a utilização do livro didático sobo olhar

105
---- " r> r ~ r> " r') O r O 0 " r>. 0 r> r>. ,l' '9 jJ:) ~ t "v '>9 ) ~~~ MARCOS PEREIRA DOS SANTOS "fj vy' A UTILIZAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO SOBO OLHAR DOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA DE 8 8 SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL PONTA GROSSA 2003

Upload: slucarz

Post on 17-Feb-2017

393 views

Category:

Education


5 download

TRANSCRIPT

Page 1: A utilização do livro didático sobo olhar

----"r>

r~

r>

" r')Or O

0

"r>.

0

r>

r>.

,l' '9 jJ:) ~ t "v '>9)

~~~

MARCOS PEREIRA DOS SANTOS "fjvy'

A UTILIZAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO SOBO OLHARDOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA

DE 88 SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL

PONTA GROSSA2003

Page 2: A utilização do livro didático sobo olhar

MARCOS PEREIRA DOS SANTOS

A UTILIZAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO SOB O OLHARDOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA

DE 8a SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL

Monografia apresentada para obtenção do Título deEspecialista no Curso de Pós-Graduação emMatemática: Dimensões Teórico-Metodológicas, Setorde Ciências Humanas, Letras e Artes, daUniversidade Estadual de Ponta Grossa.

Orientadora: Prof a Ms. Joseli Almeida Camargo

PONTA GROSSA2003

Page 3: A utilização do livro didático sobo olhar

AGRADECIMENTOS

r A Deus, criador do maravilhoso dom da vida, que com seu Santo Espírito,

concedeu-me força, coragem, sabedoria e entendimento para que eu pudesse lutar

por um ideal, desenvolvendo esse trabalho, para assim alcançar os objetivos

almejados.

À minha mãe Antonia, meu irmão João e minha madrinha Celene; pelo apoio,

compreensão, paciência para que eu pudesse vencer todos os obstáculos

encontrados, e pela abdicação do tempo que Ihes foi roubado para a execução

desse trabalho.

À Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), ao conceder-me a

oportunidade de continuar (re) aprimorando meus conhecimentos.

À professora Joseli, que aceitando ser minha orientadora, procurou sempre

com empenho, dedicação, amizade, respeito, segurança, otimismo e

responsabilidade conduzir a orientação da presente pesquisa.

À todos os docentes do Curso de Especialização, os quais contribuíram de

alguma maneira, para ampliar meus conhecimentos, proporcionando-me um

crescimento pessoal e profissional.

À equipe de coordenação pedagógica e aos professores das escolas públicas

e privadas, que colaboraram para a realização dessa pesquisa.

À professora Sandra Andréia (Língua Portuguesa), pelas sugestões,críticas e

cuidadosa revisão do manuscrito.

Às demais pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a

concretização do trabalho.

A todos, meus sinceros agradecimentos!

r

iii

Page 4: A utilização do livro didático sobo olhar

LIVRO: a troca

Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena os livros me deram

casa e comida.

Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede;

deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia

telhado.

E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de

morar em livro.

De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar pras paredes).

Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras.

Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.

Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntimas a gente

ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir

novas casas.

Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação.

Todo o dia a minha imaginação comia, comia e comia; e de barriga assim

toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio,

arranha-céu, era só escolher e pronto, o livro me dava.

Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que - no

meu jeito de ver as coisas - é a troca da própria vida; quanto mais eu

buscava no livro, mais ele me dava.

Mas como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei um dia de

alargar a troca: comecei a fabricar tijolo para - em algum lugar - uma criança

juntar com outros, e levantar a casa onde ela vai morar.

Lygia Bojunga Nunes

iv

Page 5: A utilização do livro didático sobo olhar

INTRODUÇÃO 01

CAPiTULO I - RETORNANDO AO PASSADO 07

1.1 Livro: conceituação, origem e evolução 11

1.2 História do Livro Didático 16

1.3 O Livro Didático de Matemática 26

1.4 O Movimento Matemática Moderna e o Livro Didático 34

CAPiTULO 11 - ANALISANDO A REALIDADE 44

2.1 O livro didático no contexto da sala de aula 45

2.2 Com a palavra o professor 52

2.3 Estabelecendo relações a partir das análises feitas 67

CAPITULO 111 - LIVRO PRA QUE TE QUERO 72

3.1 Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 75

3.2 Princípios e critérios 84

3.3 Adequação e pertinência didático-metodológicas 88

CONSIDERAÇOES FINAIS 98

REFER~NCIAS BIBLIOGRÁFICAS 101

ANEXOS 106

íNDICE DE QUADROS

QUADRO 1: Livros didáticos utilizados diretamente no trabalho em sala de aula 63

QUADRO 2: Livros didáticos utilizados indiretamente no trabalho em sala de aula 64

v

Page 6: A utilização do livro didático sobo olhar

RESUMO

Esse trabalho tem como proposta refletir sobre o livro didático de matemática, material este que

exerce grande influência sobre o processo de ensino e aprendizagem em todos os níveis, tendo

ascendência marcante sobre a própria metodologia de trabalho adotada pelos professores em sala de

aula.Com base na literatura especrtica, aborda-se a evolução pela qual passou o livro, num contexto

geral, desde sua origem até os dias atuais. Descreve-se o histórico do livro didático no Brasil

focalizando, dessa forma, o livro didático de matemática e a influência do Movimento de Matemática

Moderna da década de 60.0 estudo desenvolveu-se a partir da análise da prática pedagógica dos

professores atuantes na 8' série do Ensino Fundamental, no que se refere à utilização do livro

didático e a viabilidade deste material no processo ensino- aprendizagem da matemática.As análises

nos remetem ao resgate do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), por meio do qual refletiu-se

sobre a vinculação existenté entre os princfpios e os critérios estabelecidos para a análise dos livros

didáticos de matemática e a gradativa adequação das instituições escolares de Ensino Fundamental

a essas exigências.No entanto, esse trabalho revela a necessidade de uma continua reflexão e um

maior aprofundamento desta temática.

Palavras-chave: Educação Matemática; livro didático; prática pedagógica

vi

Page 7: A utilização do livro didático sobo olhar

INTRODUÇÃO

No contexto da sociedade atual, extremamente capitalista, na qual a

"parafernália" eletrônica tem dominado radicalmente inúmeros setores do mercado,

em detrimento do papel do homem como principal agente de transformação social, a

abordagem de questões sobre a educação em geral, e em particular sobre a

educação matemática, apresenta-se como algo desafiante e, ao mesmo tempo,

essencialmente relevante.

Desafiante, porque o processo educativo encontra-se num emaranhado de

ideologias, práticas pedagógicas e aspectos sócio-econômicos, políticos e culturais

bem diferenciados; e relevante exatamente porque a escola e os educadores não

podem ficar alheios às transformações e necessidades expressas pela sociedade

vigente.

Dentro dessa perspectiva, ao se falar em instituição escolar, são inúmeras as

discussões, fomentadas pelos meios de comunicação de massa e/ou entre as

pesquisas já desenvolvidas e em desenvolvimento na área da Educação e

Educação Matemática, acerca das necessidades de se desenvolver um ensino de

maior qualidade, promoção e significado para os educandos, haja vista os interesses/

da sociedade globalizada e informatizada do novo milênio.

Essa forma inovadora de educação inclui, entre outras propostas, a utilização

de diferentes recursos tecnológicos (livros, computadores, calculadoras) e de

metodologias (Resolução de Problemas, História da Matemática, Etnomatemática,

Jogos, Modelagem Matemática) e técnicas (GV.G.01, pesquisa, experimentos) de

ensino auxiliares ao trabalho dos professores, tendo-se em vista o desenvolvimento

da criatividade, investigação, exploração, descobrimento, interpretação, formação

integral e senso critico por parte dos educandos.

Nesse enfoque, segundo os Parâmetros (ou Referências) Curriculares

Nacionais (PCN):

1 Segundo BORDENAVE a técnica de grupo G.v.G.O (Grupo de Verbalização e de Observação) éindicada quando se objetiva a análise de um tema importante e o treinamento dos alunos emdinâmica de grupos (1995, p. 159).

Page 8: A utilização do livro didático sobo olhar

2A recomendação do uso de recursos didáticos, incluindo alguns materiaisespecíficos, é feita em quase todas as propostas curriculares. No entanto, na prática,nem sempre há clareza do papel dos recursos didáticos no processo de ensino -aprendizagem, bem como da adequação do uso desses materiais, sobre os quais seprojetam algumas expectativas individuais. (1998, p.10)

Refletindo sobre estas questões e no intuito de se buscar, com rigor, soluções

alternativas auxiliares para a melhoria do processo ensino-aprendizagem, de modo

especial, da matemática, originou-se o projeto de pesquisa intitulado "O livro didático

de matemática: utilização na percepção do professor de 88 série do Ensino

Fundamental", bem como através de sugestões de colegas, professores da área de

matemática, e questionamentos surgidos durante o desenvolvimento das disciplinas

do Curso de EspeciaHzação em Matemática; além do que quanto à indagações

particulares sobre o verdadeiro papel dos livros didáticos no processo de ensino e

aprendizagem da matemática, tendo em vista experiências vivenciadas enquanto

educando e como educador.

De modo geral, a abordagem do livro didático de matemática no contexto

escolar adquire importância fundamental, na medida em que a matemática, assim

como as demais áreas do conhecimento, tem considerável papel no auxílio à

resolução de problemas do cotidiano. Partindo desses pressupostos, delimitamos

nossa problemática de investigação, pela qual procuramos identificar os livros

didáticos de matemática adotados pelas escolas públicas estaduais e particulares do

município de Ponta Grossa para o trabalho na 88 série do Ensino Fundamental,

analisando assim a(s) forma(s) de utilização e a viabilidade desse material no

processo educativo.

Embora tenha sido e continue sendo, infelizmente, alvo de muitas críticas

(nem sempre construtivas) em relação a determinantes causadores (inclusive) do

fracasso, repetência e evasão escolares, dentre os quais poderíamos pontuar as

deficiências nas práticas pedagógicas, rupturas nos currículos escolares, sistemas

de avaliação inadequados, problemas psico-sociais, metodologias de ensino

ineficazes, conteúdos insignificantes e totalmente desvinculados das reais

necessidades da clientela escolar, dentre tantos outros, é irrefutáve I o fato de que a

matemática permanece na escola, assim como o livro-texto no contexto da sala de

aula.

Page 9: A utilização do livro didático sobo olhar

r

3Apesar dessa constatação, há de se observar uma questão fundamental em

relação aos livros didáticos, no que concerne ao respeito e valorização da evolução

histórica do conhecimento contido no interior dos mesmos, como produção da

humanidade, segundo as necessidades de um determinado contexto social.

Esses são apenas alguns dos fatores que nos levaram à análise desse

importante recurso didático presente no âmbito do processo educativo.

Ao enfatizarmos a relevância do "bom" uso do livro didático de matemática no

ensino, como recurso potencializador do processo educativo e como instrumental

favorável ao aprendizado, o objetivo não é fazer apologia "exclusiva" do mesmo,

visto como um elemento isolado dentro do contexto escolar; mas entendê-Io como

ferramenta que deve manter uma correlação elevada e positiva com os demais

caracteres do processo educativo.

Nessa perspectiva, ao tecer considerações sobre a questão do conhecimento

na sociedade, DRUCKER (1993) adverte: o conhecimento não é impessoal como odinheiro. O conhecimento não reside somente em um livro, em um banco de dados,

em um programa de software; pois estes contêm apenas informações. (DRUCKER

apud RIBAS, 2000, p. 19-20)

Diante do exposto, além dos fatores já mencionados e pela importância que o

livro didático de matemática (objeto de pesquisa em questão) assume no ensino

brasileiro nos níveis Fundamental e Médio, em particular, na 88 série do Ensino

Fundamental (nosso campo de investigação), tendo como foco de observação a

prática pedagógica de alguns professores frente aos diversos caracteres de

utilização na execução do ato pedagógico (realidade atual) no cotidiano da escola,

procuramos pontuar e analisar criteriosamente os dados colhidos mediante tal

investigação.

Buscando, assim, encontrar refúgio ao nosso questionamento centramos

nossa investigação nos livros didáticos de matemática mais adotados pelas escolas

públicas e particulares do município de Ponta Grossa.

Esta preocupação decorre, principalmente, do fato de o livro didático ser o

único instrumento acessível à maioria dos professores de nossa escola pública - seu

plano de trabalho e orientador de suas ações e a única publicação a que tem acesso

rr-r-rr-r

rrrr

rr

--- -- - ----------

Page 10: A utilização do livro didático sobo olhar

r

4o aluno na escola pública, na esmagadora maioria dos casos (AL VES apud

EDUCAÇAO & SOCIEDADE, 1987, p. 14).

Partindo desse enfoque, os objetivos estabelecidos para a pesquisa,

norteadores na execução do projeto, foram:

1 - Contribuir para a discussão da realidade escolar atual do ensino da

Matemática;

2 - Verificar a(s) possível (is) contribuição (ões) dos livros didáticos no

processo de ensino e aprendizagem da matemática frente às propostas dos

Parâmetros Curriculares Nacionais no atual contexto educacional brasileiro;

3 - Identificar os livros didáticos adotados pelos professores de matemática

na 88

série do Ensino Fundamental;

4 - Investigar a realidade dos professores de 88

série do Ensino Fundamental

no ensino da Matemática quanto à sua atitude pedagógica em relação à utilização

do(s) livro (s) didático (s) adotado (s).

Tendo em vista os objetivos estabelecidos, foram levantadas as seguintes

hipóteses:

1") "Os livros didáticos de matemática utilizados pelos professores de 88

série

do Ensino Fundamental não estão atendendo suficientemente às expectativas dos

educandos e dos docentes".

2") "A maioria dos livros didáticos de matemática não condizem com a atual

proposta de ensino e aprendizagem da matemática, à qual se refere os PCN".

No intuito de se chegar a um indicador que comprove (sustente ou refute) as

hipóteses pertinentes à problemática em questão, a metodologia utilizada foi a

pesquisa descritiva-exploratória, uma vez que se pretende descrever 'com exatidão'

os fatos e fenômenos de determinada realidade (TRIVINOS, 1995, p. 110), e

também a pesquisa bibliográfica , buscando proporcionar melnor visão do problema,

tornando-o mais específico e possibilitando a construção de hipóteses. (GIL, 1995,

p.64)

Foram empregadas, concomitantemente, as abordagens qualitativa e

quantitativa, com vistas a atender o problema em sua natureza.

Este procedimento é decorrente do fato de que os investigadores

qualitativos ...

Page 11: A utilização do livro didático sobo olhar

5

entendem que as ações podem ser compreendidas quando são observadas no seuambiente habitual de ocorrência (...). Entretanto, a investigação qualitativa édescritiva. Os dados incluem transcrições de entrevistas, notas de campo,fotografias, vídeos, documentos pessoais, memorandos e outros registros oficiais(...). Tentam analisar os dados em toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto opossível, a forma em que estes foram registrados ou transcritos. (BOGDAN, 1994, p.48)

r

Além da análise bibliográfica, essa investigação foi realizada com o auxílio de

observações da prática pedagógica dos professores de matemática pesquisados e

de questionário semi-estruturado dirigido a esses professores (de 88 série do Ensino

Fundamental), elaborados após aprofundamento do referencial teórico.

O alvo de investigação foram instituições escolares públicas (estaduais) e

particulares de 88 série do Ensino Fundamental, numa taxa amostral de 7 escolas,

incluindo-se escolas de pequeno e médio porte, assim distribuídas: 2 escolas

públicas de médio porte e 3 de pequeno porte", e ainda 2 escolas particulares de

pequeno porte,conforme critérios de classificação pré-determinados (ANEXO I).

No início da execução da pesquisa, foi elaborada a revisão bibliográfica,

seguida da coleta de informações junto aos professores pesquisados, através de

questionário, usado como material de pesquisa (ANEXO 11)e posterior análise,

interpretação e estudo dos dados coletados.

Para melhor análise e compreensão da problemática investigada, este

trabalho encontra-se dividido em três partes distintas.

No capítulo inicial, realizou-se um levantamento bibliográfico, com vistas a

fazer um resgate histórico da origem e evolução do livro, tanto na tipologia de

didático como na especificidade da matemática, abordando-se, inclusive, alguns

aspectos concernentes ao Movimento de Matemática Moderna, na década de 60.

Na segunda parte fez-se uma análise dos livros didáticos de matemática mais

adotados pelos professores na 88 série do Ensino Fundamental, no que se refere a

sua utilização no preparo e execução das aulas e contribuição para o

2 Segundo informações do Núcleo Regional de Educação de Ponta Grossa, o porte dosestabelecimentos de ensino estão assim classificados: pequeno porte (até 760 alunos), médio porte(de 761 a 1960 alunos) e grande porte (mais de 1960 alunos).

Page 12: A utilização do livro didático sobo olhar

6desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, dentre outros fatores co-

relacionados no âmbito educacional da sala de aula.

Partindo das reflexões realizadas nos capítulos anteriores, procurou-se no

terceiro capítulo examinar os critérios utilizados pelo Ministério de Educaçâo e

Cultura (MEC) na seleçâo de livros didáticos de matemática, apontando-se algumas

sugestões alternativas de trabalho com o livro-texto no processo pedagógico.

Diante dessas primeiras considerações, salientamos novamente a relevância

do tema abordado, já que os resultados obtidos através da realização desse trabalho

alcançando-se os objetivos propostos, tomá-le-ão um referencial a educandos e

educadores, contribuindo-se, teórica e/ou metodologicamente, para a reflexão e o

despertar de um real comprometimento com o processo de ensino e aprendizagem

da matemática.

--- --------------

Page 13: A utilização do livro didático sobo olhar

CAPíTULO I

RETORNANDO AO PASSADO

o livro traz a vantagem de a gente estar só eao mesmo tempo acompanhado ... (MárioQuintana, s.d.)

As diferentes formas de comunicação, em especial, a comunicação escrita,

nos dias atuais, é constante e cada vez mais abrangente e necessária, a despeito

das afirmações de certos "futurólogos", decretando a morte da palavra com o

advento dos mídia eletrônicos (calculadoras portáteis, computadores de alta

geração, robótica etc.).

Apesar de tal concepção, a escrita continua ocupando todos os campos da

atividade humana e, mesmo ligada a todas as outras formas de comunicação,

continua desempenhando importante papel nos negócios públicos e privados, na

vida cotidiana e, fundamentalmente, na educação.

No campo educacional, a presença e utilização de materiais escritos (livros,

jornais, revistas, enciclopédias e outros) ocupa uma função excepcionalmente

estratégica, uma vez que mesmo abarcando um conhecimento socialmente

construído pela humanidade ao longo da história, no contexto escolar, esses

materiais podem veicular a ideologia de uma classe, como um fator de manutenção

da ordem estabelecida (SCHEIBE, 1986, p. 20), mesmo que de maneira sutil, sem

nenhum princípio educativo que leve a uma reflexão e apropriação dos

conhecimentos neles contidos.

Nesse sentido, o professor, como mediador do processo ensino-

aprendizagem, acaba trabalhando uma dada situação explicando os termos

desconhecidos e repetindo, com ou sem 'arte', aquilo que já está disponível no texto.

(MACEDO, 1994, p. 24). Esta é, infelizmente, a realidade vivenciada no interior de

muitas instituições de ensino.

Este fator deriva, na maioria das vezes, da falta de um real comprometimento

e reflexão, por parte dos educadores, a respeito do ato de educar, do grandioso

Page 14: A utilização do livro didático sobo olhar

8poder que a educação exerce sobre a vida dos sujeitos, no que se refere à

permanência de transformação ou alienação dos mesmos.

A guisa de esclarecimento, não se pode deixar de ressaltar a presença

(implícita) da política educacional nesse contexto, a projetar a formação dos tipos de

pessoas que uma sociedade necessita, definindo a forma e o conteúdo do saber que

vai ser passado para constituir e legitimar seu mundo. (MARTINS, 1994, p. 9-10)

Tendo-se em vista tais circunstâncias, faz-se necessário e urgente rever não

só as informações contidas nesses materiais impressos, bem como a forma pela

qual os educadores, a partir de uma filosofia própria e/ou estabelecida pela

instituição escolar onde trabalham, estão desenvolvendo sua prática pedagógica sob

a ótica de tais recursos.

Segundo DEMO, o livro didático deve ser utilizado como

material de pesquisa, referência para buscar conhecimento e a reconstrução,instrumento para enriquecer as discussões (...). Deve existir professor que saibaaprender e fazer o aluno aprender. Sendo a aprendizagem processo reconstrutivopolítico, o papel do professor é tipicamente maiêutico (PIatão), não menos decisivo,mas na posição de facilitador. (2000, p. 49)

Em outras palavras, isto significa que a utilização de materiais escritos no

ensino não pode assumir a característica de domesticador, alienador, receituário

único e exclusivo a controlar o processo educativo, mas ser utilizado com o máximo

cuidado, senso de responsabilidade, sensibilidade e perspicácia, para não fazer

deste um motor de controle ideológico, amplamente desejado pela classe dominante

e característica fundamental da política do neoliberalisrno''.

Considerando-se que a comunicação se desenvolve através de meios

múltiplos e cada vez mais diversificados, a educação, cujo objetivo fundamental é a

promoção do homem e, sendo excepcionalmente comunicação, não pode ficar

alheia a estes meios.

Numa ordem crescente de abstração, os instrumentos de comunicação

variam desde as experiências diretas (espontâneas e imediatas), passando por

3 Segundo SADER define-se neoliberalismo como um fenõmeno distinto do simples liberalismoclássico, do século passado (...). Nasceu logo depois da 11Guerra Mundial, na região da Europa e da

Page 15: A utilização do livro didático sobo olhar

9expenencias simuladas, dramatizações, televisão, rádio, chegando até aos

símbolos visuais e verbais. Os meios, o nome o diz, são aquilo que medeia, que se

interpõe entre os pólos da comunicação (transmissor e receptor), são, pois, os

instrumentos que tomam possível a relação comunicativa.

Nesse contexto SAVIANI afirma que:

Esses três elementos (transmissor-meio-receptor) não são, porém, suficientes. Paraque uma comunicação se realize é necessário que haja algo a ser comunicado; épreciso, em suma, que haja uma mensagem. São quatro, portanto, os elementosfundamentais do processo comunicativo: alguém (transmissor) que tenha algo(mensagem) a transmitir a alguém (receptor) que capta a mensagem através de umveículo (o meio). (1980, p. 101)

Dessa forma, poderíamos dizer que a mensagem, para ser captada, necessita

estar ao alcance do receptor. Transferindo tal fenômeno para o interior da escola,

denominamos como elementos principais no ato comunicativo a figura do

transmissor (professor), da mensagem (conteúdo curricular), do receptor (aluno) e

do meio (recursos didáticos, incluindo os materiais impressos).

A esse respeito LUCKESI também comenta que o processo de comunicação

implica um emissor (ou transmissor), um receptor, uma mensagem e um veículo de

comunicação (meio). Para ele, o emissor, no caso da sala de aula, é o protessor;

mas, no caso do livro didático, é o autor daquele material; o receptor é o educando;

a mensagem é o conteúdo transmitido; e o veículo, no caso, é o próprio livro

didático. (1990, p. 143)

Nessa perspectiva, não se pode, todavia, deixar de reconhecer que o meio

não tem sentido se não estiver impregnado de mensagem, do mesmo modo que

esta não tem sentido se não se corporificar ao meio.

O diagrama seguinte ilustra o que foi dito:

América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra oEstado intervencionista e de bem- estar. (1996, p. 09).

Page 16: A utilização do livro didático sobo olhar

10

I MENSAGEM

~TRANSMISSOR RECEPTOR

MEIO

(SAVIANI, 1980, p. 102)

Isto significa dizer que a mensagem se liga imediatamente ao transmissor e

mediatamente ao receptor, ao passo que o meio se liga imediatamente ao receptor e

mediatamente ao transmissor. (SAVIANI, 1980, p. 102)

Nesse enfoque, se a mensagem é determinada pelas condições do

transmissor, o meio o é pelas condições do receptor. Enfatizamos que tais

conhecimentos são necessários ao educador, uma vez que este terá de "descobrir"

os instrumentos (métodos, técnicas e recursos didáticos) capazes de tornar a

mensagem educativa assimilável e compreensível pelos educandos, uma vez que é

ele (professor) o conhecedor da realidade na qual está inserido.

Com base em dados da Psicologia, no que se refere ao desenvolvimento

cognitivo, o ser humano evolui das operações mais concretas para as mais

abstratas. Assim, há necessidade de que o ensino se organize a partir de

experiências diretas, na direção do uso de símbolos visuais (linguagem escrita) e

símbolos verbais (linguagem falada).

Na esfera da variedade de recursos didáticos que a situação histórica atual

oferece para o bom desenvolvimento do processo educativo, embora muitas vezes

criticado, tachado de ultrapassado e fadado a desaparecer, temos a predominância

nas escolas, indiscriminadamente, de um importante instrumento pedagógico de viés

educativo: o livro didático.

Diante deste fato, sem nos remeterrmos, até então, sobre a sua possível

colaboração na consolidação do Currículo Básico para a Escola Pública do Estado

do Paraná (proposta curricular originada em 1990), no auxílio ao trabalho docente,

Page 17: A utilização do livro didático sobo olhar

na construçao aa con:Sl,;It::::IIl,;ICI vi luva uv a,•..•, 'v, " •..•~~~·_··--T-- ---

científico-filosófico, passaremos a delinear algumas considerações relevantes a

respeito desse suporte pedagógico que é elemento estimulador para docentes e

discentes no sentido de aguçar-Ihes a capacidade criadora, levando-os à descoberta

e uso (e não à simples parametrização) de novos recursos, através de sugestões

múltiplas e ricas.

1.1 Livro: conceituação, origem e evolução

é'é'

r

Para uma análise mais profunda a respeito da(s) função (ões) do livro (seja

ele didático, literário ou de qualquer outra espécie) no contexto educativo,

consideramos oportuno e necessário clarificar o seu real significado.

Podendo ser entendido como certo número de folhas impressas ou

manuscritas, dobradas e costuradas, revestidas por uma capa de papel, cartolina,

papelão, couro ou outro material (PAPE, s.d., p. 1747), os livros assumem papel

preponderante para a tomada de conhecimento dos mais variados assuntos contidos

em dicionários, enciclopédias, bíblias entre outros.

