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 RAC, v. 10, n. 4, Out./Dez. 2006: 111-130 111 Políticas para  Stakeholders  : um Objetivo ou uma Estratégia Organizacional? T aiane Las Casa s Campos R ESUMO O objetivo deste artigo é discutir a fundamentação das contribuições para a construção de uma teoria de stakeholders,  tendo como base a dimensão ética desse debate. Para tanto, está dividido em três partes, além desta introdução e das considerações finais. Na p rimeira parte são tecidas considerações quanto à dimensão descritiva e empírica do debate. Na segunda, será apresentada a teoria de stakeholders com a formulação ética implícita na proposição. Na terceira, discutimos a ética subjacente à teoria dos shareholders de forma a contrapô-la à teoria dos stakeholders. Por fim, apresentamos as proposições que buscam construir a teoria dos stakeholders a partir da convergência dos interesses dos participantes organizacionais. Palavras-chave: stakeholders; acionistas; ética; cooperação.  A BSTRACT The aim of this article is to discuss the assumptions of the major theoretical perspectives for the building of a stakeholders’ theory, using the ethical dimension as its groundwork. For this purpose, the article is organized in three parts, in addition to this introduction and a conclusion. In the first part, some ideas regarding the descriptive dimensio n of the debate are discussed. In the second part, the stakeholders’ theory is presented along with the ethical explanation inherent in its proposition. In the third part, we discuss the ethic underlying the shareholders’ theory in order to contrast this theory with the stakeholders’ theory. Finally, we present the assumptions intended to establish the stakeholders’ theory based on the organizational participants’ interests. Key words: stakeholders; shareholders; ethics; cooperation.

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  • RAC, v. 10, n. 4, Out./Dez. 2006: 111-130 111

    Polticas para Stakeholders: um Objetivo ou uma

    Estratgia Organizacional?

    Taiane Las Casas Campos

    RESUMO

    O objetivo deste artigo discutir a fundamentao das contribuies para a construo de uma teoriade stakeholders, tendo como base a dimenso tica desse debate. Para tanto, est dividido em trspartes, alm desta introduo e das consideraes finais. Na primeira parte so tecidas consideraesquanto dimenso descritiva e emprica do debate. Na segunda, ser apresentada a teoria destakeholders com a formulao tica implcita na proposio. Na terceira, discutimos a tica subjacente teoria dos shareholders de forma a contrap-la teoria dos stakeholders. Por fim, apresentamosas proposies que buscam construir a teoria dos stakeholders a partir da convergncia dos interessesdos participantes organizacionais.

    Palavras-chave: stakeholders; acionistas; tica; cooperao.

    ABSTRACT

    The aim of this article is to discuss the assumptions of the major theoretical perspectives for thebuilding of a stakeholders theory, using the ethical dimension as its groundwork. For this purpose,the article is organized in three parts, in addition to this introduction and a conclusion. In the firstpart, some ideas regarding the descriptive dimension of the debate are discussed. In the second part,the stakeholders theory is presented along with the ethical explanation inherent in its proposition.In the third part, we discuss the ethic underlying the shareholders theory in order to contrast thistheory with the stakeholders theory. Finally, we present the assumptions intended to establish thestakeholders theory based on the organizational participants interests.

    Key words: stakeholders; shareholders; ethics; cooperation.

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    INTRODUO

    As relaes entre as organizaes e a sociedade tm se modificado,principalmente a partir dos anos 80. Novas demandas so colocadas para asorganizaes, provenientes dos consumidores, dos empregados e da comunidadeem geral. Estas demandas tm-se materializado, dentre outras, na maiorparticipao das organizaes em programas sociais e em novas posturas emface das necessidades dos consumidores e empregados. No Brasil, algumas dessasquestes foram formalizadas pelo Cdigo de Defesa do Consumidor, por leisambientais e por algumas mudanas introduzidas nas relaes de trabalho.

    Os estudos organizacionais tm-se preocupado em entender e discutir asimplicaes dessas relaes (Freeman, 1998). Nos anos 80, alguns passaram adiscutir esta temtica de forma mais ampla, sob o prisma da responsabilidadesocial corporativa. As dificuldades conceituais e metodolgicas em delimitar aextenso da responsabilidade e a ao das organizaes, nesta construo, abriramespao para novas formulaes tericas. As preocupaes, ento, foram maisfocadas em alguns constituintes organizacionais: consumidores, empregados,fornecedores, acionistas e a comunidade onde a organizao est inserida, ouseja, nos stakeholders.

    Os estudos sobre stakeholders tm sido apresentados sob ampla gama deenfoques, cujas diferenas so, basicamente, quanto ao grau de importncia dosstakeholders para as organizaes. Para alguns autores como Atkinson eWaterhouse (1997), Shankman (1999) e Berman e Wicks (1999) a importnciados stakeholders determinada pelo grau de sua contribuio para o desempenhoorganizacional. Segundo esta proposio, o objetivo das organizaes atender aum segmento particular de stakeholders: os acionistas. Os demais so importantesna medida em que puderem contribuir para a gerao de lucros. Em outro extremo,se alinham os autores como Freeman (1984, 1998), Donaldson e Preston (1995),Jones (1995), Metcalfe (1998) e Moore (1999) que consideram que o objetivodas organizaes atender aos interesses de todos os stakeholders e os acionistasso um dentre os diversos grupos de stakeholders, cujos interesses asorganizaes devem atender. Nessa perspectiva, no h interesses maisimportantes ou mais legtimos que outros.

