linhas tortas -...
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Linhas Tortas De Pedro Guilherme
2010
Primeiro capitulo:
Inicio dos acontecimentos.
São Paulo, mil novecentos e vinte e seis, Euclides é dono de um dos bancos mais
importantes do país: o Banco Guimarães. Ele mora com a irmã, Ruth e com o filho,
Eduardo. Apesar de morar com familiares, Euclides Guimarães é um homem muito
sozinho, pois, a irmã nunca escondeu o desejo de vê-lo dentro de um caixão,
enterrado para poder se apropriar de seus bens, embora ela finja estar sempre
preocupada com o irmão. Já seu filho, é um homem problemático, que sempre
reiterou ao pai o seu desejo de morar bem longe dele. Na verdade, ninguém sabe
explicar esse comportamento tão lamentável de Eduardo em relação ao pai,
desconfiam-se de que seja assim, porque jamais assimilara a morte da mãe, que
morrera de Pneumonia, quando ele ainda era criança.
Eduardo vivia só de farras, não trabalhava e sobrevivia graças à herança da mãe.
Euclides nunca o tratou mal por essa situação, pois Eduardo não admitia quaisquer
fossem os palpites em relação a sua vida. Todavia, Eduardo gostava do pai, mas de
seu jeito, sem muitas demonstrações de carinho, sem muita conversa, mas com
trocas de olhares e essas trocas de olhares tapavam um pouco o imenso buraco no
coração de Euclides, que sempre teve por perto pessoas gananciosas e falsas.
Porém, quando conversam, Eduardo discutia, falava desaforos ao pai e algumas
verdades em relação à Ruth, pois ele nunca gostara da tia, e sempre dizia que ela
não passava de uma interesseira, Euclides sabia disso, mas iria fazer o quê?
Expulsar a própria irmã de sua casa? Não, não. Ele jamais faria isso, afinal apesar
de todos os defeitos, o carinho e amor que ele sentia pela irmã, falava mais alto.
Nesses momentos de discussão, Ruth ficava calada, em hipótese alguma rebateria
qualquer acusação do sobrinho, a única coisa que fazia, era gritar para os quatro
cantos do mundo que Eduardo possuía deficiência mental.
Do outro lado da cidade, moravam Maroca e Débora, mãe e filha. Maroca trabalhava
como faxineira no hospital do centro da cidade, já Débora, que não completara os
estudos por imposição da mãe que alegava que a filha deveria ajudá-la com as
despesas da casa, trabalhava também como faxineira no salão e clube de festas de
Alfredo Martinho. Débora é uma pessoa muito boa de coração e de uma vida sofrida,
tem sua mãe como uma grande carrasca, pois, Maroca não demonstrava nenhum
carinho para com a sua filha e a impedia de namorar qualquer rapaz, porque
segundo ela, homens só servem para fazer as mulheres sofrerem, e ela diz isso por
experiência própria, já que o marido lhe abandonaria deixando-a sem nenhum
suporte. Até por esse motivo se tornara uma pessoa muito seca e fria de
sentimentos.
Maroca morava em uma casa simples e tem como vizinhos, Mariano e Eduarda,
Mariano é contador no banco de Euclides, e é marido de Eduarda, os dois criam o
neto, Miguel, apesar de se conhecerem a bastante tempo, o casal não tem muita
intimidade com Maroca e mesmo assim, não aprovam o jeito ao qual ela trata sua
filha.
No centro da cidade, situava-se a delegacia, que tinha como delegado, Raul
Moreira, um homem íntegro, sério que zela pela ética e bons costumes de sua
delegacia. Ele tem duas filhas, recém nascidas, Célia e Andressa e é casado com
Aurélia. Apesar de ser
um pai e marido amoroso, Raul não era tão presente na vida da mulher e das filhas,
isso porque, passava a maior parte do dia na delegacia que tanto amava.
Ali perto da delegacia, residia o Marquês Augusto Gusmão, figura da alta sociedade,
morava juntamente com seu ambicioso sobrinho, Péricles, que acabara de se
formar. Ele era um homem astuto e extremamente inteligente, estava de partida para
a Inglaterra, aonde queria aperfeiçoar os conhecimentos.
No dia treze de maio, coincidentemente, trinta e oito anos atrás, data da abolição da
escravatura, Eduardo foi ao salão e clube de festas de Alfredo Martinho. A noite
estava linda, e o clube estava cheio, Débora ficaria limpando o salão até mais tarde.
Sua mãe não gostava de ver a filha até altas horas na rua, mas Alfredo Martinho era
um homem respeitável e sempre a levava de volta para casa.
Tarde da noite, poucos freqüentadores continuavam no salão, dentre eles estava
Eduardo, que fora até o pátio do clube aonde Débora limpava o chão. Galanteador,
ele se encantou pela moça e sorriu. Ela um tanto encabulada, retribuiu o sorriso.
Não contente com o simples sorriso, Eduardo falou:
--- Pensei que você só existia em meus sonhos... Mas vejo que felizmente você
existe!
Ela, então muito nervosa, disparou:
--- São seus olhos!
Eduardo estava completamente apaixonado por Débora, e ela também. Porém,
naquela noite, somente estas poucas palavras fizeram parte do diálogo.
Débora chegara a casa com uma felicidade, até então, nunca vista, Maroca logo
percebeu e exclamou:
--- Se você está amando alguém, saiba que só namorará por cima do meu cadáver!
Débora não respondia, pois respeitava muito a mãe, embora seu jeito turrão, porém
ela sabia que só seria feliz no amor, desrespeitando as vontades de Maroca.
Eduardo chegou a sua casa tarde da noite e fora direto para o quarto. Euclides
observou a chegada do filho e foi até lá, quando chegara, falou a ele:
--- Olá meu filho, parece tão feliz, aconteceu algo? Eu te esperei para jantar, se você
quiser o Teudorico lhe faz um sanduíche.
Naquele azo, Eduardo parecia outra pessoa, ficou tão sério e ao mesmo tempo
nervoso, que xingou o pai:
--- Cala a boca! Quem é o senhor para querer saber da minha vida? Estou cansado,
cansado de não ter nenhuma privacidade e ainda ter que agüentar o senhor para me
amofinar! Mas não se preocupe, muito brevemente estarei de partida, sumirei do
mapa para o senhor e mais ninguém me achar!
Depois de tantos insultos, Euclides baixou a cabeça, foi para a sala e começou a
chorar. Ruth observando tudo pensava:
“Ainda colocarei o Eduardo no Hospício!”.
Amanhece e na casa do delegado Raul Moreira, o café sai cedo, então, dona
Aurélia vai a padaria comprar pães fresquinhos para agradar o marido. Contudo,
quem fica feliz com essas visitas freqüentes é o próprio padeiro Pascoal, que já se
declarara milhões de vezes para ela. As pessoas podem pensar, mas ele não tem
medo? Afinal, ele está mexendo com a mulher do delegado e em pleno ano de mil
novecentos e vinte e seis! Realmente as indagações são procedentes, porém,
Pascoal era um homem de sentimentos e estava pouco ligando para a opinião dos
outros, mesmo com tantas declarações, dona Aurélia se mantinha fiel ao seu
marido, pois ela o amava.
Os meses foram passando, e Débora e Eduardo se encontravam as escondidas e
com a aprovação de Alfredo Martinho, que era amigo de Eduardo. Dona Maroca
desconfiava, mas acreditava que Alfredo não iria lhe trair a confiança, mas ele não
fazia por mal, logo conhecia os dois e sabia que se Eduardo casasse com Débora, a
vida dela estaria feita, portanto Alfredo Martinho agiu com a melhor das intenções.
Novo dia, Euclides saiu cedo de casa para resolver algumas pendências em seu
banco, enquanto isso, Eduardo tomava seu café da manhã trancado no seu quarto,
quando Ruth teve a idéia de chamar o hospício para internar seu sobrinho. Ela
estava cheia do filho de seu irmão, e como Euclides estava trabalhando, era o
momento perfeito para tornar-se a única e legitima herdeira do banco Guimarães.
A ambulância chegara, Ruth se fez de assustada com toda a situação, falara para
os médicos que o sobrinho lhe ameaçara de morte, os médicos arrombaram a porta
do seu quarto, e vendo os médicos, Eduardo começou a gritar e tentou reagir,
todavia sem sucesso, ficaria então com mais raiva vendo Ruth feliz com a sua
internação. Enquanto isso, Euclides voltara para a sua casa, pois, havia esquecido
um documento na mesa de seu escritório. Chegando lá e ouvindo os gritos do filho,
ele ordenou que o soltassem.
Por sua vez, Ruth tentou argumentar:
--- Mas meu irmão, ele me ameaçou com uma faca, dona Magnólia estava aqui
comigo e presenciou tudo!
Claro que se tratava de mais uma mentira, a tal dona Magnólia, realmente existia e
era vizinha da casa dos Guimarães, contudo tinha noventa e oito anos e mal
andava. Porém, Euclides era um homem muito solitário e mesmo morando ali há
bastante tempo, não conhecia sequer um vizinho, a não ser raras exceções e
mesmo assim, só de vista.
Naquele instante, Euclides não duvidou da irmã, mas achou que ela estava
exagerando, como sempre fazia. Todavia, mesmo assim, não deixou o filho ser
internado e ordenou que o soltassem.
Os médicos foram embora e Eduardo se trancou no quarto, Euclides sentara no
sofá da sala, muito triste e com os olhos marejados. Ruth também ficou na sala, mas
calada e pensativa.
Em um determinado tempo depois, ouve-se uma batida na porta, era Eduardo, que
descia as escadas com duas malas de viagem. Quando Euclides viu que o filho
estava de partida, implorou:
--- Meu filho, por favor, não vá embora, aquilo foi um acidente, prometo a você que
não irá se repetir. Não me abandone, pois você é minha única razão para viver.
Mesmo com aquelas profundas e sinceras palavras de Euclides, Eduardo se
mantinha irredutível:
--- Lamento, mas não há a menor possibilidade de eu continuar aqui. Parabéns
Ruth! Você vai conseguir o que quer! Pai, eu sinto muito em não ter sido o filho que
você merecia. Adeus!
Eduardo vai embora e Ruth tenta consolar o irmão. Porém, Euclides responde:
--- Deixe-me sozinho, Ruth!
Enquanto isso, na casa de Maroca, ela e sua filha preparavam o almoço, pois
tinham que ir para seus respectivos serviços. Maroca, então serviu Débora que ao
olhar para seu prato, repunara a comida. Alegava para a mãe que estava enjoada.
Mas o que se passava é que, na verdade, Débora estava grávida de Eduardo, e não
tinha a menor idéia de como ficaria seu futuro, logo que a criança nascesse.
Entretanto, por medo da mãe, ela escondeu durante os seus sete meses de
gestação, a barriga. Vestia espartilhos, o que naquela época era normal, porém
muito arriscado, para a saúde da criança que estava por nascer.
Maroca, até então, tinha certa desconfiança para com a sua filha. Mas, acreditara
que seria mesmo por causa dos lanches que a filha comera no clube aonde
trabalhava.
Após o almoço, Maroca saiu para trabalhar, e Débora ficara esperando Alfredo
Martinho lhe buscar de automóvel para também ir.
Por sua vez, Eduardo que saíra de casa atordoado, parou com seu carro no clube
de Alfredo, ele fora lá para pedir que fosse buscar Débora, pois tinha um assunto
importante a falar. Sendo assim, Alfredo Martinho autorizou que Eduardo fosse
busca - lá. Porém, as intenções de Eduardo eram outras. Seu desejo era levar
Débora consigo para bem longe da cidade.
Chegando lá, Eduardo estaciona o carro, para a surpresa de Eduarda, que sozinha,
dispara:
--- Mas, o que será que o filho do seu Euclides quer com a menina?
Quando o vê, Débora fica surpresa e avisa que tem algo muito importante a dizê-
lo. Porém, Eduardo fala:
--- Deixe para me dizer no caminho, sabe... Eu saí de casa, e agora estou de partida
para bem longe dessa cidade e vim buscar você para me acompanhar.
Por um ensejo, ela ficou até entusiasmada, mas pensou em sua mãe, e o indagou:
--- Como vou deixar minha mãe? Não posso abandona - lá!
Eduardo, então, mentiu. Disse que seria apenas uma viagem para acalmar os
ânimos e quando voltassem, voltariam casados.
Débora pensou que se voltasse casada, talvez a mãe a relevasse. Contudo, as
palavras de Eduardo eram simplesmente, mentiras. Sua real intenção era tão
somente, se divertir por algum tempo com Débora, embora sentisse algo por ela,
nunca passara por sua cabeça o desejo de constituir família.
Diante das palavras doces e amáveis de Eduardo, ela aceitou seu pedido e os dois
partiram de automóvel.
Mudando de assunto, se existia uma pessoa entusiasmada na cidade, essa pessoa
era Aurélia, pois nesse dia, completara cinco anos de casamento. Seu marido, o
delegado Raul Moreira, saíra cedo para a delegacia, e ela se programava para fazer
um lindo jantar romântico para ele. Claro que esperava que quando o delegado
chegasse lhe trouxesse um belo presente.
Já partindo para fora da cidade, iam Débora e Eduardo, ele parecia um tanto
nervoso. Talvez por nunca ter saído em definitivo de sua cidade e também porque
no fundo, no fundo já estava com saudades de seu pai, mas certamente, nunca
daria o braço a torcer.
Naquele momento, Débora já não agüentara guardar aquele segredo, foi então que
ela revelou que estava grávida, e que só havia falado agora, porque não tinha a
mínima idéia de qual seria a sua reação. Sabendo da realidade, Eduardo não
acreditara, pois nunca quis ter filhos e muito menos, uma família. Ele ficou ainda
mais aborrecido e começou a acelerar o carro, Débora já estava com medo, quando
lhe perguntou:
--- Não gostou de saber que será pai?
Com um tom de lamentação e raiva ao mesmo tempo, Eduardo respondeu:
--- Você desgraçou a minha vida, por sua culpa meus sonhos estão indo para o ralo!
Muito descontrolado e com a elevada velocidade de seu carro, Eduardo descuidou
da tremenda árvore que avistava e seu automóvel batera nela, que com a força do
carro, caiu em cima de ambos e os deixou muito feridos.
Ruy Érico, amigo de longa data de Euclides, passava por ali. E quando viu que se
tratava de um acidente, logo chamou uma ambulância para socorrê-los. Vendo de
quem se tratava, ele ficou surpreso, afinal era o filho de seu melhor amigo, em
minutos a ambulância chagara, pois o hospital situava-se perto do local do acidente.
Chegando lá, Ruy Érico ficou horas e horas, aguardando a palavra dos médicos.
Coincidentemente, o hospital onde Débora e Eduardo estavam, era o mesmo que
Maroca trabalhava.
Ruy Érico bem que pensou em ligar para Euclides, contudo, ele sabia que seu amigo
ficaria preocupado, portanto esperou saber em que estado de saúde Eduardo se
encontrava.
Naquele instante, Maroca limpava o chão do corredor do hospital, quando o médico
falara:
--- Por favor, os parentes de Eduardo Guimarães e Débora Martins, por gentileza,
me acompanhem!
Pensando no que o médico acabara de dizer, Maroca começou a ficar nervosa,
afinal o nome era idêntico ao de sua filha, porém, ela pensou que a filha naquele
período, trabalhava, por isso não haveria de ser ela. Sendo assim, continuou os
seus afazeres no hospital.
Ruy Érico se aproximou do médico, que ali mesmo, no corredor do hospital, foi curto
e grosso:
--- Bem senhor, tentamos de todas as formas, mas infelizmente, Eduardo Guimarães
teve uma parada cardíaca e morreu, eu sinto muito!
Ele muito assustado com toda aquela situação, lamentou:
--- Meu deus do céu! Como contarei para o Euclides? Ele ficará abalado! Mas
doutor, e a moça que lhe acompanhava? Eu não tenho a menor idéia de quem a
conheça! O
médico respondeu:
--- Ah... Desculpe, ela também se encontrava em um estado bastante grave, e
quando descobrimos que estava grávida de sete meses, decidimos tentar salvar a
criança, e felizmente, conseguimos. Porém, ela morreu logo após o parto. Por sorte,
levava consigo sua carteira de identidade, aqui diz que é filha de Maroca Martins!
Quando Maroca ouviu seu nome ser citado pelo doutor, algumas poucas lágrimas
escorreram em seu rosto. Pensamentos, indagações e o inconformismo tomaram
conta da sua cabeça.
O doutor a confortou, e explicou que sua neta nascerá prematura e por isso ficaria
no hospital durante algumas semanas, sabendo que se tratava de uma menina,
Maroca disparou:
--- Menina? Mas que belo presente você me deu Débora!
Maroca estava sendo irônica, pois detestava a idéia de ter que cuidar da neta.
Ouvindo tudo que ela dizia, Ruy falou:
--- Me desculpe senhora, mas sua neta, também é neta do meu amigo, Euclides
Guimarães. E se a senhora não tem condições, ou não quer ficar com a menina,
saiba que ele terá o prazer em cria - lá.
Ao ficar sabendo de que o avô de sua neta, era nada mais, nada menos, que o dono
do Banco Guimarães, Maroca mudou totalmente suas palavras. Na verdade, ela não
queria dar o braço a torcer, pois, um dos seus defeitos mais relevantes era a sua
tremenda arrogância. Agora então, mesmo sem a menor vontade de cria a neta,
Maroca não admitiu deixá-la ser criada por Euclides. Foi aí, que ela suplicou a Ruy
Érico:
--- Eu peço apenas um favor ao senhor, guarde esse segredo para sempre, deixe
ela comigo, pois tenho certeza que ela ficará bem!
Ele tentou argumentar, disse que Euclides tinha o direito de saber, mas Maroca
continuou sua chantagem emocional:
--- Eu sei disso, um dia ela terá que saber, mas eu imploro ao senhor, não conte
nada sobre minha família a ninguém. Confesso ao senhor, que não tenho a menor
vontade de que ela conheça essa gente rica, pois assim como fez a minha filha, ela
também me abandonará!
Ela bem que tinha esse enorme medo de perder a neta, como perdera a filha. E viu
em sua neta, uma forma de poder ter a filha de volta. Diante dos fortes argumentos
emocionais, lançados por Maroca para convencê-lo, Ruy Érico ficou sem palavras, e
indagado por ela se guardaria segredo, ele involuntariamente respondera que sim.
Contudo, ele não medira as conseqüências que aquele sim poderia causar.
Logo após aquela longa conversa, Maroca foi ao salão e clube de festas, e lá
dissera poucas e boas para Alfredo Martinho, o chamou de sem vergonha para
baixo, afinal ele sabia do romance de Débora e Eduardo, desde o começo. Todavia,
ele não respondeu os insultos, pois se sentia culpa pelo ocorrido. E para a sorte de
Maroca, ele não sabia da gravidez de Débora.
Durante esse meio tempo, Ruy Érico foi à casa de Euclides, quando chegou, foi
recebido por Ruth, pois Euclides, com muita dor de cabeça, fora dormir em seu
quarto. Então, Ruth perguntou se ele queria deixar algum recado e ele respondeu:
--- Eu, infelizmente tenho uma reunião agora em minha editora, não poderei falar
com ele...
Naquele momento, Ruy Érico falara que Eduardo havia falecido, vitima de parada
cardíaca, contou que ele estava acompanhado de uma mulher. Mas, em nenhum
instante, falou da criança.
Sabendo do ocorrido, Ruth ficara radiante, pois seu grande objetivo estava prestes a
se tornar realidade, permanecia tão alegre, que não conseguiu se conter.
Interrompeu o sono do irmão e lhe contou o que tivera acontecido. Euclides ficou
abalado, inconsolável, inconformado e pensou por um ensejo que sua vida estava
acabada, sob os olhos alegres de Ruth, ele falou:
--- Não sei se terei vontade de viver, como vivia antes, Ruth!
Ela, então tentou consolá-lo, porém, era visível sua felicidade, com toda aquela
situação.
No centro da cidade, quem não andava nada bem, era o delegado Raul Moreira,
cheio de processos para examinar, só poderia sair da delegacia, quando os
terminasse, o problema era que, sua mulher o esperava ansiosa em casa. O pobre
delegado, já tivera até comprado o presente para Aurélia. Mas, como sempre dizia:
--- Primeiro o dever, para depois o lazer!
Anoitecendo, Raul ligara para a esposa, comunicando-a que não tinha idéia de
quando terminaria de examinar os processos. Mas avisou, de que quando chegasse
lhe entregaria seu presente.
Aurélia não ficara convencida da desculpa que o marido lhe apresentava,
permanecia esgotada de tantas desculpas, só que diferentemente de outros
homens, todas as escusas eram verdadeiras. Porém, a vida não é tão amável para
pessoas corretas, e Raul não fugiu desta regra. Ele passou a noite e madrugada
inteira na delegacia. Enquanto isso, no pátio de sua casa, Pascoal (Padeiro da
cidade), fazia uma serenata para Aurélia, que naquele momento, ficaria
tremendamente emocionada com o gesto dele. Terminada a serenata, ele
perguntou:
--- Aurélia venha comigo, vamos embora, tenha a certeza, que te farei muito feliz!
Ela então, pela primeira vez, ficou encantada com a declaração dele, e deixando ser
levada pelo momento, largou suas filhas com a babá e partiu com o padeiro para
fora da cidade. Tudo parece muito estranho? Sim, parece! Mas, Aurélia estava tão
decepcionada com o marido, que em um ato impensado, abandonaria até suas
próprias filhas.
Segundo capitulo:
Os anos passam, e as mentiras ficam.
Logo após o enterro de Eduardo, Euclides ficara ainda mais abalado, viu naquele
momento que era, realmente, um homem sozinho. Foi ficando tão depressivo que,
abandonou de vez a presidência de seu Banco, deixando todo o seu patrimônio nas
mãos da gananciosa irmã.
Ruth viveu dias, ou melhor, anos de glória. Com o irmão apenas vestindo pijama e
andando pela casa, tamanha era o seu sofrimento, ela tomou conta de todo os seus
bens, e tornou-se presidente do Banco, sempre desviando, uma boa parte do lucro
da empresa para a sua conta.
Depois de semanas no hospital, a neta de Maroca, foi liberada pelos médicos, ela
se chamaria Manuela e passou a viver junto com a Avó. Porém, todos achavam que
Manuela era a filha adotada e não a neta. Visto que, Maroca havia falado para todos
que Manuela era uma criança que achou na rua, e muito sensibilizada, decidiu levá-
la consigo para a sua casa.
Contudo, seus vizinhos, Mariano e Eduarda, desconfiavam daquela história mal
contada. Afinal, eles conheciam tão bem Maroca, que não acreditavam, de maneira
nenhuma, que uma criança abandonada, recém nascida, amoleceria seu coração.
Ela premeditaria tudo, de maneira que ninguém de sua convivência soubesse da
relação que existira entre Débora e Eduardo.
Quando Aurélia deixou as filhas e o marido, para viver com Pascoal, a cidade não
falava em outra coisa. Sabendo do acontecido, Raul ficara muito triste, não
imaginava que sua mulher teria a coragem de abandonar até as filhas. Mas, o pior
ainda estava por vir, sempre respeitado pela cidade, o delegado virou motivo de
chacota de toda a população. Todavia, mesmo sentindo a mesma tristeza todos os
dias, ele teve forças e criou as filhas da melhor maneira possível, dando o amor e
carinho que lhes faltara com a ausência da mãe. O tempo passava, e o carinho dele
para com Aurélia permanecia o mesmo. O que evidenciava o grande coração sem
rancor que ele possuía.
Dezessete anos depois, mil novecentos e quarenta e três. Se Ruth era uma mulher
arrogante, agora então, depois que colocou suas "asas de fora", havia se tornado
insuportável. Nessa época, seus desvios de dinheiro eram visíveis e já estava
colocando o Banco Guimarães, a beira da falência. Mariano, que era contador,
ficava sempre de olho nos passos de Ruth. Contudo, ela não cansava de dizer que,
quem mandava na empresa era ela.
Durante esses anos, Manuela cresceu e uma história antiga se repetiu. Pois, por
imposição de Maroca, ela assim como sua mãe, não completara os estudos.
Quem nunca mais se avistava pela cidade, era Ruy Érico. Logo após, o trágico
acidente, ele decidiu fazer uma viagem e passou a viver na Argentina, fazendo
visitas esporádicas em seu país de origem.
Alfredo Martinho, que tinha o seu salão e clube de festas, subitamente, após a
morte de Débora e Eduardo, fechou as portas e passou a viver com o dinheiro que
guardara durante todo esse tempo. Ele fez isso, porque não agüentava os insultos e
difamações, ao qual, Maroca o acusava. Sua reputação perante a cidade, já estava
sendo prejudicada, tamanha era as acusações que sofria. Desde então, a única
atividade que exercia era a de ser voluntário em um asilo e sanatório de São Paulo.
Euclides permanecia em um estado lamentável, e sua irmã achava que ele estava
ficando esclerosado. Eunice, a empregada da casa dos Guimarães, havia pedido
suas contas, tamanha era a falta de consideração de Ruth com os empregados.
Afinal, ela pagava um salário muito baixo, perante os afazeres, aos quais, Eunice
era responsável em executá-los.
Sendo assim, Ruth decidiu contratar uma nova empregada e sabendo disso,
Mariano não pensou duas vezes, e falou com Maroca:
--- Olá Maroca, desculpe incomodar, mas... Sei que Manuela está procurando
emprego e estão precisando de uma empregada, na casa da dona Ruth!
O desejo de Manuela, sempre foi continuar o estudo, porém Maroca é quem
mandava, e já havia decidido que a menina iria ajudá-la com as despesas da casa.
Apesar de conhecê-lo há bastante tempo, Maroca não sabia aonde Mariano
trabalhava. Muito menos, quem era Ruth, já que há todo momento, quando falara
com Ruy Érico, anos atrás, ele citara apenas o nome de Euclides. Mesmo assim, ela
o indagou:
--- De quem se trata essa, Ruth?
Mariano, respondeu:
--- Ela é a presidente do Banco, aonde trabalho!
Em nenhum azo, passou por sua cabeça, que se tratava da família paterna de sua
neta. Portanto, ela decidiu que a menina iria trabalhar na casa de Ruth. Entretanto,
queria conhecê-la. Foi então, que Mariano a levou juntamente com Manuela a casa
dos Guimarães.
Chegando lá, Ruth se apresentou com a mais perfeita educação, e falou:
--- Minha querida quero que cuide apenas das tarefas da casa. Ah... E quando for
tirar o pó das porcelanas, tenha muito cuidado, pois, cada uma delas custa trinta
vezes o seu salário!
Falada está frase, ela soltou uma grande gargalhada, e ainda disse que esperava
ter confiança em Manuela e reiterou:
--- Eu não moro sozinha, meu irmão mora comigo...
Nesse momento, Mariano interrompeu-a:
--- Desculpe-me, mas, é a senhora quem mora com seu irmão!
Ela então, muito irritada com a interrupção dele, continuou:
--- Que seja... No entanto, querida, não precisa falar com ele, pois, será melhor
assim!
Ruth não admitia que o irmão mantivesse contado com mais ninguém. Alias, como
ele mal falava, ficava fácil de ela o controlar.
Embora estivesse perto de descobrir a verdade, Maroca não soube sequer o nome
do Banco ao qual, Ruth era presidente. Portanto, autorizou que Manuela trabalhasse
lá. Todavia, quem iria trazê-la e levá-la, seria Mariano.
Lembram de Péricles Gusmão? Em mil novecentos e trinta e cinco, ele voltara para
a cidade e inaugurou sua Loja e Fábrica de porcelanas, que se chamara Porcelanas
Gusmão. Oito anos, após a inauguração de sua empresa, ele já tinha consolidado o
sucesso de seu empreendimento. Tornou-se um dos homens mais ricos de São
Paulo. Porém, seu tio, o Marquês Augusto Gusmão, vivia dias difíceis. Pois, durante
toda a sua vida, ele, sempre fora apaixonado por jogatinas. Todavia, até então, ele
quase sempre se saía vitorioso e ganhava muito dinheiro. Mas, de uma hora para a
outra, começou a perder, e quanto mais perdia, mais apostava. Os insucessos
continuavam, até que ele ficou completamente falido. Nesse ensejo, Augusto
morava de favor, na casa do sobrinho Péricles, que não cansava de humilhar o tio,
mesmo sabendo que, todo o conhecimento que possuía era graças ao seu tio, que
lhe dera a melhor educação possível.
Amanhecendo, Manuela foi para seu primeiro dia de trabalho, na casa dos
Guimarães. Chegando lá, ela fora recebida pelo mordomo Teudorico, que com uma
animosidade incrível, falou:
--- Comece limpando todas as vidraças da casa, e logo após, vá até a cozinha onde
lá estará escrito qual o cardápio do almoço de hoje, e prepare-o!
Ela respondeu com um singelo:
--- Sim, senhor!
Manuela começou seu serviço bem no começo da manhã, e tinha que terminar
todos esses afazeres até ás dez horas da manhã e sob os olhos atentos e críticos
de Teudorico.
Entretanto, ela conseguiu terminar todos os deveres, para o espanto do mordomo,
que não imaginara que ela conseguiria. Enfim, Ruth chegara para almoçar, e ficara
impressionada, pois, todas as tarefas já haviam sido feitas e para a inveja de
Teudorico, ela mandou-a que depois do almoço, fosse pessoalmente, pegar uma
encomenda nas porcelanas Gusmão. O mordomo tentou argumentar:
--- Mas, dona Ruth, a senhora disse que era eu, quem iria buscar!
Ruth, sentindo que ele estava com ciúmes, disparou:
--- Isso Teudorico, é para você deixar de ser o imprestável que é! Ah... Manuela, só
pegue a encomenda com o dono da fábrica, Péricles Gusmão. Caso contrário, não
pegue nada!
Manuela, incomodada com aquela situação de guerra entre ela e o mordomo,
disse:
--- Sim, senhora!
Logo após o almoço, Manuela fora até a fábrica, chegando lá, encontrou Miguel
(neto de Eduarda e Mariano), que trabalhava ali, como empacotador.
Ele ficou surpreso ao encontrar ela em seu local de trabalho. Contudo, o explicou
que tivera de buscar uma encomenda para a sua patroa, das mãos do dono da
fábrica.
Chegando à sala dele, ela falou:
--- Licença!
Quando viu Manuela, Péricles ficou encantado, e disparou:
--- Trocaria todas as minhas porcelanas, para poder te observar pelo resto de minha
vida!
Imediatamente, após as doces palavras de Péricles, a sensata Manuela, não lhe
dera a mínima. Pois, era uma menina muito séria, exatamente como Maroca havia
ensinado-a.
Como ela havia ficado calada, ele viu que a moça não era fácil, como tantas outras.
Dada à encomenda nas mãos de Péricles, ela fora embora.
Péricles, então, visivelmente maravilhado, perguntou a Miguel:
--- Estou encantado por esta moça, você a conhece?
Miguel, nitidamente enciumado, respondeu:
--- Eu a conheço sim senhor! Porém, a mãe dele não admite que nenhum homem
tente namorá-la!
Ouvindo aquilo, Péricles Gusmão, falou:
--- Tudo que é mais difícil de ser conquistado, quando obtido, é o dobro de vezes
comemorado! E quem disse que eu quero namorá-la? Eu quero é me casar com ela!
Nesse instante, Miguel já não escondia em seu rosto os ciúmes, ao qual, sentia
naquele momento.
Terceiro capitulo:
Nasce uma grande amizade.
Muitos dias se passaram, já fazia semanas que Manuela permanecia trabalhando na
casa dos Guimarães. Em uma bela manhã, Ela limpava o quarto de Ruth. Quando,
subitamente, Euclides, sentindo fortes dores de cabeça, decidiu ir até a cozinha,
tomar algo, a fim de que aquele mal-estar passasse.
Teudorico, o mordomo da casa, naquele momento, havia ido até a feira, e por isso,
não estava presente na casa
Terminada as arrumações no quarto de Ruth, Manuela fora até a cozinha para
começar a limpá-la, quando se deparou com Euclides. Porém, em nenhum instante,
ela pensou que se tratava do irmão da patroa, e sim, de um empregado da casa,
tamanha era a pobreza das roupas que ele vestia.
Ela percebendo que seu semblante não era dos melhores, falou:
--- Olá, o que o senhor faz aqui? Sabe... Sei que pode estar com fome, mas se o
Teudorico lhe pega aqui, ele contará tudo para a dona Ruth, e seremos demitidos.
Contudo, eu fiz biscoitos hoje pela manhã, o senhor aceita? Ah... Nem tinha me
lembrado em perguntar, qual o seu nome?
Euclides, vendo Manuela, tinha a nítida impressão, que a conhecia de algum lugar,
e observando que se tratava de uma menina pura, não quis revelar quem era. Pois,
acreditava que se descobrisse seu nome verdadeiro não lhe daria a mínima atenção
e estava cheio de pessoas interesseiras a seu redor, por isso, ele respondeu:
--- Olá menina. Eu, eu... Sou o jardineiro, você nunca deve ter me visto por aqui.
Afinal, passo a maior parte do tempo, cuidando das flores. Na verdade, só vim à
cozinha, porque não estou me sentindo bem, sinto uma tremenda dor de cabeça e
pensei em tomar um copo de leite, para ver se passava.
Em um tom de nervosismo, ele prosseguiu:
--- Meu nome é... Chamo-me Onofre!
Manuela, preocupada com o estado de Euclides, falou:
--- O senhor não saia daí, conheço um chá, que além de ser delicioso, irá fazer com
que sua dor de cabeça passe em um segundo!