Convém enfatizar que todos esses materiais representam um poderoso fator

de transformação ou alienação cultural. Isto significa que, no contexto escolar, o livro

(em especial), como linguagem escrita utilizada pela grande maioria de professores

e alunos, pode funcionar como um verdadeiro "modelo" ou "receituário" a controlar

todas as atividades de ensino-aprendizagem da escola, desde que não se tenha

uma atitude crítica perante tal instrumento.

Nessa perspectiva, JÓiA et ali (1992, p. 107) é enfático ao afirmar que o livro

não pode ser concebido como um produto pronto e acabado a ser utilizado pelo

professor, mas sim parte do processo de formação dos alfabetizadores e do

processo de aprendizagem dos alfabetizandos.

Dessa forma, toma-se conveniente que o livro seja visto como um material de

apoio, um complemento pedagógico auxiliar no trabalho desenvolvido por

professores e alunos no contexto do processo educativo, fazendo-se necessário,

sempre que possível, confrontar a realidade apresentada pelo livro-texto com aquela

vivida pela clientela escolar no seu cotidiano.

Page 18: A utilização do livro didático sobo olhar

r

12A presença do livro, como um meio de comunicação escrita, é muito

primitiva uma vez que, segundo relatos históricos, a região da Mesopotâmia, atual

Iraque, foi palco do aparecimento do homem civilizado, cerca de 5.000 anos atrás,e

onde povo sumério inventou e desenvolveu o primeiro sistema prático de escrita,

chamado cuneiforme.

O nome cuneiforme deriva da forma de cunha dos marcos produzidos na

argila por meio de um estilete de bambu aparado na ponta, em forma triangular. O

uso desse sistema variava desde a cópia de textos religiosos e documentos

governamentais, até receitas de bolo e cartas de amor.

A biblioteca do Palácio de Nínive, desenterrada em 1850, por arqueólogos

ingleses, criada durante o reinado de Assurbanipal, rei da Assíria, reúne a mais

importante coleção de material cuneiforme com cerca de 25.000 tabletes de argila,

contendo textos de natureza literária, religiosa, médica, astronômica e matemática,

ao lado de títulos de propriedade e cartas oficiais.

Todos esses caracteres evoluíram dos pictogramas (figuras que

representavam uma idéia), criando-se, dessa maneira, o embrião que viria se

constituir em alfabeto.

Segundo pesquisas desenvolvidas ao longo da história, devido à necessidade

de comunicar-se, o homem parece utilizar equipamentos de ensino praticamente

desde que surgiu a escrita (aproximadamente em 3.500 a.C.). Com o aparecimento

da escrita fonética (na qual cada símbolo representa um som), aproximadamente em

3.000 a.C., o uso da escrita e dos equipamentos de ensino adquirem uma

importância fundamental.

Nesse sentido, é interessante ressaltar que, após o século XV (com o

aparecimento do papel e da imprensa) e até o início do século XX, o livro era

equipamento usado quase que somente pelo professor, sendo o assunto

apresentado verbalmente ao aluno, com exercícios e testes principalmente orais,

resultando num menor uso dos equipamentos de ensino. Outro dado curioso é o fato

de, nessa época, grande parte do ensino ocorrer para grupos de menos de 10

alunos, desenvolvendo-se principalmente nas casas dos pais e nas áreas rurais.

Dentre os vários equipamentos de ensino surgidos após o aparecimento da

escrita, hoje em desuso, podemos mencionar:

Page 19: A utilização do livro didático sobo olhar

13

(1) Tabuinha de barro: usada (...) aproximadamente em 3500 a. C. na Mesopotâmia,permanecendo em uso durante muitos séculos. Para riscar o barro era usado um"lápis" de madeira com ponta de cobre. Devia ser usada como "livro-texto",copiado pelo aluno para estudar em casa e para exercitar escrita em aula e emcasa; e para escrita pelo professor, a fim de usá-Ia como cartilha no ensino deleitura de palavras.

(2) Folha de papiro: tipo de papel produzido no Egito Antigo, desde cerca de 2000e.C; usado durante séculos até a Idade Média (século 11I),quando o Egitopassou ao domínio muçulmano. Seu emprego deve ter sido apenas como"ceniine" para o ensino de leitura de palavras e como "livro-texto" do professor,devido ao seu alto custo.

(3) Pedaco de pergaminho: feito de pedaço de couro de animais, cujo uso aumentoua partir do século 11I,quando o papiro cessou de ser enviado do Egito para aEuropa. Seu emprego era idêntico ao do papiro, e também limitado, devido aoalto custo. Surgiu no litoral oeste da Asia Menor (em Pérgamo) antes de 1000 a.C., sendo usado na Grécia Antiga e na Europa.

(4) Livro de papel de trapos escrito a mão: usado desde o aparecimento do papel detrapos, no século X, até a invenção da imprensa no século XV.

(5) Livro de papel de trapos impresso: apareceu na Alemanha no século XV (u.)passando a ser o mais usado, em face do menor custo, até o século XIX, quandose descobriu o papel de celulose. (DA VEL, p. 22-25)

Apesar de não fazermos menção, outros equipamentos de ensino (ANEXO

111), também hoje em desuso, foram largamente utilizados pelo homem como recurso

potencializador das ações educacionais desenvolvidas naquele momento histórico.

Continuando a abordar a questão do livro no meio das civilizações, é notório

destacar que os primeiros livros em xilografia (gravura em madeira) surgiram na

China no século VI e cinco séculos mais tarde, na Europa.

Através do invento de Gutenberg, em 1436, isto é, do processo de impressão

com tipos móveis, conseguiu-se, a curto prazo, a difusão da cultura, até então

concentrada nas mãos dos clérigos, pois os livros eram cópias manuais executadas

nos mosteiros.

Mosteiros e conventos medievais tinham, quase sempre, bibliotecas, as quais

foram um grande centro de produção de manuscritos. O trabalho dos monges ia

desde a confecção do pergaminho até a encadernação do códice (livro),

representando um autêntico trabalho manual. Foi somente com o desenvolvimento

das bibliotecas romanas que a expansão do livro tornou-se possível, uma vez que o

aumento do acervo cultural romano deveu-se à incorporação de bibliotecas gregas

como conquistas de guerra.

Page 20: A utilização do livro didático sobo olhar

14A esse respeito CURI afirma que após a queda do Império Romano,

durante a Baixa Idade Média, o livro permanecerá trancado nos mosteiros, tendo sua

reprodução (...) mantida por monges copistas, dedicados ao texto verbal, e por

monges iluminadores, responsáveis (...) pelos ornamentos gráficos dos manuscritos.

(1995, p. 33)

Dados históricos relatam que do século V ao XII, denominado período

monástico do livro manuscrito, a rotina da cópia se fazia por disciplina, como parte

do trabalho a que os monges se obrigavam por força das normas das ordens a qual

pertenciam. Deveriam, contudo, saber ler, ter livros e ensinar aos noviços a leitura e

a cópia de manuscritos, os quais depois de alfabetizados, tornavam-se também

copistas.

Durante o reinado de Carlos Magno, as escolas monásticas expandem suas

funções, atendendo alunos leigos (e não somente noviços), começando, assim, a

divulgar os manuscritos produzidos nos conventos. Essa divulgação é totalmente

descentralizada durante o chamado "período leigo do livro manuscrito" (final do

século XII até o XV) , marcado pelo aparecimento de universidades como a de Paris,

Oxford, dentre outras, que passaram a fazer do processo de circulação e reprodução

do livro, seu instrumental efetivo de trabalho; característica essa ainda presente nos

dias atuais.

Tendo em vista que os manuscritos não eram, contudo, de produção e

comercialização regulares e fáceis, para favorecer o acesso ao público surgiram

bibliotecas públicas e particulares.

A esse respeito CURI comenta:

o atendimento à escola não é o único motivador da criação das bibliotecas daAntigüidade Clássica. O prestígio e o poder são motivações mais fortes para muitosgovernantes e colecionadores particulares (...). Piolomeu (...) ao assumir o trono doEgito mostra-se ansioso em aumentar seu poder por meio da posse de livros (...) nacrença de que (...) poderia ter todos os livros escritos na Terra (...). A Biblioteca dePérgamo, rival da Biblioteca de Alexandria, vai desenvolver a técnica da escrita empergaminho e do livro em forma de códice; ambas vão disputar, no mundo clássico, oprestígio de ser o centro da cultura escrita" (1995, p. 32).

Segundo dados remontados ao século VII, ...

Page 21: A utilização do livro didático sobo olhar

15nos mosteiros é que aparecem as primeiras escolas da Idade Média, divididas em

duas categorias: as 'interiores' que preparavam futuros monges e as 'exteriores' -conhecidas como escolas monásticas - que ministravam instrução ao povo. Nelasnão se ensinava a ler nem a escrever. Sua única finalidade era ensinar a doutrinacristã. (CONHECER, s. d., p. 1991)

De uma forma ou de outra, a educação, tanto hoje como no passado, pode

ser considerada como uma conquista social que se caracteriza por um traço

conservador. De fato, ela é o principal instrumento de manutenção das normas de

conduta tradicionalmente aceitas pela sociedade. Apesar disso, a educação influi

poderosamente na evolução dessas normas, renovando sempre as bases da

cultura.

Somente no século XVIII é que os livros de abecedário foram parcialmente

alterados, pela adoção da iluminura (pintura a cores em miniatura), de modo que as

palavras iniciais das palavras representavam animais e objetos domésticos. (PAPE,

s.d., p. 1747 - 1748)

Entretanto, é somente no auge da Renascença que a biblioteca adquire o seu

sentido moderno, a sua verdadeira natureza. É também nessa época que surge,

junto ao livro, a figura do bibliotecário.

Em última instância, aparece a figura do livro no Egito Antigo, o qual era

constituído de folhas de papiro (produto de origem vegetal retirado da planta

Cyperus, que serviu como suporte de escrita durante alguns séculos) unidas e

enroladas em uma vareta formando rolos (chamado, em latim, volumen; sendo

substituído entre os séculos 11 e IV pelo codex) cuja extensão variava de 3 a 6

metros.

Dessa forma, o livro atingiu, gradualmente, sua forma atual, levando o leitor a

modificar sua atitude física, até então dificultada pela necessidade de,

simultaneamente à leitura, enrolar de um lado e desenrolar do outro o rolo de

papiro".(BIBLlOTECA PÚBLICA DO PARANÁ,s.d.)

Atualmente, os livros apresentam elevado grau de aperfeiçoamento,

importância e uma tipologia bem diferenciada, conforme relata GONZALES (s.d.) em

seu livro "Didática General":

1- LIVRO-TEXTO ou livro de ensino, devendo conter a matemática a ser lecionada;

Page 22: A utilização do livro didático sobo olhar

162- LIVRO DE TRABALHO, que se destina a estimular e a dirigir o aluno emtrabalhos livres e criadores. Apresenta problemas, mostra experiências, provocaobservações, a formação de coleções e a realizaçãode desenhos, exercícios, etc.São os "Workbooks"dos americanos;3-L1VRODE VIV~NCIAS, que busca identificar o leitor com as cenas relatadas,sempre de fundo educativo. Procurando realizar um ensinamento vivo de amor ànatureza,ao próximoetc;4-L1VRO DE INSTRUÇÃO PROGRAMADA, escrito com base na instruçãoprogramada.Essa modalidadede livrosse aproximabastantedo livrode trabalho, sóque é mais complexo, uma vez que também conduz o educando a aprender,ademais, novosconhecimentose a auto - avaliar-se. (in: NÉRICI,1973, p.140-141)

Dentro desse contexto, passaremos a abordar algumas questões

concernentes exclusivamente ao livro didático, uma vez que é o recurso didático

mais presente na práxis pedagógica desenvolvida no âmbito da maioria das

instituições escolares.

1.2 História do Livro Didático

Surgido há mais de quatro mil anos, o livro-texto permite que mensagens,

nele escritas, sejam reproduzidas, multiplicadas, levadas de um lado para o outro e

decifradas por qualquer pessoa, no mínimo, alfabetizada.

Apesar de ter sido preconizada a superação da civilização da escrita pela

civilização da imagem, do som e das modernas tecnologias de informação( CD -

ROM , Word Wind Web, etc) , o texto impresso, segundo estudos realizados por

LIMA (1987,p.17) parece ter sido a grande revolução tecnológica do sistema

escolar - industrialização e produção em série do texto escrito no papiro e no

pergaminho.

Esta constatação pode ser facilmente observada no contexto escolar, uma

vez que o livro didático é o recurso pedagógico mais acessível a professores e

alunos e o meio básico de comunicação.

Nos dias atuais, ampliou-se muito o circuito de circulação da informação, com

uma maior demanda de produção e "liberdade" de pensamento, uma vez que,

segundo análise de LlBEDINSKY (in:LlTWIN,1997, p.134) em tempos anteriores a

imprensa (...) o estudante era uma espécie de redator- editor no sentido (...) de

Page 23: A utilização do livro didático sobo olhar

17autor clássico escrito pelos estudantes deixando espaço para interpretação que

dite o professor, a qual poderá se inserir entre linhas .(Me LUHAN, 1982)

Estas constatações explicam porque o mercado de livros era um mercado de

segunda mão, bem como o costume do "ditado" nas escolas, características da

escassez de textos e custo de livros manuscritos.

O livro didático, como primeiro meio de ensino e primeira mercadoria

produzida em série (no início, de uso exclusivo das elites dirigentes), na questão do

debate pedagógico informal, sempre e mesmo que implicitamente, foi alvo de

críticas profundas ou superficiais.

Estando situado em meio ao tenso panorama das políticas públicas

educacionais e a prática escolar, e como o único instrumento acessível à maioria

dos professores de nossas escolas (públicas) - seu plano de trabalho e o

orientador de suas ações, e a única publicação a que tem acesso o aluno na escola

(pública) na esmagadora maioria dos casos, consideramos importante tecer

algumas considerações pertinentes ao livro didático no decorrer dos tempos.

Esta observação fundamenta-se no fato de os livros não serem somente um

sistema de distribuição de conhecimentos, mas o resultado de atividades, batalhas

e compromissos políticos, econômicos e culturais, de forma que o modo de

produção dos mesmos refere-se às condições sociais, culturais e técnicas em que

estes são elaborados.

Desta forma, cada livro respondendo a um projeto editorial, autoral, gráfico e

didático pode se integrar apenas parcialmente a um projeto político-pedagógico

determinado.

O professor na escola brasileira cada vez mais tem organizado suas aulas a

partir das informações contidas nos livros didáticos, entendendo-os como "tábua

de salvação" para ocultar os graves problemas do processo educativo,

manifestando assim, mesmo que implicitamente, um real descompromisso com a

educação a partir da utilização única e exclusiva deste material impresso (muitas

vezes híbrido) no processo de ensino -aprendizagem.

Pode parecer chocante e até inadequado tais colocações, uma vez que o

papel do educador é o de (ou pelo menos deveria ser) promover, auxiliar e

Page 24: A utilização do livro didático sobo olhar

18contribuir (diretamente ou indiretamente) para uma real formação integral dos

educandos.

Nas palavras de MACHADO (1999,p.245), o professor (...) vive

freqüentemente sob o julgo de um livro determinado por condições objetivas de

mercado (...) há muito se transformando em um usuário até certo ponto acrítico do

livro.

Embora o reconhecimento do trabalho do professor não seja satisfatório,

expresso em grande parte pela precariedade da remuneração salarial, bem como

devido à rotina exaustiva de trabalho e inexistência de espaço para estudo,

reflexão e relatos de experiências ou 'incidentes críticos' pelos quais o professor

passou ou esteja passando (RIBAS,2000,p.35), é lamentável que o livro didático

desempenhe papel (extremamente) contrário à sua real função.

Através desta colocação não estamos nos referindo à abolição do livro

didático do contexto escolar, mas enfatizando a importância de utilizá-Io como um

dos veículos (meios) auxiliar para se transmitir a mensagem educativa necessária à

socialização dos educandos.

Nessa perspectiva, acreditamos que sem uma reflexão radical, rigorosa e de

conjunto (exigências da reflexão filosófica), será difícil realizar uma confrontação

com a práxis educacional e com os princípios fundamentais que permitem avaliar o

alcance da problemática do livro didático.

Para melhor clarificar a presença do livro didático na história da educação

brasileira, este será entendido como um material impresso, estruturado, destinado

ou adequado a ser utilizado num processo de aprendizagem ou formação.

(OLIVEIRA, 1984,p.11)

Mas é preciso cuidar para que a falta de conhecimento do Currículo Básico (já

referenciado anteriormente), a ausência de percepção de que o livro didático

contém uma concepção pedagógica, muitas vezes, contrária ao Currículo Básico e

à pedagogia histórico-critica (Saviani) não leve a uma simples aceitação do

marketing, do modismo, do facilitarismo, do consumismo, do apostilismo.

Nesse sentido, se abandonar o livro didático é difícil, por que não começar a

refletir sobre o melhor uso que se pode fazer dele? Talvez o mais importante não

Page 25: A utilização do livro didático sobo olhar

19seja trocar o livro adotado e, sim, mudar substancialmente o modo como é

empregado. (MEKSENAS, 1991, p.27)

Desse modo, para que tenhamos a efetivação desse procedimento, há que se

mudar a concepção que temos de homem, mundo, conhecimento, sociedade e

cultura, bem como rever o currículo dos cursos de formação inicial de professores e

os critérios utilizados pelos autores de livros no tocante à sua elaboração.

Conclui-se, então, que ...

Se tomarmos o papel do livro didático, mesmo metaforicamente, enquanto 'arma'parece-nos que o sucesso residiria em saber manejá-Ia, manipulá-Ia bem. Caberia,assim, ao professor lidar com o livro didático e demonstrar que tem habilidade pararealizar essa função. (SOUZA apud CORACINI, 1999,p.93)

É preciso, entretanto, dentro do universo escolar da situação didático-

pedagógica atentarmos para os lugares e posições que, em sala de aula,

professores e alunos ocupam em relação ao livro didático.

Diante do exposto, parece-nos conveniente não só refletir sobre essas

questões, mas inclusive sobre as funções do livro didático, sejam elas pedagógica,

econômica, político -pedagógica, o papel do Estado e a política editorial.

Como mediador do processo ensino-aprendizagem, o livro didático está

presente na educação formal brasileira, pelo que se tem conhecimento, desde o

século XIX,

período em que as escolas, similares aos modelos escolares que conhecemos hoje,começaram a ser implantadas em maior escala nos países ocidentais, os primeiroslivros didáticos surgiram nas escolas de elite como única forma autorizada pelascomunidades, com a função de complementar os, até então, hegemônicos elegítimos textos sagrados. Naquela época,a tradução de livros didáticos para finsespecíficos não significava uma genuína preocupação com a autonomia intelectualdos alunos, uma vez que a prática pedagógica estava essencialmente caracterizadapela memorização e recitação.( OLIVEIRA, 1984,p.26)

Segundo os acontecimentos históricos, é a partir da Revolução Industrial que

o livro didático passa a assumir mais representativamente um papel de importância

nas questões relacionadas à aprendizagem dos alunos e à política educacional.

Somente a partir de 1930, ocorreu no Brasil a divulgação e viabilização do

livro didático. O contexto político-econômico, do período revolucionário, e a

Page 26: A utilização do livro didático sobo olhar

20necessidade de controle ideológico do povo, são fatores determinantes de sua

história. Assim como foi também a partir deste período que se desenvolveu (...) uma

política educacional consciente, progressista, com pretensões democráticas e

aspirando a um embasamento científico. (FREITAG, 1989,p.12)

A história do livro didático no Brasil passa por inúmeras fases, descritas por

vários autores, os quais salientam a relevância do tema não só no Brasil, mas no

resto do mundo, vinculando a discussão ao contexto geral do sistema educacional e

à produção educacional e literária do país nos vários períodos.

° livro didático não possui uma história própria no Brasil, pois as mudanças

que ocorreram não foram geradas por grupos diretamente ligados ao ensino, mas

foram resultados de decretos, leis e medidas governamentais. Tais mudanças nem

sempre buscaram atender necessidades de uma escola que se pretendia popular,

mas sim a interesses de gabinete.

Segundo CARVALHO, a história da vulgarização do livro didático no Brasil

pode ser dividida basicamente em três fases e, ao mesmo tempo que reflete os

períodos de mudanças político - econômicas, vem a ser suporte ideológico para tais

mudanças, através da Educação. (1995,p.15)

A primeira fase, entre as décadas de 1930-1960, é marcada pelo início da

produção nacional do livro didático como conseqüência da queda da moeda

brasileira no mercado internacional. Esta queda foi provocada pelo movimento de

revolução interna, sendo este, reflexo da crise mundial de 1929.

Durante o Estado Novo, cria-se a Comissão Nacional do Livro Didático

(CNLD), que se insere num rol de medidas visando à reestruturação e ao controle

político-ideológico de todo o sistema educacional brasileiro, garantindo assim a

centralização de toda a produção e comercialização de livros didáticos.

A segunda fase compreende as décadas de 60 a 80, quando a política do

livro didático continua centralizada para o atendimento dos interesses econômicos

internacionais sobre o Brasil.

Neste período da história, ocorre a instalação e manutenção do regime militar

que requer táticas de repressão política, inclusão econômica e alienação cultural,

justificando as diversas iniciativas ligadas ao livro didático, dentre as quais se

destacam:

Page 27: A utilização do livro didático sobo olhar

• acordos e convênios MEC/SNEUUSAID - Ministério de Educação e Cultura e

Agência Norte- Americana para o Desenvolvimento Internacional, cuja ação, no

conjunto de medidas adotadas pelo regime militar em 1964, era o controle dos

materiais de ensino e dos conteúdos através da disciplina de Educação Moral e

Cívica e dos livros didáticos produzidos (MOLL apud CI~NCIAS &

LETRAS,1997,p.192);

• criação da Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático - COLTED;

• criação da Fundação Nacional de Material Escolar - FENAME;

• criação do Programa do Livro Didático - PUD;

• instituição da Fundação de Assistência ao Estudante - FAE.

Tais exemplos revelam o caráter da política oficial centralizadora e

assistencialista em relação à produção e distribuição do livro didático. Política esta

que aos poucos se rompera, à medida que ocorriam pressões sociais por mudanças

políticas e sócio-econômicas para a redemocratização do país.

Vivemos, atualmente, a terceira fase da história do livro didático no Brasil, a

partir de meados da década de 80, com a abertura política que possibilitou a

pequena ação do Comitê de Consultores para a Área Didático - Pedagógica, pois ...

rapesar dos amplos poderes concedidos (no papel) (...) a atuação do comitê serestringiu a algumas sugestões (...) sendo parcialmente integradas no decreto 91.542de 19/08/85, assinalado nos primeiros meses da euforia da Nova República (...).A nova legislação procura corrigir algumas (...) anomalias (...) e busca adescentralização administrativa do Programa Nacional do Livro Didático, sugerindoque a escolha seja feita pelo professor que o utiliza em sala de aula (...). Em nívelfederal fortaleceu-se (...) a idéia e a prática do livro DURÁVEL, de boa QUALIDADE(...). O Programa Nacional do Livro Didático instituiu o livro reutilizável .(FREITAG,1988,p.17-18)

r

Dessa forma, o livro didático, material de grande relevância na educação

brasileira, constitui-se em um fator positivo, a partir da '''vulgarização'' do saber por

seu intermédio e das pequenas melhorias que recebe através das mudanças

educacionais, mas constitui-se, ao mesmo tempo, em fator negativo, pelo seu

constante atrelamento aos interesses econômicos, políticos e ideológicos elitistas

(nacionais e internacionais) , não contribuindo para que haja uma "verdadeira

educação".

r

r

Page 28: A utilização do livro didático sobo olhar

22Esta afirmação é comprovada pela realidade atual da educação brasileira,

no que se refere à baixa qualidade do ensino oferecido a uma pequena minoria da

população, e pelos altos índices de analfabetismo e evasão escolar. O que ocorre é

um grande afunilamento percentual no grau de escolaridade dos brasileiros.

Nesse contexto educacional, no qual o livro didático desempenha o papel

preponderante, convém salientar que o histórico e a política em torno do mesmo

denunciam o papel ideológico por ele exercido através da educação, a partir de sua

vulgarização, na década de 30 até os meados da década de 80, com a abertura

política e florescimento de idéias educacionais inovadoras, até então descartadas

em função do regime ditatorial.

Durante o período acima referido, o livro didático foi usado como um

importante veículo de alienação, relação social de poder, depositário de uma

verdade sacramentada a ser assimilada e compartilhada por professores e alunos,

limitando e até impedindo sua criatividade, tendo em vista a situação da crise

político-econômica do país e sua dependência externa.

Nessa perspectiva, CARMAGNANI (in: CORACINI, 1999, p.46-47) salienta os

momentos mais significativos no tocante à presente discussão:

a) A partir de 1930 - o compêndio nacional (livro didático) passa a ser produzido tendo

em vista o encarecimento dos livros importados;

b) 1938 - criação de uma Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) que (...) tinha

mais a função de um controle político-ideológico do que uma preocupação didática;

c) Década de 60 - assinatura dos acordos MEC-USAID que, dentre outros objetivos,

possibilitaria a distribuição de milhões de livros didáticos no Brasil gratuitamente.

(Observava-se) (...) o controle americano nos vários níveis da escola brasileira, (pois)

(...) os livros produzidos no Brasil sofriam um controle rígido de conteúdo;

d) Início da década de 80 - novas medidas governamentais acabaram por centralizar

as medidas relativas ao ensino (...), à seleção e distribuição de livros didáticos. Os

problemas advindos (...) são: distribuição inadequada de livros (desrespeito a prazos,

quantidades etc.); lobbies das empresas e editoras junto aos órgãos que selecionam

os livros; autoritarismo nas delegacias regionais e secretarias estaduais de educação

na escolha do livro didático (...).

Page 29: A utilização do livro didático sobo olhar

23Diante dessa realidade, surgem as apostilas, primeiramente nos cursinhos

preparatórios para ingresso na universidade, e posteriormente no ensino escolar,

que as popularizou por possuírem, muitas vezes, qualidade(s) nem sempre

presente(s) nos livros didáticos, tais como atualidade, custo, adaptação ao exame

vestibular, didática e modernidade. (CORACINI, 1999, p.47-48)

Com base no exposto, independentemente do (s) material (is) didático (s)

utilizando (s) no âmbito escolar, faz-se necessário analisá-Ios quanto aos seus

objetivos, cabendo ao professor refletir de forma crítica sobre o grau de eficácia e

eficiência de tais recursos, sem ocultar as condições e contextos históricos em que

os mesmos são (foram) elaborados.

Diante da tamanha importância assumida pelos livros didáticos na educação

brasileira, torna-se relevante abordar o histórico da política desse recurso

pedagógico, uma vez que estes se evidenciam como importantes conforrnadores de

preconceitos, ideologias e modos de epreensêo social. (OUVEI RA, 1984, p. 16)

O debate sobre a situação do ensino brasileiro (amplamente difundido na

década de 30) e do livro didático em todo o processo educacional, desde o

"Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932" (fruto da IV Conferência

Nacional de Educação, promovida pela Associação Brasileira de Educação),

passando por discussões mais acentuadas na década de 50, tem tido grande

repercussão até os dias atuais, uma vez que...

em especial no 1" grau, tudo é feito de acordo com o conhecido 'livro do mestre' ou'manual do professor'. As professoras fazem destes livros didáticos (...) o 'carrochefe' do seu trabalho porque não possuem condições aceitáveis de trabalho esalário e, muito menos, formação adequada para a realização de um bom trabalhoem sala de aula. (PRETTO, 1995, p. 41)

Com vistas a analisar os valores e/ou ideologias veiculados nos livros

escolares e na estrutura organizacional das escolas brasileiras surge, em dezembro

de 1932, durante o governo do presidente Getúlio Dornelles Vargas, um "Manifesto"

encabeçado por Fernando de Azevedo (entre outros 26 educadores) que

considerava dever do Estado tornar a educação obrigatória, pública, gratuita e

Page 30: A utilização do livro didático sobo olhar

24laica(. ..), criticando o sistema dual (que destina uma escola para os ricos e outra

para os pobres) e reivindicando uma escola básica única. (ARANHA, 1989, p. 245)

O despertar de ações dessa natureza é muito importante, uma vez que

representa a tomada de consciência da defasagem entre a educação e as

exigências do desenvolvimento.

Segundo relatos históricos, essa discussão veio ganhando espaço tanto no

âmbito acadêmico como em nível do Congresso Nacional, na Câmara dos

Deputados (cujos primeiros pronunciamentos sobre livro didático datam de 1955)

enfocando, basicamente, três grandes questões: a durabilidade do livro, associada

ao constante trocar de livros de ano para ano; a utilização do livro didático em sala

de aula; e o conteúdo, isto é, o que é passado como conhecimento nos textos.

(PRETTO, 1995, p. 39)

Apesar dessas reflexões, é notório a presença marcante do livro didático no

interior das escolas a comandar todas as etapas do processo eduçativo.

Nesse sentido, poderíamos concluir que o livro-texto funciona como uma

espécie de "currículo substituto" a controlar toda a ação do trabalho desenvolvido

pelos docentes. Este material parece apresentar todas as concepções políticas,

sociais, científicas, culturais e pedagógicas suficientes e necessárias para o bom

desempenho da prática pedagógica e para a 'formação' dos educandos, ocupando

os docentes um papel acrítico frente a tal recurso.

Isto é decorrência inclusive de, no Brasil, diferentemente de outros países do

mundo, nos quais equipes de cientistas e pedagogos, técnicos de editoração,

associação de pais e mestres (APM), organização de alunos, o Estado participar

ativamente na definição do conteúdo dos livros, na sua produção e distribuição.

Tendo em vista as discussões acerca da temática em questão, parece-nos

bastante profícuo revisar os diferentes usos e enfoques que a comunidade

educacional deu (e tem dado) aos materiais impressos, em distintos momentos

históricos, uma vez que tal tratamento permitirá enriquecer a análise e contextualizá-

Ia.

No Brasil, embora existam alguns entraves quanto à diminuição de verbas

destinadas aos setores de educação e cultura, falta de vontade política, desvio de

cifras exorbitantes arrecadadas com os altos impostos pagos, a falta de cultuação ao

Page 31: A utilização do livro didático sobo olhar

Utl 'U"yaU uv vII';:'" Ia. "" ""v ••••,..,. -, •__ •. _ ••...• __ . P -.;;;r

sua identificação, o aluno desabitua de ler e de pesquisar, em conformidade com a

Lei nO9.610 de 19 de fevereiro de 1998, que protege o direito dos autores de livros.

A complementação desta afirmação pode ser constatada nas palavras de

LlBEDINSKY:

Os livros, dicionários, enciclopédias, ensaios, manuais, informes etc, entram e saemda cena educativa com diferente freqüência segundo sejam os estilos de ensino e aspreferências de educadores. Para ser sinceros, lamentavelmente, dada a situaçãoeconômica crítica de nosso país, os que mais entram ou saem são retalhos de todoseles na forma de xerox - todos iguais, eles - sem as marcas do livro inteiro que Ihesdeu origem, tendo perdido no caminho as cores das capas, os títulos dos capítulos,os índices, a bibliografia, sem falar do nome ou dados biográficos do autor. (apudLlTWIN, 1997, p. 101)

No entanto, mesmo com a presença das chamadas "novas" tecnologias

educacionais, em que se enquadram o fax, o correio eletrônico, os softwares

educativos (LOGO, CABRI GEOMETRE,etc) no ensino, é preciso não deixar de

tomar uma postura crítica e reflexiva frente a tais recursos e aos materiais impressos

disponíveis, nem aos escassos investimentos com que contam os projetos

educativos em desenvolvimento.

É preciso, porém, não esquecer que o livro-texto ainda é o recurso didático

mais utilizado no contexto da realidade escolar atual.

1.3 O Livro Didático de Matemática

Dentro do panorama mencionado até o presente momento, focalizamos o livro

didático dentro de um contexto geral, sem nos referirmos, particularmente, à sua

utilização como recurso educacional para o ensino de uma disciplina específica.

Observando que, na maioria das vezes, a ação pedagógica dos professores

se orienta por modelos, planejamentos ou até mesmo prescrições do livro didático;

convém ressaltar que, no processo de ensino-aprendizagem da matemática, o livro-

texto, salvo raras exceções, parece ser o único instrumento de trabalho de alunos e

professores. Nessa condição, o livro constitui-se em referencial indispensável para

quem deseja saber como a matemática chega à sala de aula. (IMENES, 1989, p. 65)

Page 32: A utilização do livro didático sobo olhar

27Nesse contexto, é através da análise do desenvolvimento histórico do livro-

texto e da evolução da Matemática enquanto produção humana, que poderemos

identificar claramente a(s) concepção (ões) de matemática que inspira (rn) o seu

ensino na atual realidade escolar brasileira.

Geralmente, os estudantes quando se debruçam sobre um livro didático de

matemática, dificilmente, podem imaginar que seu conteúdo seja o resultado de

longa, paciente e árdua história, marcada não somente por descobertas geniais

como também por vacilações e fracassos.

Segundo dados históricos, é possível afirmar que os livros didáticos de hoje

representam séculos de evolução nas matemáticas, desde os rudimentos herdados

das civilizações egípcia e babilônia até desenvolvimentos recentes, nos séculos XIX

e XX, como, por exemplo, a Teoria dos Conjuntos (destaque para John Venn e

George Cantor) ou o uso de computadores em vôos espaciais.

Embora as escolas e os livros geralmente mantenham, até o presente

momento, a denominação Matemática (no singular), para designar as atividades e

disciplinas ligadas a quantidades, formas e grandezas, há várias ciências

matemáticas, as quais encontram-se subdivididas em diferentes ramos, no que

tange à estrutura curricular das escolas.

Nessa perspectiva, DIB (1974, p. 70) afirma que as matemáticas devem ser

tratadas como um conjunto de tópicos que possibilitam a compreensão das idéias

matemáticas.

Para tanto, apresenta a seguinte esquematização:

Álgebra GeometriaAnalítica

Análise Cálculo

Tendo-se em vista que a fragmentação dos conteúdos pertinentes aos

diferentes ramos da matemática são decorrentes de um estilo apenas "didático",

convém ressaltar a importância de professores e alunos terem um real conhecimento

Page 33: A utilização do livro didático sobo olhar

28do binômio "parte-todo" para que assim possam alcançar resultados satisfatórios

em relação ao ensino da matemática.

Reportando-se às origens dos primeiros textos de matemática conhecidos,

constata-se que os mais antigos surgiram na Antigüidade oriental.

Por volta de 1650 a. C., o egípcio Ahmés escreveu um papiro, posteriormente

conhecido como "papiro de Rhind", o qual testemunha a matemática ensinada e

aprendida no antigo Egito, bem como o conhecimento das quatro operações

fundamentais pelos egípcios.

Para a história do livro didático de matemática, a contribuição capital da

Antigüidade clássica pode ser entendida como a sistematização contida nos

"Elementos" de Euclides, obra que reúne uma coletânea de 13 livros sobre diversos

teoremas da geometria, constituindo um dos mais extraordinários casos de

longevidade em matéria de livro escolar.

Escritos em 300 a.C., os "Elementos" foram usados como livro didático por

mais de vinte séculos por apresentarem o conteúdo na seguinte ordem: enunciado,

exposição, construção, prova e conclusão. Esta parecia ser uma esquematização

perfeita.

Desse texto escolar padrão, copias manuscritas em grande número

circularam até o século XV e cerca de mil edições impressas foram publicadas a

partir da invenção da imprensa. A ele é atribuído o caráter lógico, rígido e

sistemático do ensino da matemática.

Segundo 018, durante a fase final da Antigüidade clássica, sob o domínio

político romano, apareceu a 'Syntaxis Mathematica' de Claudio Ptolomeu, de

Alexandria, obra que os árabes, posteriormente, denominaram 'Almagesta' ('O Maior

dos Livros'), que continha os fundamentos da trigonometria de modo tão perfeito que

durante 1400 anos não foi superado. (1974, p. 72)

Pertencem, também, ao fim da Antigüidade clássica dois outros tratados

importantes na história das matemáticas e seu ensino: a "Aritmética" de Diofante

('Pai da Álgebra' que viveu entre os anos 100 e 400) e o "Synagoge" ou "Coleção

Matemática" de Pappus (c. 300).

Page 34: A utilização do livro didático sobo olhar

29A história nos relata que os séculos XVI e XVII foram marcados por

grandes progressos nas matemáticas, em particular, pelo interesse demonstrado

para a história do livro escolar de matemática.

Na perspectiva de DIB (1974, p. 73) isto ocorreu por dois motivos:

Primeiro, porque, graças à invenção da imprensa, no século XV, Portugal e Europaem geral passam a contar com um meio cada vez mais eficiente de multiplicação decópias de texto, deixando, assim, de depender das laboriosas e custosas cópiasmanuscritas. Em segundo lugar, a disseminação da imprensa concorre fortementepara o uso do idioma nacional nos livros, em substituição ao latim, veículo decomunicação comum na Idade Média.

-

Relatos históricos comprovam que os mais antigos livros de matemática em

idioma português datam do século XVI. São, em geral, textos de aritmética, escritos

por licenciados e comerciantes, que respondem à solicitação de caráter puramente

prático. O primeiro destes parece ser o "Tractado da Prática da Arisrnética", do

português Gaspar Nicolas.

A contribuição brasileira para a literatura didática da matemática data de mais

de dois séculos. Em 1744, surge o primeiro livro de matemática, o "Exame de

Artilheiros" (escrito pelo brasileiro José Femandes Pinto Alpoim), que ensinava

aritmética, geometria e artilharia através de perguntas e respostas e algumas

ilustrações.

Em virtude de proibições portuguesas, o Brasil conheceu a imprensa somente

em 1808, graças às providências de Antônio de Araújo (futuro Conde da Barca),

quando da transferência da corte de D. João VI para o Rio de Janeiro.

Os primeiros livros de matemática impressos no Brasil foram os "Elementos

de Álgebra" do suiço Leonhard Euler (1707-1783), bem como os "Elementos de

Geometria" e "Tratado de Trigonometria", do francês Adrien Marie Legendre (1752 -

1833). Em 1812, é destaque também os "Elementos de Geometria Descritiva", do

francês Gaspard Monge (1746 - 1818).

Durante a segunda metade do século passado, a figura de Joaquim Gomes

de Souza - considerado o maior matemático brasileiro - é destaque pelas inúmeras

memórias escritas.

preocupação com rigor ou formalismo matemático. Nessa mesma época, obras

4 Positivismo: Conforme BOGDAN é a corrente filosófica que enfatiza os fatos e as causas docomportamento, cujo principal representante é o grande teórico social Augusto Comte (1994, p. 52).

Page 35: A utilização do livro didático sobo olhar

32como a Aritmética de Condorcet e as Trigonometrias de Lacroix e Legendre,

também ganham repercussão.

Segundo dados históricos, Condorcet elimina de suas explicações as

operações fundamentais da aritmética com números inteiros, elementos de

memorização, fórmulas, tabuadas e exercícios, descrevendo como efetivar as

operações e enfatizando exemplos numéricos no desenvolvimento da teoria.

Nesse mesmo contexto de linha comtiana, surgem as obras de Francisco

Carlos da Silva Cabrita (1890) com uma certa preocupação algébrica e de

demonstração de teoremas, induzindo o aluno ao uso de fórmulas para a resolução

de exercícios propostos; bem como a do engenheiro civil Aarão Reis e Lucano Reis

(1892), excluindo totalmente a proposição de exercícios.

Apesar de o diferenciador existente em cada uma das obras surgidas no

contexto da filosofia positivista, parece-nos que todas, à sua maneira , procuraram

apresentar melhorias didáticas na apresentação dos textos, sem qualquer

modificação de conteúdo.

Ao que parece, de todas as obras existentes, foram as organizadas por

Cristiano Benedito Ottoni (século XIX) - considerado o primeiro autor de livros

didáticos de aceitação e adoção nacional , as que alcançaram maior êxito.

Essa boa receptividade ocorreu uma vez que ...

.as obras de Ottoni seguem uma estruturação clássica: apresentação teórica seguidade exemplo numérico (...) sendo na Aritmética que mais compêndios didáticossurgiram. Quase todos esses livros (...) representaram (...) melhorias didáticas naapresentação dos textos para serem utilizados pelos alunos, sem qualquermodificação na estruturação dos conteúdos já clássicos: Numeração, Operaçõescom números inteiros, Frações, Complexos, Decimais, Divisibilidade, Potências eRaízes, Razões e Proporções, Progressões e Logaritmos. (VALENTE apudCADERNOS DE PESQUISA, 2000, p. 205-206).

É inegável a importância do livro didático de matemática no ensino como

recurso possibilitador de mudanças nos modos de pensar, agir e sentir dos alunos,

levando-os a atingirem determinados objetivos, através de uma consciência crítica e

exploração adequada dos materiais didáticos disponíveis, sem perda de

originalidade.

Page 36: A utilização do livro didático sobo olhar

33Além disso, o livro-texto de matemática, entendido como um instrumento de

aprendizagem utilizado na escola como suporte da programação de ensino, tem

grande valor porque fornece aos alunos experiências indiretas e possibilidade de

estudo independente, uma vez que os conteúdos são apresentados numa certa

seqüência lógica, determinada pela própria disciplina.

Além desse fator, essa aceitação é decorrente de que o livro-texto de

matemática apresenta uma linguagem bem diferenciada daquela existente em textos

de outras disciplinas, em que advérbios, preposições e conjunções (talvez) não

tenham tamanha importância, no que se refere a seu sentido e significado, como têm

nos textos matemáticos. A adequação da linguagem e a pertinência dos conteúdos

são alguns dos critérios que os professores devem analisar para a seleção e adoção

de livros didáticos.

Tal procedimento faz-se necessário, uma vez que dependendo do modo

como for organizado e utilizado, o livro didático pode transformar-se em componente

de criatividade ou de controle, deixando de conduzir o aluno à compreensão,

levando-o a investigar, refletir, concluir, generalizar e aplicar os conhecimentos

adquiridos. (COl TED, s. d., p. 128).

O livro didático, recurso real que o professor 'dispõe' e que o aluno "recebe

gratuitamente" deve estar presente na sala de aula, não simplesmente como um

"guia de instruções" a influenciar toda a dinâmica do processo educativo,

substituindo o trabalho com outros recursos didáticos e a presença essencial e

insubstituível do professor na situação de aprendizagem, mas como um elemento

capaz de levar docentes e discentes a pensarem e interagirem produtivamente com

os objetos de estudo. (ROSSO, 1996, p. 82)

Para que isso se efetive, concretamente, no contexto escolar é preciso refletir

sobre os fatores que influem no (in)sucesso do aluno no aprendizado da

matemática, principalmente, sobre a viabilidade e utilização de recursos didáticos no

ensino, em particular, do livro-texto.

Page 37: A utilização do livro didático sobo olhar

341.4 O Movimento MatemáticaModerna e o Livro Didático

Antes mesmo de nos referirmos às atitudes dos professores de matemática, e

a provável possibilidade de mudanças destas, através da utilização do livro didático

no contexto da sala de aula, torna-se necessário proceder a uma breve retrospectiva

histórica da Educação Matemática - especialmente no que se refere à presença de

materiais impressos - e das propostas de mudanças apresentadas ao longo dos

anos em nosso país.

Em termos históricos, a presença da Educação Matemática como um campo

de estudos é bem recente, especialmente no Brasil. Para contextualizar e

compreender melhor os feitos desta área, faz-se necessário retomar à década de

50 para conhecer a situação política mundial.

Segundo dados contidos na literatura existente sobre a Educação

Matemática, tal movimento parece ter-se iniciado nos anos 50, com o trabalho do

IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura) no desenvolvimento de

atividades para renovação do ensino de Ciências e Matemática e no treinamento de

professores em serviço.

Assim, em 1955 ocorre, em Salvador, o Primeiro Congresso Nacional de

Ensino de Matemática no Curso Secundário e em 57, em Porto Alegre, realiza-se um

Segundo Congresso, não se restringindo, especificamente, ao ensino secundário. É

neste último que percebe-se o surgimento de idéias ligadas à Matemática Moderna.

Em 1958, com o lançamento do Sputnik pelos russos, a paz mundial parecia

ameaçada, o que se constituía em grande desafio para a segurança do então

chamado mundo democrático (constituído pelos países contrários ao regime

comunista implantado na Rússia e suas repúblicas).

Ao que parece, até a década de 50, os livros de matemática existentes

refletiram uma excessiva estabilidade de conteúdo e de metodologia.

Para exemplificar melhor esse fato, DIB (1974, p. 81-82) relata que...

na escola elementar, o conteúdo centrava-se basicamente em numeração, quatrooperações, rudimentos do sistema métrico decimal, frações e introdução àgeometria. Não obstante a existência de apelos no sentido de se dar a devidaatenção aos aspectos de organização lógica e intelectual, os programas e métodos

Page 38: A utilização do livro didático sobo olhar

refletiam dominantemente a concepção do 'uso prauco UéI 1fIi:1!t::/1 laUIJa c;uv v,,~'''v

do tipo expositivo.

Olhando para o interior das salas de aula do mundo de hoje, observa-se que

a situação, praticamente, em nada mudou - apesar de toda tecnologia disponível ,

metodologias e técnicas repassadas em cursos de capacitação de professores -

tendo em vista que grande parte dos professores no seu discurso tentam aproximar

a Matemática da realidade vivida pelos alunos, deixando-a mais 'concreta' (embora a

essência dessa Ciência resida na 'abstração'). A voz do professor continua a

ressoar, mesmo que implicitamente, com maior intensidade no desenvolvimento do

processo ensino-aprendizagem da matemática.

Um amplo movimento de renovação no ensino da matemática, iniciado no

exterior, não tardou em conquistar adeptos no Brasil. Em congressos nacionais de

ensino de matemática, realizados no país a partir de 1955, ganharam terreno as

idéias renovadoras e passaram a ser propostos novos conteúdos e novos métodos

de trabalho, quer no ensino elementar, quer no ginasial. Além dos novos conteúdos,

introduzidos no currículo escolar, houve uma severa reestruturação deste, dando-se

particular atenção à necessidade de envolver os alunos em tipos mais ativos de

aprendizagem.

Já no início da década de 50 surge, então, um movimento com o propósito de

propor mudanças no ensino da matemática sob a alegação de que ainda se

estudava a matemática de 1700 (característica euclidiana).

Eclode assim, no Brasil, um movimento considerado "renovador" - o

Movimento de Matemática Moderna - com o objetivo de influenciar os currículos

escolares, a metodologia de trabalho dos educadores e, principalmente, os livros

didáticos existentes, os quais passaram a apresentar uma "preocupação" excessiva

com a Teoria dos Conjuntos e um cuidado em ressaltar as estruturas matemáticas.

Mesmo com os diferentes rumos que esse movimento tomou, sua característica

unificadora é que mais repercutiu nos livros-texto da época.

Nesse contexto, BURAK (s.d.) afirma que...

o movimento chamado Matemática Moderna contou com a contribuição do grupoBoubarki, além de outros matemáticos como Papy e Dienes. A grande mudançapretendida era "transferir as idéias gerais e unificadoras da matemática a níveis cada

Page 39: A utilização do livro didático sobo olhar

36vez mais elementares". Pretendia-se que as idéias unificadoras se tornassemcompreensíveisatravésda linguagem,a linguagemconjuntista.

Estudando mais detalhadamente o Movimento de Matemática Moderna no

Brasil, observa-se que, na década de 60, firmou-se um acordo do IBECC com as

OAS (Organization of American States), proporcionados por agências americanas de

fomento, para enviar professores de escolas secundárias para os Estados Unidos, a

fim de participarem de programas de formação em serviço nas universidades

americanas. Acontece nesta época, no Brasil, o primeiro curso de formação em

serviço para professores de escolas secundárias, visando à discussão, no país, das

idéias colocadas pelo "movimento renovador' em todo o mundo.

A título de complementação, convém ressaltar que...

desde as últimas décadas do século XIX, começou a se manifestar em diferentespaíses uma preocupação em modernizar o ensino de Matemática desenvolvido nasescolas secundárias, especialmente por meio da introdução de novos conteúdos.Essa preocupação se originou pela percepção de que a Matemática ministradanesse nível de ensino estava em descompasso com as exigências impostas pelonovo contexto sócio-político-econômico, com o desenvolvimento da Matemática edas ciências ocorrido nos últimos séculos e com a estudada nas universidades (...). Acausa do descompasso residia, especialmente, na diferença entre a Matemáticaensinada pelas universidades e aquela ensinada nas escolas secundárias. Enquantoa universidade ensinava os últimos progressos da Matemática, ou seja, a Matemáticasuperior, as escolas secundárias continuavam a ensinar a geometria grega, aálgebra elementar e o cálculo aritmético. (MIORIM, 1988, p. 59-60)

A citação acima, parece, não está muito distante da realidade do atual ensino

de matemática nas escolas brasileiras. Esta afirmação baseia-se no fato

(experiência vivenciada) de que o professor recém-formado, muitas vezes, não

consegue estabelecer a devida relação entre a matemática estudada nos bancos

universitários com aquela presente nos currículos das escolas de Ensino

Fundamental e Médio.

Nesse contexto, a presença do grupo Bouoarki", dos matemáticos Papy e

Paul Dienes, orientando as propostas do Movimento de Matemática Moderna

(predomínio da linguagem conjuntista) contribuíram enormemente para o total

5 Segundo MIORIM, Nicolas Bourbaki foi um nome fictício escolhido por um grupo de matemáticos, namaioria franceses (...) que tinham a intenção de apresentar toda a Matemática de seu tempo em umaobra intitulada "Elementos de mathématique". (1988. p. 110)

Page 40: A utilização do livro didático sobo olhar

37fracasso do ensino da Matemática. Por outro lado, matemáticos eminentes como

Courant, Newmann, Stokes, Birkkof, Félix Klein6 e outros, iniciaram um movimento

de reação à Matemática Moderna, de vez que estavam mais comprometidos com a

Educação Matemática (Filosofia da Matemática e Ensino e Aprendizagem da

Matemática).

Segundo BURAK (s.d.), no contexto dos vários temas debatidos em diversos

congressos internacionais, observa-se que estes (temas) ...

mantém estreita ligação com a concepção de Educação Matemática proposta porHigginson que a concebe como um modelo, cuja imagem seria de um tetraedroformado pela Matemática, Filosofia, Sociologia e a Psicologia. Hoje, já se admite ainclusão da Antropologia, além da Língua (...). As arestas, faces e vérticesapresentadas pelos modelos mostram as interações possíveis entre a Matemática eFilosofia, Matemática e Psicologia, Matemática e Sociologia, Sociologia e Filosofia eoutras combinações possíveis.

A ilustração seguinte procura retratar o que foi exposto:

M Onde:

F: Filosofia

M: Matemática

P: Psicologia

S: Sociologia

p s

Apesar de a Antropologia e a Língua não aparecerem expressas no tetraedro,

convém destacar que ambas, implicitamente, encontram-se inclusas no contexto dos

diversos assuntos pertinentes ao estudo das demais ciências (F, M, P e S).

Prosseguindo com nossa revisão histórica, destacamos que a partir de

outubro de 1961, com a criação do GEEM (Grupo de Estudos do Ensino da

Matemática), fortemente representado pelo professor Osvaldo Sangiorgi, a

6 Félix Klein (1849-1925), segundo MIORIM, foi um dos mais importantes matemáticos do final doséculo XIX e um dos últimos - junto com Gauss, Riemann e Poincaré - a conseguir quebrar abarreira da especialização e fornecer os elementos fundamentais que impulsionariam a Matemáticano século XIX e início do século XX (1988, p. 65).

Page 41: A utilização do livro didático sobo olhar

38Matemática Moderna começou a ser amplamente difundida no Brasil através de

cursos de formação de professores, cujo enfoque era abordar os novos conteúdos

matemáticos que os professores deveriam aprender a fim de poderem ensiná-Ios

nas escolas.

O ano de 1970 é um período marcado por mudanças nos cursos ofertados

pelo GEEM, uma vez que ...

começa a haver interesse não s6 pelo conteúdo matemático ensinado aosprofessores, mas também pela metodologia de ensino destes conteúdos. Como (...)dificuldades (...) conclui-se que o fato dos professores saberem mais e entenderemmelhor conteúdos matemáticos (...) não se traduzia (...) em melhorias no ensino damatemática. ~ daí que nasce o interesse pela questão metodol6gica.Na prática (...) apesar da crescente importância dada à pedagogia (...) osprofessores continuavam totalmente absorvidos pela quantidade de conteúdomatemático que deveriam dominar e, dada a curta duração dos cursos (...) o temponão permitia a cristalização de mudanças nos professores. (SZT AJN apud CANDAU,1998, p. 188 - 189)

No contexto da realidade escolar, observando o que acontece principalmente

em cursos de aperfeiçoamento de professores, constata-se que tais eventos, muitas

vezes, são realizados no intuito de que os professores já saibam ensinar e, portanto,

basta dizer-Ihes "o que ensinar", deixando questões ligadas ao "como ensinar", "por

que ensinar" e "para quem ensinar", salvo algumas exceções, em segundo plano.

Transpondo tais afirmações para a história da Matemática Moderna no Brasil,

e em outros países, constata-se que este movimento foi extremamente conteudista,

uma vez que os matemáticos estavam interessados (exclusivamente) na formação

de mais e melhores cientistas.

Além do aspecto conteudista pertinente ao movimento "Matemática Moderna"

(também chamado por alguns estudiosos de "Didática Moderna", "Matemática

Renovada" etc) , com efeito, o grande e fundamental fracasso deste movimento foi

precisamente o de adotar uma concepção de Matemática bastante dissociada das

aplicações e, como tal, em contradição com o objetivo básico da escola como

preparação à vida. (LIMA, 1991, p. 144)

Apesar de todos os esforços realizados no sentido de minimizar a visão

platônica e temerosa que muitos têm da matemática, esta ainda tem sido