    A partir dessas duas proposies sobre a importncia dos stakeholders, amplia-se o debate sobre os objetivos organizacionais e o papel dos stakeholders. Umaimportante contribuio foi dada por Donaldson e Preston (1995), que mapearam

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    as contribuies at ento feitas sobre stakeholders e as dividiram em trsdimenses: a descritivo/emprica, a instrumental e a normativa.

    Na dimenso descritivo/ emprica, encontram-se os estudos que visam descrevere/ou explicar caractersticas e comportamentos corporativos em face dosstakeholders. Dentre os temas discutidos esto questes acerca da natureza dafirma, como os administradores agem e o que pensam os conselheiros sobre osconstituintes estratgicos (Donaldson & Preston, 1995). Esta uma importantedimenso da teoria e ser discutida adiante.

    Os estudos na dimenso instrumental objetivam avaliar o impacto dosstakeholders para o desempenho das organizaes e elucidar como as estratgiase polticas que visam melhorar o atendimento aos consumidores, empregados,fornecedores e a comunidade, resultam (ou no) em melhor desempenho dasorganizaes.

    Na dimenso normativa esto as contribuies que visam interpretar a funoda corporao, incluindo a identificao da moral ou da orientao filosfica paraa operao e administrao das corporaes (Donaldson & Preston, 1995, p.65). nesse campo que os debates se tm concentrado, pois as proposies deuma teoria para stakeholders se fundamentam essencialmente na discusso dosprincpios ticos envolvidos nessa problemtica.

    A proposio de uma teoria de stakeholders alicerada em bases ticas foiapresentada por Donaldson e Preston (1995). Segundo os autores, a construo deprincpios morais e ticos dos negcios possibilita definir o papel e a importncia dosstakeholders e, a partir da, estabelecer a dimenso descritivo/emprica e instrumentalda teoria. A proposio de uma teoria de stakeholders abre o debate quanto a suafundamentao tica e sobre a possibilidade de contrap-la teoria dos shareholders.Para essa teoria, de ampla aceitao entre os economistas e muitos estudiososorganizacionais, as organizaes existem para gerar lucros, de forma a remunerar osacionistas e gerar os fluxos financeiros necessrios sua sobrevivncia.

    O objetivo deste artigo discutir a fundamentao das contribuies para aconstruo de uma teoria de stakeholders, tendo como base a dimenso ticadesse debate. Para tanto, est dividido em trs partes, alm desta introduo edas consideraes finais. Na primeira parte so tecidas consideraes quanto dimenso descritiva e emprica do debate. Na segunda, ser apresentada a teoriade stakeholders com a formulao tica implcita na proposio. Na terceira,discutimos a tica subjacente teoria dos shareholders de forma a contrap-la teoria dos stakeholders. Por fim, apresentamos as proposies que buscamconstruir a teoria dos stakeholders a partir da convergncia dos interesses dosparticipantes organizacionais.

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    Esperamos contribuir para os estudos organizacionais no sentido de aprofundaro debate sobre os stakeholders, discutindo proposies divergentes com o objetivode ampliar o debate terico j estabelecido. Na literatura sobre stakeholdersno se percebe uma preocupao em construir argumentos que considerassemas duas perspectivas (stakeholders versus shareholders) e nosso artigo pretendecontribuir na medida em que busca na filosofia, na economia e nos estudosorganizacionais, o suporte terico fundamental para apoiar a discusso do tema.

    POLTICAS STAKEHOLDERS NA DIMENSO DESCRITIVA

    Uma das principais idias defendidas por Donaldson e Preston (1995) para aconstruo de uma teoria de stakeholders a de que seu objetivo descreversituaes existentes e predizer relaes de causa e efeito, alm de tambmrecomendar atitudes, estruturas e prticas que juntas constituam a administraodos stakeholders (p. 66). O papel dos administradores, bem como sua percepoacerca da importncia, dos atributos e da legitimidade dos interesses dosstakeholders, constituem a dimenso descritiva e emprica da teoria.

    A primeira questo de carter descritivo refere-se ao conceito de organizaes.A teoria dos stakeholders e a dos shareholders compartilham a viso econmicade que as organizaes so nexos de contratos. A viso da firma como umlcus operandi, no qual os insumos so convertidos em produtos sem explicitarcomo objetivos conflitantes dos participantes individuais so trazidos para oequilbrio, assim como os resultados so distribudos (Jensen & Meckling, 1976,p. 317), do lugar a anlises que consideram a possibilidade de que ocomportamento dos participantes impacta os resultados organizacionais, emespecial dos administradores.