Euclides ficou admirado com a atitude de Manuela. Visto que, mesmo não o
conhecendo, lhe dera carinho e atenção, coisas que jamais havia recebido antes.
Logo após tomar o chá, seu mal-estar passou e já sabendo o nome dela, ele
agradeceu:
--- Muito obrigado pela gentileza, se tivesse amigos, assim como você... Teria a
certeza, de que a felicidade estaria sempre ao meu lado!
Ela sorriu, e disse:
--- Não seja por isso, nós já somos amigos. Quando precisar de algo ou alguma
ajuda, não deixe de me procurar. Afinal, amigos são para essas coisas!
Depois daquela conversa, Euclides parecia estar com mais ânimo para viver.
Manuela, havia o levado a um mundo aonde um pequeno gesto, torna-se grandioso.
E isso, fez com ele sentisse que não há tristeza, que não seja superada com um
sorriso.
Ele estava, finalmente, disposto a dar um basta em sua vida, e passar a vivê-la com
mais alegria e menos melancolia.
Após a conversa, sem Manuela perceber, ele fora disfarçadamente para seu quarto
e lá se trancou. Pois, ela não sabia quem, realmente, ele era.
Visivelmente enciumado, após o expediente, Miguel fora até a casa de Maroca,
contar-lhe sobre Péricles. Ela ficara muito preocupada e Miguel, reiterou:
--- A senhora tome muito cuidado com ele. Pois, dava para ver em seu rosto, que
ele está disposto a tudo para se casar com a sua filha
Maroca, furiosa, exclamou:
--- Mas, ele que apareça aqui, para ver o que lhe acontecerá!
Em sua casa, Péricles mantinha seus pensamentos voltados para Manuela. Ele
permanecia prestes a ir até a casa dela, e conversar com Maroca. Por ser uma
menina simples, Péricles achava que seria fácil pedir sua mão em casamento.
Porém, ele estava, completamente, enganado.
Novo dia, Teudorico havia, novamente, saído. Ruth andava o tratando como um
simples empregado, o que o deixava zangado.
Chá com biscoitos, e Euclides e Manuela ficaram um bom tempo falando coisas
triviais, até que ela o observando, perguntou:
--- Sabe... Sinto um aperto sempre que o vejo, mas não é um aperto de dor. Mas
sim, uma sensação de lamentação, inconformismo. Gosto muito do senhor. Porém,
sinto que lhe falta algo. O senhor não me parece completamente feliz.
Ele, claramente surpreso, com aquela constatação precisa, respondeu:
--- De certa maneira, minha querida, eu não tive uma vida muito feliz. Talvez por
sentir carência de muitas pessoas ao qual eu amei, mas que infelizmente não me
amaram. Todavia... Um dia lhe contarei, pois, é uma longa história. Contudo, você
também parece não estar totalmente feliz, estou certo?
Ela, sorrindo, disse:
--- O senhor tem razão, durante toda a minha vida, não tive carinho de mãe. Mas,
não culpo minha mãe adotiva, não. Admiro muito ela e sei das dificuldades que ela
enfrentou para poder me criar com dignidade. Porém, sinto falta de um carinho de
mãe, e também sinto falta de não ter tido um Avô, meu sonho sempre foi ter um.
Mas... Nem sempre a vida é como queríamos que fosse!
Euclides, nitidamente, emocionado, falou:
--- Minha querida, apartir de hoje, eu serei seu Avô e você será minha neta. Meu
sonho sempre foi ser Avô e ainda mais ter uma neta tão carinhosa e amorosa assim
como você!
Nesse momento, os dois extremamente emocionados se abraçam e choram.
Euclides e Manuela pareciam cada vez mais amigos, um do outro. Era um
sentimento inexplicável, um sentimento de avô e neta.
Pela manhã, Péricles fora até a casa de Maroca. Entretanto, ela não o deixou entrar
em sua residência. E ainda por cima, disse poucas e boas a ele, exigindo que
deixasse Manuela em paz.
Tentando parecer um homem equilibrado, ele não argumentou e foi embora.
Contudo, a verdade era que ele estava indignado como tivera sido tratado. Portanto,
jurou vingança. Enquanto isso, no Banco Guimarães, um princípio de discussão
se iniciava. Afinal, Mariano havia, definitivamente, constatado que o Banco estava
falido. Muito alterado, ele xingou Ruth e exclamou:
--- Você é a culpada por tudo que está acontecendo! Gastos e mais gastos!
Vestidos, carros, jóias. Enfim, todo tipo de extravagância! Mas, você não perde por
esperar, irei contar tudo para o senhor Euclides!
Ruth, visivelmente despreocupada, rebateu:
--- Fale o que quiser seu contador amador! Quantas vezes falou com meu irmão... E
o que adiantou? Só eu sei o que passei para comandar esse banco com a ausência
do Euclides. Eu fiz o meu melhor, durante esses dezessete anos, e se há algum
culpado aqui, esse culpado é você!
O clima na casa dos Guimarães, era de guerra! Teudorico estava, realmente, muito
incomodado com a presença de Manuela na casa. Foi então, que sua mente
maquiavélica aflorou.
Planejou fazer com que Manuela fosse acusada de roubo, e para isso, pegou três
das jóias de Ruth e colocou-as, dentro da sacola que Manuela guardava seus
pertences. Ele permanecia disposto a tudo, a fim de que ela fosse demitida.
Já no final da tarde, Ruth chegara, e logo atrás vinha Mariano, que entrara e fora
direto falar com Euclides. Afinal, queria que ele ficasse a par de todos os problemas
que seu Banco, enfrentava. Chegando ao quarto, Mariano falou:
--- Olá, senhor Euclides. Parece estar com uma aparência tão melhor! Podemos
conversar?
Ele já havia tentado falar com o patrão, diversas vezes, durante esses anos.
Contudo, Euclides não demonstrava interesse em conversar. Porém, desta vez, foi
diferente, ele estava disposto a ouvir o que Mariano tinha a dizer. Então, ele o
explicou todos os reais motivos para a crise, que sua empresa enfrentava. Sabendo
as tramóias que sua irmã aprontava, desde sua saída do Banco. Euclides lamentou:
--- A culpa foi toda minha, eu jamais deveria ter deixado o Banco nas mãos da Ruth.
Porém, acabou a brincadeira, de agora, em diante, eu voltarei a comandar o
Banco... E, estou pensando seriamente, em expulsar minha irmã dos negócios. Vou
tirar todos os bens que ela comprou, graças a os desvios que fazia!
No andar de baixo, Teudorico avisou Ruth, de que as jóias que ela mandara
separar, simplesmente, haviam sumido.
Ela fez um escândalo, disse para ele, que procurasse em todos os lugares
possíveis. Todavia, o mordomo, falou:
--- Já procurei em todos os lugares, senhora! Exceto, nos pertences de Manuela!
Ruth não exitou, e revistou as coisas da menina, que estavam em um determinado
canto da casa. Para a sua surpresa, ela encontrou as jóias.
Manuela, que estava na cozinha, ouviu as acusações que lhe eram imposta:
--- Sua golpista, morta de fome, ladra de jóias! Não sai daí. Pois, chamarei o
delegado Moreira para prendê-la, e terei o prazer em demiti-la!
Manuela, não parava de chorar. Afinal, sabia que não tinha culpa de nada e que as
acusações de Ruth, para com ela, eram falsas.
Os gritos de Ruth foram parar no quarto de Euclides, que, tremendamente, irritado,
desceu as escadas e ordenou:
--- Cale essa boca, Ruth! Estou cheio desses seus chiliques!
Ela tentou argumentar, alegando que Manuela havia roubado suas jóias. Porém, ele
a conhecia e sabia que ela jamais iria roubar nada. Então, ele continuou:
--- Manuela não será demitida, e ponto final! Agora, Teudorico, peça desculpas para
ela e explique o que você fez. Caso contrário, o demitido aqui, será você!
O mordomo, constatando que já haviam descoberto sua farsa, chorou sem parar e
pediu desculpas. Disse que havia feito aquele ato falho de cabeça quente. Pois, se
achava inútil, perto da menina.
Enquanto falavam, Manuela se mantinha sem palavras. Afinal, ela havia descoberto
que seu grande amigo era na verdade, o seu patrão. Estava se sentindo enganada.
Ele fora conversar com ela, que muito magoada, saiu para o pátio da casa e se
sentou na cadeira da varanda. Euclides começou a chorar, e a explicou, porque
fazia anos, que se mantinha enclausurado, dentro de sua casa. Explanou-a relação
difícil, que tinha com seu filho, e o acidente que o abalou emocionalmente. Expôs a
ela, que mentiu o nome, pois acreditava que só seria um pouco feliz, se não fosse
quem era, e reiterou:
--- Tenho um imenso carinho, para com você, um sentimento verdadeiro, como de
avô para neta!
As pessoas podem imaginar... Mas eles se conheciam há tão pouco tempo? Como
poderiam ter um sentimento tão forte? É complicado de se imaginar, mas, era um
carinho verdadeiro e superior a amizade. Visto que, tratava-se de avô de neta, que
por obra do destino, se conheceram nessas circunstâncias, e viraram amigos...
Passando assim, por cima das “barreiras” que Maroca impusera para que essa
aproximação jamais ocorresse.
Enquanto conversavam lá fora, Ruth começou a imaginar, que pelo jeito que seu
irmão havia tratado a menina, algo de ruim poderia lhe acontecer. Aos poucos, Ruth
estava achando que Manuela poderia estar se tornando sua pior inimiga.
Logo após a conversa, Manuela e Mariano foram embora, no caminho, ela pediu a
ele, que não contasse nada para ninguém, sobre o ocorrido. Visto que, sabia que se
sua avó descobrisse que ela fora acusada de ladra, nunca mais iria deixá-la
trabalhar na casa dos Guimarães.
Quarto capitulo:
De presente, uma inimiga declarada.mo tratado. Portanto, jurou vingança.
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Chegando em casa, Manuela não contara nada para Maroca, que naquele instante,
nem percebia que por obra do destino, sua neta estava muito próxima do avô, ao
qual jamais soubera que existia.
No dia seguinte, logo pela manhã, Euclides fora tomar seu café matinal. Era a
primeira vez, depois de longos anos, que ele se encontrava ao redor da mesa. Ruth
parecia não ter escutado o que o irmão havia lhe falado na noite anterior. Na
verdade, ela não acreditava que Euclides estava realmente disposto a mandá-la se
afastar da empresa. Sendo assim, se arrumou normalmente, e fora tomar o café da
manhã, encontrando-o, ela sorriu e falou:
--- Bom dia, meu irmão! Desculpe-me se me atrasei, é que estava me arrumando, e
acabei descuidando no horário. Contudo, rapidamente tomarei meu café, para que
possamos ir juntos para o Banco.
Ouvindo o que Ruth acabara de falar, Euclides não acreditou no que estava
escutando, e calmamente, disse:
--- Não precisa apressar-se por minha causa. Pois, irei sozinho ao Banco.
Tentando amolecer o coração do irmão, ela continuou:
--- Não tem problema, vou com meu automóvel!
Foi aí que Euclides, exclamou:
--- Ruth, minha irmã. Você está proibida de estar circulando pelo banco Guimarães!
Ora! Parece que você não pensa no que faz? Tem idéia do que os seus gastos
estão me custando? Quanto ao seu carro, já encontrei um comprador para ele, ou
seja, você não tem mais automóvel. Afinal, tive que encontrar meios para que você
pague essa gigantesca dívida. Ruth, não pense que faço isso por prazer, mas só
quero que entenda que te dei um voto de confiança, e você o colocou no lixo!
Após aquela conversa, Euclides fora direto para a empresa. Enquanto isso, Ruth
ficara em casa, pensativa e cheia de rancor no seu coração. Ela estava se sentindo
humilhada. Ficava imaginando como seria sua vida daqui para frente, sem seus
gastos excessivos. Naquele momento, permanecia disposta a tudo, tanto que jurou a
si mesma:
--- Se for preciso, se for necessário para recuperar meu dinheiro, eu destruo a vida
de Euclides!
Na noite passada, Euclides falara a Mariano, para levar Manuela diretamente para o
banco. Fazendo assim, com que ela não fosse à casa dos Guimarães, e
consequentemente, não tivesse a “felicidade” de encontrar Ruth e Teudorico.
Chegando ao banco, ela não estava entendendo o que acontecia. Euclides, com um
sorriso, sentou-se ao seu lado e pediu que o acompanhasse até a sua sala.
Ao chegar, ele falou:
--- Minha querida, a partir de hoje, seu serviço não será mais naquela casa.
Ela, muito surpresa, perguntou:
--- Por quê?
Reparando em seu olhar, Euclides novamente via que algo muito familiar estava
presente em Manuela. Porém, sem nenhum motivo para continuar a pensar sobre o
que observava, ele respondeu:
--- Um dia, você me falou que sua mãe não a deixou estudar, pois agora quero que
estude, e não se preocupe com o dinheiro. Afinal, você continuará a recebê-lo
mensalmente.
Manuela ficara visivelmente feliz, e ao mesmo tempo aflita, só de imaginar a reação
de Maroca. Pensando em todos esses fatores, ela disse não achar uma boa idéia,
embora fosse seu maior sonho voltar aos estudos. Ela o explicou que, para Maroca,
estudo era secundário, e que não acrescentaria em nada para uma mulher,
freqüentar uma sala de aula. Revelou também, que ela não admitiria qualquer tipo
de ajuda vinda dos outros, e nada iria mudar o seu pensamento.
Mesmo depois de tudo que ela havia falado, Euclides prolongou-se:
--- Fazemos assim, você virá todos os dias com Mariano, irá pegar seus matérias e
partirá para a escola. Quando voltar, almoçará comigo, e ficará aqui no banco,
fazendo suas tarefas e estudando. Não pense que você estará mentindo para a sua
mãe, mas sim, tentando almejar um futuro melhor, não só para você, como também
para ela. Então, combinado?
Manuela, muito emocionada com a atitude nobre de Euclides, por um instante,
pensou que estivesse enganando Maroca. Porém, viu que se estudasse, poderia
ajudar muito mais sua “mãe”.
Na casa dos Guimarães, Ruth começou a observar, que pelo horário, Manuela já
deveria ter chegado. Ela então, mandara Teudorico ir pessoalmente ao banco, para
contar a Euclides que sua “querida empregada” havia faltado, na esperança de
assim, ele demiti-la. Já que algo lhe dizia que Manuela seria uma nova “pedra” em
seu sapato.
Teudorico chegara ao banco discretamente, e logo ao se dirigir para a sala de
Euclides, ele ouvira a voz de Manuela, que naquele instante, conversava
animadamente com Euclides. Rapidamente, ele se retirou do banco e concluiu: a
amizade dos dois estava prestes a trazer prejuízos para a sua patroa.
Quando contou a Ruth o que havia ouvido, ela ficou muito preocupada com o que,
de fato, estava acontecendo. Sentiu que deveria fazer alguma coisa para impedir
essa amizade, mas não sabia qual atitude iria tomar.
Nesse momento, o telefone tocou. Era Péricles, que queria marcar um lugar para
conversar com Ruth. Eles combinaram de se encontrar no restaurante Dublim, ao
meio-dia, para almoçar.
Péricles havia telefonado, pois ainda não havia tirado Manuela da cabeça, e queria
contar com a ajuda de Ruth, para assim, conquista - lá.
No hospital do centro da cidade, Maroca fazia a limpeza do local, quando se
deparou com um senhor bem apessoado, cabelos cor de neve, semblante triste e
com uma tosse muito forte. Era Ruy Érico, que havia voltado da Argentina em
virtude da saúde que estava muito frágil, e temia morrer sem contar a verdade para
seu amigo, Euclides. Lembrando de quem se tratava, ela ficou em pânico. Afinal,
nunca mais havia passado por sua cabeça, reencontrar aquele que sabia seu
grande segredo. Mesmo assim, ela fora, timidamente, falar com ele. Mas sem
sucesso, pois naquele instante, ele havia saído da sala de espera, para ir consultar
com o médico. Isso fez Maroca ficar ainda mais preocupada, muitas lembranças
passavam por sua cabeça, e a certeza de que sua mentira, novamente estava
prestes a vir à tona.
Ao meio-dia, como combinado, Péricles e Ruth se encontraram no restaurante. Ele
visivelmente disposto a qualquer coisa, para conseguir se casar com Manuela, falou:
--- Ruth, quem é aquela sua empregada, que dias atrás foi buscar uma encomenda
na fábrica? Você não imagina como fiquei depois que a vi. Estou tremendamente
apaixonado por ela. Cheguei a ir pessoalmente a casa dela, pedir sua mão e
casamento. Porém, fui tratado muito mal. Enfim, você precisa me ajudar, eu preciso
que, pelo menos, você a demita, para assim, eu a contratar, e ela vir trabalhar em
minha casa. Pois, se trabalhar para mim, tenho certeza que mais cedo ou mais
tarde, irei casar com ela!
Ruth, surpresa com o que Péricles havia lhe comunicado, constatou que ele estava
alucinado, e até poderia estar apaixonado, mas era uma paixão doentia. Contudo,
viu que Péricles era a sua salvação em todos os sentidos. E com um sorriso, ela
disse:
--- Claro, meu querido! Claro que posso lhe ajudar. Contudo, estou descapitalizada.
Pois, Euclides tirou a maioria de meus bens, portanto você sabe... Uma mulher da
minha estirpe não vive sem dinheiro...
Ele, nem um pouco preocupado com dinheiro, disparou:
--- Faço o que você quiser, contanto que demita Manuela!
Sendo assim, o acordo estava firmado, Ruth teria a difícil missão de despedir
Manuela. Difícil, porque acima dela, estava Euclides, que de maneira nenhuma iria
deixar que ela fosse embora. Todavia, Ruth já havia arranjado um jeito de cumprir o
que tinha combinado com Péricles.
Enquanto isso, no hospital, Maroca ficava cada vez mais apreensiva. Pois, Ruy
Érico, não saia da sala do doutor. Foi quando, ela fora perguntar para o enfermeiro,
o que havia acontecido, e ele, respondeu:
--- O estado de saúde dele piorou, ele está internado no terceiro andar, sem
previsão de alta!
Por incrível que possa parecer, Maroca torcia para que a situação de Ruy Érico não
evoluísse, e se possível que ele morresse. Porém, ela pensou que se ele
melhorasse algo ela haveria de fazer.
Como Ruth havia ido ao restaurante, almoçar com Péricles, Euclides e Manuela,
almoçavam tranquilamente na casa.
Eles conversavam sobre o primeiro dia de Manuela na escola, e sob os olhos
atentos de Teudorico, que tinha como objetivo, coletar informações importantes,
para assim, repassá-las para Ruth.
Terminado o almoço, os dois voltaram para o banco, e logo depois, Ruth chegara
da rua. Teudorico, sentindo-se útil, sem demora, tratou de contar para ela, o que
estava ocorrendo. Logo após ter ouvido tudo que lhe contara. Ruth esbravejou:
--- Mas, o que meu irmão pensa que está fazendo? Pagar estudos para uma menina
na qual ele mal conhece? Ele deve estar maluco! Porém, frustrarei seus planos, e
terminarei de vez com esta palhaçada!
Enfim, Ruth estava aos poucos mostrando sua verdadeira face. Visto que, sempre
havia ficado em cima do muro. Contudo, agora ela não tinha a menor preocupação
em esconder a real personalidade que lhe pertencia.
Quinto capitulo:
O começo do grande golpe.
Terminado o dia, Manuela fora embora, juntamente com Mariano. Ela não se
continha, tamanha era a sua alegria pelo primeiro dia na escola. Todavia, ela haveria
de se conter. Afinal, se Maroca descobrisse, seu sonho estaria acabado. Logo
quando descera do automóvel, Miguel, neto de Mariano, com os olhos brilhando ao
ver Manuela, disse:
--- Você está cada dia mais bela, Manuela!
Ela, acanhada como sempre fora, respondeu:
--- Obrigado, Miguel.
Miguel, que desde sempre tivera um carinho verdadeiro, para com ela, falou:
--- Apesar de não nos falarmos todos os dias, devido aos nossos horários, você
sempre foi, e sempre será uma pessoa muito especial para mim!
Ele falara isso, com total sinceridade, pois os dois acabaram se criando juntos,
mesmo Maroca não aceitando qualquer tipo de aproximação com seus vizinhos.
Embora ambos achassem que o sentimento entre eles, fosse de amizade, era visível
que algo, além disso, estaria por vir.
Chegando a casa, depois de mais um longo dia de trabalho, tendo que resolver
todos os impasses criados por Ruth, no Banco Guimarães. Euclides sentara no sofá
da sala, e lá começou a pensar... Apesar de sua vida não ter mudado muito durante
todos esses anos, era notável que após a perda de seu filho, ele não vivera um
momento de tanta tranqüilidade como viva agora. Mesmo tendo tantas pendências
para serem resolvidas, a vida parecia ter finalmente voltado a ter sentido para ele.
Permanecendo sentado no sofá, ele acabara cochilando. Ruth estava no quarto, e
observando que pelo horário, o irmão já haveria de ter chegado, ela pegara um vaso
de cristal, extremamente disposta a falar poucas e boas para ele. Quando descia
as escadas e observava que Euclides dormia, ela arremessou o vaso no chão,
provocando um imenso barulho.
Euclides acordara assustado, e perguntou o que estava acontecendo, Ruth
ironicamente, falou:
--- Nada, apenas descobri que você agora está com a mania de ajudar míseros
empregados a terminarem seus estudos! Euclides, o que está acontecendo? Qual é
o motivo para este seu amparo a uma menina que mal conhece?
Ele começou a pensar em Manuela, e disse:
--- Nem eu sei por que gosto tanto dela, talvez seja porque ela tenha sido a única
que se aproximou de mim, sem nenhum interesse. E o mais importante de tudo, com
uma amizade verdadeira! Além disso, ela é uma menina muito querida, e se
depender de mim, ela terminará os estudos e terá uma vida digna de seu caráter!
Ruth, sarcasticamente, disparou uma gargalhada, e disse:
--- Muito me espanta esse seu comportamento, afinal você havia dito que passaria o
resto de seus dias trancado no quarto, pois havia perdido sua única razão de viver,
que se tratava de Eduardo. E agora Euclides? Qual é a sua nova razão de viver?
Não pense que se trata dessa menina. Pois, a única coisa que ela está fazendo, é
se aproveitar de sua carência afetiva, para dar-lhe um golpe sem tamanho! Afinal
meu irmão, você acredita realmente que alguém gosta de você? Nem seu filho,
morria de amores, que dirá a delinqüente, morta de fome!
Nesse momento, Euclides exclama:
--- Chega! Cale a boca, Ruth! Se ninguém gosta de mim, eu incluo você nesta lista!
E trate de não tocar mais nesse assunto, para eu não a colocar para fora dessa
casa...
Sentindo-se mal, ele pede que Ruth vá até a cozinha, e pegue um copo de água.
Porém, Ruth responde:
--- Se depender de mim, que você se contorça no chão, e morra de cede!
Logo após a essa extensa discussão, Ruth bate a porta e sai. Teudorico logo vem
trazer a água que Euclides pedira. E ele, extremamente triste com o que sua irmã
falara, conclui: Sua irmã não o enxergava como um irmão, mas sim, como um
inimigo.
Depois do Jantar, Maroca e Manuela foram dormir. Contudo, Maroca não conseguia
repousar, pensava a todo instante em Ruy Érico, e a insegurança só aumentava.
Amanhecendo, logo após a ida de Manuela para seu “trabalho”, Maroca decidira
que iria faltar o emprego, pois permanecia tão apreensiva, que acreditava ser
impossível se concentrar nos seus afazeres no Hospital, sem querer dar um ponto
final, na vida de Ruy Érico, que continuava a piorar cada vez mais seu estado de
saúde. Portanto, para não cometer nenhum desatino, decidiu ficar em casa, e assim
no dia seguinte, alegar um mal estar.
Calmamente, arrumando a casa, ela é surpreendida por uma visita totalmente
inesperada. Era Ruth, que havia, finalmente encontrado uma forma de colocar seus
planos em prática. Ela tivera ido até lá, a fim de despachar de uma vez por todas,
Manuela da vida do irmão, e coloca - lá a trabalhar na casa de Péricles.
Rapidamente, sem mais delongas, Ruth fora direto ao ponto:
--- Tenho o maior carinho para com a sua filha. Mas, estou achando um tanto
arriscado ela continuar a trabalhar em minha casa. Pois, um imprevisto aconteceu, e
imagina a senhora que meu irmão que há anos não dava sinal de vida, apareceu em
minha casa há mais ou menos um mês... E o mais preocupante é que ele anda
fazendo coisas que não são do meu agrado. A senhora acredita que ele, quando
conheceu sua filha, deu-lhe de presente uma bolsa de estudos, com salário incluso?
Maroca não acreditara no que ouvia, porém algo lhe passava a sensação de que
por algum motivo, Ruth mentia e mesmo antes de falar algo, Ruth prosseguiu:
--- A atitude dele em querer proporcionar a Manuela um futuro melhor, eu não
condeno. Mas, infelizmente conheço bem o irmão que tenho, e sei que na verdade,
sua real intenção é se aproveitar de sua filha. Para a senhora ter uma idéia, todo o
patrimônio que possuímos, fui eu quem construiu, e ele, mesmo sendo mais velho,
nunca moveu uma palha para me ajudar a erguer esse gigantesco império. De
maneira nenhuma, gostaria que ela saísse de minha casa, contudo, como ele ainda
continuará a morar comigo, tratei de lhe indicar uma nova casa, onde ela poderá
trabalhar...
Realmente, Ruth deveria ter exercido a profissão de atriz, afinal sua atuação havia
sido perfeita. Porém, seus planos seriam restritos. Maroca, depois de ouvir tudo que
ela falara, decidiu que Manuela não iria mais trabalhar em lugar algum, e logo tratou
de ir busca – lá. Ruth, um tanto preocupada com os rumos que sua mentira poderia
tomar, decidiu acompanhar Maroca, até o Banco.
Ao chegar em frente ao Banco, Ruth pedira a ela que ficasse aguardando-lhe em
frente a empresa, enquanto que ela, iria chamar Manuela.
Começando a reparar as coisas ao seu redor, ela olhara o nome do Banco, ao qual,
Manuela se encontrava. Para a sua surpresa, se chamava Guimarães. Nesse
momento, ela colocara as mãos sobre a cabeça, e se lembrara de que o sobrenome
do avô de sua neta era Guimarães. Visivelmente preocupada, ela fora até a
secretária do Banco e perguntou:
--- Quem é o dono do Banco?
A secretária, muito atenciosa, respondeu:
--- Euclides Guimarães, senhora!
Nesse instante, Ruth havia pedido que chamassem Manuela. Pois, ela não se
atreveria a entrar na sala de Euclides, chama - lá pessoalmente. Quando enxergara
Manuela, Maroca não se conteve e começara a chorar.
Sem entender nada, Manuela perguntava o que havia acontecido, porém ela não
dizia o que ocorria, apenas chorava copiosamente.
Já mais calma, as duas foram para casa, e lá Maroca, muito emocionada, disse:
--- Jura para mim, que você jamais irá me abandonar?
Manuela, extremamente inquieta, respondeu:
--- Claro que sim, a senhora sabe, eu a amo.
Ela perguntou o que estava acontecendo, para retirar-lhe de seu emprego. Maroca
simplesmente disse que ela não iria mais e pronto. Logo após a conversa, Manuela
trancou-se em seu quarto, e com uma profunda tristeza, havia percebido que tudo
que estava almejando, novamente se perdia de suas mãos. Pensara muito no que
Euclides haveria de imaginar, com sua saída repentina do Banco. Enfim, ela estava
se conformando com a situação que sempre lhe foi imposta. Permanecia condenada
a obedecer todas as ordens de Maroca.
Com a demora de Manuela, Euclides decidira chamar Mariano, a fim de saber
aonde ela se encontrava. Mariano respondeu:
--- A Bernadete (secretária), falou que a mãe dela a levou embora.
Euclides, imediatamente, mandou preparar seu automóvel, e resolveu ir até a casa
dela, com a ajuda de Mariano, já que ele não conhecia o local aonde ela residia. Ao
chegar, bater palmas, chamar e fazer todo o tipo de saudação, tentando entrar e
conversar, mesmo assim, um silêncio absoluto era mantido. Manuela, bem que
tentara ir falar com ele, mas Maroca, vendo que se tratava de Euclides, permanecia
extremamente nervosa, e irredutível para com os pedidos da “filha” que implorava
para que abrisse a porta.
Sem sucesso, Euclides tentava entender porque essa situação acontecia. Mariano,
conhecendo um pouco a personalidade da vizinha, disparou:
--- Ela deve ter descoberto que Manuela está estudando, e certamente a proibiu de
trabalhar para o senhor!
Entretanto, Euclides falou:
--- O que me intriga é como ela ficou sabendo dessa história? Ainda terei a
oportunidade de conversar com essa senhora, e convencê-la a deixa - lá freqüentar
as aulas.
Ainda naquela manhã, Ruth se encontrara com Péricles, e ao falar que não havia
conseguido colocar Manuela a trabalhar em sua casa, Péricles ficara furioso, e
exclamou:
--- Esqueça qualquer quantia em dinheiro, pois pessoas incompetentes não
merecem sequer estarem vivas! Não preciso da sua ajuda, posso resolver meus
problemas muito bem, e sozinho.
Ruth, que fora excessivamente humilhada, rebateu:
--- Eu tentei fazer meu melhor, agora não venha gritar comigo, Péricles Gusmão!
Afinal, essa sua imagem de homem integro e responsável, só serve para pessoas
que não o conhecem há tanto tempo, como eu. Não se atreva a me faltar com o
respeito, pois se estiver com vontade, eu destruo seus planos!
Chantagens a vista, era o que estava por vir. Nesse momento, Ruth saira da casa
de dele, com mais raiva. Já ele, se mantinha disposto a tudo para conquistar sua
grande obsessão. Todavia, Maroca se sentia tão ameaçada morando naquela
cidade, que havia decidido que se mudaria daquele local, o mais depressa possível.
Para assim, se afastar do passado de mentiras, que mais uma vez insistia a lhe
ameaçar. E percebendo que a relação de Manuela com o Avô era de extrema
amizade, viu que era mais que necessária a sua saída, para assim, sua neta ficar
longe do mundo ao qual ela jamais queria que Manuela estivesse. Porém, uma
péssima noticia estaria por vir, aquele que de maneira nenhuma poderia saber de
seu segredo, estava muito perto de descobrir e começar a chantageá-la. Essa
pessoa era Péricles, que estava prestes a ter a faca e o queijo nas mãos!
Sexto capitulo:
Com a faca e o queijo nas mãos.
Extremamente enfurecido, Péricles mal ficou trabalhando, e decidira que iria para
casa, pensar em que rumo ele haveria de tomar. Chegando a sua residência, seu
tio, o Marquês Augusto Gusmão, lhe esperava sentado na poltrona da sala. Augusto
lhe falara que aguardava a sua chegada, pois não agüentava uma dor que sentia
nas costas, e gostaria que o sobrinho lhe levasse ao hospital, a fim de que aquela
dor passasse. Como já estava colérico, Péricles ficara ainda mais, ouvindo o que o
tio havia dito. Muito irritado, ele exclamou:
--- Como o senhor pode achar que eu o levaria? Não pode contar com a minha
ajuda, sem antes, ter me consultado! Afinal, o senhor se tornou um inútil nos últimos
anos, por conta desse seu maldito vício! Deve agradecer-me por não colocá-lo no
olho da rua!
Apesar de ter pagado todos os seus estudos, Péricles não tratava o tio da maneira
que ele merecia. Augusto havia cometido muitos erros no passado, consumindo todo
o seu patrimônio em favor de jogos de azar. Contudo, havia o educado da melhor
forma possível, e sem nunca jogar nada em sua cara.
Porém, mesmo ouvindo os insultos do sobrinho, Augusto não revidava. Pois,
sempre fora um homem muito pacífico. Mas, isso não o fez ficar calado, logo após o
sobrinho gritar, em tom irônico, ele disse:
--- Faça o que quiser meu ilustríssimo sobrinho! Só não esqueça que se tiver que me
deslocar, caminhando para o hospital, posso não resistir, e imagina você, a
repercussão que esse fato poderá causar? “Tio, do grande empresário Péricles
Gusmão, morre a caminho do hospital, por falta de compaixão de seu sobrinho!”
Realmente, no jogo das palavras, era difícil Augusto Gusmão não ganhar.
Lastimável que nos jogos de azar, sua perspicácia não era a mesma.
Finalmente, Péricles o levara até o hospital. Chegando lá, os dois aguardavam o
doutor, quando uma enfermeira gritou para o médico que caminhava,
despreocupadamente, pelo corredor:
--- Doutor, o paciente Ruy Érico Menezes, está sofrendo sérias complicações!
O médico, então, correra até o quarto de Ruy Érico. Nesse momento, Augusto
olhara para Péricles, e disse:
--- Ruy Érico voltou da Argentina, não sabia que ele tinha voltado. Muito menos, que
sua saúde estava periclitante. Depois, vou lhe fazer uma visita.
Embora não fossem amigos, Augusto fazia questão de ver Ruy Érico, para assim,
manter sua pose de homem importante, que tem como amigos, pessoas de grande
relevância.
Depois de consultado, e constatado que era apenas um desconforto. O Marquês foi
até a enfermeira e perguntou se poderia fazer uma visita a Ruy. Ela, sorridente,
respondeu:
--- Infelizmente, ele teve uma séria complicação. Mas o pior já passou. Conseguimos
acalmá-lo, ele ainda não fala, porém reconhece as pessoas e por vezes tenta se
comunicar. Se o senhor quiser entrar, fique a vontade!