considerada como a ciência das verdades absolutas e imutáveis, em todo seu

Page 42: A utilização do livro didático sobo olhar

39conjunto de teorias e simbologias (muitas vezes excessivas), ocasionando certos

receios e aversões nos educandos, sem que os professores percebam (ou queiram

admitir) que, dessa forma, esta vem se impondo e se desenvolvendo

semelhantemente àquela aplicada na segunda metade do século XX.

É preciso, pois, que o professor não se mantenha fechado às transformações,

mas reflita até que ponto convém aceitá-Ias, tendo em vista a realidade nacional e a

de sua clientela escolar, na medida em que estas facilitem a compreensão e

colaborem no desenvolvimento de um programa curricular adequado às reais

necessidades do atual sistema escolar.

Mesmo com todos os empenhos para reverter a situação conflitante do ensino

da matemática parece-nos contraditório observar (pelas concepções e atitudes

pedagógicas) que grande parte dos professores de matemática estão convencidos

de que a 'didática atualizada' dessa disciplina só é possível quando se ensina de

acordo com a filosofia da chamada "Matemática Moderna".

Em vista disso, BRASIL relata que há, basicamente, dois erros de graves

conseqüências nesta atitude:

1) Deixa-se de ensinar (ou se faz insuficientemente) tópicos fundamentais doconhecimento matemático, alguns por suas aplicações à vida e às ciências e outrospela sua contribuição à formação de uma "mentalidade matemática";2) Não é o simples fato de basear o ensino na "teoria dos conjuntos" que vaimelhorar sua didática. Conhecemos livros e mais livros "didáticos" que fazem dateoria dos conjuntos verdadeiro amontoado de quebra-cabeças inconseqüentes.(1977, p. 15)

Porém, mesmo sabendo do fracasso com que se ensinavam os conteúdos

matemáticos a partir da perspectiva da "Didática Moderna", acreditamos que a

melhoria da qualidade do ensino da matemática não está em privilegiar

determinados conteúdos em detrimento de outros (como se não servissem para

nada), uma vez que o conhecimento matemático apresenta, mesmo que

implicitamente, uma organização lógica indispensável à estrutura, evolução e

aprendizado dessa ciência.

A solução não está, portanto, em privilegiar e/ou excluir conteúdos do

programa curricular, mas descobrir a forma didática de ensinar estes assuntos, de

modo que não se perca de vista que, em última análise, toda a aprendizagem deve

Page 43: A utilização do livro didático sobo olhar

a utilidade prática do conhecimento e a irrelevância do tema dentro da arquitetura da

matemática.

Buscando caracterizar melhor o aspecto negativo da presença da

"Matemática Moderna" no ensino, CURI (1995, p. 38) comenta que no tocante aos

livros, sobretudo didáticos, há nos anos 60 e na década subseqüente o emprego de

recursos gráficos de ilustração, sobretudo os quadrinhos, de modo geral mal

empregados, colaborando mais para a sua estética kitsch do que como uma

linguagem complementar.

A presença marcante do aspecto conteudista do ensino da matemática pode

ser facilmente constatado a partir de uma análise dos livros didáticos escritos

durante os períodos de maior proliferação do Movimento de Matemática Moderna,

embora alguns autores procurassem usufruir de um estilo um tanto menos formal

(...).

Dentro dessa categoria, é possível citar o nome do professor Osvaldo

Sangiorgi - o pioneiro da Matemática Moderna - que entre 1952 e 1970 esteve

ocupando o trono de um dos autores bem mais sucedidos no ramo editorial.

A linha a qual Sangiorgi seguia, procurava introduzir nos textos escolares

conteúdos novos, harmonizando-os com parte dos conteúdos já clássicos e, a partir

da teoria da repartição, segundo a qual todas as operações matemáticas não

passam de um processo de repartir e distribuir grandezas, procurava simplificar os

assuntos (VEJA, 1983, p. 44), sendo também bastante influenciado por autores

europeus.

No ensino ginasial, Osvaldo Sangiorgi, reviu e ampliou a série de livros de

texto que preparara para a editora Nacional, ajustando-a a um esquema de "curso

moderno de matemática". Os livros ganham uma feição gráfica mais atrativa, mais

ilustrações e uma cor adicional para destacar pontos importantes, indicar subtítulos,

facilitar a compreensão das figuras etc.

Outras séries didáticas como "Curso ginasial moderno" surgiram, com a

preocupação de modernizar tanto o conteúdo como a forma gráfica: as séries de

Scipione di Pierro Netto, de Benedito Castrucci, Alcides Boscolo e outras;

Page 44: A utilização do livro didático sobo olhar

41representavam um novo padrão de livro didático para o ensino de matemática em

nível ginasial, publicadas durante a década de 60.

A respeito do ensino elementar, várias iniciativas importantes marcaram a

transição dos livros didáticos tradicionais para os novos tipos de texto. Nesse

contexto, aparecem as figuras de Manhúcia Perelberg Liberman, Anna Franchi e

Lucília Bechara, responsáveis pela série "Curso moderno de matemática para a

escola elementar", publicada pela Nacional (editora).

Nesse sentido, é possível dizer que Sangiorgi é o grande expoente entre os

demais autores de livros didáticos, uma vez que ganhou o Prêmio Jabuti de Ciências

Exatas quando do lançamento do primeiro livro de Matemática Moderna publicado

no Brasil.

Um outro matemático eminente que merece ser mencionado é Benedito

Castrucci, autor de "A conquista da matemática" - uma das quarenta obras didáticas

lançada pela editora dos Irmãos Maristas (FTD), que o consagrou 'campeão do livro

didático' pelo grande número de exemplares vendidos em 1982 (era pós-Matemática

Moderna), ultrapassando inclusive o romancista Jorge Amado no ramo editorial.

Apesar de os diversos livros didáticos de matemática serem elementos

representativos de suas épocas e guardarem em sua essência profundas

semelhanças e pouquíssimas diferenças (de conteúdo), o que, basicamente, os

difere é a metodologia utilizada e a concepção de ensino de cada autor. E dentro

desse contexto, podemos dizer que o segredo de Castrucci, que escreve seus livros

com a colaboração do professor José Ruy Giovanni, está em aproximar o mundo

dos números da experiência cotidiana dos estudantes. (VEJA, 1983, p. 43)

Ainda, dentro do rol de expoentes do livro didático no Brasil, destaca-se a

figura do professor paulista Scipione di Pierro Netto, líder de vendas em sua área ao

longo da década de 80.

A característica principal de suas obras concentra-se na ordem lógica,

psicológica e pedagógica que até então não existia, bem como na ênfase dada à

grande quantidade de exercícios pertinentes a cada um dos capítulos que compõe

seus livros que, segundo ele, parecem viáveis, uma vez que é resolvendo problemas

que o aluno interioriza e acomoda seu conhecimento. (VEJA, 1983, p. 46-47)

Page 45: A utilização do livro didático sobo olhar

42Analisando com cuidado a afirmação de Scipione, verificamos que esta

possui diferentes interpretações.

Primeiramente, a ênfase que a maioria dos professores atribuem aos

exercícios no aprendizado da matemática, torna-se relevante na medida em que

possibilitarem uma real correlação entre teoria-prática e cumprirem diferentes

finalidades como de aplicação, argumentação, construção, comunicação,

descoberta, diagnóstico, fixação, formulação, investigação, pesquisa erepresentação (BIGODE, 2000, p. 15), levando os alunos a uma verdadeira

aprendizagem. Caso contrário, tais atividades tornar-se-ão insossas, totalmente

desprovidas de significado.

A guisa de conclusão, convém salientar que vários textos de matemática

procuravam ajustar-se ao espírito da "Matemática Moderna". Alguns não diferiram

muito, em aparência e conteúdo, dos livros anteriores a 1960. Por outro lado, a

preocupação com a preparação de textos (simples) de matemática para adultos

envolvidos em programas de alfabetização como o MOBRAL (Movimento Brasileiro

de Alfabetização) mostrou-se muito acentuada.

Nesse contexto, observamos em diferentes momentos históricos a presença

marcante do livro didático de matemática a influenciar a ação pedagógica dos

docentes e o aprendizado dos educandos.

Sabendo que grande parte dos livros didáticos existentes veiculam uma

ideologia do conhecimento (muitas vezes) incompatível com o discurso das

tendências atuais da Educação Matemática, distanciando-se da clientela escolar e

até dos professores, preservando os valores da classe dominante, estereotipando e

idealizando a realidade, é preciso não esquecer que estes são, ainda, o recurso

didático mais utilizado por professores e alunos no contexto escolar.

Sendo assim, o livro-texto deve ser considerado como "um entre os vários"

recursos didáticos (não como "o único" meio) de que o professor dispõe para a

realização do ato educativo podendo, quando bem administrado, contribuir

positivamente para o sucesso da aprendizagem.

Muitas vezes, é o livro-texto que recebe a culpa pela precariedade do ensino,

sem que se examinem outras possíveis causas. Isto decorre, apesar de apresentar

r-

Page 46: A utilização do livro didático sobo olhar

43limitações, da falta de perspicácia dos professores em descobrir os modos mais

adequados e estimulantes de empregar este material em sala de aula.

Para tanto, faz-se necessário processarem-se mudanças radicais na postura

do professor: mudanças de valores, de atitudes com relação à matemática como

ciência (seu ensino e sua aprendizagem), de crenças e de concepções das questões

sociais da educação, buscando compreender como ocorre a disseminação e

apropriação do conhecimento via livro didático, tendo-se em vista uma escola

competente e qualificada, preocupada com a qualificação, o bem-estar e o

progresso dos sujeitos envolvidos.

Page 47: A utilização do livro didático sobo olhar

CAPíTULO 11

ANALISANDO A REALIDADE

Do sistema nervoso simpático faz parte,sutilmente, a sujeição ao livro didático.(Ezequiel Theodoro da Silva, s.d.)

No processo escolar, mais especificamente, na abordagem da questão de

conteúdos escolares, é praticamente impossível não fazermos menção ao tema

'material didático'.

Nesse sentido, vale lembrar (uma vez que já abordamos essa temática no

capítulo anterior) que o processo de ensino-aprendizagem exige um processo de

comunicação, o qual é composto por quatro elementos principais - emissor,

receptor, mensagem e meio; e que, ao lado de outros veículos, o livro em geral, bem

como o livro didático em particular, é um meio de comunicação, através do qual os

educandos podem receber inúmeras informações.

Essas informações, quando repassadas pela escola apresentam os mais

variados valores e concepções (na sua grande maioria conservadores a respeito de

diversos elementos da vida social), influenciando, sobremaneira, o comportamento.

É preciso ficarmos atentos às dissimulações ideológicas que permeiam os

conteúdos dos livros didáticos, pois estes - na maior parte das vezes - estão

repletos, implícita ou explicitamente, de ideologias com as quais podemos não

concordar. Necessário se faz que alunos e professores estejam atentos a esses

meandros!

No entanto, isto não significa, de forma alguma, que o livro didático deva ser

um instrumento descartável ao processo de ensino-aprendizagem, pois continua

sendo o recurso pedagógico mais presente e 'utilizado' por professores e alunos nas

escolas particulares e públicas em diversas regiões brasileiras.

Nessa perspectiva, LUCKESI salienta que o livro didático ...

Page 48: A utilização do livro didático sobo olhar

e cultural.

Enquanto tais mudanças não se efetivam verdadeiramente, continua a escola

com o professor como mero transmissor de um saber (formal) socialmente

acumulado e a matemática escolar, portanto, uma série de tópicos a serem

transmitidos, praticados e posteriormente avaliados, sendo o livro didático o principal

guia para esse trabalho.

Dentro desta ótica, enquadra-se também a questão dos professores, forçados

pelos baixos salários, imprimirem a si próprios cargas horárias de trabalho que

chegam a 60 aulas semanais em alguns casos, ficando assim 'impedidos' de se

dedicarem ao devido preparo de suas aulas e à elaboração do material didático,

tornando-se assim alvos fáceis do marketing editorial e "reféns" do livro didático.

A maioria dos professores, escravizados pelo poder de sedução dos livros

didáticos, acabam assumindo uma postura acrítica diante do mesmo, sem se

reportar ao fato de adequar o conteúdo do que se ensina àquilo que os estudantes

sabem previamente, sob o risco de haver impacto sobre os conhecimentos já

adquiridos, ficando o aluno confinado (...), como um burro de carroça obrigado a

olhar sempre para a frente. (LIMA, 1966, p. 56).

Todavia, o livro sempre visou instaurar uma ordem; fosse a ordem de sua

decifração, a ordem no interior da qual ele deve ser compreendido ou, ainda, a

ordem desejada pela autoridade que o encomendou ou permitiu a sua publicação.

De uma maneira ou de outra,

manuscritos ou impressos, os livros são objetos cujas formas comandam, se não aimposição de um sentido ao texto que carregam, ao menos os usos de que podemser investidos e as apropriações às quais são suscetíveis. As obras, os discursos, sóexistem quando se tornam realidades físicas, inscritas sobre as páginas de um livro,transmitidas por uma voz que lê ou narra (...). (CHARTIER, 1999, p. 08)

É nesse contexto que o papel do professor, como mediador dos

conhecimentos formal (apreendidos na escola) e informal (conquistados através das

experiências vivenciadas) torna-se indispensável. É ele o responsável pela

transposição da linguagem utilizada pelos autores de textos, nem sempre acessíveis

Page 49: A utilização do livro didático sobo olhar

47aos alunos, a uma linguagem coerente à faixa etária, estágio de desenvolvimento

e realidade sócio-cultural da clientela escolar a qual se destinam.

Mas, infelizmente, nem sempre o professor consegue fazer adequadamente

essa transposição, seja por lacunas no seu curso de formação inicial, seja pela

filosofia de trabalho da instituição em que leciona (intensamente arraigada aos

interesses da classe dominante) ou, ainda, pelos entraves colocados pelo material

didático (linguagem, adequação, flexibilidade etc) de que o professor dispõe.

Quando mencionamos o termo 'material didático', estamos nos referindo

exclusivamente ao desenvolvimento das atividades pedagógicas via livro didático,

uma vez que este é o instrumento essencial utilizado pelo professor para realizar o

seu trabalho, pois dele são tirados os exercícios, as definições, os exemplos, as

demonstrações e a linguagem a ser usada na comunicação com a classe. (REVISTA

DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA, 2001, p. 45)

Mesmo com a existência de outros equipamentos de ensino, o livro didático

talvez seja um dos mais importantes auxiliares no trabalho do professor,

desenvolvendo o currículo e o conteúdo a ser levado a efeito durante o ano letivo,

parecendo suprir as próprias falhas do professor. (PARO, 1995, p. 232).

No debate pedagógico informal, apesar da polêmica em torno do livro-texto

(ora atacado, ora defendido), é inegável a presença desse instrumental no meio

educativo. Isto porque, muitas vezes (quase sempre) o livro didático é material

através do qual o professor aprende aquilo que vai repassar a seus alunos, uma vez

que o nível, a qualidade de ensino e, conseqüentemente, a formação adquirida pelo

aluno dificilmente serão superiores ao nível e à qualidade média dos livros didáticos

disponíveis, se analisarmos a situação de (sobre)vivência da população de baixa

renda em nosso país, nos dias atuais.

É lamentável esta constatação. No Congresso Nacional continua o balcão de

negócios, com os parlamentares tratando de seus interesses particulares, com as

candidaturas municipais e a perda de privilégios espúrios, impedindo que as

reformas necessárias saiam do discurso e, em alguns casos, do papel.

O panorama atual expressa o total descompromisso político dos nossos

governantes para com o ensino, embora a atual Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (Lei n° 9394/96), em vigor, estabeleça que:

Page 50: A utilização do livro didático sobo olhar

Arf. 2°- A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios deliberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o plenodesenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e suaqualificação para o trabalho.Arf. 22- A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhemeios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. (SINEPE, 1997, p. 04 ;12)

Por outro lado, esta constatação deixa claro que se ficarmos a mercê da

vontade política para que tenhamos um ensino de qualidade, tendo em vista o

progresso da Nação, o desenvolvimento e a inserção dos sujeitos na sociedade com

todos os direitos que Ihes são assegurados por lei, muito pouco há de se esperar

nesse sentido. É hora, pois, de 'saltar de cima do muro', de lutar pelos ideais

almejados transpondo os obstáculos, porventura surgidos. Em outras palavras: É o

momento de arregaçar as mangas e pôr a mão na massa (...).

E, nesse contexto, não é de se espantar que existam professores que,

impelidos por um sentimento de medo, desânimo ou comodismo, permaneçam

passivos perante tal situação, desacreditando em si próprios e na possibilidade de

mudanças, tendo-se em vista os poucos progressos alcançados. Mas é preciso ao

menos tentar! Porém, como realizar esse trabalho sem que haja conhecimento,

esforço, dedicação e tempo suficientes para tal?

Diante desse fato, chamamos a atenção para o papel insubstituível do

professor no processo ensino-aprendizagem e para os recursos pedagógicos

disponíveis para o desenvolvimento da ação docente que, em geral, acontece via

livros didáticos, visto que é ele o "centro" em tomo do qual gravitam todas as

atividades escolares que se sucedem, na ordem de distribuição da matéria e

segundo as suas sugestões metodológicas.

Observando a prática pedagógica dos professores, especialmente do Ensino

Fundamental, verificamos que para eles, resistir ao 'poder de sedução' dos livros

didáticos, apontando o caminho a seguir, parece ser uma missão (quase)

impossível, de forma que no processo de ensino-aprendizagem da matemática,

especialmente, o livro-texto continua sendo a ferramenta de trabalho mais utilizada

por alunos e professores no contexto da sala de aula.

Page 51: A utilização do livro didático sobo olhar

49Constata-se, assim, que os livros didáticos de matemática não tem sido

utilizados como um recurso pedagógico auxiliar/complementar às práticas

educativas. Na grande maioria dos casos, estes costumam servir de receituários, em

que seus índices confundem-se com o programa escolar, substituindo as decisões,

as concepções e os objetivos almejados, reduzindo as possibilidades de formação

integral (aspectos sociais, psicológicos, cognitivos etc) dos educadores deixando,

assim, de exercer sua verdadeira função no ensino que, como todos os outros meios

de comunicação de massa, visa a informar, a educar e a distrair.

Nesse sentido, (MALlCOT apud ARAÚJO, s.d.) ressalta as três funções

básicas que um livro didático de matemática deve exercer:

a) Informativa: fornece ao aluno o conhecimento matemático através de textos,

ilustrações,tabelas, gráficos, etc;

b) Sintetizadora: tanto para o aluno como para o professor é instrumento

necessário, porém, não suficiente, do que ele necessita saber sobre o

conhecimento matemático.

c) Operacional: com atividades e exercícios propiciando testar os conhecimentos

adquiridos, desenvolver habilidades de calcular, de criticar ou capacidade de

julgamento do aluno no próprio livro ou seu prolongamento natural que é o

caderno de exercíciose apontamentos.(in: BOLEMA,1992, p.99-100)

Diante dessa categorização, entendemos que não se pode tratar de

condenarmos ou abolirmos os livros didáticos de Matemática que não incorporam

tais funções, mas de percebemos o grau de importância destes materiais para a

produção do saber dessa Ciência e para o desenvolvimento do raciocínio

matemático dos alunos. Cabe, pois, ao professor, assumir uma atitude crítico-

reflexiva no momento da seleção, adoção e utilização deste instrumento,

entendendo-o como uma "arma" poderosa capaz de anular ou distorcer

completamente fatos, concepções e idéias, se mal administrado.

Analisando, cuidadosamente, o cotidiano escolar e, mais precisamente, o

papel desempenhado pelos atuais livros didáticos de matemática no ensino

constatamos que, se por um lado alguns apresentam um certo 'esvaziamento' de

conteúdo (como a ausência do tópico Equações Irracionais na versão editada em

Page 52: A utilização do livro didático sobo olhar

199U, em relaçao a ae -I~~O, JlU IIVIU IVIC1UjIIlClll\JCl IIQ III •••U.U •••• ..,~ ••••• , .., __ •• _, __

autoria de José Jakubovic ["Jacubo"] e Marcelo Lellis, editora Scipione - SP), de

outro verificamos a inclusão de tópicos especiais - Estatística - na versão editada

em 1999 (dos mesmos autores), seguindo os critérios estabelecidos pelos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN); além do que alguns trazem informações

muitas vezes desnecessárias no contexto da abordagem dos conteúdos.

A esse respeito, NELSON (s.d.) ao desenvolver, nos Estados Unidos, estudos

sobre a qualidade dos livros de ciência de f e 2° graus. afirma que...

há alguns poucos livros bons de matemática (...). A principal crítica aos livros atuais éque são muito superficiais porque são carregados demais de informação. ° idealseria tirar esse peso extra que os alunos não conseguem dominar, de forma afocalizar apenas os conceitos mais importantes (...).O educador deve agir como um cientista, enfocando a tarefa de ensinar como umpesquisador que vai iniciar um estudo: descobrindo primeiro qual o estado da arte noassunto, para em seguida começar sua própria pesquisa. E verificar o resultado: sede fato os alunos aprenderam. (CLlPPING DA EDUCAÇÃO, 2001, p. 10)

Todavia, é mais fácil para o educador acrescentar do que excluir conteúdos

de um currículo escolar. mesmo que estes não estejam atendendo às reais

necessidades da classe discente, às expectativas do professorado nem às propostas

estabelecidas pelos PCN e pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) para o

ensino da matemática; parecendo sufocar o conhecimento empírico trazido pelos

alunos como se não tivessem significado nem fundamento. em detrimento de um

saber sistematizado e formalizado, apresentado, "com ou sem arte", pela escola.

Para tanto. a ação pedagógica deve ir além do que o livro-texto veicula,

buscando um aprendizado significativo e condizente com as

necessidadeslrealidades da clientela escolar, procurando romper as barreiras da

memorização e propiciar condições para a formação de um aluno pesquisador-

questionador.

O progresso da Ciência e da Tecnologia se processa num ritmo tal que a

instrução que hoje ministramos será considerada insuficiente amanhã (...). Nesse

enfoque, parece que a tarefa do futuro é a (auto) educação permanente, sendo os

livros meios indispensáveis no sentido de estimular e favorecer tal comportamento.

Page 53: A utilização do livro didático sobo olhar

51Mesmo entre altos e baixos, a figura do livro-texto no processo educativo

sempre desempenhou papel relevante, visto que em décadas atrás este parecia ser

a "mercadoria" mais "consumida" pela clientela escolar (alunos e professores), talvez

pela inexistência da "parafernália eletrônica" de que hoje dispomos.

É verdade que, ainda em nossos dias, a aprendizagem de conceitos, regras,

fórmulas e teoremas se efetivam, principalmente, via livro didático. Apesar de se

evidenciarem alguns abusos (explorá-Io como se fosse a 'única' fonte de informação)

desse recurso didático, não há dúvida de que ele ainda continuará a ser, durante

muitos anos, um prestimoso auxiliar da aprendizagem. (MORAES, s.d.)

Baseados nessa afirmação não estamos querendo fazer apologia 'exclusiva'

do mesmo, da forma como era feito antigamente pela maioria dos professores e,

atualmente, por alguns; mas enfatizar que, se convenientemente usado, pode ser

um instrumento importante para o ensino da matemática.

Sabendo que é uma tarefa difícil a organização dos livros didáticos de

matemática, entendemos que estes devem oferecer aos alunos o conhecimento, não

na sua forma cristalizada, mas numa forma atraente e significativa, capaz de

conduzi-Ios a uma autêntica aprendizagem.

Entretanto, salientamos que a escola não pode ficar alheia ao (bom) uso das

demais tecnologias de informação (calculadoras portáteis, computadores etc) , mas

dentro de um contexto apropriado, no qual o livro-texto, deixando de ser o eixo em

torno do qual se baseia todo o processo educativo, passe a ser entendido como um

instrumento de auxiliar no processamento de ensino/aprendizagem, um meio, não

um fim em si mesmo. (MOLlNO, 1990, p. 01)

Considerando o livro didático como um recurso auxiliar valioso ao ensino da

matemática, convém ressaltar que a boa utilização do mesmo depende,

exclusivamente, da metodologia de trabalho desenvolvida pelo professor no

exercício de sua prática pedagógica, fazendo com que os alunos o utilizem com

grande proveito não só para resolução de exercícios, como é mais freqüente, mas

também para o estudo do próprio conteúdo.

Nesse contexto, BAMBERGER (1986, p. 13) considera que os livros didáticos

utilizados durante o ano letivo deveriam servir de complemento ao trabalho do

Page 54: A utilização do livro didático sobo olhar

los ao aprendizado independente - mesmo depois de terminado o tempo de escola.

No entanto, observamos em muitas instituições escolares o total descaso e

desrespeito de alguns alunos e professores para com os livros didáticos, cabendo a

estes materiais informativos um mero lugar na estante de uma biblioteca à espera da

poeira e das traças a corroer suas páginas e, porque não dizer, a disputar um

espaço num depósito escuro até o derradeiro dia de sua incineração.

A escola precisa resgatar a pluralidade de materiais informativos (como

revistas técnicas, jornais especializados e outros) que podem contribuir

positivamente para o trabalho desenvolvido na escola por professores e alunos e,

tendo-se em vista que os livros ainda têm sido o meio predominante para esse fim,

sugere-se a utilização de:

• Livro-texto (ou livro didático): que abrange, de forma sistemática, completa econdensada, toda a matéria de um curso;

• Livro de exercícios (ou work-books);• Livro de testes ou de questões objetivas para auto-avaliação ou para verificação

da aprendizagem por parte do professor;• Apostilas: que somente devem ser aceitáveis como solução provisória, quando

não há sobre o assunto um bom livro-texto. (CARVALHO, 1987, p. 167)

Observando que atualmente é significativa a quantidade de docentes que

utilizam o livro didático (como veículo principal ou como veículo complementar) no

processo ensino-aprendizagem da matemática, consideramos ser conveniente

abordar tal questão de uma forma mais específica, de modo a não fazermos

afirmativas inválidas, tendo em vista uma temática que merece, dentre outras, uma

atenção toda especial.

2.2 Com a palavrao professor...

Entendendo ser necessário estudar o fenômeno educacional dentro de um

contexto mais específico procuramos, através dessa pesquisa, investigar de modo

particular o desenvolvimento da prática pedagógica dos professores de matemática

através da utilização de livros didáticos.

Page 55: A utilização do livro didático sobo olhar

53Para tanto, foi distribuído, durante o segundo semestre de 2002, a

professores de escolas públicas estaduais e particulares do município de Ponta

Grossa, um questionário semi-estruturado abrangendo questões desde a formação