    Jensen e Meckling (1976) apresentaram o conceito de organizao como umnexo de contratos entre indivduos. Como tal, a organizao seria uma ficolegal, cuja existncia se justifica na medida em que viabiliza contratos com osproprietrios de recursos, como capital, trabalho e os consumidores. Os autorespropem um conjunto de questes a partir dessa conceituao de firma. Em primeirolugar, por que um conjunto de relaes contratuais acontece em uma organizaoespecfica? Quais as conseqncias dessas relaes e quais podero ser os objetivosdas firmas? Em segundo lugar, como os administradores, enquanto elemento centraldos contratos, os administram? Existem relaes de preferncias entre osadministradores e as partes contratadas? Como os resultados da organizao sodistribudos e que critrios so utilizados para definir essa distribuio? Qual aimportncia relativa de cada contratado? As respostas a essas formulaes constituem

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    as principais diferenas entre a teoria de stakeholders e a teoria de shareholders,cuja base de argumentao est centrada no direito de propriedade. Jensen eMeckling (1976) argumentam que a especificao dos direitos individuais depropriedade que determina como os custos e as remuneraes sero alocadosentre os participantes na organizao (p. 318) e que a especificao dos direitos geralmente efetuada pelas formas de contratao, o comportamento individual naorganizao, incluindo o comportamento dos administradores, ir depender danatureza dos contratos (p. 318).

    Os contratos podem assumir a forma de trocas, transaes ou delegao deautoridade para a tomada de deciso ou mesmo a forma de um documento legal(Jones, 1995). A delegao de autoridade, como uma das formas contratuaispresentes nas organizaes oferece aos administradores as condies necessriaspara gerir decises relacionadas com todos os stakeholders.

    A discusso do papel dos administradores nas relaes contratuais tem sidogeralmente tratada pela literatura sob o foco da teoria da agncia. Uma relaode agncia um contrato debaixo do qual uma ou mais pessoas (o principal)contrata outra pessoa (o agente) para a realizao de algum servio de seuinteresse, o qual envolve delegar alguma autoridade para a tomada de deciso(Jensen & Meckling, 1976, p. 318).

    A delegao de autoridade para a tomada de deciso decorre da separaoentre a propriedade e o controle das organizaes, em virtude do aumento nonmero de proprietrios (acionistas) nas sociedades annimas. Essa dissociaoresultou no que Marris (1963) chama de empresas administradas, ou empresasque tm um administrador ou grupo em condies de decidir as questes relevantesno ambiente organizacional. Dada esta delegao de autoridade, cabe indagarquais seriam os interesses priorizados pelos administradores e como elesestabelecem as prioridades entre os diversos stakeholders.

    Os interesses dos administradores so naturalmente diversificados. Williansom(1973) apresenta uma lista de motivaes para realizaes de suas atividades,sendo salrios, segurana, status, prestigio e excelncia profissional, os maiscitados. O autor argumenta que essas preferncias implicam na adoo de umalgica para a alocao dos recursos organizacionais de tal forma que essesinteresses sejam atendidos. Penrose (1995), Solow (1971) e Marris (1963)argumentam que a ao administrativa voltada para o crescimento da firma eque esse objetivo, alm de atender aos interesses dos acionistas, deve tambmproporcionar maiores salrios, segurana, poder e prestigio aos administradores.

    Independentemente das preferncias dos administradores, Jensen e Meckling(1976) argumentam que estes tm tambm um dever fiducirio para com os

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    acionistas, que produto das obrigaes geradas por contratos entre acionistas(contratantes) e administradores (contratados). Assim, conforme estabelecidonas relaes contratuais, funo dos administradores agir no sentido de defenderos interesses dos acionistas.

    Por outro lado, Donaldson e Preston (1995) consideram que a responsabilidadedos administradores selecionar atividades e direcionar recursos para obterbenefcios para os legtimos stakeholders (p. 76). Apesar de no se estenderemna anlise das implicaes desse argumento, os autores consideram que osrequerimentos morais para legitimar a funo administrativa determinam anecessidade dos administradores de considerarem no s os interesses dosacionistas, mas de todos os stakeholders. Os administradores tm, assim, deveresmultifiduciarios, baseados na crena do valor intrnseco de cada stakeholder,fundamentada em bases ticas e devem eles alocar seu esforo e os recursosorganizacionais para atender aos interesses de todos os stakeholders (Moore,1999).

    POLTICAS PARA STAKEHOLDERS: A DIMENSO TICA

    A justificativa tica proposta por Donaldson e Preston (1995) para aadministrao de stakeholders baseada na premissa de que estes tm interesseslegtimos na atividade corporativa. Sendo assim, os interesses dos stakeholderstm valor intrnseco que deve ser considerado por si s e no como instrumentospara atender aos interesses de outros agentes, em especial dos acionistas.

    Para legitimar os interesses dos stakeholders, Donaldson e Preston (1995)usam os mesmos princpios que justificam os interesses dos acionistas relativosao direito de propriedade. Esse no se refere ao direito clssico de propriedade,ou seja, o direito irrestrito sobre a coisa possuda, mas ao moderno conceito dedireito, baseado nas Teorias Pluralistas do Direito. Esta teoria fundamentadanos princpios de justia distributiva e constitui a base para a teoria dosstakeholders, pois todas as caractersticas crticas fundamentais da teoria dajustia distributiva esto presentes entre os stakeholders de uma corporao(p. 72).

