, podemos ampliar suas considerações para o Brasil, pois o fenômeno descrito

tem alcance mundial, global.

Por outro lado, o conceito de brasileiro e de cultura brasileira não é algo que

tenha perdido completamente seu contorno. Em determinados momentos fica

evidente, a nós brasileiros, o fato de pertencermos a uma cultura diferenciada. A

propriedade da cultura brasileira não se manifesta de forma indistinta, ela se torna

1 PASOLINI, Pier Paolo. Os jovens infelizes, antologia de ensaios corsários. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 86-92.2 Ibidem. p.80-81.

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especialmente perceptível em determinados momentos.

Pela leitura da produção dos poetas românticos depreende-se que durante esse

período tais preocupações assumiram um caráter sistemático e programático.

Investigar, propor, inventar as bases de nossa identidade era uma tarefa dos

escritores. Fazia-se necessário lavrar o registro do novo país que surgia e de seu

povo. A escola romântica realizou esse papel de forma idealizada, parcial,

restritivamente, sob o olhar elitista, talvez, mas isso não desautoriza o processo nem

a intenção de seus autores. Havia uma pátria Brasileira a ser ficcionalizada e

poeticamente criada. Em nome da invenção da Pátria, muitas coisas podiam ser

tentadas e lançadas. Esperanças. Quem sabe se a partir da Independência

conseguiríamos começar a colher o que profetizara, não sem um quê de interesse, o

escrivão Caminha, como capta o humour oswaldiano.

Erro de Português

Quando o português chegouDebaixo duma bruta chuvaVestiu o índioQue pena!Fosse uma manhã de solO índio tinha despidoO português3

A anedota é válida. Primeiro porque questiona o fato de andarmos tão vestidos

nesse calor (levemos em consideração o clima sub-tropical das regiões Sul e

Sudeste).A vitória dos costumes europeus, do vestuário, do sistema do sagrado e da

língua, de certa maneira esclarecia um pouco as coisas. Éramos a América

portuguesa, católica... Entretanto, a vitória européia não teria sido tão acachapante.

Rasuras teriam permanecido. Caprichos, esquisitices.

3 ANDRADE, Oswald. O Santeiro do Mangue e outros poemas. São Paulo: Globo, Secretaria de Estado da Cultura, 1991. p. 95.

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Antes de tentarmos compreender a recepção da vertente sertaneja na lírica de

meados do século XIX, especialmente a de Fagundes Varela, um esforço no sentido

de explicitar como os fluxos das culturas locais e cosmopolitas têm agido sobre a

literatura faz-se necessário. Embora a produção romântica localize-se em meados do

século XIX, sua recepção não pode deixar de ser um fenômeno atual. É necessário

recuperar algumas interpretações que, ao longo do tempo, foram importantes para a

constituição histórica do olhar contemporâneo sobre o tema.

Talvez por conta do chamado complexo colonial, a preocupação com a

identidade nacional sazonalmente agudiza-se, tomando corpo em realizações em

diversos campos, como o da literatura, da sociologia, da antropologia, da história. No

campo literário, por exemplo, além do período subseqüente à nossa Independência, o

início do século vinte, a década entre 1920 e 1930, os anos cinqüenta, bem como os

anos sessenta e setenta foram marcados pela reflexão sobre a nação brasileira e sua

cultura. Acompanhemos um pouco esse processo.

Ao final do século XIX, com o prestígio do darwinismo social, do determinismo

e das teorias de eugenia, começa a ficar evidente que parte da população não se

sentia à vontade com os pretos, pobres e mestiços de vário matiz. A alteridade, a

imagem do outro, exercia um fascínio irresistível. Como demonstra a antropologia

estruturalista, a noção de identidade se revela no contraste e no confronto. Nós,

brasileiros, portanto, seríamos o que o outro não é. Mas no Brasil é diferente –––

aqui o estrangeiro deveria ser convertido em nós mesmos: nos ventres de nossas

mulheres fecundados por homens brancos, acabaríamos parindo uma raça mais

dinâmica, menos primitiva, cópia das civilizações desenvolvidas do Primeiro

Mundo.

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Euclides da Cunha percebe que a República, seus corolários e ideais de

modernidade tinham pouca penetração no Brasil profundo do interior. Sente-se no

narrador d’Os Sertões um misto de decepção e fascínio. Entretanto, o engenheiro

culto não hesitou em reconhecer no sertanejo o granito da raça brasileira. “O

sertanejo é antes de tudo um forte” – frase que ganhou uma consistência algo mítica.

A sociedade do Rio de Janeiro, assim como a das grandes cidades do litoral, tinha os

olhos voltados para a Europa. Euclides da Cunha e Lima Barreto abominam esse

cosmopolitismo tacanho. Para esses autores, a consolidação da identidade nacional

era condição necessária para um contato mais igualitário com as potências mundiais

e com as outras culturas. Não se tratava simplesmente de uma questão de orgulho

nacional, mas de uma questão de sobrevivência. Eles esforçaram-se por fazer com

que a inteligência nacional fixasse sua atenção no interior do Brasil e nos demais

aspectos de nossa realidade social4. Hoje, passados quase cem anos, é que

conseguimos avaliar o quanto essas preocupações tinham um alvo correto. Hoje,

quando o Ministério da Cultura afirma a mesma coisa, admitindo a importância

estratégica da pasta:

Os direitos culturais fazem parte dos direitos humanos e a dimensão cultural é indispensável e estratégica para qualquer projeto de desenvolvimento. Segundo a Declaração Universal da Diversidade Cultural, os indivíduos e grupos devem ter garantidas as condições de criar e difundir suas expressões culturais; o direito à educação e à formação de qualidade que respeite sua identidade cultural; a possibilidade de participar da vida cultural de sua preferência e exercer e fruir suas próprias práticas culturais, desde que respeitados os limites dos direitos humanos. O direito à diferença, e à construção individual e coletiva das identidades através das expressões culturais é elemento fundamental da promoção de uma cultura de paz. (...)Para o Governo brasileiro, proteger e promover as expressões culturais em sua diversidade é direito legítimo dos cidadãos, da sociedade civil e dos estados nacionais.5

4 SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. Tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 122-123.5 Pronunciamento do Secretário Sergio Mamberti na IV Conferência de Educação e Cultura na Câmara dos Deputados. Texto redigido por Álvaro Magalhães a partir de debates internos na SID/MinC, especialemente com Ricardo Lima e Sérgio Mamberti. O grifo não é nosso. http://www.cultura.gov.br/politicas/identidade_e_diversidade/index.html

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Ao final do século XIX e início do século XX, a expansão econômica

desencadeada pela segunda revolução industrial exigia que as potências

conquistassem mercados. Quase que como uma ideologia a legitimar essa cruzada, a

teoria das raças cumpria perfeitamente o papel. Expandir, conquistar e dominar

ficava mais fácil quando se passava a admitir que alguns eram mais atrasados,

primitivos, bárbaros. Conquistava-se e ao mesmo tempo fazia-se o favor de incluir as

distantes paragens na “civilização”. As elites das colônias, ou ex-colônias (devemos

observar, entretanto, que nunca tivemos, por exemplo, um acontecimento tão

significativo como a Revolução Francesa, com conseqüências sociais universais)

deslumbravam-se com as conquistas econômicas, técnicas e militares das potências

européias, daí o padrão europeu passou a ter validade absoluta, inclusive sua

eurocêntrica teoria das raças. Nossos autores reagiram de forma distinta. Para

Euclides, poderíamos tentar superar as potências trilhando o mesmo caminho. Para

Lima Barreto, isso mesmo era causa de nossa alienação6.

Euclides revelava-se mais crédulo. Nossos bacharéis poderiam vir a constituir uma

elite dirigente que poderia conduzir-nos ao progresso. O autor de Triste fim de

Policarpo Quaresma tinha seus senões. Os “doutores” seriam na verdade uma casta

privilegiada que se locupletava nos cargos que desde sempre lhes estariam

destinados7. Quem estaria com a razão? Segundo nossa análise, Lima Barreto, pois a

julgar por alguns de seus comportamentos, nossa elite não parecia estar

comprometida com qualquer projeto nacional e, àquele tempo, mantinha sempre os

olhos em Paris, trajava ternos cortados à inglesa e freqüentava prostitutas

6 SEVCENKO, N.(1983) p. 1247 Ibidem. p. 125.

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“francesas”. Com alguma variação, hoje há um comportamento semelhante. Miami,

Aspen, Nova Iorque e previsíveis viagens à Disneyworld. Algo como tomar chá

inglês, vestido a caráter, na África. Mais do que a manutenção de hábitos herdados,

próprios e legítimos, o que se tentava realizar era o apagamento da cultura do outro.

Euclides da Cunha e Lima Barreto já chamavam a atenção para uma decadência

cultural que tomava conta da República, desencadeada também por influência do

jornalismo. Mostravam-se especialmente sensíveis ao fenômeno da “glorificação das

mediocridades”8. Antes do período republicano, Fagundes Varela também perceberia

e denunciaria esse mesmo processo:

Oh! tudo vai passando, e tudo morre!Tudo sufoca a vil mediocridade!O panteon da pátria está deserto!Retraem-se os talentos hodiernos,E da fome o cruento despotismoColoca pavorosa e sem piedade,Do mísero escritor, que o pão suplica,A pena mercenária ao punho presa!...9

O dado mais característico e saliente da maneira pela qual Euclides encarava a

cena social de seus dias era a sua convicção –– e nesse aspecto era acompanhado por

parte da intelligentsia nacional –– de que assistia a um completo espetáculo de

inversão de valores e de papéis no interior da sociedade. A República, tão

promissora, nas suas origens, de uma civilização técnica e moralmente elevada,

havia se transformado no paraíso dos “medíocres”.10

Podemos detectar já aqui, ao final do século XIX, o início da organização de um

mecanismo cuja ação se tornará cada vez mais sensível, agindo tão sub-reptícia

quanto eficazmente. O que nos intriga é: por que alçar aos postos de evidência, de

8 SEVCENKO, N.(1983) p.126.9 VARELA, L. N. Fagundes. Poesias completas de L. N. Fagundes Varela. v. 2. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. p. 349.10. SEVCENKO, N (1983) p.146.

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modo até insistente, os medíocres? O que se objetiva com essa estratégia? Que

conseqüências tal atitude pode acarretar para a nação?

Parece mesmo que o Brasil do início do século XXI já estava sendo aqui

projetado. Que adjetivo pode melhor classificar o que se chama hoje de celebridade?

Xuxa, que recebeu o generoso apodo de “Nossa Rainha”, trouxe algum ganho

palpável às crianças brasileiras nos vinte anos em que tem estado no ar? Como

explicar o fato do locutor esportivo Galvão Bueno tornar-se o porta-voz exclusivo do

narrar futebolístico, numa terra em que o futebol assume uma importância quase

universal nos mais diversos aspectos? Uma centralização absurda –– como pudemos

constatar na Copa do Mundo de 2006 na Alemanha –– injustificável e

empobrecedora. O mesmo acontecendo com os domingueiros programas de

auditório, segmento em que o surgimento de novos valores é, há muito, um

problema. Faustão não consegue, não quer ou não pode reinventar-se. Silvio Santos é

outro a repetir suas fórmulas de sucesso numa seqüência que não parece ter fim de

shows de prêmios. Podemos incluir ainda o fenômeno internacional do Big Brother,

que aqui, certamente não por acaso, parece ter encontrado condições extremamente

favoráveis. Todos exemplos certos dessa tradição da glorificação das mediocridades.

Não nos estranha, portanto, que a concessão de canais de televisão pelo Estado seja

um ponto importante na política dos países “pobres”. É o que se vê hoje na

Venezuela e o que ainda não se quer ver no Brasil.

O valor da mediocridade, de resto, fora também abordado por Machado de Assis

no conto “Teoria do medalhão”, em que, com rara sagacidade e olhar clínico,

conseguia revelar este componente importante de nosso sistema social.

Mas retornemos àqueles autores. Euclides tinha os olhos no interior do Brasil e

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tentava identificar na população mestiça do sertão os elementos que poderiam

fornecer a base de uma possível raça brasileira. Enquanto um intelectual como ele

realiza este percurso, colocando a população carente, mestiça e analfabeta como

centro de nossa identidade, a grande maioria não era da mesma opinião. Em seu

projeto para consertar os rumos do Brasil, pretendia que essa população, que até

então fora displicentemente abandonada no interior do país, obtivesse

gradativamente as benesses civilizacionais presentes nos grandes centros

cosmopolitas e desenvolvidos do litoral11.

Excetuando-se aquelas populações interioranas, que há tempos vivem perdidas

nos confins do Brasil e que por isso mostram conhecer e estarem adaptadas à sua

região12, o contato com a própria terra não é algo familiar. Euclides observa que a

população que ocupa o território nem se dá ao trabalho de o conhecer. São como

alguns daqueles primeiros donatários que nem se deram ao trabalho de vir para cá

conhecer a parte que lhes cabia das sesmarias... É um sintoma importante. O pouco

interesse em conhecer a terra pode revelar que se queira evitar criar vínculos mais do

que passageiros, o que é desde sempre evitado no Brasil. Não se pode mesmo prestar

muita atenção à terra que se saqueia. O olhar desde sempre estivera atento às

possibilidades de lucro e exploração. Uma vez esgotados os recursos, parte-se para

outro lugar sem muita saudade e apego. Algo que Euclides já chamava de “fazedores

de desertos” e que Monteiro Lobato denunciaria com as “cidades mortas”. Um

processo econômico sem qualquer planejamento que quisesse deixar algo de

duradouro para as populações. O mesmo que vemos hoje em dia com as novas

fronteiras agrícolas da soja e do algodão no Centro-Oeste e parte do Nordeste. Ao 11 SEVCENKO, N. (1983) p. 14912 Ibidem. p. 145.

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Norte, as madeireiras e a pecuária. Fatos análogos aos de cem anos atrás. O homem

brasileiro pobre nesse processo é o que menos conta. Sendo que, agravando o

quadro, sintomaticamente, há um novo surto de mão de obra escrava no Brasil.

Pessoalmente, confessa o autor de Os sertões que começa a sentir desprezo pelas

coisas de seu país. Estranha e obviamente –– movido, porém, por um sentimento

cujas motivações são bem diferentes daquelas determinadas pelas elites nacionais ––

passa ele também a nutrir uma animosidade negativa para com o Brasil. Uns

enxergam o país como um lugar com possibilidades para o lucro pessoal. Estes

mantêm seu ideal de civilização em outras paragens. Rastaqüeras, conectam-se ao

dernier cri de Paris e fazem estação de águas em França. A literatura fornece um

bom exemplo do comportamento dessa classe na narrativa reveladora do romance

epistolar A correspondência de uma estação de cura (1918) de João do Rio.

Teodomiro de Sá Pacheco é um brasileiro como deve haver muitos outros. Tem como base das suas opiniões –– o Brasil, um país à beira do abismo; e desconhece por completo o Brasil. Em compensação, viaja a Europa, de que conhece muito bem os menores detalhes, e julga-se feliz. A felicidade é muito relativa. Quando rebentara a guerra, Sá Pacheco ia precisamente partir. Ficou. Mas de tal maneira andaram os negócios de amor e de dinheiro (perdas em ambos os ramos, consecutivas) que a neurastenia não podia deixar de lhe ser um elegante capital.

Teodomiro estava neurastênico. Quis tratar-se. Onde? Em São Paulo restavam alguns amigos, que o aborreciam. O resto do Brasil causava-lhe pavor. Que seria isso aí? Sem conforto, sem legumes, sem trufas, sem travesseiros! (...)13

A pátria dessa oligarquia é outra. Euclides decepcionou-se com a República, com

seu malogro moral, com a vitória do egoísmo, do interesse tacanho, da inexistência

de um projeto estratégico e democrático de desenvolvimento e, somente por esses

motivos, passou a ver o país com maus olhos. Como não se aliava aos conformistas e

oportunistas, sentia-se deslocado, incompreendido, tomado por uma sensação de

alheamento em sua própria terra. Os outros, por sua vez, usavam arma eficaz contra a

13 RIO, João do. A correspondência de uma estação de cura. 3 ed. São Paulo: Scipione, 1992. p. 15

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pregação de Euclides: a indiferença e o silêncio. Aqui já se consolidava um modo se

ser brasileiro e de se viver no Brasil: Que lugar é esse em relação ao qual sentimos a

dupla sensação de pertencer e de não pertencer?

Contemporaneamente a Euclides, Lima Barreto detectava no tecido social

brasileiro esse mesmo processo. Glória para os medíocres e imorais. Silêncio e

obscuridade para os homens de valor. O Brasil, “República da Bruzundanga”, seria

uma sociedade atípica cuja orientação seria invertida. Lima Barreto afirma ser causa

de tal estado de coisas a ganância, o interesse por dinheiro. A atividade política no

país tinha o mesmo objetivo, ao mesmo tempo em que descuidava dos interesses da

sociedade em geral14. Segundo seu ponto de vista, a literatura deveria ser uma

ferramenta para combater esse estado de coisas, conscientizando, denunciando,

lançando os germes de uma sociedade mais justa e orientada segundo os interesse da

maioria da população. Adotava ele, portanto, um programa literário e intelectual em

que, pela crítica cultural e pela intenção revolucionária e reformista, assemelhava-se

ao da Geração de 70 em Portugal.

Entre 1920 e 1930, autores como Mário de Andrade e Oswald de Andrade

também identificariam esse mesmo problema e procurariam formular também

possíveis soluções. É importante lembrar que nesse período eles serão acompanhados

por outros autores que interpretariam as condições culturais brasileiras de forma

semelhante.

Resumidamente, vejamos como Haroldo de Campos procura definir o

posicionamento de Oswald quanto à questão:

Já Oswald, na congenialidade dos elementos primitivos que convocava para sua poética –– e sob cujas espécies deglutia as apuradas técnicas estrangeiras ––, estava

14 SEVCENKO, N. (1983) p. 186-189.

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redescobrindo a realidade brasileira de uma perspectiva original e situando-se nela. Assumia o mapa diacrônico dos vários Brasis coexistentes, em tempos (estágios) diversos, num mesmo espaço de linguagem, e assumia-o inscrevendo-se nele, observador observado de um contexto de conflito.15

Mário de Andrade, por sua vez, sinteticamente afirma ser o Brasil uma “pátria

tão despatriada”. O isolamento em que vive boa parte do povo brasileiro é algo que

lhe chama a atenção. Surge de novo a mesma barreira detectada por Euclides, entre o

homem do interior e o do litoral. Marca seu Macunaíma: o herói sem nenhum

caráter a tentativa de estabelecer uma continuidade entre os brasileiros que vivem

em condições tão distintas. Com tal objetivo, maneja os elementos constitutivos de

sua rapsódia, especialmente os de tempo e espaço16.

O mapa de sua terra, que Macunaíma descortina do alto, sobrevoando o Brasil no tuiuiú-aeroplano é, de certo modo, a projeção de um desejo profundo do escritor, manifestado em outros momentos de sua obra: desejo de estabelecer a identidade entre o habitante do sul e o pobre seringueiro do norte, entre as cidades prósperas e superpovoadas do litoral e “o vasto interior, onde ainda a pobreza reina, a incultura e o deserto.”17

A composição da existência ao modo brasileiro incorpora uma duplicidade, ou

multiplicidade, que é, em última instância, decorrente do processo de colonização. O

nacional seria ao mesmo tempo o outro. O gigante Venceslau Pietro Pietra, por

exemplo, seria o outro, o imigrante italiano, embora também pudesse ser peruano.

Macunaíma, do mesmo modo, também é uma personagem construída de forma

compósita: é negro, branco de olhos azuis e índio. Psicologicamente também é

marcado por essa dupla origem. O herói seria ao mesmo tempo criança e adulto,

lógico e ilógico, primitivo e civilizado. A conseqüência dessa caracterização

resultará em um herói precário, marcado pela imaturidade e cujos objetivos tornam-

15 CAMPOS, Haroldo. Uma poética da Radicalidade. In: Pau-Brasil. 2 ed. São Paulo: Globo; Secretaria de Estado da Cultura, 1990.16 SOUZA, Gilda de Mello e. O tupi e o alaúde, uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: Duas Cidades, 1979. p.3817 SOUZA, G.(1979) p.39

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se inconsistentes18.

O enredo também ajuda a perceber essa duplicidade. Macunaíma nasce no Mato

Virgem (Uraricoera), vai para São Paulo, terra do progresso que está em contato com

as últimas conquistas da civilização moderna e, ao final, retorna para a selva. Neste

retorno, entretanto, não há o reencontro, ou o reconhecimento pacificador com suas

origens. Ao contrário, Macunaíma traz irremediavelmente uma saudade de São

Paulo. Fica panema, triste, macambúzio, morre desgostoso na rede, vítima de uma

contradição que não soube resolver. De um lado os campos do trabalho, da razão e

da repressão, de outro, o dionisíaco, o selvagem. Isso ficaria duplamente marcado na

fabulação. A vitória sobre o Gigante representaria a afirmação dos valores indígenas

e autóctones enquanto que seu desprezo pela filha de Vei e o interesse pela moça

portuguesa indicariam o contrário, ou seja, a orientação da personagem em direção à

cultura européia.19

Recorramos agora a um estudo antropológico cuja especificidade poderá lançar

novas luzes sobre o significado do estrangeiro para a definição de nossa identidade.

O Brasil apresenta uma organização social que não se conforma perfeitamente ao

modelo ocidental, pois enquanto neste sistema a noção de indivíduo e mercado são

noções estanques, de modo a permitir que tudo possa entrar no sistema de trocas

comerciais, em que fica claro ser a noção de indivíduo o aspecto determinante, em

sociedades como a brasileira, em que outros componentes socioculturais entram em

ação, há um aspecto geral que preexiste e que é determinante em cada ato ou

mediação operada no sistema social20. Na sociedade brasileira há uma forte

18 Ibidem p. 43-44.19 SOUZA, G.(1979) p. 45 e 56.20 DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis, para uma sociologia do dilema brasileiro. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990. p. 18.

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necessidade de rituais, fórmulas e regras codificadas que sempre atuam na dinâmica

entre o indivíduo e a coletividade, o que faz com que a ação do indivíduo isolado

seja sempre atenuada ou anulada. É essa uma tendência generalizada. A constante

utilização destes códigos implica muitas vezes na fixação e definição de uma

hierarquia muito clara.21

Quando procuramos entender e determinar o caráter específico do brasileiro ––

ou seja, momentos em que a multiplicidade das formas de ser brasileiro encontram

interseções que não anulam de forma homogeneizadora a diversidade cultural ––,

alguns momentos podem ser especialmente reveladores, como é o caso do carnaval

ou da Copa do Mundo. Nesses momentos, as categorias que normalmente pautam

nosso cotidiano são abolidas (hierarquia social e econômica, trabalho, decorrentes de

diferenças raciais e ou de determinações locais). Tudo tende a ficar em estado de

suspensão. Os que celebram o carnaval querem apenas buscar o prazer e o fazem

dentro de um estilo. A escolha do meio próprio para que isso se dê também é

importante: o canto. A música faz com que as divisões sociais, normalmente

aplicáveis no cotidiano, sejam suspensas. Tal como em uma cerimônia religiosa,

caem os aspectos acessórios do ser e, desta maneira, todos se sentem iguais.22

Na sociedade brasileira, portanto, surgem algumas situações em que a

organização da sociedade pode ser invertida, como no carnaval, no futebol, em uma

polêmica ou em uma situação de confronto em que um cidadão alega possuir

prerrogativas especiais, ficando, nesse caso, acima da lei e da ordem estabelecida. É

importante lembrar que isso ocorre naturalmente e não indica que os valores e

normas estejam sendo postos em xeque. No Brasil se sabe que em algumas situações, 21 DA MATTA, R.(1990)p. 97 e 98.22 Ibidem. 94 e 118.

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e para algumas pessoas, as normas devem ser suspensas. A lei não fica com isso

abalada –– embora algumas leis não sejam de fato reconhecidas, o que é outro

problema ––, sabe-se que ela permanecerá valendo, mas que naquele caso ela não

deverá ser aplicada. A aplicação das normas, portanto, não se caracteriza por uma

rigidez absoluta. O aspecto negativo disso é que nas disputas comuns do mundo do

dia-a-dia fica mais fácil o forte vencer o fraco, fato esse de que o brasileiro tem plena

consciência. Desse modo, sabe-se que rico não vai para a cadeia, que filhinho de

papai pode e que quem pode pode e quem não pode se sacode. Diante desse estado

de coisas, é mais do que compreensível a atitude desconfiada, descrente e pessimista

de nossos concidadãos. Isso se configura como uma “desconfiança básica do

mundo”. Pessoas e relações acabam se tornando mais importantes que as leis e regras

estabelecidas para a sociedade.23

Há na sociedade brasileira, e isso é muito divulgado como propaganda de nosso

modo de vida, uma prática social que pode ser caracterizada como amigável,

hospitaleira, receptiva e inclusiva, mas também existem –– e isso não é divulgado, ao

contrário, é escondido, disfarçado –– práticas exclusivistas e individualizadoras que

tendem a favorecer a exclusão.24 Por esse motivo, o sistema social brasileiro é

bastante complexo. Uma decorrência importante é o fato de haver pouca

possibilidade de surgir uma “consciência de classe horizontal”, sendo mais comum a

“consciência vertical”. Entre nós é muito comum a empregada identificar-se com a

patroa, o vaqueiro com o fazendeiro, o motorista com o executivo, o funcionário com

a empresa em que trabalha. Portanto, a identificação freqüente é com o superior na

hierarquia empresarial, misturando, muitas vezes, sentimentos contraditórios. 23 DA MATTA, R.(1990) p. 144, 172 e 176.24 Ibidem. p.151

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Ademais, a competitividade entre iguais – potencializada pelo desemprego e a pouca

qualificação da mão de obra – acentua essa tendência. Conseqüentemente, a noção

de cidadania não tem consistência nem efetividade (lembremos da ausência de uma

revolução com conseqüências sociais universais há pouco mencionada), sendo mais

importante o papel social que cada um desempenha. No Brasil é mais valorizado

aquele que consegue maior número de possibilidades relacionais permitidas pelo

mecanismo de identificação. Ninguém quer, conscientemente, reduzir suas

possibilidades de identificação. O econômico é somente um dos aspectos, mas

sozinho ele não é capaz de determinar todas as possibilidades de interação social da

pessoa.25 Como conseqüência, conclui o antropólogo:

Diante disso, diria que no Brasil, vivemos certamente mais a ideologia das corporações de ofício e irmandades religiosas, com sua ética de identidade e lealdade verticais, do que as éticas horizontais que chegaram com o advento do capitalismo ao mundo ocidental e à nossa sociedade.26

Quanto à implicação desse mecanismo no delineamento da dialética entre o

nacional e o internacional, uma vez que a elite brasileira –– além do fato preexistente

das elites, em qualquer país, terem sempre maior possibilidade de contato com as

terras e coisas estrangeiras –– sempre esteve com os olhos voltados para o chamado

Primeiro Mundo, ela acaba levando de roldão os que a ela são subordinados e com

elas estão identificados pelo processo acima descrito. As classes populares, que

sempre tiveram e têm uma característica mais conservadora e tradicional, ficam

assim muito mais vulneráveis aos modismos e à macaqueação das coisas

estrangeiras.