Indagado pelo tio se iria entrar, Péricles falou:
--- Entrarei para o senhor não falar, que passo a imagem de uma pessoa fria e sem
coração.
Entrando no quarto, e vendo o estado de saúde de Ruy, Péricles disse:
--- Vamos embora, afinal esse velho está mais morto do que vivo!
Reconhecendo quem estava a sua frente, Ruy Érico começou a ficar agitado, e a
perceber que algo de ruim poderia acontecer.
Perto da cama, estava seu terno, que logo chamou a atenção de Augusto, que não
comprava roupas novas, desde que ficara falido, há sete anos atrás.
Imaginando que Ruy não percebia; Augusto, sem demora tratou de vestir o terno.
Disse em tom de brincadeira, que esse era a sua parte na herança, quando Ruy
Érico falecesse.
O divertimento continuava, até que, colocando a mão num dos bolsos internos do
terno, Augusto, animadamente falou:
--- Mas que maravilha! Acho que achei dinheiro!
Contudo, não se tratava de dinheiro algum. Acontece, que antes de voltar para o
Brasil, Ruy Érico tratara de fazer uma carta para Euclides, contando-lhe toda a
história que lhe fora escondida. Sua idéia era ir ao hospital, e logo depois, entregar a
carta. Já que não tinha coragem alguma, para contar-lhe pessoalmente. Porém, isso
não aconteceu, devido ao crítico estado de saúde, ao qual ele se encontrava.
Rapidamente, ele sacou do bolso o que segurava, e para a sua surpresa, tratava-se
de uma carta. Reparando que mexiam em sua carta, Ruy continuava a se agitar.
Augusto lera em voz alta:
--- Para Euclides Guimarães!
Temendo problemas, Péricles ordenou:
--- Vamos embora, essa carta não nos pertence!
Todavia, o Marquês adorava uma fofoca, e de maneira nenhuma, iria deixar de ler a
carta. Mesmo assim, o sobrinho insistiu:
--- Tire esse terno, e vamos embora!
Sorrindo, Augusto Gusmão tirou o terno, e disparou:
--- O terno eu tiro, mas a carta eu vou levar!
Retornando para a casa, Augusto tratou de ler a carta, em voz alta:
“Querido amigo, pelo que fiz, nem de amigo, poderia lhe chamar. Mas para provar
de que sua amizade vale muito para mim, quebrarei um juramento, e honrarei nossa
amizade. Eduardo morrera de um acidente automobilístico, porém ele não se
encontrava sozinho, uma moça o acompanhava, Débora era o seu nome. Eles
estavam juntos a mais de nove meses, e dessa união, pouco antes de morrerem,
tiveram uma filha, que nascera aos sete meses de gestação, e logo após o
nascimento dela, ambos faleceram. Havia presenciado todo o acidente, fui eu quem
socorrê-los . Estava prestes a lhe contar que seu filho havia falecido, mas que você
tivera ganhado uma neta. Porém, a mãe da menina com quem seu filho teve esse
relacionamento, veio me suplicar a fim de que não contasse a verdade para você,
alegando que só tinha a neta, e que não haveria de querer perdê-la para uma família
rica. Simplesmente, deixei aquela mulher fazer a minha cabeça com aquelas
palavras sórdidas e mentirosas. Não sei onde sua neta possa estar, o que é de meu
conhecimento é que sua avó trabalhava no hospital, do centro da cidade, e se
chama Maroca Martins!”
Terminada a carta, Péricles logo lembrou de Maroca, a então “Mãe” de Manuela.
Associando todos os fatos, ele estava convencido de que tivera o trunfo que
precisava para chantagear Maroca, e conseguir seu grande objetivo.
Vendo que a carta fora de extrema importância para o sobrinho, Augusto sem mais
delongas, tratou de chantageá-lo:
--- Trata-me muito bem, Péricles! Pois, se quiser conto tudo para o Euclides, e sei
que ele saberá me recompensar!
Sentindo-se ameaçado pelo tio, e visivelmente alucinado. Imediatamente, abriu seu
cofre, retirou uma quantia considerável, colocou nas mãos do Marquês, e disse:
--- Com essa quantia, o senhor nunca leu carta alguma, e não tem a mínima idéia
de que esse segredo existe!
Por um instante, Péricles comprava o silêncio do tio. Todavia, dinheiro na mão do
Marquês, era que nem gelo desaparecia rapidamente. Sendo assim, mais dia menos
dia, novas chantagens apareceriam.
Enquanto isso, voltando do trabalho, Euclides não parava de pensar em quem
haveria de ter contado a Maroca, sobre a bolsa escolar de Manuela. E não precisou
de muito tempo, para ele deduzir que fora Ruth. Entretanto, para ter certeza,
indagou Teudorico, que extremamente nervoso, desconversou:
--- Eu não sei de nada não, senhor Euclides! E quando o senhor e a menina
almoçavam, eu tratei de ir até a cozinha, para assim, não escutar a conversa.
O mordomo mentia, e Euclides ironicamente, falou:
--- Desculpe Teudorico, me esqueci que as paredes dessa casa, possuem boca e
orelhas!
Depois de ser humilhada por Péricles, Ruth decidira que novamente, bancaria a
santa para seu irmão. Pois, ela percebia que o estado mental de Péricles, não era
dos melhores. E se tornando um psicopata, como ela imaginava que se tornaria, não
adiantaria em nada, ela fazer uma aliança com um individuo nessas condições.
Logo após o diálogo com Teudorico, Euclides fora até o quarto de Ruth, tirar
satisfações sobre aquele episódio. Para a surpresa de muitos, ela não alterara a voz
em nenhum segundo, e ainda por cima, pedira desculpas. Porém, usava ao seu
favor, o fato de estar com ciúmes do irmão.
Ela era muito sagaz, e sabia tocar o coração do irmão quando queria. Tanto que
para encerrar o assunto, ela falara:
--- Minha intenção, jamais será a de discutir com você, e muito menos, ficar de mal.
Peço um voto de confiança, afinal você pode achar que não. Mas do meu jeito, eu o
amo, meu querido irmão!
Apesar das grandes fraudes que a irmã tivera causado na sua empresa, Euclides
parecia um tanto carente do afeto da irmã. Mesmo sabendo que ela tinha um gênio
difícil, ganancioso e prepotente, continuava a ser sua irmã. Por isso, ele a relevava.
A conversa terminou com um abraço entre os dois, e a certeza de Ruth, que sua
“galinha dos ovos de ouro”, continuava sob a sua tutela.
Desesperadamente, Maroca fora até o banco, pegar suas economias, a fim de que
com aquele dinheiro, fosse em definitivo, para bem longe da cidade. Depois de sacar
o dinheiro, ela teve a infeliz surpresa de encontrar Péricles. Ele, sarcasticamente,
disse que precisara conversar. Porém, ela não dava a mínima atenção para as suas
palavras. Contudo, ele a ameaçou:
--- A senhora conhece Euclides Guimarães? Eu o conheço! O que mais me chamou
a atenção foi saber que ele é o avô da sua neta!
Subitamente, ouvindo o que Péricles falara, Maroca começou a passar mal. Ele,
aproveitando seu momento de glória, como de costume, humilhou:
--- Não me venha morrer nesse momento! Pois, a senhora procurou estar nessa
situação, e agora deverá arcar com as conseqüências! Eu só estou tirando proveito
dessa história.
Ela mal acreditava na situação que estava vivenciando. Permanecia disposta a ir
embora da cidade. Contudo, via que não haveria de ser uma tarefa fácil.
Péricles continuava seu discurso:
--- Não venha à senhora, achar que investiguei sua vida, para coletar informações,
a fim de chantageá-la, pelo contrário. Apenas fui fazer uma visita a Ruy Érico, e
acabei encontrando uma carta onde dizia que era para o senhor Euclides. Que para
a minha surpresa, conta todos os por menores da sua mentira. Ora faça-me o favor,
que ato lamentável de sua parte!
Chorando, descontroladamente, Maroca implorou a Péricles, para que ele
esquecesse aquela história e a deixasse partir com Manuela para outra cidade.
Naturalmente, as palavras de Maroca não iriam, de jeito algum, amolecer o coração
de Péricles, que naquele instante, disse:
--- Não adianta vir querer tocar em meus sentimentos, com suas palavras. A única
pessoa que a senhora enrolou, foi o pobre Ruy Érico! Vou lhe avisar apenas uma
vez, se trocar de cidade, pode ter a absoluta certeza de que contarei toda a verdade
para o Euclides!
Extremamente triste ela não imaginara que sua vida estaria dessa forma. Presa, e
sem perspectivas para fazer o que bem entendesse. A omissão e a mentira estavam
lhe trazendo sérias conseqüências.
Deixando claro o que queria, Péricles fora direto ao ponto:
--- Não quero nada em especial, apenas que deixe Manuela trabalhar... Claro, que
será em minha casa!
Sem ter o que fazer, Maroca tivera que acatar as ordens impostas por Péricles. Ele
por sua vez, tinha suas idéias muito bem claras. Primeiro, tornaria-se um patrão-
amigo, para com Manuela. E colocando esse plano em prática, se aproximaria ao
máximo dela, conquistando assim, a sua “presa”.
Sétimo capitulo:
Conquistando a “presa”.
Chegando em casa, Maroca permanecia pesarosa, e visivelmente arrependida com
os rumos que sua mentira havia sendo conduzida. Porém, na sua visão, o que já
havia sido feito, não poderia ser desfeito. Por um ensejo, ela pensara em se matar,
tamanha era o seu inconformismo com o que acontecia. Contudo, sempre fora uma
mulher que enfrentava as adversidades de frente, e não seria naquele momento,
que mudaria.
Mesmo inconformada ela seguiu a risca o que Péricles ordenara, e proferiu a
Manuela, que ela trabalharia na casa dele. Ela não gostara muito da idéia, afinal não
havia simpatizado com ele, no dia que em que fora retirar a encomenda para Ruth.
Todavia, se lembrou que dias atrás, a “mãe” havia lhe dito que ela não trabalharia
mais. Sendo assim, ela se viu no direito de perguntar para Maroca, o porquê de não
continuar a trabalhar na casa de Euclides, já que de qualquer jeito teria que trabalhar
em algum lugar.
Se Manuela soubesse as conseqüências que aquela pergunta causaria, com
certeza não tivera perguntado. Maroca estava tremendamente aborrecida, e a neta
seria a pessoa a quem ela descontaria todas as suas lamúrias. Tanto que ela
respondeu:
--- Por quê? Não quer me ajudar com as despesas da casa? Não pense que
vivemos no mundo ao qual, os Guimarães vivem! E qual é o motivo de você querer
tanto trabalhar lá? Diga-me, ele é melhor para você do que eu sou?
Manuela rebatia, dizendo que não era isso que ela estava querendo falar. Mesmo
assim, Maroca já estava muito desanimada, e mandou-a que a deixasse sozinha.
Desolada, ela pôs-se a chorar, estava sentindo que de uma forma, ou de outra,
perderia a neta.
Encontrando um conhecido, o doutor Coutinho. Mariano descobrira que Ruy Érico
se encontrava com a saúde em um estado deplorável, e estava internado. Logo
quando soube, ele tratou de comunicar ao patrão, que não tinha conhecimento
desse fato. Visivelmente surpreso com aquela noticia, Euclides fora direto para o
Hospital, a fim de rever o amigo, ao qual não falava a mais de dezessete anos.
Vendo aquele que o fez voltar para São Paulo, Ruy Érico tentava se comunicar,
mas sem sucesso. Euclides muito emocionado sentou-se ao lado de seu leito, e
permaneceu em absoluto silêncio. Calma e inesperadamente, Ruy falara a palavra
neta. Nesse instante, Euclides pedira que ele repetisse, e o amigo mais uma vez,
reprisava a mesma. Porém, ficando cada vez mais impaciente, e querendo expor ao
amigo o grande segredo, Ruy foi ficando inquieto. O que levou Euclides a chamar a
enfermeira, que naquele momento lhe pedira que o deixasse repousar.
Sendo assim, Euclides fora embora. Por certo, aquela palavra que o amigo lhe
falara, ficou em sua cabeça. O que Ruy Érico queria dizer? Ele não tinha a mínima
idéia do que se tratava, mas tinha a nítida impressão, que era algo que lhe dizia
respeito.
Depois de ganhar uma enorme quantia em dinheiro do sobrinho, Augusto sem mais
delongas, tratou de voltar a sua vida de apostador, e praticante dos famosos jogos
de azar. Já no primeiro dia que tivera o dinheiro em mãos, ele fora até o cassino
Royal, para rever seus velhos comparsas de jogo. Como a jogatina sempre foi sua
principal obsessão, o Marquês começara a jogar. Sentou-se em uma mesa de
pôquer, e começou sua reestréia de forma triunfal. Terminara a noite, com o
quádruplo do dinheiro que havia levado. Após sucessivos fracassos, finalmente a
sorte parecia estar ao seu lado.
Em sua casa, Péricles imediatamente guardara a carta de Ruy Érico para Euclides,
a sete chaves em um cofre que ficara escondido no porão de sua residência. De
maneira alguma, ele poderia perder aquele que era o seu “naipe” perante os seus
inimigos.
Amanhecendo, para a alegria de Péricles, Manuela estava prestes a chegar e
começar a trabalhar em sua casa. Evitando chateações com o tio, ele pedira que
Augusto fosse tomar seu café matinal na confeitaria. Para assim, poder ficar mais a
vontade com sua nova empregada. O Marquês bem que resmungou, mas como era
o sobrinho quem pagaria a conta, ele aceitou o convite, sem problemas.
Mesmo sendo chantageada a todo instante, Maroca continuava zelando pela neta.
Tanto que fora até a casa de Péricles, acompanhar Manuela.
Ao chegar, para o espanto de Manuela, ele se comportara de uma outra forma.
Visto que, ela já havia o encontrado em uma outra oportunidade, aonde ele tinha se
mostrado uma pessoa totalmente oposta do que ela visualizava naquele instante.
Todavia, o seu procedimento permanecia meramente estratégico. Tanto que
Maroca logo percebeu, e decidira que iria embora, a fim de não querer ver o “teatro”
que Péricles protagonizava.
Porém, ele educadamente falou:
--- A senhora irá para o seu serviço? Mas de maneira nenhuma, iria deixá-la ir
caminhando até o hospital...
As palavras que ele pronunciava, soavam como pedras, que eram arremessadas na
direção de sua cabeça. A verdade era que Maroca não agüentaria viver na situação
que se encontrava. Não estava mais admitindo ver a neta ser jogada, como se fora
um objeto, nas mãos de Péricles.
Prosseguindo, ele tratou de chamar o seu chofer, para levá-la até o Hospital.
A sós com Manuela, Péricles falara:
--- Bom, nós já nos conhecemos! Por certo, devo ter certeza de que minha imagem
com você naquela ocasião, deve estar um tanto obscura. Porém, quero dizer-lhe que
não falei aquelas palavras, de jeito algum, para intimidá-la.
Ela, sentindo-se um pouco mais a vontade, com um sorriso, disse:
--- Não se preocupe, já passou! E eu nem me recordo do que o senhor falou naquele
dia.
Ele, extremamente maravilhado, prosseguiu:
--- Senhor está no céu! Não me chame de senhor, por favor! Quanto ao que falei,
não há problema que você não se recorde, afinal se precisar repetir cem vezes, eu
falarei... Trocaria todas as minhas porcelanas, para poder te observar pelo resto de
minha vida!
Novamente, Manuela se mostrava nervosa com as palavras de Péricles, que a
observando, reparou que ela estava realmente muito encabulada. Sendo assim, ele
tratou de se conter. Apresentou o restante da casa, e distribui as tarefas que
Manuela seria responsável em executá-las.
Mariano, que fora até a sua casa, pegar alguns documentos do Banco Guimarães,
que Euclides havia lhe pedido. Ficara sabendo, por mediação de sua mulher, que
Manuela começara a trabalhar na casa de Péricles. Surpreendido com o que
Eduarda lhe dissera, ele tratou de levar os documentos até a casa de Euclides.
Estrategicamente, Péricles ficara em casa, o dia inteiro. Tinha em mente, pequenas
ações que seriam de extrema relevância para um futuro “relacionamento” que
acreditaria ter com Manuela.
Repentinamente, ele fingira estar passando mal, tentando assim, se aproximar
ainda mais dela. Lamentava-se de dores nos olhos e na cabeça. De um coração
bondoso, o que lhe era peculiar, Manuela rapidamente fora preparar algo para que
aquele “mal estar” passasse.
Depois de preparado um chá de limão com laranja, e oferecer-lhe, ele sorridente,
disparou:
--- Nem minha Mãe, faria um chá tão saboroso como este! Obrigado pela
liberalidade, e por ser atenciosa para comigo.
Aos poucos, com a notável educação e respeito que tinha para com ela, ele ia
tocando com os seus sentimentos. Não que ela estivesse apaixonada por ele, mas
de alguma forma, a personalidade totalmente falsa, que ele apresentava, estava
ganhando a confiança dela. O que para Péricles, já era um grande começo.
Ao chegar à casa dos Guimarães, Euclides e Ruth, lanchavam, quando Mariano
chegara com os documentos, e logo tratara de expor para Euclides, que Manuela
começara a trabalhar na casa de Péricles.
Muito surpreso Euclides concluía que algo Maroca haveria de pensar sobre a sua
pessoa, a ponto de não deixar a menina continuar a trabalhar para ele.
Todavia, mais surpreendida ainda, ficara Ruth, que ao ouvir o que Mariano falava,
lembrou-se que quando fora tratar de indicar Manuela a trabalhar para Péricles,
ouvira um “sonoro” não, de Maroca. Havia ficado tão surpresa, que decidira ir até o
Hospital, espera-lá para saber o porquê haveria de ter mudado de idéia.
Civilizadamente, Ruth foi ao encontro de Maroca. Por coincidência, ela estava indo
embora, pois seu expediente já havia sido encerrado. Quando a encontrou, ela logo
tratou de convidá-la para tomar um café na confeitaria, visto que queria conversar.
Observando o semblante triste que ela apresentava, Ruth constatou que ela
passava por uma situação difícil. Após acomodar – sem na confeitaria, Ruth
exercendo o papel de “amiga e confidente”, perguntou a Maroca o que aconteceu
em tão pouco tempo, para que ela mudasse completamente de pensamento, e
autorizasse que Manuela trabalhasse para Péricles.
Repentinamente, Maroca, que não agüentara mais ficar calada, tendo que aturar as
injúrias de Péricles, decidira que desabafaria com Ruth o que acontecia. Contudo,
mediu as palavras, pois de nenhum jeito, contaria o seu segredo para ela.
Claramente preocupada, disse:
--- Ele está completamente alucinado, começou a me ameaçar de morte, caso não
mandasse, ela ir trabalhar lá! O que mais me preocupa, é saber que seus planos
vão, além disso. Afinal, não tenha a menor dúvida que ele irá me obrigar a fazer com
que Manuela case-se com ele.
Por muitos anos, Péricles fora um dos grandes amigos de Ruth, mas isso havia
mudado. Pois, quando Péricles a humilhou de forma vergonhosa, o sentimento que
para com ele, era de amizade, tornou-se de repugnância e vingança.
Perceptivelmente disposta a destruir os planos do inimigo, Ruth, tentando aflorar o
lado ambicionista de Maroca, falou:
--- A senhora está completamente errada em estar se preocupando com um assunto
ao qual tem a predominância! Pense comigo, se brigar sua filha a casar-se com ele,
a senhora estará rica, e com tudo para se livrar das ameaças que ele faz!
Maroca não entendia aonde Ruth queria chegar, e rebateu:
--- Não sou ligada em dinheiro. Aliais, ele já me trouxe muitos problemas. Essa sua
idéia é estapafúrdia! Se obrigar Manuela a casar com Péricles, me culparei pelo
resto de minha vida, e terei de vê-la permanecer casada com ele para sempre!
Vendo que Maroca não acompanhava o seu raciocínio, Ruth se viu obrigada a se
pronunciar com maior clareza, foi então que ela explicou:
--- Justamente, o “estar casada com ele” é o que a fará se livrar, e salvar sua filha. A
senhora pode nunca ter pensado em se tornar milionária, mas pense bem, gostará
de continuar a trabalhar pelo resto de seus dias? Manuela casando, possuirá
comunhão de bens, ou seja, tudo que for dele, ela terá direito. Resumindo, com uma
“possível” e “repentina” morte de Péricles, além de ricas, vocês estarão livres!
Após a longa conversa, Maroca pensara de uma outra forma. Vislumbrava que
realmente haveria um jeito de mudar o panorama que se desenhava. Rica e livre de
ameaças, ela finalmente poderia sair de vez da cidade, e ao invés de continuar
morando no mesmo país, teria a opção de até trocar de continente.
Ruth agiria daquela maneira, visando tirar lucros numa eventual herança que
Manuela, sendo esposa de Péricles, herdaria.
Entretanto, para que o plano das duas acontecesse, dois fatos haveriam de
sobrevir: o casamento de Manuela com Péricles, e o falecimento dele.
Se depender de ambas, os dois acontecimentos irião se concretizarem!
Oitavo capitulo:
Um pesadelo que se chamava casamento.
Após um dia inteiro de trabalho, Manuela, enfim retornava para a sua casa. Ela fora
caminhando, pois iria passar no ateliê, para comprar algumas linhas de costura, ao
qual Maroca havia ordenado.
Exatamente naquele momento, Euclides passara de automóvel, juntamente com
Mariano, os dois se dirigiam para o banco, a fim de rever alguns documentos,
referentes à dívida da empresa.
Visualizando Manuela, Euclides pedira que o chofer parasse o carro. Saindo dele,
extremamente emocionado e feliz em revê-la, ele explanou a saudade que estava
sentindo, e reiterou:
--- Apesar de estarmos um tanto afastados, não hesite em me procurar sempre que
necessário. Pois, mesmo sua mãe tentando lhe afastar de mim, assim mesmo, ela
não poderá retirar todo o carinho verdadeiro que sinto por você!
Chorando, Manuela falou:
--- É tão bom conversar com o senhor! Pode deixar, mas o senhor também, se
precisar de alguma coisa, não se esqueça que sempre estarei pronta para ajudá-lo!
Depois de conversarem por alguns instantes, os dois se despediram, e já no carro,
Mariano perguntou:
--- O senhor gosta muito dela, não é?
Euclides, comedido, respondeu:
--- Realmente Mariano, ela é como se fosse uma filha, uma neta... Que jamais tive!
Após a longa conversa, Maroca se despediu da nova aliada, que se encontrava
visivelmente com outro ânimo. Já tinha na cabeça tudo que iria colocar em prática,
nos próximos dias.
No hospital, Ruy Érico já se encontrava em uma situação mais estável, contudo a
atenção dos médicos continuava exclusivamente voltada para a sua saúde, que
permanecia um tanto prejudicada.
Revisados os documentos, Euclides decidira que levaria Mariano em casa, pois
fazia alguns anos que não aparecia por lá, embora estivesse ido a poucos dias, na
mesma rua, tentar falar com Manuela.
Chegando à casa de Mariano, Eduarda logo tratou de convidá-lo para entrar e
tomar uma xícara de café. Fazia muito tempo que ela não via o patrão do marido.
Conversa vem, conversa vai, Eduarda lembrou de algo, que para ela, era tão
insignificante, que na época, não dera a menor atenção. Ela recordou do dia em que
viu o filho de Euclides, Eduardo, indo visitar a filha de Maroca, Débora. E logo
depois, ambos partirem de automóvel.
Falando isso, os dois ficaram surpresos, Euclides começou a pensar que algo de
muito importante, de alguma maneira, estava ligando ele a Maroca.
Depois de ouvir Eduarda, Euclides ficara cada vez mais inquieto, e decidira que iria
até a casa de Maroca, a fim de tentar saber, se ela tinha conhecimento desse
relacionamento entre os dois.
Batendo palmas, em algum tempo depois, ela abrira a porta, e vendo quem se
encontrava a sua frente, por em ensejo, pensou em, novamente, fechar a porta em
sua cara.
Porém, recordando o que Ruth havia lhe falado, e vislumbrando que dentro de
muito pouco tempo estaria rica, livre de ameaças e pronta para partir a o lugar que
desejasse, resolveu que encararia o avô de sua neta, e não temeria as suas
indagações.
Euclides, educadamente, disse:
--- Desculpe incomodá-la, mas preciso conversar com a senhora. Soube agora
pouco, sobre o relacionamento que meu filho tinha com a sua filha, e...
Maroca, apreensiva com o rumo daquela conversa, tratou de encerrar o assunto
com poucas palavras:
--- Minha filha morreu, e o seu filho também! Não adiantará ficarmos remoendo este
assunto, pois eles não irão voltar. Agora, se ma dá licença, boa noite!
E batera a porta. Um laço criava-se, indagações aumentavam e a certeza de que
aquela história estava mal contada, aflorava. Euclides estava interessado em saber
detalhes desse relacionamento do filho, já que durante todo esse tempo, pensara
que Eduardo permaneceu pelo resto de seus dias, sozinho.
Dentro de sua casa, Maroca concluiu que, diferentemente do que imaginava, outras
pessoas sabiam do relacionamento de Débora com Eduardo. Rapidamente, ela
deduziu que fora Alfredo Martinho, quem haveria de ter contado aquela história para
Euclides, já que em sua cabeça, apenas ele e Ruy Érico, tinham conhecimento do
fato ocorrido.
Euclides havia retornado para a sua casa, e Mariano jantava com sua família.
Miguel, que não sabia que Manuela estava trabalhando para Péricles, quando
soube, ficou desolado, pois sabia das reais intenções de seu chefe. Viu naquele
momento, que tinha as mínimas chances com Manuela.
Amanhecendo, após tomar seu café de manhã, Euclides decidira que iria conversar
com Alfredo Martinho, sobre os últimos instantes da vida de seu filho. Afinal, algo lhe
alertava, de que rastros importantes sobre esse fato, haviam ficado para trás. E
como Alfredo era o grande amigo de Eduardo, ele achara que estava perto de
descobrir alguma coisa de relevante.
Como permaneceu em casa no dia anterior, Péricles se viu obrigado a novamente
supervisionar sua fábrica. Porém, começara o dia estressado, seu chofer havia
pedido as contas. Ele revelou para Péricles, que tivera juntado uma quantia razoável
durante esses anos, e já possuía o dinheiro que precisava para comprar um terreno
no interior paulista, onde sua família residia. Tomando conhecimento deste assunto,
Miguel rapidamente se ofereceu para aquela função, pois sabia dirigir. Ele fazia isso,
pensando em se aproximar um pouco mais de Manuela, e ficar a par do
comportamento de Péricles com ela.
Não precisou muito, para o patrão efetiva-lo como seu novo chofer. Mas, mal ele
sabia que seu motorista estava prestes a se tornar, um inimigo.
No centro da cidade, um homem que esporadicamente se via caminhando pelas
ruas de São Paulo, continuava a morar no mesmo lugar. Contudo, discordemente há
dezessete anos atrás, encontrava-se um individuo triste e solitário. Que apesar do
tempo ter passado, não esquecia do que acontecera, e permanecia a se culpar pelo
ocorrido.
Esse era Alfredo Martinho, que naquela manhã recebera a visita de Euclides, e
revelou a ele, que realmente, Débora e Eduardo, tiveram por um longo período um
relacionamento, que terminara com o trágico acidente.
Para a sorte de Maroca, ele não sabia da criança que Débora esperava. Todavia,
uma nova história se apresentava, e de alguma maneira, Euclides ficara feliz em
saber que, pelo menos com alguém, Eduardo manteve uma convivência
harmoniosa, e que nutriu algum tipo de sentimento para com ela.
Arrumando a casa, Manuela se deparou com Miguel, ele imediatamente, havia ido
trabalhar no seu novo cargo. Vendo-o, ela não escondeu sua felicidade, ao estar
perto de alguém conhecido.
Apesar de sua irmã estar na mais perfeita paz, Euclides achara melhor não revelar
o que soubera, evitando possíveis contendas com Ruth. Passado um mês, Manuela
continuara a trabalhar para Péricles, e ele, por sua vez, permanecia cada vez mais
próximo de sua “presa”, a tratando com muita atenção e com um carinho, que para
quem observasse, constatava que obviamente, ele mantinha segundas intenções.
Laborando durante todo esse tempo como motorista, Miguel convivia diariamente
com aquela ligação entre os dois. O que, particularmente, andava lhe incomodando,
de forma excessiva, pois reconhecia que daquela maneira, aos poucos, Péricles
conquistaria, ainda mais, a confiança dela.
O tempo havia passado tão rápido, que Maroca não tomou as medidas necessárias,
que tivera combinado com Ruth. De tal modo que a irmã de Euclides, fora até a sua
casa, a fim de entender o que acontecia, e porque ela permanecia com tamanha
calma. Maroca relatou a sua comparsa, que andava um tanto atarefada, e também,
queria que Manuela tivesse uma maior convivência com o futuro marido.
No entanto, nada tivera mudado, Maroca continuava disposta a casar a neta com
Péricles. Embora aquela atitude lhe deixasse com um sentimento de culpa, mesmo
assim, ela imaginara que esta era a sua única saída, perante os seus problemas.
No final da tarde, Miguel fora conversar com Manuela, que naquela ocasião, se
preparava para ir embora. Sem mais delongas, ele abriu seu coração, e manifestou
o amor, ao qual sentia por ela. Manuela ficara visivelmente surpreendida com aquele
desabafo, pois apesar de ter conhecimento pelo apreço que Miguel tinha, para com
ela, não imaginara que era muito maior. Porém, por mais que ela tentasse relutar, o
sentimento para com ele, era o mesmo.
Miguel, nitidamente emocionado, falou:
--- Eu a amo, desde o primeiro momento que a vi. Não posso lutar contra esse
sentimento. Sei que sua mãe não gosta de mim, e não irá, de jeito algum, aprovar...
Mas, dependendo da sua resposta, eu não temerei enfrentar quem quer que seja!
Manuela, timidamente, perguntou:
--- Resposta sobre o quê?
Miguel e Manuela conversavam no pátio da casa de Péricles. Todavia, Augusto,
observando o rosto dos dois, constatava que falavam algo importante. Portanto,
ficara escondido, entre as árvores da residência, esperando coletar alguma
informação privilegiada.
Miguel, disse:
--- Você aceita casar-se comigo?
Por essa, ela não imaginava. Casar? E assim, de repente! Não. As coisas não
poderiam ser decididas numa fração de segundos. Mas também, algo haveria de ser
dito para ele.
Do fundo de seu coração, a vontade era de, certamente, casar com aquele que
amava. Contudo, ela pensara na “mãe”, que sempre a regulou em todos os
aspectos, e que barraria qualquer sonho que ela tivesse ao qual não fosse de
acordo com seus “princípios”.
Ao respirar, tomar fôlego e sentir-se pronta a responder a sua pergunta, ela falou:
--- Do fundo do meu coração? Aceito! Afinal, apesar de não demonstrar, eu sempre
amei você! Mas, agora não posso casar, se minha mãe descobre... Estarei perdida!
Ele, mais calmo, e extremamente contente em ter a certeza de que era um amor
correspondido, falou:
--- Posso ao menos, te acompanhar, meu amor?
Manuela era uma pessoa muito discreta, e que mesmo gostando de Miguel, reiterou
que era necessária certa distância entre os dois, evitando assim, aborrecimentos
com a “mãe”.
Recatada como poucas, ela desviava-se de qualquer tipo de carinho, que Miguel
poderia ter, para com ela. O objetivo de ambos, era de aos poucos, ir amansando a
“fera”, que se chamava Maroca. Para assim, quem sabe, ela aprovar o casamento.
Lastimável que o sonho que tinham jamais poderia se tornar real. Visto que, Maroca
tivera outros planos para a neta... O casamento iria sair, mas o noivo não seria o
mesmo.
Ao chegar em casa, Miguel não se dominou, e terminara contando para os avós,
sobre Manuela. Eduarda e Mariano deduziam que aquela história não terminaria
bem. Visto que, Maroca tentaria impedir a qualquer custo, esse romance. Porém,
para não desiludir o neto, eles trataram de apoiá-lo.
Melhor que ganhar na loteria, era ter um trunfo tão precioso como aquele que tivera.
Assim pensara Augusto, que tinha nas mãos, uma nova chantagem, a qual poderia
arranjar mais dinheiro com o sobrinho, em troca da tal informação.
O Marquês era sem sombra de dúvidas, um homem muito esperto. Como possuía
uma grande quantia em dinheiro, já que atravessava uma fase muito positiva na
jogatina, tratou de guardar o que sabia, para uma eventual necessidade.
O certo era, que ele se encontrava “por cima da carne seca”, o que o deixava mais
sarcástico, do que de costume.
Durante o jantar, Maroca até que tentava saber o que Manuela pensara sobre o
patrão, mas ela sempre respondia à mesma coisa. E a levava crer que realmente,
apesar da extrema educação e cavalheirismo de Péricles, a “filha” tivera nada mais
que uma singela simpatia, para com o seu chefe. O que para Maroca, não deixava
de ser um problema, visando seus objetivos.
Enquanto a madrugada alastrava-se, o Marquês Augusto Gusmão, continuava a
jogar no cassino, quando um velho comparsa de jogo, lhe avistou, e logo tratou de
se aproximar. Esse homem chamava-se Almeida Barcellos, um malandro beirando
seus noventa anos de idade, que era conhecido como o papa - tudo, tamanha era a
sua competência nesses tipos de jogos. Não havia uma só pessoa que conseguisse
ganhar dele. O próprio Marquês, anos atrás, começara sua derradeira falência,
graças a uma aposta infeliz, que tivera feito com ele. Porém, como Augusto era um
individuo um tanto teimoso, aquele ditado, lhe caía como uma luva: “Um raio cai sim,
duas vezes, em um mesmo lugar!”.