    O princpio da justia permeia a discusso de como os administradores deveriamconsiderar os interesses dos stakeholders. Freeman (1984) e Donaldson e Preston(1995) partem de uma premissa essencial, de base kantiana, de que osstakeholders devem ser considerados enquanto fim em si mesmos e no comomeio para se alcanar determinados fins. A teoria da tica de Kant, de base

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    deontolgica (o que importa o processo e no os resultados) parte do princpiomoral de que qualquer ao dos indivduos deve ser baseada no dever de dizer averdade sem considerar as conseqncias. A esse princpio da verdade associa-se o princpio da universalizao, que significa que se consideramos uma aocorreta para uma pessoa, ela correta para todas as pessoas na mesma situao.Por fim, o ltimo e mais importante imperativo categrico kantiano aja comovoc trata a humanidade, se em sua prpria pessoa ou como se fosse outra,sempre como fim em si mesmo, nunca como um meio (Boatright, 1999, p. 56).Esse um princpio de respeito s pessoas, que Freeman (1984) considerafundamental para explicar a razo pela qual os stakeholders no devem servistos como meio para desempenho. Esse princpio, contudo, no constitui basetica suficiente para justificar a importncia e legitimidade dos interesses dosstakeholders. Freeman (1998) e Donaldson e Preston (1995) invocam ento osinteresses e direitos de uma estrutura tica mais contempornea, baseada nanoo de Justia de Rawls.

    O conceito de justia, como o do direito, um conceito moral com amplo campode utilizao (Boatright, 1999). Na tica dos negcios, o sentido de justia importante para tratar a dimenso de distribuio dos benefcios da atividadeprodutiva. Com base na teoria da justia, Donaldson e Preston (1995) buscamlegitimar os interesses dos stakeholders e utilizam trs das mais importantesteorias da justia: o utilitarismo, o libertalismo e a teoria da justia distributiva.

    A teoria baseada na utilidade foi desenvolvida por Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1876), que caracterizam o utilitarismo por suafundamentao teleolgica, ou seja, a nfase est nos resultados das aes dosindivduos (Hosmer, 1996). Uma ao considerada correta, para os utilitaristas,se seus resultados implicam beneficio para o indivduo. Os resultados obtidosdevem ser considerados a partir dos custos incorridos e o beneficio lquido daao determinado pela satisfao do indivduo, ou seja, pela utilidade, que osindivduos agem no sentido de maximizar. A convergncia da utilidade e da justiaacontece no momento em que os indivduos, em conjunto, buscam maximizar autilidade e determinam que sua remunerao deve ser baseada nas suashabilidades. A remunerao estabelecida dessa forma, baseada na contribuiode cada indivduo, implica o incentivo ao desenvolvimento e melhoria do bem-estar comum. Essa lgica possibilita a distribuio de bens e riqueza da sociedadea partir do princpio de que a cada um de acordo com suas habilidades(Boatright, 1999). A principal crtica ao utilitarismo refere-se sua falta depreocupao com aspectos individuais.

    A segunda vertente da teoria da justia que Donaldson e Preston (1995)identificam o libertarismo. Essa teoria foi desenvolvida por Nozick na dcada

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    de 70 e tem em Friedrich Hayek e Milton Friedman seus mais importantesexpoentes (Hosmer, 1996). O princpio essencial do libertarismo diz respeito aocompromisso com a liberdade individual. O padro moral baseado na idia deque a qualquer um se deve assegurar grande liberdade de escolha (Hosmer,1996). O sistema de mercado garante o sistema tico do libertarismo, na medidaem que permite aos indivduos escolher entre os cursos alternativos de ao quelevam ao seu bem estar e realizar ento as escolhas mais justas, certas e prprias.O princpio de justia do libertarismo o de que a cada um conforme suasescolhas (Boatright, 1999).

    Por fim, a terceira perspectiva da justia distributivista que Donaldson ePreston (1995) consideram para a teoria de stakeholders o igualitarismo, cujabase foi formulada por Rawls na dcada de 70. Para Rawls (1998), a sociedade uma associao mais ou menos auto-suficiente, que visa alcanar o melhorpara seus membros, por meio de um conjunto de aes cooperativas, marcadaspelo conflito e pelos interesses. A identidade de interesses e a cooperao resultamem uma vida melhor para todos, se comparada com a vida possvel sem cooperao.O conceito de justia, oriundo dessa premissa, de um conjunto de princpiospara escolha, entre os arranjos sociais, os quais determinam a diviso e a subscriode um consenso sobre a correta estrutura distributiva (p. 44). Dado que osindivduos, enquanto dotados de razo, tm interesses que, muitas vezes, divergem,Rawls (1998) prope uma sociedade que reconhea seus membros enquantopessoas livres e moralmente iguais, capazes de criar instituies que promovam obem-estar coletivo (Boatright, 1999). O princpio , assim, baseado na premissade que direitos e deveres so bem estabelecidos pela sociedade e que h umajusta distribuio dos benefcios decorrentes da mtua cooperao.

    O princpio da justia para Rawls (1998) o da igualdade, no o do esforo ouo da habilidade, ou o da competncia, mas da igualdade. Isso no significa quetodos devam ter a mesma participao na distribuio dos benefcios econmicos,por exemplo, mas indica que h desigualdade se um indivduo que cooperar maisparticipar menos dos resultados. Essa possibilidade racional e livrementeescolhida e justa. Assim, uma ao pode ser considerada certa, justa e prpria,se leva a maior cooperao entre os membros de uma sociedade (Hosmer, 1996).Em sntese, para Rawls (1998), o princpio de justia a aceitao de que aigualdade na distribuio dos benefcios assegura a cooperao social, ou seja, acada um de acordo com sua participao.