Isso interfere diretamente na apreciação do estético, que é o que nos interessa

25 DA MATTA, R.(1990)p. 157-158.26 Ibidem p.158.

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mais de perto. As ideologias tidas como populares são sistematicamente descartadas.

Afirma-se serem elas ingênuas e simples. Já as que são provenientes dos estratos

sociais mais elevados gozam desde o nascedouro de uma aura de nobreza e deverão

contar sempre com o abono geral da sociedade27. Esta linhagem dá-lhes legitimidade.

As áreas reconhecidas como mais importantes, como a política, a arte e a ciência

estão sob controle dos estratos sociais mais elevados.28 Disso decorre, mais uma vez,

haver uma maior facilidade para que o belo esteja associado ao outro, ao estrangeiro,

uma vez que este é o foco de nossa elite social.

Nossa suposição é a de que isso pode ter influenciado e neste momento pode

continuar a estar influenciando a recepção da produção poética da escola romântica

brasileira, a despeito do fato de certa crítica literária posterior aos anos setenta do

século passado já ter consciência desse processo e tenha chamado a atenção para a

necessidade de atender a uma pluralidade de vozes. E acreditamos que isso tenha

acontecido com a chamada lírica romântica sertaneja.

Hoje, por exemplo, os serviços bancários diferenciados, destinados aos

correntistas ricos, buscam uma identificação clara com o imaginário e símbolos

estrangeiros. É o caso do Itaú Personnalité, do serviço Van Gogh, do ABN-AMRO

Bank, do Bradesco Prime e do Uniclass, Unibanco.

Da mesma forma, e sem uma palavra de protesto da imprensa esportiva, o

campeonato de futebol mais importante da América do Sul, a “Libertadores de

América” passou a chamar-se “Copa Toyota Libertadores”. Por que algum capitalista

eficiente não tenta fazer o mesmo com Wimbledon ou com Roland Garros?

27 De fato, do ponto de vista da apreciação do fenômeno estético, há aqui uma simplificação exagerada pois o foco da análise nesta passagem não é este.28 DA MATTA, R.(1990) p.192.

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Estudando a relação entre literatura e subdesenvolvimento, Antonio Candido

afirma que, graças ao analfabetismo e ao atraso, há no público em geral uma

debilidade para resistir ou assimilar de forma mais ativa as influências externas29.

Não queremos aqui ingenuamente supor que a noção de brasilidade esteja ligada

indissociavelmente à representação de coisas sentidas como brasileiras e à cor local.

Machado de Assis, no artigo intitulado “Instinto de nacionalidade”, já via com

bastante penetração o problema, que, aliás, estava em pauta e era motivo de polêmica

em fins do século XIX. Para ele, a questão se resolve mais nas possibilidades de

realizações lingüísticas que nos temas e no cenário.

Podemos, inclusive, supor exatamente o contrário. Ana Maria Machado,

enfocando este mesmo problema afirma que:

(...)somos mais profundamente brasileiros exatamente quando somos mais plurais, mais mestiços, mais acolhedores, mais abertos a incorporar a nosso “sentimento íntimo” aquilo que o mundo de fora nos oferece e a elaborar as tantas e tão diversas contribuições internas que atuam na tessitura de nossa formação e nos enriquecem com suas impurezas.30

Segundo esta autora, nossa cultura não seria frágil, ao contrário, ela teria plena

condição de assimilar, incorporar e transformar contribuições culturais provenientes

do estrangeiro. Ser universal e brasileiro ao mesmo tempo seria, segundo sua visão,

perfeitamente possível. Algo que estaria na base da teoria de alguns modernistas e

explicitado no Manifesto Antropófago. A manifestação cultural alheia não

constituiria necessariamente um perigo. Ela poderia mesmo acabar tendo um efeito

benéfico, alimentando e enriquecendo ao invés de corromper. O modernista Mário de

Andrade sustentava que as duas forças eram necessárias, tanto a que buscava nutrir-

se da cultura tradicional quanto a que era oriunda do cosmopolitismo das vanguardas

29 CANDIDO, Antonio. A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987. p.143.30 MACHADO, Ana Maria. Lá e cá: algumas notas sobre a nacionalidade na literatura brasileira. Revista Brasileira. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, n. 47. 2007.

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européias. Mais tarde ele reconheceria que muito da força do movimento residia

justamente na capacidade de abrir-se para as mais diversas orientações.31

Ana Maria Machado cita, como exemplos desse saudável enriquecimento, a

época emblemática da bossa-nova, hoje porta-voz da cultura nacional e que nos anos

cinqüenta e início dos anos sessenta sofreu forte censura, supostamente por trair

nossas raízes musicais e copiar o jazz. Inclui ainda dois fenômenos semelhantes, a

mistura do swing e do boogie-woogie ao samba e o tropicalismo, que incorporou à

música popular brasileira os instrumentos típicos do rock. Essa seria a resposta

definitiva aos puristas, uma vez que a flexibilidade e abertura da língua é o próprio

sinal de sua vitalidade e força. A porosidade e permeabilidade do idioma nacional

torna-se um forte índice de identidade nacional.32

Os defensores da nacionalidade de forma purista ainda estão por aí:

Ainda recentemente, em nossos dias, o músico Lobão precisa frisar a cada entrevista que não é vegetal para ter que ser cobrado pela falta de raízes. Mais ainda: faz questão de afirmar, provocador como todo bom roqueiro, que é urbano –– como 85% da população do país hoje em dia ––e cresceu vendo televisão, ouvindo rock e assistindo a desenho animado e a filme legendado com som em inglês, e não é menos brasileiro por isso.33

Concordamos com essa afirmação, entretanto –– e aqui está um dos motivos e a

definição de uma situação de base, de premissa da tese –– o que é feito com os

restantes 15% da população? Como é seu círculo de produção e consumo cultural? A

resposta mais honesta certamente indicará algo semelhante a um limbo. Da mesma

forma, a partir daqui, também podemos formular outra questão: não é possível

interessar-se por este aspecto de nossa cultura sem ser tachado de purista? A cultura

do sertão profundo é apenas mais uma dentre tantas possibilidades. Por que não

estudá-la sem a atitude ingênua de conduzi-la à referência obrigatória da

31 MACHADO, A. M 115-116;117-118.32 Ibidem. p. 119-120.33 Ibid. p. 120-121.

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nacionalidade? E sobretudo, por que não estudá-la?

Esse estado de coisas levou-nos a perguntar se a recepção à escola romântica

brasileira poderia estar sendo influenciada pela preponderância da mundividência

brasileira urbana que, embora igualmente brasileira, provavelmente sentir-se-á mais

à vontade com a sensibilidade cosmopolita.

Além disso, realizando uma avaliação que coincide com a de Pasolini, Ana Maria

Machado reconhece que as forças da colonização, da globalização e da indústria

cultural tendem a impor padrões universalizantes. Não seria legítimo supor que a

crítica, e que o pensamento sobre a literatura não pudessem sofrer essa mesma

influência?

Podemos, portanto, supor que haja por parte da intelligentsia nacional uma maior

boa vontade para investigar a cultura urbana, também pelo fato de que talvez ela seja

mais representativa da cultura brasileira atualmente. E é esta cultura que, pela sua

situação de confluência e de comunicação cultural, tem mais condições de responder

de forma ativa e criativa aos estímulos das manifestações culturais estrangeiras. Não

queremos afirmar que as manifestações culturais vindas da província devam ser

paradigmáticas para a produção artística nacional. Por outro lado, parece-nos

evidente que a historiografia e a crítica literária atuais demonstram uma maior boa

vontade para investigar outros fenômenos de nossa cultura. As possíveis motivações

de tal atitude não constituem o escopo deste trabalho. Apenas, em busca da

originalidade que se nos exige, julgamos coerente partir desta orientação, ou seja,

pareceu-nos oportuno investigar o que se afirmava sobre a vertente sertaneja de

nossa poesia, a partir de que pressupostos, para ao final podermos formar um juízo

sobre este tratamento.

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Observe-se que uma dinâmica semelhante pode ser percebida também no que diz

respeito às variantes lingüísticas. Atualmente existe uma força padronizadora que

tende a reprimir determinadas características fonéticas, lexicais ou sintáticas sentidas

como excessivamente identificadas geográfica ou culturalmente.

2. Fundamentos do poético e a poesia brasileira de meados do século XIX

2.1. Romantismo, sentimento da natureza e sensibilidade interiorana.

Como o Romantismo se articulava com os valores e a cultura identificados como

regionais e provincianos?

O Romantismo teve algumas características que apontam para uma disposição

favorável ao contato com a natureza e à ambientação social da província. O motivo

de fundo estaria no fato de o homem precisar ultrapassar os limites humanos

determinados pela sociabilidade, pela razão e pelas conveniências burguesas,

segundo os princípios da Ilustração34. Agora os homens deveriam deixar que a

natureza lhes mostrasse o caminho. Na França, Lamartine, Gautier, Nerval e Victor

Hugo, como viajantes, procuraram o exótico, o original, o pitoresco e os tipos locais

para descrevê-los em meio a confidências, muitas vezes com um vocabulário rico e

preciso, antecipando o Realismo. Hugo o fizera de modo particularmente hábil e

comovente.35 Na Rússia, Koltzov, retratando histórias de amor, associou-as a cenas

rústicas. Na Hungria, praticaramm uma poesia rústica e popular Czuczor e Petöfi. O

lituano Syrokomla também tomou como tema preferido o ambiente rural das vilas de

seu país. Procederam de igual maneira Wordsworth e Lamartine.36 Na maioria das

34 FRÓES, Leonardo. Um outro. Varella. Rio de Janeiro: Rocco, 1990. p. 13.35 VAN TIEGHEN, Paul. Le Romantisme dans la littérature européenne. Paris: Albin Michel, 1948. p. 513.36. VAN TIEGHEN, P. (1948) p.418-419.

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vezes essa produção vinculou-se a um profundo sentimento da natureza.

Muitas vezes essa produção enquadrou-se formalmente no gênero das baladas,

romances ou lieder. São poemas curtos, com ritmo bem marcado, em estrofes iguais,

em que a repetição desempenha um papel importante. Trata-se de um estilo simples,

ingênuo e popular. Tal tendência correspondia ao combate do programa romântico à

poesia clássica, sentida agora como excessivamente livresca, artificial, de salão,

vazada em padrões estéticos universalizantes.37

Ora, se na Europa essa vertente da poesia romântica fora tão fecunda, por que

então em nossa poesia romântica, que se nutriu tanto de influências francesas, não

poderia haver um patrimônio poético semelhante e reconhecido nos dias de hoje

como tal?

Vale lembrar que nem sempre essa produção esteve excluída do cânone

romântico. As antologias mais antigas, como Páginas de ouro da poesia brasileira

(1911) de Alberto de Oliveira, incluem poemas como “A sertaneja” de Guimarães

Júnior:

Eu sou a virgem morena,Robusta, lesta, pequenaComo a cabrita montês;(...)Vinde ver, ó boiadeiros,Meus vestidos domingueiros,Meus braços limpos e nus:Ah! Vinde ver-me enfeitadaCom minha saia engomada,Com meus tamancos azuis.38

Em sua antologia Poetas brasileiros contemporâneos, Mello Morais Filho

apresenta o poema “Desafio a viola”, de Joaquim Serra, que inclui quadras ao sabor

37 VAN TIEGHEN, P. (1948) p. 435.38 OLIVEIRA, Alberto. (dir.) Páginas de ouro da poesia brasileira. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1911. p. 305.

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popular:

Calou-se o poeta, o vate selvagem;Aceita risonho um outro o duelo...Qual canta melhor? qual leva vantagem?E o rude bailado prossegue mais belo!

“Menina, que me prendeste,Eu quero seguir viagem...Que feitiço será esteQue me atém n’esta paragem?

“Esse teu rosto divinoDos olhos tirou-me a luz...Co’o caminho não atino,Se pr’a longe me conduz!39

Fica, portanto, evidente que durante o período em que eram ativas as escolas

realista e parnasiana, algumas instâncias legitimadoras colaboravam para que se

incluísse na produção romântica brasileira, como um de seus atributos, a

sensibilidade sertaneja e interiorana.

Além de que, no que diz respeito à prosa, nossos autores enveredaram

efetivamente por esta via. Alencar, o melhor dentre eles, Bernardo Guimarães,

Franklin Távora e Taunay são responsáveis por um rico filão regionalista, com

algumas realizações estéticas de bom nível. O que é ratificado pela crítica e pela

historiografia literárias.

Logo nas primeiras etapas de formulação desta tese, tivemos a oportunidade de

ler alguns livros de poesia da escola romântica. Conquanto naquele momento não

houvéssemos formulado a tese do modo com que a pesquisa veio a concretizar-se, já

naquela oportunidade percebíamos que havia uma produção, principalmente lírica,

identificada com a realidade pequena da província, do interior, ou mesmo

sintonizada com a sensibilidade roceira. Como o conhecimento que possuíamos da

39 MORAES FILHO, Mello. (dir.) Poetas brasileiros contemporâneos. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1903. p. 43.

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poesia romântica fora feito mediante a leitura dos historiógrafos da literatura e de

antologias, bem como da leitura dos autores mais canônicos, aquela produção

afigurou-se-nos surpreendente. Além de percebermos que essa vertente era

sistematicamente constante em vários autores, notávamos ali certa sensibilidade

interessante. Quando não era plenamente bela como realização estética, pareceu-nos

importante pela contribuição à cultura nacional e mesmo para entender fenômenos

estéticos mais recentes como a conjugação entre o kitsch e vanguarda na poesia

brasileira dos anos 70 e 80, por exemplo, além da possível contribuição para o

entendimento da produção poética do século XIX. Além disso, supúnhamos que

algumas delas tinham mesmo um valor estético próprio.

Formamos essa convicção a partir da leitura de poemas como este de Felix da

Cunha:

Quelé

Em alta torre o sino repenica,Convidando à reza a cristandade,O povo pressuroso da cidadeÀ capela se vai que cheia fica.

De hipócrito carão um frade explicaÀ matuta coorte a santidade,De ter amor à prece, à caridade,E atenta a multidão o ouvido aplica.

Enquanto o frade fala e à furto espreita,Dessas carinhas a melhor qual é,A uma negra o sacrista abraça e estreita.

É fino como um gamo o tal quelé,Do fradoco não ouve a sã receita:Desfaz-se ante a negrinha em rapapé.40

Além do realismo jocoso e da peculiaridade do entrecho, há certa habilidade

quanto à representação de movimento e qualidade dramática.

40 CUNHA, Felix da. Poesias. Publicação póstuma. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1933. p. 202.

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Ou, do mesmo poeta, um longo poema de treze quadras em versos decassílabos

em que se louvam as virtudes da cavalgadura de um animal chamado Soberbo:

Eu senti nas coxilhas e campinasEstremecer o chão sob teus pés,As nuvens a correr, fugir o espaço!Ah! Soberbo corcel, que bravo és! 41

Além da equitação, motivo comum entre nossos românticos, temos a vivência do

gaúcho da província e o sentimento da natureza bem caracterizados.

Minha bela é mais formosa,mais donosaDo que um alto buriti;Mais que a rosa matutina,

E a bonina,Mais doce que o sapoti.42

Embora estes versos de Porto-Alegre não sejam belos e cumpram

automaticamente o programa romântico de após a independência, representando de

forma superficial o espaço americano como forma de marcar nossa nacionalidade

nascente, ao leitor do século XXI, que se delicia tomando tigelas de açaí com xarope

de guaraná, e que se compraz ao redescobrir as coisas do próprio país, talvez ganhem

eles algum frescor, alguma atualidade.

Ao mesmo tempo em que isto observávamos, podíamos perceber a pouca

representatividade que poemas como esses tinham nas antologias e histórias da

literatura mais recentes. Alexei Bueno, por exemplo, que, em nossa opinião, tem

feito uma leitura original e consciente de nossa produção poética, em sua antologia

da escola romântica brasileira, entre os sessenta e um poemas escolhidos, não inclui

nenhum que ilustre a vida provinciana. “Cajueiro pequenino”, de Juvenal Galeno, “A

flor do maracujá” e “Juvenília” de Fagundes Varela, “Meus oito anos” de Casimiro

41 CUNHA, F. (1933) p.175.42 PORTO-ALEGRE, Manuel de Araujo. Brasilianas. Viena: Imperial e real tipografia, 1863. p. 170.

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de Abreu e “Crepúsculo sertanejo” de Castro Alves, apenas tangenciam o aspecto.

Antonio Candido em sua extensa Formação da literatura brasileira, apesar de

tratar de vários poetas que cantaram a roça, nada seleciona.

Em A literatura no Brasil encontramos um trecho do “Monólogo do vaqueiro” de

Juvenal Galeno e uma referência considerável a esta produção de Fagundes Varela.

José Guilherme Merquior, em De Anchieta a Euclides, também dá algum

destaque ao tema, referindo-se a ele ao tratar de Fagundes Varela e Castro Alves.

Assim, se por um lado percebíamos um silenciar e de outro notávamos algumas

indicações importantes, decidimos investigar esse aspecto de nossa produção poética,

localizando-o precisamente em Fagundes Varela.

2.2. Poesia e definição do ser

Antes de procurarmos entender por que a poesia do romantismo identificada com

a sensibilidade sertaneja e interiorana tem sido apagada pelos estudos literários

contemporâneos, é necessário indagar sobre a necessidade de se proceder desta

maneira. Se estamos analisando determinadas tipos de produção poética no século

XIX, é importante primeiro definir a linguagem, a poesia e tentar entender sua

importância para a definição do ser, para a existência e para a subjetividade. Depois

de realizada essa tarefa, estaremos prontos para compreender sua relação com o

homem em suas diversas formas de sociabilização. Para cumprirmos este objetivo,

recorreremos ao pensamento ontológico de Heidegger.

O verbo "poematizar" (dichten) é usado por Heidegger em seu ensaio sobre

Hölderlin com o sentido de composição de versos e como atividade criadora que

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engendra formas e traz a revelação ontológica.43

No citado trabalho de Heidegger, a linguagem é definida da seguinte forma: a

linguagem não é apenas um dos recursos que o homem tem à disposição e domina,

mas é um bem que define a ele mesmo, homem. Trata-se, portanto, de um bem no

sentido original. Ela serve para a compreensão e para a comunicação, mas suas

potencialidades não se esgotam aí.

A linguagem não é apenas um instrumento que o homem possui ao lado de tantos outros; a linguagem é o que, geralmente e antes de mais nada, garante a possibilidade de se encontrar na clareira da abertura do existente. Somente onde há linguagem pode existir um mundo (...) Somente onde há um mundo pode haver História......44

A verdade histórica funda-se na palavra. Heidegger procura estabelecer e

reconhecer as conexões entre a existência, o fenômeno lingüístico e a historicidade.

Para alcançar este objetivo, o filósofo estuda a poesia de Hölderlin, pois em sua obra

está presente o poetar sobre o próprio fenômeno poético, assim como procura

acercarcar-se da natureza da linguagem.

A linguagem não é um instrumento, de tantos, que estão à disposição. Ela é um

acontecimento necessário à própria potencialidade existencial do homem. Para

podermos avaliar o escopo da poesia, devemos inicialmente estar seguros deste

aspecto essencial da linguagem.45

Nós, humanos, estamos em situação de dialogar. O ser humano se funda

juntamente com a linguagem, mas é somente por meio do diálogo que a realidade

que se faz História pode ser atingida. Desde modo, o diálogo deve ser entendido não

43 HEIDEGGER, Martin. Approche de Hölderlin. Paris: Gallimard, 1962. p. 41. 44 HEIDEGGER, M. (1962) p. 47-48.Le langage n'est pas seulement un instrument que l'homme possède à côté de beaucoup d'autres; le langage est ce qui, en général et avant tout, garantit la possibilité de se trouver au milieu de l'ouverture de l'étant. Là seulement où il y a langage, il y a un monde (...) Et là seulement où il y a un monde, il y a Histoire.45 HEIDEGGER, M. (1962) p. 48.

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de modo limitado, como performance da linguagem, mas como aspecto essencial da

linguagem. Este seria o diálogo. A unidade deste diálogo reside no fato de que, a

cada vez, na palavra essencial, sempre se manifesta e se revela a unidade (o Um e o

Mesmo) em torno da qual os homens se unem. É em razão disso que todos podem

dizer-se igualmente homens (humanidade)e que nós, do mesmo modo, podemos

dizer que somos nós mesmos. É somente depois da afirmação dessa unidade

fundamental, por exemplo, que um diálogo polêmico poderá acontecer. O problema

é que, para que exista esse “Um”, é necessário que exista alguma coisa que seja

permanente, duradoura, estável. Algo que tenha a natureza da constância e da

presença. Para que isso ocorra, o tempo tem de se abrir em extensões. Primeiro o

homem tem de conviver com o que persiste, só aí ele poderá se expor ao que é

próprio da Mudança. Diálogo e História nascem juntos. Há uma identidade

fundamental entre eles. É neste ponto que o mundo surge e que os deuses se fazem

presentes.46

A poesia é fundação na e pela palavra e, nesta fundação o que é fundado é aquilo

que permanece. O poeta é aquele que nomeia os deuses e as coisas em si mesmas

(em si mesmas se pensarmos que o lingüístico não pode ser dissociado daquilo que

representa. Embora possa haver, por exemplo, uma correspondência evidente entre

“céu” e “sky”, não há uma coincidência absoluta entre estes termos). Não se trata

simplesmente de dar nome a uma coisa que já existia e já era anteriormente

conhecida. Não. É nesta nomeação, em que atua a palavra fundamental, que aquilo

que é pode realizar a possibilidade de ser. Enquanto não temos a palavra fica-se com

a sensação de incompletude. Poesia é fundação do ser pela palavra. Tudo acontece ao

46 Ibidem. p. 49,50,51.

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mesmo tempo: Os deuses são nomeados, a essência das coisas –– agora donas de um

novo brilho –– passa à palavra. Tudo converte-se em História. O ser-aí do homem

finalmente tem acesso a algo de durável e permanente. O dizer do poeta é fundação

não apenas no sentido de um livre dom, mas também por tornar possível a base para

o ser-aí do homem.47

O que concerne, portanto, à essência do habitar do homem sobre a terra pertence

ao poético. A poesia não é um simples ornamento que acompanhe o ser-aí, também

não pode ser um fugaz entusiasmo; do mesmo modo, também não pode ser uma

simples exaltação ou passatempo. A poesia é o fundamento sobre o qual se

estabelece a História. Por isso ela não pode ser simplesmente uma manifestação da

cultura. A poesia é a nomeação fundadora do ser e da essência de todas as coisas.

Sendo assim, não é a linguagem que se oferece como matéria a ser manipulada pela

poesia, mas, ao contrário, é a poesia que torna a linguagem possível. Sim, pois a

criação da linguagem não poderia acontecer sem apreciações que implicassem na

constituição de um juízo de gosto. A palavra só se tornou ela mesma porque foi

aprovada por uma quantidade sufuciente de falantes. É como se estes falantes

gostassem da palavra, a aprovassem e promovossem sua perpetuação, imcluindo-as a

seu discurso pessoal. A poesia é a linguagem primitiva de um povo na História.

Necessariamente a essência da linguagem deve ser compreendida a partir da essência

da poesia.48

Na poesia o homem se apresenta concentrado, debruçado sobre o seu próprio ser-

aí. É pela poesia que ele atinge uma quietude especial, uma quietude infinita na qual

todas as energias e todas as relações estão ativas. A poesia está geralmente associada 47 HEIDEGGER, M. (1962) p. 53.48 Ibidem. p. 54-55.