Eis que o Marquês, novamente, quis “medir forças” com Almeida Barcellos.
Deixando-se levar pela precipitação, ele apostou todo o dinheiro que possuía.
Ganhou uma, duas, três vezes. Estava radiante por ter alcançado três vitórias do
adversário, e ainda por cima, faturar a tremenda riqueza que Almeida havia
apostado.
Todavia, ser uma “raposa velha”, perante esses jogos, tem as suas vantagens.
Tanto que Almeida Barcellos, começara a provocá-lo, de modo que decidiu jogar,
segundo ele, pela última vez, naquela noite.
Barcellos apostara alto, tendo em vista que lançara todo o seu patrimônio. Augusto
não deixou por menos, e colocou toda a sua fortuna em jogo.
O resultado, não poderia ter sido outro, Augusto Gusmão saiu sem um tostão do
cassino. O mais impressionante, era que o Marquês não se deixava abater por ter
perdido todo o dinheiro. Ele pensava em outras coisas, uma delas, era de retirar
mais dinheiro do sobrinho, pois enquanto estivesse extorquindo quantias dele,
dinheiro não seria problema, mas sim, solução.
Avistando-se um lindo pôr-do-sol, o dia iniciava-se complicado para Maroca, que
sentia fortes dores nas pernas, mesmo assim, fora trabalhar, normalmente.
Enquanto Manuela não chegava, Péricles tomava seu café matinal, acompanhado
do tio. Tendo conhecimento que Augusto tivera chegado altas horas da madrugada
em casa, ele exclamou:
--- Muito bonito Marquês! O que passa pela sua cabeça, para ficar até altas horas,
jogando e consumindo dinheiro?
Augusto, nem um pouco interessado em ouvir repreensões, disse:
--- Se fosse você, não estaria preocupado em me aplicar sermões, mas sim, em
cuidar melhor do seu “futuro patrimônio”!
Péricles, não entendendo o que o tio queria lhe dizer, perguntou o que ele
insinuava. Porém, o Marquês apenas falara que precisava, urgentemente, conversar
a sós com o sobrinho.
As dores eram imensas, a vontade de Maroca, era de abandonar o serviço e não
trabalhar mais. Entretanto, enquanto Manuela não se casasse com Péricles, ela teria
que continuar. Afinal, despesas eram inevitáveis, portanto era uma questão de
necessidade, permanecer trabalhando por mais algum tempo.
Subindo as estreitas escadas do hospital, restrita aos empregados, ela torcera a
perna esquerda, e por conseqüência, caíra de uma altura considerável.
Apesar de não aparentar, Maroca tratava-se de uma senhora do alto de seus oitenta
anos, e mesmo mostrando-se ser uma pessoa forte e inabalável, a verdade era que
já estava com a saúde muito enfraquecida, e que acabara se agravando em razão
do acidente.
Sem demora, ela fora levada para a sala de cirurgias, mas nada poderia ser feito.
Levando-se em conta a sua idade avançada, os médicos decidiram não realizar
qualquer tipo de procedimento cirúrgico. O fato era que ela não poderia mais
trabalhar, e ficaria pelo resto de seus dias com a perna esquerda, um tanto torta, o
que ocasionaria uma dificuldade quando se locomovesse e consequentemente,
reprovaria todo trabalho doméstico, ao qual ela fazia.
Terminada a refeição, como sempre fora uma pessoa impaciente, Péricles logo
tratou de saber o que o Marquês insinuava com aquela frase. Sentindo que o
sobrinho já se encontrava, devidamente interessado no assunto, Augusto foi
conciso, e disse:
--- O interessante de um jogo é justamente a emoção. Sendo assim, para o jogo ter
sentido devemos nos deixar levar pela comoção... Bem, mas não era isso que eu
queria lhe falar, ou melhor, era sim, porém não com essas palavras! O certo é que,
assim como um carro só funciona com combustível, somente se tem emoção em um
jogo, quando se tem poder aquisitivo! Por isso meu sobrinho, quero trocar uma
informação de grande valia para você, em troca de uma grande quantia, que cá para
nós, nem pasará no seu bolso!
Ouvindo o que o tio falara, ele fora ficando um tanto aborrecido. Afinal, novamente,
Augusto lhe chantageava. Contudo, como sempre queria ficar a par dos assuntos,
ele lançou nas mãos do Marquês, uma generosa fortuna.
Nesse instante, Augusto “abriu a boca”:
--- Se fosse você, casaria o mais depressa possível com Manuela. Pois, ontem o seu
“fiel” motorista, fez uma verdadeira declaração de amor para ela, e ainda por cima,
tratou de pedi-la em casamento! Abra os olhos, meu sobrinho. O tempo passa, e
sem mais, sem menos, sua “amada” poderá, repentinamente, fugir de suas rédeas.
Péricles sentia tanta raiva naquele momento, que exclamou:
--- Ai daquele miserável, se aparecer por aqui! Se avistá-lo alguém sairá morto
dessa casa!
Falando, ele mostrava para o tio, o revólver que guardava na gaveta da mesa de seu
escritório. Contra qualquer tipo de violência, Augusto tentava apaziguar:
--- Deixe disso, não é assim que se resolvem pendências! Trate apenas de casar
com ela. Não pense em matar, de jeito nenhum, o rapaz! Pense que, querendo ou
não, Manuela gosta dele. E seu conceito cairia muito com ela, se descobrisse que
você o matara!
Como não possuía telefone em casa, Maroca pedira a secretária do hospital, que
telefonasse para a residência de Péricles. Pois, Manuela se dirigia para lá, a fim de
começar mais um dia em seu serviço.
O telefone tocara, e o Marquês atendera. Era do hospital, informavam que Maroca
havia sido internada, em decorrência de um acidente, no próprio hospital. Seu
estado de saúde era instável.
Ligavam, para que informassem a Manuela sobre o ocorrido. Como ela ainda não
tivera chegado, sabendo do fato, Péricles decidiu que iria visitá-la. Porém, antes de
sair, deixara com o tio, a conta pronta de Miguel. Afinal, não queria vê-lo trabalhando
para ele, nunca mais.
Chegando ao hospital, ele entrou no quarto onde ela se encontrava. Para a
surpresa de Maroca, que perguntara onde estava Manuela.
Péricles, com o semblante bastante sério, falou:
--- Falei com os médicos, olhe o seu estado deplorável, sinceramente? Apesar de
não ser seu amigo, nem nunca desejar ser, vou lhe dar um conselho: você só
conseguirá durar por mais algum tempo, se levar uma vida sossegada e sem
tormentos. Observe-se no espelho, você está acabada, é como se estivesse
chegado no fundo do poço. Eu não sou nenhum mágico para tirá-la desse poço frio
e sombrio. Mas, posso ajudá-la a não permanecer no fundo dele! Quero que me
conceda a mão de Manuela em casamento. Desejo me casar com ela, o mais rápido
possível!
Apesar de ter combinado com Ruth o casamento de Manuela com ele, por vezes
Maroca sentia-se ressabiada a tomar aquela decisão. Todavia, ela não se
encontrava no direito de escolher o que fazer, então disse:
--- Manuela irá casar-se com você, porém irei morar com vocês e desfrutar da
luxuosa residência do meu futuro genro!
O acordo fora firmado, Péricles ficara encarregado de buscá-la para conversar com
Maroca. Pois, ela queria contar a neta sobre a decisão que tivera tomado.
Miguel e Manuela haviam chegado juntos. Quando o avistou, Augusto o chamara
para uma conversa em particular. A sós na sala do sobrinho, o Marquês o
comunicou sobre a sua demissão. Entretanto, com a mais perfeita educação, ele
explanara a Miguel, que por motivos próprios, Péricles decidira que não haveria mais
necessidade de ter um chofer em sua casa.
Desolado, Miguel não acreditara no que acontecia. Pior que estar longe de sua
amada, era estar desempregado, e sem a menor possibilidade de ajudar os avós e
também constituir família com Manuela.
Péricles mal chegara a casa, e tratou de pedir que Manuela o acompanhasse. No
caminho, contou-lhe sobre o acidente que Maroca sofrerá. Ela ficara desesperada,
ao saber que a “mãe” encontrava-se naquele estado.
Estrategicamente, ele a convidou para que entrasse no quarto onde Maroca
encontrava-se. Contudo, ele ficara na sala de espera, ansioso e aguardando as
definições que a conversa das duas, certamente, trariam.
Ao entrar no quarto, ambas choravam. Manuela, por ver a “mãe” naquelas
condições. Maroca, por ver que a neta seria obrigada a fazer algo que não desejava.
Emocionada, Manuela disse:
--- Que bom saber que a senhora está melhor! Fiquei com tanto medo de perdê-la!
Triste com aquela situação, Maroca falou:
--- Eu juro que tentei, porém cheguei ao meu limite! Estou com a perna esquerda
torta, terei que usar bengala! Serei obrigada a parar de trabalhar. Estou ciente de
que a morte é uma questão de pouco tempo para mim, e é por isso, que decidi que
você deve se casar, para assim, quando morrer, não deixá-la sozinha,
perambulando por este mundo!
Ouvindo sua Avó, Manuela tratara de comunicá-la sobre algo:
--- Mãe, ontem o Miguel pediu minha mão em casamento, é dele que sempre gostei,
e é com ele que gostaria de me casar!
Nem na pior das hipóteses, ela deixaria a neta se casar com Miguel, tanto que
dissera:
--- Você está louca? De maneira nenhuma, deixaria casar-se com ele! Ele não tem
condição alguma de sustentá-la! Eu preciso de paz, conforto. Não trabalhei a vida
inteira para ter um fim tão desgraçavel. Seu patrão tem muito apreço por você, e é
com ele que quero que se case!
Manuela não queria passar o resto de seus dias, casada com ele, mas, Maroca
começara sua chantagem emocional:
--- Ele é um homem gentil, a fará muito feliz! Se não se casar com ele, serei
obrigada a me sacrificar mesmo doente. O que a fará encontrar-me, qualquer dia
destes, morta, enquanto estiver a trabalhar. Enfim, a escolha é sua!
---- Eu casarei com ele.
Disse ela, visivelmente triste. Era como se Manuela estivesse prevendo o pesadelo
que seria esse casamento. Aquele homem doce e cavalheiro que conhecia, estava
prestes a tornar-se o oposto.
Nono capitulo:
A morte repentina, e a chegada inesperada.
Ausentando-se do quarto do hospital, onde Maroca estava Manuela comunicara a
Péricles, que estava disposta a se casar com ele.
Ele ficara extremamente realizado, ao ter conhecimento daquela notícia.
Afinal, seu pensamento fixo havia tornado-se realidade. Aproveitando a ocasião, ele
falara a ela:
--- Sei que você não gosta de mim, porém quero que saiba que farei de tudo para
mudar este seu conceito...
Segurando suas mãos, ele continuou:
--- De maneira alguma, obrigarei você a fazer algo que seja contra a sua vontade.
Peço que confie em mim, pois você não irá se arrepender!
Olhando para ele, Manuela disse:
--- Temos que voltar, porque deixei alguns objetos de limpeza pela sala.
Ouvindo o que Manuela falava, Péricles logo tratou de adiantar os procedimentos:
--- Você não irá mexer em qualquer objeto de limpeza! Agora irei levá-la a modista,
para escolher o melhor vestido de casamento que possa existir.
Apressado nas formalidades, ele estava disposto a se casar o mais rápido possível.
Enfim, Manuela não poderia ir contra o desejo do futuro marido. Sendo assim,
chegando à principal modista de São Paulo, ela pedira que utilizasse o banheiro.
Trancando-se lá, ela pôs-se a chorar, permanecia realmente, em uma enrascada, da
onde dificilmente sairia.
Depois de deixar a futura esposa escolhendo o vestido, Péricles fora ao mais
influente jornal da cidade, remunerá-lo por uma gigantesca nota no periódico da
coluna social, ao qual, cobiçava comunicar a todos sobre o seu casamento com
Manuela.
Escolhendo o traje para o casório, a modista lhe indagara sobre qual vestido iria
escolher. Manuela, visivelmente entristecida, falara:
--- A senhora tem muito bom gosto, por isso confio na sua decisão.
A mulher que a atendia, percebeu rapidamente que se tratava de um casamento
forçado, e tentando fazer com que sua cliente ficasse mais animada, disse:
--- Não fique assim, meu bem! O que pode parecer ruim agora poderá ser
maravilhoso no futuro!
No hospital, a tamanha impaciência de Maroca levou os médicos a tratar de liberá-
la. Contudo, era necessário que fosse comprada a bengala, ao qual ela teria que
usar sempre.
Sabendo da liberação dos médicos, Péricles mandou que um táxi a buscasse.
Anoitecendo, sentada em sua casa, Maroca arrumava alguns documentos antigos,
juntamente com Manuela, já que estavam acertando os últimos detalhes da
mudança que seria feita, pois quando casassem, Maroca mudaria-se para a
residência do genro.
Subitamente, auxiliando a avó, ela avistara uma fotografia de uma moça muito
simpática. Tratava-se da única imagem que Maroca possuía da filha, Débora.
Jamais Manuela tivera visto aquela fotografia, mas quis o destino, que naquele
instante, ela tivesse a oportunidade, mesmo não sabendo de quem se tratava, de
ver o rosto de sua mãe. Indagando-a sobre de quem seria aquele retrato, Maroca
desconversou, tomou dela a imagem e disse que era uma sobrinha, ao qual já tinha
falecido.
Manuela, acreditando na história, perguntara:
--- Ela era muito bonita! Qual era o seu nome?
Procurando ponderar-se, Maroca tentava não se alongar naquele assunto, mas
naturalmente, sem se conter, ela respondera:
--- Ela se chamava Débora.
Após responder, ela viu que havia falado demais. Sabendo o nome da moça do
retrato, Manuela completou:
--- Que lindo nome ela tinha!
Amanhecendo, a cidade não falava em outra coisa. Afinal, Péricles tivera feito uma
verdadeira exposição, perante o seu casamento. Na nota, ele convidara toda a alta
classe social de São Paulo para a cerimônia.
Lendo o jornal, Euclides não acreditara que Manuela quisesse se casar com
Péricles, porém comentando com Ruth, ela logo tratou de aproveitar o momento:
--- Sempre disse a você que ela não passava de uma golpista, interesseira. Por
certo ela queria o mesmo com você!
Recusando-se a concordar com o que a irmã falava, Euclides rebateu:
--- Está enganada, Ruth! Completamente enganada! Nossa relação era de amizade.
Eu tenho para com ela, um sentimento de carinho afetivo, um sentimento...
Incompreensível!
Incomodada com aquela amabilidade, que ele tinha, para com Manuela, Ruth se
mantinha calma e serena, ouvindo as palavras de seu irmão. Afinal, com o
casamento dos dois consumado, ela seria uma das que lucraria.
Ao saber do fato, Miguel ficara ainda mais abalado. Queria ir falar com Maroca,
contudo, Mariano o conteve, e disse que não adiantaria em nada tentar dialogar com
ela, pois todos conheciam a personalidade dela.
Desiludido, Miguel passou a ter depressão, o que o fizera ficar o tempo todo dentro
de casa, chorando e se lamentando. Passou a não ter mais vontade de viver.
Enquanto Maroca e Manuela tomavam café da manhã, inesperadamente, avistava-
se o automóvel de Péricles. Ele vinha abarrotado de sacolas cheias de vestidos
novos, e trazia em uma delas, a bengala que Maroca a partir daquele momento
utilizaria.
O relacionamento de Péricles com a “mãe” de sua mulher havia se modificado
totalmente. Após o consentimento dela, para que ele cassasse com sua neta, os
dois se comunicavam com a mais perfeita educação, o que se tratava de uma
falsidade impressionante.
Presenteando a futura esposa com vestidos do mais alto grau de luxo, Manuela
demonstrava sua gratidão:
--- O senhor não precisava ter gastado, comprando vestidos tão caros para mim. Só
em estar auxiliando minha mãe, já é o bastante!
Inconformado que ela não se deixava ser comprada por presentes caros, ele falara:
--- Primeiro lugar, nunca mais me chame de senhor! Segundo, sendo minha mulher
você involuntariamente terá de se acostumar com todos os tipos de luxo que eu irei
te proporcionar!
Caminhando pela cidade, Euclides encontrara Manuela, que tivera ido buscar
alguns remédios para a avó na farmácia. Como sempre, ambos foram muito
atenciosos, porém Euclides não deixara de tentar entender o porquê de ela querer
se casar com Péricles. Muito triste, ela o explicara o que tivera acontecido com sua
“mãe”, explanou que precisavam de dinheiro e também confessou que Maroca havia
praticamente, ordenado.
Ele ficara chocado, por certo se ofereceu para ajudá-la com a parte financeira.
Contudo, Manuela não queria confusão com a avó, e por isso, agradeceu o amigo,
que muito emocionado, disse:
--- Se você sentir que não está suportando essa situação, não tema em me
procurar... Pois farei de tudo para socorrê-la.
Cochilando na sala, em sua poltrona, enquanto ouvia sua rádio novela predileta,
Maroca recebera a visita de Ruth, que já não agüentava mais a vontade de saber as
novidades.
Observando o estado um tanto calamitoso dela, Ruth constatava que sua comparsa
passava por maus bocados. Tendo em vista o seu estado de saúde, Maroca revelou
a ela, que tinha que fazer o casamento acontecer o mais depressa possível, pois
não teria a menor condição de continuar a se sacrificar trabalhando.
Chegando em casa, após comprar todos os remédios, para a sua surpresa, Ruth se
encontrava, animadamente conversando com sua “mãe”. Todavia, da onde minha
mãe tem tanta amizade assim, para com ela? Que conversa, elas podem ter em
comum? Essas eram indagações que Manuela fazia a si mesma.
Evidente que ela não esquecera o episódio do roubo, onde Ruth tivera acusado-a.
Desde aquele momento, ela mantinha certa antipatia com a sua ex-patroa.
Mesmo não querendo entrar em casa, ela tomara coragem e adentrou, para o
espanto de ambas que trocaram ligeiramente de assunto. Não demorara muito, para
Ruth se despedir e ir embora daquele local. Manuela ficara um pouco intrigada com
aquela “amizade”. A sós com Maroca, ela indagara a avó sobre essa aproximação
das duas, até então, inexistente.
Maroca, sendo uma mulher extremamente astuta, tratou de engambelar a neta:
--- Agora que estamos a um passo de sermos ricas, devemos nos relacionar com
pessoas da alta sociedade, e não com as da ralé!
Ouvindo as palavras da “mãe”, ela não agüentara os argumentos apresentados, e
rebateu:
--- Desculpe mãe, mas é difícil de acreditar que a senhora fale assim como acabou
de falar, pois sempre disse para mim que dinheiro só traz desgraça e que devemos
ficar sempre longe dele.
Nunca Manuela havia instigado tanto ela, como naquele dia. Não querendo crer que
a neta lhe fazia tal afirmação, Maroca exclamou:
--- Ora da onde já se viu? Você sabe muito bem que estou completamente doente e
não tenho mais condições de trabalhar! Não mudo uma só palavra do que lhe falei
durante todos esses anos, porém na minha idade, uma desgraça a mais uma a
menos não fará diferença. Agora pare de me fazer perguntas impertinentes!
Contudo, após ouvir Maroca falar, Manuela ficara um tanto desconfiada sobre
aquela proximidade, porém não tinha motivos para ir contra a palavra de sua “mãe”.
Alguns dias depois, o dia do casamento, finalmente havia chegado. A imprensa
paulista se encontrava em peso naquela cerimônia. Durante esses dias, Miguel
continuara o mesmo, sem nenhuma perspectiva de sair do “buraco” ao qual se
encontrava. Manuela sabia disso, e por vezes tentava conversar com seu amado,
mas Maroca fazia marcação serrada, o que fez com que ela não tivesse a
oportunidade de antes de se casar, tentar fazer Miguel se reanimar de alguma
forma. Euclides tivera recebido o convite, afinal se tratava de uma das pessoas mais
influentes da cidade. Mesmo descontente com aquele acontecimento, ele se
arrumava para o casório, quando o telefone tocara. Era do hospital, ligavam para
informar que Ruy Érico, finalmente havia recebido alta, embora ainda não estivesse
com condições de falar.
Imediatamente, Euclides fora para o hospital. Enquanto se aprontava para o
casamento, era nítida a infelicidade de Manuela. Maroca, que lhe ajudava a se
arrumar, tentava animar a “filha”:
--- Tente se mostrar um tanto mais alegre! Pense que isso que está acontecendo é
um atalho para a nossa futura felicidade!
Sem entender o que ela queria dizer com aquela frase, Manuela disse:
--- Estou vendo todos os meus sonhos terminarem.
Nesse instante, Maroca completou:
--- Seus sonhos estão apenas começando!
No hospital, o enfermeiro convidou Euclides para que, enquanto o médico
responsável não chegasse, ele ficasse com Ruy Érico. Examinando o amigo,
Euclides desabafou:
--- Meu querido amigo que vontade de conversar com você!
Se mexendo bastante na cama, como uma voz suave e quase nula, Ruy falara:
--- Euclides, você não é sozinho.
Surpreso com as palavras de seu amigo, e vendo que ele, novamente agitava-se,
Euclides disse:
--- Poupe-se meu amigo! Quando estiver mais disposto conversaremos.
Porém, a vontade de Ruy era tanta, que ele não seguira os conselhos de Euclides,
e proferiu o grande segredo:
--- Você tem uma neta!
Nesse instante, tamanha era a sua agitação, os enfermeiros decidiram deixá-lo por
mais alguns dias internado. Perplexo com aquela informação, Euclides ficara muito
emocionado ao saber que tinha uma neta. Inconsequentemente ligava a palavra
neta com a imagem de Manuela, mas sabendo que ela fora adotada por Maroca,
não imaginara que fosse ela. Todavia, pensava que se o filho tivesse tido uma filha,
Débora era a única que poderia ser a mãe. Ou seja, o segredo estava com Maroca.
Com a alta sociedade paulistana maciçamente presente, iniciava-se a cerimônia de
casamento entre Manuela e Péricles. Depois que ele tivera dito ao padre que
desejava casar-se com Manuela Martins, o padre prosseguiu:
--- Manuela Martins aceita casar-se com Péricles Gusmão, prometendo-lhe ser fiel
na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, por todos os dias de sua vida?
Com a melancolia de como se estivessem fechando seu caixão, Manuela
respondeu:
--- Sim.
--- Pode beijar a noiva!
Disse o padre.
Sendo assim, o casamento mais desventuroso começava. Querendo mostrar-se um
perfeito cavalheiro, Péricles ajoelhou-se na sua frente, e concedeu-lhe um singelo
beijo em sua mão esquerda. Com isso, arrancou aplausos dos convidados.
No seu ouvido, Péricles falou:
--- Isso é para mostrar o respeito que sempre terei por você!
Manuela agradeceu:
--- Obrigada, você foi um exemplo de cavalheiro.
Enquanto Manuela era cumprimentada pelos convidados, Péricles tratou de circular
pela festa, quando subitamente, Ruth lhe encontrou e disparou:
--- Desejo que você seja infinitamente infeliz!
Irônico, ele rebateu:
--- Mais infeliz que você, certamente eu não serei!
Falada esta frase, Péricles dera as costas e conversava com Augusto. Nesse
momento, chegara Euclides, que vendo a irmã, inocentemente falara sobre o que
tivera descoberto:
--- Vim do hospital agora, o Ruy não foi liberado, porém fez uma revelação
surpreendente. Disse que tenho uma neta! Ruth, isso não é maravilhoso?
Visivelmente preocupada com uma possível herdeira do irmão, Ruth perguntou:
--- Já sabe de quem se trata?
Ele respondeu:
--- Não tenho a mínima idéia, pois Ruy Érico acabara não terminando de me contar o
resto da história. Contudo, em poucos dias ele receberá alta, e quando isto ocorrer,
obviamente eu saberei!
Ouvindo o que Euclides falara Péricles permanecia a beira de um ataque de nervos,
tão grande era a sua preocupação. Afinal se descobrissem o segredo, ele estaria
sem nenhum trunfo. Portanto, Maroca não seria obrigada a fazer o que ele
mandasse, e consequentemente, o seu casamento estaria acabado.
De repente, eis que na festa não se encontrava o noivo. Estranho, não? Porém,
sabemos o real motivo para a sua ausência.
Rapidamente, ele pegara seu automóvel, e fora direto para o hospital. Vestira
roupas de enfermeiro, e utilizou um crachá, cujo nome era falso. Usando máscara
cirúrgica e touca, ele se encontrava irreconhecível. Mas, a quem lhe conhecesse,
seus olhos, definitivamente estavam amostras, o que facilitaria um reconhecimento,
caso pessoas de seu convívio o encontrassem. Todavia, como ninguém do hospital
tivera contato com ele, isso seria praticamente impossível de acontecer. Com o fraco
movimento no hospital, ficara fácil para que ele colocasse seu plano em prática.
A alucinação de Péricles era tanta, que ao entrar no quarto de Ruy Érico, que
dormia calmamente, ele não pensara duas vezes, e pagara um travesseiro, ao qual
pressionara sobre o rosto de Ruy, que por alguns instantes tentava reagir. Ao final
de sua reação, uma lágrima caíra de seus olhos, por certo, ele reconhecia que seu
final, infelizmente, havia chegado. Com a respiração prejudicada, inevitavelmente,
ele morrera asfixiado. Lamentável a morte de Ruy Érico, que se tratava de uma
pessoa do mais digno caráter.
A alegria de Péricles era visível, que disse:
--- Até que você resistiu bravamente! Contudo, homem que morre não fala mais!
Sorrindo, ele saíra do quarto. Nesse instante, um enfermeiro lhe observava,
percebendo que lhe notavam, Péricles encarara o enfermeiro, que mesmo podendo
enxergar apenas os seus olhos, conseguira guardar os trejeitos, que a ele eram
peculiares.
Após vê-lo ir embora, o enfermeiro entrara no quarto, que se encontrava na mais
absoluta ordem. Péricles havia arrumado os travesseiros e a cama, para assim,
nada indicar o que havia ocorrido.
Não sentindo o pulso de Ruy Érico, o enfermeiro chamara os outros funcionários do
hospital, para ele, a morte não fora natural, mas sim, assassinato, e o autor, seria o
tal “homem alto de branco”.
Péricles voltara para a festa um tanto inquieto. Augusto logo percebeu e perguntou:
--- O que te fez sumir por todo esse tempo?
--- Estava resolvendo pendências!
Respondeu ele.
O Marquês, não satisfeito com a resposta, falou:
--- Que tipo de pendência?
--- Aquelas que só resolvemos, cortando o mal pela raiz!
Encerrou Péricles.
Já em seu domicílio, sozinho, Euclides tentava entender a história que tivera
descoberto. Até pensara em indagar Maroca, mas queria primeiro, saber o
acontecido da boca de Ruy Érico, a quem jamais desconfiava que tivesse falecido.
Na casa de Péricles, ele apresentara a Maroca o que seria o seu novo quarto. Ela
muito entusiasmada, agradeceu:
--- Que quarto maravilhoso, obrigada meu genro!
Sozinho com Manuela, no corredor da casa, ele, nem um pouco alegre, friamente
disse:
--- Esse será o seu quarto, Manuela!
Ela, surpresa, perguntou:
--- Você está aborrecido?
Tentando segurar ao máximo sua apreensão e insatisfação, ele falara:
--- Não, nem um pouco. Ficaremos em quartos separados até você vir, e me dizer
que finalmente conseguiu ter para comigo, um sentimento verdadeiro.
Trancado em seu quarto, ele tentava parar de pensar na atrocidade que havia
cometido. Apesar da mente cruel que possuía, sua consciência pesada
incomodava-o. A noite fora um verdadeiro inferno para ele, que em um momento de
uma completa demência de sua parte, pegara sua arma da gaveta e saíra de pijama,
pelos corredores de sua casa, até chegar ao pátio de sua residência. Chegando lá,
ao olhar para o céu, segurou o revólver, atirou três vezes e exclamou:
--- Deixem-me em paz!
Durante a noite, o enfermeiro fora até a delegacia de Raul Moreira, prestar
esclarecimento perante o possível assassinato de Ruy Érico. Jurando acreditar que
fora um assassinato, Raul pedira a ele que fizesse um retrato falado do assassino.
Feito o retrato, e indicando as características físicas, Raul, observando a caricatura,
impressionado, disse:
--- O senhor conhece Péricles Gusmão?
--- Já ouvi falar, contudo não o conheço. Por quê?
Perguntou ele.
--- Porque, coincidência ou não, seu desenho e sua descrição, me lembram em tudo
o senhor Péricles Gusmão!
Respondeu o delegado.
Feita as devidas indagações, a primeira pessoa, ao qual, Raul interrogaria, seria
Péricles. Tanto que sem perder tempo, ele mandara um guarda ir até a casa dele,
comunicá-lo sobre esta acareação.
Maroca já se postava ao redor da mesa, para o seu café matinal, quando Péricles
se sentara e ela o perguntara:
--- Vocês não iriam fazer uma viagem para a Europa?
--- Isso não lhe interessa não me venha com perguntas, ao qual não te dizem
respeito! Se começar a me amofinar, te jogo para fora de minha casa, sua velha
parasita!
Respondeu ele, asperamente.
Aos poucos, a convivência harmoniosa que ambos tentavam demonstrar, ia se
deteriorando, o que mostrava que grandes desentendimentos estariam por vir.
Nesse instante, o guarda entra em sua sala de refeições, e o comunica:
--- Senhor Péricles Gusmão, o delegado Raul Moreira gostaria de uma visita sua até
a delegacia, sem ter que obrigá-lo é claro, para prestar esclarecimentos.
Por essa, jamais Péricles esperava. Nunca pensara que seria rapidamente indiciado
para participar da resolução desse episódio.
A surpresa fora tanta, que Maroca logo percebeu e perguntara ao guarda:
--- Sobre o que se trata?
Antes que o guarda respondesse, Péricles muito confiscado disparou:
--- Seja o que for irei agora mesmo. Dona Maroca espero sua discrição!
Falado isto, ele fora com o guarda para a delegacia. Nesse momento, Augusto
chegara à mesa, e perguntara pelo sobrinho. Maroca, muito interessada no assunto
disse:
--- Ele foi para a delegacia, prestar esclarecimentos.
Pensando no que ela falava, ele logo associara a ausência do sobrinho na festa de
casamento. Todavia, não conseguia pensar o que havia ocorrido para tais
declarações.
Ao avizinhar-se na delegacia, Péricles do alto de sua prepotência, estava disposto a
acabar com esses rumores, ao qual ele seria o assassino.
Aconchegando-se, começara a conversa com o delegado. Ao perguntar o que tivera
feito no dia anterior, Péricles exaltou-se:
--- Quem é o senhor para querer duvidar de minha conduta moral? Sabe muito bem
que ontem, nesse período, festejava meu casamento. Sendo assim, não haveria
motivos para deduzirem que eu tivesse cometido este crime tão hediondo!
Medindo o que falava, Raul continuou:
--- Não é isso que estou querendo dizer, só o chamei para uma conversa...
Como era de seu feitio, Péricles humilhou:
--- Muito me surpreende continuar a exercer o cargo de delegado da cidade, depois
de todos os acontecimentos deploráveis que o senhor protagonizou...
Raul Moreira, que sempre fora um homem calmo e sem rispidez, continuava a ouvir
o que ele falava.
O sobrinho de Augusto prolongou-se:
--- Um homem que publicamente é desmoralizado pela esposa, que o abandona
sem mais, sem menos, Não tem o mínimo de moral para querer prosseguir como
delegado! Ao invés de desejar resolver os problemas alheios, vá achar a solução
dos seus problemas!
Após a humilhação que sofrera o delegado encerrara o assunto e Péricles fora
embora. Contudo, para Raul, ele tinha sim, “culpa no cartório”.
Porém, naquele instante, não pensava nisso, mas recordava novamente, de sua
mulher, que o abandonara há dezessete anos atrás. Por mais que tivesse todos os
motivos para sentir raiva de Aurélia, o delegado mantinha o sentimento afetivo, ao
qual sempre tivera por ela.
Para o espanto de muitos, Pascoal e Aurélia retornavam, depois de muitos anos, do
Uruguai. Lá em Montevidéu, Pascoal havia montado uma padaria, onde ficara
extremamente famoso e devidamente rico tamanho era o sucesso de seu
empreendimento. Todavia, voltavam para São Paulo, em decorrência de um tumor
no cérebro, ao qual o antigo padeiro tivera descoberto, e por conseqüência, gostaria
de se tratar no hospital da cidade.
Regressavam pelo mesmo motivo, porque Aurélia jamais havia esquecido a forma
como tivera se afastado do convívio da família. Afinal, ele tinha conhecimento da
grande falha que cometera, não só com Raul, como também com as filhas, que
passaram todos esses anos, sem ter uma figura materna presente em suas vidas.
Ao passo que, Péricles voltava para a sua casa, com a certeza de que tivera
“eliminado” de vez a hipótese do delegado de que ele poderia ser o culpado.
Contudo, certamente que a crueldade que ele tivera cometido, e as próximas que
inevitavelmente ele efetuará, trará sérias complicação, a ponto de se “enforcar com
a própria corda”.
Décimo capitulo:
A estratégia vital.