    Essas trs formulaes tericas de justia constituem o que Donaldson e Preston(1995) chamaram de Teoria Pluralista da Propriedade. Os autores argumentamque h um consenso entre estudiosos de que qualquer uma dessas teorias,isoladamente, no consegue responder s questes da justia para os

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    stakeholders. Tais formulaes devem ser agrupadas para aglutinar as distintascaractersticas dos indivduos, ou seja, os aspectos do complexo conjunto dedireitos e responsabilidades que os constituintes possuem (Donaldson & Preston,1995, p. 75). Os autores consideram que vrias caractersticas presentes nasteorias de justia distributiva so tambm encontradas na teoria dos stakeholders.A comunidade que vive no prximo de uma fbrica tem a necessidade de arpuro. Os empregados que mantm com sucesso uma atividade produtiva o fazemmediante seu esforo. Por fim, os consumidores tm necessidades que devemser satisfeitas.

    Freeman (1998) prope que a base normativa da teoria seja ampliada paraalm da dimenso da justia e prope que se incorporem as dimenses de gneroe ecolgica. Moore (1999) considera que a teoria de stakeholders mais prpriado constructo feminino de connected self e a teoria dos shareholders maismasculina no sentido do individualismo, do materialismo e da competio. Nabase normativa ecolgica, Freeman (1998) prope que administradores possamagir no sentido de cuidar da terra e Moore (1999) conclui que esses cuidadospodero levar a elevados retornos sociais para todos os stakeholders, alm de oplaneta ser protegido e preservado. Assim, o debate sobre stakeholders, na basenormativa, deveria considerar que as organizaes visam produzir riqueza, noapenas lucros. A riqueza deve ser distribuda de forma justa e gerada num contextoque considera as relaes pessoais, com o ambiente e com a sociedade (Moore,1999).

    A questo que emerge desse debate se refere possibilidade de que aadministrao de stakeholders, justificada por princpios ticos, de gnero ouecolgicos, seja factvel. Segundo Metcalfe (1998) a instncia tica no ealcanvel se no mais que um sonho (p. 33) e as possibilidades desta dimensoesto baseadas nas mudanas dos mtodos de governana corporativa. A estruturade governana existente atualmente nas organizaes privilegia os interesses dosshareholders, pois so os representantes destes que esto no poder. A possibilidadede mudanas viria, ento, de uma administrao de stakeholders imposta pelaao regulatria governamental. Apesar de essa possibilidade estar presente, porexemplo, com a implantao do Cdigo de Defesa do Consumidor e de toda umalegislao ambiental no Brasil, no parece possvel que a ao governamentalpossa regular toda a gama provvel de aes empresariais. A alternativa possvele provvel para a existncia de uma administrao tica de stakeholders, segundoMetcalfe (1998) seria, ento, a implantao de uma poltica de auto-regulaodas organizaes.

    Mesmo que as organizaes se inclinem a adotar uma poltica que privilegie osinteresses dos stakeholders, isto no assegura, na teoria proposta por Donaldson

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    e Preston (1995) e Freeman (1998), que todos sejam contemplados de formajusta. Os princpios de justia do utilitarismo - a cada um de acordo com suashabilidades-, do libertarismo - a cada um de acordo com suas escolhas - e dajustia distributiva - a cada um de acordo com sua participao no estabelecemcomo as organizaes podem ou devem distribuir seus resultados para o alcancedesses preceitos. A teoria no prev como interesses divergentes e, muitas vezes,conflitantes so atendidos no contexto organizacional. Os consumidores podemconsiderar que um preo mais baixo seja justo, o que determinaria menores salrios.Os empregados podem valorizar suas habilidades, participao e esforo e esperarsalrios maiores, acarretando preos maiores e lucros menores. Caberia entoaos administradores arbitrar como os resultados deveriam ser distribudos.

    Donaldson e Preston (1995) no consideram, na teoria proposta, a condio dedistribuio dos recursos no ambiente da organizao, mas de preceitos ticospara sociedade de maneira mais geral. As questes de como e quem, naorganizao, tm legitimidade e prerrogativas para determinar como os resultadosorganizacionais devem ser distribudos no so endereadas por esta perspectivaterica.

    A TEORIA DOS SHAREHOLDERS: A CONTRAPOSIO

    A justia distributiva que permeia a proposio terica de Donaldson e Preston(1995) tambm oferece a fundamentao necessria para se pensar em umaorganizao voltada aos interesses dos acionistas. Essa a base da dimensoinstrumental ou administrao estratgica de stakeholders. Esses soconsiderados na medida em que influenciam os resultados, ou seja, os lucros, ataxa de crescimento, dentre outros. Nessa vertente, as organizaes no tm oobjetivo primrio de atender aos stakeholders em seu conjunto, mas a grupos destakeholders em particular, os acionistas. Os demais stakeholders so, ento,um meio para atender a um grupo especifico e no um fim em si mesmo.