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ao irreal e ao sonho, em oposição à realidade concreta. Mas é justamente o contrário:

o real é o que o poeta diz. Embora pareça vacilar, a poesia é fundação (Gründung), é

fixa. Dom dos deuses, ao mesmo tempo a palavra poética é a interpretação da “voz

do povo”. É assim que Hölderlin chama as lendas e os contos da tradição oral por

meio dos quais o povo transforma em memória sua própria existência. Às vezes isso

não acontece naturalmente. É necessária a interpretação de outros (o poeta). O lugar

do poeta é o lugar da mediação entre os deuses e os homens, pois ao nomear os seres

não o faz de modo simplesmente repetitivo, mas o faz principalmente pela criação. É

poético o habitar do homem sobre a terra.49

A tragédia grega oferece exemplos do velar e do desvelar do ser. É sobretudo, segundo Heidegger, responsabilidade dos poetas manter vivo no mundo o vigor do ser sob a inspiração gratificante das divindades. (...) Mas corresponde aos poetas o nobre encargo de fazer com que o que tende a finar-se –– o divino –– não se apague completamente e possa ser reavivado em meio aos homens para um grande começo.50

O fazer poético se inclui em uma infinidade de possibilidades de realização. O

que pode representar o centro de todo agir? O homem. Todas as coisas que o homem

realiza recebem o nome de cultura. Antes de analisarmos a especificidade de uma

atividade qualquer, é necessário admitirmos que ela já é em si um fazer cultural.

Várias podem ser as definições de cultura. Algumas delas implicam em uma

significação mais estática, conservadora e tradicional. Isso porque a cultura pode ser

transmitida como uma espécie de herança. O acúmulo de bens culturais e sua

transmissão de geração em geração é algo muito importante. Entretanto, neste

49 HEIDEGGER, M. (1962) p. 57-59.50 EZCURRA, Javier Oroz. Del ser y del aparecer en Heidegger. Letras de Deusto. Bilbao p. 151,163.

La tragedia griega ofrece ejemplos de desocultación y ocultación del ser. Es, según Heidegger, responsabilidad, sobre todo de los poetas, mantener viva en el mundo la pujanza del ser bajo la inspiración gratificante de las divindades. (...) Pero corresponde a los poetas el noble cometido de hacer que lo “perecedero” –– lo divino –– no se apague del todo y pueda ser reavivado junto a los hombres para un gran comienzo.

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encadeamento, o homem se vê muitas vezes como objeto e não como sujeito do

acontecer cultural.51

Somente passa a existir um mundo, a partir do momento em que o homem

começa a projetar-se sobre o que existe e a interferir sobre a função e o destino das

coisas. Antes tínhamos algo indiferenciado que podemos chamar de meio. É o

homem quem institui o mundo. É essa orientação dada pelo homem ao existente que

possibilita, por sua vez, o surgimento de uma nação. Cultura é essencialmente

produção. Uma nação é um conjunto de seres humanos que comungam o mesmo

projeto de vida e a mesma cultura52. O poder também é necessário para garantir a

sobrevivência da nação. Ele se baseia em uma noção conjunta de valor. Os valores e

a cultura não são meros acessórios, eles constituem a essência mesma da nação. Por

isso, em situação de ameaça, recorre-se às armas para garantir sua manutenção. Esses

valores eram chamados pelos gregos de ethos. Como o homem é mortal, através da

linguagem, ele assegura a permanência, de geração para geração, destes valores. A

civilização latina chamava a continuidade desses valores de mores. Esse processo de

transmissão de valores e de cultura tornou-se estratégico dentro da nação. Dessa

forma, a depender da utilização que dela se dê, tanto pode vir a ser uma realização

essencialmente humana, quanto uma forma de domínio, de controle e de opressão

dos homens por seus concidadãos. 53

Para nosso estudo, é importantíssimo entendermos, com Heidegger, que a

linguagem e a poesia são extremamente estratégicos para a nação. Por meio de seu

51 CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poético. 2 ed. Rio de Janeiro: Antares, 1982. p. 15-17.52 É importante observar que a mesma cultura não indica, necessariamente, um ponto de vista unificador e homogeneizador. Várias culturas podem integrar uma “mesma cultura”.53 CASTRO, M. A. (1982) p. 20-22.

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pensamento, por um caminho diferente do dos ideológos do Ministério da Cultura,

uma vez que estes representam uma continuidade de certos ideais da Ilustração,

enquanto Heidegger chega a isso pela investigação da natureza da poesia e da

linguagem.

Gostaríamos de lembrar ainda que a compreensão heideggeriana parte do existir

cotidiano e, conseqüentemente, portanto, refuta a possibilidade de um existir

purificado e abstrato. Existir só adquire sentido no mundo e no confronto com os

outros. Heidegger também reconhece que o existir é fundamentalmente histórico.54

2.3.Formação do cânone romântico. Recepção ao Romantismo

Estão à disposição do pesquisador diversos tipos de documentos que podem ser

úteis à tentativa de reconstituir e entender o modo com que a palavra poética

correspondente ao período romântico foi produzida e lida ao longo do tempo.

Tomaremos como início de nossas referências para a determinação do cânone do

Romantismo no Brasil o trabalho de Sílvio Romero55.

Em seu peculiar sistema de entendimento da literatura brasileira, chama ele a atenção

para o fato de que não foi com Magalhães e seu círculo que se inicia a escola no

Brasil. Antes dele alguns alunos-poetas do Largo de São Francisco já o faziam. Por

esta razão, no período que nos interessa, o primeiro poeta citado é Maciel Monteiro56.

Preocupado sempre com as condições materiais que são subjacentes ao literário,

sempre atento aos fortes e saudáveis, como se a História da Literatura fosse uma

espécie de exposição agrícola em que os melhores gens merecem ter lugar de

54 GILES, Thomas Ransom. Dicionário de filosofia. São Paulo: EPU, 1993. p. 201.55 ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. 6ed. V.III. Rio de Janeiro: José Olympio,1960.56 ROMERO, S. (1960) p. 701-715.

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destaque, o crítico evidencia o fato de Maciel Monteiro ser de uma “natureza robusta

e sadia”. As opiniões de Romero lhe são favoráveis, todas elas derivando do

mencionado fato. A poesia é um “transbordamento de almas ricamente dotadas” e a

de Maciel Monteiro é uma destas. Notando que havia à sua época uma tendência, por

parte das instâncias legitimadoras, a desprezar os produtos que não vinham da corte,

é esse mais um motivo para a valorização do poeta. Esse aspecto relaciona-se à

preocupação com o nacionalismo constantemente presente na História da literatura

brasileira. Segundo o autor, as grandes cidades litorâneas estão mais sujeitas às

influências estrangeiras. Isso tornaria necessária defesa dos poetas do Norte.

E insisti em notar as belezas do lirismo deste poeta provinciano; porque sempre tem sido ele posto à margem pelos mirmidões que no Rio de Janeiro se têm ocupado com a vida literária do país. Exceção feita da literatagem fluminense e de alguns felizes da velha escola maranhense, todos os espíritos de valor das províncias, máxime do Norte, têm sido cuidadosamente deixados no esquecimento.57

Ao final do trecho reservado para análise do poeta de Pernambuco, Romero

assim o classifica: “Natureza artística, aliada a uma voluptuosidade intensíssima, era

verdadeiramente um poeta.”

A este segue-se o nome do Marquês de Sapucaí, Cândido José de Araújo Viana58.

Sua inclusão se justifica, apesar da escassa produção literária, por haver se

distinguido no gênero elegíaco, pouco praticado no Brasil. Seus versos seriam

“singelos e delicadíssimos”. Para Romero, seria ainda importante notar a

simplicidade da linguagem e, virtude à qual parece sempre estar atento, identifica

nos versos do marquês a “verdade do sentimento”. Embora não se trate aqui do tema

sertanejo, notamos que o autor valoriza um aspecto que com ele se relaciona, que é a

proximidade às fontes populares: “O velho poeta em quatro quadrinhas em estilo

57 Ibidem p. 708.58 Ibid. p. 715-718.

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popular disse mais do que Magalhães em todo o volume dos Mistérios e cânticos

fúnebres (...)”.59

O historiador da literatura ruma agora para o Norte, visita o parnaso maranhense.

O poeta é Manuel Odorico Mendes60. Sílvio o exclui. Odorico seria um espírito

clássico, conservador. Sua poesia não revelaria o que, segundo Romero, seriam as

principais vertentes do Romantismo: a tendência nacionalista e a aproximação das

fontes populares.

A seguir, passa Romero a analisar a produção do poeta baiano Francisco Moniz

Barreto61. Defende para este autor um lugar único na literatura brasileira por seu

talento como repentista. Ao tratar de Moniz Barreto, Romero faz uma longa

digressão sobre a teoria literária de sua época. A certa altura, faz alguns comentários

sobre a Bahia. Por eles, podemos perceber que seu ponto de vista tende a contestar a

hegemonia cultural da capital da República:

Em nenhuma outra parte os diversos elementos que constituíram nosso povo, (sic.) se amalgamaram tão fortemente e produziram tão de pronto esse espírito peculiar que é o mais genuinamente brasileiro. Terra de festas, desde as de igreja, com suas novenas e procissões, até as patrióticas, com seus palanques e passeatas; terra de sambas, com seus capadócios tocadores de viola e violão e cantadores de modinhas; terra das danças quentes e animadas como o inimitável baiano; dos bons quitutes, da boa cozinha; (...)62

Continuando ao Norte, é agora a vez de Barros Falcão63. Embora lhe seja um

pouco simpático, admitindo, por exemplo, um gosto delicado e certo brilhantismo,

Romero, como médico sempre à caça de morbosidade, logo aponta defeitos em sua

poesia decorrentes de seu espírito desequilibrado. O veredicto final será a exclusão.

No mineiro Antônio Augusto de Queiroga64, Romero encontra pouco talento.

59 ROMERO, S. (1960) p. 716.60 Ibidem. p. 718-726.61 Ibid. p. 726-734.62 ROMERO, S. (1960) p. 729.63 Ibidem. p. 734-739.64 Ibid. p. 739-740.

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Admite ser ele o introdutor de poesia baseada em fonte popular e sertaneja, além de

dominar a técnica versificatória. Apesar disso, o poeta não é capaz de grandes

realizações, sua produção é marcada pela mediania e pela ausência de obras de

verdadeiro talento. Sua importância deve-se ao fato de haver influenciado o irmão,

João Salomé e também por ser uma espécie de precursor de Juvenal Galeno.

João Salomé Queiroga65 é um dos fundadores da legendária Sociedade Filomática

e possui mérito literário. Uma das razões disso é sua preocupação com a linguagem.

Queiroga já chamava a atenção para a necessidade do autor brasileiro expressar-se de

modo diferente de seus colegas portugueses. Em suas palavras, afirmava escrever no

idioma “luso-bundo-guarani”. Romero afirma que Salomé Queiroga não foi um

grande poeta, porém valoriza sua qualidade relacionada ao “instinto local e popular”

e, a propósito disso, faz um breve excurso, incluindo considerações sobre a

influência dos sertões:

Todas as suas impressões e todas as suas produções traziam o sainete desse estado emocional. Por índole e educação, por gostos e tendências, as formas de sua fantasia eram as formas do meio sertanejo de Minas. Nesta província a vida das cidades, não tendo a rudeza e grosseria dos altos sertões do Norte, não chegaram ainda a esse abastardamento do caráter nacional que se nota nas grandes cidades da costa, especialmente no Rio de Janeiro.

Ali há cultura literária cercada por todos os lados pelo espírito popular.

Apesar de afirmar-se nacionalista e de mostrar certa predileção pela poesia

inspirada no viver dos habitantes do interior, Romero tem seus senões quanto a estas

populações e sua cultura:

Semelhante solução consiste em supor um dever da literatura pátria o aferrar-se ela exclusivamente à descrição de tipos e cenas das classes mais grosseiras e atrasadas do nosso povo: o caipira, o matuto, o tabaréu, o garimpeiro, o vaqueiro, o sertanejo, os tipos incultos da roça em suma.. Temos tido o indianismo e o negrismo; entendeu ele que devemos ter também o matutismo.

Não há nisso inconveniente; em literatura tudo é lícito, uma vez que seja espontâneo e tenha o cunho do talento. O que se deve é não dar ao matutismo mais valor do que ele tem na realidade, isto é, o de uma poesia inferior e local, mais ou menos apreciável,

65 Ibid. p. 741-753.

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segundo revela mais ou menos inspiração.66

Voltando para a Academia de Direito de São Paulo, o autor analisa a obra do

mestrinho, o precocemente desaparecido, Francisco Bernardino Ribeiro67. Romero

opta pela exclusão, afirmando faltar-lhe, além da imaginação, faculdade obrigatória a

todo grande poeta, também o sentimento artístico.

Apesar da produção literária reduzidíssima, Romero é favorável à inclusão do

nome de Firmino Rodrigues Silva68 no cânone do romantismo brasileiro por ser o

autor da nênia Niterói. Trata-se de um reconhecimento não usual. É um só poema,

mas, afirma ele tratar-se de “um dos mais saborosos frutos da poesia nacional.”

Assim, sua inclusão é incontornável. O critério adotado para este julgamento é a

nacionalidade. A nênia conseguira realizar a união entre as mundividências cristã e

indígena. A Europa não seria capaz de produzir semelhante poema.

Álvaro Teixeira de Macedo69 não tem a mesma sorte. Romero não consegue

encontrar no poeta o que em sua visão mais lhe importa: o documento social e

psicológico. Além disso, seus poemas seriam medíocres e sem préstimo.

Como Romero preocupa-se com o que lhe pareça verdade, a poesia de José

Maria do Amaral70 deve ser valorizada. Elas dão conta de um “sofrimento real e

positivo” e de uma “melancolia verdadeira”. A pretensa veracidade é o que torna as

opiniões do crítico favoráveis a respeito de Amaral: se lhe aponta falta de

brilhantismo, tal defeito é desculpado pela sinceridade. Com isso, José Maria obtém

de Romero o desejado lugar, ainda que com uma enigmática expressão: “região à

66 ROMERO, S. (1960) p.753.67 Ibidem. p. 753-762.68 Ibid. p. 762-767.69 ROMERO, S. (1960) p.p. 767-769.70 Ibidem. p. 769-776.

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parte em nossas letras”, embora desfaça o equívoco, ao final, destinando-lhe “um

lugar de honra em nossa história literária”. O romântico é comparado a Cláudio

Manuel da Costa. Ambos legitimados, muito positivamente, por uma comum

qualidade “étnica”: o velho e bom quilate do lirismo português. Romero não lhe

poupa elogios, colocando-o acima dos demais poetas contemporâneos.

Antes de estudar a poesia de Gonçalves de Magalhães e seu grupo, Romero faz

algumas considerações de caráter muito variado sobre o Romantismo europeu.

Dentre elas, encontramos algo que pode justificar o interesse do crítico sobre as

produções artísticas que se inspiram em fontes culturais populares:

Seria isto muito bom nos panfletos políticos, nos escrotos de polêmica, nas obras de crítica. Na poesia o eterno e cediço badalar contra Deus e o Cristo, contra o papa e os reis, será de muito alcance nas mãos ou na boca dos entusiastas e propagandistas; mas como arte, como poesia, é preferível ir a li a um sítio qualquer ouvir uma sertaneja cantar algumas trovas populares.

(...) Mais alentada é a idéia de quem, como Grimm, julga ser a notação fundamental da literatura do XIX século a volta de todas e de cada uma das nações às suas criações populares.

Foi esta certamente uma das grandes obras do romantismo. Ajudado pela crítica, pela lingüística e pela mitografia, ele penetrou na região encantada das lendas, dos contos, das canções, das crenças populares. A nativização, a nacionalização da poesia e da literatura em geral foi, talvez, o maior feito do romantismo.71

Preocupado com a veracidade de sentimento dos poetas, Romero vê com bons

olhos a seriedade de Gonçalves de Magalhães72 e a escolha elevada dos assuntos.

Censura-o, porém, a execução e a produção maciça de prosa metrificada.

Permanecera clássico e tinha três sestros importantes: confundir poesia e religião,

maldizer o presente e colocar o poeta na condição de gênio. Os Suspiros poéticos são

duramente criticados. Romero admite que o poeta possa ter alguns momentos felizes.

Para prová-lo reproduz um trecho da ode “Napoleão em Waterloo”.

Manuel de Araújo Porto Alegre73, que gozava de opinião geral negativa, merece

71 ROMERO, S. (1960) p. 781.72 Ibidem. p. 789-813.73 Ibid. p. 813-828.

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um estudo mais cuidadoso por parte de Sílvio Romero. O talento descritivo ––

capacidade de desenhar –– do poeta é elogiado mais de uma vez: “seus quadros, são

seguros, são animados, são vivazes”. Falta-lhe virtude musical. Em alguns momentos

é duro e prosaico. Abusa de termos desusados e esquecidos. Outro ponto positivo é a

tentativa de nacionalização da poesia. Em relação a esse poeta, Romero parece

oscilar. Às vezes condena, às vezes elogia. É o que acontece em relação ao

monumental Colombo. Se, por um lado, é longo, maçante e o maravilhoso aparece

ali deslocado, por outro, os versos são sonoros, vigorosos, eloqüentes. Não deixando

de notar a relevância da inclusão das teogonias do México e do Peru.

Ao analisar a obra de Porto Alegre, Romero volta a refletir sobre a relação entre

a literatura e a cultura popular:

Conquanto partissem de uma noção crítica inexata, os tentâmens de Porto Alegre e outros tiveram mérito, como resposta ao apelo do romantismo, quando este era uma volta às tradições populares.

(...) Mais tarde é que as influências étnicas da população foram estudadas e um olhar lançado sobre os cantos, os contos, as superstições, os costumes populares.74

Quanto a Antônio Gonçalves Teixeira e Souza, Romero repudia-lhe o estro

épico, concluindo que o poema A independência do Brasil fez mal à sua reputação

literária.75 O mesmo ocorre com sua produção lírica. Teixeira seria um macaqueador

do romantismo francês, não teria força, nem vigor artístico, lhe faltam imaginação e

entusiasmo, sua métrica é pesada e dura, o tema revelaria trivialidade. A partir da

influência da literatura francesa sobre este autor, Romero teoriza sobre a relações

interculturais:

Quando digo que o poeta de Cabo Frio era bem intencionado, avanço uma verdade. Era patriota e nacionalista; forcejava por tomar parte nos esforços da geração de seu tempo no empenho de dotar o Brasil com uma literatura. Então não tínhamos ainda vergonha de ser brasileiros, sonhávamos ainda com a formação de uma pátria autônoma e progressiva.

74 ROMERO, S. (1960) p. p.819.75 Ibidem. p. 829.

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(...) O romantismo brasileiro no seu primeiro momento foi uma prolação do espírito da velha Escola Mineira. Ao menos em parte foi assim.

Depois é que a imitação do romantismo francês, a macaqueação, o plagiato impensado do francesismo sufocou em nossa literatura o sentir nacional.76

Quanto a Joaquim Norberto de Sousa e Silva, julga Romero que o melhor de sua

produção esteja no âmbito da historiografia literária. O lirismo de suas baladas, de

caráter semi-popular, seria fácil e pálido. Faltam ao poeta calor e entusiasmo.

Romero conclui que seus poemas são produto do trabalho de um crítico que traça um

plano e o executa de forma preconcebida.77 Em nenhum gênero o autor consegue

superar a média. Em seu lirismo chega a admitir certa graça e naturalidade, o mesmo

não ocorre com sua produção épica e cômica. Conclui que Norberto é “pouco

eminente na poesia.” Sua formação intelectual também deixaria a desejar, pois lhe

faltam cultura clássica, filosófica e científica. Ainda assim, mesmo com todas essas

limitações, o tom semipopular das baladas seria um indicativo das boas intenções do

autor.

Vejamos agora o caso do poeta Antônio Francisco Dutra e Melo. Em diversas

passagens de sua História da Literatura Brasileira, Sílvio Romero faz entender que

um seu critério importante é detectar no poeta, sabe-se lá como, originalidade e

sentimento verdadeiro. Repugna ao crítico perceber que o poeta finge. Para Romero

é importante perceber que a lamentação do poeta tem um fundo de verdade e que sua

melancolia não é mera pose literária. Dutra e Melo escapa neste quesito, suas

lamentações são tidas como verídicas, é um melancólico sincero. Embora grande

parte de suas composições não tenham mérito, Romero afirma que uma só de suas

poesias seria suficiente para sagrá-lo vate.78 A seguir, analisa mais uma vez a

76 Ibid. p. 830.77 Ibid. p. 839.78 ROMERO, S. (1960) p. 856-863.

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influência estrangeira sobre a literatura nacional:

(...) Em nossa qualidade de povo superficial, nós ainda não podemos passar sem afetações.

Não sendo aqui a literatura um produto forte, original, espontâneo de uma raça enérgica, pois em rigor ela não passa de um negócio de imitação do estrangeiro em sua quase totalidade, nós andamos a chorar ou a rir, conforme nos tocam de fora...79

Em relação a Francisco Otaviano de Almeida Rosa, Romero atribui sua fama

literária à sua alta posição política. Sua produção não se destaca, nem pelo fundo

nem pelo estilo, sendo marcada por um classicismo tardio, ultrapassado. Quando

logra atingir o Romantismo, ele o faz de forma indiferenciada. Em sua segunda fase,

quando entra em contato com grandes autores românticos, o crítico chega a admitir

que Otaviano adquiriu algum talento, podendo haver em alguns de seus versos certa

graciosidade. Em geral, porém, Romero afirma que o poeta raramente é capaz de

elevação, limitando-se, quase sempre, à mediania. Não atingiu a grande poesia nem

teve profundidade de pensamento.80

João Cardoso de Meneses e Sousa, Barão de Paranapiacaba, é mais um poeta

marcado ainda pelo gosto neoclássico. As restrições de Romero a este nome são das

mais veementes. O Barão não teria temperamento literário, poético. Sua produção

tem valor diminuto. Sua poesia é marcada pelo prosaísmo. Tematicamente, mostra-se

bastante desligado do contexto brasileiro. Assim, conclui o crítico que sua reputação

literária só poderia ser atribuída a fatores extra-literários. É um poeta pobre, fraco, de

terceira ordem e que desconhece os princípios da métrica.81 Romero aproveita o

ensejo para tentar explicitar alguns mecanismos de consagração literária no Brasil:

Basta-me dizer, por enquanto, que a fama, o ruído em torno de um nome no Brasil é sempre uma ocupação e empresa de alguns grupos e em certos e determinados casos a política não é estranha ao negócio.

79 Ibidem. p. 857.80 ROMERO, S. (1960) p.874-884.81 Ibidem. p. 884-903.

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Uma coisa posso também desde já avançar e é esta: o merecimento positivo, obtido por trabalhos sérios e de difícil apreciação, especialmente na esfera científica, esse nunca foi reconhecido e proclamado pelos brasileiros, em se tratando de patrícios seus. Sempre, pelo contrário, é constantemente negado quase a ferro e fogo, se preciso for.

Todos os tropeços imagináveis, todos os obstáculos e todos os óbices são inventados; não há injúria, não há calúnia, que não saia da imensa forja da maledicência. É um horror de fazer enlouquecer. É sempre necessário que do estrangeiro nos mandem dizer: “Não sejais estúpidos: vosso patrício tem razão!” Então, sim; todos curvam a cabeça e abrem as bocas, submissos ao mando da Europa e espantados da existência daquele monstro cá nesta terra de macacos e papagaios!...82

Além da crítica a cada um dos poetas, Romero também mostra sua preferência

em relação aos diferentes momentos do que ele entende ser nossa escola romântica.

Assim, para ele, no que considera como segunda geração, estaria o que de melhor se

produziu no romantismo brasileiro: a poesia de Gonçalves Dias.

Antônio Gonçalves Dias é identificado como o verdadeiro poeta: sensação,

linguagem, espírito, imaginação. Assim se expressa o crítico:

Parece-me que a justeza do sentimento, a doçura das imagens, a delicadeza das tintas, a facilidade das idéias, a espontaneidade da forma, o vôo sereno de todas as forças mentais, eram de preferência seus predicados. Tudo isso numa alma profundamente sincera83.

Além disso, nota Romero que o poeta tratou corretamente nossa questão

etnográfica, percebendo a importância das crenças indígenas.

Sempre preocupado com a verdade expressa pelo literário, Romero identifica

certa intensidade que viria do viver íntimo, psicológico do poeta. Parece ser

importante que as emoções brotem da memória e que os sentimentos provenham de

feridas verdadeiras.

Gonçalves Dias também demonstra qualidades para a descrição. É sóbrio,

simples sem ser pobre. Sua obra seria índice de placidez de espírito.84 Muito do valor

artístico do poeta seria decorrente de sua capacidade de plasmar características

82 ROMERO, S. (1960) p. 885.83 Ibidem. p.927.84 Ibid. p. 915-935.

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populares:

O autor de Marabá (...) isto é, o autor do que há de mais nacional e do que há de mais português em nossa literatura, é um dos mais nítidos exemplares do povo, do genuíno povo brasileiro. É o tipo do mestiço físico e moral de que tenho falado repetidas vezes neste livro.85

Álvares de Azevedo marca o momento em que nossa elite intelectual não

necessita mais formar-se na Europa, portanto, ele é um marco de nossa

independência literária. Quanto à sua constituição física, seria ele doentio e

desequilibrado. Isto teria impedido que conseguisse alcançar na arte a placidez.