Terminando seu café matinal, eis que para o espanto do Marquês, a principal
manchete do jornal da cidade, era a morte repentina de Ruy Érico. Visivelmente
surpreso, ele exclamou:
--- Ó céus! Ruy Érico morreu!
Mais assustada, estava Maroca, que ao ter conhecimento daquela noticia, tinha um
misto de alivio com dó, em relação ao triste fim de Ruy. Contudo, os momentos em
que tivera o mínimo de compaixão para com ele, haviam passado depressa.
Os noticiários já traziam a hipótese de que Ruy Érico poderia ter sido assassinado.
Lendo a noticia toda, Augusto pensara que certamente o assassino fora o seu
sobrinho, e claro que Maroca também deduzia a mesma coisa.
Na casa dos Guimarães, Euclides logo soube do acontecido. Por certo, se
encontrava consternado. Jamais imaginara que seu grande amigo pudesse ter um
fim tão melancólico. Tentava entender as causas para o seu falecimento.
Assassinato? Por quais motivos alguém pensaria em assassiná-lo? Era difícil
imaginar que ele tivera sido morto brutalmente, como se noticiava pela cidade
inteira.
Não só Maroca se encontrava feliz com aquele fato, Ruth também era somente
alegria. Acreditava que com a morte dele, Euclides iria esquecer de vez a história de
que tivera uma neta, e assim, ela continuaria sendo a única herdeira do irmão.
Num carro de aluguel, andavam pela cidade Aurélia e Pascoal. Eles, recém
chegados do Uruguai, procuravam um bom hotel para se hospedarem. Quando o
automóvel passara por sua antiga casa, ela não se conteve e começara a chorar.
Sentindo-se mais uma vez com um profundo remorso, ela confidenciou a Pascoal:
--- Não esperarei muito tempo, para rever minhas filhas, e me desculpar com o Raul.
Tentando acalmar a amada, o antigo padeiro, disse:
--- Aguarde meu amor, pois você sabe que esse reencontro não poderá ser feito de
supetão. Temos que planeja-lo, para que suas filhas a recebam com pelo menos, o
mínimo de gentileza possível!
Ao retornar para a sua casa, Péricles logo ouvira de Maroca um comentário irônico:
--- Não deve ser uma novidade para você, mas... Como sei que foi o primeiro da
face da terra, a saber, vou fingir que não tem conhecimento, e contarei a “novidade”:
Ruy Érico foi assassinado!
Extremamente irritado com a tamanha provocação, ele tentava ponderar-se:
--- Sinceramente? Hoje eu não estou apto para as suas provocações, se ma dá
licença, vou para o meu escritório!
Saboreando um delicioso chá de Abacaxi com cravo e hortelã, Maroca prosseguiu:
--- Sua tremenda educação me faz pensar em como tivera falado com Ruy Érico.
Você não me fará crer que tenha pedido licença a ele para que o matasse!
Após falar, ela gargalhava sem parar. Em sua cabeça, ninguém além do delegado
acreditaria que fora ele quem matara Ruy. Porém, ouvindo Maroca, o alto grau de
nervosismo ao qual ele se encontrava, aflorou. Atrás da cadeira, ao qual Maroca
tomava seu chá, ele segurou seu pescoço com muita força, de modo que ela não
conseguia falar, muito menos respirar.
Incomodado com aquela situação, o Marquês tentava pacificar:
--- Solte as mãos do pescoço dela, Péricles! Pelo amor de deus, sua mulher já deve
estar descendo a qualquer momento. Largue ela, por favor!
Visivelmente enfurecido, ele exclamou:
--- Isso é para demonstrar que na minha casa, mando eu! E de maneira nenhuma,
irei deixar quem quer que seja, ditar regras, ou fazer qualquer tipo de comentário
que eu defina como sórdido!
--- Solte-a Péricles, solte-a!
Implorava o Marquês.
--- A senhora quer saber mesmo? Pois então irei contar... Fui eu, sim, quem matou
ele. E a senhora tem o dever de me agradecer, porque por pouco, ele não contara
para o Euclides sobre Manuela. Ah, e só mais um aviso: o próximo comentário ou
coisa parecida valerá como seu passaporte para ir fazer companhia ao pobre Ruy
Érico, onde quer que ele possa estar!
Nesse instante, Manuela surge na sala de refeições. Vendo a cena absurda que
acontecia, ela gritara:
---Largue minha mãe, seu animal!
Largando as mãos do pescoço de Maroca, que por sinal ficara vermelho, ele
tentava distorcer:
--- Não é nada disso que você está pensando, apenas tentava ajudá-la. A pobre
coitada havia se engasgado com as broas de milho.
Pela primeira vez, Manuela mostrava-se com raiva, e observando Maroca, que com
tamanha falta de ar, nem se defendia, ela não pensara duas vezes, dera um tapa no
rosto de Péricles, e reiterou:
--- Nunca mais faça isso com ela! E nunca mais fale comigo, irei embora dessa casa
para sempre!
Surpreso com o tapa que sofrera, e cada vez mais irritado, ele apertara o braço de
Manuela, e disse:
--- Nunca mais, digo eu! Não quero que isso se repita! O que fiz com ela, foi porque
mereceu. Agora se está com pena, pergunte a ela o motivo pelo qual tomei esta
atitude.
--- Largue as mãos do meu braço, afinal está machucando! Vou embora, e você não
irá me impedir!
Rebateu ela.
--- Acho que você está merecendo uma lição, para entender de uma vez por todas,
quem manda aqui! Peço que ninguém interrompa nossa lua de mel, pois se alguém
nos importunar, sofrerá as conseqüências!
Avisava-o.
Imediatamente, ele a arrastou até o quarto, e lá batera brutalmente em Manuela,
que chorando, constatava que havia se casado com um verdadeiro “monstro”. Sentia
cada vez mais ódio do marido.
Depois de espancá-la, ele a relembrara:
--- Não se esqueça do que o padre disse: por todos os dias de nossas vidas!
Sarcástico, ele a trancou em um dos quartos da casa. Para o desespero de
Manuela, que chorava copiosamente. Descendo as escadas, Augusto lhe observava
com certa repugnância, todavia Péricles nem um pouco preocupado, proferiu:
--- Não precisa me esperar para o almoço, irei até a fabrica, e só voltarei à noite,
para jantar!
Já restabelecida, Maroca fora até a porta do quarto, onde Manuela estava. A própria
se mostrava muito apreensiva com a atitude de Péricles, e concluía que seu genro
tratava-se de uma pessoa muito mais perigosa do que pensara.
A pobre menina continuava a chorar, enquanto que Maroca, extremamente triste
com aquela situação, tentava fazer com que a neta se acalmasse:
--- Estou bem, não precisa se preocupar. Peço que confie em mim, e espere...
Afinal, um dia este inferno irá terminar!
No enterro de Ruy Érico, diversas personalidades compareceram, dentre elas,
Euclides era o mais desolado. Sozinho, tentava decifrar a causa daquela morte
misteriosa.
Em um outro ponto, encontrava-se o delegado Raul Moreira, que ali mesmo, tivera
avistado o enfermeiro que jurava ter visto o autor do crime. Aproveitando que
segurava um jornal, ele pedira ao enfermeiro, que observasse com atenção a foto de
Péricles, que aparecia no periódico da coluna social, ao qual o mostrava se casando
com Manuela.
Alguns segundos foram suficientes para o enfermeiro ter seu parecer estabelecido.
--- Tenho certeza, senhor delegado, foi esse homem quem matou Ruy Érico!
Disse ele.
Rapidamente, Raul fora para a delegacia, e decidiu abrir um inquérito contra
Péricles. Como o enfermeiro não se intimidara em servir como testemunha, a
situação de Péricles com a polícia, complicava-se.
Em sua sala, no escritório da fábrica, Péricles sentia-se preocupado com o que
tivera feito com Manuela. Verificava que não era dessa maneira que conquistaria
sua obsessão.
Nem um pouco ligado para a sua empresa, ele largou o trabalho e foi até a
joalheria, comprar as jóias mais caras que existiam.
Ainda conversando com Manuela, Maroca suplicou:
--- Esqueça tudo que ocorreu, e pense em mim! Não quero ter que me sacrificar a
trabalhar neste estado calamitoso em que me encontro, e ainda ter que voltar para
aquele “buraco” ao qual nós morávamos! Homem é assim mesmo, por isso não
queria que se cassasse, mas querer não é poder, e temos que nos acostumar. Tente
relevar ele, se não quer fazer por você, faça pensando que você estará me ajudando
há viver um pouco mais!
Maroca falava, falava e falava... Todavia, Manuela só chorava e não respondia. O
que se ouvia, era apenas o seu choro, revezados pela terrível dor que sentia.
Depois do enterro, Euclides e Mariano foram para o banco Guimarães. Não iam
trabalhar, até porque não havia clima para isso, mas dirigiam-se para lá a fim de
conversarem um pouco mais sobre a tragédia ocorrida.
Conversa vem, conversa vai, e Mariano perguntara ao patrão da possibilidade de
oferecer um emprego para seu neto, Miguel. Explanou a Euclides, o sentimento que
o neto sentia para com Manuela, e o abatimento que ele tivera, ao saber do
casamento dela com Péricles.
Ouvindo o que seu amigo dizia, Euclides falou:
--- Convença-o a vir até aqui amanhã, falar comigo!
Apesar de sentir-se incomodado com a situação que acontecera pela manhã,
Augusto não deixava de fazer suas visitas ao Cassino Royal. Porém, com os
sucessivos fracassos, ele decidiu ir até o Jóquei Clube, apostar em cavalos. Alberto
Pedrosa, um pilantra contador de histórias, logo tratara de se aproximar, e disparou:
--- É o Espoleta e não tem pra ninguém! Lido com esse ramo a mais de quarenta
anos, já estou acostumado. Não dou dicas para pé rapados, contudo como sei que
converso com um Marquês, acredito que a informação vale o tamanho de sua
nobreza.
Sorridente, Augusto recompensou o malandro, e disse:
--- É no Espoleta que eu vou! Ah... Obrigado, caro amigo!
Soltando gargalhadas, o pilantra proferiu:
--- Obrigado digo eu, velho simplório!
Tentando recuperar os prejuízos acumulados nos últimos dias, o Marquês apostou
a última quantia que havia recebido do sobrinho. Ele apostara alto, mas confiava
cegamente, que o vento sopraria ao seu favor.
Terminada a corrida, e a certeza de que o cavalo Espoleta não se passava de um
pangaré. O “estupendo” animal fiascou em penúltimo lugar. Saindo do Jóquei Clube,
Augusto Gusmão avistou Alberto Pedrosa, que contente, contava às notas que tivera
arrecadado dos trouxas, naquele dia.
Logo o Marquês se aproximou do pilantra, e ordenou:
--- Devolva meu dinheiro, seu aproveitador!
Alberto, esperto, comunicou:
--- Desculpe-me Marquês, mas o Espoleta não tinha se alimentado devidamente.
Fica o consolo de que o cavalo que o senhor escolheu não tirou o último lugar!
Sem palavras, Augusto tratou de retornar para casa. Pela primeira vez, sentia-se
com uma desagradável dor de cabeça, afinal já havia perdido uma grande fortuna, e
novamente se apegava as informações que sabia, para extorquir mais dinheiro do
sobrinho.
Anoitecendo, Péricles chegara em casa com a mais perfeita calma e educação.
Vendo Maroca, como se nada tivesse acontecido, ele falara:
--- Leve este presente para Manuela e peça que o coloque. E em uma hora e meia,
diga-a para vir jantar comigo. Aqui está a chave do quarto!
Por interesses, Maroca ia tendo que aturar o genro por mais algum tempo, embora
que para ela, aquilo era mais que um tormento.
Abrindo a porta do quarto, ela ficara surpresa ao ver Manuela com diversas marcas
pelo corpo. Mas, não dissera mais nada que fosse relacionado ao “incidente” que
havia ocorrido.
Comunicando-a sobre o que seu marido tivera falado Manuela triste, cheia de
indagações, e sem nenhuma esperança de acabar com o casamento, ela fizera a
vontade dele.
Enquanto o jantar não saía, Péricles ordenou que Augusto e Maroca fossem jantar
em um restaurante, e o deixassem a sós com sua mulher. O Marquês bem que
queria falar com o sobrinho sobre o dinheiro, todavia achou mais apropriado
conversar no dia seguinte.
No restaurante do centro da cidade, ele e Maroca jantavam. Diziam coisas triviais,
até que ela fora curta e grossa:
--- Sei que o senhor sabe do meu passado, do meu segredo. Não deveria, mas creio
que seja uma pessoa confiável, e por isso, quero-lhe fazer uma oferta...
--- Sou todo ouvidos, dona Maroca!
Disse o Marquês.
A proposta dela, era que ambos se tornassem aliados, e assim, conseguissem
roubar a carta de Ruy Érico, das mãos de Péricles, fazendo com que não existissem
provas. Em troca, Maroca lhe recompensaria com uma “bela” quantia em dinheiro,
ao qual seria executado com a venda de parte da coleção de jóias que Péricles
tivera presenteado Manuela.
Obviamente, ela não contara a Augusto a segunda parte do plano, que era de,
certamente matar seu sobrinho.
“Em cima do muro”, ele almejava ganhar mais dinheiro ficando ao lado do sobrinho,
contudo ele respondeu com um singelo:
--- Devo refletir!
Maroca entendeu e encerrou o assunto. Mas no fundo, no fundo, imaginava que
Augusto Gusmão iria aceitar a proposta.
Com um verdadeiro banquete a sua espera, surge, descendo as escadas, Manuela.
Alucinado, Péricles a observava, e olhando para ela, começou a chorar e a abraçou.
Pediu desculpas, e disse:
--- Não devo pedir que me ame não depois do que fiz hoje. Peço que esqueça tudo
que aconteceu, pois isso jamais se repetirá. A vida é feita de muitas tristezas, e a
única alegria que tenho, é saber que você mora comigo e é minha mulher. Por isso,
imploro: não me deixe, porque sem você, eu não sou ninguém!
Manuela mantinha-se calada, e ele continuava:
--- Nunca iria bater em você. Como eu poderia querer quebrar a mais bela de todas
as porcelanas que possuo?
Constatando que ela prolongava-se indiferente, para com ele, Péricles tentara a
última cartada:
--- Lembra do que eu havia prometido antes mesmo de casarmos? Estava
observando algumas escolas, e já achei aquela em que você, se assim preferir,
voltará a estudar, como havíamos combinado.
A noite inteira fora assim, quem passasse pelos arredores daquela casa, acharia
que Péricles falava sozinho, afinal Manuela não dissera nada naquele jantar.
Em seu quarto, Euclides tentava repousar, quando tivera um sonho estranho, ou
melhor, não se tratava de um sonho, mas sim de uma daquelas mensagens ocultas,
que de vez em quando, o intimo das pessoas se manifesta com recados de duplo
sentido. O certo era que Euclides achava que Ruy Érico tivera morrido por sua
culpa. Não sabia como, nem porque, mas acreditava que o grande segredo que
carregava, poderia ter sido fator determinante para a sua morte. Mal sabia ele que
suas deduções estavam completamente certas.
Chegando em casa, Mariano fora falar com o neto, e ao comunica-lo que Euclides
desejava conversar sobre um cargo no banco, Miguel ficara um tanto mais animado.
Enfim, Mariano aos poucos conseguia tirá-lo da tristeza que permanecia sofrendo.
Amanhecendo, Euclides não perdera tempo, e foi até a delegacia, entender melhor
quem seriam os suspeitos pelo assassinato de seu amigo.
Como se conheciam há muito tempo, Raul abrira o jogo para ele:
--- Senhor Euclides, a verdade é que não temos “os suspeitos”, temos “o suspeito”
que para mim, por motivos que ainda desconheço, é sem duvida alguma o autor do
crime!
Preocupado, ele perguntou:
--- E quem seria? Eu o conheço?
O delegado respondeu:
--- Aparentemente, sabendo da família nobre que ele nascera obviamente ficamos
um tanto intrigados, mas tenho a absoluta certeza que fora Péricles Gusmão!
Péricles Gusmão? Marido de Manuela, genro de Maroca, o que ele ganharia
assassinando meu amigo?
As verdades permaneciam aos olhos de quem quisesse enxergar, contudo as
pessoas possuem essa dificuldade de observar o que é visível.
Eficiente como sempre, Raul já havia redirecionado o processo judicial a Péricles,
que permanecia sendo taxado como principal suspeito, limitado a sair da cidade, e
tendo que aguardar o julgamento.
Qualquer assunto burocrático que lhe fosse direcionado, Péricles deixava nas mãos
de seu “fiel” advogado, que era Dornelles Toledo, um homem inteligente,
conceituado, mas que extremamente ambicioso, não honrava os juramentos que um
advogado faz. Resolvia qualquer situação “desagradável”. Porém, para a resolução
de episódios como esse, o custo de seus serviços custavam uma relevante fortuna.
Tendo conhecimento deste fato, Dornelles fora até o escritório de Péricles, dar lhe a
noticia do problema que se alastrava.
--- Como vai Péricles? Fazia tempos que não nos encontrávamos...
Dizia o advogado.
--- Qual a causa para esta visita, algo deve ter acontecido, estou certo?
Perguntava Péricles.
--- Não medirei palavras com você... Irei direto ao ponto. Você está em uma situação
periclitante, olha... Eu custo a acreditar que tenha assassinado um homem tão
importante como Ruy Érico. Agora cá para nós, foi você!
Seu advogado tivera liberdade para falar de assuntos fortes como este, visto que,
Dornelles Toledo se transformara em um homem milionário, livrando assassinos
autênticos da prisão.
--- Você está em uma grande enrascada, há uma testemunha que irá depor contra a
sua pessoa. Fiquei sabendo que ele fizera até um retrato com seus trejeitos. Meu
caro, só um milagre o livrará do xadrez!
Informava Dornelles.
Novamente enfurecido, Péricles esbravejou:
--- Maldito! Aquela imundície de enfermeiro, aliado ao pulha do delegado, estão
querendo me derrubar, mas não conseguirão! O milagre já tenho, é você meu
ilustríssimo advogado!
--- Assuntos complexos combinam com extensa quantia em dinheiro!
Ironicamente, disparara o advogado.
--- Seja o que for eu pago!
Assegurou Péricles.
--- Então, pode desembolse agora mesmo!
Pedira Dornelles.
--- Acontece que nesse momento, não possuo dinheiro algum no banco...
Tentava explicar Péricles.
Dornelles Toledo, nem um pouco interessado nas desculpas de Péricles, o indagou:
--- Como um homem tão rico não tem dinheiro em mãos? Vire-se, quem sabe
hipoteque algumas de suas propriedades. Se quiser livrar-se dessa pendência, me
entregue a quantia até o fim do dia. Agora se prefere residir diariamente em um
cárcere, para mim não haverá nenhum problema!
Péricles, bastante inquieto, argumentava:
--- Você me conhece... De hipótese alguma, iria me nega a pagar os seus serviços.
Porém, tive muitas despesas nos últimos tempos, e devo confessar-lhe que não
ando muito ligado a questões relacionadas à empresa. Mas pode estar certo, que
quando o lucro mensal da fabrica estiver comigo, lançarei tudo a você!
Ele tentava deturpar, alegando que havia tido muitas despesas. Todavia, ele
passava por essa ligeira dificuldade financeira, em virtude das exorbitantes fortunas
que andava gastando. Ora com questões relacionadas ao seu casamento, ora com
seu tio, que permanecia sempre que possível disposto a extorquir o máximo que
pudera.
Irredutível, o advogado fora taxativo:
--- Já transmiti o recado, caro Péricles. Aguardarei sua ligação, caso não ocorra,
esqueça o meu trabalho.
Preocupado com a acusação que estava sofrendo, ele tratou de hipotecar todos os
seus bens, pois a quantia que Dornelles pedira, era gigantesca. Ele assim, garantiu
o dinheiro que necessitava. Contudo se continuasse a deixar de lado sua empresa, e
os lucros não fossem os suficientes, perderia tudo que possuía, e
consequentemente, estaria na miséria.
Logo após resolver toda questão burocrática assinando papéis, ele tivera a visita de
seu tio, que infelizmente escolhera o pior momento para pedir mais dinheiro.
Achando que o sobrinho logo iria se render as suas chantagens, Augusto falara:
--- Meu sobrinho favorito, como você sabe, eu ando com alguns problemas que só
podem ser resolvidos com dinheiro. Sabendo que você possui uma memória muito
boa e que não se esquece dos favores aos quais eu lhe prestei, vim pedir se não me
lançaria uma quantia.
Não acreditando no que ouvia, Péricles exclamou:
--- Essa história não cola mais, meu querido titio! Acabou a palhaçada, a fonte
secou. Chega! Não há mais argumentos que façam você me inquietar, do meu bolso
não sairá mais nada para você!
Achando que conseguiria consternar o sobrinho, o Marquês ameaçou:
--- Tudo bem, faça como quiser só não se desaponte se mais dia, menos dia todos
descobrirem o segredo que Ruy Érico queria contar, mas que fora impedido por
você!
Sarcasticamente, Péricles falara:
--- Faça o que preferir, só não deixe de lembrar que quem pegou a carta do paletó
dele, foi o senhor. Se acaso alguém souber qualquer coisa que diga a respeito deste
caso, eu posso me estrepar. Agora posso garantir que você estará junto comigo,
lado a lado, e desgraçado! E se continuar a me fazer ameaças, o colocarei para fora
da minha casa, como um cão sarnento que sempre fora!
Enquanto isso, na casa dos Gusmão, Manuela tentava entender com sua “mãe”, o
motivo para tal atitude de Péricles. Maroca, como sempre muito apreensiva, logo
tratou de mentir:
--- Eu perturbei demais o seu marido. Instiguei-o a tomar aquela atitude, mas
assumo: não esperava uma atitude tão violenta por parte dele.
Ela não entendendo o que a avó falava, perguntou:
--- O que a senhora falou para ele, que o deixou assim?
Mudando completamente de assunto, Maroca encerrou:
--- Depois conversamos, agora tenho que ir até a cozinha tomar meu remédio, e
aproveitarei para repousar um pouco mais.
Antes que a “mãe” deixasse a sala, Manuela disparou:
--- Não quer me dizer, tudo bem. Só não se esqueça mãe, que em algum momento
irei descobrir esse segredo, afinal esse casamento forçado não está devidamente
explicado.
Sentindo-se ameaçada pela neta, Maroca exclamou:
--- O que você está falando? Quer dizer que este casamento não está explicado?
Olhe para as minhas pernas, criatura. Veja como estou debilitada! Isso não serve
como motivo para você? Pois então se separe, além de ser um escândalo, afinal irá
ficar mal falada pela sociedade, voltaremos para a sarjeta da onde nunca havíamos
saído.
Com a chantagem emocional que lhe era peculiar, ela conseguiu terminar o assunto,
e fazer com que Manuela se calasse. Sozinha na sala, Manuela recebera a visita de
uma educadora. Péricles havia falado a ela sobre uma escola que tivera escolhido,
todavia, ciumento como era, ele decidira que o melhor era fazer as vontades da
mulher, mas sem deixá-la ter que se distanciar por algumas horas de sua casa. Por
isso, contratara uma professora particular, que ensinaria todos os conteúdos
escolares a ela, se ter que fazer-la sair de sua residência.
Empenhada em terminar os estudos, ela não perdera tempo, embora tivesse
entendido o motivo por Péricles não a deixar estudar nas escolas do centro da
cidade; decidira que iria começar naquele mesmo instante. Ela e a professora foram
para uma sala, a fim de ficarem mais sossegadas e com o silencio que sempre é
preciso para o bom entendimento do que está sendo estudado.
Desolado, Augusto chegara em casa com muita raiva do sobrinho. Observando
quando a neta tivera saído da sala, Maroca acomodou-se por ali, e tricotava.
Deprimido, o Marquês estava decidido, ajudaria ela com seus futuros objetivos, e se
preciso, estaria disposto a destruir a vida do sobrinho.
--- A senhora pode contar comigo, acredito ter conhecimento de onde possa estar
esta carta, e vou ajudá-la a encontrar!
Extremamente entusiasmada com as palavras de apoio de seu novo comparsa,
Maroca sentia que com Augusto ao seu lado, ela estaria muito perto de destruir a
vida de Péricles, e se livrar do passado de mentiras que permanecia a lhe
importunar. Sem perder preciosos minutos, os dois adentraram no quarto de
Péricles, e lá começaram a revirar seus pertences. Porém, mal eles imaginavam que
o sobrinho do Marquês, dirigia-se para almoçar em casa e muito provavelmente,
pegaria os dois mexendo em suas coisas.
Décimo primeiro capitulo:
Pérfidos, em ação.
Roupas para um lado, documentos para o outro, e nenhuma carta se encontrava.
Augusto e Maroca haviam transformado o quarto de Péricles em uma verdadeira
desordem. Em um breve momento, o Marquês recordara do cofre da casa, que se
situava no porão. Imaginando ter conhecimento da senha, ele explanou:
--- Que cabeça a minha, obviamente ele não guardaria essa carta aqui, mas sim no
cofre, que fica no sótão, e acredito saber o código!
Nesse instante, surge na porta do quarto um homem alto e extremamente irritado.
Esse era Péricles, que muito afoito, exclamou:
--- Bando de vermes emporcalhados! Residem na minha casa, são sustentados por
mim, comem da minha comida e queriam roubar a carta, que por sinal, eu havia
comprado de você, Marquês, por um preço bastante salgado! Muito me admira essa
sua lealdade, para comigo.
--- Foi você, meu sobrinho, quem provocou essa situação! Afinal, não quis ser gentil
com aquele que sempre lhe foi fiel.
Rebatia Augusto.
--- Acabou a mamata, querido tio! De hoje em diante, quero o senhor bem longe da
minha casa. Fim de linha Marquês, fora daqui!
Gritava Péricles.
O Marquês já não agüentava as afrontas que sofria do sobrinho, tanto que
imediatamente, fora para o seu quarto a fim de retirar todos os seus pertences da
casa.
Enquanto isso, Maroca com sua bengala, calmamente recolhia-se da “zona de
conflito” que ocorria. Como sua personalidade nas últimas semanas, mostrava-nos
um ser frio e excessivamente zangado, o sobrinho de Augusto não fugira da regra e
novamente apresentava-se uma pessoa furiosa, tanto que no tempo em que Maroca
descia as escadas da casa, ele precipitadamente fora em direção a ela, e a apertara
o braço.
Com o semblante bastante sério, Péricles afirmou:
--- A senhora foi longe demais. Chegou ao seu limite! Não tente ser mais esperta do
que eu, pois não tenha dúvida, que irá se dar mal!
Ao transmitir seu recado, ele fora para o seu escritório. Maroca sentia cada vez
menos esperança de solucionar o seu problema, tomando a carta de Péricles.
Contudo, ela já tinha conhecimento do rumo que daria para a sua vida. Estava
empenhada em sorrateiramente, vender a coleção de jóias de Manuela e com o
dinheiro, achar uma maneira de fugir daquela casa. Porém, o marido de sua neta
tivera prestes a lhe reservar uma ingrata surpresa. Sozinho em seu escritório, ele
“falava” com as paredes:
--- Tenho que descobrir uma forma de despachar essa velha da minha casa. Mas
como irei tirá-la daqui, sem criar problemas com Manuela?
Pensando, imaginando e premeditando, eis que ele parecera ter encontrado uma
maneira de tornar suas metas em fatos reais. Risonho, Péricles sarcasticamente
proferiu:
--- A “simpática” vovó da minha mulher, merece paz e sossego, afinal ela fez por
onde, e deve ter como recompensa tudo do bom e do melhor... O problema é que
anda um tanto esquecida e por vezes agressiva com nós que somos da sua família.
Enfim, a vovó Maroca deve ser internada em um asilo de anciães senis. Vai ser
ótimo o desfecho que minha “sogra” irá protagonizar!
Arrumando suas coisas, o Marquês já tinha em mente o que faria de agora em
diante. Precisando de dinheiro, ele estava disposto a contar toda a verdade para
Euclides, em troca de uma “pequena” fortuna.
Em uma sala da casa, terminara a primeira aula particular de Manuela. Após a
educadora ir embora, ela começara a pensar na vida que permanecia tendo. Por um
longo período recordara de Miguel. Assim, na sacada da casa, logo chorou ao
pensar na saudade que sentia daquele que tanto amava.
Antes de conversar com Euclides, Miguel não se conteve e decidiu que passaria em
frente à residência de Péricles, com a esperança de rever a amada, o que para a
sua satisfação, aconteceu.
Com marcas pelo rosto, dos machucados que sofrera do marido, ela perseverava-
se na varanda, para o espanto de Miguel, que ao visualizar que ela certamente
estava sendo maltratada, gritara:
--- Meu amor, o que esse vil fez com você? Não precisa responder, seja o que for
esse homem terá o castigo que merece. Pode ter certeza que a tirarei desse lugar
perverso!
Ela, que não havia lhe avistado, obviamente tivera ficado feliz com aquele
surgimento. Todavia, estava preocupada com uma permissível aparição de Péricles,
o que infelizmente ocorrera. Pois com os gritos que Miguel fazia, rapidamente ele,
que em seu escritório premeditava, em pouco tempo identificou a voz que ouvia.
Voluntariamente pegara o seu revólver da gaveta de sua mesa. Esbravejando, ele
saiu para o pátio e lá exclamou:
--- Suma daqui, seu infeliz!
Não se importando com a rispidez de Péricles, Miguel o encarou:
--- Cale essa sua boca, seu imoral! Vou acabar com você! O que fez com Manuela,
não se faz com ninguém! Irei denunciá-lo. Esteja certo que seu desenlace será atrás
das grades!
Furibundo, Péricles atirara em Miguel, que caíra no chão. Vendo-o ferido, Péricles
dera as costas e entrou em sua casa. Com as malas prontas, Augusto deixava a
casa do sobrinho. Maroca, nem chegara a vê-lo partir, visto que havia se trancado
no quarto, tamanha era o seu temor, perante as atitudes do “genro”.
Ao ver Miguel machucado, o Marquês logo tratara de ajudar. Por sorte, o tiro tivera
pegado apenas o seu braço direito. Como o táxi o esperava, Augusto achara mais
conveniente levar o neto de Mariano ao hospital, a fim de verificar a gravidade do
incidente.
Miguel, que permanecia consciente, agradeceu o Marquês e prometera:
--- Se depender da minha vontade, senhor Augusto, verei o seu sobrinho pagar tudo
que está fazendo com juros e correção monetária!
Presenciando tudo que ocorria no pátio, Manuela, da sacada, chorava
copiosamente. Constatava que seu marido não era apenas uma pessoa um tanto
violenta, mas também um indivíduo homicida. Associando os fatos, ela começara a
se lembrar da ausência do esposo em determinado momento da festa de
casamento, com o assassinato de Ruy Érico, que havia “parado” a cidade.
Conquanto que não conhecera Ruy Érico, ela pensara que por “alguma razão” a
mente maquiavélica de Péricles era a única que seria capaz de uma atrocidade
desta dimensão. Impressionada com o que viria a ser a personalidade daquele com
quem casou, Manuela fora até o quarto de Maroca.
Trancado em sua sala, Péricles ria a toa. Seu desejo era que Miguel novamente
retornasse para afrontá-lo. Assim, sem dó nem piedade, ele ambicionava “descartar”
Miguel do seu caminho.
Observando sua “mãe”, Manuela falara:
--- O que está acontecendo? Às vezes, ou melhor, quase sempre, tenho a impressão
que por algum motivo, a senhora fora chantageada por este homem.
Maroca ouvindo a neta reconhecia que ela estava associando muito rapidamente os
fatos. Mesmo todos ao seu redor tentarem esconder tudo que ocorria. Porém, ela
permanecia sem falar nada, já Manuela continuava:
--- Na festa de casamento, durante um bom tempo não se enxergava Péricles, e
justo nesse dia, aquele homem... O Ruy Érico! Sim, ele fora assassinado. E não é só
isso, o perfil cruel e violento dele, me faz crer que seja um assassino. Para a
senhora ter uma idéia, até revólver ele possui aqui dentro. Sei da sua saúde, mãe,
contudo acredito que correremos mais perigo, se continuarmos a viver aqui!
Surpresa com as deduções completamente certas da “filha”, ela ficara sem
palavras. Nesse instante, a empregada chegara e comunicara:
--- Dona Maroca, o Marquês foi embora!
Chocada, ela proferiu:
--- Não creio que ele tenha expulsado o próprio tio de casa!
Após o almoço, o delegado Raul Moreira retornava para a delegacia. Pensativo e
cabisbaixo, ele recordava de sua mulher. Distraído, acabara encontrando-se com
uma senhora bem apessoada e também bastante dispersa. Troca de olhares em
alguns segundos foi o suficiente para que se reconhecessem. Era, depois de mais
de dezessete anos, o reencontro de Raul e Aurélia. Visivelmente emocionado, ele
dissera:
--- Pode não acreditar, mas nesse mesmo instante, pensava em você!
Aurélia desprevenida para ter aquele encontro tão de repente, falara:
--- Precisamos conversar Raul. Tenho muito a lhe falar, porém... Como sei que a
delegacia está e sempre estará em primeiro lugar para você, esperarei acabar o seu
expediente!
Apesar de os anos terem passado o amor do delegado para com ela, incrivelmente
só aumentava. Muitos podem zombar da atitude de Raul, todavia quem nunca
amara alguém, e jamais tivera sido correspondido? Há circunstâncias, que por mais
que desejamos tirá-las do coração, infelizmente são mantidas vivas em nosso
interior. Deixando-se levar pelo sentimento, o delegado pela primeira vez, largava a
delegacia para se importar com outras questões. Ambos foram para a confeitaria da
cidade, a fim de resolver pendências antigas, que interferiram substancialmente na
vida de suas filhas.