    Friedman (1998) apresenta uma contundente defesa no sentido de que o objetivodas organizaes maximizar o capital investido pelos acionistas. Para ele, quemtem responsabilidade social so os indivduos, no as organizaes. O administrador,enquanto contratado pelos proprietrios, deve ser responsvel pelos empregadose pela conduo geral dos negcios e, enquanto executivo da organizao, nocabe a ele desenvolver aes relacionadas responsabilidade social corporativa,pois esta uma dimenso privada. Como a organizao uma instituio econmicae enquanto tal avaliada pelo mercado, qualquer poltica adotada peloadministrador, que contemple indivduos em detrimento do desempenho, gera duas

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    conseqncias: 1. um custo adicional que implica perda de lucratividade e perdemtodos (consumidores, fornecedores e empregados); e 2. arbtrio do administrador,que ter que estabelecer prioridades em relao ao beneficirios. Responsabilidadesocial seria uma prerrogativa dos governos, nicos agentes que tm legitimidadepara estabelecer os beneficirios de qualquer ao social. Friedman (1998) afirmaainda que o objetivo das organizaes o lucro e, na medida em que soadministradas com este fim, h ou so gerados ganhos para toda a sociedade.

    Para Penrose (1995), Solow (1971) e os economistas neoclssicos, o objetivodas organizaes to somente maximizar os lucros, pois esta a forma maiseficiente de conduzir os negcios. Dessa discusso emergem duas questesimportantes para a contraposio com a teoria de stakeholders. Em primeirolugar, necessrio estabelecer as bases que justificam a busca pelo lucro como aforma mais eficiente de organizao da atividade econmica e administrativapara a sociedade. Em segundo lugar, necessrio justificar por que os acionistas,detentores dos lucros, tm direitos sobre eles. Implica saber por que asorganizaes devem ser administradas visando atender aos interesses no detodos os stakeholders, mas de um grupo em particular, isto , os acionistas.

    A eficincia econmica gerada pela busca do lucro deve ser estabelecida apartir da teoria microeconmica, pois esta na sua forma completa mais umateoria da sociedade que uma teoria descritiva da firma (Hosmer, 1996, p. 33). Ateoria microeconmica neoclssica baseada nos princpios utilitaristas. Outilitarismo, diferentemente das outras escolas de tica, possui carter teleolgico.Isso implica o exame dos resultados da ao humana e no o processo, comoenfatizam as escolas deontolgicas. O principio bsico do utilitarismo o de queuma ao correta se e somente se ela produz o melhor balano de prazeracima da dor para qualquer um (Boatright, 1999, p. 95). A busca da sociedade pelo bem estar comum e as contribuies das aes individuais devem se dar-seneste sentido. A utilidade de uma ao medida pelo balano entre prazer oufelicidade e dor ou no felicidade.

    O utilitarismo apresenta trs princpios (Boatright, 1999). O primeiro oconsenqencialismo, isto , as aes so determinadas por suas conseqncias.O segundo o maximalismo ou uma ao considerada correta no somentese tem boas conseqncias, mas se apresenta a melhor conseqncia possvel,quando outras tambm so possveis. Por fim, o universalismo avalia asconseqncias sobre a sociedade como um todo. Estes princpios geram o queHosmer (1996) chama de uma teoria larga da sociedade, sob a tica da alocaoeficiente dos recursos escassos.

    A partir dos princpios utilitaristas, os economistas construram a teoria dealocao de recursos, ou seja, dos fatores de produo (capital e trabalho) que,

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    convertidos em produtos, atendem aos consumidores e resultam na gerao delucros para os empresrios. Essa estrutura culmina em uma situao de equilbriodenominada timo de Pareto (Varian, 2000).

    O timo de Pareto refere-se condio em que os recursos escassos sousados to eficientemente pelas firmas e os bens e servios so distribudos toeficientemente pelos mercados competitivos, que impossvel fazer qualquerpessoa melhor sem que outra pessoa seja prejudicada (Hosmer, 1996).

    Essa condio de eficincia resultado do fato de que o sistema econmico,atravs do mercado competitivo, capaz de: 1. fornecer aos consumidores osbens e servios em quantidades e preos que satisfaam suas necessidades,considerando sua renda; 2. considerando os preos de mercado, as firmas alocamos fatores de produo, capital (maquinas e equipamentos) e trabalho emcombinaes que maximizam as quantidades de produtos, sendo esta a quantidadeque os consumidores desejam, considerando os preos. As firmas remuneram osfatores de produo conforme seu produto marginal, ou seja, sua contribuiopara o processo produtivo. A condio do timo de Pareto advm do fato deque, se qualquer destes componentes no for administrado eficientemente, irgerar perda de bem-estar a um ou a todos os participantes. Se os salrios pagosforem maiores que o produto marginal do trabalho, os preos dos bens e serviosse elevaro, gerando perda de bem estar para os consumidores e reduo noslucros.

    Os lucros, nessa estrutura, so a remunerao dos empresrios pela contribuioe riscos assumidos em relao atividade produtiva. Os mercados soperfeitamente competitivos e o aumento dos lucros ou salrios implica a elevaodos custos e a perda de mercado para os concorrentes. Assim, os lucros soaqueles necessrios para motivar a ao empresarial e so igualmente possveispara todos os empresrios daquele setor. A maximizao dos lucros, ou seja, adiferena entre receitas e despesas, gera uma situao de eficincia para todosos envolvidos. As receitas so determinadas pela quantidade produzida e pelospreos. Como os preos no so, neste modelo, determinados pelas firmas, maspelo mercado, as possibilidades de maximizao dos lucros esto condicionadas reduo dos custos, ou seja, eficiente alocao da mo de obra, incorporaode tecnologia e a outros fatores de custo sujeitos ao do empresrio. Dessaforma, no h lucro econmico puro e sim aqueles obtidos pela eficiente atuaoempresarial.