Louva-lhe a objetividade descritiva, o entusiasmo e a dedicação. É talentoso quando

se expressa num lirismo mais intimista. A. de Azevedo traz uma sensibilidade nova,

pelas imagens e pelo humor.86

Mesmo tratando da produção ultra-romântica, com a qual pouco simpatiza e

julga muito influenciada pela literatura francesa, Romero volta a falar sobre as

origens populares da literatura brasileira:

No dia em que o primeiro mestiço cantou a primeira quadrinha popular nos eitos dos engenhos, nesse dia começou a originar-se a literatura brasileira, que homens como Gregório de Matos, Durão, Basílio, Alvarenga, Taques, Andrada, Porto Alegre, Gonçalves Dias, Pena, Macedo, , Bernardo Guimarães, Alencar, Agrário, Francisco Lisboa e o próprio Azevedo opulentaram e encaminharam para uma diferenciação cada vez mais crescente.87

Os aspectos positivos de Aureliano José Lessa são a naturalidade,

espontaneidade e idealismo. Romero reconhece a sinceridade do poeta. O caráter

nacional de sua poesia também fica evidenciado: “Nele aparece o brasileirismo, isto

é, o calor, o anseio do gozo vazado em forma doce e delicada.”88

Bernardo Guimarães tem obtido bons resultados no lirismo naturalista, filosófico

e amoroso. O poeta distingue-se dos colegas, entretanto, pelo lirismo sertanejo. A

85 Ibid. p. 917.86 ROMERO, S. (1960) p. 947-961.87 Ibidem. p. 965.88 Ibid. p. 971.

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seguir, Romero justifica sua afirmação lembrando que o poeta é um homem do

sertão, precisamente do planalto central. A realidade e sinceridade do sentimento

expresso em suas poesias também lhe são favoráveis.89 É importante observar aqui

como Romero articula “sertanejismo” e nacionalismo:

Magalhães, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e muitos outros poetas nacionais, do Norte ou do Sul, eram filhos da região da costa ou quando muito da que se chama a região das matas próximas às costas. Viveram, além disto, nas grandes cidades ao contacto direto de estrangeiros e quase nada conheceram das diversas zonas do país.

Gonçalves Dias, que poderia fazer por este lado uma exceção, não a faz, porque só nos últimos anos próximos à sua morte viajou os sertões do Norte.

Por mais brasileira que fosse a intuição desses homens, não o poderia ser tanto como a de Bernardo Guimarães. Este nasceu e viveu em plena luz, no coração do Brasil, no planalto central.

Filho de Minas, ele viajou muito os sertões de sua província e das de Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro.

(...) Junte-se a isto o conviver íntimo com o povo, o falar constante de sua linguagem, e saber-se-á o motivo pelo qual o inteligente mineiro em seus versos e em seus romances é uma das mais nítidas encarnações do espírito nacional.90

José Bonifácio de Andrada e Silva não é um byroniano típico. Marca sua poética

a objetividade e o enfoque na natureza e nos fenômenos sociais. Tem talento

descritivo e é elegante. Exagera nas alegorias, tornando-se excessivamente

visionário. O sentimento americano lhe ajuda, alguns de seus versos revelam calor e

impetuosidade. Há outros elementos mais abstratos, como a sutileza, o mimo, e algo

de etéreo e embriagador. Sua linguagem revela plasticidade, amplitude e sonoridade.

Para concluir, Romero reconhece-lhe de maneira categórica seu talento.91

Laurindo Rabelo, segundo o juízo do crítico, teria conseguido superar Álvares de

Azevedo e outros na expressão de poesias de tom melancólico. Sua virtudes são a

verdade de sentimento, a forma clara, estilo próprio e a riqueza de idéias. Sua musa

elegíaca teria sido das melhores da língua. É um dos maiores talentos poéticos da

89 Ibid. p. 976-986.90 ROMERO, S. (1960). p. 977-978.91 Ibidem. p. 992-1002.

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língua portuguesa.92

Junqueira Freire perde quando comparado a seus companheiros de geração, em

relação ao lirismo amoroso. Seu temperamento inclina-o ao raciocínio e tem menos

imaginação, contudo, Romero admite ser J. Freire um bom poeta lírico,

especialmente quando trata de assunto popular.93 À margem de suas considerações

sobre o poeta baiano, Romero afirma de forma mais clara o que fica subentendido

em outras passagens da História da literatura brasileira, ou seja, que os poetas do

Norte são mais populares, o que, em seu sistema, significa dizer também que têm

mais caráter nacional:

A diferença, que julgo importante e característica, entre os dois grupos, é que no do Sul predominou o sentimentalismo sobre o naturalismo rústico e popular e no do Norte predominou este sobre aquele.94

Antônio Augusto de Mendonça é caracterizado de forma ambígua, estaria entre a

grande e a alta poesia. Algumas de suas virtudes são assinaladas, como a suavidade,

a ternura e a docilidade de seu lirismo, em cujos versos se notam virtudes musicais.

Quanto à linguagem, expressara-se de forma natural e nítida. O veredicto final é pela

canonização.95

Franco de Sá morrera jovem, ainda aos vinte anos. Romero afirma que com isso

o país teria perdido um bom poeta. Tinha ele boa técnica versificatória e pensamento

acima da mediania.96

José Alexandre Teixeira de Melo merece elogios entusiasmados. O poeta

chegaria até a ser superior a Casimiro de Abreu. A caracterização de sua poesia é

feita de modo um tanto vago, adjetivos como “perfumosa” e “macia” são utilizados,

92 Ibid. p. 1009-1026.93 ROMERO, S. (1960) p. 1026-1034.94 Ibidem. p. 1033.95 Ibid. p. 1034-1037.96 Ibid. p. 1037-1040.

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as frases são elevadas e as imagens garridas. Romero indica a presença de um

parentesco com o Victor Hugo da melhor fase. Correção vernacular e rigor métrico

fazem dele um precursor do parnasianismo.97

A propósito da pouca difusão e visibilidade da produção de Teixeira de Melo,

assim como de tantas outras obras de autores nacionais, assim se expressa o crítico:

Eu mesmo, que estudo com interesse e carinho tudo que se refere ao Brasil, conhecia-o só vagamente de nome; nunca o havia lido atentamente!... E assim terão feito muitos outros.

Para que ler as poesias de Teixeira de Melo, os dramas de Agrário, os romances de Alencar, se ali estão as drogas de Ohnet, de Montepin, de Du Boisgobey, que posso ingerir, arrotar depois as essências de Paris, e passar por homem de tom e adiantado?

É a regra geral: uma curiosidade inquieta e malsaine pelo que vem de forae completa ignorância do que se produz na pátria...98

Quando inicia sua análise sobre a poética de Casimiro de Abreu, Romero admite

que ele tenha merecimento artístico. Depois, como já aconteceu a outros, passa a

indicar os problemas orgânicos que seriam responsáveis por seu desequilíbrio.

Romero aproveita o fato de tratar sobre a obra de Casimiro para fazer o seu ajuste de

contas com os ultra-românticos. São-lhe insuportáveis o tom lamuriento e os

cacoetes da escola. Sua arte é resumida da seguinte forma:

O poeta, franzino de corpo, predisposto à tuberculose, fez de seu coração um ninho para asilar e aquecer todas as ilusões, cismas, vaporosidades, sonhares irisados e fantasias aladas de seu tempo.

Esta impressionabilidade mórbida, expressa na linguagem e nas formas mais simples do falar português enriquecido, sonorizado, amenizado do Brasil, eis a poesia de Casimiro de Abreu.

A facilidade dos tons, a despretensiosidade da plástica lhe dão todo valor.99

Apesar de certas restrições, o poeta fluminense merece consagração literária, o

que lhe salva é a sinceridade.100

Segundo a classificação criada por Sílvio Romero, à quarta fase do romantismo

97 Ibid. p. 1040-1046.98 ROMERO, S. (1960) p. 1040.99 Ibidem. p. 1055.100 Ibid. p. 1050-1060.

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corresponderá o “sertanejismo dos poetas do Norte”. O porquê da classificação é

importante:

A poesia sob a influência dos moços poetas da escola de São Paulo, ou nela filiados, Azevedo, Lessa, Bonifácio de Andrada, Laurindo, Junqueira tinha como feição característica a subjetividade, os afetos pessoais íntimos, de seus autores; a poesia, sob a direção dos moços do Norte, na escola do Recife, buscou intuitos mais objetivos, mais exteriores, mais gerais. Gentil Homem, Trajano Galvão, Dias Carneiro, Bittencourt Sampaio, Franklin Dória, Joaquim Serra, Coriolano, Juvenal Galeno deram mais atenção aos costumes, situações, lendas, fatos populares; deixaram-se inspirar desse realismo campesino, nacional, bucólico.101

O primeiro deles é Pedro Calasãs, cuja obra é bem vista pelo crítico. Caráter

independente, linguagem formalmente correta, domínio da métrica, tom, em geral,

positivo. Tem idéia liberais e mostra-se engajado no combate à escravidão. Calasãs,

apesar do grupo a que se filia, é poeta principalmente urbano. A objetividade

presente em sua obra permite que se veja nele um antecessor do realismo. Não foi

um grande lírico. É bom poeta embora não alcance a superioridade.102

A obra de Bittencourt Sampaio é exemplo da inspiração popular, provinciana e

campesina e, nesse aspecto, seria mesmo um dos melhores. As Flores Silvestres

merecem ser incluídas entre as melhores obras do romantismo. Romero, a julgar o

assunto tratado e a linguagem, constata, satisfeito uma brasilidade genuína.103 O autor

procura justificar sua predileção pela poesia sertaneja desta maneira:

Os versos do poeta ostentam o denguismo, a faceirice das morenas quentes do interior. Está-se agora evidentemente diante de um problema literário e etnográfico.

Já se viu que a literatura brasileira desde os seus primórdios queria ser a expressão de nossa raça.

Mas qual era a nossa raça? Aqui principiavam as dúvidas; uns buscavam a feição principal de nosso povo no português, outros no caboclo, raríssimos no africano.

O romantismo reavivou este debate e deu até certo ponto a palma aos selvagens pelo órgão de Gonçalves Dias, José de Alencar e outros.

Ao lado, porém, destes mestres e com mais tino e mais critério do que eles, levantou-se um grupo de moços que foi procurar no povo atual, como ele se acha constituído no mestiço físico e moral, em suas tradições e costumes, a nossa fisionomia peculiar de nação.

101 Ibid. p. 1066.102 ROMERO, S. (1960) p. 1064-1071.103 Ibidem. p. 1071-1075.

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Daí proveio esse lirismo da roça, do sertão, dos matutos, dos tabaréus, lirismo simples, expressivo e mimoso, quando sai do alaúde de um poeta de talento.104

Devemos reconhecer aqui o alcance da análise de Sílvio Romero. A despeito do

talento inquestionável de Gonçalves Dias e de José de Alencar, certamente a

inspiração dos poetas sertanejos revelava-se mais coerente com o que de fato o Brasil

se tornaria, tanto que, como estamos nos esforçando por provar, esta poética, desde

meados do século XIX, produziu uma linha de continuidade e, ao menos até aqui,

não parece dar sinais de esgotamento.

Pouco espaço é destinado a José Maria Gomes de Sousa. Embora tenha praticado

o lirismo local e subjetivista, seus melhores resultados enquadram-se no gênero

épico-lírico e na poesia de caráter histórico e patriótico.105

Elzeário da Lapa Pinto é mais um poeta que se consagra pela realização de uma

única poesia. O “Festim de Baltazar” teria sido um dos melhores poemas da

língua.106

Franklin Dória destacou-se mais em política do que em literatura. Apesar disso,

Romero enxerga algumas boas qualidades em sua obra, como, por exemplo, a

ausência de perturbações de espírito, a religiosidade e a resignação. Utiliza

linguagem correta, domina a técnica versificatória e tem objetividade. Filia-se ao

grupo do norte pela força da descrição e pelo nacionalismo. Entre os poetas do Brasil

ocuparia a “segunda fileira”.107

Embora não tenha sido um grande poeta o nome de Trajano Galvão merece a

inclusão por haver sido o primeiro a tratar da condição do negro de forma

104 Ibid. p. 1072.105 ROMERO, S. (1960) p. 1077-1079.106 Ibidem. p. 1079-1084.107 Ibid. p. 1085-1091.

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consistente. Tendo praticado o lirismo local e campesino, seus melhores trabalhos

são do gênero satírico.108

Gentil Homem de Almeida Braga é o mais talentoso do grupo, demonstrando

segurança e bom gosto. Seu lirismo está impregnado de caráter popular.109

O livro de poesias Flores e Frutos de Bruno Seabra é um dos melhores da produção

do romantismo. O autor dá preferência aos assuntos nacionais. Demonstra bom gosto

e apuro.110

A poesia de Joaquim Serra caracteriza-se por uma simplicidade na representação

das imagens, pela espontaneidade e pelo nacionalismo, geralmente de inspiração

popular e rural. Como não corrigia seus versos, há muitos erros em suas obras,

entretanto, apesar disso, tem mérito.111 Ao apreciar a obra de Joaquim Serra, Romero

procura delimitar o alcance da poesia sertaneja:

No viver das populações campesinas, especialmente em algumas lendas tradicionais, em alguns costumes graciosos, há muita poesia; mas é só isto. Se se quer ir além e divisar poesia em tudo ali, até naquilo que é dum prosaísmo acabrunhador, é um gravíssimo desacerto.

Não vamos nós agora supor que só na ignorância, na rudeza, na barbaria do sertanejo é que há poesia, e que esta haja saído foragida dos centros civilizados e se tenha ido abrigar absolutamente entre matutos, tabaréus, caipiras, sertanejos, garimpeiros, e quantas classes rudes e semibravias habitam a vasta zona central do enormíssimo Brasil.

(...) Compreende-se bem que se o princípio da estética sertaneja se estendesse, se generalizasse, e avassalasse todos os poetas brasileiros desde 1500 até hoje, não haveria neste mundo coisa tão insípida quanto a literatura nacional. Já se vê, pois, que o princípio do sertanejismo não comporta a generalização e muito menos a universalidade.

E se o sertanejismo, o campesinismo for aquilo que houver de mais secundário, de mais particular, de menos geral e capaz de interesse, ainda pior será ele. E deste último possuímos infelizmente muitas amostras em nossa literatura.

Em que condições então a nossa poesia campesina é aceitável?Só quando é capaz de amoldar-se ao que eu chamei de imperativo categórico da

estética, só quando é suscetível de servir de norma, de generalizar-se.Tem ela este característico quando é manejada pelos poetas de provado talento e

apurado gosto artístico.112

108 Ibid. p. 1091-1098.109 Ibid. p. 1098-1107.110 ROMERO, S. (1960) p. 1109-1114.111 Ibidem. p. 1115-1128.112 Ibid. p. 1119.

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Joaquim de Sousa Andrade requer atenção pois é o único a tratar de assunto

americano que não seja brasileiro (Romero esquece-se, aqui, de Manuel A. Porto-

Alegre). Suas idéias revelam altitude, enquanto que formalmente há deficiências.

Parece haver assimilado pela metade algumas influências estrangeiras, o que lhe

explicaria o caráter vacilante. É um caso único, sua poética não se aproxima da de

nenhum outro contemporâneo.113

Juvenal Galeno teria sido o poeta mais talentoso vinculado a uma sensibilidade

popular. Seu defeito é a falta de cultura, o que lhe impede de alcançar posições mais

elevadas. O gênero que utiliza revela deficiência pois não reproduz a estética popular

nem assume uma posição mais afastada e idealizada.114

Pedro Luís e Fagundes Varela merecem ficar em uma fase distinta na

classificação da História da literatura brasileira.

Pedro Luís celebrizou-se por haver escrito quatro poesias célebres. Romero

afirma que sua fama literária se deve a sua excelente condição social e financeira.

Tem talento mediano. Suas incorreções são a alegorização excessiva e o tom

declamatório. Seus méritos seriam a defesa da democracia e do liberalismo, cantada

em tom adequadamente furioso.115

Fagundes Varela, poeta de grande importância, posiciona-se na confluência das

correntes byroniana, sertaneja e hugoana. Seu temperamento agitado e inconstante

patenteia-se em muitas de suas composições. É próprio dele a tendência ao sonho, ao

quimérico e à fuga da realidade. Para o espirito científico de Romero, entretanto, isso

não é necessariamente ruim. A ilusão proteger-nos-ia da dureza excessiva da vida. É

113 ROMERO, S. (1960) p. 1128-1131.114 Ibidem. p. 1131-1135.115 Ibid. p. 1148-1156.

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a fantasia e a idealização que fazem dele um grande poeta. Sua poesia revela

espontaneidade, bons dotes musicais e imagéticos.116 Romero não julga que a poesia

sertaneja seja o aspecto mais importante da produção literária de Fagundes Varela:

Outra falsa caracterização do poeta é a que o apresenta como sertanista, bucolista por índole e tendência irresistível.

(...) Varela, que viajou as regiões marítimas do Brasil, as regiões das matas e as regiões dos sertões, dedicou alguns cantos às cenas que mais o cativaram por todas elas.

À vida sertaneja couberam as duas poesias encomiadas pelo crítico, Tal foi e nada mais.

Não é isto suficiente para constituir-lhe a característica especial e dar-lhe alto posto num gênero em que ele dificilmente poderia lutar com Bittencourt Sampaio, Joaquim Serra, Bruno Seabra, Trajano Galvão, Melo Morais Filho e outros já lembrados neste livro.117

Quanto a Luís Gonzaga Pinto da Gama, é digno de nota sua verve abolicionista e

suas poesias satíricas. Rosendo Moniz Barreto seria apenas um poeta mediano.118

Ao tratar dos chamados condoreiros, o primeiro a ser lembrado é Tobias Barreto de

Meneses. Além de haver produzido algumas das mais belas poesias da língua

portuguesa, sua filiação à escola Recife lhe favorece, pois que esta fase condoreira

teria sido a mais nacional que já tivemos no âmbito do literário. Sua espontaneidade

é ao mesmo tempo virtude e motivo de incorreções. Suas qualidades são múltiplas:

objetividade, delicadeza, força, graça, originalidade, sinceridade, grandeza de

sentimento, além de outras mais abstratas e subjetivas.

Ao par das últimas correntes filosóficas européias, Tobias Barreto incluíra em

sua lírica indagações acerca do homem contemporâneo. Quanto à forma, teria

inovado ao empregar uma linguagem mais impetuosa e arrebatada, em que se nota

mais movimento, além de imagens impressionantes. Artisticamente alcançara a

excelência.119 Quanto à poesia sertaneja, também a teria praticado com talento:

116 Ibid. p. 1156-1165.117 ROMERO, S. (1960) p. 1160-1161.118 Ibidem. p. 1165-1179.119 Ibid. p. 1191-1272.

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O Brasil guerreiro, porém, não ocultava às vistas do poeta o Brasil popular, na ingênua e deliciosa rudeza. Os tabaréus, Trovadores das Selvas, Ano-Bom são disso a prova. (...) tinha, como bom brasileiro, de empunhar a viola campesina e cantar algumas de nossas lendas, quaisquer de nossos costumes, no estilo despreocupado das coisas plebéias.

Se o não tivesse feito não teria sido o grande, o completo poeta que nele admiro.120

Embora lhe dedique alguma atenção e lhe reconheça o talento, Romero procura

deixar claro que Castro Alves não é o líder dos condoreiros. Sua originalidade estaria

no fato de abrir mão de interesses particulares para entregar-se à causa abolicionista,

seria por isso um poeta “socialista”. Do condoreirismo do autor de “Navio negreiro”

não lhe agrada o lado hiperbólico e os arroubos que fizeram a delícia do público.

Romero prefere suas poesias em que a beleza se manifesta na simplicidade.121

Romero trata resumidamente do liberal e defensor do progresso Vitoriano

Palhares. Portador de um talento espontâneo, seu lirismo desdobrar-se-ia em três

modalidades: subjetivo, patriótico e filosófico. Suas melhores realizações são as

poesias patrióticas, em que dá mostras de possuir originalidade e força descritiva.122

Ao apresentar Alexandre J. Melo Morais Filho, Romero descreve-lhe

detidamente vários episódios de sua vida, fazendo com que percebamos sua

importância como pesquisador de nossa cultura popular. As principais características

de sua poesia são a objetividade e o caráter nacional, que se realiza de modo

consciente e planejado. Melo Morais deveria ser incluído entre os melhores poetas

brasileiros por seu talento imaginativo, sentimental, pictórico e formal.123

Apesar do juízo positivo, Romero reprova o fato de Melo Morais não procurar

fazer suas pesquisas sobre a cultura nacional fora do Rio de Janeiro:

Melo Morais tem em alta escala o sentimento nacional; porém nunca saiu da cidade

120 Ibid. p. 1267-1268.121 ROMERO, S. (1960) p. 1286-1298.122 Ibidem. p. 1298- 1301.123 Ibid. p. 1302-1326.

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da Bahia, onde passou a infância, e da cidade do Rio de Janeiro, onde reside hoje, dois centros quase inteiramente impróprios para o estudo de tudo quanto se refere ao nosso povo.

Este só pode ser com proveito inquirido e investigado nas vilas e aldeias do interior, nas fazendas, nos engenhos, nos sítios agrícolas, nos sertões, nas praias de pescadores, etc. Melo Morais tem andado fora de tais recursos e meios de análise.

Tudo quanto é possível colher aqui no Rio entre as classes proletárias, ciganos, negros, velhas pedintes... ele tem procurado entesourar. Isto não basta. Ele não viu nunca o povo no seu trabalho, nem no seu folgar no interior do Brasil.124

A obra poética de Luís Caetano P. Guimarães Júnior divide-se em duas fases. Na

primeira haveria mais espontaneidade e alma, enquanto que a segunda seria

caracterizada pelo apuro formal. Seu lirismo tende ao subjetivismo. Pouco utiliza o

assunto nacional além de ter sido um homem que se absteve do combates de sua

época, principalmente no que se refere à bandeira do progresso.125 Poucas poesias

tratam do sertão: “Os Sonetos e rimas trazem no gênero apenas A sertaneja; os

Corimbos apenas a Choça do lenhador.”126

Luís Delfino dos Santos parece não ter os requisitos necessários para a atividade

literária. Embora tenha imaginação, lhe falta sentimento. Sua produção é irregular, a

tender para a loquacidade e amaneiramento. Os versos são mecânicos e a forma

hugoana degenera para a sonoridade excessiva e repetitiva. Apesar desses defeitos,

como que arrependido da excessiva severidade de seu juízo, Romero aponta-lhe as

virtudes: além da imaginação, possuiria linguagem elevada, léxico variado e beleza

plástica.127

Tentemos acompanhar os critérios utilizados por Sílvio Romero na seleção dos

poetas. Influenciado pelas idéias evolucionistas de seu tempo, o crítico vê o terreno

da consagração literária como extensão da luta pela vida, em que só os fortes

124 ROMERO, S. (1960) p.. 1314.125 Ibidem. p. 1326-1338.126 Ibid. p. 1333.127 Ibidem. p. 1338-1349.

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sobrevivem, por isso, os artistas com constituição física e psíquica frágil ou doentia

são sempre observados com um olhar de suspeita clínica. Felizmente ele não segue

esse receituário à risca, o que permite a Álvares de Azevedo e a Casimiro de Abreu

salvarem-se. Por outro lado, externando sempre um caráter positivo e afirmativo,

associado certamente à euforia contagiante dos novos tempos liberais, republicanos e

do avanço da técnica, não pode ver a existência “patológica” desses sujeitos como

uma doença de toda a sociedade, ou como um alerta para uma possível correção do

rumo da civilização. A melancolia ultra-romântica, no seu entender, está mais para

modismo e pose literária, quando não uma forma elegante com que os derrotados da

vida gastam o tempo que lhes resta. A impressão que se tem é a de que enquanto os

poetas da dúvida cantam, a marcha da humanidade segue triunfante com suas

conquistas espantosas.

Romero simpatiza-se pelos poetas que estão fora do circuito Rio e São Paulo,

segundo ele, haveria uma tendência preconceituosa da crítica para com os artistas das

províncias do Norte. Acreditamos que, neste ponto, embora tenha feito pontaria em

outra parte, Romero acabe acertando o alvo. Retornaremos à questão, neste momento

vale notar que o que é visto meramente como preconceito e má vontade, na verdade

implica em um enquadramento mais complexo, relacionado à interferência dos

fluxos de cultura na formação do gosto e na fruição estética.

Esta questão relaciona-se ao nacionalismo em literatura. Romero defende, ainda

que de maneira inocente e simplista, as obras em que ele reconhece a brasilidade. É

por isso que os poetas das províncias, mais propensos a representarem as

particularidades de seu meio, acabam sendo por ele favorecidos. Romero,

erroneamente, faz, quase sempre, a identificação da nacionalidade a partir da

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temática e não consegue ver que a brasilidade é algo mais relacionado à sensibilidade

interior. Por esta razão os poetas mais subjetivistas, que recusam-se a cantar o meio

circundante, deverão sofrer suas restrições. Por outro lado, o crítico acerta muitas

vezes, ao exigir uma linguagem mais simples e natural, que soe de maneira familiar

aos nossos ouvidos. A maior aproximação às fontes populares também implicaria em

uma maior grau de nacionalismo.

Um processo semelhante ocorre em relação à origem social. Romero mostra

haver predileção pelos desfavorecidos. Embora a situação financeira não interfira de

modo tão direto no produto artístico, é certo que os representantes das instâncias

legitimadoras e da intelligentsia nacional tendiam a ver favoravelmente os produtos

identificados com a alta cultura, que, por sua vez, dialeticamente articulavam-se com

a produção artística européia. Os escritores oriundos dos estratos sociais mais baixos

ou cuja poética neles se inspirasse certamente teriam dificuldade nesse contexto.

Seria preciso que aguardássemos o modernismo para que essa barreira fosse, ainda

que parcialmente, transposta.