inicial dos docentes até a importância que os mesmos atribuem ao livro didático para

o processo de ensino e aprendizagem da matemática.

Procurando manter a seriedade e a fidedignidade próprias dessa pesquisa

científica, convém enfatizar que não fizemos qualquer modificação ou inserção nas

respostas coletadas, mesmo tendo de selecionar os depoimentos mais abrangentes

e freqüentes (fatores representativos) devido a grande estocagem de informações.

Convém salientar que os critérios de seleção estabelecidos para a adoção

dos livros didáticos de matemática no ensino, serão abordados no próximo capítulo;

uma vez que, nesse momento, nossa preocupação fundamental foi verificar quais

são os livros didáticos que atualmente são utilizados pelos professores de

matemática na 88 série do Ensino Fundamental e sua influência no processo

educativo.

Todavia, vale ressaltar que o levantamento de dados sobre a atitude dos

professores no ensino da matemática, na 88 série do Ensino Fundamental, com

relação à sua atuação pedagógica via livros didáticos, concretizou-se através de

uma pesquisa descritivo-analítica. Para tanto, lançou-se mão de um questionário

semi-estruturado composto das seguintes partes:

• apresentação do projeto de pesquisa e seus objetivos, com a solicitação

de informações sobre o tema abordado e comprometimento do

pesquisador em retornar às escolas, cujos professores colaboraram na

sua execução, para divulgação dos resultados obtidos com o presente

trabalho;

• identificação do professor pesquisado, no que se refere a dados sobre sua

formação e tempo de atuação;

• indagação sobre a prática pedagógica e o livro didático adotado, com

informações sobre os critérios utilizados para sua escolha;

• identificação de outros recursos didáticos utilizados na preparação e

execução das aulas;

Page 56: A utilização do livro didático sobo olhar

54• estabelecimento da importância do livro didático no processo de ensino

e aprendizagem da matemática.

Dentre todas as técnicas de observação direta extensiva, escolheu-se a do

questionário porque...

é a forma mais usada para coletar dados, pois possibilita medir com melhor exatidãoo que se deseja (...). Possui a vantagem de os respondentes sentirem-se maisconfiantes, dado o anonimato, o que possibilita coletar informações e respostas maisreais (...). As perguntas fechadas são padronizadas, de fácil aplicação, fáceis decodificar e analisar. As perguntas abertas, destinadas à obtenção de respostas livres,embora possibilitem recolher dados ou informações mais ricas e variadas, sãocodificadas e analisadas com maiores dificuldades. (PÁOUA, 1996, p. 138-139)

E o método de pesquisa descritiva, uma vez que...

observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis) semmanipulá-Ios; procurando descobrir, com a precisão possível, a freqüência com queum fenômeno ocorre, sua relação e conexão com outros, sua natureza ecaracterística. (PÁOUA, 1996, p. 49)

Convém lembrar, ainda, como já exposto na parte introdutória deste trabalho,

que o instrumento utilizado para coleta dos dados (questionário) foi aplicado a

professores de Matemática de 88 série do Ensino Fundamental, visando atingir um

total de sete (7) escolas/colégios de pequeno e médio porte, das redes pública

(estadual) e particular de ensino; proporcionando, assim, uma visão mais

significativa da realidade escolar em suas múltiplas facetas, no município de Ponta

Grossa.

Devido à exigüidade do fator tempo, todas as medidas cabíveis, que

pudessem agilizar o pleno encaminhamento desta pesquisa, foram tomadas. Para

tanto, o primeiro procedimento adotado foi o de entrar em contato com a direção,

orientação e supervisão dos estabelecimentos de ensino, para apresentação do

projeto de pesquisa e seus objetivos, e posterior autorização para a distribuição do

questionário no interior dessas instituições. Após a aceitação da proposta, foi

estabelecido um prazo máximo de trinta (30) dias para que os professores

pesquisados respondessem e devolvessem o questionário ao pesquisador, salvo

Page 57: A utilização do livro didático sobo olhar

55algumas poucas exceções, quando se fez contato direto com os professores por

motivos de força maior,que não nos convém explicitar.

Mesmo havendo na região de Ponta Grossa vários estabelecimentos de

Ensino Fundamental, com diversos professores atuantes no ensino de Matemática,

nem todos se dispuseram a responder o questionário solicitado por diversos motivos

(nem sempre convincentes). Devido a isto, participaram desta pesquisa cinco (5)

estabelecimentos de ensino da rede pública estadual sendo: dois (2) de médio porte

e três (3) de pequeno porte e, dois (2) estabelecimentos de pequeno porte da rede

particular de ensino,

É conveniente ressaltar que das instituições de ensino participantes da

pesquisa, todas aceitaram com boa receptividade a nossa proposta de trabalho, de

forma que tivemos cem por cento (100%) de retorno dos questionários inicialmente

repassados aos professores; apesar de alguns poucos não apresentarem respostas

às indagações. Os motivos da ausência de respostas não foram explicitados.

Contudo, a amostragem proporcionada por esta pesquisa envolveu um total

de quatorze (14) professores de matemática atuantes na 88

série do Ensino

Fundamental, ligados a rede pública estadual e particular, sendo que nenhum tem

atuação simultânea nas duas redes de ensino.

Entretanto, é conveniente salientar que dessa taxa amostral investigada, sete

(7) professores atuam unicamente na 88

série de modo que, do restante, apenas um

(1) professor atua na 58, 68

e 88

séries do Ensino Fundamental e no Ensino Médio;

dois (2) na 58 e 88

séries; dois (2) na 68

e 88

séries e dois (2) na 88

série e no Ensino

Médio. É notório, porém, observar que nenhum dos professores atua na 78

série do

Ensino Fundamental, nem em cursos superiores, nem tampouco na Alfabetização de

Jovens e Adultos. Contudo, é conveniente destacar que o número de docentes

pesquisados representa uma pequena porcentagem do contingente de professores

de matemática, atuantes na cidade de Ponta Grossa.

A análise dos dados coletados foi viabilizada pela montagem de um quadro

sinóptico, cuja interpretação procedeu-se, obedecendo-se à seqüência dos pontos

apresentados no questionário.

Dessa forma, o primeiro ponto analisado foi o de identificação, o qual revelou

que, do universo de 14 professores, quase todos são licenciados em Matemática,

Page 58: A utilização do livro didático sobo olhar

compreendidos entre 1970 a 2001, de forma que dessa amostragem apenas oois (L)

atuam em escolas particulares e os demais, em escolas públicas estaduais do

município de Ponta Grossa.

O tempo de magistério dos professores varia, no geral, de 1 a 30 anos; de

modo que sete tem de O a 5 anos, quatro tem 6 a 10 anos, um tem 11 a 15 anos, um

tem 16 a 20 anos e um professor tem de 20 a 30 anos de serviço.

No segundo questionamento, sobre o(s) objetivo (s) do ensino da Matemática

no Ensino Fundamental, em particular na a8 série, foi bastante enfatizada a questão

de se despertar o interesse no Ensino Médio, bem como de relacionar os conteúdos

à realidade dos alunos. Foram enfocadas questões ligadas à necessidade de

contextualização, de formação do cidadão para a vida em sociedade, de despertar o

senso crítico e o desenvolvimento do raciocínio e de perceber a matemática como

parte da evolução histórica do conhecimento.

É interessante ressaltar que, além dos casos omissos, apenas um professor

comentou sobre fatores relacionados à análise de gráficos, resolução de problemas

e construção do conhecimento matemático.

Essa argumentação, porém, é a que mais se aproxima dos objetivos

propostos para o ensino da matemática nos PCN, por meio da exploração de

situações de aprendizagem, visando:

Do raciocínio proporcional:• resolver situações-problema que envolvam a variação de grandezas direta ou

inversamente proporcionais, utilizando estratégias não-convencionais econvencionais, como as regras-de-três.

Do raciocínio estatístico e probabilístico:• construir tabelas de freqüência e representar graficamente dados estatísticos,

utilizando diferentes recursos, bem como elaborar conclusões a partir da leitura,análise, interpretação e previsão de informações apresentadas em tabelas egráficos. (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1997, p. 72)

Diante do exposto, constata-se que a maioria dos professores atuantes tem

pouco tempo de magistério e que, alguns desses, nem sempre apresentam

concepções educacionais condizentes com as propostas dos PCN, mas que direta

Page 59: A utilização do livro didático sobo olhar

57ou indiretamente parecem demonstrar interesse em tornar o ensino da

matemática mais próximo das reais necessidades dos educandos (conteúdo

significativo e de utilidade para a vida social), procurando estimular seu interesse e

propiciar condições favoráveis para o convívio em sociedade.

Esta visão, deixa explícita a valorização que os professores atribuem à

matemática e seu ensino como possibilitadores da conscientização e da

transformação social dos sujeitos envolvidos, por meio do exercício mais consciente

de sua cidadania, do desenvolvimento do senso-crítico e do conhecimento da

matemática como ferramenta indispensável ao progresso de outras ciências.

A adoção de livros didáticos no ensino da matemática e os critérios de

escolha utilizados para essa adoção foram os próximos tópicos abordados. Em

relação ao primeiro, o grupo de professores pesquisados foi unânime em afirmar que

adotam o livro didático para o exercício de suas atividades docentes.

Quanto ao critério de escolha do livro didático a maioria dos professores

respondeu que essa passava pelo crivo de sua análise, embora o critério "cedidos

pelo Estado" tenha também aparecido como resposta.

Além de constatarmos que todos os professores adotavam livros didáticos, a

pesquisa revelou que, desse grupo, apenas (três) professores utilizavam esse

recurso didático de modo parcial no preparo e execução de suas aulas em relação

aos demais, que afirmaram utilizá-Io integralmente nesses dois momentos

(preparação e execução).

Os professores quando investigados a respeito de os livros didáticos

adotados atenderem suficientemente às reais necessidades da clientela escolar bem

como às propostas curriculares vigentes, foi possível categorizar suas respostas em

três níveis. Do contingente de professores, apenas quatro apresentaram resposta

positiva à indagação, afirmando que o livro-texto dá maior segurança aos alunos,

estabelece as diretrizes para a aula, além do que, serve de suporte para estudos

posteriores.

Contudo, somente um professor ressaltou não estar satisfeito com o livro

didático, argumentando que as informações nele contidas são muito superficiais e,

na maioria das vezes, distante da realidade dos alunos. Por outro lado, seis

professores ressaltaram que este material atende parcialmente aos objetivos dos

Page 60: A utilização do livro didático sobo olhar

58alunos e das propostas educacionais, afirmando que não há livro didático

completo, sendo preciso complementá-Io com conteúdos e atividades diferenciadas,

uma vez que os livros apresentam os conhecimentos de forma muito restrita,

resumida e superficial, havendo enfoques diferentes na abordagem de um mesmo

conteúdo em diversos manuais. Houve apenas três professores que não opinaram a

respeito.

Quanto à operatividade dos alunos (construção do conhecimento matemático)

frente à utilização de livros didáticos, apenas um professor avaliou esse processo

como ótimo, e um outro como neutro, não havendo qualquer mudança de

comportamento, valor, concepção ou atitude que favoreça a aprendizagem

(significativa) desses alunos. O restante classificou esse processo como bom em

relação às demais tecnologias de informação existentes e disponíveis (até certo

ponto) no mercado, apesar dessas também apresentarem limitações.

A justificativa apresentada pelos professores à atribuição do conceito "bom"

deriva do fato de que apesar de o livro didático propiciar, em alguns casos,

pesquisa, a melhor assimilação dos conteúdos e possuir uma linguagem mais clara,

despertar certo interesse e entusiasmo, possibilitar o estudo independente e a

"aplicação de conhecimentos" em exercícios propostos (pelo professor ou pelo livro-

texto), é preciso colocar os alunos em contato com outros materiais didáticos

(inclusive livros com abordagens diferenciadas), apesar da falta de conhecimento

(significativo) de alguns conceitos matemáticos "básicos" por parte de muitos

educandos.

No entanto, mesmo apesar das limitações apresentadas pelo livro-texto, a

maioria dos professores consideraram viável o uso desse material didático no ensino

da matemática. Para eles, esse instrumental representa uma "linha" de conteúdo e

uma forma diferente de aprender, servindo de apoio ao professor e ao aluno,

propiciando-Ihes maior segurança e possibilidades de estudo independente.

Ainda no contexto desse tópico, alguns afirmaram a viabilidade do livro

didático pelo fato do mesmo clarificar os planos de aula e de ensino, auxiliando o

professor em suas atividades, trazendo curiosidades e variados conceitos, além de

possibilitar economia de tempo e maior objetividade no desenvolvimento do

processo de ensino-aprendizagem. Por outro lado, os professores contrários a essas

Page 61: A utilização do livro didático sobo olhar

59argumentações deixam evidente que, embora o livro didático apresente um valor

histórico, nenhum atende suficientemente a todas as necessidades e interesses da

escola, dos alunos e dos professores.

Ao indagarmos os pesquisados sobre a contribuição do livro didático para o

desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem da matemática, apenas nove

professores opinaram favoravelmente à sua relevância no contexto educativo. O

restante, mostrando-se um pouco insatisfeitos, ressaltaram que existem outros

meios (muito mais eficientes) para que haja a verdadeira consolidação do ato

educativo. Afirmaram ainda, que apesar de oportunizar o estudo independente dos

alunos, o livro didático não pode conduzir o trabalho dos professores, nem tampouco

substituí-Ios. A presença do professor, como agente mediador do conhecimento, é

fundamental.

Todavia, os professores favoráveis à contribuição do livro didático salientaram

aspectos tais como: melhor compreensão dos conteúdos, possibilidade de estudo

independente, desenvolvimento do raciocínio, oportunidade de contato direto com o

material escrito possibilitando a ampliação dos conhecimentos e a contextualização

dos mesmos, fonte de consulta para pesquisas entre outros fatores do gênero.

Nessa perspectiva, é interessante ressaltar que, apesar da pluralidade e

heterogeneidade de concepções que procuramos retratar com a presente pesquisa,

observa-se que ainda o livro didático tem sido o veículo pedagógico mais utilizado

pelos professores no ensino da matemática, visto que é o recurso didático, até

então, mais disponível na escola (milhares de exemplares, distribuídos pelo MEC a

cada ano letivo), embora alguns professores não consiqerarem ser este o meio mais

viávOI Q~ se contríbuir positivamente para a (re) apropriação e (re) construção dos

conhecimentos matemáticos.

Um outro ponto destacado no questionário entregue aos professores

participantes da pesquisa, fazia referência a utilização de outros recursos didáticos

no processo de ensino e aprendizagem da matemática, haja vista que o livro-texto

foi o recurso didático citado por todo o..gruPCtde docentes investigados.

É notório observar que apenas um dos professores pesquisados afirmou não

utilizar qualquer outro recurso didático além do livro-texto. Os demais professores

subdividiram-se em duas categorias: os que utilizam efetivamente outros recursos

Page 62: A utilização do livro didático sobo olhar

60didáticos, e aqueles que os utilizam parcialmente em seu trabalho pedagógico.

O grupo de dez (10) professores pertencente à primeira categoria mencionou

fazer uso de diversos materiais tais como slides, jogos lúdicos, softwares educativos,

apostilas, jornais, revistas especializadas, fitas de vídeo e material-sucata; bem

como de trabalhos de pesquisa e oficinas pedagógicas. Por sua vez, os professores,

pertencentes ao segundo grupo, ressaltaram a utilização de "material concreto",

transparências, maquetes, jogos, computadores e apostilas.

Considerando que todos os materiais didáticos, sem exceção, utilizados na

escola, apresentam potencialidades e limitações, faz-se necessário uma análise

desses materiais, questionando-os quanto aos seus objetivos e quanto às

representações de aluno, professor e linguagem (nos seus diferentes estilos) por

eles veiculados.

Sendo assim, convém tecermos alguns comentários sobre a presença das

apostilas (entre outros materiais do gênero) no ensino da matemática, visto que este

material vêm desempenhando atualmente um papel de "ator coadjuvante" no

processo educativo, para não dizer, o de "principal", em alguns casos.

A utilização desse material por professores e alunos parece, muitas vezes,

apresentar uma função simplesmente comercial, a ditar regras e ideologias do que é

necessário e suficiente "aprender", funcionando como uma espécie de "currículo" a

substituir o lugar ora ocupado pelos livros didáticos, construindo-se dessa forma a

ilusão do novo, sem atentarmos para o fato de que, na verdade, são os velhos

esquemas, os velhos procedimentos que se re-(a)presentam, testemunhando a

internalização de formas consagradas pelo livro didático, nacional e internacional.

(CORACINI, 1999, p. 12)

No que se refere ao ensino apostilado, ainda muito predominante em escolas

particulares e cursos pré-vestibulares, é preciso levar-se em conta suas

possibilidades e limitações entendendo-o dentro de um contexto sócio-político-

cultural. Não se pode conceber esse fenômeno isoladamente, mas num contexto

cujas condições de produção dependem da política educacional vigente e da

produção cultural num determinado. período. Nesse sentido, vale lembrar que o

professor não deve se tornar escravo dos livros didáticos, das apostilas ou de

qualquer outro recurso pedagógico, uma vez que esses materiais devem servir de

Page 63: A utilização do livro didático sobo olhar

61complemento, e nunca de substituto, do papel desempenhado pelo professor;

mesmo que venham a apresentar qualidades como atualização, baixo custo e

adaptação a exames vestibulares, entre outras.

É fundamental que o professor atente para a(s) qualidade(s) dos materiais

didáticos que utiliza, verificando se estes não mascaram pontos negativos que

venham a comprometer seriamente o processo de aprendizagem dos alunos, tendo

em vista a atual sociedade do conhecimento.

Os motivos que levaram os professores pesquisados a utilizarem outros

materiais didáticos em diversos contextos e nas mais variadas situações foram

justificados por fatores como simplesmente "fugir" da rotina (sem nenhum significado

pedagógico), passando pelo despertar da curiosidade, interesse e motivação nos

alunos, aproximação teoria-prática, desenvolvimento do raciocínio e do senso crítico,

mediadores de uma aprendizagem mais compreensiva, até o extremo de ser uma

imposição da instituição escolar.

° fato de se utilizarem recursos didáticos no processo de ensino e

aprendizagem, unicamente, por uma imposição escolar (sem a devida participação

crítico-reflexiva do professor), evidencia explicitamente a forte relação de poder da

escola sobre o trabalho dos professores, causando a impressão de que estes são

pouco competentes e não têm poder de decisão. Nesse contexto, a sua experiência

docente, postura pedagógica e objetivos de trabalho, estabelecidos a partir da sua

formação (...) e da realidade em que atua, são ignorados. (CARVALHO, 1995, p. 39)

Enfatizamos,no entanto, novamente que a premissa central deste trabalho é

a constatação de que o livro didático ainda é a "ferramenta" mais utilizada na

escola, em particular aqui, no ensino da matemática, e em muitos contextos, a única

fonte de acesso ao "saber institucionalizado" de que dispõem professores e alunos.

Tendo em vista que os livros escolares apresentam indícios (na maioria das

vezes implícitos) de idéias políticas, sociais, científicas, culturais e pedagógicas e

que mesmo assim, ao iniciar cada ano letivo e/ou no decorrer de seu trabalho, cada

docente precisa tomar uma decisão em relação ao livro escolar - "este livro e não

outro", "qualquer livro serve" ou "nenhum livro é necessário" que guiará ou

complementará suas atividades docentes, é preciso considerar que cada um desses

Page 64: A utilização do livro didático sobo olhar

62três casos pode responder a diferentes concepções, uma vez que os livros

escolares constituem documentos que traduzem certas ideologias.

Nesse enfoque, MOLLO (1997) ressalta que estes documentos expressam

três tipos de significados:

• Primário: apareceria na exposição das intenções dos editores, dos pedagogos edos autores, e dos fins que se perseguem, estas intenções, propósitos e fins seexplicitam geralmente nos prólogos dos livros ou nas separatas, guias ou noslivros para docentes;

• Secundário:encontra-se na aplicação que os profissionais fazem de seusprincípios.

• Terciário: pode se achar na utilização que dele fazem os docentes e alunos. (inLlTWIN, 1997, p. 139)

Quando adentramos na prática escolar, é possível constatar que estes

significados podem ser coerentes ou contraditórios. Dessa forma, a presente

pesquisa coloca um enfoque maior na terceira tipologia de significados, visto que

pretende identificar os livros didáticos mais utilizados pelos professores (e, em

alguns casos, pelos alunos) no processo ensino-aprendizagem da matemática,

especificamente, na 88 série do Ensino Fundamental, tanto das escolas públicas

estaduais quanto particulares do município de Ponta Grossa.

A identificação dos livros didáticos de matemática adotados pelos

estabelecimentos de ensino (público estadual e privado) procurou apontar a situação

em que se encontram atualmente as atividades de ensino e aprendizagem da

matemática, principalmente via livro didático.

Entendendo que cabe, fundamentalmente, aos docentes selecionar,

seguindo determinados critérios, os livros-texto a serem utilizados, fazendo com que

cada livro seja mais ou menos consultado, melhor ou pior aproveitado, trabalhando

com maior ou menor profundidade, segundo sejam, além dos critérios, os propósitos

que guiem suas práticas de ensino, procuramos, no QUADRO 1, discriminar os livros

didáticos de matemática atualmente adotados pelas escolas para o trabalho na 8"

série.

Page 65: A utilização do livro didático sobo olhar

TITULO DA OBRA AUTOR EDITORA ANO INDlCAÇOES

Matemática hoje é feita Antonio José LopesBigode FTD 2000 02assimMatemática: idéias e IracemaMori Saraiva 1999 02desafios DulceSatiko OnogaMatemática: uma aventura OscarAugusto Guelli Neto Atica 1998 04do pensamento

Matemática: pensar e José Ruy Giovanni FTD 2000 06descobrir - novo José Ruy GiovanniJúnior

. .

63

QUADRO 1: LIvrosdidáticosutilizadosdiretamenteno trabalhoem sala de aula.

De acordo com o QUADRO 1, observamos que o livro-texto, atualmente, mais

adotado pelas escolas refere-se à obra "Matemática: pensar e descobrir", em sua

nova versão. Em seguida aparece a obra de Oscar Guelli e, finalmente, as obras

"Matemática hoje é feita assim" e "Matemática: idéias e desafios", deixando

transparecer um patamar de igualdade em meio aos exemplares revelados pela

presente pesquisa.

Procurando saber os reais motivos que levaram a maioria dos professores a

indicarem a obra "Matemática: pensar e descobrir" como referencial para o

desenvolvimento das atividades pedagógicas, constatou-se, segundo a opinião dos

pesquisados, ser esta a obra mais coerente em meio a tantas outras, uma vez que

aborda os conteúdos numa certa seqüência lógica e mais contextualizada, com

exercícios bem diferenciados (questões de vestibulares, exercícios-desafio e de

verificação da aprendizagem ao término de cada unidade), além de várias

ilustrações que facilitam a compreensão dos alunos e um manual do professor,

apresentando a estrutura da obra e referências bibliográficas para complementação

de estudos.

É interessante destacar que todas as obras indicadas no QUADRO 1,

apresentam versões também destinadas para a 58, 68 e 78 série do Ensino

Fundamental, com características bem peculiares, ou seja, cada coleção é composta

de quatro volumes que correspondem a um ciclo do Ensino Fundamental (3° e 4°

ciclos).

Page 66: A utilização do livro didático sobo olhar

64Ainda nesse enfoque, a pesquisa revelou que todos os professores, mesmo

os que não fazem a utilização direta do livro didático, em sala de aula, usam-no

como base de seu trabalho na preparação de suas aulas. O QUADRO 2 procura

retratar tais indicações.

TITULO DA OBRA AUTOR INDICAÇOES

Projeto Oficina de Matemática - Aparecida Borges dos Santos 01PROMAT Silva

Maria Capucho Andretta

Maria Cecília Castro Grasseschi

A conquista da matemática Benedito Castrucci 01José Ruy Giovanni

José Ruy Giovanni Junior

Aprendendo matemática Eduardo Afonso de Medeiros 01Parente

José Ruy Giovanni

Matemática na medida certa José Jakubovic 01Marcelo Cesta ri Terra Lellis

Matemática e vida José Luiz Tavares Laureano 01Olímpio Rudinin Vissato Leite

Vicenzo Bongiovanni

Matemática Luiz Márcio Pereira Imenes 01Marcelo Cestari Terra Lellis

Matemática em movimento Adilson Longen 02Matemática hoje é feita assim Antonio José Lopes Bigode 02Matemática: idéias e desafios Dulce Satiko Onaga 04

Iracema Mori

Matemática: uma aventura do Oscar Augusto Guelli Neto 04pensamento

Matemática: pensar e descobrir - José Ruy Giovanni .. 08novo José Ruy Giovanni Júnior

. ,. . .QUADRO 2: Livres.didáticos utilizados. indiretamente no trabalho em sala de aula.

Page 67: A utilização do livro didático sobo olhar

65

Observando o QUADRO 2, constatamos que, mesmo utilizada indiretamente

no trabalho em sala de aula (preparação das aulas), a obra "Matemática: pensar e

descobrir", novamente, aparece como a mais indicada pelos professores

pesquisados (os motivos pelos quais esta obra ganha tamanha ascensão já foram

explicitados após demonstração do QUADRO 1).

Indagando os professores a respeito das obras indicadas no QUADRO 2,

houve depoimentos fazendo referência à sequencia, enfoque, apresentação e

aprofundamento com que os conteúdos eram abordados nessas obras. Critérios

como atividades interessantes, contextualização, curiosidades, quantidade relevante

de exercícios, linguagem simples e complemento à teoria também foram destacados

pelo grupo de professores.

É relevante destacar que, em meio a tantas argumentações, um dos

professores comentou que fazia uso desse material didático apenas porque foi o

livro didático adotado pela escola onde trabalha. Esta afirmação explicita nitidamente

o caráter denunciativo, a concepção de educação e o "comprometimento" político-

pedagógico que esse professor tem com a escola, com os alunos, a sociedade e

para com ele mesmo. Ao que parece, esse professor faz uso do livro didático apenas

como uma mercadoria, um objeto com um fim em si mesmo, revelando, dessa

forma, um autêntico descompromisso com a verdadeira educação.

Entretanto, referências ligadas à pesquisa, exercícios complementares e

atividades avaliativas também foram apontadas pelos professores como motivos

relevantes para a utilização de alguns desses livros didáticos na preparação de suas

aulas. Dos 14 (quatorze) professores pesquisados, apenas 3 (três) teceram

comentários sobre as obras indicadas, destacando serem estas obras de boa

qualidade, apesar de necessitarem de alguns ajustes e complementos (...).