    A principal critica ao modelo microeconmico das firmas refere-se inexistnciade mercados to perfeitamente competitivos. Como h a presena de oligoplio(poucas firmas dominam o mercado) ou monoplio (uma nica firma domina), osmercados so, na verdade, imperfeitos. No caso do oligoplio, os lucros seriam

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    maiores que em mercados concorrenciais, mas em nveis suficientes para mantera concorrncia. No caso do monoplio, contudo, os lucros podem ser de qualquerordem e s h situao de monoplio, se houver uma restrio legal para a entradade novos concorrentes (Varian, 2000).

    Em sntese, quando os economistas e notoriamente Friedman (1998), afirmamque a busca pelo lucro a forma mais eficiente de organizao da atividadeeconmica e de atender aos interesses dos stakeholders. Isto significa que s abusca pelo lucro gera a possibilidade de alocar os recursos de forma eficiente, ouseja, em atender os interesses dos consumidores, dos empregados, dos acionistase dos fornecedores conjuntamente.

    A segunda questo que a administrao estratgica de stakeholders suscitaest relacionada legitimidade dos acionistas, enquanto grupo que a organizaovisa atender. Os direitos dos acionistas so garantidos pelo instituto da propriedadeprivada, que no uma coisa tangvel igual terra, mas um conjunto de direitosque definem o que um proprietrio ou entidade pode fazer com a coisa (Boatright,1999, p. 349). A propriedade implica a posse da coisa possuda e pressuperesponsabilidades sobre ela. Com a separao de propriedade de controle nasorganizaes e o crescimento das sociedades annimas, a propriedade dosagentes que investem seus recursos nos negcios, mas o controle passa s mosdos administradores.

    As organizaes, conforme discutido, so nexos de contratos que buscamnos mercados os recursos necessrios sua sobrevivncia. Garantias so dadasde que os contratados no tero seus recursos expropriados e que a remuneraopelo uso dos recursos ser a mais justa possvel. Todos os contratados tm estasgarantias, menos os provedores de capital, ou seja, os acionistas. O retorno docapital investido acontece no fim do processo, diferentemente dos demaiscontratados (empregados, fornecedores, consumidores) que tm garantias de noexpropriao ao longo do processo, enquanto a organizao for solvente. Osacionistas, por sua vez, assumem os riscos residuais da conduo dos negcios(Boatright, 1999) e o retorno do capital investido de valor incerto e condicionado conduo eficiente dos negcios. Os riscos dos acionistas so maiores na medidaem que eles prprios se afastam da conduo dos negcios. Uma forma de reduziros riscos, segundo Boatright (1999), garantir algumas prerrogativas de controle,de forma que os majoritrios possam nomear e destituir os diretores e eleger oConselho de Administrao.

    Nessa linha de raciocnio, possvel definir um padro de eficincia para oslucros e o crescimento da riqueza organizacional, considerando que os acionistasse reservam o controle da organizao. Como os acionistas so a nica parte donexo de contratos para os quais os rendimentos no so fixos, interessa a eles e

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    somente a eles que os resultados sejam maximizados. Os demais participantesdos negcios tendem somente a assegurar os seus retornos fixos; somente aosacionistas interessa alocar eficientemente os recursos organizacionais de formaa maximizar as diferenas entre receitas e despesas.

    POLTICAS PARA STAKEHOLDERS: A COOPERAO

    Jones (1995) organiza o debate acerca das polticas para stakeholders. Emprimeiro lugar, lembra que as firmas so nexus de contratos, entre elas e seusstakeholders. Os administradores representam a parte contratante e ao mesmotempo contratada, ou seja, so tambm stakeholders. A esse propsito, Joneslembra Williansom (1981), que reconheceu esse dilema, ao considerar que osadministradores fazem os contratos com uma mo e o assinam com a outra.Administradores so tecnicamente stakeholders, mas suas funes bsicas soas de contratantes dos demais stakeholders, o que no significa que esses agentestenham o controle da organizao. Embora os administradores tomem importantesdecises, o controlador detm importantes mecanismos de controle, tais como osistema de remunerao e de incentivos. Tambm a existncia dos conselhos deadministrao, como rgo regulador das relaes entre proprietrios e gestores,pode alinhar, em alguma medida, os conflitos de agncia. Assim, para a construode uma teoria sobre stakeholders, possvel considerarmos os administradorese as firmas como uma entidade nica, que ir estabelecer os contratos com osdemais stakeholders.

    Para entender as condies dos contratos estabelecidos entre as organizaese os stakeholders, Jones (1995) se baseia em duas teorias. A primeira a teoriada agncia, que estabelece as premissas comportamentais dos participantesorganizacionais e, conforme j discutido, as condies contratuais entre os agentese o principal. O contrato eficiente aquele que minimiza os custos de agncia, ouseja, os custos de elaborao e monitoramento dos contratos. A segunda estruturaterica utilizada por Jones (1995) a dos custos de transao, uma vez que aspolticas para stakeholders poderiam gerar vantagens competitivas que resultariamem reduo dos custos de transao.