Romero exige dos poetas a escolha de assuntos elevados. Geralmente tende a ver

de modo favorável aqueles que demonstram algum altruísmo, engajando-se nas lutas

espirituais de seu tempo. A postura combativa é a que melhor caberia a um artista:

“ser escritor é perseguir um ideal, é traçar um plano de jornada e ir por ele em fora, é

defender uma causa, é ter o instinto da combatividade literária e científica sempre

alerta”.128 Isso se deve, mais uma vez, ao evolucionismo e a outras ideologias da

época, que concebem a atualidade histórica como uma luta pela sobrevivência. O

crítico não consegue ver que os tímidos, os que adotam uma postura neutra ou

128 ROMERO, S. (1954) p. 1341.

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reticente, ainda que não sejam os típicos combatentes, também atuam no cenário.

Sílvio Romero mostra-se atento ao lirismo sertanejo, tanto o dos poetas do Sul

quanto o das províncias do Norte. Em sua História da literatura brasileira esse

registro é freqüente porque satisfaz a necessidade de nacionalismo, tende mais para a

objetividade ––outro critério caro a Romero ––, denota um roteiro de aproximação às

fontes populares e de fuga do foco de interesse dos grandes centros brasileiros. Além

disso, essa sensibilidade poderia ser uma alternativa ao indianismo. Ora, segundo ele,

a raça indígena, por ser mais fraca, estaria fadada ao extermínio, portanto, esta via,

mais cedo ou mais tarde, se esgotaria. Porém, como Romero exige do escritor

respeito ao vernáculo e cultura (clássica, filosófica e científica), as formas

espontâneas próprias da cultura sertaneja não poderão ser diretamente utilizadas,

devendo primeiro ser trabalhadas e convertidas à alta cultura.

Embora o juízo crítico de Sílvio Romero apresente deficiências e muitas de suas

idéias de base tenham sido completamente superadas, há alguma ciência na atenção

que concede à lira sertaneja. Esta sensibilidade fora forjada longamente desde o

início da colonização e certamente correspondia, como ainda corresponde, ao modo

de sentir de boa parte da população. E embora o sertanejismo não tivesse privilégios

para colocar-se como paradigma da brasilidade, por outro lado podia afirmar-se

naturalmente como nosso produto cultural.

Romero parecia descortinar um futuro glorioso para o Brasil. Depois de cem

anos, pouco aconteceu em relação à mudança de vida de grande parte da população.

Então, esta continua manutenção do Brasil com baixos índices de desenvolvimento

humano acabou sendo um fator favorável para que a mundividência sertaneja e

provinciana ganhasse fôlego. Não que uma população bem alimentada, escolarizada

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e saudável deixasse de ser sertaneja, mas certamente poderia, já que passaria a contar

um nova formação intelectual, abrir olhos e ouvidos para outras linguagens e

manifestações culturais. Hoje, por exemplo, no nordeste, para que músicas de

origens diversas possam ser apreciadas, elas necessitam obrigatoriamente

converterem-se ao estilo e ao ritmo do forró.

2.4.Fatores determinantes no início da formação do cânone romântico

No primeiro quartel do século dezenove, juntamente com a centralização do

poder por parte do Imperador e o estrangulamento do liberalismo, o perfil social do

estadista mudou. Antes, durante o período da Regência, eram os oligarcas

açucareiros e representantes da desgastada elite aurífera mineira a vir de longe

exercer seu mandato na Corte. Agora, após o Golpe da Maioridade, este contingente

fora substituído por cafeicultores e traficantes de escravos, um grupo com bases

permanentes na corte. A influência crescente destes últimos transforma a imprensa

em mero porta-voz dos interesses da classe.129

Nessa época, acompanhando as mudanças políticas, ocorre a consolidação do

prestígio de alguns "homens de letras" e da própria estética romântica, através da

"conjugação entre imprensa e literatura"130, que se estenderia até o século seguinte.

Esta era outra forma segura de conquistar o abono universal, além da fórmula mais

conhecida da obtenção do título de doutor.131

Alcindo Guanabara, jornalista da época, chega a afirmar que durante a década da

129 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1977. p. 208-209.130 Ibidem p. 210.131 VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. 5 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969. p. 136.

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minoridade "a história do Jornal do Comércio se confunde com a história do

reinado". Lá estavam os grandes políticos, letrados e artistas consagrados.132 Num

período um pouco posterior, havia o prestigioso Correio Mercantil, que pertencia a

Muniz Barreto e era dirigido por seu genro, Francisco Octaviano de Almeida Rosa.

Manuel Antônio de Almeida também era jornalista e José de Alencar talvez seja o

exemplo mais típico do letrado que trabalha na imprensa.

A oficina tipográfica de Paula Brito, "no antigo Largo do Rossio", tornou-se um

ponto de referência para a mocidade literária. Ali se defendia uma política patriótica

e a loja anexa era freqüentada por homens públicos e doutores. Nessas tertúlias,

como os homens nem sempre se comprometessem com a verdade, o povo acabou

dando à loja o perverso apelido de "A Petalógica".133

Pela Revista Popular passaram muitos de nossos românticos: Gonçalves Dias,

Joaquim Manuel de Macedo, Bernardo Guimarães e Gonçalves de Magalhães.

Henrique César Muzzio ajudou a dirigir o Diário do Rio de Janeiro. Trabalharam na

Marmota: Machado de Assis, que nela estreou em 1855, Teixeira e Sousa,

publicando seus romances e poemas, e Juvenal Galeno. José Maria do Amaral

escreveu para o Spectador Brasileiro e foi redator-chefe do Diário do Rio de

Janeiro.

O fenômeno se repetia nas províncias. Gentil Homem de Almeida Braga,

Joaquim Serra –– que se transfere para a corte mais tarde –– e Sousa Andrade

trabalharam na imprensa maranhense. Félix da Cunha colaborava na revista literária

O Guaíba, em Porto Alegre. Em São Paulo, Marques Rodrigues escrevia no

132 ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954. v. III, p. 865.133 VERÍSSIMO, J. (1969) p. 148.

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periódico literário Caleidoscópio, Francisco Quirino dos Santos n’O Livro, José

Bonifácio, o Moço, na Imprensa Paulista, Luís Gama no jornal liberal O Ipiranga134,

João Salomé Queiroga na Revista da Sociedade Filomática, A. de Azevedo editava a

Revista Mensal135 e Fagundes Varela publicaria na Revista Dramática e na Revista

da Associação Recreio Instrutivo, de sua propriedade.136

No entanto, passadas algumas décadas, muda o comportamento da imprensa em

relação ao Romantismo. A linha editorial do início do século XX, menos pelo que

realizou do que pela inércia e silêncio, influencia decisivamente o contorno do

cânone romântico. A casa Garnier, por exemplo, passara a ser dirigida de Paris por

Hyppolyte Garnier. Este senhor, segundo Lima Barreto, por usar o pistolão como

critério editorial, acabava "editando diplomatas". Que interesse poderia ter este editor

na publicação de uma obra romântica extemporânea, que saía sob a rubrica de um

nome ainda pouco conhecido? A oferta de títulos era limitadíssima nas escassas

livrarias. Muitos autores jamais seriam editados, passando a depender de pesquisas

posteriores para figurar, mesmo como secundários, no cânone do Romantismo

nacional.137

Outro fator determinante da consagração literária é a proximidade ou a

capacidade de se fazer conhecido na capital. Ainda que os poetas fossem

consagrados em suas províncias, seu mérito sempre seria posto em xeque, enquanto

o Rio de Janeiro não desse seu aval ao escritor oriundo dos lugarejos do interior.

Muitos poetas, após o estágio em suas regiões, rumarão para a corte em busca de

134 COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Sul Americana, 1956. v. II, p. 319.135 SODRÉ, N.W. (1977) p. 225.136 Ibidem. 347.137 Ibid. p. 347.

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uma consagração definitiva.138

Durante boa parte do século XIX no Brasil, o Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro e seu protetor, o Imperador D. Pedro II, tiveram grande influência como

fomentadores, incentivadores e legitimadores das letras e das ciências.139 Muitos

escritores e poetas figuraram nos quadros da agremiação, protegidos pela simpatia do

soberano, que chegava mesmo a financiar estudos na Europa e edições de livros e

revistas.140 José Veríssimo afirma que todos os principais românticos ou eram sócios

do Instituto ou publicavam em sua Revista, acrescentando ainda que esta sociedade

exercia uma força unificadora141 Para tornar o quadro mais uniforme, a crítica ainda

incipiente da década de cinqüenta tinha um caráter "laudatório e louvaminheiro",

aprovando, ufanista, tudo o que os poetas nacionais versejavam.142 Um exemplo

disso é o fato de a produção ultra-romântica, marcada pela rebeldia e pelo caráter

subversivo, não ser vista com bom olhos pelos integrantes desse grupo, a começar

pelo soberano.143

Na sociedade brasileira de meados do século XIX, fazer poesia era uma espécie de

complemento indispensável aos senhores que almejassem alcançar a civilização.

Poetava-se por hábito, por vaidade. Era algo que fazia parte do relacionamento social

nos salões do Império. Com essa proliferação de vates, muitos chegariam a pretender

glórias literárias menos efêmeras que os aplausos de uma noite. Entre baforadas de

charuto, com a ajuda da crítica corporativista e “patriótica”, conseguiriam manter

138 SODRÉ, N.W. (1977) p.336.139 VIANNA, Hélio. Letras Imperiais. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1961. p. 36-37.140 Ibidem. p. 45.141 VERÍSSIMO, J. (1969) p. 127.142 Ibidem p. 135.143 FRÓES, L. (1990) p.53.

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seus nomes em um parnaso vacilante.

A esta altura de nossas letras, observamos dois movimentos opostos: de um lado,

o aumento do número dos nomes, ocasionado por juízos críticos quase sempre

complacentes, de outro, uma força tematicamente restritiva, imposta pelo monarca e

pelo Instituto Histórico de forma centralizadora e local, ainda que D. Pedro tivesse

preocupações de desenvolvimento cultural em âmbito nacional.

A D. Pedro "não escapava a significação nacional que poderia assumir o

movimento de renovação literária que então se processava no Brasil".144 Assim, para

a investigação das forças que compuseram o cânone romântico brasileiro, vale notar

a consolidação do nacionalismo como pedra de toque de nosso Romantismo. Escritos

de importantes críticos da época, como Santiago Nunes Ribeiro e Joaquim Norberto

de Sousa e Silva explicitam a lição. 145

Também contribui para a definição do cânone romântico a questão da identidade

nacional. Procurando formulá-la de maneira mais concreta, José Veríssimo detecta,

no que define como primeira geração romântica, um "matiz de tristeza", que,

confirmado e ampliado pela segunda geração romântica, nunca mais desapareceria

das letras brasílicas.146 Os poetas românticos buscavam assentar a base da literatura

brasileira. Cumpria fazê-lo de modo inequivocamente americano. Desta maneira,

ajudam a definir a nacionalidade e a identidade do brasileiro.

O comportamento do crítico e poeta Macedo Soares é sintomático. Ele via com

maus olhos o cosmopolitismo de Gonçalves de Magalhães e o byronismo de Álvares

de Azevedo, este último bastante diminuído em comparação "aos brilhantes

144VIANNA, H. (1961) p. 44.145 COUTINHO, A. (1956) p. 306.146 VERÍSSIMO, J. (1969) p. 128.

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resultados da escola nacional", chefiada por Gonçalves Dias.147 Estas precoces

restrições à poesia de Magalhães, ainda que movidas por patrulhamento ideológico

nacionalista, seriam confirmadas pela crítica. Esta avaliação de Macedo Soares deve

ser valorizada, pois, apesar da crítica desfavorável de José de Alencar ao poema “A

confederação dos tamoios”, com o ambiente crítico univocamente direcionado ao

patriotismo, Magalhães continuou a gozar da mais alta consideração. Além disso,

Magalhães já havia escrito boa parte de sua obra, tinha alcançado reconhecida

notabilidade social e possuía amigos que pertenciam à elite da sociedade do Império.

Teixeira e Sousa, poeta de condição mais humilde, não pôde desfrutar de igual sorte.

Seu poema de inspiração camoniana “A independência do Brasil” teve péssima

acolhida.148 Apesar de tudo, apelar para a pátria e para o sentimento de nacionalidade

tornou-se um modo corriqueiro de justificar-se esteticamente.149

Na crítica do período, Joaquim Norberto é um dos que procuraram valorizar

exageradamente o talento de nossos escritores, como forma de prestar serviço às

letras pátrias. Como poeta, Joaquim Norberto também pôde contar com uma crítica

que lhe fora favorável. Esta boa acolhida imediata não significou um reconhecimento

definitivo.150 Buscando a ocorrência de seu nome em onze antologias poéticas,

notamos que figura apenas em três delas: no pródigo Mello Morais, no também

exaustivo Péricles Eugênio e em Magaly Gonçalves, que reconhece não haver

utilizado critério puramente estético.151

Um caso interessante também é o de Casimiro de Abreu. Suas Primaveras (1859)

147 COUTINHO, A.(1956) p. 310.148 Ibidem p. 312.149 VERÍSSIMO, J. (1969) p. 148.150 Ibidem. p. 142.151 GONÇALVES, Maria Magaly T. Antologia de antologias. São Paulo: Musa Editora, 1995. p.

32.

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tiveram receptividade ímpar nas letras nacionais, mesmo assim, ainda durante a

terceira geração romântica, esta popularidade o acaba prejudicando. José Veríssimo

não chega a esclarecer completamente a questão: "os preconceitos que a vulgarização

de tais versos contra ele criou". Seja como for, o historiador literário não concorda,

defende o poeta de Barra de São João, louvando-lhe "a beleza de sensação e

expressão". Segundo ele, a reprovação a Casimiro seria "um estúpido desdém" e, ao

concluir, augura-lhe um futuro canônico. Oitenta anos após Veríssimo, o poeta passa

muito bem, à sombra de suas laranjeiras.152

A crítica de Sotero dos Reis também confirmaria essa tendência em valorizar os

artistas pelo fato de serem brasileiros.153

As reservas ao byronismo também viriam a ser constantes, apesar da grande

popularidade de Casimiro e do talento de A. de Azevedo. Essas críticas ora estavam

relacionadas com o culto ao fúnebre, ora com sentimentalismo postiço. Parece ficar

claro que as produções contemporâneas ou próximas às de Gonçalves Dias e Castro

Alves, nestes primeiros momentos da reflexão literária, eram consideradas mais

canônicas.

Retomando a crítica de Macedo Soares, identificamos outro mecanismo de

restrição do cânone, vinculado ao indianismo. Segundo o crítico, excetuando-se

Gonçalves Dias, a poesia indianista seria freqüentemente "ininteligível" (por conta

do vocabulário das línguas indígenas),"tudo exterior, falso e descorado , sem a luz do

sentimento".154 O crítico novamente teria acertado, pois já durante o século XIX

percebia-se que o índio, símbolo da identidade nacional, era incapaz de representar a

152 VERISSIMO, J. (1969) p. 208153 VERISSIMO, J. (1969) p. 174.154 COUTINHO, A. (1956) p. 311.

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sociedade nacional de maneira mais abrangente. João Francisco Lisboa também seria

um dos poucos a perceberem os exageros e desconformidades do indianismo,

embora sua crítica contivesse perigosas idéias eurocêntricas e preconceituosas. João

Francisco Lisboa argumenta que o indianismo produziria uma interpretação histórica

distorcida, gerando um sentimento de animosidade contra os nossos "genuínos

maiores" (brancos puros, portugueses). Esta reabilitação "quimérica e infundada" da

figura do índio atrasaria o progresso do Brasil, que ficaria então a depender "da

imigração da raça empreendedora dos brancos e da transfusão de um sangue mais

ativo e generoso."155 Com esta mudança de enfoque, somente a vigorosa e plástica

poesia de Gonçalves Dias pôde permanecer, uma vez que as deficiências das outras

tentativas estariam claramente patenteadas. Veríssimo concorda com Macedo Soares,

ao elogiar Os Timbiras e As Americanas, acrescentando que a poesia gonçalvina teria

sido a única a conseguir sobreviver "aos motivos ocasionais dessa inspiração e ao

gosto indianista do momento.156

Quanto à interferência de ordem social no temário romântico, observamos que o

casamento era assunto comum. Ligado à tradição do discurso amoroso, foi

condicionado pela maioria do público leitor, constituído em grande parte por moças

em idade de contrair núpcias e estudantes. Diante deste quadro de satisfação de

expectativas, a literatura tornava-se um agente de estímulo e reforço de papéis

sociais. Restava, portanto, pouco espaço para uma literatura que eventualmente

fugisse dos padrões. O cânone romântico, no que tange à temática, também se

acomodaria aos namoricos, segredos e juras graciosas.

Quando o Parnasianismo ainda se perpetuava em seus epígonos e a literatura se 155 VERISSIMO, J. (1969) p. 178.156 Ibidem. p. 166.

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tornava mais estéril, beirando a vacuidade e a retórica vazia, quebrada somente pelo

surgimento de vozes raras como a de Euclides da Cunha, o interesse dos letrados

passa a ser condicionado pelo chamado cosmopolitismo republicano. A França era o

modelo admirado e imitado. Se, em meados do século XIX, o Brasil fora a matéria

sublime que tanto entusiasmara e ocupara nossos escritores e poetas, agora isto já

não ocorre. Nossos intelectuais, em dia com as últimas tendências européias,

estavam muito impressionados com o progresso material e artístico europeu do início

do século, e viam com pouco encanto nosso país inculto e analfabeto.157Como esta

visão de mundo influenciou a crítica literária, a escola romântica, especialmente a da

primeira geração, perdeu prestígio. Perde força o romantismo de sabor local e

sertanejo, que cantava alegre e espontaneamente nossa natureza tropical e sempre

aformoseava nossas acanhadas matutas.

Outro motivo de censura a pesar sobre a produção romântica será o anseio

metafísico. Para José Veríssimo, a religiosidade explicitada nos poemas era apenas

um "cacoete literário", fruto de nossa histórica educação religiosa.158 Esta asserção

nos faz crer que os poetas que orbitavam ao redor de Gonçalves de Magalhães,

reconhecidamente religiosos, viriam a ser os mais afetados. Embora estejamos

analisando um estágio bastante inicial da evolução do cânone, já se percebe uma

intenção que viria a ser confirmada pelas rotas cada vez mais secularizadas do século

XX.

Desde o estabelecimento da Academia Brasileira de Letras, no final do século

XIX, à época das obras urbanísticas de Pereira Passos, o escritor passa a ter outra

imagem, mais disciplinada e metódica. A crítica passa a desconfiar de produções de 157 SODRÉ, N. W. (1977) p. 332.158 VERISSIMO, J. (1969) p. 133.

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literatos cujo critério de composição se revele tecnicamente deficiente. A boêmia

literária sofre severas represálias e é praticamente condenada à extinção. Assim,

fazendo valer retroativamente a comparação até meados do século anterior, mais um

estigma pesaria sobre os poetas românticos (especialmente os ultra-românticos), que

tinham a pecha de boêmios contumazes. 159

Dentro deste espírito crítico, os exegetas, que até então se mostravam pouco

atentos aos pequenos desrespeitos às regras gramaticais, tornam-se rigorosos, ainda

que eles mesmos não deixassem de "macular" o vernáculo. Alguns poetas

românticos, Casimiro de Abreu, por exemplo, teriam suas obras depreciadas por

eventuais incorreções lingüísticas.160

Aliás, a menor ou maior proximidade ao português castiço é, neste momento,

uma faca de dois gumes, pois, enquanto o poeta tido por incorreto é exposto à

vociferação da crítica, o vernacular corre o grave risco de ver-se isolado do grande

público. Isto de fato aconteceu, segundo Veríssimo, com os integrantes do grupo

maranhense. Sotero dos Reis, João Francisco Lisboa e Odorico Mendes foram

esquecidos, apesar de serem "preclaros modelos" clássicos e castiços, enquanto

Gonçalves Dias sobreviveu na "memória do povo" porque seus versos da “Canção do

Exílio” eram simples e populares.

Tendo em vista esses fatos, podemos dizer que se a imprensa, a crítica, os

institutos culturais estavam na capital do país (Rio de Janeiro), essa localização

geográfica talvez tenha contribuído para que a obra de arte identificada com o

ambiente e com a mundividência interiorana, sertaneja, não tenha encontrado

acolhida entusiasmada.159 SODRÉ, N. W. (1977) p. 338-339.160 VERÍSSIMO, J. (1969) p. 129.

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Ainda durante o século XIX pode já ter havido uma tendência cosmopolita por

parte da crítica literária que tenha contribuído para silenciar parte produção poética

do romantismo que tinha como tema os matutos, tabaréus, sertanejos, comparável à

que se percede durante o século XX?

O nacionalismo, embora pudesse ainda ser ingenuamente associado a elementos

exteriores de nosso meio e cultura, era um elemento fundamental para a canonização

literária ou para o sucesso. Tal fato tinha, inclusive, implicações políticas

importantes. O problema foi que, na medida em que compreendiam esse mecanismo,

muitos passaram a produzir poesias semelhantes. Se, do ponto de vista da arte, isto

não é grave nem estranho, do ponto de vista da cristalização e formação dos

símbolos e ícones de nossa cultura, não deixou de representar uma restrição que pode

haver contribuído para a consolidação de estereótipos.

Ainda durante o século XIX já se percebia que o índio, apesar de seu valor

simbólico e original, não podia representar uma cultura fundamentalmente diferente

da sua. Por isso, optou-se por criar uma arte brasileira mais natural, sem essa

vinculação necessária ao indígena. A partir daqui iríamos, portanto, passar a falar

simplesmente do brasileiro. Nessa passagem, contudo, talvez possamos haver

perdido um elo importante. Não a paternidade ancestral, patriarcal e certa do índio,

mas uma contribuição à semelhança de corrente subterrânea, efetiva e atuante, mas

menos facilmente detectável e que pode ser determinante para a estética.

2.5.Contribuições posteriores à formação do cânone do romantismo.

Dentro da historiografia literária brasileira, a obra de Antonio Candido

Formação da literatura brasileira (1959) tem grande importância. Muitas são as

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virtudes deste estudo e dele pode-se variadamente falar, como de sua potencialidade

polêmica ou de sua ampla utilização nas faculdades de letras de todo o país. E,

quando fazemos um retrospecto de alguns de nossos roteiros de leitura sobre

literatura, notamos que tivemos a surpresa de encontrá-lo em mais de uma via.

Nessas oportunidades, após consultá-lo, mesmo que não tivéssemos encontrado nada

de muito específico ou pontual sobre o que a princípio nos interessava, não seria

surpreendente vê-lo figurar em nota de pé de página, ajudando-nos a cumprir nossos

objetivos. Talvez por isso seja oportuno investigarmos o papel que Candido destina à

sensibilidade sertaneja na estética da poesia produzida em meados do século XIX.

Uma tese importante defendida por ele é a de que a literatura só de fato se inicia

a partir da consolidação de um sistema formado por três elementos fundamentais:

autor, obra e público leitor. Isso somente aconteceu no Brasil a partir do Arcadismo.

Portanto, a conclusão será a de que os árcades mineiros são os fundadores de nossa

literatura. Não nos interessa neste momento julgarmos esta afirmação e entrarmos no

caso polêmico do confisco do Barroco. É mais importante notarmos que essa opção

revela que esse “momento decisivo” é mais marcado pela incorporação e

entronização da colônia portuguesa em uma ordem maior, européia, ocidental e

civilizada. Os árcades mineiros tinham consciência do seu papel e da literatura no

sentido de promover a ilustração da rude colônia portuguesa. O movimento

romântico teria continuado esse processo de fornecer ao trópico uma literatura

civilizada. Dessa maneira, a produção romântica brasileira teve na tradição árcade

uma guia que evitou um mergulho mais profundo no mapeamento dos elementos que

compõem a mundividência do homem americano, uma vez que a linha de força

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clássica é eurocêntrica.161 Podemos, portanto, averiguar se esse ponto de vista

relaciona-se à teoria adotada por Candido naquela época.

A elaboração da Formação da literatura brasileira, como não poderia deixar de

ser , reflete o momento por que passa a teoria da literatura e as ciências sociais ao

final dos anos cinqüenta. Compreendendo as condições em que surge esse estudo de

Candido, se pode entender melhor a importância dada ao arcadismo, dos “momentos

decisivos”, talvez o mais decisivo:

A Aufklärung paulista, em suma, é o recorte em que convém se leia a Formação, em contraste com o nacional-desenvolvimentismo que nutria a inteligência carioca da época. É ela, afinal, que nos pode abrir a porta para a compreensão da valorização do Arcadismo e do que ele deixou como herança para a literatura que se formava sob o signo do Romantismo. É aqui que as pontas da história se tocam: se no Romantismo toma forma um ideal de civilização que deve aos árcades “ilustrados” o empenho de se fazer uma literatura integrada ao Ocidente, esse ideal é, de certa forma, retomado pela ilustração paulista e pelo Candido dos anos 40/50.162

A conseqüência disso é que sua revisão do passado literário harmoniza-se a um

futuro ainda muito promissor que a recente industrialização apontava para o estado,

que ainda não começara a colher de maneira tão intensa as mazelas decorrentes do

crescimento econômico. Nesta correspondência, a Ilustração árcade mineira deverá

corresponder à racionalidade requerida pelas adventícias indústrias de capital

internacional. Assim como o arcadismo no Brasil adequava seu discurso ao modelo

que lhe oferecia a tradição (Os árcades eram formados intelectualmente na

metrópole.) para também incluir a nós, colônia, entre aqueles que se expressam

artisticamente e que portanto, ainda que não sejam europeus tenham direito ao canto.

Assim como no Brasil, após a instalação da indústria siderúrgica e da realização

de grandes obras de infra-estrutura o Brasil com Juscelino pretende enquadrar-se em

161 WEBER, João Hernesto. A nação e o paraíso. A construção da nacionalidade na historiografia literária brasileira. Florianópolis: Editora da UFSC, 1997. p. 105; 109.162 WEBER, J. H. (1997) p. 111.