Tendo-se em vista a multiplicidade de livros didáticos de matemática

existentes no mercado editorial, cada um atendendo a um projeto gráfico, autoral,

editorial e didático procuramos, num último momento, indagar os professores a

respeito da existência de uma obra didática ideal que atendesse às aspirações dos

professores e alunos e às exigências impostas pela sociedade atual.

r

r

r

Page 68: A utilização do livro didático sobo olhar

66Os professores foram unânimes em afirmar que é praticamente impossível

a existência de um livro didático ideal, visto que cada autor tem uma determinada

concepção de mundo-escola-sociedade, ora convergindo ora divergindo na forma de

abordar os conteúdos escolares, tendo-se em vista que este material é apenas um

entre os inúmeros recursos auxiliares de que o professor dispõe para a realização de

seu trabalho.

Segundo a maioria dos professores, nenhum dos livros didáticos disponíveis é

completo, pois apresentam limitações e um conhecimento até certo ponto

"ultrapassado", uma vez que não conseguem acompanhar os avanços científicos

que constantemente se processam, além do que o livro nunca poderá substituir a

presença do professor, "peça" fundamental para a efetivação de um ensino de

qualidade.

Mais uma vez, cabe-nos enfatizar que o livro-texto pode contribuir

grandiosamente para o sucesso do aprendizado da matemática, desde que

adequadamente explorado por seus usuários (no sentido de ignorarem o que é

inadequado e insuficiente), de modo a revelar uma preocupação de como propiciar o

aluno a pensar ou exercitar de forma mais clara as suas capacidades intelectuais.

(BOLEMA, 1992, p. 105)

Dessa forma, acreditamos que a presente pesquisa revela duas vantagens

importantes. A primeira diz respeito à possibilidade de aproximação deste trabalho

com a prática da sala de aula; a outra é a de se poder ter acesso a um material

pedagógico utilizado pela maior parte dos professores brasileiros, que, na maioria

das vezes, não têm "tempo" de preparar seu próprio material de ensino devido a

sobrecarga de trabalho a que são obrigados a se submeter em decorrência dos

baixos salários.

Entretanto, é necessário salientar que o livro didático compreende somente

uma parcela da multiplicidade de fatores que interferem no processo ensino-

aprendizagem ( mesmo sendo o material mais utilizado no contexto escolar), não

sendo possível saber, com exatidão, a partir da presente pesquisa, como

professores e alunos dele se "servem". Somente a observação direta em sala de

aula poderia revelar a verdadeira situação.

Page 69: A utilização do livro didático sobo olhar

672.3 Estabelecendo relações a partir das análises feitas

r

A realidade atual mostra que a maioria dos cursos ministrados em nossos

estabelecimentos de ensino precisam de um material básico necessário para a

comunicação, ou seja, o livro didático. Mesmo que este seja usado para consulta,

para complementação de informação, e não todos os dias em sala de aula, é difícil

"medir" algum conteúdo "palpável" sem que ele esteja presente como auxiliar

principal.

Segundo registros históricos, o livro-texto atual, surgido em meados de 1844,

impresso e feito em papel de celulose, sempre desempenhou papel relevante no

contexto das sociedades, mesmo quando entendido como um mercado semelhante

a todos os outros mercados, nos quais dificuldades de se recuperar os capitais

empregados e o alto custo do papel apareciam como principais obstáculos aos

industriais que fabricavam o livro, isto é, os tipógrafos, e aos comerciantes que o

vendiam, ou seja, os livreiros e os editores. (FEBVRE, 1992, p. 173)

Contudo, é conveniente observar a evolução e a expansão pelo qual passou

esse veículo de informação desde o surgimento da imprensa (século XV) até os dias

atuais. Ainda nesse contexto, é interessante ressaltar quão significativa é a

quantidade de professores que utilizam esse material, muitas vezes como o único

meio, para desenvolver suas atividades docentes no âmbito da escola, norteando-se

por ele, a fim de cumprir (com ou sem um real comprometimento) os programas do

currículo escolar.

No ensino da matemática, pelas experiências ora como educando e ora como

educador, constata-se que essa realidade é deveras acentuada. O livro didático

parece guiar as ações dos docentes, favorecendo a passividade dos alunos, uma

vez que...

costumamos iniciar expondo a teoria, que, historicamente, se estruturou naresolução de uma seqüência de problemas e a desligamos dos mesmos pararessaltar-lhe, apenas, os aspectos lógicos. Em seguida, mostramos sua aplicação naresolução de alguns problemas que, então são empregados, apenas, como meio deverificar se o aluno aprendeu a aplicar a teoria ou como exercício para a fixação daaprendizagem. (BRASIL, 1977, p. 18)

Page 70: A utilização do livro didático sobo olhar

68Essas atitudes, por sua vez, são reforçadas pelos livros didáticos de

matemática que apresentam cada tema iniciando por textos informativos seguidos

de um "elenco" de exercícios de aprendizagem e de fixação, muitas vezes, sem

nenhum significado e comprometimento com a aprendizagem dos educandos.

Seja qual for o ponto de vista que adotemos, para examinar os problemas da

educação, não é possível desconhecer as atividades docente e discente em torno

dos livros escolares e a influência que estes exercem no trabalho da escola. No

ponto de vista da escola tradicional, em que a direção do trabalho era atribuída

sempre à iniciativa do professor, o livro-texto assume a função de regulador de

atividades, quase como uma imposição ao "natural" desenvolvimento cognitivo e

psicológico dos alunos, com total indiferença ante as suas necessidades e

interesses.

No entanto, a educação contemporânea, longe de depreciar o valor do livro, o

reabilita pela nova função que lhe atribuiu, como um instrumento de trabalho.A esse

respeito,MAIA comenta:

o livro didático tem por objetivo ser um dos instrumentos de trabalho do professor.Ele representa, através de suas atividades, as tendências do ensino; ele, também,constrói e propaga princípios sociais e políticos. Sua utilização massiva pelosprofessores revela sua importância na educação das crianças e na transmissão dosvalores da sociedade. O papel do livro didático no ensino hoje é o resultado de suaevolução histórica no contexto educacional do país. (2001, p. 31)

Uma vez que o livro didático serve de instrumento de trabalho da maioria dos

professores (como vimos pelos resultados da pesquisa), este precisa incorporar

meios adequados que levem os educandos a perceberem a matemática como um

produto cultural, útil para o convívio em sociedade.

Assim sendo, observamos que a matemática continua a ter lugar de destaque

na escola, exatamente porque é indispensável para resolver os problemas da vida

cotidiana, para explicar os fenômenos físicos, biológicos e sociais, para controlar as

forças destes e de outros, a fim de termos uma visão global do mundo em que

vivemos.

Para tanto, não basta apenas vislumbrar o maravilhoso universo da

matemática nem dispor de modernas tecnologias de informação; é preciso, sim,

Page 71: A utilização do livro didático sobo olhar

69assumir uma postura crítica e consciente frente às adversidades surgidas e à

quantidade de informações que, constantemente, de uma forma ou de outra, nos

são repassadas.

Por sua vez, na escola, a "arte" de ser um bom professor de matemática não

se baseia em complicadas teorias, mas, especificamente, na forma com que esses

conhecimentos são trabalhados (metodologia empregada) e na (...) necessidade da

reflexão sobre a prática a partir da apropriação de teorias como marco para as

melhorias das práticas de ensino, em que o professor é ajudado (...) a aprimorar seu

modo de agir, seu saber-fazer, intemalizando também novos instrumentos de ação.

(LlBANEO apud PIMENTA et ali, 2002, p. 70)

Na escola brasileira, o instrumento de ação mais presente nas práticas

escolares é o livro-texto que, em muitos casos, sem a devida reflexão, é utilizado

segundo a idéia do autor como "especialista", e do docente, como mero "aplicador

de técnicas" e teorias por ele veiculadas.

Entendemos que abordar o tratamento deste tema revisando os diferentes

usos que a comunidade educacional deu em nosso país aos materiais impressos,

em distintos momentos históricos (como abordado no capítulo inicial deste trabalho),

permitirá enriquecer a análise e contextualizá-Ia.

Frente às inúmeras discussões em tomo dos livros didáticos, percebe-se que

ainda este material não conseguiu realizar seu verdadeiro intento (servir de auxílio

ao desenvolvimento das atividades pedagógicas de professores e alunos). Sendo

assim, ,al§uns docentes acreditam que os textos que incluem indicações das

atividades para desenvolver durante o ano letivo são a melhor opção. Um outro

grupo, frente à proliferação de publicações, não sabe o que é mais apropriado

selecionar, enquanto que outra grande parte acha que é melhor lidar com uma boa

seleção de textos feita por eles próprios.

A qualquer categoria que pertençamos, corre-se o risco de selecionarem-se

textos que não contribuam para o verdadeiro aprendizado, textos estes que

SÁNCHEZ (1993) agrupa em tomo de quatro dimensões:

1. Textos que pressupõem do aluno um conhecimento inicial sobre o tema, que éexcessivo e pouco realista;

Page 72: A utilização do livro didático sobo olhar

um bom auxiliar no trabalho pedagógico, na medida em que propiciar uma

sistematização dos conceitos trabalhados e uma organização das conclusões

tiradas.

Levando em consideração que a capacidade de raciocínio é o diferenciador

principal entre os seres humanos e outros animais, e que é preciso respeitar o tempo

de aprendizagem de cada aluno no que se refere à rapidez de compreensão e

aproveitamento dos conteúdos trabalhados, ZÓBOLl (1998, p.101-102) aponta

algumas outras vantagens na utilização dos livros didáticos no contexto da sala de

aula:

• Apresenta assuntos complexos de modo mais simples;• Aumenta a capacidade de ler dos alunos;• Valoriza os materiais impressos como fontes de informação e recreação;• Estimula o estudo independente;• Permite a revisão ou recapitulação da leitura;• Cria um fundo de conhecimentos comuns em todos os alunos da mesma classe;• Antecipa situações que poderão ser encontradas mais tarde;• Permite relatos de experiências passadas, isto é, o retrocesso no tempo;• Prepara os alunos para experiências futuras;• Ensina experiências de difícil realização direta.

Entretanto, vale lembrar que estas considerações só poderão se processar,

efetivamente, a partir do momento em que os professores tiverem plena consciência

de sua responsabilidade como educadores, e os alunos, de seu papel em busca de

um aprendizado significativo para a satisfação de necessidades pessoais e impostas

pela sociedade vigente.

Dessa forma, acreditamos que, se por um lado, o tipo de análise realizada

mostra uma certa precariedade e, ao mesmo tempo, constitui-se em uma tentativa

válida de sistematização de conceitos do fenômeno estudado, por outro, indica

espaços que poderão ser preenchidos por investigações futuras e mais consistentes,

possibilitando novas articulações com o vivido, com o empírico.

Page 73: A utilização do livro didático sobo olhar

CAPITULO 11I

LIVRO PRAQUE TE QUERO

Eu, vinte e cinco volumes, dezoito mil paginas de texto, trezentas gravuras,incluindo um retrato do autor. Meus ossos são feitos de couro e papelão, minhacarne, fina como papiro,cheira a cola e cogumelos,sinto-me majestosoem quinzequilos de papel, em perfeito conforto. Sinto-me renascer, torno-me finalmente umhomem completoque pensa, fala, canta, grita, um homemque se afirma na inérciaperemptória da matéria. Alguém me toma em suas mãos, me abre, coloca-mesobre a mesa, me alisa, e por vez me dobra. Submeto-me até que, de súbito,luzindo e flamejante, controlo a atenção à distância, meus poderes atravessamespaçoe tempo, fustigamos maus,protegemos bons. Ninguémme podeesquecerou ignorar: sou um fetiche, ao mesmo tempo terrível e desejado. (Sartre apudDebray, 1964,p.139)

Há muitos anos vem se utilizando o livro didático como principal recurso

pedagógico para se trabalhar conteúdos de ensino na sala de aula, embora o

mesmo tenha sofrido críticas por alguns, chegando ao ponto de uma proposta de

extinção, a qual está atualmente caracterizada pelo tom ameaçador das novas

tecnologias de informação, o que significa uma ameaça a todo um conjunto de

estruturas sociais e econômicas e de identidades pessoais ou grupais.

Embora tais murmúrios possam parecer sem sentido, tal questão merece ser

levada a sério, uma vez que o livro,

Mais do que um objeto, portanto, o livro é uma entidade que institui valorescomunitários e econômicos e identidades grupais e individuais (...). Vale dizer, o livro,em certa medida, define subjetividades e o que elas significam na sociedade humana(...). O livro é uma instituição que propicia uma certa ética individual e social, umaforça que movimenta setores econômicos e estabelece interesses individuais ecoletivos, uma tecnologia que molda subjetividades. " (BELLEI, 2002, p. 13-15)

Nesse contexto, os livros parecem conclamar os leitores a manuseá-tos com a

destreza e o cuidado de um sacerdote, o que vale lembrar que sempre somos

usados pelas coisas que usamos. Usar excessivamente uma cadeira, por exemplo,

torna-nos mais sedentários. Assim, o hábito de utilizar essa tecnologia de armazenar

conhecimento chamada livro, da mesma forma, torna-nos usados e moldados por

aquilo que pensamos apenas usar. Este fenômeno acontece de uma maneira mais

ou menos análoga ao que estabelece a Quarta Lei do Movimento ou Lei da Ação e

r

Page 74: A utilização do livro didático sobo olhar

73Reação: A toda ação corresponde uma reação igual e contrária. (MERINO, 1979,

p. 161)

É com base nesta explicação que chamamos a atenção dos docentes para a

importância de uma escolha cuidadosa dos livros didáticos que irão utilizar para o

desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, embora outras tecnologias de

informação venham competindo pela atenção do leitor, como é o caso da informática

que, aproximadamente desde 1994, domina o panorama cultural e 'ameaça' a

hegemonia do livro.

Todavia isto caracteriza um movimento de mudança histórica: do livro para o

computador, da página para a tela, por meio da qual a cultura do final do século

passa por uma espécie de metamorfose, se comparada à década de 50, durante a

qual uma família ...

teria basicamente um rádio e um telefone de disco, ou, talvez, em alguns casos, umtelevisor preto e branco (...) com a saturação eletrônica de uma moradia em 1990:vários televisores a cores, com capacidade para jogos 'nintendo' e com aparelhos defax, telefones celulares, secretária eletrônica, telefones para automóveis,'concorders', 'cd - players' (...). A idéia de passar não uma semana, mas até mesmoum dia, longe dessa aparelhagem parece ousada, até mesmo arriscada.(BIRKERTS, 1994, p.05)

Apesar de o material impresso parecer obsoleto em meio à 'parafemália

eletrônica' do mundo atual (que não deixa de ter sua importância), acreditamos que

nada pode substituir o prazer de se ter em mãos um livro (real) a ser folheado página

após página, ora mais rapidamente ora mais lentamente, com pausas para meditar

sobre o que foi lido, podendo-se retomar a páginas anteriores para reler certas

passagens (...), uma vez que este material, mesmo apresentando limitações,

continua a atender necessidades culturais, pessoais e sociais que não podem ser

satisfeitas por outro recurso tecnológico.

Sendo o livro um objeto em constante processo de mutação e adaptação

históricas, muitas delas mais significativas do que estão, no momento, ocorrendo em

função da nova tecnologia eletrônica, entendemos que este não precisa

necessariamente desaparecer diante do computador e de outras tecnologias porque

é um recurso suficientemente flexível para resistir às 'gigantescas' mudanças

motivadas pela "era pós - Gutenberg."

Page 75: A utilização do livro didático sobo olhar

coexistência das duas, com funções diferenciadas e especializadas. c nesse

contexto que o processo pedagógico precisa se desenvolver: usufruir

adequadamente de todas as tecnologias disponíveis, sem perder de vista seu foco

principal, que é o processo contínuo e a "formação" integral dos educandos.

No entanto, infelizmente, nem sempre as metas são alcançadas. Isto porque

existem lacunas que vão desde a formação inicial dos docentes, passando pela falta

de compromisso político das classes/grupos sociais que detêm o poder, até a

escolha e utilização indevidas de determinado (s) recurso (s) didático(s) para o

trabalho com determinada disciplina.

Uma vez que a maior parte do processo de ensino e aprendizagem gravita ao

redor do livro didático (como verificado no capítulo anterior) é preciso não esquecer

que estes, além de sistematizarem e difundirem conhecimentos,podem servir,

também, para encobrir ou escamotear aspectos da realidade, conforme modelos de

descrição e explicação do contexto, consoantes com os interesses econômicos e

sociais dominantes na sociedade.

Dessa forma, se o professor for um bom observador, se for capaz de

desconfiar das aparências para ver os fatos, os acontecimentos, as informações sob

vários ângulos, verificará que muitos dos conteúdos de um livro didático não

conferem com a realidade vivida por ele, nem com as reais necessidades e

expectativas de seus alunos.

Muitos são os livros didáticos que transmitem idéias de que na sociedade as

diferenças entre as pessoas, por exemplo, são individuais e não devidas à estrutura

social; que nela todos têm oportunidades iguais, bastando que cada um se esforce e

trabalhe com afinco etc, como se o conhecimento científico nada tivesse a ver com

os problemas reais da vida cotidiana.

Independentemente da área do conhecimento, o professor não pode ficar

esperando que por si só os livros didáticos revelem os aspectos reais das coisas, as

verdadeiras razões que estão por detrás das diferenças sociais. Esta é uma tarefa

que cabe exclusivamente ao docente, tendo-se em vista que sua atitude crítica nem

sempre será aprovada. Não é necessário ir muito longe: alguns pais, professores e

Page 76: A utilização do livro didático sobo olhar

75até diretores de escola também não desejam que o real funcionamento das

relações sociais na sociedade seja revelado. Nestes casos, os privilégios espúrios, o

descompromisso e os espíritos de submissão e conformismo parecem falar mais

alto!

Além disso, o próprio professor, muitas vezes, pode não ver a si mesmo como

um assalariado e confirma aos alunos valores, idéias, concepções de mundo

distantes da realidade concreta, passadas, por vezes, pelo livro didático ou que

circulam nas conversas informais e até, na mídia como um todo.

Estas colocações mostram a forma e a força com que os livros didáticos

podem influenciar na formação de idéias sobre os aspectos da vida cotidiana, muitas

vezes, sem nenhuma correspondência com a realidade.

Entendendo que, no ensino da matemática, esta situação torna-se muito mais

agravante, uma vez que este (o ensino) continua a perseguir objetivos restritos,

baseados na memorização de regras e mecanização dos processos de calcular

(apesar das poucas melhorias que se processam), e que os conteúdos de ensino

são necessários porque quanto mais aprofundados, mais possibilitam um

conhecimento crítico dos objetivos de estudo (abertura de novas perspectivas e

compreensão do mundo), torna-se fundamental que o professor adote estratégias de

ensino condizentes às necessidades dos alunos, visando a prepará-Ios para uma

participação efetiva em sociedade.

Diante do progresso técnico-científico da atualidade e da necessidade de se

propagar um conhecimento matemático útil, significativo e consistente, é importante

que os educadores revejam programas e procedimentos (métodos e técnicas) de

ensino considerando esses objetivos, sem esquecer, porém, de levar em conta a

realidade nacional, para que dessa forma estes possam devidamente ser

alcançados pelos educandos. Para isso, a escolha adequada do material didático a

ser utilizado é essencial.

3.1 Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)

É hoje crescente no Brasil a indústria do livro didático. Apesar de existirem

diversos recursos tecnológicos na atualidade, ainda não se chegou a encontrar um

Page 77: A utilização do livro didático sobo olhar

76sucessor para este material como instrumento fundamental para a educação

sistemática.

Como já abordamos no capítulo inicial deste trabalho, há mais ou menos

cinqüenta anos, poucos eram os autores de livros destinados ao ensino. Talvez, isto

acontecesse devido ao preconceito, então vigente na época, pelo qual consagrava-

se a superioridade do saber estrangeiro sobre o nacional, pela influência de editoras

voltadas ao assunto.

Nos dias de hoje, com a proliferação das editoras e com o crescente número

de autores de livros didáticos, observamos que muitos professores sentem-se um

pouco perdidos ao terem que optar por um outro exemplar, muitas vezes por não

saberem os modos adequados de fazer essa escolha ou por não gozarem de uma

verdadeira liberdade para realizarem tal procedimento, o que é lamentável.

Diante dessas constatações, entendemos que não deveríamos nos furtar à

necessidade de assumir o desafio de tentar reverter o quadro precário das

condições de escolha de livros didáticos para o trabalho em sala de aula.

Por esta razão procuraremos abordar, mesmo que de uma forma sucinta,

algumas questões referentes à forma como os livros didáticos eram selecionados

alguns anos atrás proporcionando, dessa forma, reflexões que venham a ajudar

numa seleção rigorosa dos atuais manuais, visando ao avanço da ciência e das

exigências do ensino público no país.

Se não podemos interferir diretamente, no sentido de tomar esta seleção

eficiente, acreditamos estar dando um passo, ainda que pequeno, na direção de

dimensionar a importância dos livros didáticos na vida escolar, auxiliando na

orientação de docentes e discentes para a construção de uma escola pública de

qualidade.

Como já nos referimos nos capítulos anteriores, há muitos anos vem se

utilizando o livro didático como principal material para se trabalhar não só conteúdos

na sala de aula, embora o mesmo tenha sofrido críticas por alguns, chegando-se ao

pomo de surgir a proposta de sua extinção. Grosso modo, nesta afirmação, não se

observa nada de anormal. Como de fato! O problema reside exatamente no

tratamento dado aos livros didáticos ao longo das décadas até os dias atuais.

Page 78: A utilização do livro didático sobo olhar

77Para se compreender com maior clareza essa questão, faz-se necessário

analisar, mesmo que brevemente, as políticas públicas desenvolvidas com relação

ao livro didático no Brasil.

A criação do Instituto Nacional do Livro (INl), em 1937, parece ter sido o

começo da evolução do livro didático brasileiro. Com o objetivo de planejar as

atividades relacionadas com o livro didático e estabelecer convênios com órgãos e

instituições que assegurassem a sua produção e distribuição (FREITAG, 1993, p.

12), este órgão, através de uma política inteligente de co-edições, tinha como meta

principal facilitar ao máximo a chegada dos livros às mãos de milhares de alunos; o

que de certa forma fracassou, haja vista que não passavam por um controle rigoroso

de seleção.

No intuito de resolver essa questão, foi criado no ano seguinte a Comissão

Nacional do Livro Didático (CNlD), com o objetivo de examinar e julgar os livros

didáticos, sugerindo livros possíveis de tradução e promovendo concursos para aprodução de livros ainda inexistentes no Brasil. (MAlA, 2001, p. 32). Examinando a

criação dessa comissão no contexto político da época (Era Getúlio Vargas) não é

difícil concluir que a CNlD objetivava o controle ideológico do sistema educacional

brasileiro.

Na década de 60, forma-se a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático

(COl TED). Esta comissão foi o resultado de um acordo entre o governo brasileiro

(regime militar) e o governo americano (MEC/USAID). Foi o período em que o

interesse oficial pelos livros, e demais materiais, manifestaram-se efetivamente. A

COl TED tinha por função colocar gratuitamente à disposição das escolas algo em

torno de 51 milhões de livros, num período de três anos. A instalação de bibliotecas

também era um dos objetivos dessa comissão.

Esse programa empenhava-se no aperfeiçoamento do professor do antigo

curso primário. Nessa época, cursos de treinamento intensivo, ministrados nos

distritos educacionais de todo o país e oferecidos também à rede particular de

ensino, propunham-se a despertar ou desenvolver no "professorado" a noção da

importância e adequação do livro didático para usá-Io com eficiência.

Page 79: A utilização do livro didático sobo olhar

78Além desses ensinamentos, ao que parece, os cursos da COl TED

realçavam que o livro didático não deveria degenerar em uma prática sem sentido,

nem tampouco como uma restrição ao modo de ser conduzida uma aula.

Várias críticas foram feitas a esse programa. Elas denunciavam o controle dos

americanos sobre o comércio do livro em geral e do livro didático em particular,

apontando o controle ideológico em grande parte da educação. Os cursos da

COl TED tiveram pouca durabilidade, pois foram acusados de estarem sendo

ministrados, em convênio com as editoras, através de recursos financeiros ilícitos.

Em seguida, a Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME), criada em

1968, assumiu em 1976, através de um decreto do governo, a responsabilidade do

Programa do Livro Didático.

A partir do documento MEC/FENAME, de 1976, FREITAG (1989, p. 15) indica

como atribuições desse órgão:

• Definir as diretrizes para a produção do material escolar e didático e assegurarsua distribuição em todo o território nacional;

• Formular um programa editorial;• Executar os programas do livro didático e• Cooperar com instituições educacionais, científicas e culturais, públicas e

privadas, na execução de objetivos comuns.

Conforme dados fornecidos pela SECRETARIA DE ESTADO DA

EDUCAÇAO, o programa do livro didático surgiu com a denominação de PLlDEF -

Programa do Livro Didático - Ensino Fundamental, que trabalhava inicialmente com

as ta 48 série, patrocinada pela então FENAME. (1991, p. 01)

Segundo MAlA (2001, p. 32), os anos 80 revelaram claramente que a política

governamental do livro didático era associada à sua distribuição gratuita entre os

alunos carentes economicamente. Nesse período, ao que parece, o livro didático

adquiriu,no Brasil, uma função que não tinha em nenhum outro país: o livro didático

era dirigido aos alunos sem recursos econômicos (originários das classes

populares).

Em 1983, a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) é criada. Esse

organismo, ligado ao Ministério de Educação e Cultura (MEC), hoje Ministério da

Educação e do Desporto, tinha o objetivo de ajudar as secretarias de ensino

Page 80: A utilização do livro didático sobo olhar

V'"'''' ••.•I •• _ - II "-"" ._. --.. - r - - - - -

r

essa centralização influenciaram a criação de um comitê de consultores a fim de

acompanhar, orientar e fazer propostas, o qual acabou ficando limitado a simples

sugestões.

Em 1985, a partir do decreto nO91.542, cria-se o PNlD (Programa Nacional

do Livro Didático), agora destinado à distribuição para as demais séries do f grau,

através da FAE, das Secretarias de Educação, órgãos municipais e associações

comunitárias.

No mesmo ano, pelo que se sabe, o governo federal procurou não centralizar