No hospital, Miguel fora submetido a uma pequena operação, para a retirada da
bala. Por resultado, ficaria internado durante mais algum tempo. Augusto que o
acompanhara até lá, havia se retirado. Caminhando pela cidade, ele dirigia-se para a
casa de Euclides, onde tinha como objetivo contar-lhe toda a verdade em troca de
dinheiro. Carregando alguns papéis, Ruth o encontrara. Obviamente, perguntara
para que lugar o Marquês andava. Categórico, Augusto falara:
--- Vou até a residência do seu irmão, lhe contar sobre um assunto que a ele é de
extrema importância!
--- O que há de tão relevante para o meu irmão, que faça o senhor interessar-se em
contar?
Procurava entender Ruth.
Educadamente, Augusto tentava encerrar o assunto:
--- Dona Ruth, o que tenho a dizer, falarei apenas a quem realmente tem interesse
na questão. E essa pessoa é o seu irmão!
--- Como irmã dele, todo o tema que seja relacionado a ele, sempre terá a minha
atenção... E se tratar de algo tão valioso como parece ser, terei o imenso prazer em
remunerá-lo a altura!
Queria ela, atrair o Marquês.
Todavia, Augusto mantinha-se irredutível:
--- Não querendo lhe subestimar, mas o dinheiro que a senhora me pagaria, não
chegará nem perto ao que o seu irmão irá me proporcionar!
Aflita, Ruth tratara de pegar suas últimas jóias, e fora desesperadamente com
Augusto ao penhor. Aspirava conseguir algum dinheiro para que o Marquês lhe
contasse o fato, e olvidasse o acontecido para Euclides.
Logo depois de ter o dinheiro em mãos, Ruth o lançara para o Marquês, que nem
um pouco entusiasmado, Na confeitaria, Raul e Aurélia conversavam. Após
explicações de um lado, lamentações do outro, o delegado falou:
--- Achava que tinha uma amante? Continuo, depois de dezessete anos, com nossa
aliança de casamento. Ah... Lembra do presente que iria te dar no nosso aniversário
de três anos de matrimônio? Está em casa, guardado a sete chaves. Juro que tentei
esquecê-la, Aurélia. Porém, não consegui.
Observando o ex-marido, ela concluía que ele ainda nutria certo carinho para com a
sua pessoa. Já ela, não poderia dizer o mesmo, embora não negasse que estava
um pouco balançada com aquele reencontro.
Tentando não se deixar levar pelas palavras carinhosas do delegado, Aurélia
perguntou:
--- Que bom saber que nossas filhas tornaram-se mulheres de respeito e tão
amáveis.
Segurando a mão dele, prosseguiu:
--- Agradeço a você por ter criado-as com tanto amor... Sei que não tenho direito
algum em lhe pedir isso, mas gostaria de contar com a sua ajuda para que eu possa
me aproximar delas. Posso contar com você?
Sorrindo, Raul segurara a mão dela, e respondeu:
--- Pode contar comigo. Eu as farei se aproximarem de você!
Logo depois de ter o dinheiro em mãos, Ruth o lançara para o Marquês, que nem
um pouco entusiasmado, disparou:
--- Só isso? Por essa quantia, eu não falo coisa alguma!
Buscando um jeito para que Augusto se tranqüilizasse, ela dissera:
--- Calma Marquês, esse dinheiro é apenas para a sua despesa diária. Amanhã lhe
entregarei o valor integral!
Ela mentia, visto que não possuía mais nenhum poder aquisitivo. Contudo, os
papéis ao qual ela carregava, poderiam alterar o contexto em que se enquadrava.
Acomodados na praça da cidade, Augusto explanara todos os detalhes da farsa que
Maroca insistia em ocultar. Espantada com as informações que ouvia, Ruth
exclamara:
--- Meu deus do céu, por muito pouco, meu irmão não tivera descoberto a verdade!
E aquela desgraçada até trabalhou em minha casa, onde Euclides mesmo
imaginando que ela era apenas uma reles empregada, já a tratava com muito
carinho! De hipótese alguma, ele poderá sonhar que Manuela é sua neta!
--- Conto com a sua ajuda para que ele nem desconfie desse segredo... Odeio
aquela tal Maroca, pois se trata de uma tremenda oportunista. Queria meu apoio,
contudo tivera uma “carta na manga”. Não tenha dúvida Marquês, acabarei com a
vida delas!
Dissera Ruth, que furiosa, buscava a descrição de Augusto, quanto a este assunto.
Entretanto, o Marquês falara:
--- O que a senhora irá, ou não irá fazer obviamente não me importa... Por hoje,
procurarei ficar com a boca fechada, mas amanhã, se descumprir o que fora
combinado, esteja certa que direi os mínimos detalhes sobre essa história!
Por aquele dia, Ruth garantia que o tema continuaria sob sigilo. Porém, dinheiro ela
haveria de arrumar. O plano que premeditava, tinha tudo para ser um sucesso,
todavia algo “natural” teria que ocorrer... E para a sua felicidade, sucedeu-se.
No Banco Guimarães, Mariano organizava alguns documentos, ao qual precisaria
da assinatura de seu chefe. Quando o telefone tocara, a secretária do hospital
informava o que acontecera com o seu neto. Desesperado, ele fora até o hospital,
mas antes precisava urgentemente, levar os papéis para que Euclides assinasse.
Visto que, tratava-se de documentos de extrema importância. Na porta da residência
de seu patrão, Mariano entregara a papelada nas mãos de Teudorico, e rapidamente
saíra daquele local. Chegando em casa, Ruth observara Mariano, e quando o
próprio já havia se retirado, ela ordenou a Teudorico:
--- Deixa que entrego isso para Euclides... Enquanto vou até o encontro do meu
irmão, prepare-o um delicioso chá. Porém, não nos importune indo levar a bebida,
deixe que eu mesma levo para ele!
Calado, o mordomo obedecera às ordens impostas pela patroa. Visivelmente
disposta, ela adentrou no quarto do irmão. Surpreso, Euclides perguntara qual era o
motivo para a sua aparição. Ruth, vislumbrando seu momento de glória, respondeu:
--- Mariano esteve aqui agora pouco, e muito apressado, pedira que você apenas
assinasse esses papéis que são de suma relevância para o Banco.
Inocentemente, ele falara:
--- Deve ter acontecido algo extremamente sério, para que não tenha ao menos, me
entregado esses documentos pessoalmente... Todavia, se ele já revisara todos os
papéis, não será necessário que eu os examine novamente!
--- Depois de assiná-los, retornarei para o Banco...
Nesse instante, Ruth o interrompe e dispara:
--- Antes que volte para o trabalho, não poderá desprezar o saboroso chá que
mandei preparar para você! Vou deixá-lo assinar, e assim, aproveitaria o momento e
irei buscar sua xícara de chá.
Euclides estava impressionado com tamanha amabilidade que sua irmã permanecia
demonstrando naqueles minutos. Descendo as escadas, ela pegara a bandeja, sob
os olhos cuidadosos de Teudorico. Não suportando as observações do mordomo,
Ruth subira. No corredor, lançara a bandeja sobre o balcão, e colocara algumas
gotas de sonífero na xícara, fazendo com que ele “saboreasse” o chá e
consequentemente, adormecesse. Voltando, ela lhe dera a bebida. Euclides por sua
vez, já tivera assinado aleatoriamente os documentos, sem perceber que dentre
eles, um o reservara uma verdadeira cilada.
Deixando o irmão no quarto, ela fora até a sala, lá asperamente, entregou a
Teudorico o sonífero, e ordenou:
--- Espero que deixe de ser um legitimo inútil, e aprenda a se tornar um mordomo de
verdade! De quinze em quinze horas, dê ao Euclides uma generosa dose deste
remédio!
Inquieto, o mordomo perguntara:
--- Por que a senhora quer deixá-lo completamente dopado?
--- Cale essa sua boca, seu verme! Não lhe devo satisfações! Faça apenas o que
mandei. Desculpe-me, mas devo ir andando... Afinal, você está diante da nova
presidente do Banco Guimarães!
Exclamara ela, que sarcasticamente ria da arapuca que havia aprontado com o
irmão. Ruth tivera colocado dentre os documentos, uma procuração, ao qual indicara
que Euclides autorizaria que a irmã dominasse todas as suas tarefas dentro da
empresa. Além disso, o documento assinado pelo próprio, constatava-nos que ele
mesmo tinha conhecimento de sua “provável” memória fraca. Sendo assim, estava
de acordo que ela exercesse soberania sobre todas as suas propriedades e
negócios. Enfim, Ruth mais uma vez liderava a empresa, que Euclides tentava
reerguer. O que infelizmente nos remete pensar, que novos desvios haveriam de ser
feitos. Portanto, tudo levava a crer que o Banco Guimarães caminhava rumo à
falência.
Excessivamente desmoralizado, Teudorico se retirou da sala. Quando foi verificar
como se encontrava o irmão, obviamente Ruth visualizava um individuo que já se
encontrava no “sétimo sono”. Sorrindo, ela exclamara:
--- Inocente você! Nem por um ensejo, pensara que eu pudesse lhe pregar esta
peça? Sinto em informá-lo, contudo seu desfecho muito provavelmente será o óbito!
No hotel do centro da cidade, Aurélia bastante dividida após o reencontro com o ex-
marido, voltava ao quarto que havia alugado. Para a sua aflição, abrindo a porta, ela
encontrara Pascoal desmaiado no chão do apartamento. Outra vez, os sintomas de
sua doença apareciam o que a fez lavá-lo desesperadamente para o hospital.
Enquanto isso, no próprio hospital, Mariano e Eduarda foram visitar o neto.
Angustiados, os avós de Miguel o imploravam prudência ao lidar com os problemas
enfrentados por Manuela no casamento. Entretanto, ele não se deixava ser
persuadido por ambos.
No Banco Guimarães, a altivez de Ruth era completa. Ao chegar, a secretária a
observara com certa desconfiança, visto que sabia das restrições que Euclides havia
explanado em relação a sua irmã na empresa. Tendo a impressão que a olhavam
com asco, Ruth dissera:
--- Pare de me observar com esses olhos de Coruja, sua imprestável! Apartir de
hoje, quem manda e desmanda nesse Banco, sou eu!
Situando-se no escritório trancado, estava Péricles. Ao receber um telefonema,
alegremente ele deslocava-se para o pátio de sua residência. Em poucos minutos, a
ambulância do asilo e sanatório chegara. “Gentilmente”, ele permitira a entrada dos
enfermeiros para que internassem a “sogra”, que segundo ele, permanecia
provocando grandes transtornos em decorrência de sua tremenda “loucura”.
Violentamente, os enfermeiros a pegaram à força. Manuela chorando, indagava
Péricles. Queria saber por que tomava tal atitude. Mentindo descaradamente, ele
respondera:
--- Calma meu amor, também estou completamente deprimido por esta situação...
Porém, quando sua mãe melhorar, esteja certa que a trarei de volta para o nosso
seio familiar!
Enfurecida, inconformada e sentindo-se no fundo do poço, Maroca olhando
fixamente para Péricles, disparara:
--- Fique consciente que muito brevemente, você irá se deparar com empecilhos que
sem dúvida o deixará sem reação para que seja impedido de realizar tantas
maldades!
Manuela bem que tentara se despedir da “mãe”, todavia os enfermeiros a arrastaram
para a ambulância, onde foram embora.
Por conseguinte, Péricles livrava-se do estorvo que para ele, se chamava Maroca.
Fazendo com que ficasse a sós com sua “amada”. Sua alucinação permanecia
evidente para quem fora de seu convívio. Agora, vivendo sozinha com Péricles, a
pobre Manuela estava condenada a ter que se entornar perante as atrocidades que
obviamente seu marido haveria de realizar. O sobrinho de Augusto acreditava que
sozinho, sem “urubus” a sua volta... Manuela se renderia aos seus “encantos” e
assim eles se tornariam um casal de verdade.
Décimo segundo capitulo:
Uma neta.
Após ver a ambulância partir, Manuela fora para o quarto, afogar as mágoas. Com
vontade de gritar, expondo toda sua felicidade, Péricles decidira não conversar
naquele momento com sua mulher. Alterando um pouco o ditado: “Alegria de pobre
dura pouco”, poderíamos dizer que, alegria de perverso, também não dura muito.
Depois de literalmente despachar Maroca de sua vida, ele teria uma nova “pedra no
seu sapato”. O telefone tocara, era o advogado Dornelles Toledo, ligava para referi-
lo sobre a data do julgamento, ao qual havia sido acusado como autor do
assassinato de Ruy Érico. Perplexo com a informação que ouvia, Péricles
transparecia sua total dispersão quanto a este assunto. Com tantas “sujeiras” que
tivera efetuado, parecia que algumas delas, ele havia esquecido completamente. O
advogado, que ainda conversava por telefone, ouvindo o silêncio do outro lado da
linha, tratara de confortar o cliente:
--- Não há o que temer caro Péricles! Claro que o dito enfermeiro certamente irá
depor contra nós, entretanto, confie em mim, pois pode ter a absoluta certeza que
para a cadeia você não irá!
Terminada a conversa, Péricles fora até o quarto de Manuela. Sem que ela
percebesse, ele novamente a trancou. Tremendamente inquieto, partira de
automóvel. Constatando que o marido havia lhe deixado presa, Manuela entristecia-
se ainda mais. Por um momento, pensou em pedir ajuda aos empregados, contudo
isso não adiantaria em nada, visto que, seu esposo já tivera dispensado todos eles.
Maroca permanecia bem distante daquela casa, ou seja, naquela enorme mansão
residia apenas Manuela e seu verdugo.
No sanatório para idosos, a agitação de Maroca fez com que os médicos a
deixassem isolada dos demais. Sozinha, ela pensava no aterrador destino que tivera
imposto para a neta. Jurava a si mesma, que só descansaria o dia em que
visualizasse Manuela afastada das “garras” de Péricles. Todavia, continuava a
relutar em contar toda a verdade para Euclides. Apesar de todas as desgraças que
seguiam ocorrendo, Maroca não admitia “dividir” a “filha” com ninguém.
Em sua casa, Raul Moreira explanou para as filhas o que realmente estava
acontecendo. Tendo conhecimento que a mãe havia regressado, ambas ficaram um
tanto felizes. Porém, Andressa, a primogênita, tratava-se de uma menina não muito
sentimental. Embora fosse uma pessoa de bom coração, não se esquecia do que
sucedera anos atrás. Cautelosa, ela falara:
--- Vamos com calma, papai! Ela não pode querer se aproximar, não após tudo que
fez com o senhor e com nós! Desmoralizou nossa família, e se jamais tivéssemos
uma pai tão zeloso e amoroso, talvez hoje nunca fôssemos quem somos!
Andressa e Célia veneravam o delegado, afinal ele fora mais que um simples pai.
Sentindo-se mais uma vez acarinhado pelas filhas, Raul tentava convencê-las:
--- Meus amores, todo mundo tem o direito há uma segunda chance. É nosso dever
como ser humano saber perdoar... Ainda mais que querendo ou não, ela é e sempre
será a mãe de vocês!
Célia, a filha caçula, era o sentimentalismo em pessoa, e vendo que seu pai, assim
com ela, estava contente em ver Aurélia outra vez, explanara:
--- Por mim, o senhor pode trazê-la aqui em casa a hora que desejar... O que acha
de nós prepararmos um jantar para ela?
Ouvindo a filha caçula, o delegado ficava cada minuto mais entusiasmado.
Conferindo que era a minoria, Andressa disparou:
--- Ela até pode vir jantar aqui em casa... Mas para ter meu carinho, terá de me
conquistar!
Aos poucos, Raul ia tornando a figura materna, em mais uma oportunidade
presente na vida das filhas. No entanto, seu desejo era de que a sua adorável
esposa, também retornasse para a sua vida.
No hospital, o doutor não escondera de Aurélia o real estado de saúde ao qual
Pascoal se encontrava:
--- Infelizmente, não temos a dádiva de inevitar o fatal! Seu esposo poderá viver
mais alguns dias, semanas, meses e até anos. Contudo, a partir de agora, a senhora
deve estar sempre preparada para o pior... Pois não sabemos o dia nem a hora, mas
temos conhecimento que isto irá acontecer.
Em prantos, Aurélia tentava se recompor da noticia que ouvira. No Uruguai, Pascoal
exibia sua vontade em regressar para o Brasil. Porém, falava em tratar de seu
tumor. Entretanto, ela entendia o principal motivo para seu marido querer voltar...
Ele ansiava em poder viver seus últimos momentos no país que tanto amava.
O médico lhe comunicara, que se fosse de sua vontade, poderia vê-lo em seu leito,
visto que Pascoal encontrava-se totalmente consciente. Perto de sua cama, ela
ouvira do antigo padeiro:
--- Minha querida. Agradeço do fundo do meu coração por ter me amado tanto. Mas,
teremos de ser coerentes... O delegado não tinha porque ser traído e abandonado.
O que fizemos não tem justificativa. Está certo que desde sempre eu te amei, mas
você não me amara sem cessar. Só decidira partir comigo, quando deduzia que seu
marido tivera uma amante.
Emocionada, Aurélia indagava-o:
--- Sei das nossas atitudes lastimáveis, comportamentos que durante nossa vida
inteira, jamais irão se apagar. Mas o que quer que façamos?
Pascoal, contendo a emoção, respondera:
--- Traga o delegado Raul aqui no hospital... Preciso ao menos estar em paz comigo
mesmo, e isso só irá ocorrer tendo conhecimento que ele me perdoa, para que
possa retirar essa culpa que carrego comigo.
Em épocas atrás, o antigo padeiro fora mesmo um insensato ao tomar tal postura.
Todavia, era jovem e se deixara levar pelo ensejo. Embora houvesse cometido esta
injustiça com Raul, Pascoal não se tratava de um indivíduo maldoso, tanto que em
algum momento de sua vida, uma sensação de culpa o alertava.
Anoitecendo, Ruth terminara seu primeiro dia na cadeira da presidência do Banco
Guimarães. Espantada com a não aparição de Mariano na empresa, ela já lhe
reservava um fato, que para ele era inesperado... Queria se desforrar dele, após
inúmeras acusações ao qual Mariano fizera para com seu irmão. Chegando em
casa, ela avisara Teudorico:
--- Seu paspalho, não se esqueça que amanhã tem de aplicar a quantidade certa do
sonífero no Euclides! De maneira nenhuma, deve apagar da memória aquilo que
ordenei você efetuar!
O mordomo depois de dezenas de humilhações mantinha-se calado, falando
apenas o essencial com sua patroa. A verdade era que estava esgotado da
tradicional falta de polidez dela com os empregados.
Desde o final da tarde, escondido em cercanias do hospital, Péricles permanecia
disposto a solucionar de uma vez por todas, a nova pendência que se apresentava.
A grande questão era como ele haveria de querer resolvê-las...
Em nenhum instante pensando nas conseqüências, ele almejava dar um fim
naquele que seria testemunha contra a sua pessoa.
Tarde da noite, o enfermeiro terminara seu expediente no hospital. Como não
possuía automóvel, ele continuamente fazia o mesmo trajeto, caminhando até a sua
residência, que apesar de não ser longe, o caminho a ser percorrido era um pouco
perigoso, visto que a falta de iluminação e ermosidade era notável. Minuciosamente,
Péricles deixara o carro estacionado. Há passos discretos, ele aproximava-se do
enfermeiro. Caminhando por uma das ruas menos povoadas da cidade, Péricles
pegara o revólver do bolso e sem mais delongas, atirara seguidamente, cinco vezes
na pobre vítima. Insensível como de costume, ele exclamara:
--- Quem mandou querer medir forças comigo? Saiba que ninguém pode afrontar
Péricles Gusmão!
Obviamente que com os cinco tiros que sofrera, o corajoso enfermeiro, que jamais
se negara em servir como depoente acabara “pagando” por sua valentia. O homem
que reconhecera Péricles na noite do crime morrera.
Ensangüentado nos paralelepípedos da rua, o sobrinho do Marquês nem se dera o
trabalho de retirá-lo de lá. Novamente nervoso, ele correra para o seu automóvel, e
partira para a sua casa, deixando outra vez a prova do crime amostra. Realmente,
suas atitudes revelavam ainda mais os inigualáveis distúrbios ao qual sofria. Péricles
Gusmão premeditava seus planos maquiavélicos, contudo suas alucinações faziam
com que ele em nenhuma oportunidade refletisse sobre o comportamento que iria
por em prática.
Na sua residência, ele mostrava-se com o mesmo sentimento de culpa que tivera
captado depois de assassinar Ruy Érico. Visualizando a casa completamente fazia,
já que havia dispensado todos os empregados, Péricles acomodou-se em uma das
poltronas, colocando as mãos sobre a cabeça. Permanecera perplexo com as
atrocidades que continuava a construir. Sentindo-se só, o dono das Porcelanas
Gusmão ligara para o advogado, a fim de lhe contar a “novidade”. Entretanto, ele
explanara para Dornelles Toledo, com ares de felicidade, tentando assim, ocultar o
pavor que estava experimentando.
Extremamente apavorado com a forma com que seu cliente tentava desembaraçar
os problemas, Dornelles falara:
--- Enlouqueceu Péricles? O que passou pela sua cabeça para querer matá-lo?
Garanti-lhe que não seria preso! Agora com esse episódio você auto indicou-se
como autor do crime! Além disso, passou a ser duplamente homicida.
Como jamais deixara que o criticassem, Péricles exclamara:
--- Não me venha com advertências, saiba que não teria a mínima desenvoltura para
encarar um tribunal!
Nesse momento, o advogado buscara resposta:
--- E você acha que depois de tê-lo assassinado, estará livre de ter que enfrentar um
julgamento?
--- Acontece caríssimo senhor advogado, que irei fugir com minha esposa para bem
longe! Quero ficar distante desta maldita gentalha!
--- Arranje um jeito para que consiga ir embora da cidade... E quando você conseguir
retirar as acusações que a mim são impostas quem sabe não retornarei!
Dizia ele, que de última hora, raciocinava retirar-se de São Paulo, ficando assim,
livre de argüições e também isento a chantagens que fossem relacionadas ao seu
grande trunfo: o segredo de Maroca.
Após discorrer com Dornelles Toledo, o atormentado Péricles trancara-se em seu
quarto. Não pensara que Manuela permanecia trancafiada quase que um dia inteiro,
e que certamente estaria com fome.
Virava-se para um lado, movimentava-se para o outro. Porém, o sono insistia em
não surgir. De novo, ele saíra vagando pela casa. Fora até o banheiro, onde lá
enxugara o rosto com água fria. Secando-se com uma toalha, imaginava estar
observando pelo espelho, as imagens de Ruy Érico e também do enfermeiro. Com
os olhos esbugalhados, buscava uma resposta a si mesmo:
--- O que estou fazendo? Em que patamar da felicidade posso chegar? Ou melhor,
em qual degrau da desgraça eu irei estar?
Entre altos e baixos, ele tinha azos de completa coerência, todavia a maior parte do
tempo era atribuída a átimos de perfeito distúrbio.
Pronto para adormecer, Raul Moreira recebera a ligação da aflita Aurélia. Ela pedia
e ele que comparecesse ao hospital, para assim, conversar com Pascoal, que
continuava com a necessidade de lhe pedir perdão. O delegado bem que havia
tentado explicar que ele não tivera o direito de dizer se perdoa ou não. No entanto,
ouvindo a ex-mulher falar da real situação que o antigo padeiro se encontrava, Raul
dera sua palavra, de que na manhã do dia seguinte, estaria no hospital.
Amanhecendo, na casa dos Guimarães, Ruth tomara rapidamente seu café matinal,
e fora às pressas para o Banco. Antes de sair, ela outra vez relembrara o mordomo
do sonífero que teria de aplicar em Euclides.
Na residência dos Gusmão, Péricles acordara, e observara que o café da manhã
não sairia, visto que tivera demitido seus funcionários. Furioso, ele exclamara:
--- Que inferno! Fui um tolo, que passara pela minha cabeça, para dispensá-los?
Entretanto, não haverá maiores problemas, pois hoje à tarde estarei de partida para
bem longe... Eu e minha mulherzinha!
O sobrinho do Marquês logo recordara de ir até a confeitaria para fazer seu
desjejum, mas antes fora ao quarto de Manuela, convidá-la para acompanhá-lo.
Abrindo a porta, ele a visualizava desmaiada no chão. Por não se alimentar a quase
vinte e quatro horas, ela extremamente fraca tivera perda dos sentidos.
Desesperado, ele chamara um médico.
Já no hospital, o delegado Moreira chegara para o encontro com aquele que havia
sido pivô no abandono de Aurélia para com a sua família. Pascoal não perdera a
oportunidade, e falara:
--- Obrigado pela sua presença, delegado! Essa sua atitude só reforça o conceito
que sempre tive para com a sua pessoa... O senhor possui um coração gigantesco,
por isso, peço-lhe que me perdoe, afinal fui um autêntico canalha. Sei que não há
razões para fazer o que fiz. Agora pode ter a absoluta certeza de que Aurélia só
aceitara fugir comigo para o Uruguai, porque achava que era traída. Mesmo assim,
erramos muito. Praticamos bigamia, e depois de tudo isso, o senhor permanece
conversando comigo e auxiliando a Aurélia no relacionamento dela com as filhas.
Notando que a saúde do marido de Aurélia não era das melhores, Raul tentava
acalma-lo:
--- Não se aflija. O que o tempo levou não devemos ficar remoendo... O passado
ficou para trás, temos a obrigação de mirar o futuro e esquecer os ressentimentos e
também as mágoas!
Após conversarem por mais alguns minutos, era nítida a impressão de que Pascoal
encontrava-se mais aliviado, em virtude daquele colóquio.
Agradecida pela gentileza, Aurélia aproveitara a ocasião:
--- Me perdoa Raul, e se achar conveniente, me denuncie por bigamia!
Surpreso com as palavras que ouvia, o delegado dissera:
--- Jamais iria fazer qualquer coisa que a prejudicasse... Infelizmente não podemos
mudar o passado, pois se pudéssemos, nunca teria deixado você de lado naquela
noite, para me dedicar a questões relacionadas com a delegacia!
Antes que ela proferisse, ele prosseguiu:
--- Todavia, o futuro está sempre em evidência, e o presente é constante para
alterarmos o que nos mostra equivocado!
No Banco Guimarães, muito cedo o Marquês avistava-se. Queria prementemente,
receber aquilo que Ruth havia combinado. Prevenida, a irmã de Euclides já tivera o
atrevimento de no segundo dia na empresa, conseguir retirar dos cofres do Banco,
uma verdadeira fortuna.
Entregando para Augusto, ela sorridente, falara:
--- Obrigada pelo seu crédito perante as minhas palavras!
--- Fico grato por cumprir com a sua palavra... Dona Ruth, foi um prazer negociar
com a senhora!
Retirando-se da casa da moeda Guimarães, o Marquês passara por Mariano, que
obviamente achara estranha a presença do tio de Péricles na empresa de Euclides,
e ainda por cima, vê-lo sair com uma mala extremamente suspeita.
Para o seu pavor, eis que Ruth havia retomado a presidência do Banco. Ele até que
tentara indaga-la, porém, ela imediatamente tivera raciocinado tudo, antes de
explanar a quem lhe viesse perguntar.
--- Onde está o senhor Euclides?
Perguntara ele.
--- Descobrira o paradeiro de sua neta desaparecida, e fora até ela... Enquanto não
regressa, meu irmão deixara o comando do Banco em minhas mãos. Para observar
como são as coisas... Ao passo que você me chamara de consumista, novamente
Euclides me dera um voto de confiança!
Dizia ela, insolentemente.
--- Depois de tudo que ocorrera, o senhor Euclides teve a coragem de quem sabe,
provocar outra vez uma catástrofe, colocando a senhora com essa
responsabilidade?
Indagava Mariano, em mais uma oportunidade.
Com o intuito de exterminar as suspeitas do contador, Ruth fora definitiva:
--- A partir desse momento, começarei a purificar a empresa, sacando os inaptos
que aqui trabalham! Acabou a palhaçada, querido Mariano. Queria de todas as
formas me extirpar, todavia os papéis se inverteram. Com isso, quem sai daqui, para
jamais retornar, é você! Rua! Saia imediatamente!
Inconsolável, Mariano insistia em não compreender o que havia se transformado tão
rapidamente, para que seu patrão a contemplasse desta maneira. As explicações de
Ruth, que se tratava de elucidações tremendamente bem elaboradas, o fez crer que
desgraçadamente, por razões que desconhecia, Euclides tivera posto a irmã no
cargo mais relevante que existia.
Ditoso pelo desfecho de sua negociação com Ruth, Augusto Gusmão acomodou-se
em um opulento restaurante, a fim de festejar seu magnífico golpe, que tornara em
mais um azo, nababesco.
Eis que para a sua admiração, encontrava novamente uma senhora, ao qual nos
seus tempos de juventude tivera sido seu único e verdadeiro amor. Elisa Maria
Barbosa era o seu nome, conhecida por toda a alta sociedade paulistana, Elisa
tratava-se de uma influente socialite da cidade. Visualizando o Marquês, Elisa Maria
logo se aproximara, e disparara:
--- Não acredito que meus olhos visualizam este homem garboso que aparenta no
máximo, meio século!
Encabulado, Augusto falara:
--- Eu que custo a crer que a observo! Bondade sua, sou apenas um senhor do alto
de seus setenta e cinco anos... Já a senhora, parece à mesma donzela de épocas
atrás. E o brigadeiro Carlos Antônio Barbosa, como está?
Mudando o tom de sua voz, Elisa respondera:
--- Meu marido morrera há quase vinte e cinco anos. Estou viúva desde então e
residindo até outro dia em Minas Gerais. Porém, a solidão andava me sufocando,
por isso resolvi retornar para São Paulo, para assim, quem sabe... Rever aquele que
sempre fora minha única razão de viver!
Ambos nutriam amor um pelo outro, e naquele momento, além de almoçarem
juntos, os dois trocaram endereços. Com a morte do marido, Elisa Maria ficara sem
ninguém, pois não havia tido filhos.
Esgotado pelos constantes vexames que sofrera da patroa, Teudorico decidira dar
um basta no que permanecia a ocorrer. Sozinho na cozinha, o mordomo dissera a si
mesmo:
--- Aos olhos dela, sou um legítimo incompetente? Então ela constatará que
realmente sou um imprestável!
Era o momento em que ele haveria de aplicar o sonífero em Euclides, contudo
continuara seus afazeres pela casa, não se importando pelo que Ruth tivera exigido.
Finalmente no hospital, Miguel estava liberado pelos médicos. Mas, achara melhor
ocultar esse fato para os avós, assim pudera ir diretamente à delegacia, tentar fazer
com que fosse decretada a prisão preventiva a Péricles, por tentativa de assassinato
contra a sua pessoa. No entanto, mal ele soubera que nesse período Péricles já
havia executado mais um delito.
Na casa dos Guimarães, não precisara muito tempo para que Euclides acordasse.
Despertando, ele encontrava-se com uma insuportável enxaqueca. Se arrumando,
percebia-se certo desviamento, visto que dormia a bastantes horas ininterruptas. Na
sala de refeições, ele pedira a Teudorico que o trouxesse um café forte. Indagando o
mordomo sobre que dia era aquele, ele fora sincero e explanara ao patrão a
verdade:
--- Desculpe senhor, mas... A dona Ruth colocara em seu chá este sonífero, e me
ordenou que o aplicasse novamente. Entretanto, sou um mordomo fiel ao meu
chefe, e por isso não segui as instruções dela!
Pasmo pela volta do antigo comportamento da irmã, ele falara:
--- Porque minha irmã tomou essa atitude? O que queria com isso? A última coisa
que lembro foi que Ruth me pedira que assinasse diversos papéis, que segundo ela,
eram de extrema importância para o Banco.
Nesse instante, Teudorico “abre o jogo”:
--- Não sei se irá adiantar, no entanto, desde ontem, dona Ruth tem comparecido a
sua empresa, na condição de presidente!
Ouvindo o mordomo, Euclides ficara ainda mais decepcionado e proferiu:
--- Como já imaginava infelizmente Ruth não tem para comigo nenhum carinho...
Estou condenado a passar por este mundo sem ter tido uma família de verdade,
daquelas que o amor é o alicerce e só ele é que interessa. De que adianta se ter
dinheiro, quando não se tem ao seu redor pessoas que realmente a amam? Meu
deus, se ao menos o senhor me indicasse o caminho para que encontre minha neta!
Quem sabe assim eu possa retirar um pouco as angustias que sempre senti!
Depois de tomar o café, ele fora em direção ao Banco, a fim de desmascarar a irmã
na frente de todos.
No quarto em que tivera alugado, Augusto pensava em definitivamente casar com
Elisa Maria. Embora se mantivesse com serias intenções para com ela, apesar de os
anos terem passado, o Marquês não atribuía apenas os prós de uma possível união,
levando-se em conta os sentimentos. Mas também acrescentava as vantagens
financeiras que certamente iria obter casando-se com uma mulher extremamente
abastada. De maneira nenhuma queria dar o golpe do baú em Elisa Maria Barbosa,
todavia como ele mesmo dissera: “há de se notar os dois lados da moeda”.
Afortunado, Augusto Gusmão decidira ir até a casa da pretendente, pedir sua mão
em casamento.
O dia apresentava-se cinzento. Caminhando pelas calçadas da cidade, já que Ruth
descaradamente havia pegado seu automóvel, Euclides sentia-se cada vez mais só.