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um regime produtivo mais moderno. Ao mesmo tempo, canais de televisão nacionais

associam-se a grandes grupos de comunicação norte-americanos. Surgem programas

como o “Amaral Neto, o repórter”, cujas excursöes pelo Brasil, curiosamente,

acompanhavam o desbravamento (O tom está sim impregnado de colonialismo) das

novas fronteiras que se abriam para o Brasil. O que não se conseguia esconder,

porém ( a impressão que temos é até de que não se o quis, dado o tom triunfalista e

ufano das modulações de voz de Amaral), era que o repórter era o porta voz dos que

o mandaram ali, também favoráveis ao crescimento, ao desenvolvimento, à expansão

do país, que se materializava apoteoticamente, ao gosto Cecil B de Mille, naquelas

obras grandiosas.

Tais fatos seriam agentes promovedores de predomínio de caracteríesticas mais

asperamente impessoais, racionais e planejadas. Isto pode ser percebido por,

exemplo, na passagem dos anos setenta para os oitenta. Nos anos setenta, com a

contracultura, temos o canto esperançoso da utopia e de uma nova fraternidade

(brotherhood). Este sonho agonizaria na década seguinte com o claro enquadramento

dos diferentes. Ao jovem, apesar de sedutora, a postura rebelde passa a parecer

pouco prática. Nos anos oitenta o afastamento ainda é maior. Há já um modelo de

jovem profissional de sucesso que seduz de fato. Ainda e mesmo porque muitas das

expectativas formadas nos anos setenta não se concretizariam. O processo que

descrevemos pode ser ilustardo, no primeiro caso, com o surgimento dos hippies, e,

no segundo, com os yuppies.

Como isso interferiria no que se refere ao âmbito literário? O que disso podemos

vislumbrar a partir do Candido de final dos anos cinquenta? O que podemos deduzir

de seu intuito de atrelar a independência nacional ao domínio dos códigos da tradição

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ocidental.163

Procuramos, portanto, dramatizar e conjecturar sobre algumas forças que poderiam

ter agido sistematicamente sobre a reflexão de Antonio Candido. Isso para que

conhecêssemos alguns dos fatores que intervieram em seu juízo sobre a poesia

sertaneja de um Fagundes Varela e de outros poetas do período. A julgar por uma

hipótese meramente lógica, é certo que a poesia roceira do autor do “Cântico do

Calvário” não poderia ser bem acolhida tendo em vista o travejamento e o

direcionamento da Formação.

Chegamos a essa conclusão também a partir de algumas de suas afirmações

como, por exemplo, esta a respeito do byronismo:

Quando, porém, os jovens tentaram criar artificialmente um estilo de vida byroniano e copiar o tom dos seus livros, o resultado foi quase sempre desastroso. Os estudantes de São Paulo, com suas blasfêmias exteriores e retórica decorada, suas pobres orgias à luz da lamparina, regadas de cachaça, ao som da magra viola sertaneja, não criaram atmosfera para outra coisa senão a paródia.164

Será que somente a corrente byroniana teria sido artificial? Aliás, em âmbito

cultural, o que acontece “naturalmente”? Não estamos no momento questionando o

juízo de Candido quanto ao fato de a realização ser desastrosa ou não, entretanto,

acreditamos que o crítico mineiro, aqui, tenha exagerado. Por que as orgias dos

estudantes seriam pobres? Eles não eram estudantes oriundos das famílias

endinheiradas? Além disso, não é necessário muito para satisfazer as necessidades de

uma boa farra de república, mesmo assim, por que considerá-las pobres? Também

julgamos haver detectado nuanças do conhecido complexo do vira-lata. Por que a

cachaça perderia quando confrontada ao conhaque, a bebida mais consumida pelos

românticos? O fetichismo às coisas estrangeiras em nossos poetas falaria mais alto

163 WEBER, J. H. (1997) p. 112.164 CANDIDO, A. (1975) p. 188-189. Embora colhido no texto original, o interesse por essa passagem foi-nos despertado pelo ensaio de Leonardo Fróes.

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do que a alta graduação alcoólica? Não teriam eles a capacidade evidente de uma

imediata adaptação, que pudesse até ser interessante? Para terminar, notamos a

ausência de euforia quando se refere ao instrumento mais representativo da música

sertaneja: Por que a viola é magra?

Além de A. Candido, outro momento da crítica em que acontece um processo

semelhante seria o revisionismo patrocinado pelos teóricos do concretismo:

(...) uma preocupação que historicamente sempre foi o mal necessário das vanguardas: o da “descoberta” profética, do compromisso mais com o futuro do que com a urgência do presente. (...) Com efeito, com o passar do tempo, esses poetas, em nome do futuro, realizavam prospecções na historiografia literária; “reabilitaram” (assim como fizeram com Oswald) Sousândrade, Kilkerry, em revisões de competência crítica inegável, mas que sempre procuravam desenvolver, a seu modo, sectariamente, um vínculo obrigatório que desembocava como num passe de mágica na teoria da poesia concreta. (...) A evolução do processo da poesia brasileira não congregava, como iria acontecer depois, as mais variadas influências: era, em contrapartida, um ascético e coerente percurso, elitista e excludente, que culminava –– obrigatoriamente –– na poesia concreta.165

Juízo semelhante expressa João Luiz Lafeta, ao analisar a obra de Ferreira

Gullar:

Seus “Poemas Concretos/Neoconcretos”, escritos entre 1957 e 1958, além de estarem entre os mais belos que a nova poética produziu, testemunham o instante de atualização da cultura brasileira: a construção do poema deixa de ser o exercício de tensões subjetivas, projetadas na linguagem, para procurar a objetividade do produto acabado, mercadoria no universo do consumo. Poesia e indústria, construtivismo e desenvolvimentismo, mundo de objetos e criação de um mercado nacional, orgulho da poesia-exportação e nacionalismo. A racionalidade literária nascida em São Paulo é paralela ao esforço racionalizador do grande capital, que procura modificar as estruturas do Brasil. O plano-piloto da poesia concreta lembra o cimento armado de Brasília, o nosso crescimento urbano, a virada que esvaziará os campos e concentrará as grandes massas nas cidades.166

Como podemos perceber, por motivos distintos, tanto a historiografia literária

patrocinada pela vanguarda concretista quanto a Formação de Candido terminam por

excluir a facção sertaneja do cânone da poesia romântica. Embora os concretistas

tenham valorizado a poética de um Oswald de Andrade, que incorpora os elementos

165 FREITAS Filho, A. (1979) p. 94.166 LAFETÁ, João Luiz. Traduzir-se (ensaio sobre a poesia de Ferreira Gullar). In ZILIO, Carlos, LAFETÁ, João Luiz, LEITE, Ligia Chiappini Moraes. Artes plásticas Literatura. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 59-60.

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da sensibilidade caipira e interiorana, dentre as produções vinculadas ao romantismo,

preferiram dar destaque a Sousândrade, cuja poesia tem um caráter formalmente

mais inovador.

Paralelamente a esse processo, a consolidação canônica de outros poetas

continuava a acontecer –– e quanto a isto não fazemos qualquer juízo negativo ––

assim como a recepção e assimilação de seu legado pelos poetas dos séculos

Na XIX, XX e XXI. Alguns desses poetas e algumas poesias passaram mesmo a ter significação especial para a cultura e a literatura brasileiras. É o caso, por exemplo, de Gonçalves Dias e de sua “Canção do exílio”, texto e palimpsesto da cultura brasileira. tradição literária, a Canção acabou por funcionar como um retrato do Brasil, ainda que o país seja representado de maneira bastante estilizada, como se viu, mediante imagens recorrentes na tradição literária ocidental. (...) é curioso o papel de retrato do Brasil que a Canção veio a exercer. Nesse papel, o poema dialoga com toda a tradição literária colonial e nacional que, antes dele, procurou construir um retrato do Brasil. Ao mesmo tempo, o poema também dialoga com toda a tradição literária nacional que, depois dele, vem procurando discutir o retrato idealizado que aparece no poema. Nesse sentido, a Canção é –– ao mesmo tempo –– ponto de convergência e divergência.167

Os autores que dialogam explicitamente com o texto gonçalvino são o romântico

Casimiro de Abreu (1856), o poeta goense Pedro António de Sousa (1882), Juó

Bananére (1924), Guilherme de Almeida (1925), Oswald de Andrade (1925), um

enigmático Fiktor Konder (1930), Ribeiro Couto (1939), Carlos Drummond de

Andrade (1945), Cassiano Ricardo (1947), Cumprido, Leleo e Zagaia, compositores

mangueirenses, autores do samba “Gonçalves Dias” (1958), Torquato Neto (1967),

Chico Buarque, letrista da música Sabiá (1968), Murilo Mendes (1965-1966),

Cacaso (1974), Stella Leonardos (1974), Carlos Felipe Moisés (1975), Glauco

Mattoso (1978), os compositores Moraes Moreira e Beu Machado (s.d.), Eduardo

Alves da Costa (1982), Régis Bonvicino(1987), Ruth Rocha (1987), José Paulo Paes

(1988), Maria Helena Nery Garcez (1988), Jô Soares (1992).168

167 CAMARGO, Luís. A canção do exílio e sua tradição. Revista da Biblioteca Mário de Andrade. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, v.58, p. 184-185, jan. dez. 2000.168 CAMARGO, L. (2000) p. 186-197.

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Ainda que um tanto óbvio e previsível, o impacto da obra de Gonçalves Dias e a

interferência de seu trabalho podem assinalar uma trajetória de possíveis leituras da

produção poética do romantismo. Embora esta recolha não seja exaustiva,

certamente possui elementos suficientes para acompanhar o diálogo que se

estabeleceu entre a obra gonçalvina e diversos momentos da poesia e da cultura

brasileiras. A exemplo desse, podemos também, com razoável segurança, indicar a

existência de uma tradição sertaneja, que, anterior ao romantismo, com ele ganha

corpo e definição, evoluindo posteriormente até a contemporaneidade. Embora não

possamos neste trabalho apontar todos seus marcos e balizas, temos, contudo,

assinalado elementos que provam sua existência e tendência de continuidade como

uma linha de força importante de nossa poesia.

Apesar dessa possibilidade futura, o que se constata é algo oposto. A falta de

prestígio dos autores românticos, especialmente os que se inspiraram em fontes

populares também fora indicado por Álvaro Lins em 1941, segundo afirma Leonardo

Fróes:

O futuro imediato não confirmou a previsão feita por Lins: em vez de se tornar neo-romântico, o Brasil derivou rapidamente, desde o começo da década seguinte, para o modelo industrial moderno e a estética de reposição que esse modelo fomenta. Nem por isso no entanto o ensaio perde a validade, pois muitas de suas outras afirmações são úteis à abordagem do tema. Referia-se o autor, por exemplo, ao “deliberado desdém com que os meios literários vinham tratando, até há pouco, os autores românticos de mais extenso sucesso” para mostrar que havia um desencontro, refletido nessa atitude, entre o gosto da elite e o prazer popular.169

O que se depreende a partir da leitura da poesia de Varela é que tivesse

propensão a condenar o saber institucionalizado quando este contrariava suas

convicções íntimas. Podemos supor também que preferisse um conhecimento mais

espontâneo, livre e direto, adquirido no contato com a natureza, numa vida exercida

169 FRÓES, L. (1990) p. 130.

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em plenitude. Essa busca do saber incluiria o devaneio, o delírio e o êxtase. A cultura

formal, portanto, pareceria-lhe retrógrada e falsa, no fundo preocupada com as

aparências.170

Voltemos a Antonio Candido. Seus estudos literários dos anos setenta

procurariam incluir em suas análises fatores decorrentes no novo posicionamento do

homem latino-americano que procurava ajustar-se à nova ordem mundial. Para isso,

concentrará sua investigação em um núcleo a que se convencionou chamar de teoria

da dependência. Tais reflexões surgem no texto de “Literatura e

subdesenvolvimento”.

Candido afirma que a literatura, nas condições brasileiras, é um produto para

poucos. Tomando os anos cinqüenta como marco, afirma que antes disso a

intelectualidade não tinha consciência total dos mecanismos que nos colocavam em

atraso em relação às outras nações. Isso acontecia porque ainda se pensava ser

possível modificar esse estado de coisas pela instrução e pela semeadura de livros. O

intelectual brasileiro, por sua vez, percebendo as deficiências na formação

educacional do povo, procurava naturalmente conectar-se aos seus pares europeus.171

Após os anos cinqüenta a reflexão amadurece. A intelligentsia toma consciência

do subdesenvolvimento e passa a rejeitar a antiga vassalagem cultural. Como

resultado disso, as chamadas influências, que induzem ao estabelecimento da

hierarquia entre as civilizações européia e brasileira, serão substituídas por uma nova

nomenclatura que revelará a intenção de buscar uma igualdade nas relações com o

chamado Primeiro Mundo. Se na Formação se vislumbrava ao final do processo o

encontro entre as culturas latino-americana e européia, agora a ênfase recai sobre os 170 Ibidem. p. 65.171 CANDIDO, Antonio. A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987. p. 148.

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aspectos em que esse encaixe não se dá.172 Um exemplo dessa produção crítica é o

ensaio o “O entre-lugar do discurso latino-americano” de Silviano Santiago.

Após a Segunda Guerra Mundial, com a divisão do mundo nas áreas de

influência norte-americana e da União Soviética, a América Latina e especialmente o

Brasil deixarão de ter como referência a Europa. O pensamento nacional-

desenvolvimentista esgota-se e, por pressões norte-americanas, ainda durante o

governo de Juscelino, opta-se pelo caminho da internacionalização da economia

brasileira. O Brasil inseria-se na nova ordem mundial sob a tutela dos yankees, que

investiram pesado na economia nacional. Tal sistema seria garantido pelo regime

ditatorial. Armando Freitas Filho diria sobre esse tempo:

O sol, sem dúvida, ficava lá no alto e sua luz iluminava apenas os quartos da solidão e do exílio em Buenos Aires, Brasília e Rio. Os girassóis resistiam. Mas todos já sabíamos, embora se apregoasse o contrário em alto e bom som, nos rádios e nas TVs, que o Brasil não era feito por nós.173

Diante dessa nova conjuntura, surgem ensaios que procuravam estabelecer as

relações entre estas condições macroeconômicas e os fenômenos sociais e culturais

brasileiros. Em comum eles terão um núcleo: a chamada “teoria da dependência”. À

luz deste enfoque, portanto, não mais se propunha uma independência de caráter

absoluto. Era possível salientar nossas especificidades e dissonâncias ao mesmo

tempo em que se constatava nossa atrelagem ao sistema econômico internacional,

nele desempenhando um papel secundário.174 Ainda nos anos oitenta, a música

popular brasileira registraria o fenômeno:

É a última moda que chegou de Nova YorkE deve ser bom como tudo que vem do norteA sua mãe vai gostarO seu pai vai achar moderno

172 CANDIDO, A. (1987) p. 155.173 FREITAS Filho, A. (1979) p. 115.174 WEBER, J. H. (1997) p. 147.

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É mais quente que o infernoEssa onda é de morte

New wave, patins, lennon and tennis nikeWalkman, big mac, fender strato casterVai pegar, vai pintar até na novela das oitoE você vai copiar, vai copiar, vai copiar

Aids, não tente colocar band-aids.175

Alfredo Bosi também aborda a questão. Para ele, a produção cultural brasileira se

vê impelida, num primeiro momento, a repetir os esquemas da tradição européia,

mas, quando o artista vai realizar sua tarefa, talvez por pressão do meio americano,

ele acaba inserindo algo em sua obra que não constava no plano original da matriz.176

Dessa maneira procura o autor da História concisa dar conta também do

pertencimento à ordem brasileira e européia. Seu estudo interessa-nos

particularmente pelo fato de localizar, dentro do esquema da teoria da dependência,

as produções culturais não sintonizadas à alta cultura.177 É a partir desta produção, ou

melhor, de sua reelaboração praticada pelo artista letrado que surgirão

manifestações, como, por exemplo, a poesia cabocla de Fagundes Varela. Bosi

rompe de vez com o intuito unificador das manifestações culturais brasileiras,

expondo, de maneira clara, suas múltiplas vozes, determinadas, segundo ele, em

decorrência das razões de classe e de raça.178

João H. Weber procura sintetizar o que se passava naquele momento:

(...) os anos 70 dialetizam as relações entre “centro” e “periferia”, e as politizam, inclusive, pelo caráter de classe que se lhes atribui. Definitivamente, os anos 70 representam , nesse sentido, o fim da “Nação” constantemente reafirmada por um discurso ideológico integrador, que enfatizava a existência de uma cultura e de uma literatura homogêneas: nos setenta, não somente se apontam as clivagens socioculturais, pobres e analfabetos de um lado, a classe dominante de outro, com a cultura popular e arcaica “sob

175 JAIME, Leo. VERDEAL, Leandro. EMI; Sony, 1983.176 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 31.177 BOSI, A. (1992) p. 46.178 Ibidem. p. 272.

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o limiar da escrita” de um lado, a cultura oligárquica de outro, mas se dialetiza a própria cultura dominante, importada, que sofre dos impasses da dependência –– “no lugar” entre as elites, desde que filtrada, desbastada; “fora do lugar”, mas inevitável dependência, o país precisando com ela conviver.179

A partir daqui a teoria da dependência não parecerá conseguir responder às novas

conjunturas internacionais, principalmente àquelas decorrentes da iminente queda do

muro de Berlim e da derrocada do comunismo soviético. A década de 80 será o

tempo dos yuppies.

Sobre essa passagem, assim se expressa Frederic Jameson:

Ao mesmo tempo, penso que os dois níveis em questão, a infra-estrutura e as superestruturas –– o sistema econômico e a “estrutura de sentimento” cultural ––, de algum modo se cristalizaram com o grande choque da crise de 1973 (a crise do petróleo, o fim do padrão-ouro internacional, o fim, para todos os efeitos, das “guerras de libertação nacional” e o começo do fim do comunismo tradicional) e, agora que assentou a poeira, revela-se a existência de uma nova e estranha paisagem (...) 180

A partir daqui, o enfoque deixará de ser o eixo e as conexões entre nosso

chamado subdesenvolvimento e as determinações da economia imperialista. Passará

a haver uma espécie de consenso entre as diversas colorações ideológicas no sentido

de tentar compreender as razões de nosso atraso a partir do próprio país. Essa será

uma palavra de ordem, mais ou menos hegemônica que funcionará, grosso modo, até

o fim do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.

A partir daqui passaremos a viver uma situação semelhante à vivida pela Itália e

que foi explicitada na abertura deste estudo com a citação de Pasolini. Passaríamos

também nós, segundo a ideologia adotada, a tentar impor uma certa resistência às

forças homogeneizadoras da civilização técnica e burguesa neocapitalista.

2.6. O romantismo brasileiro e a idéia de nação.

179 WEBER, J. H. (1997) p. 164.180 JAMESON, Fredric. Pós-modernismo, a lógica cultural do capitalismo tardio. Ática, 1996, p. 24.

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Pode-se dizer que a independência do Brasil realizou-se em dois momentos

distintos. Primeiro houve a separação dos estados, o momento político, depois

procurou-se estabelecer uma diferença no âmbito cultural. Esse segundo movimento

teve contorno romântico, detectável no âmbito lingüístico, ideológico e nas

orientações da historiografia.181

O Romantismo brasileiro diferencia-se do europeu pelo fato de este dar vazão a

um sentimento de revolta contra os rumos que a civilização e o capitalismo

tomavam, enquanto que aqui estávamos em uma fase pré-capitalista, com a produção

dependente da mão de obra escrava. Portanto, era natural que nosso romantismo

tivesse uma propensão maior a “civilizar”, mesmo porque ainda não se conhecia bem

o que poderia ser isso. Apesar de inspirar-se na natureza americana e em seu

habitante mais antigo, o índio, há a intenção de ir ao encontro da Europa. O

intelectual e o artista brasileiro sentem que participam da vida européia,

principalmente francesa. Essa mundividência fica clara no programa da revista

Niterói e nos artigos da Revista Brasiliense. Precisávamos nos aproximar da

civilização, porém percebia-se que isso deveria ser tentado de maneira própria.182

Acreditamos que estas sejam as intenções que estejam na base da atitude de Varela,

ao procurar inspirar-se em uma sensibilidade cabocla, da roça. Embora não se possa

afirmar o grau de consciência que Varela tivesse do fenômeno, certamente, nesse

caminho, encontraria uma sensibilidade própria, também nacional, e que passaria a

competir com o indianismo.

O Romantismo era a estética apropriada para valorizar as especificidades

181 RICUPERO, Bernardo. O romantismo e a idéia de nação no Brasil (1830-1870). São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. XXII, XXXIII.182 RICUPERO, B. (2004) p. XXVII, XXVIII, XXIX; 92.

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culturais de cada país em que fosse inserido. Isso, no caso brasileiro, não se deu

unicamente por meio do indianismo, outras formas foram tentadas, como o

regionalismo, na prosa, e a poesia “cabocla” de Fagundes Varela e outros

românticos. Isso já fora detectado precocemente no desenvolvimento de nossa escola

romântica:

Esta não seria, entretanto, a tendência predominante em nosso Romantismo. Na própria Guanabara, porém, aparecem vozes que podem ser consideradas dissonantes em relação a seus objetivos originais. O deputado liberal Joaquim Manoel de Macedo, por exemplo, num artigo intitulado “Costumes campestres do Brasil”, afirma que uma nação não tem nada em si de mais cambiante e de menos nacional do que a sua capital”. Numa linha que antecipará os romances sertanejos de José de Alencar, Bernardo Guimarães, Afonso de Taunay e o clássico de Euclides da Cunha sobre Canudos, sugerirá que contra o cosmopolitismo artificial da Corte, dever-se-ia buscar no interior o país profundo.183

Muitos fatores seriam responsáveis por isso, lembremos, por exemplo, a

importância do patrocínio do Imperador, cujo gosto indianista certamente

condicionava boa parte das produções. Além disso, havia o efeito centralizador da

Corte sobre as atividades intelectuais e artísticas. No poema A confederação dos

tamoios, de Gonçalves de Magalhães, profetiza-se o destino de uma grande nação

cujo centro seria a Guanabara184. Ricupero afirma que a maior ou menor distância do

Rio de Janeiro poderá indicar o grau de liberdade com que o poeta cria, citando o

exemplo do grupo ultra-romântico da província de São Paulo.185 Isso não quer dizer,

porém, que a maior distância do Rio de Janeiro corresponda a uma estética

conformada às particularidades da sensibilidade local, uma vez que a poesia de

Álvares de Azevedo terá um viés mais cosmopolita, até porque o poeta viveu no Rio

parte de sua vida, e, conforme se pode ler em sua correpondência, o “atraso” de S.

Paulo à época o incomodava. O fato importante a assinalar será a hegemonia do Rio

183 Ibidem. p. 100-101.184 RICUPERO, B. (2004) p. 160.185 Ibidem. p. 105.

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de Janeiro no que diz respeito às metas e diretrizes válidas para todo o resto do

Brasil:

Ou seja, a direção dos conservadores chegou a tal extremo que seu programa básico foi incorporado pelos adversários liberais. A relação entre saquaremas e luzias passa, assim, a ser mais de complementaridade do que oposição, havendo uma hierarquia entre os dois partidos, em que a primazia cabe aos conservadores. O apogeu desse processo é atingido pelo transformismo da Conciliação, período durante o qual os interesses fluminenses são efetivamente universalizados para o restante do país.186

Parte da intelectualidade, especialmente aquela vinculada ao Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro estaria atenta à necessidade de conhecer o Brasil do interior,

organizando comissões e expedições que tiveram esse intuito. Varnhagen chega a

propor a idéia de mudar a capital para o interior, embora combata o provincianismo e

seja defensor da unidade nacional.187

Ao analisarmos essas variações de correntes distintas cosmopolitas e

regionalistas, –– todas manifestações de nossa cultura –– é necessário lembrarmo-

nos de que politicamente, após a descentralização que caracterizou o período

regencial, a centralização voltaria a ser estabelecida. Essa centralização será tida

como uma das maiores realizações do programa do partido conservador, saquarema.

Solidamente incorporada ao discurso historiográfico produzido pelo Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro e transmitida sistematicamente pelas escolas mais

prestigiadas, o benefício que a unidade traz ao grandioso país nascente –– o outro

seria a doutrina da mestiçagem –– será, a partir daqui, compreendido com grande

naturalidade, tornando-se mesmo uma verdade tida como óbvia.188

Esta conexão entre o Brasil e a Europa é intensificada ainda pela forma especial

com que o Brasil emancipa-se de Portugal, fazendo com que houvesse uma

186 Ibid. p. 174. O grifo é nosso.187 RICUPERO, B. (2004) p. 132.188 Ibidem. p. 150-151.

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continuidade entre o período colonial e o da nação livre, embora tenha de fato

existido um vivo sentimento antiportuguês nos momentos que se seguiram ao grito

do Ipiranga. Colabora para isso o fato de o chefe de governo ser o herdeiro do trono

Português, além da forma de governo adotada, o regime monárquico. Política e

economicamente, há pouca mudança.