o PNlD, deixando ao professor a tarefa de escolher o livro didático que ele iria

utilizar em sala de aula. Aparentemente essa política de não administrar a produção

e a distribuição do livro didático, a fim de se evitar a centralização, parecia ser ideal.

Mas, isto acabou levando à publicação de vários livros didáticos de péssima

qualidade, transformando o professor numa peça fundamental da estratégia

comercial para os editores, já que lhe cabia, por fim, acatar ou não a oferta dos livros

disponíveis comercialmente.

Convém ressaltar que, antes de 1985, a Cal TED, órgão ligado à SEED

(Secretaria de Estado da Educação), que promovia cursos sobre livros didáticos,

especialmente a representantes das prefeituras municipais (nem sempre ligados à

educação), influía de modo significativo sobre as escolhas dos cursistas que, em

geral, decidiam por todos os municípios, aleatoriamente, sem qualquer participação

dos professores - ao nosso ver, os maiores interessados.

Com a criação do PNlD, verificou-se uma alteração neste encaminhamento

no Paraná de forma que a Cal TED foi extinta, extingüindo-se, também, os cursos

de autores e as credenciais que pessoas da SEED possuíam para divulgar livros

didáticos.

No início de 1987, o MEC promoveu um seminário intitulado "O livro didático

em questão", coordenado pelo então presidente da FAE, com o objetivo de lançar as

bases par" um processo contínuo e criativo de avaliação dos livros didáticos.

O êxito desse seminário chegou a tal ponto que percebeu-se que a escolha

dos livros didáticos deveria caber ao professor e não mais à Cal TED. Assim, no

Paraná começaram a ser remetidos formulários a todos os professores que, mesmo

(

Page 81: A utilização do livro didático sobo olhar

80em condições precanas, passaram a escolher os livros a serem adotados em

discussões mais amplas nos municípios e por área de conhecimento.

Essa forma de agir teve tamanha repercussão que levou o MEC, em 1987,

agora apoiado em dados concretos, a adotar tal procedimento nacionalmente.

Também nessa ocasião o livro descartávef deixa de ser utilizado e cria-se o Banco

do Livro para guardar os livros de um ano para o outro. Em contrapartida, essa

virada no processo, que também incluía os NRE (Núcleos Regionais de Educação),

criados no mesmo período, acabou trazendo para a SEED inúmeras pressões.

A entrega dos livros didáticos às escolas foi muito dificultada. Como

contrapartida às ações da SEED e do próprio MEC, as editoras passaram a se

organizar e encontrar novas formas de expansão de mercado. Para tanto

começaram a publicar os famosos "Cadernos de Exercícios", às vezes mais caros

que os próprios livros didáticos. O marketing utilizado foi o mais violento, valendo-se

de todas as formas para a garantia de vendas.

Nessa mesma época, a operacionalização do trabalho pela FAE vai se

complicando, acabando, em 1990, por tomar esse processo carente de

credibilidade, pois livros escolhidos não são entregues, entrega-se o que se tem e

não o que fora pedido, atraso na entrega etc, sem comentar a qualidade de tais

manuais, que deixava a desejar.

Segundo dados da SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇAO (1991, p.

02), o PNLD é responsável por 70% da produção editorial brasileira e é o maior do

mundo. Não é, pois, sem razão que as editoras querem dele participar, negociando

com o MEC as regras desse jogo; regras essas que, muitas vezes, não atendem às

necessidades da escola pública, bem como deixam a desejar com relação aos

avanços científico e tecnológico.

Como dito anteriormente, o programa do livro didático é dirigido aos alunos da

classe popular, àqueles que não têm meios econômicos suficientes para adquirí-Ios.

Isso indica que os livros recomendados pelo PNLD e a distribuição dos livros

selecionados visam somente as escolas públicas.

7 Segundo PRETTO, livro descartável é aquele no qual o aluno escreve no próprio livro, o que impedea sua reutilização. (1995, p. 39)

---- --

Page 82: A utilização do livro didático sobo olhar

81Entretanto, atualmente, observa-se um aumento significativo de

estabelecimentos particulares, causado (inclusive) pelo descrédito da população no

ensino público. Como a distribuição da Iistagem de livros do PNLD não se dirige às

escolas particulares, a escolha do livro didático nesses estabelecimentos compete

unicamente ao professor e/ou ao próprio diretor(a) da escola que, muitas vezes,

recebe influência das editoras (fato este observado no segundo capítulo). Assim, o

governo não controla os livros didáticos nas escolas particulares, embora uma

grande demanda de alunos estejam em tais escolas e uma boa parte dos

professores transitem, ao mesmo tempo, nos dois tipos de estabelecimento de

ensino (público e particular).

Dessa forma,

Os livros, textos e materiais didáticos são concebidos e elaborados para controlar einfluenciar a escolha de conteúdos curriculares que aliados à carga horáriadesgastante de trabalho acabam planejando e propondo atividades para osprofessores, restando-Ihes, apenas a execução das aulas. Preparar material didático,planejar aula e avaliar o resultado de seu trabalho é transferido para um local longeda sala de aula. (ROSSO, 2002, p. 01)

Apesar do MEC concluir, após seminário realizado em 1987, que a escolha

dos livros didáticos caberia essencialmente ao professor, tal iniciativa parece não ter

atingido os reais objetivos a que se propunha, uma vez que a escolha desses

manuais, até 1995, era feita pelas escolas, que na maioria das vezes, compravam os

exemplares pelo menor preço, sem seguir um critério rigoroso de avaliação.

(REVISTA DO PROVÃO, 2001, p. 52)

Em busca de uma política para assegurar a qualidade do livro didático a ser

adotado pelos professores, o MEC, por meio da Secretaria de Educação

Fundamental (SEF), iniciou discussões com especialistas de diversas áreas do

conhecimento para estabelecerem os princípios e critérios orientadores para a

seleção desse material.

Assim, em 1996, a SEF começou a desenvolver os trabalhos de avaliação

pedagógica dos livros didáticos (o qual está em permanente processo de

aperfeiçoamento) que, em acordo com o PNLD organizam, a cada três anos, uma

Page 83: A utilização do livro didático sobo olhar

82lista dos manuais recomendados, a qual é enviada a todas as escolas públicas do

país.

Segundo MAlA (2002, p. 33), o objetivo é ajudar os professores a escolher o

livro e tentar lutar contra o comércio de livros de péssima qualidade, sendo a seleção

desses manuais baseada na análise do layout da página, na correção do conteúdo,

na abrangência do programa, entre outros fatores relevantes; postura esta entendida

por alguns como um "gesto de censura", com implicações didático-pedagógicas.

Atualmente, incluído no PNLD, como peça-chave no trabalho dos professores,

um GUIA DE LIVROS DIDÁTICOS é enviado às escolas de 1" a 4" séries (volume 1)

e às de 58 a 8" séries (volume 2) do Ensino Fundamental, contendo as resenhas das

coleções avaliadas e recomendadas pelo PNLD para o trabalho em sala de aula,

possibilitando uma visão geral dos princípios/critérios gerais e específicos que

orientaram o trabalho dos especialistas na análise dos livros.

Além de procurar fornecer aos professores um material capaz de subsidiar

uma escolha consciente e segura dos livros didáticos a serem adotados, o MEC,

através do Guia de Livros Didáticos, pretende fazer com que as informações e

orientações sobre as principais características das obras sejam utilizadas em outras

ocasiões após a escolha, de forma que esse material permaneça como um material

de consulta, sempre que necessário.

Para que o MEC, por meio do PNLD, possa adquirir e distribuir

"gratuitamente", para todas as escolas públicas brasileiras de Ensino Fundamental,

livros didáticos de qualidade, é necessário que os livros inscritos pelas editoras

sejam avaliados.

No intuito de propiciar a professores e alunos um trabalho mais seguro em

sala de aula (no que se refere aos conteúdos), evitando informações

preconceituosas, discriminatórias, incorretas e desatualizadas que demonstrem falta

de embasamento teórico-metodológico, bem como preconceito de raça, origem,

sexo, religião ou quaisquer outras formas de discriminação, o processo de avaliação

das obras busca contribuir para o aperfeiçoamento do livro didático, fazendo com

que ele passe a ser entendido como instrumento auxiliar e não mais como a principal

ou única referência do trabalho docente. (SOUZA apud CORACINI, 1999, p. 59)

Page 84: A utilização do livro didático sobo olhar

83Isso implica em garantir, entre outras medidas, parâmetros curriculares

básicos em nível nacional, procurando nortear o trabalho docente e em dispor de um

livro didático diversificado e flexível, sensível às diferentes formas de organização

escolar e projetos pedagógicos, atendendo aos interesses sociais e regionais da

clientela que dele fazem uso.

Tendo em vista que o livro-texto é um dos principais recursos que influenciam

o trabalho pedagógico organizando, sobremaneira, o cotidiano da sala de aula,

necessário se faz que estes manuais sejam devidamente avaliados. É procurando

atingir esse fim é que a avaliação das obras inscritas no PNLD conta com técnicos

do próprio MEC, equipes da SEF e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação (FNDE), universidades, equipes de avaliadores, coordenadores e

especialistas das diversas áreas do conhecimento, bem como com organizações da

sociedade civil - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação

Comunitária (CENPEC), entre outros órgãos especializados.

Para a execução do PNLD/2002, em vigor atualmente, o MEC adotou uma

nova sistemática para esse processo de avaliação. Buscou por meio de parcerias

com universidades públicas, a inclusão de professores universitários, especialistas

em sua área de conhecimento, nas comissões avaliativas de cada disciplina do

chamado "núcleo comum", tendo em vista impulsionar o interesse da comunidade

acadêmica sobre a importância dessa temática e estabelecer critérios técnicos de

avaliação mais abrangentes, sob um olhar mais crítico.

Entre a preparação do primeiro Guia de Livros Didáticos (1995) e a do atual

(2002), renovável a cada três anos, muitos foram os avanços, decorrentes da

experiência acumulada, no sistema de avaliação dos livros didáticos; ações essas

que expressam grandes conquistas.

Além da presença de professores universitários na comissão julgadora, outra

inovação faz referência à decisão de que os livros não seriam mais avaliados por

série, mas por coleção, para o conjunto das 58, 68, 78 e 88 séries do Ensino

Fundamental, tendo em vista proporcionar a articulação pedagógica dos volumes

que integram uma coleção didática possibilitando, assim, o desenvolvimento

curricularda escola. (PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO, 2002, p. 12)

Page 85: A utilização do livro didático sobo olhar

84Outra novidade refere-se aos livros excluídos no PNLD anterior a 2002

(ANEXO IV) que, para serem inscritos novamente, necessitaram apresentar uma

revisão comprovada nos problemas anteriormente apontados.

Embora a descentralização do processo de avaliação, com a participação de

universidades de diferentes estados, tenha sido uma conquista memorável, é

possível apontar ainda dois ganhos significativos: um foi a chegada do Guia e dos

livros didáticos em tempo hábil para escolha e início das aulas; o outro refere-se à

inclusão dos dicionários entre os livros a serem distribuídos para os alunos.

Nesse contexto, cabe-nos ressaltar que a definição de uma política na qual é

possível apontar os principais problemas e perspectivas para o livro didático no

mundo atual vem, mais do que tudo, alertar a todos os envolvidos com o processo

educativo sobre a importância deste veículo de informação na sociedade, uma vez

que é o principal mediador no ensino promovido pela instituição-escola.

3.2 Princípios e critérios

Com o intuito de selecionar livros didáticos de qualidade, condizentes com as

reais necessidades da sociedade atual e da clientela escolar à qual se destinam, o

Guia de Livros Didáticos apresenta em sua estrutura os princípios/critérios comuns e

específicos de análise às cinco áreas básicas do saber: Língua Portuguesa,

Matemática, Ciências, História e Geografia.

Além dessa organização, as resenhas das coleções recomendadas estão

agrupadas por área do conhecimento, demarcadas por cores distintas: alaranjada

(Língua Portuguesa), azul (Matemática), roxa (Ciências), marrom (História) e verde

(Geografia). Há ainda um comentário sobre as coleções classificadas e um modelo

de ficha utilizada na avaliação das obras inscritas (ANEXO V).

Para facilitar a rápida visualização da categoria em que cada coleção avaliada

está inserida, foi adotada uma convenção gráfica rápida e prática:

• Recomendadas com distincão (três estrelas): obras, que, além da

qualidade (propostas pedagógicas elogiáveis e criativas), ficam ainda

melhores após as atualizações feitas pelos autores, procurando se

aproximar o máximo possível do padrão exigido pelo MEC;

Page 86: A utilização do livro didático sobo olhar

85• Recomendadas (duas estrelas): coleções que cumprem todos os

requisitos mínimos de qualidade exigidos;

• Recomendadas com ressalvas (uma estrela): reúnem-se os trabalhos

isentos de erros conceituais ou preconceitos obedecendo aos critérios de

qualidade, mas, que, por algum fator, ainda precisam de algumas

melhorias.

As obras excluídas, que não atendem às exigências básicas, portanto nem

chegam a ser avaliadas.

Esse procedimento, por sua vez, é conseqüência de tais coleções

apresentarem erros conceituais graves, informações incorretas e desatualizadas,

inadequação metodológica (o que parece ser o problema mais freqüente),

incoerência entre a intenção do autor e o resultado da obra, falta de rigor conceitual

e o viés ideológico arraigado, a contaminar a própria pedagogia das disciplinas do

currículo escolar, representando danos graves à formação dos alunos e à

construção da cidadania.

Contudo, é importante lembrar que tanto os aspectos positivos como as

ressalvas que constam das coleções avaliadas exemplificam qualidades e falhas

características e representativas do conjunto, mas apenas o bastante para respaldar

o juízo crítico.

Na tentativa de somar dúvidas e problemas futuros, o PNLD sugere que antes

dos professores optarem pelas coleções que mais atendam a seus anseios e

necessidades, estes fiquem cientes de que:

a coleção escolhida só poderá ser substituída por outra no próximo PNLD,

após uma vigência de 3 anos consecutivos;

mesmo tendo duas opções (devendo envolver editoras diferentes), estas

devem ser feitas de maneira não aleatória pelos professores da disciplina,

visto que é negociada com os detentores dos direitos autorais, o custo,

tiragem mínima e o prazo de entrega da coleção escolhida;

as coleções que compõem a reserva técnica (acervo de emergência capaz

de socorrer escolas cujos livros escolhidos não chegaram, ou vieram em

pequenas quantidades} são apenas as duas mais escolhidas de cada

disciplina no estado;

Page 87: A utilização do livro didático sobo olhar

86a organização em grupos (de acordo com a disciplina) e o planejamento

da leitura são essenciais para a discussão das propostas do Guia de

Livros Didáticos;

no PNLD, a escolha de uma mesma obra para uma mesma disciplina deve

valer para toda a escola.

Apesar de todas essas considerações, entendemos que a escolha de um livro

didático específico não deve impedir os professores de consultar outras fontes de

informação (livros, revistas, "sites" etc) , seja para estudar conteúdos, seja com o

objetivo de suprir lacunas, completar ou ampliar os conhecimentos, embora

acreditemos que...

as teorias não são as únicas fontes de respostas possíveis, completas eincorrigíveis, para as situações de ensino e aprendizagem. Elas são elaboradas paraexplicar, de forma sistemática; determinados fenômenos, e os dados do real é queirão fornecer o critério para a sua discussão permanente entre teoria e prática (...) deforma a que o discurso (o analisado, o lido) e o vivido, se aproximem cada vez mais(...}, onde aspectos cognitivos, emocionais, comportamentais, técnicos e sócio-culturais também possam ser considerados. (MIZUKAMI, 1986, p. 107-109)

Por isso, o sucesso do processo educativo só poderá ser alcançado com a

participação de todos os professores (o que é fundamental e imprescindível), na

medida em que estes estiverem, continuamente, lendo, analisando, discutindo e

avaliando propostas pedagógicas, visando sempre o progresso do aluno (o

desenvolvimento de suas habilidades e competências) e uma educação de

qualidade. É exatamente com essa perspectiva que o Guia de Livros Didáticos deve

ser consultado pelos professores, propiciando-Ihes uma visão mais clara de suas

necessidades e exigências.

Para que esses objetivos possam ser alcançados com maior êxito, necessário

se faz que os docentes verifiquem se as coleções em análise são compatíveis com o

projeto pedagógico e curricular da escola e da área de conhecimento, respeitando-

se a seqüência lógica dos conteúdos (de uma série específica e de uma série para

outra) e o (possível) ritmo de aprendizagem dos educandos.

No intuito de auxiliar os professores na escolha adequada da coleção didática

que permeará o trabalho pedagógico na escola, o Guia de Livros Didáticos

apresenta os critérios estabelecidos para a avaliação de tais títulos organizados em

Page 88: A utilização do livro didático sobo olhar

87comuns e específicos de acordo com cada área do conhecimento, e subdivididos

em eliminatórios e classificatórios, respectivamente, seguindo orientações dadas, em

acordo, por professores especialistas, editores e autores de livros didáticos.

Dessa forma, para que as obras avaliadas não sejam excluídas do PNLD,

estas devem apresentar os seguintes requisitos mínimos de qualidade:

• correção dos conceitos e informações básicas;

• correção e pertinência metodológicas;

• contribuição para a construção da cidadania;

• inscrição de uma única versão ou variante de uma obra;

• ausência de erros de impressão e de revisão;

• adequada reformulação pedagógica de obras possivelmente excluídas dos

PNLD anteriores;

• articulação pedagógica dos volumes que integram uma coleção didática.

Uma vez que os quatro últimos critérios comuns-eliminatórios (anteriormente

especificados) são entendidos pelo PNLD simplesmente como decorrentes do

aprimoramento dos processos de avaliação, a ênfase maior recai sobre os três

primeiros requisitos, por serem considerados como fundamentais a qualquer obra

didática. Informações adicionais sobre essa questão podem ser verificadas no

ANEXO VI da presente pesquisa.

Além desses requisitos, espera-se que uma obra didática de qualidade seja

claramente identificada (ficha catalográfica, dados sobre o(s) autor(es) e a obra), um

sumário a permitir uma rápida localização das informações, títulos e subtítulos numa

estrutura hierarquizada, recursos de descanso visual, ilustrações (de modo a não

expressar, induzir ou reforçar preconceitos) e boa legibilidade; além de glossário,

referências bibliográficas, indicações de leituras complementares e um "manual"

para o professor, de forma a explicitar a proposta didático-pedagógica da obra

(sugestões de atividades, discussões sobre a avaliação da aprendizagem e

comentários sobre as respostas dos exercícios propostos).

Saber que o livro didático é uma "ferramenta" de trabalho útil que o professor

dispõe para atingir os objetivos educacionais, ter conhecimento das qualidades

necessárias que este material pedagógico deve veicular, bem como se conscientizar

da necessidade de relacionar os conteúdos escolares com a realidade vivida pelos

Page 89: A utilização do livro didático sobo olhar

88alunos (procedimento que atende às expectativas dos Parâmetros Curriculares

Nacionais), parece-nos não ser o suficiente para conquistar um ensino de qualidade.

O verdadeiro desafio é outro: como selecionar e utilizar adequadamente esse aliado

no trabalho com uma determinada disciplina, ainda mais quando esta parece ser a

"vilã" do ensino.

É sobre tais questões que devemos dispensar maior atenção!

3.3 Adequação e pertinência didático-metodológicas

Considerando-se todas as disciplinas que compõe o chamado "núcleo

comum" do currículo escolar, a Matemática, ao que tudo indica, continua a ser

motivo de preocupação de muitos professores, que procuram torná-Ia mais

"concreta", e de uma relevante parcela de alunos, que a consideram difícil, abstrata,

desligada da vida, das coisas que nos rodeiam e do que as pessoas fazem, como se

não apresentasse qualquer relação com os problemas sociais e com os outros

campos do conhecimento.

Apesar de considerar a Matemática como parte do conjunto de

conhecimentos científicos, como um bem cultural construído nas relações do homem

com o mundo e no interior das sociedades, não poderia deixar de admitir que

aprender Matemática é muito mais do que manejar fórmulas, saber fazer contas,-.,

marcar um X na resposta certa ou "dominar" as estruturas matemáticas que muitos

autores de livros didáticos de matemática julgaram ser importantes para um

aprendizado eficaz (ANEXO VII).

Embora o discurso de muitos professores deixem claro que apropriar-se do

conhecimento matemático é interpretar e criar significados, construir seus próprios

instrumentos para a resolução de problemas, desenvolver o raciocínio lógico e a

capacidade de conceber e projetar, transcendendo o real; suas práticas pedagógicas

evidenciam uma concepção platônica-forrnalista" do que significa realmente ensinar

e aprender matemática no contexto atual. Além de outros fatores, essas concepções

se justifiquem porque...

8 Segundo KOYRÉ, a concepção platônica-forma lista, que se originara de Euclides e que aindapermeia o processo de ensino-aprendizagem da matemática, leva os educadores a trabalharem essadisciplina como algo "extra-terrestre" dentro das estruturas da "Matemática Moderna". (1988, p. 64)

Page 90: A utilização do livro didático sobo olhar

89

A Ciência pode ser encarada sob dois aspectos diferentes. Ou se olha para ela talcomo vem exposta nos livros de ensino, como coisa criada, e o aspecto é o de umtodo harmonioso, onde os capítulos se encadeiam em ordem, sem contradições; ouse procura acompanhá-Ia no seu desenvolvimento progressivo, assistir à maneiracomo foi sendo elaborada, e o aspecto é totalmente diferente - descobrem-sehesitações, dúvidas, contradições, que só um longo trabalho de reflexão eapuramento consegue eliminar, para que logo surjam outras hesitações, outrasdúvidas, outras contradições. (CARAÇA apud IMENES, 1989, p. 45)

Tendo-se em vista que é relevante a quantidade de professores que fazem

uso (direto ou indireto) de livros didáticos para a preparação e/ou execução de suas

aulas, é preciso atentar para o fato de que este recurso não venha a contribuir para

que o conhecimento matemático seja visto como distanciado do processo histórico-

social no qual é produzido e o qual ajuda a produzir.

Para evitar que esse material informativo deixe de cumprir seu real objetivo,

faz-se necessário que o professor proceda a uma escolha adequada, eficiente e

consciente da obra didática que permeará seu trabalho pedagógico no transcorrer

de todo o ano letivo.

Entendemos que a escolha adequada do livro didático e seu manuseio correto

são instrumentos fundamentais para a aquisição de conhecimentos sistematizados

(em todos os níveis de ensino); observamos, no entanto, que escolhas apressadas

ou equivocadas tendem a comprometer seriamente o aprendizado dos alunos e a

provocar críticas de todos os setores relacionados com o ensino e a pedagogia.

No entanto, é forçoso admitir que freqüentemente índices de livros didáticos

constituem-se nos próprios planos de curso, faltando-Ihes o toque pessoal do

professor e a adequação à realidade de cada escola e às necessidades dos

educandos.

Uma vez que o professor tem "liberdade" de seleção do livro didático, este

precisa ser criteriosamente analisado, devendo ser entendido como ponto de partida

para percursos mais extensos e mais fecundos. A ponderação quanto ao seu uso no

ensino, bem como a utilização paralela de alguns livros paradidáticos (ANEXO VIII),

entre outros materiais (revistas, jornais, Internet etc), possibilitariam ao professor ter

mais clareza dos objetivos que se pretende alcançar com o ensino de uma

determinada disciplina e/ou de um conteúdo específico pertinente à mesma.

Page 91: A utilização do livro didático sobo olhar

90Sendo assim, ao recorrer ao livro didático para elaborar o plano de ensino e

de aulas, é necessário ao professor o domínio seguro da matéria e bastante

sensibilidade crítica, visto que ao selecionar os conteúdos da série em que irá

trabalhar, precisa analisar os textos, verificar como são enfocados os assuntos, para

enriquecê-Ios com sua própria contribuição e a dos alunos, comparando o que se

afirma com fatos, problemas, realidades da vivência real dos alunos. (LlBÂNEO,

1991, p. 140)

Nos dias atuais, abordar questões acerca da educação em geral, e da

matemática, em particular, esperando dos docentes uma postura crítica frente às

diferentes tecnologias de informações que o chamado "mundo moderno" nos

apresenta, parece-nos desafiante e até mesmo complexo mas, sobretudo, de

extrema relevância.

Ao lançarmos um olhar sobre a utilização do livro didático de matemática na

88 série do Ensino Fundamental, particularmente no que se refere à atitude do

professor frente ao encaminhamento didático-metodológico que realiza via livro-

texto, observa-se (além dos fatores expostos no capítulo anterior) que grande parte

dos docentes não estabelecem as devidas relações entre os "blocos de conteúdos"

pertinentes àquela série (ANEXO IX).

Diante dessa constatação, entendemos que embora cada eixo tenha sua

especificidade (...), é na inter-relação entre Números, Operações, Medidas e

Geometria que as idéias matemáticas e o vocabulário matemático ganham

significado (SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, 1990, p. 68), pois a

grandiosidade do universo matemático só pode ser compreendido partindo-se do

global para o particular, e não o contrário.

Partindo do princípio de que o verdadeiro aprendizado só ocorre se apoiado

na compreensão e não na simples memorização ou repetição mecânica dos

conteúdos, e de que é só na interação com a classe que se pode estimular o

raciocínio e o desenvolvimento de idéias próprias, em busca de soluções, cabe ao

professor aguçar seu espírito crítico diante do livro didático que pretende adotar para

o trabalho pedagógico.

Page 92: A utilização do livro didático sobo olhar

·._--------- .. ,--

aprender dos conteúdos pertinentes a uma determinada disciplina.

Referenciando-nos por essa premissa, entendemos que adquirir essa

perspicácia pode ser uma tarefa difícil, mas não impossível. Talvez essa atitude

necessite um pouco mais de atenção quando tivermos de optar por um ou outro livro

didático de matemática, tendo em vista a quantidade acentuada de exemplares

apresentada pelo mercado editorial. Definir um título é como buscar o (a) parceiro (a)

ideal. Se isso é difícil na vida amorosa, por que seria diferente com um "companheiro

de trabalho?"

No intuito de tecer maiores esclarecimentos sobre essa questão, convém

ressaltar alguns dos critérios (eliminatórios e classificatórios) utilizados pelo MEC

para a avaliação dos livros didáticos de matemática, levando-se em conta aspectos

relativos tanto à correção dos conteúdos quanto à adequação e pertinência didático-

metodológicas.

Na categoria "critérios eliminatórios", o MEC entende que o livro didático