Aquela imensa vontade de não se importar, novamente com a sua vida, ganhava
força em seus pensamentos. O que adiantaria viver? Seu melhor amigo tivera sido
assassinato. O filho que sempre fora um homem problemático, não tinha para com
ele uma relação de cumplicidade e amizade. A irmã era uma autentica interesseira.
Porém, deus não cria os fatos por acaso, eis que existia um fio de esperança para
Euclides, que obviamente era conhecer a neta. Agarrando-se nessa possibilidade,
ele tentava encontrar forças para superar a corja de egoístas que o cercavam.
Continuando seu caminho, ele encontrara o Marquês.
--- Por que não ganhar mais algum dinheiro? Aquela tola da dona Ruth, que se
dane! Afinal, muito brevemente não estarei residindo aqui!
Pensava Augusto, que embora tivesse prometido a Ruth que guardaria sigilo, na
ânsia de lucrar um pouco além do que imaginara, falara a Euclides:
--- Olá senhor Euclides, precisava urgentemente conversar.
Apressado, Euclides disparara:
--- Desculpe-me Marquês, mas estou com pressa!
Sabendo como induzi-lo, o tio de Péricles dissera:
--- Tudo bem... Porém achei que fosse do interesse do amigo, saber o paradeiro da
neta que jamais conhecera!
Falada esta frase, os olhos de Euclides ficaram marejados. Visivelmente
emocionado, ele indagara:
--- Por certo todos os assuntos que sejam relacionados à minha neta, sempre terão
o meu interesse. O que o senhor sabe sobre o paradeiro dela?
--- Desditosamente, não possuo a qualidade de ser uma pessoa caridosa... Ainda
mais, tratando-se de um indivíduo milionário como o senhor... Tudo na vida tem um
preço, e consequentemente esse informação não fugirá a regra!
Continuava Augusto a praticar as suas conservadoras chantagens.
Pegando do bolso uma estupenda quantia em dinheiro, Euclides indagara-o:
--- Isso é o suficiente?
--- Não tinha conhecimento que guardava tamanha fortuna no bolso! Cuidado, pois
há delinqüentes por toda parte!
Dizia Augusto, impressionado com o que presenciava.
Prolongando-se, o Marquês proferiu:
--- Dona Maroca omitira durante todos esses anos a existência de sua neta. A única
pessoa do seu convívio que tivera conhecimento deste fato, fora Ruy Érico. Porém,
ela fizera uma autêntica chantagem emocional, que o fez guardar este segredo para
sempre. Entretanto, a avó de sua neta não contara com o regresso do vosso amigo.
Ele retornara ao Brasil para contar-lhe pessoalmente, o que nunca ocorrera, em
virtude do seu periclitante estado de saúde. Pensando nesta possibilidade, seu
amigo havia feito uma carta contando todos os pormenores da farsa que Maroca
premeditara. Mas essa carta foi tomada de suas mãos pelo meu sobrinho, que a tem
guardada com ele até hoje. Visto que, essa fora sua única chantagem para que
obtivesse a mão da neta de Maroca em casamento e por conseqüência,
permanecesse esposado com ela.
Com a voz embargada, olhos em prantos, a emoção tomava conta de Euclides.
Chorando copiosamente, ele constatara:
--- Manuela é minha neta!
Sendo assim, já existia uma razão para aquele carinho inexplicável que sentia por
ela. Que presente maravilhoso, Eduardo havia reservado para seu pai. Um filme
passava em sua cabeça. A felicidade parecia estar de braços abertos, esperando
Euclides, a fim de que a experimentasse para o resto de sua vida. O abandono que
sempre sofrera, estava prestes a tornar-se um acontecimento do passado. Como a
vida nos prega peças, constatava Euclides. De alguma maneira, ele e Manuela se
conheceriam, o que mostra que a afeição verídica entre pessoas que se amam,
vence qualquer obstáculo que tente interferi-la.
Contando a verdadeira história para o banqueiro, o Marquês tivera ocultado
algumas ocorrências. Dentre elas, o episódio da carta, onde fora ele quem num
primeiro momento pegara à missiva do paletó de Ruy Érico, achando tratar-se de
dinheiro.
O período em que ficara em enlevo havia ficado para trás, e a perturbação tomara
conta de seus pensamentos. O amigo Ruy Érico tivera falecido, em decorrência de
uma questão que não o pertencia, e aquele que o matara, era consequentemente o
marido de Manuela. Temendo pela vida da neta, Euclides agira imediatamente:
partira com um carro de aluguel para a casa de Péricles e não mediria os resultados
que aquela ação proveria. Todavia, estava convencido que só sairia de lá, quando
retirasse a neta do convívio do crível psicopata, chamado Péricles.
Décimo terceiro capitulo:
Psicopata incendiário.
No asilo, como fazia rotineiramente, Alfredo Martinho novamente desenvolvia seu
trabalho voluntário. Enquanto isso, Maroca pela primeira vez, retirava-se do
isolamento, para conviver juntamente com seus respectivos “colegas”.
No jardim do sanatório, os internos aproveitavam o momento para tomar a luz do
dia. Em um banco, Maroca permanecia inconsolável, chorando assazmente.
Percebendo que um dos pacientes encontrava-se arrasado, Alfredo se aproximou e
colocara sua mão direita no ombro dela. Como estava de costas, ambos ainda não
haviam se reconhecido. Nesse instante, Alfredo Martinho falara:
--- O que acontece? Por que a senhora está triste?
Maroca, reconhecendo a voz que ouvia, levantou-se e disse:
--- Não acredito que o reencontro outra vez!
Visualizando-a, ele perguntara:
--- Porque a senhora está aqui?
Deprimida com a realidade, ela exclamara:
--- Acha que falarei dos meus inúmeros problemas? Você é um dos motivos para
que eu esteja permanecendo nesse inferno! Desgraçou a vida da minha filha, e
agora destrói a minha!
Solícito com a mãe de sua ex-funcionária, Alfredo suplicou:
--- Por favor, dona Maroca, eu lhe peço, me perdoe... Não imaginava que meu amigo
fugiria com a sua filha da cidade.
Após escutar os pedidos de desculpa, ela proferiu:
--- Se quer o meu perdão, trate de me tirar deste lugar horrendo, pois preciso salvar
minha neta!
Finalmente, a avó de Manuela dividia este segredo com outra pessoa. Explanara a
Alfredo, a necessidade de afastar a neta de Péricles... Antes que o pior ocorresse.
Era como se Maroca estivesse retirando um peso de sua consciência, ao
compartilhar o grande ônus de sua vida. Chocado com aquela história, ele
garantiu:
--- Não se preocupe, ajudarei a senhora a salvar sua neta.
Conhecido no asilo, não fora muito difícil para que obtivesse o que almejava. Ao
diretor do sanatório, ele explicara sobre a personalidade agressiva que Maroca
apresentava, e o comportamento que ela demonstrava, ao conversar com ele.
Sempre durante suas visitas, Alfredo Martinho levava um dos idosos em seu
automóvel, para comprar alguns quitutes para a alimentação dos mesmos.
A felizarda do dia era Maroca, que sem maiores problemas, saíra de lá pela porta
da frente.
Já dentro do carro, ela agradeceu:
--- Lhe peço desculpas, durante esses anos, o tratei com muito desprezo... E agora,
estou certa de que você não teve culpa de nada.
Alegre com aquela inesperada reconciliação, Alfredo falou:
--- Como mãe, a senhora tinha as suas razões. Todavia, fico contente em poder tirar
essa culpa que sempre carreguei comigo, depois do trágico acidente!
Ao tempo em que Manuela era medicada, Péricles arrumava as malas. Estava com
a carta de Ruy Érico nas mãos, quando o médico surgira descendo as escadas, e
dissera:
--- Sua mulher se encontra em um estado melhor... Agora, será que o senhor pode
responder-me o motivo para ela se encontrar com tamanha fraqueza?
Inquieto com as indagações do doutor, ele tratara de dispensá-lo:
--- O senhor não me leve a mal, mas gostaria de ficar sozinho com minha esposa...
Obrigado, e tenha um bom dia!
Debilitada, Manuela ainda permanecia deitada na cama. Constatando que o médico
já tivera ido embora, Péricles continuava as arrumações, sem notar, ele deixara à
missiva cair no chão, porém acreditava que permanecia com ela no bolso.
Na delegacia, os guardas haviam descoberto o assassinato do enfermeiro.
Chegando ao distrito policial, Raul Moreira teve uma surpresa. Um dos guardas
explicara ao delegado sobre o homicídio. No mesmo instante, Raul disparara:
--- Aquele pulha do Péricles alcançou a crueldade de colecionar mais um crime...
Contudo suas maldades acabaram! Com esse delito, ele auto indicou-se como
assassino. Portanto, irei imediatamente trazê-lo para trás das grades!
Antes de ir à casa de Péricles, o delegado fora até o local onde o enfermeiro
morrera, e lá ainda estava. Examinando-o Raul ficara emocionado, afinal além de
ser um indivíduo tremendamente honesto, o enfermeiro era uma pessoa de muito
bom coração. Visto que não havia se importado em servir como testemunha para a
resolução da morte de Ruy Érico. Visualizando fixamente o corpo da vitima, o
delegado assegurou:
--- Não se preocupe, pois a justiça pode tardar, mais não falhará!
No Hotel Castelle, Augusto Gusmão foi falar com Elisa Maria. Estava convicto de
que se casaria com ela. Durante toda a sua vida, o Marquês nunca fora de se
apaixonar. Sua paixão sempre fora a jogatina, no entanto, a terceira idade o trouxera
os sentimentos, e com isso, ele se rendeu aos encantos da socialite. Antes de
passar no Hotel, tivera adiantado as burocracias, e reservava uma grande notícia
para o amor de sua vida. Olhando para Elisa, Augusto disparara:
--- Reservei nossas passagens, hoje à tarde viajaremos para a Argentina, aonde
iremos nos casar!
Radiante com o anúncio, Elisa Maria beijara o nobre Marquês e exclamara:
--- Vim em busca da minha felicidade, e o encontrei... Jamais pensei que com essa
idade, casaria!
Sorridente, Augusto em língua espanhola proferiu:
--- Argentina, aqui vamos!
Porém, em seu íntimo, o tio de Péricles dizia:
--- Casinos y festivales me esperan!
Quem disse que Miguel agüentaria ficar sem proteger Manuela? No meio do
caminho, ele decidira parar em frente à residência de Péricles. Ali, o neto de Mariano
não temera as conseqüências, e invadira a casa. Nesse momento, Péricles o
enxergara. Extremamente perturbado, ele bradou:
--- Caí fora daqui! Ou não responderei sobre os meus atos!
A coragem era o seu sobrenome. Nem um pouco preocupado com as possíveis
atrocidades que o marido de Manuela poderia executar, Miguel falara:
--- Não me importa que atitude tomará... O que posso dizer, é que vim tira - lá dessa
prisão e não será você quem me impedirá!
Como não se encontrava com o revólver no bolso, Péricles brigara com Miguel.
Socos, pontapés, tapas e todo o tipo de agressividade estavam presentes naquele
episódio. Era louvável a resistência que Miguel mostrava para Péricles, pois seu ex-
patrão era um homem de forte porte físico e de uma altura considerável. Em certo
ensejo da disputa, Péricles aplicara uma rasteira em Miguel, que caíra no chão.
Pressionando os pés sobre o pescoço do rapaz, Péricles ameaçara:
--- Matarei você!
--- Destrua-me se for capaz?
Atiçava Miguel.
Perverso como de costume, Péricles pensou por algum período e dissera:
--- Não se preocupe, acho que matá-lo não será um bom negócio, você merece
sofrer, e pode estar convencido que isto acontecerá.
Arrastando Miguel até o sótão, ele o prendeu e transmitiu seu recado:
--- Agora você não morrerá, mas pode ter certeza que daqui a alguns dias, ou
semanas, depois de muito sofrer, acabará falecendo. Padecendo de fome e
esperando a hora fatal.
Obviamente, Miguel tentara revidar as ações de Péricles, todavia quando o sobrinho
do Marquês forçava seu pescoço, o pobre não tivera mais vitalidade para encarar
seu grande algoz.
Aos seus olhos, todas as adversidades haviam se resolvido. Nesse azo, Péricles
esperava tão somente a ligação de seu advogado, para que o enviasse um meio de
transporte seguro. Assim, poderia partir a o lugar que desejasse, sem o faro da
policia na sua nuca.
No Banco Guimarães, Ruth não suportara sua curiosidade. Continuava apreensiva,
e visualizando o relógio, lembrou-se de que o sonífero já teria de ser aplicado em
seu irmão. Ela bem que tentara mudar o foco, contudo permanecia pensando nessa
situação. Sendo assim, sem mais delongas, fora até a sua casa, a fim de enxergar
com seus próprios olhos que o mordomo havia acatado as suas ordens. Ao chegar,
ela automaticamente foi falar com Teudorico, e ao perguntar se aplicara o remédio
em Euclides, o mordomo revelava-se outra pessoa. Sarcasticamente, ele dissera:
--- Lamento dona Ruth, porém o senhor Euclides está indignado com a sua pessoa.
Mal tomara o café matinal e partira para o Banco, com o objetivo de acabar com
alguns logros que andavam ocorrendo.
Furiosa, Ruth exclamara:
--- Traidor! Terminarei com você! Quer me derrotar? Pois saiba que antes eu o
exterminarei!
Enquanto esbravejava, Teudorico dava as costas para a patroa. Sentindo-se
ignorada, ela pegara um de seus vasos de cristal mais maciços que possuía, e
arremessara em direção a cabeça do mordomo, que decaíra ao chão do corredor da
sala de jantar. Com o forte impacto, ele desmaiara. Aflita com o que acabara feito,
Ruth saíra de casa com o pensamento voltado para seu irmão. Supondo que
Euclides dirigia-se ao Banco para enxotá-la da empresa, ela fora até a casa da
moeda desesperadamente, tentar fazer algo para que permanecesse soberana no
Banco Guimarães.
Eis que no trajeto que Euclides percorria rumo ao local onde Manuela estava, o
automóvel subitamente parara. O motorista o indagara:
--- O senhor está com pressa?
--- Sim, afinal faz dezessete anos que estou atrasado!
Respondera ele, tremendamente aflito.
Acertada a conta da corrida, ele não tivera paciência para esperar o conserto do
carro, e fora caminhando até o encontro da neta. A cada passo que praticava sua
ansiedade cada vez mais aumentava.
No hospital, o enfermo Pascoal pedira a esposa:
--- Querida, prometa-me que nunca privara a felicidade da sua vida?
Sem graça, Aurélia afirmava que sim, entretanto perguntava ao marido o motivo
para tal pergunta. Comedido, ele respondera:
--- Não sei quanto tempo me resta... Todavia, gostaria de ter certeza que será feliz.
Você é uma mulher jovem, tem muito para viver. Quero que não permaneça sozinha
quando eu partir!
Com o propósito de entreter o esposo, ela dissera que iria deixá-lo repousar. Antes
que se retirasse do quarto, Pascoal explanara:
--- Te amo, meu amor. O mais favo sonho que tive, foi você! Jamais se esqueça
disso!
Aquela frase tinha ares de despedida, era um romance que estava prestes a
acabar. Anterior a sua saída, Aurélia lhe beijara e fechara a porta. O padeiro, por
sua vez, cerrava os olhos e adormecia.
Na casa dos Gusmão o telefone tocara. O advogado Dornelles Toledo já havia
reservado um automóvel que lhes conduziria a qualquer lugar, sem mais
preocupações. Por se tratar de uma ambulância roubada, Dornelles imaginava que
não haveria problemas, em virtude do veículo que os guiaria. O próprio advogado
levaria o carro até a residência de Péricles.
Deslumbrando a tão sonhada liberdade perante as tamanhas pendências que o
rodeavam, Péricles fora imediatamente ao quarto de Manuela. Ela, que não
agüentara ficar por muito tempo repousando na cama, encontrava-se sentada, a
beira de seu leito, depois de um longo banho. Descaradamente, Péricles bastante
sorridente, comunicou-a que arrumasse suas coisas, pois eles fariam uma viagem.
Com o semblante bastante sério, ela avisara que não sairia com ele a lugar algum.
Verificando que a filha de Débora mantinha-se indiferente, o sobrinho do Marquês
ajoelhou-se aos seus pés, beijara suas mãos e implorara:
--- Só peço que me ame... Pelo menos metade desse amor infinito que sinto por
você! Tento de tudo para fazê-la cada dia mais contente. Porém, permanece
fazendo pouco caso com os meus profundos sentimentos.
Decidida a encarar a personalidade do pérfido Péricles, Manuela falara:
--- Tem razão, começarei a demonstrar o que sinto por você... Eu tenho nojo, medo,
mas amá-lo é algo que nunca terei para com a sua pessoa. Só me fez sofrer,
apenas estendeu o padecimento que já existia em minha vida. Não vou a lugar
nenhum e pronto!
Nesse azo, ele esbofeteou a mulher e exclamou:
--- Que assim seja... Se não vir comigo, não ficara com ninguém!
--- Onde está a minha mãe?
Queria ela, saber o paradeiro de Maroca.
Julgando-se vencido, Péricles já não se importava com o trunfo que possuía. Tanto
que em tom de deboche, proferiu:
--- Mãe? Que mãe? Maroca não é sua mãe, mas sim, sua avó. Aquela por quem se
preocupa demasiadamente é na verdade a grande mentirosa dessa história. Fora
ela a responsável por essa omissão de suas origens. A querida vovó a escondera
durante dezessete anos do convívio de seu avô, que se chama Euclides Guimarães.
Não há palavras para descrever o que Manuela pensava com a frase que escutava.
Euclides? Seu avô? Em certo ensejo, quando trabalhava para o banqueiro, enquanto
coloquiavam, a própria tivera exposto a ele sua enorme vontade que fosse seu avô.
Imaginava que de alguma maneira, Deus havia tornado seu sonho em realidade. O
interessante é que recebia a informação de extrema importância para a sua vida, no
momento mais inoportuno que poderia ocorrer. Agora, além de falido, Péricles não
tivera mais nenhuma “carta na manga” para fins de chantagens futuras. Se bem que
ele não estava nem um pouco ligado ao que poderia acontecer no futuro.
Raciocinava apenas o presente, e como haveria de ferir seus inimigos e sair ileso da
“batalha final”. Chorando, ela enxergara pela janela um indivíduo de cabelos brancos
e que usava óculos. Era Euclides que adentrara no pátio da casa. Observando que
Manuela visualizava algo, Péricles fora conferir com seus peculiares olhos. Para a
sua surpresa, eis que o avô de sua amada encontrava-se em frente a sua
residência.
Escarnecedor, ele afirmara:
--- Pena que você nunca conviverá com seu queridíssimo vovô!
Nesse momento, Péricles pegara álcool e colocara fogo em sua mansão, reiterando
que morreriam juntos. Visto que, sua “presa” continuava convencida de não
permanecer casada com ele. O fogo alastrava-se, e o desespero tomava conta de
Euclides, que tentara adentrar para salvá-la, entretanto não tivera sucesso, pois a
porta estava trancada.
Em poucos minutos os policiais chegaram. Raul Moreira arrombara a porta.
Examinando que a corporação policial estava presente, Péricles do alto da sacada
do quarto de Manuela, avisou:
--- Entrem aqui para ver o que lhes acontecerão... Matarei quem quer que seja, e
não temerei as conseqüências das minhas ações!
Audacioso, ele fez questão de que percebessem o revólver ao qual carregava.
Prudente, o delegado mandara todos aguardarem. Desesperado, Euclides não
medira os perigos e entrou na casa, que nessa ocasião já sofria um grande incêndio.
Raul berrava a fim de que ele acatasse suas determinações, todavia nada adiantou.
Em uma extensa labareda, Euclides ia ao encontro da neta. Em pânico, Manuela
não tinha para onde correr. Ainda sendo ameaçada pelo seu perverso esposo, ela
outra vez o encarou:
--- O que ganhará com tudo isso? Vai desgraçar nossas vidas, em favor de uma
paixão doentia?
Focado em prosseguir sua pressão psicológica, ele mal concedera atenção para o
que ela perguntava-lhe. Percebendo que Manuela tivera intenção de fugir daquele
fogaréu, Péricles mirara a arma em sua direção, e certificara:
--- Experimente sair daqui, para ver se deixarei... Se tentar, pode estar certa que
mato-a e também darei fim na vida do velho Euclides!
Temerosa pelas ameaças dele, ela ficara paralisada, torcendo para que alguém
viesse e a retirasse daquele autêntico inferno. Após alguns instantes, Euclides
chegara onde a neta se encontrava. Ambos em prantos, Aquele encontro não
poderia ser mais emocionante. Acariciando o rosto de Manuela, ele desabafara:
--- Meu amor, não sabe como estou radiante em saber que a minha neta é a pessoa
mais amável que já conheci. É uma enorme alegria ser seu avô. Você é o maior
presente que Deus poderia me mandar!
Afetuoso, o dono do Banco Guimarães abraçava Manuela e expressava o imenso
carinho que sentia, antes mesmo de ter conhecimento do segredo. Dezessete anos
para aquela revelação, era como se Euclides quisesse voltar ao passado, a fim de
reviver azos com a primogênita de seu filho.
Já Manuela, apenas chorava tamanha era a sua emoção. Zombando de Manuela e
seu avô, Péricles prolongava suas promessas para o mal.
No pátio, um dos guardas temia pela vida das vitimas de Péricles, entretanto, Raul
mantinha-se firme em sua decisão. Tentava ser cauteloso, por conhecer a
personalidade instável que o proprietário das Porcelanas Gusmão possuía. Instantes
depois, Alfredo Martinha avizinhava-se juntamente com Maroca. Caminhando
lentamente, com o apoio de sua bengala, ela mais uma vez, agradeceu Alfredo.
Visualizando-a, o delegado tentava acalma-la, contudo Maroca dissera:
--- Não adianta senhor delegado, querer privar minhas ações! Entrarei e salvarei
minha... Neta!
--- Neta?
Perguntava Raul.
--- Não se preocupe delegado, irei entrar com ela. É uma situação arriscada, mas
dona Maroca já está decidida, e impedi-la de fazer isto será muito pior.
Ousava Alfredo, fazer com que ele a liberasse para adentrar na casa, em virtude do
extremo sentimento de culpa que a atordoada Maroca, carregava.
Não precisara a autorização de Raul, para que ela e Alfredo fossem ao encontro de
Manuela. Preocupado com o que ocorria, Moreira falara:
--- Deus queira que nada de mal aconteça... Fiquem preparados, a qualquer
momento invadiremos. Temos que ser ponderáveis, pois devo zelar pela existência
deles.
No segundo andar a tensão só aumentava, e Euclides querendo tirá-la a qualquer
custo daquele lugar, a avisara:
--- Vamos embora! O delegado já cercara a casa e o assassino sairá daqui
devidamente enjaulado!
--- Calma senhor Euclides, afinal ninguém fugirá da minha residência. Você é meu
convidado, e ela é minha amada mulher... Quem dita as ordens sou eu, e não
sumirão das minhas vistas!
Apontando a arma para os dois, Péricles transparecia seu período de alucinação.
Com o intuito de salvar a neta, Euclides ficara na frente dela, prevendo um possível
disparo. Vagarosamente, Manuela observava a avó. Péricles rindo a toa, dissera:
--- Agora sim, a reunião está com todos os personagens dessa patacoada. Espero
sinceramente, que essa história termine com um final digno de contos de fadas!
Olhando para seu cruel genro, Maroca explanara poucas e boas:
--- Você não merece permanecer ileso as maldades que pratica. Suas atrocidades
acabaram. Tenho pena de você, e me arrependo muito de ter me deixado levar
pelas suas ameaças!
Zombando dela, ele a revelou:
--- Não se preocupe, pois já não há motivos para continuar a lhe chantegear... Seu
segredo, decoroso de um livro, não existe mais! Infelizmente, Manuela sabe suas
autênticas origens. Lembra do poço frio e sombrio? A senhora está no fundo dele,
completamente desmoralizada!
Chorando, Manuela pedira a avó:
--- Não vou julgá-la, só peço que nunca me abandone!
Muito perturbada com todos os fatos que ocorriam sucessivamente, Maroca abrira
seu coração:
--- Obrigada meu amor, saiba que tenho consciência que sou a causa para este
inferno ao qual estamos vivendo, no entanto gostaria que continuasse amando-me.
Apesar de às vezes ríspida, tenho em você a alegria e o alicerce de uma vida difícil
que permaneço ter! Omiti a verdade porque não imaginaria ter que dividi-la com
outra pessoa, ainda mais uma pessoa rica, que certamente, pegaria você para criar!
--- Jamais julgarei a senhora, unicamente peço-lhe um abraço!
Pedira Manuela, extremamente emocionada.
Em prantos, elas evidenciavam o amor que tinham uma pela outra. A maior dádiva
que Maroca recebia, era a de estar convicta que Manuela prosseguia amando-lhe,
mesmo após descobrir a grande mentira que escondera.
No ouvido de sua neta, enquanto abraçavam-se, sua avó cochichou:
--- Sua mãe era maravilhosa... Se acontecer alguma coisa, vá a nossa antiga casa, e
procure uma foto que semanas atrás visualizamos juntas... A minha filha Débora, é a
sua mãe.
Examinando Euclides, que se mostrava diligente para com ela, Maroca fora
excessivamente áspera e exclamou:
--- Não pense que a partir de hoje seremos grandes amigos, nada mudou sobre meu
pensamento em relação a você. Limite suas esperanças... Manuela é minha neta, e
não será agora que mudará!
Constatando que o panorama continuaria o mesmo, Péricles tentara a “última
cartada”:
--- Entreguem-me minha esposa e terminamos com essa indefinição!
Observando que não se rendiam a suas frases de efeito, ele declarara:
--- Se não poderei ser feliz ao lado da mulher que amo desditosamente não
permitirei a satisfação de vocês. Lamentavelmente, nossa história terminará nisto!
Euclides permanecia protegendo a neta, todavia afigurando na mente os prováveis
atos de Péricles, Maroca jogou-se a frente dos dois no mesmo ensejo que o
sobrinho do Marquês atirara. Salvando a neta, e automaticamente Euclides, o tiro
pegara em seu corpo e ela por sua vez, caíra. Desesperada, Manuela chorava
copiosamente. Com suas últimas forças, ela “abriu seu coração”:
--- Jamais duvide do meu amor. Onde estiver, lembre-se de que eu... Sempre estarei
com você, minha neta adorável! Aproveite o carinho que não tenho duvidas que seu
avô dedicará a você.
Direcionando seu olhar para Euclides, ela decidira dar o “braço a torcer” e rever o
que tivera falado a ele:
--- Senhor Euclides, me desculpe. No fundo, no fundo, sei que a adora, tento quanto
eu, e tenho certeza que cuidará muito bem dela!
Sentimental, Euclides se encontrava tremendamente emocionado. Olhando para
ela, ele proferiu:
--- Obrigado por deixar me aproximar da nossa neta, e pode estar certa que se
Manuela tem uma educação impecável, isso é mais um mérito da senhora!
A mão de Maroca, que acarinhava o rosto de Manuela, após essa frase, caia. Era a
morte daquela que fora a responsável por tantos tormentos na vida de muitas
pessoas. Dona de uma individualidade sobejamente egoísta, Maroca pagava pelo
seu extraordinário egoísmo. Não haveria clima, nem uma convivência harmoniosa
dela para com Euclides. De maneira nenhuma, “dividiria” a neta. Bravamente, ela
livrara Manuela a ter de pagar por algo que não tivera sido de sua autoria. Este era
mais um crime para a galeria de Péricles. Com o barulho do disparo, Raul deu fim à
serenidade, e correra com os demais policiais para o segundo andar em uma casa
que se despedaçava a cada minuto. O cerco fechava-se de vez para Péricles, que
nesse momento conservava seu terrível distúrbio mental.
Após o disparo, o delegado adentrara na casa e muito espantado, falara:
--- Não acredito que permiti com que dona Maroca fosse atingida!
--- O senhor não teve culpa, seu desejo era de justamente protege-la!
Explicava Alfredo.
--- Acabou a festa, seu canalha! Renda-se e vamos até a delegacia!
Bradara o delegado.
--- A casa é minha, e foi você quem invadiu! Saia imediatamente daqui, ou matarei
todos que estiverem ao meu alcance!
Concluindo o extremo delírio de Péricles, Moreira não discutira com ele, e acabara
acatando suas demandas, embora acreditasse que se renderia.
Descendo as escadas, com o fogo espalhando-se, Euclides visualizara uma carta,
que para a sua surpresa, era de Ruy Érico. Outra vez emocionado, ele falara:
--- Depois de tanto tempo, enfim a sua mensagem chegou as minhas mãos, meu
amigo!
A tristeza de Manuela era algo deprimente. Por mais que a avó tivesse errado em
diversos aspectos, mesmo assim a menina tinha em Maroca a única figura materna
que conhecera em toda a sua vida. Euclides, que guardara a carta no bolso,
consolava a neta, que não se conformava com o fim tão deprimente da avó.
Ouvindo gritos de socorro, Raul Moreira e os demais policias foram ao encontro da
voz, não temendo o fogo que a cada instante aumentava. Surpreendido, ele
acreditava que se tratava de Miguel, então os guardas arrombaram a porta e o
retiraram da casa. No pátio, Miguel correra até Manuela e a abraçara. Mirando os
olhos dela, ele disse:
--- Tudo vai passar meu amor.
Preocupado com a vida de Péricles, o delegado arremessara uma corda na janela
onde ele estava. Lá embaixo, Raul gritava:
--- Desça com a corda!
Caminhando para um lado e para o outro, Péricles mantinha sua alucinação,
explanando a si mesmo que ninguém roubaria seus bens. Enxergando-se pelo
espelho, visualizava a imagem de Ruy Érico. Surpreso com a figura que observava,
esfregara as mãos sobre os olhos, e que lhe fez ver o enfermeiro. Limpando-os
novamente, enxergara os três juntos, Ruy Érico, Maroca e o enfermeiro. Assim,
começava a dar conta de suas ações e desesperado, tivera a noção que padeceria
para morrer, bem como fizera com suas vitimas. Escutando os pedidos do delegado
para que saísse do incêndio, Péricles assegurava:
--- Prefiro morrer, a me submeter a esse bando de parvos!
Cansado de esperar, Raul tirara a corda da varanda. Nesse instante, Dornelles
Toledo aparecera com a ambulância que levaria Péricles e Manuela para a viagem.
Indagado pelo delegado sobre o que fazia ali, Dornelles tentava distorcer:
--- Nada senhor delegado, apenas passei para uma rápida visita, que obviamente
pode ser feita em outra ocasião.
Porém, Raul não se deixou enganar:
--- Nada disso, teria um grande prazer se o senhor me acompanhasse a delegacia
para conversarmos sobre assuntos que continuam a me intrigar!
--- Tenho uma reunião em meu escritório. De modo que deixaremos para outra
oportunidade!
Dizia Dornelles, que mesmo observando o que ocorria na residência de seu cliente,
nem ao menos quis saber as causas do incêndio. Falava com o simples objetivo de
se livrar das perguntas do delegado. Para isso, utilizava sua excessiva hipocrisia ao
qual lhe era exclusivo.
Porém, Raul Moreira exercera sua autoridade:
--- Com quem o senhor pensa que está lidando? Nunca soubera que seu automóvel
particular fora uma ambulância! Ora bolas! Não procure me passar a perna, afinal
quem sairá prejudicado é você.
Naquele momento o advogado ficara calado e entrara obrigado no carro de Moreira.
Em meio ao incêndio, Péricles prosseguia rodeado de imaginações. Continuava em
demasia agitação, todavia parara e sentara em uma poltrona. Por alguns segundos
pensava, meditava e raciocinava e assim, com ares de melancolia misturava o
remorso que sentia ligado ao ódio que nutria por diversas pessoas. Não há como
afirmar se Péricles arrependeu-se, o certo era que em uma rara ocasião, ele
resgatava a personalidade regular ao qual em algum momento de sua vida, haveria
de possuir. Chorando, o homem cruel afirmara:
--- Não quero morrer, mas estou no fundo do poço... Aliás, no próprio poço frio e
sombrio que em algum dia tivera apresentado a Maroca. Alastro-me com dívidas até
o pescoço e delas não conseguirei me desvencilhar... Sendo assim, que seja feito o
meu desfecho!
Gargalhando, o marido de Manuela “enforcava-se com a própria corda”, visto que
provocara o incêndio e prisioneiro dele, recusou-se a abandoná-lo, morrendo
queimado no fogo que dera origem e tendo conhecimento de seus assassinatos.
Décimo quarto capitulo:
Enfim, linhas retas.
Após um longo período, o caminhão de bombeiros aproximava-se da casa, todavia
o fogo permanecia incontrolável. Rapidamente Maroca fora levada até o hospital e lá
veio a confirmação:
--- É uma pena, mas dona Maroca faleceu.
O que passava pela cabeça de quem escutava essa dolorosa notícia? Manuela
sentia a perda daquela por quem apesar das atitudes, sempre mantivera um amor
verdadeiro. Era o fim de um ciclo na sua vida, um ciclo repleto de mentiras, que
nesse azo tratava-se de assuntos do passado. Apesar da maneira como a sogra de
seu filho havia guiado a vida da neta, Euclides sofria com o que ocorria, visto que
Maroca o salvara juntamente com sua neta. Nesse mesmo local, abrindo
calmamente a porta, Aurélia avistava-se no quarto de Pascoal. Beijando o marido,
ela começara a desconfiar do seu “profundo sono”, tanto que chamara o médico,
que depois de examiná-lo falara:
--- Eu avisei à senhora que a qualquer momento poderia acontecer... E infelizmente,
aconteceu!