A literatura participa intensamente desse processo, dando palpabilidade às

diversas correntes ideológicas, materializando mitos, além de agir como instância

legitimadora do conhecimento que é produzido acerca do país. Diferentemente da

França de início do século XIX, que procurava ainda recuperar a tradição clássica,

cujos padrões são universais, o Romantismo procurava dar importância e significado

às referências locais.189 É necessário observarmos, porém, que, longe de ser um fato

essencial, a idéia de nação é algo que é fruto de uma construção, tanto no âmbito

político quanto cultural.190

Para nosso estudo, é importante notar que a idéia da independência do Brasil

alimenta-se da Europa e da recente emancipação estadunidense. O que é altamente

significativo. Não há, nesse processo, rua de mão única. As forças portadoras de

interesses mais localistas, regionais e nacionalistas, mostram-se ligadas ao que

pretensamente julgam combater. Isso torna nosso objeto de estudo mais complexo,

pois não temos um campo neutro, ou simplesmente polarizado, mas uma

confluência, uma profusão de correntes. É dentro dessas correntes que devemos

localizar essa vertente mais localista da literatura romântica. Ou, explicando de outra

maneira, há diversas formas de ser ou de parecer nacional. Há algumas (como a

própria idéia de independência) que não se colocam em posição antagônica em 189 CANDIDO, A. apud. RICUPERO, B. (2004) p. XXXVIII; 57.190RICUPERO, B. (2004) p. 26.

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relação às tendências cosmopolitas, ou européias, há outras, entretanto, que se situam

fora e não podem ser prontamente bem vistas e julgadas esteticamente, por diversas

razões, de modo universal. Lembremos sempre que esse mecanismo variou com o

tempo. O que antes podia ser sentido como nacional e universal hoje pode ser sentido

como apenas nacional, para não dizer, apenas, provinciano.

O nativismo no Brasil se desenvolve principalmente a partir da Independência.

Contribui para isso as diversas revoltas do período regencial e, mais tarde, textos em

que se procura valorizar as terras brasileiras no confronto com as européias, num

discurso que anteciparia, por exemplo, a “Canção do exílio” de Gonçalves Dias.

Outro fator importante é a presença do grande contingente de escravos. Essa

população é vista como ameaça e, diante desse perigo e por causa dele, as classes

sociais superiores aglutinam-se, encontrando o objetivo comum da autopreservação.

Esse objetivo vincula-se também à própria criação do estado. De maneira

semelhante, é a elite intelectual do Segundo Reinado, ideologicamente romântica,

que decide que, para o projeto da nação que surge, será imprescindível uma literatura

e historiografia próprias. Para essa elite, além do mais, os estratos populares são

vistos como integrantes da barbárie. Não se pode contar com o povo para formular o

projeto de nação. Primeiro será necessário civilizá-lo.191 Essa situação de base –– o

papel das elites –– provavelmente poderá haver influído quanto ao juízo estético

atribuído às artes produzidas e consumidas por essas classes.

Após a separação da metrópole, é a vez de os românticos entrarem em cena para

criarem os símbolos em torno dos quais se elaborará a identidade nacional. Em

relação à formação, planejamento e controle do mercado interno, bem como à

191 RICUPERO, B. (2004) p.35; 86; 147.

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manutenção da continuidade territorial (isso também será válido para a formação do

cânone romântico, como já foi afirmado), a cidade do Rio de Janeiro desempenha um

papel estratégico. O fator econômico responsável por isso será a produção de café

concentrada no vale do Paraíba, sendo o Rio de Janeiro o porto por onde o café seria

exportado.

Já no âmbito político especificamente, a unificação da nação ficará

principalmente ao encargo do Partido Conservador.192 É necessário assinalar aqui

uma situação análoga à da França. Nesse país o Romantismo tem perfil nitidamente

conservador, valorizando a Idade Média, o cristianismo, a emoção e criticando o

capitalismo. Se politicamente nossos românticos optam pelo liberalismo, este não

terá contorno revolucionário, mantendo uma segura aliança entre as novas e antigas

estruturas.193

A grande referência para nossos políticos intelectuais e artistas em meados do

século XIX será a França. Não será por acaso que o marco inicial de nosso

romantismo –– a publicação da revista Niterói –– tenha acontecido nesse país. Há

uma situação semelhante entre os dois países. Na França de após a Revolução

procura-se romper com o Antigo Regime. No Brasil, luta-se por eliminar o complexo

colonial. Além disso, por conta da situação específica do estágio em que se

encontram a sociedade e a economia nacionais, a mudança política ocorrida não é

acompanhada imediatamente pela percepção natural do cidadão. Quem procurará

elaborar e transmitir, um tanto pedagogicamente, os temas já evidentes na Europa

serão os românticos.194 Esse descompasso será o foco da análise de Roberto Schwarz

192 RICUPERO, B. (2004) p. 37;40.193 Ibidem. p.62; 67. 194 RICUPERO, B. (2004) p. 79-80.

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em Ao vencedor as batatas.

No esforço de provar nossa autonomia cultural no momento seguinte à nossa

independência, seguindo uma orientação genérica do Romantismo, decide-se pela

rejeição da estética árcade e do uso da mitologia grega. Desde o início também,

percebe-se que o índio poderia servir como fundamento mitopoético da jovem nação.

Utilizado, aliás, um pouco diversamente do que faria, por exemplo, Chateaubriand.

Outro elemento a ser explorado será a natureza americana, em confronto com as

paisagens européias.

Do combate direto aos interesses portugueses e nacionais, passa-se a valorizar os

produtos nacionais de forma estratégica. Essa atitude ocorre principalmente durante

o período compreendido entre a independência e a abdicação de Pedro I, em 1831195.

3-Poesia romântica e ambientação sertaneja na poesia de Fagundes Varela.

A liberdade que se encontra no contato com a natureza e na busca por seus

recônditos solitários já se encontra na origem mesmo da estética romântica. Um de

seus modelos será a liberdade encontrada por Chateaubriand em sua viagem à

América do Norte, onde pôde familiarizar-se com a experiência da ausência de

amarras e freios que são permanentemente acionados quando se vive em sociedade.

Diferentemente da liberdade clássica, a liberdade do Romantismo estará ligada ao

indivíduo e não à sociedade196.

Alguns poetas românticos tomaram o interior, o ambiente rural, como matéria

para o canto. Podemos citar os nomes de Bernardo Guimarães, Casimiro de Abreu,

Fagundes Varela, Bittencourt Sampaio, Trajano Galvão, Gentil Homem de Almeida 195 Ibidem. p. 90.196 Ibid. p. 56.

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Braga, Bruno Henrique de Almeida Seabra, Joaquim Serra e Juvenal Galeno.

Sobre a naturalidade ou o artificialismo dessa atitude de cantar a natureza e o

ambiente interiorano, afirma Leonardo Fróes:

(...) o romantismo caboclo corresponde de perto, muito perto, aos estímulos apenas literários absorvidos da Europa. Mas é provável que corresponda também a inclinações genuínas, porque são homens do interior, da roça, com vivências rurais bem definidas, que o fazem ser como é. Excetuando-se em destaque o caso de Álvares de Azevedo, um cosmopolita que nasceu em São Paulo e se criou no Rio, são da roça Casimiro e Varella, Gonçalves Dias, Bernardo Guimarães.197

Alguns críticos afirmam que boas obras de F. Varela foram produzidas no âmbito

da lira sertaneja. Antonio Candido subdivide sua obra em cinco aspectos, um deles é

o que nos interessa e que o crítico mineiro chama de “bucólico”198. Segundo ele, o

período de melhor qualidade está compreendido entre os anos de 1861 e 1865. Aí

saíram à luz os volumes Noturnas (1861), Vozes da América (1864) e Cantos e

Fantasias (1865). Candido procura destacar o fato de Varela conduzir sua inspiração

para a política e para o tom épico, o que representaria um desbravar do caminho que

trilharia Castro Alves logo em seguida. Cantos e fantasias fora seu melhor livro,

nesta obra teria revelado maturidade e força lírica. Em nota, procura reforçar sua

afirmação com um juízo idêntico de Manuel Bandeira. Passa então a analisar mais de

perto este momento de excelência artística, chegando em seguida, como culminação

de um processo, ao celebérrimo “Cântico do Calvário”.

Depois de findado esse período, apesar de ainda conseguir realizar certa beleza

formal, segundo Candido, essa qualidade jamais seria alcançada novamente. É nesse

período em que surgem os livros em que Varela se referiria ao campo mais

amiudadamente. Candido chama esse momento de “idílio campestre” e, para

197 FRÓES, L. (1990) p. 96.198 CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 5 ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1975. p. 257.

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justificar a boa qualidade artística dessa produção, refere-se à biografia do poeta que

gastava parte de seu tempo embrenhado em matas e campos. Varela dera “categoria

à lira sertaneja”: “ninguém mais dará, tão bem quanto ele, a nota caipira dos poemas

rústicos”199.

Waltensir Dutra vê na poesia subjetiva de Varela duas vertentes: a byroniana e a

elegíaca, esta mais simples e autêntica.200 A poesia dita narrativa e descritiva também

obedeceria a esta mesma tendência: de um lado, “cacoetes” ultra-românticos, de

outro, na vertente elegíaca, certa ingenuidade próxima à de Casimiro, que se torna

perceptível em poemas cujo cenário é a roça. Destaca-se aqui a exatidão com que o

poeta retrata os costumes roceiros201 O crítico afirma que Cantos e fantasias

representaria o melhor da produção vareliana. Em seguida, é o momento de examinar

a obra-prima de Varela: o “Cântico do Calvário”.

Merquior compreende a lírica de Varela por fases. A primeira, ultra-romântica,

seria marcada por deficiências formais de uma produção em série. Em um segundo

momento, o poeta passa a produzir poesia engajada. Cantos e fantasias seria um

livro com maior força lírica. Varela teria conseguido explorar com bons resultados o

motivo da psicofania erótica na natureza, o lirismo com características de drama,

além de demonstrar virtuosismo versificatório. Após essas afirmações, passa à

análise do “Cântico do Calvário”.202 Considera em seguida a poesia religiosa de

Varela e depois passa a tratar de seu “bucolismo singelo e direto”. Merquior conecta-

o à produção romântica européia de meados do século. Comentando o poema “A

199 CANDIDO, A. (1975) p. 265.200 COUTINHO, Afrânio (org.) A literatura no Brasil. 2 ed. v II. Rio de Janeiro: Sul Americana, 1969. p. 180.201 Ibidem. p. 182- 183.202 MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides. Breve história da literatura brasileira I. 3 ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1990. p. 123-124.

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roça”, nele vê uma associação de motivos ultra-românticos à descrição objetiva do

dia-a-dia do interior. Aqui a opinião sobre Cantos do ermo e da cidade é divergente

da de Candido; para Merquior, este livro seria representante da melhor produção de

nosso romantismo.203

Segundo Péricles Eugênio da Silva Ramos, a poesia rural de Fagundes Varela

deve ser incluída em sua vertente de realismo humorístico. Este seu realismo, por sua

vez, teria origem em Byron e lhe fora transmitido por Álvares de Azevedo. Quanto a

este aspecto, é digno de nota a precisão com que o poeta retrata o ambiente rural

localizável no interior fluminense e paulista. Para justificar este fato estético, o

crítico afirma que o poeta gostava do ambiente da roça. Nenhum outro poeta teria

poetado sobre este assunto com resultados mais felizes. Neste quesito Varela teria

sido insuperável.204

Massaud Moisés identifica na produção poética de Varela núcleos fundamentais

ao redor dos quais orbitariam outras modalidades como satélites. A tese principal do

pesquisador é a de que Varela seria, sobretudo, um poeta épico, somente de forma

superficial teria sido lírico. Boa parte de suas considerações revelam o empenho de

demonstrar essa tese. Aparentemente o poetar sobre a roça não lhe chama a atenção,

apenas, de forma genérica, nota a vinculação entre a Natureza e o sentimento

poético. 205

Para Alfredo Bosi, Cantos e fantasias também teria sido seu melhor livro. Com

relação à poesia sertaneja, contudo, Bosi procura enfatizá-la:

203 MERQUIOR, J. G. (1990) p 126-127.204 RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Do Barroco ao Modernismo. Estudos da poesia brasileira. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1964. p. 134-135.205 MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. Romantismo. V. II. São Paulo: Cultrix, 1982. p. 153-169.

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De qualquer modo, o relevo dos primeiros livros de Varela é antes documental que artístico. O melhor do poeta fluminense não se encontra aí, mas em alguns momentos de lirismo bucólico que transpõem para o “português brasileiro”, língua do nosso romantismo, os costumes e os modismos da roça que ele tanto amou: “Antonico e Corá”, “Mimosa”, “Flor de Maracujá”.206

Apesar dessa afirmação, entretanto, Bosi não procura aprofundar sua

investigação, apenas afirma que sua ida para o campo externava sua incapacidade,

decorrente da psicologia romântica, agravada pela boêmia, de adaptar-se ou de

suportar as pressões do meio.207

Alexei Bueno inclui em sua antologia da poesia romântica brasileira os poemas

“A flor de maracujá” e a primeira poesia de “Juvenília”, mas apenas as inclui como

“exemplos de sua maneira lírica”, não fazendo qualquer referência à especificidade

da relação existente entre a lírica de Varela e o campo. Note-se ainda que é muito

elogioso em relação à musa elegíaca do poeta. O “Cântico do Calvário” seria um dos

maiores poemas da língua portuguesa.208

Quando se trata da biografia do poeta e sua relação com a natureza, há

unanimidade em apontar a tendência de Varela em aproximar-se do campo. Quanto a

isso, Brito Broca vê em algumas de suas poesias a referência constante ao cavalo,

louvado por transportá-lo em suas andanças pelos campos. B. Broca, assim como

outros estudiosos, também indica que os versos de Varela parecem corresponder a

uma experiência verdadeira e a um gosto autêntico pelo ambiente rural. A origem

desta atitude não poderia provir da influência de Byron, Victor Hugo ou Musset,

poetas da cidade, seria decorrente da tendência romântica da busca do isolamento, da

fuga do trato com os homens, herdada do Arcadismo e colhida na produção de poetas

206 BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2 ed. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 131.207 BOSI, A. (1978). p. 131.208 BUENO, Alexei. (org.) Grandes poemas do Romantismo brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 9.

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pré-românticos.209

Leonardo Fróes também nota a vertente bucólica de Varela, entretanto, este

aspecto não surge apenas como se fosse mais um dentre tantos. Fróes dá grande

destaque, ao longo de toda sua análise, a este aspecto do lirismo vareliano, o que

muito nos encorajou nesta pesquisa. Partimos daqui para lançar uma nova

possibilidade de interpretação de nosso lirismo romântico e, conseqüentemente, de

alguma poesia brasileira posterior ao século XIX.

Outro aspecto bastante valorizado pelo autor seria sua precoce percepção

ecológica, no que teria sido acompanhado por Casimiro de Abreu. O poetar sobre a

natureza e a roça não lhe era postiço ou decorrente de mera pose literária. Varela

passara a infância neste ambiente e, mais tarde, após suas viagens e temporadas em

cidades, recusaria definitivamente o ambiente urbano, procurando, sempre que

possível, a liberdade de perambular pelo mato.

Ao longo de sua obra, em diversos momentos da narrativa, Fróes mostra que o

caráter underground do poeta fora convenientemente submetido a uma revisão

asséptica. Os poetas românticos deveriam ser guindados a símbolos da pátria, desse

modo, alguns aspectos tidos como degradantes teriam de ser forçosamente

eliminados. A adição ao álcool e os problemas dela decorrentes parecem haver

prejudicado a recepção a sua obra. Alguns procuraram associar o que julgavam ser

um soçobro pessoal às suas realizações estéticas. Por esta via muitos enveredaram.

Por exemplo, Antonio Candido:

Ao contrário do saudável Bernardo Guimarães, para quem a natureza era o enquadramento mais equilibrado da vida, não refúgio de desajustado, ela aparece em sua obra corporificando verdadeiro sentimento de fuga, nascido do horror insuperável pela

209 BROCA, Brito. Românticos, pré-românticos, ultra-românticos. Vida literária e romantismo brasileiro. São Paulo: Polis, 1979. p. 130-131;302.

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norma social, encarnada nas relações da vida urbana.210

Parece-nos que Antonio Candido faz recair um juízo de valor sobre a atitude

misantrópica de Fagundes Varela. A expressão “refúgio de desajustado” soa forte

demais, como a sugerir uma prestação de contas, ou como se o poeta devesse por

força ajustar-se. Considerando-se essa possibilidade, constata-se obviamente que sua

poesia não seria a mesma.

O canto do poeta não se atém à mera espontaneidade natural. Antes de cantar é

oportuno indagar sobre a própria posssiblidade do canto e, ainda que o poeta seja por

ofício obrigado a produzir o poema, vale a pena esconjurar o não-canto. Isso pode

tratar de uma mera fórmula convencional de modéstia em que o poeta desculpa-se

antecipadamente. Não acreditamos que seja apenas isso; o enunciado tem algo de

lapidar, de divisa, como se pudesse exercer a função de pedra fundamental:

E neste insípido giroNeste vôo sempre a esmo,Vale a pena, em seu retiro,Cantar o poeta, mesmo?211

Algumas poesias de F. Varela revelam um impulso para a fuga das cidades

em busca do isolamento, do contato com a natureza, assim como a busca de uma

sensibilidade mais simples e natural, próxima àquela dos habitantes destes lugares

distantes. Julgamos que essa atitude seja uma das bases sobre as quais se estriba, não

uma temática, mas uma sensibilidade, ou a criação deliberada de um mito do homem

que se reaproxima da natureza de forma misteriosa e entrega-se a ela como um filho

à manifestação maravilhosa da Mãe. Esse impulso desdobra-se em uma sensibilidade

e interesses específicos para esse mundo intensamente buscado:

210 CANDIDO, A. (1975) p. 264-265.211 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p.314.

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Queres voltar? Eu te sigo,Eu amo o ermo profundo;A paz que foge do mundo

Preza os tetos de sapé.212

Ou ainda, de forma mais direta:

Como adoro as florestas primitivas(...)Como adoro o deserto e as tormentas,O mistério do abismo e a paz dos ermos,E a poeira de mundos que prateiaA abóbada sem termos!...213

A busca pela natureza pode vir associada a experiências vividas na infância:

Ó minhas noites de ilusões celestes!Visões brilhantes da primeira idade!Como de novo reviveis tão lindasPor entre as balsas da nativa herdade!214

Outras vezes a natureza mostra-se capaz de impressionar profundamente o

sujeito lírico (como vimos em relação à infância) construindo com sabedoria um

cenário e condições que são percebidas pelo homem como ideais pois realizou-se

nele e nele mesmo se fundiu e se transformou. Não é por acaso portanto que

encontramos este verso incluído na parte que cabe ao Rio no poema “Acúsmata”:

“Quando a tépida luz de amenas tardes” 215, verso que sozinho, ancora vetores da

ordem do desejo, do gosto e de aspectos imprecisos da subjetividade.

Ao fazer uma comparação elogiosa ou galante, a mulher vem associada, aos

adornos naturais desse ambiente:

Por que Deus fez-te assim? Que brilho é esseQue ora incendeia-se, ora desfaleceNessas pupilas doudas de paixão?…Quando as enxergo julgo nos silvadosVer palpitar nos lírios debruçados

212 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p. 237.213 Ibidem.p. 32.214 Ibid. p. 45.215 Ibid. p.291.

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As borboletas negras do sertão.216

Quando há comparação entre campo e a cidade, esta aparece geralmente como o

lugar do vício e da corrupção, enquanto ao campo associam-se virtudes positivas,

indicadoras da sanidade:

Eis a cidade! Ali a guerra, as trevas,A lama, a podridão, a iniqüidade;Aqui o céu azul, as selvas virgensO ar, a luz, a vida, a liberdade!

Ali, medonhos, sórdidos alcouces,Antros de perdição, covis escurosOnde ao clarão de baços candeeirosPassam da noite os lêmures impuros;

Aqui vedes campinas, altos montes,Regatos de cristal, matas viçosasBorboletas azuis, loiras abelhas,Hinos de amor, canções melodiosas.217

Um pouco da atmosfera positiva do campo, do seu ideal de pureza, como um

lugar sadio parece filiar-se ao bucolismo árcade como no poema “A Sombra”:

(…)Nas planícies que a vista não venceEspalhadas pastavem cem rezes,Ora junto das fontes tranqüilas,Escondidas no mato outras vezes.

Ao portão, de manhã, reunidas,Meio ocultas no véu da neblina,O senhor esperar pareciamSempre amigo da luz matutina.

E depois que seu vulto bondosoDa janela sorrindo as olhavaSe afastavam contentes, pulandoSobre a grama que o orvalho banhava.

Quando além das montanhas o diaApagava seu raio final,Acudindo do amo aos clamoresTodo o gado se achava no val.

E em tôrno dele um círculo formando,Humildes e silentes,

216 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p. 30.217 Ibidem. p. 122-123.

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Cada qual por sua vez se adiantando,Vinham lamber o sal que apresentavam

As mãos benevolentes,As mãos benevolentes que adoravam.E o manso gado as falas lhe entendia,

E os tenros bezerrinhosSaltitavam trementes de alegria

A seus meigos carinhos…Talvez sondasse nesses pobres brutos,Sob esses pelos ríspidos, hirsutos,

Um oculto clarão,Raio de encarcerada inteligência,Que a doida, pobre e mísera ciência,Trucidando sem pena a criação,Procura sempre, mas procura em vão218

Nota-se que a relação entre o homem e a natureza se estabelece a partir da

postura contemplativa do eu lírico. O ritmo do poema, marcado por suave repetição

hipnótica, associada a imagens amenas, com efeito semelhante a uma lanterna

mágica permite o afloramento de um outro nível de consciência, aquela que se

debruça sobre si mesma e faz com que, por exemplo o homem tente mergulhar, com

seus poucos recursos, nas águas de seu nascedouro. Isso se evidencia no poema

quando, além das convenções da civilização, o homem (o eu lírico) está na mesma

condição, quanto à existência, dos “pobres brutos” de “pêlos ríspidos e hirsutos”.

No poema “Juvenília”, por exemplo, chega a haver a fusão do eu lírico com a

natureza:

Tu és a luz d’alvoradaQue rebenta na amplidão,Eu a gota penduradaNa trepadeira curva do sertão.219

Este embrenhar-se no sertão muitas vezes não se caracteriza pela tendência ao

estático ou por algo que remeta à idéia de fixação e permanência. Ao contrário, é

218 VARELA, L. N. F. (1957) v.2.p.254-255219 Ibidem p. 27.

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freqüente, nesse contexto, a inclusão de seres alados, que indicam movimentação e

vibração intensas. O eu lírico interessa-se pela natureza, mas não parece querer

apossar-se dela pela territorialidade, preferindo a atitude de espectador privilegiado.

Isso porque talvez não acredite que haja um lugar na terra ou no existente que possa

oferecer-lhe todo aconchego e receptividade comparáveis às de um lar ou de uma

casa. Em algumas poesias esse processo se intensifica, chegando ao ponto da

natureza não poder lhe dizer nada:

Enôjo

Vem despontando a aurora, a noite morre,Desperta a mata virgem seus cantores,Medroso o vento no arraial das floresMil beijos furta e suspirando corre.

Estende a névoa o manto e o val percorre,Cruzam-se as borboletas de mil cores,E as mansas rolas choram seus amoresNas verdes balsas onde o orvalho escorre.

E pouco a pouco se esvaece a bruma,Tudo se alegra à luz do céu risonhoE ao flóreo bafo que o sertão perfuma.

Porém minh’alma triste e sem sonhoMurmura olhando o prado, o rio, a espuma:Como isto é pobre, insípido enfadonho!220

Vejamos um outro poema dos Cantos do êrmo e da cidade em que Varela

contempla a natureza:

O vagalume

Quem és tu pobre viventeQue passas triste, sozinho,Trazendo os raios da estrelaE as asas do passarinho?

A noite é negra, raivososOs ventos sopram do sul;Não temes doudo, que apaguemA tua lanterna azul?

Quando apareces, o lago

220 VARELA, L. N. F. (1957) v.2.p. 312.

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De estranhas luzes fulgura,Os mochos voam medrososBuscando a floresta escura.

As folhas brilham, refletem,Como espelhos de esmeralda;Fulge o íris nas torrentesDa serrania na fralda.

O grilo salta das sarças,Pulam gênios nos palmares,Começa o baile dos silfosNo seio dos nenufares.

A tribo das borboletas,Das borboletas azuis,Segue teus giros no espaço,Mimosa gota de luz!

São elas flores sem hástea,Tu és estrela sem céu,Procuram elas as chamas,Tu amas da noite o véu!...

Onde vais pobre vivente,Onde vais, triste, mesquinho,Levando os raios da estrelaNas asas do passarinho?221

As duas primeiras estrofes são importantes para a definição de uma problemática

existencial. Na primeira, temos a apresentação da personagem e de seu principais

atributos: a tristeza, os raios e as asas. A tristeza só se explica pela subjetividade do

eu lírico pois o quadro descrito não parece poder justificá-la. Os raios, manifestação

arbitrária, grande concentração de eletricidade e luz, são constituintes do seu ser e

estabelecem a conexão com o que há de mais elevado (estrela). Embora estes

elementos possam indicar positividade, o vagalume é triste e ama o véu da noite.

Talvez a tristeza seja decorrente disso mesmo: conectado às mais altas esferas, não

pode mais contentar-se arrojado à terra. A segunda estrofe completa a situação

incluindo a finitude à qual todo ser vivo deve subordinar-se, fechando a quadra com

dois belos versos. A partir daqui, a luz intermitente do pirilampo, em vôo irregular,

221 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p. 242-243.

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vai animar o ambiente natural. Há uma seqüência de verbos a indicar luminescência

(fulgurar, brilhar, refletir, fulgir) e movimento (voar, buscar, saltar, pular). Vale

notar que o movimento fora introduzido no poema pelos sisnistros ventos de

tempestade. Agora parece já não haver mais essa ameaça, agora o movimento é de

festa e de celebração. A intensificação do movimento continua até o surgimento dos

donos da festa. Os gênios e os silfos dão à natureza seu caráter sagrado e

transcendente, que o eu lírico romântico, está predestinado a conhecer e perceber.