precisa expor e formular corretamente conceitos, procedimentos e algoritmos de

modo que os alunos aprofundem, ampliem e integrem idéias relativas aos campos

Números, Geometria e Medidas de modo que propiciem o entendimento do papel

que a noção de medida desempenha na integração do campo aritmético e algébrico

com a geometria.

Nessa perspectiva, torna-se necessário que o "livro do aluno" apresente e

desenvolva os conteúdos de forma clara e correta, integrando e aprofundando

gradativamente conceitos, sem confusões conceituais, contradições e indução ao

erro. Adequar a exposição dos conceitos ao nível cognitivo dos alunos é

fundamental.

Entendendo que todo livro didático é resultado de concepções explícitas (ou

implícitas) que os autores têm da Matemática em seu processo de ensino e

aprendizagem, necessário se faz que este material contribua para a efetivação dos

objetivos quer da educação em geral, quer da disciplina e/ou do nível de ensino em

questão.

Page 93: A utilização do livro didático sobo olhar

92A necessidade de fomentar o trabalho em grupo, a capacidade de auto-

crítica e de auto-avaliação, o incentivo à criatividade e ao senso crítico e a

habilidade do aluno expor argumentos matemáticos em diversas linquaqens'' são

algumas outras características desejáveis em um livro didático de matemática de

qualidade.

Além dessas exiqências, espera-se que os livros didáticos levem em

consideração a linguagem própria da Matemática, preocupando-se com aspectos

relacionados a significados e representação de conceitos, adequação à série a que

se destinam, articulação na apresentação dos conteúdos e clareza na explanação. A

preocupação com a influência que pode exercer sobre a formação (intelectual, moral

e ética) dos educandos e a ausência de todo e qualquer tipo de preconceito (que

depreciem grupos étnicos ou raciais) e de doutrinação religiosa, que levem ao

desrespeito do caráter leigo do ensino público e da liberdade de crenças, também

devem permear a estrutura dos livros-texto.

Para que fosse possível o MEC estabelecer uma gradação de qualidade na

análise dos livros didáticos inscritos nos PNLD, possibilitando classificá-Ios em

Recomendados com Distinção, Recomendados e Recomendados com Ressalvas,

foi necessária a inclusão de alguns "critérios classificatórios" que, de certa forma,

apenas complementam as determinações dos critérios eliminatórios.

Nessa nova categoria pontua-se como necessário que os livros didáticos

favoreçam a integração entre os diferentes campos da Matemática escolar, a

interpretação e análise críticas de informações qualitativas e quantitativas, a

capacidade de criação de modelos matemáticos representativos de situações reais,

a adaptação a recursos tecnológicos cada vez mais acessíveis (calculadoras,

computadores etc) , a evolução histórica da Matemática e seu contínuo

desenvolvimento em resposta a desafios e problemas enfrentados pelas sociedades.

Espera-se ainda, que os livros didáticos apresentem ampla variedade de

situações-problema significativas para o aluno, abrangendo tópicos relativos a outras

áreas do conhecimento e atividades que permitam a exploração de resoluções

próprias por parte dos educandos.

9 o PNLD entende ser importante o aluno dominar as linguagens escrita, oral, numérica, algébrica,gráfica e geométrica em seus aspectos semânticos e sintáticos. (2002, p. 143)

Page 94: A utilização do livro didático sobo olhar

93Outros pontos relevantes que devem permear a estrutura de um livro

didático de matemática fazem referência à sua contribuição para o estabelecimento

de relações entre os diferentes conteúdos de ensino, estimulando assim o raciocínio

lógico-matemático dos alunos.

Um fator enfatizado com extrema veemência pelo MEC, tendo em vista que

muitas das obras avaliadas falham nessa tarefa, conceme aos aspectos gráfico-

editoriais e visuais, principalmente. Isto deriva do fato de muitos exemplares

avaliados apresentarem algumas unidades de medida de certas grandezas

totalmente distorcidas de seu tamanho real (como as réguas graduadas, por

exemplo), além de formas e tamanhos irreais de figuras humanas e de objetos do

cotidiano.

É preciso ficarmos atentos a essas particularidades, pois comprometem,

sobremaneira, a compreensão dos conceitos matemáticos, as articulações destes

com o mundo cotidiano e a qualidade desses materiais.

Diante do exposto, acreditamos que o momento não é proprcio para nos

posicionarmos contra ou a favor dos critérios de seleção utilizados pelo MEC para a

avaliação dos livros didáticos, mas sim, de enfatizarmos a necessidade de

dispormos de bons materiais que nos levem ao entendimento de que aprender

Matemática é conquistar processos e conceitos a serem utilizados, cada vez mais

profundamente, com lógica, consciência e satisfação; sem deixar de lado o senso

crítico e a perspicácia, uma vez que ...

a escola pode formar para a submissão e a passividade ou para a liberdade e aparticipação social (...), e que da mesma forma que os professores, os livrosdidáticos podem transmitir conteúdos que sejam do interesse de minoriasprivilegiadas que detêm o poder político e econômico; conteúdos que favoreçam amanutenção das estruturas sociais injustas; que promovam as desigualdadessociais, a dominação dos poderosos sobre os fracos, etc. (PILETTI, 1993, p. 74)

Nesse contexto, entendendo a instituição escolar como um aparelho

ideológico do Estado e, o livro didático a exercer uma forte relação de poder no

processo ensino-aprendizagem, é notório observar que, embora se tenha verificado

uma nítida melhoria em alguns livros didáticos de matemática avaliados pelo MEC

até o presente momento, muitas são as coleções reprovadas (categoria dos

excluídos) por não se enquadrarem aos padrões de qualidade exigidos.

(

Page 95: A utilização do livro didático sobo olhar

94Segundo o PNLD/2002 os problemas identificados em tais coleções foram:

• os elementos da Teoria Elementar dos Conjuntos são tomados como base

para a introdução e sistematização de conceitos de número cardinal,

adição de números naturais, de reta e plano;

• os conteúdos apresentados nas séries/ciclos inicial e final do Ensino

Fundamental são descontínuos;

• a revisão e ampliação dos conceitos e operações com números naturais e

fracionários é superficial;

• a introdução do conjunto dos números inteiros, racionais e irracionais - e

suas operações, assim como a extensão do conceito de potência e raiz a

esses campos numéricos são feitas inadequadamente;

• o tópico "plano cartesiano" recebe tratamento superficial e artificial;

• os tópicos sobre equações e inequações são trabalhados de modo muito

formal;

• o tratamento da Geometria tem sido estereotipado, privilegiando a

nomenclatura e a apresentação de formas canônicas, não havendo

equilíbrio nem inter-relação entre as apresentações experimental, intuitiva

e formal;

• não há uma exploração da dimensão real das unidades de medida e das

relações entre elas, nem uma construção gradativa dos conceitos de área

e volume;

• os tópicos sobre estatística, probabilidades, tabelas e gráficos não se

apresentam articulados com os demais conteúdos escolares.

(Adaptado)

Mesmo havendo coleções inadequadas para o uso efetivo em sala de aula,

em contrapartida, há outras que conseguem um equilíbrio feliz entre a intuição e a

formalização, que contextualizam apropriadamente os conhecimentos, que

promovem o desenvolvimento de habilidades cognitivas, aproximando-se mais das

reais necessidades de alunos e professores, propiciando assim a formação de um

conhecimento matemático significativo, autônomo e produtivo.

Page 96: A utilização do livro didático sobo olhar

95É importante salientar que ao confrontarmos a lista dos livros didáticos de

matemática recomendados pelo PNLD/2002 para o trabalho na a8

série do Ensino

Fundamental (ANEXO X), com os utilizados tanto direta como indiretamente pelos

professores das escolas públicas estaduais e particulares na época da realização

dessa pesquisa (ver QUADROS 1 e 2 no capítulo anterior), observamos que grande

parte das obras indicadas são utilizadas para o desenvolvimento do processo de

ensino e aprendizagem da matemática, salvo os títulos "Matemática na vida e na

escola" (autoria de Ana Lúcia Gravato Bordeaux Rego et alI), "Matemática" (de

Walter Spinelli et alI) e "Matemática e interação" (autoria de Clélia Maria Martins

Isolani et alI) que, embora recomendados, não são utilizados; além da obra

"Aprendendo matemática" (de Eduardo Afonso de Medeiros Parente et alI)

pertencente à categoria dos não-recomendados.

Embora sejam evidentes as dificuldades pelas quais passam a educação em

geral, e o ensino da Matemática, em nosso país, a coerência com as propostas do

PNLD evidencia um real comprometimento da maioria dos professores para consigo

mesmos, com a sociedade e, principalmente, com os alunos, uma vez que através

de uma mudança de atitudes estão procurando selecionar materiais didáticos

realmente condizentes com as necessidades dos educandos perante as contínuas

transformações e exigências impostas pelo mundo atual.

Considerando que o sucesso do processo ensino-aprendizagem da

matemática depende da ação conjunta de professores e alunos e que, via de regra,

o mesmo acontece calcado pela presença marcante do livro didático, é fundamental

que o professor faça uma escolha acertada do manual que irá adotar para o

desenvolvimento de seu trabalho.

Para isso é necessário que tome como base os critérios avaliativos do MEC,

da Tabela Binning, (ANEXO XI) ou de quaisquer outras referências que possam

servir de respaldo, de modo a apresentar qualidades intrínsecas tais como:

• Capacidade de transmitir conhecimentos fundamentais, através de umaseqüência lógica e adequada de assuntos;

• Apresentação de unidade, coerência, integração, correção de estilo e deortografia, continuidade e grau crescente de dificuldades;

• Facilitação da passagem gradativa do aluno da civilização oral para a civilizaçãoescrita. (NISKIER, 1991, p. 39-40)

Page 97: A utilização do livro didático sobo olhar

96

Entendendo que o ensino da matemática exige dos alunos atenção,

observação, precisão, perseverança, decisão e tantos outros quesitos, favorecendo

a disciplina mental, a objetividade, a capacidade de abstração, o raciocínio lógico, o

espírito de análise e o senso crítico, é fundamental que alguns outros critérios sejam

cuidadosamente avaliados ao se escolherem os livros didáticos de matemática:

1) a organização dos conteúdos deve ter como eixo referencial a forma como esseconhecimento foi sendo produzido e elaborado ao longo de sua história;

2) os conteúdos propostos no livro didático devem aproximar-se o máximo possíveldos conteúdos propostos no Currículo Básico. Ex.: Medidas e Geometria devemestar presentes nos diferentes momentos do livro e não apenas nos "últimoscapítulosn

;

3) quanto ao aspecto metodológico, no livro deverá transparecer uma visãodinâmica do processo de aprendizagem, no qual o aluno se apropria ativamentedo conhecimento. Os conceitos deverão ser elaborados e reelaborados comdiferentes níveis de profundidade;

4) o livro não deverá apresentar teares prontas e mecânicas para a solução deproblemas e sim dar o embasamento fundamental e necessário para acompreensão do problema e sua solução;

5) os problemas não deverão ser apresentados somente no final dos capítulos comomais um conteúdo; mas sim como uma forma de trabalhar os conceitosmatemáticos;

6) o livro deverá conter exercícios que permitam ao aluno pensar e propor diferentessoluções. Os exercícios não deverão ser apresentados em um mesmo nível dedificuldade;

7) os exercícios inseridos nos livros deverão ser escritos em linguagem c/ara econter dados atualizados;

8) a escolha do livro, não deverá priorizar aspectos como: capa, cores ou outrasqualidades "físicas" em detrimento dos aspectos realmente essenciais deconteúdolforma;

9) as ilustrações do livro deverão estar ligadas ao texto e contribuir para oentendimento do conceito a ser trabalhado. (SECRETARIA DE ESTADO DAEDUCAÇÃO, 1991, p. 12-13)

Na ausência de materiais instrucionais em quantidade e qualidade suficientes

que orientassem o trabalho do professor na sala de aula, quer em relação aos

objetivos fundamentais a serem alcançados pelo processo de ensino e

aprendizagem da matemática, quer em relação aos conteúdos essenciais a serem

desenvolvidos e, finalmente, quer em relação às metodologias e às estratégias de

ensino a serem utilizadas para alcançar os objetivos traçados, o livro didático passou

a ser o principal e, em muitos casos, o único instrumento de apoio ao trabalho

docente.

Page 98: A utilização do livro didático sobo olhar

97Devido à sua crescente vulgarização, precisa ser devidamente selecionado

de modo a atender à proposta pedagógica da escola, uma vez que, de acordo com

DANTE (in: EM ABERTO, 1996, p. 83-84), quando bem utilizado, tem um papel

fundamental no processo ensino-aprendizagem por várias razões:

• em geral, só a aula do professor não consegue fornecer todos os elementos

necessários para a aprendizagem do aluno, uma parte deles como problemas,

atividades e exercícios pode ser coberta recorrendo-se ao livro didático;

• o professor tem muitos alunos, afazeres e atividades extra-curriculares que o

impedem de planejar e escrever textos, problemas interessantes e questões

desafiadoras, sem ajuda do livro didático;

• a matemática é essencialmente seqüencial, um assunto depende do outro, e o

livro didático fornece uma ajuda útil para essa abordagem;

• para professores com formação insuficiente em matemática, um livro didático

correto e com enfoque adequado pode ajudar a suprir essa deficiência;

• muitas escolas são limitadas em recursos como bibliotecas, materiais

pedagógicos, equipamento de duplicação, vídeos, computadores, de modo que o

livro didático constitui o básico, senão o único recurso didático do professor;

• a aprendizagem da matemática depende do domínio de conceitos e habilidades.

O aluno pode melhorar esse domínio resolvendo os problemas, executando as

atividades e os exercícios sugeridos pelo livro didático;

• o livro didático de matemática é tão necessário quanto um dicionário ou uma

enciclopédia, pois ele contém definições, propriedades, tabelas e explicações,

cujas referências são freqüentemente feitas pelo professor.

Diante dos aspectos abordados, é possível observar a importância que o livro

didático assume no ensino da matemática e de outras disciplinas do currículo

escolar. Com base nessa constatação, é fundamental que os livros didáticos passem

pelo crivo das sugestões e críticas dos docentes, percebendo se há coerência entre

os conteúdos veiculados, com vistas a permitirem a devida 'instrumentalização' dos

discentes para uma atuação efetiva na sociedade. Esses e outros fatores, portanto,

confirmam a relevância do estudo desse recurso didático.

Page 99: A utilização do livro didático sobo olhar

CONSIDERAÇÕES FINAIS

o homem evoluiu, valendo-se das conquistas da técnica: dominou animais e

plantas, fabricou utensílios, inventou a roda e a escrita, desintegrou o átomo e

conquistou a Lua, atingindo assim um significativo nível de cultura tanto que é

possível sentir as implicações desses avanços em todos os setores da sociedade,

inclusive na área educacional.

Diante da existência de uma sociedade dinâmica, em contínua mudança e

rápida evolução, toma-se praticamente impossível precisar o grau de

desenvolvimento que esta irá alcançar nas décadas futuras.

Contudo, surge nas escolas da atual sociedade a preocupação em organizar

programas de ensino inovadores que atendam às "novas" exigências impostas direta

ou indiretamente pelo mercado, em face dos progressos da ciência e da técnica.

No contexto dos avanços tecnológicos, não poderíamos nos esquivar de

abordar a situação dos atuais materiais impressos, principalmente dos livros

didáticos, visto que há quem cogite da possibilidade de seu desaparecimento ou,

pelo menos, de uma mudança radical em sua natureza, em face do advento da

informática e de outros meios eletrônicos de acúmulo e fluxo de informações.

Ao lançarmos um olhar crítico sobre a sala de aula, mais precisamente em

relação à prática pedagógica dos professores de 88 série do Ensino Fundamental

pesquisados, foi possível constatar que embora sejam utilizados outros meios

tecnológicos, o livro didático têm sido o recurso pedagógico mais adotado no

desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem da matemática, uma vez que

parece estar atendendo ao padrão de qualidade exigido pelo MEC (passando por

uma adoção mais consciente, se comparada com a realizada em anos anteriores),

às propostas dos PCN e às expectativas e reais necessidades da clientela escolar -

professores e alunos. Estas constatações, porém, vêm infirmar as hipóteses

levantadas no início da presente pesquisa.

Apesar de uma ascendência marcante do livro didático de matemática no

processo educativo, pela qual acreditar no livro e acreditar em Deus tendem a

tomar-se sinônimos (DEBRAY, 1996, p. 141), proporcionando economia de tempo,

Page 100: A utilização do livro didático sobo olhar

99objetividade/sistematização dos conteúdos de ensino entre outras benesses

apontadas pela pesquisa desenvolvida, é imprescindível a tomada contínua de uma

atitude crítico-reflexiva frente a este objeto cultural "sagrado", para que assim o

mesmo não se caracterize como o "currículo" da escola, mas um meio auxiliar às

atividades desenvolvidas pela instituição-escola. Tais afirmações nos remetem ao

fato de que, .além da necessidade de escolha adequada do livro didático

(observando seus possíveis avanços técno-científicos), é preciso uma utilização

adequada por parte de docentes e discentes, tendo em vista o sucesso do processo

educativo.

No intuito de que professores e alunos não se tornem "escravos"

permanentes do livro didático, mas que este possa efetivamente contribuir para o

sucesso dos aprendizes, faz-se necessário que este material seja cuidadosamente

avaliado, segundo princípios e critérios estabelecidos, pois, se bem escolhido,

constitui real ajuda para a prática docente e na divulgação de conhecimentos

matemáticos importantes para a formação de cidadãos conscientes, críticos e

capazes de atuar no mundo do trabalho.

Todavia, a análise crítica do livro didático também não pode ser desvinculada

do contexto geral do sistema educacional brasileiro, sem uma reflexão mais ampla

da produção cultural do país; por isso a necessidade de que este material incorpore

os resultados de pesquisas e experiências que apontem opções didático-

metodológicas propiciadoras à construção de um conhecimento matemático

produtivo e autônomo.

É preciso salientar que com esses apontamentos não estamos pretendendo

esgotar o assunto, nem tampouco entender o livro didático como um fato isolado,

mas como uma problemática que se insere em um contexto mais amplo, que

perpassa o sistema educacional e envolve estruturas globais da sociedade

brasileira: o Estado, o mercado e a indústria cultural.

A constatação da abertura de visão dos currículos escolares, dos autores de

livros didáticos de matemática e dos professores atuantes no Ensino Fundamental,

alimentam a esperança de que lentas, graduais e possíveis transformações se

concretizarão no ensino da Matemática, garantindo a este cumprir seu verdadeiro

papel, o de ser um instrumento de reflexão e transformação social.

Page 101: A utilização do livro didático sobo olhar

100Observando a problemática estabelecida em torno dos livros didáticos de

matemática, mesmo em meio a progressos e retrocessos, consideramos relevante o

desenvolvimento da presente pesquisa, não para propor mudanças curriculares ou

inferir sobre a prática dos professores, mas sim como uma forma de servir de

referencial a educandos e educadores, contribuindo assim para o despertar de uma

atitude pedagógica diferenciada frente à transformação do ensino da matemática,

visto que o resultado desse trabalho pode ser associado a outras pesquisas

relacionadas a essa temática e, assim, ser complementado.

Apesar dos avanços observados quanto à(s) forma(s) de adoção e utilização

do livro didático de matemática pelos docentes, a necessidade de constante reflexão

e (re)aprimoramento da prática pedagógica é fato indiscutível e imprescindível na

atual sociedade do conhecimento.

Tendo em vista as reflexões e resultados alcançados através da realização

dessa pesquisa, acreditamos ter atingido os objetivos propostos e contribuído,difeta

ou indiretamente, para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem da

matemática.

Page 102: A utilização do livro didático sobo olhar

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Nilda. O conteúdo e o método nos livros didáticos de 18

a 48

série do 1°grau.In: Revista Educação & Sociedade. São Paulo: Cortez, ano IX, n. 27, p. 13-32, set.1987.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. 1ed.São Paulo: Moderna,1989.

ARAÚJO, Antonio Pinheiro de. O livro didático de matemática: utilização napercepção do aluno. In: Revista Bolema, ano 7, n. 8, p. 98 -109, 1992.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS EDITORIAIS EAUTORAIS - ABPDEA. O que é lei do direito autoral. Rio de Janeiro: Forense, s.d.

BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. 2ed. São Paulo:Ática, 1986.

BELLEI, Sérgio Luiz Prado. O livro, a literatura e o computador. São Paulo:EDUC, Florianópolis, SC: UFSC, 2002.

BIBLIOTECA PÚBLICA DO PARANÁ. A evolução do livro e da biblioteca, s.d.Apostila datilografada.

BIGODE, Antônio José Lopes. Matemática hoje é feita assim. 88 série. São Paulo:FTD,2000.

BIRKERTS, Sven. The Gutenberg Elegies. New York: Fawcett, 1994.

BOGDAN, Robert et ali. Investigação qualitativa em educação: uma introdução àteoria e aos métodos. Porto: Editora Porto, 1994.

BORDENAVE, Juan Diaz et ali. Estratégias de ensino-aprendizagem. Petrópolis:Vozes, 1995.

BRASIL, Luiz Alberto S. et ali. Aplicações da Teoria de Piaget ao ensino damatemática. Rio de Janeiro: Forense, 1977.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros CurricularesNacionais: matemática. Brasília, 1998.

BURAK, Dionísio. O movimento Educação Matemática e suas tendências. Textoavulso.

CANDAU, Vera Maria Ferrão. Magistério: construção cotidiana. 2ed. Petrópolis:Vozes, 1998.

Page 103: A utilização do livro didático sobo olhar

102

CARVALHO, Irene Mello. O processo didático. 6ed. Rio de Janeiro: Editora daFundação Getúlio Vargas, 1987.

CARVALHO, Silvana Maura Batista de. O livro didático e as concepçõeshistoriográficas: uma análise do ensino de f e 2° graus. Ponta Grossa, 1995.Monografia de Especialização em Metodologia do Ensino Superior, UEPG.

CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europaentre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999.

CLlPPING DA EDUCAÇAO. Publicação do Instituto de Pesquisas Avançadas emEducação. São Paulo: ano 12, n. 368, p. 10, jul. 2001.

COMISsAo DO LIVRO TÉCNICO E DO LIVRO DIDÁTICO - COLTED. O livrodidático: sua utilização em classe. 2ed. São Paulo: EPU, 1976.

CORACINI, Maria José Rodrigues Faria. Interpretação, autoria e legitimação dolivro didático: língua materna e língua estrangeira. 1ed. Campinas: Pontes, 1999.

CURI, Samir Meserani. O intertexto escolar: sobre leitura, aula e redação. SãoPaulo: Cortez, 1995.

DANTE, Luiz Roberto. Livro didático de matemática: uso ou abuso? In: Revista EmAberto. Brasília, ano 16, n. 69, p. 83 - 90, jan.lmar. 1996.

DAVEL, Laerth R. G. Tratado de ensino educacional. Vitória: Editado pelo autor,1995.

DEBRAY, Regis. "The book as symbolic objecr. In: NUMBERG, Geoffrey (ed). Thefuture of the book. Bertelley, University of California Press, 1996.

DEMO, Pedro. Ironias da educação: mudança e contos sobre mudança. Rio deJaneiro: DP&A, 2000.

DIB, Cláudio Zaki et ali. O livro na educação. São Paulo: Primor, 1974.

ENCICLOPÉDIA SEMANAL ILUSTRADA - CONHECER. São Paulo: Abril, n. 51, v.04, s.d..

FEBVRE,Lucien et ali. O aparecimento do livro. São Paulo: Editora UniversidadeEstadual Paulista; Hucitec, 1992.

FREITAG, Bárbara et ali. O livro didático em questão. São Paulo: Cortez/AutoresAssociados, 1989.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1995.

Page 104: A utilização do livro didático sobo olhar

IMENES, Lutz Marclo t-'erelra. um estuoo SODre u 1ri:l~i:l:J:JUUU II::II:JIIIU11:: uaaprendizagem da matemática. Rio Claro, 1989. Dissertação de Mestrado emEducação Matemática, UNESP.

JAKUBOVIC, José; LELLlS, Marcelo. Matemática na medida certa. 88 série. SãoPaulo: Scipione, (versões 1990, 1995 e 1999).

JOIA, Orlando et ali. Metodologia da alfabetização: pesquisa em educação dejovens e adultos. Campinas: Papirus; São Paulo; CEDI, 1992.

KOYRÉ, A. Introdução à leitura de Platão. Lisboa: Presença, 1988.

LlBÂNEO, José Cartos. Didática. São Paulo: Cortez, 1991.

LIMA, Elon Lages. Meu professor de matemática e outras histórias. In: Revista daSociedade Brasileira de Matemática. Rio de Janeiro, p. 143 -148, 1991.

LIMA, Lauro de Oliveira. Escola no futuro. 2ed. São Paulo: Hamburg, 1966.

_________ . Mutações em educação segundo McLuhan. 19 ed.Petrópolis: Vozes, 1987.

LlTWIN, Edith. Tecnologia educacional: política, histórias e propostas. PortoAlegre: Artes Médicas, 1997.

LUCKESI, Cipriano Cartos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1990.

MACEDO, Lino de. Ensaios construtivistas. São Paulo: Casa do psicólogo, 1994.

MACHADO, Nílson José Machado. Epistemologia e didática: as concepções deconhecimento e inteligência e a prática docente. 3ed. São Paulo: Cortez, 1999.

MAlA, Angela Maria dos Santos. O texto poético: leitura na escola. Maceió:EDUFAL,2001.

MARTINS, Clélia. O que é política educacional. 2ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

MCLUHAN, M. La comprensión de los medios como Ias extensiones deihombre. México: Editorial Diana, 1982.

MEKSENAS, Paulo. Sociologia. São Paulo: Cortez, 1991.

MERINO, Djalma. Física. 2. Grau. Vo11. São Paulo: Ática, 1979.

MIORIM, Maria Angela. Introdução à história da Educação Matemática. SãoPaulo: Atual, 1988.

Page 105: A utilização do livro didático sobo olhar

105REVISTA DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA, n. 46, p. 43 - 51,2001.

REVISTA DO PROVÃO. Avaliação e qualidade. Brasília, n. 6, 2001.

REVISTA VEJA. Os reis do livro didático. São Paulo, n. 756, p. 42-49, mar. 1983.

RIBAS, Mariná Holzmann. Construindo a competência: processo de formação deprofessores. São Paulo: Olho d'Água, 2000.

ROSSO, Ademir José. A função formativa do erro. In: Espaço pedagógico. PassoFundo, nO01, v. 03, p. 79-95, 1996.

_______ . Qualificação e desqualificação docente, 2002. Texto avulso.

SADER, Edmir et ali. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estadodemocrático. 3ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

SÁNCHEZ, Miguel. Los textos expositivos: estratégias para mejorar sucomprensión. Madri: Santillona - Aula XXI, 1993.

SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. SãoPaulo: CortezlAutores Associados, 1980.

SCHEIBE, Leda. O livro didático e as contradições do real. In: Revista daAssociação Nacional de Educação. ANDE. São Paulo: Cortez, ano 05, n. 10, p.20, 1986.

SINDICATO DAS ESCOLAS PARTICULARES - SINEPE. Lei de diretrizes e basesda educação nacional. Curitiba: Opet, 1997.

TRIVINOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo:Atlas, 1995.

VALENTE, Wagner Rodrigues. Positivismo e Matemática escolar dos livros didáticosno advento da República. In: Cadernos de Pesquisa. São Paulo: AutoresAssociados, n. 109, p. 201-212, mar. 2000.

ZÓBOLl, Graziella Bernardi. Práticas de ensino: subsídios para a atividadedocente. ged. São Paulo: Ática, 1998.