Pobre Pascoal, um homem que errara bastante em algumas questões, mas que já
tivera se arrependido. Sem chão, Aurélia prosseguia chorando. Segurando a mão do
padeiro, ela o perguntava:
--- O que será da minha vida sem você?
Novamente altiva no Banco Guimarães, Ruth observava que pelo jeito, o irmão não
iria ao seu encontro na empresa. Temendo possíveis punições por parte de
Euclides, ela sem mais delongas revirara o escritório, mexendo em gavetas, papeis
e todo o tipo de documentação. No final, acabara retirando exorbitante fortuna, e
saindo estabanadamente da Casa da Moeda Guimarães. Ausentando-se com um
carro de aluguel rumo à estação ferroviária, a irmã de Euclides gargalhava,
garantindo:
--- Mais uma vez meu querido irmão, você foi o tolo da história!
Na delegacia, Raul Moreira comunica a Dornelles Toledo:
--- Aqui será a partir de hoje seu novo reduto, como bom anfitrião, lhe desejo uma
excelente estadia!
--- Sua ironia me encanta caríssimo delegado.
Dizia o advogado.
--- Desculpe senhor advogado, agora há de concordar que sua ficha está mais suja
que pau de galinheiro. Inúmeros processos contra a sua pessoa. Devo dar o braço a
torcer e admitir que trata-se de um advogado tremendamente competente, com as
mesmas proporções de sua tamanha desonestidade!
--- Nada fará com que continue por muito tempo nessa pocilga.
--- Cuide o tom de voz, pois o senhor ainda não fora exonerado da condição de
advogado, o que, aliás, muito brevemente ocorrerá.
Apesar de Dornelles ter demasiada fortuna, conquistada em virtude da defesa
quase que indestrutível ao qual prestava a indivíduos devidamente afortunados e
também homicidas, ele nunca tivera deixado rastros de seus logros. Como fora
flagrado com a ambulância roubada, Dornelles Toledo destacou-se como principal
cúmplice de Péricles, e mesmo fazendo parte da alta classe social da cidade, os
indícios estavam prestes a lhe punir severamente.
Depois de colocá-lo atrás das grades, o delegado recebera a ligação de Aurélia,
que inconformada informava ao ex-marido sobre a morte de Pascoal. Preocupado
com o sofrimento de sua paixão, Raul lhe garantiu que se dirigia instantemente ao
seu encontro. Com todas as razões para estar contente com a informação que
escutava, o bondoso delegado nutria certa melancolia com o falecimento daquele
que lhe furtara a esposa.
No hospital estavam Eduarda e Mariano. Eles iriam visitar o neto, que para as suas
surpresas, encontrava-se revigorado. Mais espantados ficaram ao descobrir que
Maroca não tivera resistido. Exausto com tudo que vivia naquele dia, Euclides
pegara as mãos da neta e falara:
--- Estou com uma grande enxaqueca, então irei em casa, tomar um banho e
retornarei... Minha querida, não quer vir comigo? Tomar um banho e quem sabe,
descansar um pouco?
--- Desculpe, mas esperarei o senhor voltar... Não posso abandonar os últimos
ensejos que terei com minha mãe, digo, com minha avó.
Beijando a testa da neta, se despediu. Nessa ocasião, após tantos acontecimentos,
ele não lembrava do que Ruth havia feito, contudo o dono do Banco Guimarães
custava a crer no egocentrismo ao qual sua irmã sempre possuiu.
Em uma pomposa confeitaria próxima a estação ferroviária, encontrava-se Ruth,
que antes de partir aproveitara a oportunidade para lanchar. Saboreando um
delicioso Cappucino, ela recebera em sua mesa um rapaz bem apessoado. O tal
homem lhe indagara:
--- Me puedo sentar con su compañia más grande?
Tratava-se de um legitimo argentino beirando seus vinte e cinco anos. Maravilhada
com o olhar sedutor do indivíduo, ela o deixara lhe fazer companhia. Dialogando por
um longo tempo, o moço revelava seu nome, chamava-se Juan Diego Gonzalo.
Segundo ele, estava no Brasil a passeio, já que era de uma autêntica família
tradicional de Buenos Aires. Olhando profundamente para os olhos dela, Juan
afirmara:
--- Pueden pensar que estoy exagerando, pero nunca vi a uma muchacha tan
hermosa. No sabe a donde se viaja, pero sé que estoy dispuesto a ir junto com lo
que es sin duda el amor de mi vida!
Ruth mantinha-se realizada com aquela declaração inesperada. Ela tinha idade
suficiente para ser mãe do argentino, entretanto pensava em um famoso ditado, que
caia perfeitamente ao que vivia naquele instante: O amor não tem idade. Todavia,
seria realmente um amor a primeira vista por parte de Juan?
Fascinada, a irmã de Euclides falara:
--- Daqui a alguns minutos, o trem partirá!
Nesse momento, Juan Diego lhe tascara um beijo digno das grandes telas
cinematográficas de Hollywood, e explanara:
--- Mañana de viaje, y ahora alquilan uma habitación de hotel para que podamos
disfrutar de esta uma vez más que vamos a estar juntos para siempre.
O interessante é que a todo azo, o argentino mirava seus olhos para a bolsa de
Ruth. Ela por sua vez, não pensara que Juan ainda tratava-se de alguém
desconhecido e concordara com ele. Sendo assim, os dois foram até o Hotel
Castelle, onde locariam um opulento quarto. Pela manhã, ambos pegariam o
primeiro trem.
Chegando em casa, Euclides deparou-se com Teudorico desmaiado em sua sala.
Aflito, o avô de Manuela logo tratara de reanimá-lo. Fazendo-o respirar vinagre, ele
conseguira despertar o mordomo. Extremamente preocupado com o que tivera
ocorrido, Euclides perguntava a ele o que havia acontecido.
Inquieto, o mordomo respondeu:
--- Desculpe-me senhor Euclides, mas a dona Ruth avistou-se por aqui e me
indagara se tivera lhe aplicado o sonífero. Quando a revelei a verdade, ela se
mostrou nervosa e em um breve minuto arremessara o vaso de cristal em direção a
minha cabeça.
Outra vez espantado, Euclides lamentara:
--- Custo a crer que Ruth tenha essa personalidade tão ambiciosa, aliás, sempre tive
conhecimento, no entanto não quis acreditar...
Escutando o patrão, Teudorico aconselhara:
--- Quem sou eu para lhe indicar o que fazer... Entretanto, apesar de por muitos
anos ser o braço direito de dona Ruth, creio que o senhor deve deixar o sentimento
de lado e “cortar o mal pela raiz”, entregando-a para a policia. Pois mesmo sendo
difícil falar o que irei dizer, lhe confesso que tenho certeza que a próxima ação que
ela executaria era matá-lo.
Com a voz embargada, Euclides finalmente constatava que sua irmã infelizmente
era uma pessoa com excessiva ganância, capaz de qualquer atitude, visando
benefícios financeiros.
Cabisbaixo, ele assegurava:
--- Muito me doe, porém tenho o dever de fazer com que Ruth reveja seus conceitos
e aprenda com seus erros!
A tristeza de entregar a irmã para a policia era tanta que enquanto pegava o
telefone suas mãos involuntariamente tremiam. Falando com o delegado, que
rumava para o hospital, o banqueiro contara o imenso golpe que Ruth o aplicara e
certificara Raul que gostaria que a justiça fosse feita. Atarefado, Moreira dissera que
enviaria policiais a fim de vasculhá-la por toda a cidade.
Encontrando-se no velório de Maroca, Manuela derramava diversas lágrimas sob o
tapete que cobria a sala onde o cadáver estava. Perguntava-se a si mesma o porquê
de tantas tragédias em sua família. Conversando, Mariano e Eduarda concluíam que
diferentemente de outras épocas, Maroca tivera em sua última ação a chance de se
mostrar uma pessoa menos individualista, salvando a neta e evidenciando o amor
ao qual sentia por Manuela.
Avizinhando-se no hospital, ao enxerga-lo, Aurélia abraçara o delegado.
Confortando sua única paixão, Raul prometera:
--- Esteja certa que nunca ficará só!
Chorando, ela permanecia encantada com a postura amável do delegado, e
observando-o, falara:
--- Tinha conhecimento que você era um homem maravilhoso, todavia vejo que é
infinitamente mais especial que imaginava.
Após tomar um longo banho, Euclides penteava seus lisos cabelos brancos, quando
repentinamente recordara de seu grande amigo, Ruy Érico. Lembrando-se da
epístola que agora estava consigo, ele a pegara e lera:
--- “Querido amigo, pelo que fiz nem de amigo eu poderia lhe chamar. Mas, para
provar de que sua amizade vale muito para mim, quebrarei um juramento e honrarei
nossa amizade. Eduardo morrera em um acidente automobilístico, porém ele não se
encontrava sozinho, uma moça o acompanhava. Débora era o seu nome. Eles
estavam juntos a mais de nove meses, e dessa união, pouco antes de morrerem
tiveram uma filha que nascera aos sete meses de gestação e logo após seu
nascimento, ambos faleceram. Havia presenciado todo o acidente, fui eu quem
socorre-los. Estava prestes a lhe contar que seu filho morrera e que tinha ganhado
uma neta, entretanto a mãe da menina com quem seu filho teve esse
relacionamento veio me suplicar, para que não contasse a verdade para você.
Alegava que só tinha a neta e que não haveria de querer perdê-la a uma família rica.
Simplesmente deixei aquela mulher fazer a minha cabeça com aquelas palavras
sensibilizadoras e mentirosas. Não sei onde sua neta possa estar. O que é de meu
conhecimento, é que sua avó trabalhava no hospital do centro da cidade, e se
chama Maroca Martins.”
Depois de ler a carta, Euclides Guimarães chorava copiosamente e declarava:
--- De maneira nenhuma, deixarei de ser seu amigo. Um dia ainda iremos nos
reencontrar, e assim satisfarei essa enorme vontade de conversar com você!
Por mais que o tempo passasse, a morte de Ruy Érico seria um árduo fato para que
ele se acostumasse.
Alastrando-se a madrugada no Hotel Castelle. Ruth encontrava-se definitivamente
em seu “sétimo sono”. Saltando da cama, Juan começara a revirar os pertences
dela, até que achara o que almejava: A gigantesca fortuna da irmã de Euclides. Na
realidade, Juan Diego Gonzalo era um autêntico charlatão, especialista em aplicar
golpes. Vagava em São Paulo há mais ou menos dois meses e nesse período já
tivera protagonizado grandes falcatruas. Quando visualizara Ruth na principal
confeitaria da cidade, não teve dúvidas de que a oportunidade estava a se mostrar.
Imaginando ser extremamente fácil enganar aquela mulher solteirona, ele tentara a
sorte e ela correspondeu a seu favor.
Examinando Ruth que dormia, sorrindo o argentino dissera:
--- Misión cumplida... Como uma tia de verdad, que sabe la señora aprende de sus
errores. Nunca um hombre guapo como me, interesaba por uma mujer que es
extremadamente acabada. Estoy muy rico, gracias a una tonta!
De certo modo, era um decoroso castigo para Ruth, que roubara o irmão,
afigurando na mente ter praticado o logro perfeito. Contudo, fora devidamente
humilhada com essa fraude que seu passageiro flerte lhe pregara.
No primeiro carro de aluguel que enxergara o argentino logo tratou de adentrá-lo e
aproveitar a fortuna que agora possuía.
A noite foi desgastante no velório: de um lado velava-se Maroca, do outro Pascoal.
Amanhecendo, perto de raiar o dia, dava-se inicio ao enterro. Abalada
emocionalmente, Manuela prestava suas últimas homenagens à avó. Fechando o
caixão, ela despediu-se:
--- Jamais vou lhe esquecer!
Perto do enterro de Maroca, Raul falara a Aurélia:
--- Terei que ir até a delegacia. Vá para o seu apartamento e descanse, mais tarde
passarei para conversarmos.
Ela concordara com as palavras do delegado. Ele por sua vez, dirigiu-se para a
delegacia e de lá partira com alguns guardas ao encontro de Ruth. Ela nesse ensejo
despertava de um profundo sono, e para a sua surpresa não achava Juan Diego.
Desesperada, rapidamente ligara os pontos e verificou sua bolsa. Inconformada com
o desaparecimento do dinheiro, Ruth sofria com sua ingênua postura perante as até
então doces e sedutoras palavras do argentino.
Vingativa, Ruth rogara uma praga a Juan:
--- Desgraçado, roubou toda a minha fortuna a qual obtivera com tanto esforço! Que
esse dinheiro esteja acompanhado de infortúnio em sua vida a partir de hoje.
Estagnada com sua situação financeira, visualizando o jornal do dia, ela ficara
chocada com a notícia que lera: “Empresário Péricles Gusmão morre em incêndio na
sua residência”. Indagando a si mesma, ela custava a crer que seu inimigo tivera
falecido. Obviamente permanecia radiante por ter conhecimento do trágico fim de
seu algoz. Prolongando a leitura, o choque fora maior ao saber que Maroca também
morrera.
--- Péricles morreu em decorrência de sua completa demência, e Maroca por sua
burrice! Raciocinando sua posição instantânea, deduzia que a melhor forma de
voltar a desfrutar do luxo, seria retornando para a casa do irmão. No entanto, teria
de exterminar Teudorico, que havia sido agredido por ela.
Chegando a Argentina, Elisa Maria Barbosa e Augusto Gusmão pareciam um jovem
lindo casal, tamanha era a felicidade evidenciada em seus semblantes. Em pleno
ano de mil novecentos e quarenta e três, as informações já corriam em direção aos
países vizinhos, e aquele rosto que expunhava alegria, nessa ocasião demonstrava
melancolia. O Marquês soubera da morte do sobrinho, e evidentemente mostrava-se
triste com o fato. Lamentava as características próprias e deploráveis que Péricles
dominava.
Terminado o enterro, Mariano e Eduarda despediram-se. Miguel também fez o
mesmo, assim como Alfredo Martinho que permanecia sensibilizado com o desfecho
da história. Olhando para Euclides, Manuela afirmava que não suportaria a ausência
da avó. Abraçando-a, ela a consolou:
--- Dona Maroca sempre estará presente na sua memória e por conseqüência em
seu coração. Nem a morte é capaz de apagar nossos sentimentos. Vamos meu
amor, vamos para casa. Chegou à hora de repousar.
No Hotel Castelle, Ruth usara o primeiro vestido que encontrara. Todavia quem a
enxergasse se apavoraria, visto que era uma das raras vezes em que ela não
utilizara suas jóias, pois, Juan Diego se apropriara delas.
Só faltava verificar um hotel de São Paulo, que por sinal era o Castelle. A
corporação policial mantinha-se maciçamente presente e nem precisara indagar a
recepcionista. Afinal, ao chegarem, enxergaram a arrogante Ruth, descendo as
escadas.
Sorrindo para Raul, a irmã de Euclides lhe cumprimentara:
--- Olá senhor delegado, como está? Mas para que tantos guardas, a caso temos
algum devedor de contas por aqui?
Retribuindo o sorriso, o delegado comunicou:
--- Falsificação de documentos, uso indevido de remédios com o intuito de dopar o
irmão para tornar-se soberana diante de seus bens... Enfim dona Ruth, motivos não
faltam para a senhora me acompanhar...
Tentando lançar seu “charme fatal” para cima de Raul, ela dissera:
--- Abandonado há tantos anos pela mulher, eu há muito tempo solteira... O senhor é
um homem demasiadamente elegante, e devo declarar que nutro admiração pela
sua pessoa, então...
Nesse azo, Ruth lhe tascara um beijo. Extremamente desgostoso com tal atitude e
visivelmente envergonhado, Moreira exclamara:
--- Definitivamente a senhora passou dos limites! Não há o que reivindicar. Será
presa e ponto!
Retomando sua realidade, ela explanara:
--- Ó céus, estou naturalmente na sarjeta!
Entrevendo que Euclides chegara, Teudorico fora abrir a porta para recepcionar o
patrão quando, deparou-se com aquela que em outro momento tivera implicância e
lhe armara uma cilada. Constatando que não compreendia o que ocorria, Euclides o
explicara:
--- Não há por que se preocupar, ressentimentos ficaram para trás... Manuela é
minha neta, filha de Eduardo e a partir de hoje irá residir comigo!
Evidenciando outra vez seus sinceros arrependimentos com relação à armadilha
das jóias de Ruth, as quais havia colocado na sacola de Manuela, o mordomo
pedira:
--- Por favor, me perdoe... Nunca faria novamente algo tão sujo como fiz com você.
Mostrando-se a pessoa amável que era, Manuela abraçara Teudorico e falara:
--- Não se aflige Teudorico, sei o que é ser funcionário da dona Ruth... E quem
jamais errou que atire a primeira pedra.
Sentados a beira da cama, Euclides a relembrara toda a vida problemática que
Eduardo vivenciara até o trágico acidente que compartilhara com Débora. Ao pegar
uma caixa, ele disse:
--- Como Mariano mora perto da antiga casa da sua avó, pedi a ele que retirasse os
objetos que foram de sua mãe... Agora são seus. Infelizmente não pude ter o prazer
de conhecê-la, porém, Mariano teve a oportunidade de conviver com sua mãe. Ele
me revelou que foi uma pessoa de caráter e com um precioso coração, ou seja, você
é idêntica a ela.
--- Queria tanto ter conhecido-os.
Lamentava-a.
Olhos marejados, voz embargada. O certo é que Euclides prolongava sua emoção
com a conversa que tivera com Manuela. Levantando-se tranquilamente, ele pegara
um baú e abrira, retirando um brinquedo que se tratava de uma singela casinha de
madeira. Olhando para a neta, ele desabafara:
--- O maior bem material que possuo é esta casinha de madeira. Meu avô era
carpinteiro e com ele aprendi a construir artigos de madeira. Quando minha mulher
ficara grávida, desenvolvi esse brinquedo e também um carrinho. Nascendo
Eduardo, lhe presentei com o carrinho e guardei o outro brinquedo, esperando quem
sabe, ter uma filha. Com a morte da minha esposa, avisei seu pai que quando
tivesse uma filha, era ela quem ganharia a simples casinha de madeira que construí
com tanto carinho. Agora diante de você, peço que aceite esse que para mim é o
maior de todos os presentes materiais que poderia lhe dar!
Emocionada, Manuela cingira com os braços o avô e explanara:
--- O senhor é muito importante na minha vida. Jamais nos perderemos novamente!
O homem mais rico da cidade era acima de tudo, rico de sentimentos. O que havia
tornado-se maior com sua tamanha humildade em mostrar a neta que o gesto mais
sincero, é na verdade a essencial preciosidade que poderia existir.
Em Buenos Aires, após o “choque” de ter conhecimento da morte de Péricles,
Augusto e Elisa passeavam aos arredores do Teatro Colón, na ocasião em que o
Marquês se interessara por um vinho que se encontrava atrás da vidraça de uma
esplendida loja. Desprevenido, ele deixara o dinheiro no Hotel. Querendo levar o
vinho consigo naquele instante, o tio de Péricles pedira a mulher:
--- Minha querida, distraidamente acabei deixando o dinheiro no quarto... Você não
poderia emprestar-me para comprar esse vinho argentino?
Incomodada com aquela indagação, ela respondera:
--- Não poço... Faz muitos anos que estou falida!
Elisa Maria Barbosa explicara a Augusto que seu marido era viciado em jogatinas, e
por culpa desse habito prejudicial, a família Barbosa estava fracassada. Percebendo
que seu casamento não teria comunhão de bens por parte de Elisa, o Marquês
pensava: Outra vez, fiquei em maus lençóis!
Perguntando a ele se também apreciava esse tipo de divertimento, mentindo,
Augusto dissera:
--- Não gosto, como repreendo aqueles que destroem a vida de suas famílias em
favor de um tremendo vício.
A partir daquele momento, o nobre Marquês teria de conter sua vontade em
apostar. A tarefa certamente seria custosa. Não sabemos se terá condições de
suportá-la, contudo olhava firmemente para a amada e afirmava:
--- Não precisa me olhar com essa carinha... Prometo a você que não será a jogatina
que atrapalhará nosso casamento. Esteja certa que nunca irei preferir os jogos, e
desprezar sua maravilhosa companhia!
Já em sua casa, Raul Moreira tivera a ingrata notícia de que sua filha Andressa
estava de cama em virtude de uma súbita virose. Seu estado não era calamitoso,
entretanto o delegado ligara para Aurélia informando que diferentemente do que
combinara, não poderia ir ao encontro dela. Explicando o motivo para a sua
ausência, ela simplesmente não falara, transparecendo que pouco ligava para a
situação em que sua filha se encontrava.
Na prisão, Ruth padecia pelo que permanecia a ocorrer em sua vida. Na hora do
almoço, veio sua refeição. Ela observava o alimento com certa repulsa. Imagine
Ruth Guimarães, irmã de Euclides Guimarães, digerir aquilo? Porém a fome é algo
que fala por si só, e isso fora comprovado naquele momento. De costas para o
prato, recusando-se a comer ela ficara por algum tempo. Quando não suportava a
fome, visualizara a comida e disparou:
--- Quem não tem cão, caça com gato! Estou com nojo só de olhar essa gororoba,
mas é isso que a partir de hoje será meu cardápio!
Inesperadamente, Aurélia avistava-se na residência do delegado. Surpreso com a
visita, Raul lhe indagara, querendo saber o motivo dessa aparição. Emocionada, ela
revelou que cuidaria do que lhe pertencia. Referia-se as filhas.
Observando a mãe, Célia, a filha caçula a abraçara e declarava:
--- é muito bom saber que a temos conosco outra vez!
Sem dúvidas, Célia era uma menina muito pura. Não demonstrava rancor e muito
menos tristeza. Estava sempre alegre e de bem com a vida. Prontamente, Aurélia
tomara conta da cozinha, preparando um chá para Andressa. Não tendo
conhecimento que sua mãe estava presente na casa, ela tivera um tremendo susto
quando a enxergara. Falando asperamente, voltou a proferir que a desejava ver
distante de sua convivência. No entanto, isso não fora o suficiente para afastá-la de
sua família.
Alguns meses depois, e Miguel situava-se em cargo de relevância dentro da Casa
da Moeda Guimarães. Para ocupar tal posição, ele mantinha o estudo como
prioridade. Mariano e Eduarda prolongavam sua felicidade ao constatar a
prosperidade do neto. O convívio diário entre Euclides e Manuela prosseguia melhor
a cada dia. Eram acima de tudo, grandes amigos. Ela enfim, retornava aos estudos
de forma definitiva e continuava radiante com a vida de amor e carinho que
alcançara.
Sempre afável Euclides preocupava-se com o estado da irmã que permanecia
enjaulada após um longo período. Procurando a todo instante o melhor para Ruth,
ele decidiu que iria retirar a queixa. Acreditava que a irmã havia aprendido a lição,
todavia mais uma vez o dono do Banco Guimarães pagara caro com seu ingênuo
raciocínio. Indo até o local onde ela se encontrava, desgostoso com o que acontecia,
ele dissera:
--- Ruth, de uma vez por todas, trate de ser menos interesseira. Diminua a ganância
excessiva e faça da nossa relação, uma ligação de extrema amizade e
cumplicidade... Sempre quis ser um irmão presente na sua vida, porém você jamais
deixara que eu me aproximasse...
Sabendo que seria solta, Ruth não dava importância ao que Euclides dizia.
Prolongava seu desejo de usufruir a enorme fortuna do irmão, visto que perguntara:
--- Você não pode retirar os meus pertences daquela mansão, afinal querendo ou
não, com a morte do Eduardo, tornei-me a única e verdadeira herdeira de sua
fortuna!
Sorridente, Euclides a revelou:
--- Lembra da neta desaparecida, que pouco antes de morrer, Ruy Érico falara que
tinha? Eu a conheci graças às informações que obtive com o Marquês Augusto
Gusmão...
Irritada, ela exclamara:
--- Desgraçado! Lancei exorbitante quantia em suas mãos para que pelas minhas
costas, ele me aplicasse tamanho golpe!
Perplexo com as tramóias descabidas que a irmã executava, ele não falara, contudo
a observava e falava:
--- Tem alguma chance de formarmos uma família onde a irmã amará seu irmão?
--- Me deixe em paz Euclides! Põem em sua cabeça que sua exclusiva serventia é
que possui muito dinheiro e sem ele, desditosamente você não passa de um velho
tolo e meloso, ao qual conduz seu tempo integral mendigando carinho, um afeto,
aliás, que nunca teve e viverá seus últimos dias não tendo!
Chorando com a desmoralização que sofrera, ele fora embora. Retornando para
casa, refletia tudo que ouvira, e custava a crer que Ruth estava certa com suas
palavras.
Arrogante em mais uma oportunidade, ela retirava-se da prisão com a empáfia que
lhe era peculiar. Vagando pelas ruas de São Paulo, a soberba mulher não sabia
para onde correria.
Depois de meses cuidando da filha e vivendo na casa de Raul, Aurélia ia
“amolecendo” o coração de Andressa. Ela por sua vez tivera um princípio de
Pneumonia, entretanto já estava praticamente recuperada. Cozinhado, Aurélia fora
desatenta e queimara a mão. Automaticamente, desmanchando a barreira que as
cercava, Andressa pegara um pano e atenciosa, perguntara se a mãe estava se
sentindo bem. Aquela frase tinha ares de reconciliação, restabelecendo a paz que
entre mãe e filha é necessária que exista.
Na casa dos Guimarães, Manuela e Miguel traçavam planos futuros. Queriam
oficializar o namoro, para depois o noivado e futuramente... O casamento.
Cabisbaixo, Euclides chegara desolado e fora para o quarto. Incomodada com a
depressão do avô, Manuela o confortara e o indagava sobre o que acontecera.
Lúgubre, ele explanara a conversa que havia tido com a irmã. Consolando-o, ela
dissera o que realmente correspondia à verdade:
--- O senhor não só é importante, como cativa a todos ao seu redor!
Satisfeito com a declaração da neta, ele pranteava:
--- Fico inconformado com as atitudes da minha irmã. Porém, ela desejou se afastar
e isso foi uma decisão dela... Só espero que mude seu perfil e seja meramente feliz.
Tocando a mão de sua mãe, Andressa pedira:
--- Não faça como fez há dezessete anos atrás abandonando-nos... A partir de
agora, exerça o seu papel de mãe!
Detrás da filha, Raul surgira e informara:
--- Não se preocupe minha filha, sua mãe não fugirá mais dos nossos olhos...
Olhando para Aurélia, o delegado dissera:
--- Aurélia, aqui está o presente do nosso aniversário de casamento... Há quase
vinte anos almejava lhe presentear, contudo só hoje que consigo saciar minha
vontade! Nesse ensejo, novamente solicito a você sua mão em casamento!
Contentes, suas filhas pulavam de alegria. Emotiva, Aurélia implorava as desculpas
do marido e das filhas. Certamente feliz com aquela autentica prova de amor, ela
falara:
--- Aceito, e dessa vez até que a morte nos separe!
O louco amor que o delegado nutria por Aurélia fora devidamente aceito por ela,
que prosseguia seu prazer em poder redimir-se com quem amava. Não se
importando com o que a sociedade falaria em relação a sua “nova” união
matrimonial, Raul mostrava que sua felicidade era algo prioritário. Portanto nada
mudaria em sua vida, o que indivíduos alheios pensariam.
Com novo animo, Alfredo Martinho tomara uma importante postura que mudaria
consideravelmente sua vida. Reabriria seu salão e clube de festas. O primeiro
evento que receberia seria a oficialização do namoro entre Manuela e Miguel.
Ruth havia ganhado uma pequena quantia em dinheiro de Euclides, que mesmo
tendo conhecimento de suas falcatruas, não quis deixar a irmã na sarjeta. Ela, no
entanto, alegava que aquele dinheiro era menos ao que se dava aos mendigos.
Todavia, tratava-se de um grande exagero de sua parte, pois com a quantia que
ganhara resolvera partir para a Argentina, a fim de reencontrar o salafrário Juan
Diego Gonzalo.
Repousando no quarto do hotel que se situava perto ao lendário Teatro Colón, Elisa
e Augusto viviam sua plena lua-de-mel. Percebendo que sua esposa já dormia,
calmamente e sem nenhum alarde o Marquês trajava-se elegantemente. Queria
saciar sua imensa vontade em novamente apostar. Notando a mulher, ele lamentava
ter que descumprir o que havia prometido, contudo explanara:
--- Não posso controlar-me, mas se depender do meu querer, você jamais saberá
que sou um alucinado pela jogatina.
Distribuindo um beijo na bochecha de Elisa Maria, Augusto fora em direção ao
cassino, que se encontrava próximo ao Obelisco de Buenos Aires. Dinheiro para
apostar não seria problema para o Marquês Augusto Gusmão, entretanto há de se
duvidar se a maré de boa sorte se estenderia por um longo período ao seu lado, ou
o abandonaria de uma hora para outra, deixando-o na miséria como já tivera feito
em tantas ocasiões.
Quem havia se estrepado de vez, era Dornelles Toledo. Após a investigação
detalhada da justiça, foram comprovadas outras fraudes. Sendo assim, nem com
toda a fortuna que possuía, iria se desvencilhar das pendências que o rodeavam.
Após alguns dias também em Buenos Aires, Ruth passara por muitas trapalhadas.
Procurava o malandro argentino, todavia ninguém tinha conhecimento de quem era
Juan Diego Gonzalo. Algum tempo depois, sem dinheiro, ela acabara conhecendo
Manuel Brandão, um português nascido em Lisboa que morava na Argentina há
quase cinqüenta anos e dono de adegas. Visualizando-a, o português a convidara
para que conhecesse seu empreendimento. Apesar da relativa diferença de idade, a
irmã de Euclides enxergou naquele homem a chance para que se recolocasse outra
vez, como uma senhora distinta e extremamente nababesca. Precisando se firmar
financeiramente, ela se rendeu as palavras do empresário que se aproximava dos
setenta anos de idade.
Manuel Brandão de fato estava interessado em Ruth, no entanto, possuía uma
personalidade decididamente dominadora. Além de ciumento, Brandão tinha
demasiado receio em gastar qualquer que fosse a quantia, o que para Ruth tratava-
se de um tormento eterno, visto que seu principal passatempo era de ostentar sua
riqueza. Como alguém já deve ter escutado: Cada um procura o seu destino. E de
alguma maneira, ela tivera achado o que procurava... Sempre querendo poupar
dinheiro, o velho português obrigava a esposa a executar os serviços domésticos.
Residiam em uma gigantesca residência, porém quem limparia o banheiro seria
Ruth Guimarães.
Na reabertura do Salão e Clube de Festas, uma pomposa cerimônia fora produzida
para que Miguel e Manuela tornassem público o namoro. Depois de todos os
procedimentos, a sós, os dois patenteavam a alegria que sentiam naquele azo.
Acariciando os cabelos do amor de sua vida, Miguel falara:
--- Sabe o que é esperar por este momento há bastante tempo? Não há palavras
para que eu possa explicar o que sinto... Só sei que quero ficar com você para o
resto de meus dias!
Beijando-se, ambos afirmavam o sentimento amoroso ao qual sempre cultivavam
com o outro.
Alguns dias após essa oficialização, chegara o dia em que Euclides completaria seu
septuagésimo nono aniversário. Sabendo da data em que seu avô nascera, Manuela
preparara uma inesquecível festa, que permanecia a altura do homenageado.
Voltando para casa depois de um longo dia no Banco Guimarães, Euclides tivera
uma grata surpresa. Raul Moreira com sua família, Alfredo Martinho, Mariano,
Eduarda e Miguel apresentavam-se dentro de seu domicílio. A frente deles, Manuela
o esperava a fim de parabenizá-lo. Com a figura singela que ele a todo tempo tivera,
mostrava-se tocado com um gesto ao qual jamais havia recebido.
Após uma festividade memorável, o banqueiro sentara na sala de sua residência,
juntamente com a neta. Emocionado, com os olhos repletos de lágrimas e de mãos
dadas a ela, ele dizia:
--- Eu já falei e irei repetir, é maravilhoso ter você participando da minha vida... Não
tem idéia de como sonhei com este período familiar que estamos vivenciando...
Alisando a mão do avô, Manuela relatava:
--- Ser sua neta não é nada de extraordinário, pois de qualquer forma tornaríamos
amigos, e essa amizade seria para sempre, como será.
As linhas tortas que Euclides viveu durante quase oito décadas, e os mesmos fios
vergados que Manuela passara haviam chegado ao fim. O fim que Maroca tanto
queria conceber não cessara. O destino fez com que as linhas que a cada ano
ficavam mais tortas, alcançassem o rumo certo... Somente a união e o amor são
capazes de produzir o tão sonhado bem-estar do ser humano. O dinheiro
certamente é importante dentro de uma sociedade excessivamente capitalista, mas
não tem o dom de satisfazer plenamente um indivíduo... E essa mesma pessoa,
perceberá em algum ensejo que seu principal objetivo é ser amado por entes
queridos. Em uma família haverá aqueles que querem é ser feliz e eles devem se
reunir com quem tem o mesmo propósito: viver intensamente em favor de um ideal,
a felicidade.
As linhas eretas, depois de mentiras certas, trouxeram a aliança de avô e neta. Eles
evidenciam o que realmente tem relevância no mundo. Apesar da má convivência
com o pai, Eduardo lhe presenteara com uma neta que supriria toda a indiferença
que tivera para com Euclides. Em prantos, ambos choravam profusamente. Antes de
dormirem, ainda na sala, essas foram às últimas frases da noite:
--- Te amo vovô!
--- Amo você, minha neta!
Enfim, as linhas tornaram-se retas.
Fim