Como o baile é dos silfos, espíritos elementares do ar, os principais convidados

devem ter asas. E, apesar da presença de entidades tão raras e maravilhosas, quem se

destaca no salão deste baile são os próprios animais, o protagonista vagalume, e as

borboletas coadjuvantes. Assim as borboletas vão volteando e seguindo o vagalume.

Ao final, o vagalume segue, sempre triste, seu caminho.

Além da cena variada e movimentada de seres dançantes na floresta, atenta-se

para um discreto, mas importante, estado de contemplação do eu lírico. O sertanejo

ultra-romântico de Varela, que também assume a máscara de uma alma sofredora e

perturbada, neste caso, revela uma atitude regressiva do homem urbano,

excessivamente urbano, e refugia-se numa natureza e ambiência social mais

tradicionais e sentidas como acalentadoras.

Incluamos no entendimento da poesia de Varela elementos que interferem na

sensilidade do leitor brasileiro do século XXI. Ao contrário de meados do século

XIX em que os rumos do capitalismo ocidental podiam não parecer ainda tão

absolutos e eficazes, hoje já não se pode mais tentar um retorno desesperado para o

campo pois, de forma incontestável, o raciocínio das cidades passou a colocar a

natureza a serviço de suas funções. Agora, por exemplo, na paisagem transformada,

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os vagalumes desapareceram e há uma uniforme e extensa planície de soja a se

perder de vista. Esse tom lúgubre será acentuado se levarmos em consideração outros

fatores como o aquecimento global e uma temível desertificação.

A conseqüência disto é o fato de o homem acabar por perder o direito dos

pirilampos existirem para diverti-lo. O desaparecimento do mato, das borboletas e

vagalumes exerce uma pressão insuportável, pois, para sobreviver na terra, não

podemos nos desconectar do que é ecologicamente correto. Hoje, poder apreciar o

cortejo de borboletas e pirilampos, tornou-se um luxo. Antes que “refúgio de

desajustado”, o aproximar-se da natureza, em nossos dias, pode corresponder a uma

atitude coerente. Reconhecemos que o espaço artificial que construímos à nossa

imagem e semelhança, apesar de seus encantos e conquistas, não pode prescindir das

mais humildes coisas que existem, especialmente quanto ao que dialoga com nossa

natureza animal. Ora, o homem representado no eu lírico de Varela, ainda que

descontente e triste, permite a si mesmo tempo e liberdade na natureza. Quem hoje

em dia pode possuir essas riquezas? Prosseguiremos analisando esse recorrente tema

no poema que se segue:

Em Viagem

A vida nas cidades me enfastia,Enoja-me o tropel das multidões,O sopro do egoismo e do interesseMata-me n’alma a flor das ilusões.

Mata-me n’alma a flor das ilusõesTanta mentira, tão fingido rirE cheio e farto de tristeza e tédioRejeito as glórias de falaz porvir!

Rejeito as glórias de falaz porvir,Galas e festas, o prazer talvez,E busco altivo as solidões profundasQue dormem quêdas do Senhor aos pés.

Que dormem quêdas do Senhor aos pés,

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Ao doce brilho dos clarões astrais,Ricas de gozos que não tem o mundo,Pródigas sempre de beleza e paz!222

Se antes o recuo empreendido pelo homem romântico fugindo da falsidade da

cidade em busca do mundo idealizado do campo podia ser entendido como uma

reação de ordem aristocrática, hoje esse percurso parece renovar-se por outras

razões. A vida nas cidades precisa ser reinventada. Não podemos mais manter nosso

estilo de vida porque ele não é sustentável. Além disto, o vínculo com a natureza,

que no âmbito do Romantismo era entendido como signo reacionário, revela-se

agora como sábio e atual, pois nossa segurança psíquica e emocional depende dele.

A grande quantidade de poemas a tratar do sertão, da natureza e da roça não

basta para provar que a poesia sertaneja seja importante na poética de Varela.

Também bons poemas mostram que muito do que de melhor ele produziu esteve

sintonizado e seguia uma formulação que tratava a sensibilidade roceira não apenas

como cenário ou elemento meramente decorativo, mas inteiramente nele se

plasmava, desde a gênese do falar poético o que pode, por exemplo, ser ilustrado

pela participação do canto do sertanejo arquetípico:

Numa choça de palha

Escutai os arpejos da viola,São mais sentidos que o soprar do ventoBeijando a medo os arrozais viçosos;Prestai ouvido à voz do sertanejo,Que ela fala de amor,e a patativaNunca nos matagais gemeu tão triste!(…)223

Um outro exemplo é o justamente antológico “A flor do maracujá”. À

enunciação de diversos elementos que figuram no contexto roceiro unem-se além do

galanteio simples, que se realiza com o auxílio da flor cujo apelo da paixão crística é

222 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p. 251223 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p. 292.

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evidente, a reflexão de caráter irônico e metalingüístico:

Pelo jasmim, pelo goivo,Pelo agreste manacá,Pelas gotas do serenoNas folhas do gravatá,Pela coroa de espinhosDa flor do maracujá!

Pelas tranças da mãe-d’águaQue junto da fonte está,Pelos colibris que brincamNas alvas plumas do ubá,Pelos cravos desenhadosNa flor do maracujá!

(…)Não se enojem teus ouvidosDe tantas rimas em - a – Mas ouve meus juramentos,Meus cantos ouve, sinhá!Te peço pelos mistériosDa flor do maracujá!224

Já no emblemático poema “A roça”, o sertão é compreendido através da emoção

subjetiva. Após descrever de forma idílica o ambiente roceiro, o eu lírico passa a

lastimar-se pelo bem perdido, porque agora ele se vê definitivamente desorientado e

corrompido. Isso faz-se acompanhar de um olhar nostálgico para o campo que já fora

sua casa. Porém, a nosso ver, mais interessa a descrição simpática do viver da roça,

com marcante objetividade:

O balanço da rede, o bom fogoSob um teto de humilde sapé;A palestra, os lundus, a viola,O cigarro, a modinha, o café;

E, quase que por acaso – “achar” (truver) um belo verso não pode ser explicado

de forma absolutamente precisa – figura no poema, para em muito valorizá-lo, este

verso verdadeiramente belo na terceira posição da estrofe:

E depois um sorrir de roceira,Meigos gestos, requebros de amor;

224 Ibidem. p. 142-143.

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Seios nus, braços nus, tranças sôltas,Moles falas, idade de flor;225

“Seios nus, braços nus, tranças soltas”

A estrutura repetitiva inicial, manifestada pelo adjetivo nus e quebrada ao fim do

verso, serve como exemplo de boa técnica versificatória, em que a utilização sábia da

música, do tempo e do aspecto fônico, acabam lhe dando tamanha intensidade que é

como se já sentíssemos o final da estrofe. Tanto que o verso seguinte, “Moles falas,

idade de flor”, do ponto de vista do conteúdo, mostra já ter ocorrido um

distanciamento. Agora já se tece um comentário sobre a cena em que antes se estava

completamente mergulhado. Também, se não nos enganamos, o verso parece portar

um certo frescor, como se pudesse ser dito agora, numa dicção atualíssima.

Nem sempre porém a sensibilidade sertaneja será predominante. O longo poema

narrativo “Mimosa” está menos, do que a princípio supúnhamos, associado à estética

sertaneja. A história, bastante rocambolesca lembra mais o estilo de “Uma noite na

taverna” de Azevedo. A fabulação é simples: o herói, jovem acadêmico da “escola de

S. Paulo”, encontra no campo uma jovem precocemente prostituída e por ela se

apaixona. Vivem juntos em romance tórrido, por três meses, até que os antigos

amantes e admiradores de Mimosa se unem para incendiar-lhes a casa. Segue-se a

fuga e o desaparecimento de Mimosa. Após uma procura de três longos anos, quando

estava andando numa floresta o jovem apaixonado é atingido por um raio. Salva-o

um senhor que o deixa entregue aos cuidados de sua jovem esposa que, vem a ser,

para sua surpresa – não por certo por parte do leitor – aquela mesma, enigmática e

predestinada Mimosa. Não se pode negar que haja, nessa intriga, um

convencionalismo desagradável. A narrativa à Eugène Sue busca adequar-se ao

225 VARELA, L. N. F. (1957) v.2. p. 152.

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caipira nacional enquanto que a natureza, representada pelas “garças brancas” e

“andorinhas foragidas”, parece não corresponder às orientações decorrentes dos

sentidos da fabulação.

A força do poema decorre proporcionalmente menos da sensibilidade sertaneja

que de outros aspectos. Por exemplo, a desfaçatez com que ironiza a própria

condição de bacharel naquele Brasil de então:

Pode bem ser que livros não abrisse,Que não votasse amor à sábia casta,Mas tinha o nome escrito entre os alunosDa escola de S. Paulo, e é quanto basta.226

Veja-se ainda o grau de consciência lingüística do poeta ao comentar e desculpar

o regitro culto que a personagem Mimosa utiliza:

( Ja sei, compadre, que acharás imprópriaNos lábios de Mimosa tanta pompa,Tão alta locução;Não importa, atavio-lhe a linguagemSem lhe afogar a idéia: - se discutes,Mando-te à Introdução.227

Quanto a explicitação da natureza da poética sertaneja, objeto de nosso estudo,

pouco mais encontraremos nesse poema que não seja já conhecido e estudado. Além

disso, apesar da grande freqüência com que esse poema figura em antologias e na

historiografia da literatura brasileira para caracterizar a obra vareliana, em nosso

entender, “Mimosa” não constitui o núcleo de excelência da poesia de Fagundes

Varela.

Na lírica de Varela, após examinar os múltiplos papéis que a natureza (a roça)

assume, consegue-se identificar como que um roteiro melodramático em que o herói,

à beira do desespero, despede-se da namorada repetidas vezes. Como uma amante

226 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p. 196.227 Ibidem. p. 201.

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ciumenta pergunta por onde tem andado o eu lírico:

As árvores

Por que te afliges, mísero poeta?Não nos conheces mais?– Olha, contempla,E nestes troncos ásperos, nodosos, Verás feições amigas. Nesta queixaQue de nossas folhagens se desprende,Escutarás de novo o meigo timbreDe teus sócios de infância. Nesta sombraQue alongamos do chão, verás o leito,Onde, tantos momentos, repousaste.

Ah! eras belo nesse tempo! A auroraTinha te posto toda a luz nos olhos!Quando passavas, teu caminho ledoDe frescura e de folhas alfombrávamos!…E tu partiste, ingrato, e tu partiste!E trocaste o sossego do desertoPelo fulgor das salas, dos palácios!Pelos fingidos risos da mentira!Pela voragem negra onde soluças!…228

Após haver examinado diversas manifestações do que se entende por poesia

sertaneja, dificilmente poderemos sustentar que este aspecto constitua um núcleo até

certo ponto marginal de sua produção artística. Ao contrário, ficou-nos a impressão

de que os poemas menos datados e que revelavam maior sobrevida, eram aqueles

sintonizados à sensibilidade sertaneja.

4.Conclusão

A poesia é determinante para a definição e fundação do ser, conforme afirmou

Heidegger. Portanto, urge que ela brilhe e alimente no homem a força de seu próprio

existir.

Porém, atualmente a comunicação entre os homens – pelo menos desde aquele

início do século XX analisado por W. Benjamin229– vê-se sempre permeada,

228 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p.288-289229 Remetemos o leitor à leitura do ensaio de Walter Benjamin “A obra de arte na era de sua

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balizada por um discurso homogeneizador e totalitário, emanado de um Poder sem

rosto e sem pátria definida. Um novo fascismo, que, em confronto com o dos tempos

da Segunda Guerra, clerical e reacionário, revela-se muito mais eficaz. Diante dessas

circunstâncias, a poesia, o bem mais perigoso de todos, deve ser controlada para que

sua polissemia não traga instabilidade ao sistema. Acontece que é aí que se encontra

o perigo. É justamente quando assumimos todos os riscos –– lembremos do toureiro

que espontaneamente arrisca sua vida –– que adquirimos também plena liberdade.

Devemos estar sempre prontos para “matar” determinadas formas de viver e

conceber o mundo, sob pena de perecer de fato e irremediavelmente. Quando, neste

estudo, tentamos compreender parte de nossa produção poética ao tempo do

Romantismo, notamos que havia um silenciar de certas orientações. Não que isso

seja determinado, necessária e intencionalmente, pelo fascismo que certamente

estamos vivendo nesse início do terceiro milênio, mas este apagamento pode

representar uma restrição das possibilidades de imaginarmos a nós mesmos. Claro

que ninguém consegue fazer com que a poesia brilhe com seu fulgor abstrato e

absolutilizado. Se o poeta, louco, inspirado ou simplesmente engenheiro, diz mais do

que talvez humildemente pretendesse, terminando por ter sua voz identificada com a

voz do povo ou com a voz de Deus, tudo que é feito pelo homem, todo seu produto,

subordina-se às relações sociais. Aqui inclui-se toda a parafernália dos círculos de

produção e divulgação das obras de arte, os meios de comunicação de massa, a

crítica e a historiografia especializadas, as instituições educacionais, os museus, os

organizadores de exposições, os agentes culturais, a imprensa, a ação do Estado e as

organizações não-governamentais. Ora, o que está fora deste sistema tende a ter mais

reprodutibilidade técnica” p.165-196.

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consciência de suas fragilidades e, na medida em que tem liberdade para entrar e sair

daquela estrutura, fica em posição propícia para, por exemplo, atacá-la ou sabotá-la.

A poesia, também por seu fracasso enquanto mercadoria, teria maior facilidade de

atuar dessa forma. Ao tentarmos uma nova interpretação do Romantismo e de certa

poesia de depois desse tempo, estamos tentando renovar a imagem de nós mesmos. É

necessário examinar nossa imagem cuidadosamente, procurando identificar neste

retrato aquilo que constitui matéria própria e aquilo que corresponde ao ovo do cuco

sorrateiramente introduzido em nosso ninho. Dessa maneira, tentaremos recuperar

algo que nos foi tirado. Sejamos um pouco mais responsáveis por nossa própria

imagem, ainda que amanhã venhamos a não mais querê-la.

Quando avaliamos a “adaptação” sofrida pelo Romantismo em nossas terras,

pudemos notar que aqui houve uma tendência a menos radicalismo, pois nosso

romantismo tem mais o feitio de continuação do Arcadismo. Isto porque na Europa,

a luta contra o Antigo Regime e o desencanto diante da nova socidade burguesa eram

palpáveis e exigiam uma reação enquanto que no Brasil, o processo se deu de forma

mais complexa e indireta através de adaptações, simulacros e identificações.

Teríamos tido, portanto, um Romantismo mais ameno. Entretanto, se dermos maior

representação à poesia sertaneja romântica, a aparente continuidade entre o

Romantismo e o Arcadismo não se revelará tão dominante. A aproximação das

fontes populares (baladas, romances ou lieder) não deixa de ser um momento de

trégua que, apesar de se basear em uma sensibilidade do “passado”, mais tarde,

contudo, poderia vir a contribuir para uma revigorante negação da civilização da

técnica, numa busca de um espaço menos submetido à força da civilização e de sua

ciência cética ante à qual deveriam sucumbir os mistérios. O aproximar-se dessas

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fontes não é, como imaginam certos críticos, uma insistência no atraso, um apego a

fórmulas obsoletas e fadadas ao desaparecimento, ao contrário, sustentamos que essa

é, de fato, uma atitude de vanguarda, pois em seu bojo, além de uma crítica muda

sobre a sociedade moderna, há já um protesto contra a alienação que dela decorre. O

homem que perambula por nossos campos e nossas roças, cumprimentando as

matutas, é sobretudo um homem que recusa que outros se assenhorem do seu tempo.

Não é esse o ponto onde o avançar do capitalismo terminaria por nos levar? Hoje, a

maior riqueza de uma pessoa é o tempo que ela de fato tem para poder dedicar-se a

si, às pessoas, atividades e coisas que ama. O ápice da carreira de um executivo,

agora, parece corresponder ao tempo em que se lhe permite permanecer com o

celular desligado.

Alguns estudiosos de nosso século XIX afirmam que, pelo fato de não

possuirmos ainda indústrias no Brasil, além de outras conquistas do capitalismo e do

liberalismo, também não poderíamos efetivamente experimentar suas conseqüências

psicológicas nem viver sua respectiva crise. Porém, como já foi dito, os intelectuais

brasileiros sentiam a diferença que os afastava da sensibilidade de um povo inculto e

analfabeto, e por isso buscavam irmanar-se a seus congêneres europeus. Se de fato

faziam isso, como parece ser correto, é claro que incorporaram também o mal-estar

da civilização e indiretamente compartilharam um pouco de sua sensibilidade,

mesmo vivendo em uma sociedade agrária, num país fornecedor de matéria prima

para a Europa e inserido, de forma enviesada e a contrapelo, na ordem liberal, por

conta da mão-de-obra escrava. Além disso, não há nada que exclua a possibilidade

de que nosso intelectual, a princípio incomodado com seu meio, em torna-viagem,

tenha finalmente se interessado por seu povo inculto, analfabeto e matuto.

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Fagundes Varela, além de homem letrado e educado, dava mostras de estar

sintonizado ao romantismo europeu, como podemos deduzir, a princípio, a partir do

rol de exemplares de sua biblioteca constante de um auto de penhora de seus bens.

Ali incluem-se: A dama das camélias, Fausto, Nossa Senhora de Paris, Musset,

Heine, Béranger, Alfredo de Vigny, João Paulo Richter, George Sand, Stendhal,

Gautier, Lamartine, Paulo Féval e outros mais.230

Também podemos medir o grau de consciência dos poetas do Romantismo

produzido no Brasil a partir da crítica que fizeram ao modelo de desenvolvimento e

de progresso adotado por nossa economia, que, desde o início da colonização, tem

optado, mais de uma vez (como afirmamos em relação às atuais fronteiras agrícolas),

pela exploração extrativista:

(...) a posição dos românticos em face da natureza agredida não era o simples desdobrar passivo de lamentações sentimentais sem suporte: era, sim, e mesmo que às vezes mavioso demais, um grito fundamental de protesto, bastante consciente dos desatinos em curso e com freqüência impregnado de consistência ideológica. Se os poetas caboclos, por um lado, cediam à tradição européia –– que levou Castro Alves, por exemplo, a extrair de Virgílio o título nada tropical de ‘Sub tegmine fagi’ –– por outro eles a repeliam com ênfase, cada vez que a realidade da origem, da condição, da paisagem que os incluía e inspirava, forçava-os a preferir o sertão e as matas à entrada triunfante do colonizador insensível.231

Outro exemplo do grau de conscientização e de atualização de nossos autores

românticos pode ser visto em Varela, um dos primeiros a incluir em seu arcabouço

filosófico idéias provindas do Oriente:

Surpreende pois que Varella, dividido em metades, acantonado em Rio Claro para brigar sem grandeza, fazendo versos safados contra inimigos medíocres, estivesse ao mesmo tempo em sintonia com o mundo, captando tendências recém-surgidas na Europa que ainda iriam ocasionar no Ocidente, bem mais tarde, uma revisão de valores, posturas e hábitos de pensamento. O orientalismo dos hinos reciclados, fosse qual fosse sua origem, dava no entanto uma confirmação erudita, e respeitável, às intuições que ele sozinho extraía, com seu lado sereno, do mergulho que deu na natureza.232

Além disso, o silenciar, ou a apenas apagada menção, tendente à hipotonia, da 230 BROCA, Brito. (1979) p. 99-100.231 FRÓES, L. (1990) p. 98.232 Ibidem. p. 123-124.

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produção da lírica sertaneja implica em uma leitura incompleta e chapada do

Romantismo porque esse é um de seus aspectos fundantes. Tal enfoque trai uma

orientação da historiografia literária que pretende ver o desenrolar das manifestações

estéticas como um percurso de mão única. Não pretendemos seguir por aí, optamos

pela mais possível e verossímil pluralidade de caminhos. Essa abertura tem sua

fonte, por exemplo, segundo João H. Weber, na teoria do “instinto de nacionalidade”

de Machado de Assis:

(...) Afirmamos que, ao estabelecer diferentes linhas de força para a literatura brasileira, o “Instinto” de Machado possibilita (...) ler a literatura do passado não como um todo orgânico, unívoco, que ruma inevitavelmente a um determinado fim, e, nesse sentido, a literatura não como consecução “necessária” de um ideal qualquer de nação, mas, ao contrário, como um espaço de realização de virtualidades, estéticas inclusive.233

Armando Freitas Filho, em 1979, chegava a conclusão semelhante, afirmando

que na poesia brasileira finalmente operara-se um movimento de abertura, a partir do

legado dos poetas do Modernismo. Todos os tipos de orientações e influências

poderiam ser admitidos. Do mesmo modo, não seria mais possível uma interpretação

da literatura brasileira que mantivesse o exclusivismo de determinada tendência. O

pluralismo das tendências acabou por se impor, de modo que o “sectarismo não mais

seria aceito”.234

O romântico (dentre as várias linhas que o movimento compreende) quer evitar a

mundividência sem mistérios determinadas pelo logocentrismo. Aceita fácil a

religião principalmente por isso, por ela radicalmente não poder reduzir-se a

explicações e demonstrações lógicas. Encanta-se com a subjetividade porque, em sua

profundidade, há afirmações que pertencem ao arbitrário. Quando um poeta letrado

interna-se nas fazendas –– não como aparentemente julgava Antonio Candido,

233 WEBER, J. H. (1997) p. 196.234 FREITAS FILHO, A. (1979) p. 101-102.

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revivendo um Silvio Romero, na tendência de buscar os fortes e saudáveis, em

passagem que há pouco transcrevemos –– ele pode estar em busca de

comportamentos diferentes, de um repertório de atitudes, de modos de existência,

que, muito embora obsoletos, como querem, são diferentes e correspondem a

atitudes diversas daquelas determinadas pelas últimas tendências do capitalismo

ocidental de então.

Não seria incoerente louvarmos a inclusão de correntes associadas a fontes

provincianas e “atrasadas” em uma obra do modernismo e em correntes estéticas

mais contemporâneas e não fazer o mesmo em relação à produção da escola

romântica? Vejamos os exemplos do modernista Oswald de Andrade e do

compositor Gilberto Gil:

O VIOLEIRO

Vi a saída da luaTive um gosto singuláEm frente da casa tuaSão vortas que o mundo dá 235

Lamento sertanejo

Por ser de lá do sertãoLá do cerradoLá do interior, do matoDa caatinga do cerradoEu quase não saioEu quase não tenho amigoEu quase que não consigoFicar na cidade sem viver contrariado

Por ser de láNa certa, por isso mesmoNão gosto de cama moleNão sei comer sem torresmoEu quase não faloEu quase não sei de nadaSou como rês desgarradaNessa multidão boiada

235 ANDRADE, Oswald. Pau-Brasil. 2 ed. São Paulo: Globo; Secretaria de Estado da Cultura, 1990. p. 94.

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Caminhando a esmo236

Ou ainda quando encontramos os mesmos elementos em poemas dos anos setenta

e oitenta. Então, por que expressar um juízo de gosto negativo, quando esses

elementos da sensibilidade interiorana surgem em meados do século XIX em poesias

bem realizadas? Da mesma forma, em fins dos anos sessenta, o tropicalismo

procurava alimentar-se de diversas orientações da cultura brasileira e internacional,

incluindo variantes sertanejas, provincianas ou de um romantismo extemporâneo.

Esse caminho lhe fora ensinado, dentre outros, pelo próprio Oswald de Andrade.237 E

foi dessa confluência que se originou mais uma fase da produção poética nacional.

Daí nosso interesse pela gênese e pelo estudo das manifestações da cultura e da arte

sertanejas.

A desmontagem das vanguardas vem, portanto, de dentro, como estratégia de mercado, e como desesperada tentativa de sobrevivência enquanto poder, tentando, em vista disso, sua ampliação de auditório e entradas dos meios de comunicação de massa, e, inseridos nesses outros circuitos, freqüentar e habitar novas freqüências, procurando atuar também fora do livro para atender a um número maior de necessidades. Desses casamentos, oportunistas e oportunos, como tantos, que os bem-pensantes poderiam julgar espúrios, é que começou a nascer a nova poesia brasileira.238

Ao pretendermos objetivar a importância da vertente sertaneja de nosso

romantismo decidimos rastrear esse percurso, retrocedendo na linha do tempo.

Assim, o fenômeno que estudamos parecia comportar-se como um curso d’água que,

espaçadamente, desaparece em sumidouros para logo ressurgir à frente. Partindo

desses momentos em que a manifestação tornava-se evidente, procuramos também

buscá-la onde parecia esconder-se, em decorrência, talvez, de sua própria natureza,

sempre distante das instâncias legitimadoras. Também estivemos atentos ao fato

intencional e ideológico de procurarem escondê-la, possivelmente, por orientações

236 GIL, Gilberto, DOMINGUINHOS. Lamento sertanejo, 1973. (A letra é de Gilberto Gil.)237 FREITAS FILHO, A. (1979) p. 90.238 FREITAS FILHO, A. (1979) p. 93.

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discrepantes da intelligentsia.

A vertente sertaneja do lirismo em literatura brasileira precisa ser melhor

conhecida, principalmente por ser responsável por uma parte importante do que se

pode chamar de literatura brasileira. A nosso ver, a ocultação dessa poética na

produção vareliana e na poesia romântica em geral já prejudicou suficientemente os

estudos em literatura brasileira. Julgamos já ter chegado a hora de nossa poesia

sertaneja ocupar o lugar que efetivamente lhe cabe.

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