    A partir da teoria da agncia, no que se refere ao comportamento racional eoportunista dos participantes organizacionais e s especificidades e custos doprocesso de trocas, Jones (1995) fundamenta uma teoria instrumental destakeholders. A premissa fundamental a de que as organizaes, inseridas emmercados competitivos, devem elaborar contratos eficientes.

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    Os contratos eficientes so aqueles em que os benefcios gerados so maioresque os custos de execuo e monitoramento para as partes contratantes. Emcondies de equilbrio no sentido do timo de Pareto, os contratos tendem aser eficientes, pois os mercados pressionam nesse sentido e punem quem contratade forma ineficiente. Contudo, em estruturas sem concorrncia, ou seja, emcondies de concorrncia imperfeita, possvel a vigncia de contratosineficientes por longo perodo de tempo, dependendo do poder de elaborar emonitorar contratos pelas partes envolvidas (Jones, 1995).

    As pesquisas que avaliam as condies de elaborao e execuo de contratoseficientes se dividem em duas vertentes. Na primeira, esto os autores que sepropem a avaliar os mecanismos que objetivam reduzir o oportunismo dosagentes. Esses mecanismos referem-se aos incentivos, ao monitoramento e sestruturas de governana que cobem ou minimizam a ao oportunista dos agentes,sejam eles administradores, empregados, fornecedores ou quaisquer grupos destakeholders. Na segunda vertente das pesquisas sobre contratao eficiente,esto as contribuies que buscam identificar os mecanismos existentes parareduzir o comportamento oportunista, a partir da adoo voluntria de padresde comportamento que limitam ou eliminam esse tipo de comportamento (Jones,1995, p. 8). Para esse autor, os custos de agncia e custos de transao podemser reduzidos, quando os participantes agem baseados na mtua cooperao, oque reduz os custos de elaborao, monitoramento e a necessidade de garantiasdas relaes contratuais. Contudo, os ganhos ou remuneraes provenientes dooportunismo so imediatos e aqueles advindos da mtua cooperao so distantesno tempo e de difcil quantificao. Restaria a questo acerca do que determinaque agentes racionais ajam de forma cooperativa e o tipo de racionalidade queesse comportamento encerra.

    Para Hussey (2000), no existe contradio entre o comportamento racionalbaseado no auto-interesse e aquele baseado na cooperao. Haveria, em primeirolugar, os sentimentos morais dos quais so dotados os indivduos, tais como amor,culpa, lealdade, honestidade e justia. O comportamento baseado nos sentimentosmorais, ou seja, aquele que possibilita a mtua cooperao racional, pois possibilitaresolver os problemas de compromisso entre indivduos (commitment problems).Esse tipo de problema est presente em situaes de negociao em que geralmente vantajoso, para ambas as partes, buscarem a cooperao ao invs deatuar oportunistamente. Embora as partes, em uma negociao, possam tervantagens materiais em fraudar ou enganar, os custos de transao de negociaesfuturas podem superar os benefcios advindos com o rompimento do compromisso.Os ganhos advindos da soluo dos problemas de compromisso so demonstradosna teoria dos jogos, quando se percebe claramente que, em jogos no repetitivos,os jogadores tendem a buscar os ganhos advindos da ao no cooperativa,

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    enquanto em jogos repetidos, os problemas de compromisso se tornam evidentese os jogadores ganham, se buscarem a cooperao (Jones, 1995).

    As negociaes entre as organizaes e seus stakeholders so contnuas e aexistncia de problemas de compromisso impe a necessidade de se reduzir ooportunismo em favor da cooperao. Jones (1995) considera que a presena desentimentos morais, em especial da honestidade e da justia, relevante parareduzir os custos de agncia e os custos de transao.

    A manifestao da existncia de sentimentos morais se expressa, segundo Hussey(2000), por maneiras sinceras e/ou pela reputao. As maneiras sinceras somanifestaes fsicas, tais como forma de olhar, gestos faciais dentre outros, queindicam s partes em negociao o nvel de disposio para a cooperao. Areputao refere-se ao comportamento passado e demonstra a existncia desentimentos morais. O comportamento baseado em sentimentos morais, emespecial a honestidade e justia, aumenta a probabilidade de que esse tipo decomportamento se repita no presente e no futuro (Hussey, 2000). Essa umaimportante informao para as partes em negociao, pois reduz a incerteza e ooportunismo nas transaes.

    Contudo, conforme lembra Jones (1995), o comportamento tico baseado emsentimentos morais da esfera do indivduo e nada garante que esse tipo decomportamento seja transladado para as organizaes. Para que as organizaestenham o benefcio do comportamento tico, necessrio demonstrar que seucomportamento reflete o sentimento moral dos administradores, o que fornecesignificado moralidade corporativa.

    A moralidade definida por Vasques (1975, p. 52) como o componente efetivodas relaes humanas concretas, ou ainda, constitui um tipo especfico decomportamento dos homens e, como tal, faz parte de sua existncia. A moralidade a moral em ao, ou seja, a materializao de preceitos morais das sociedades.A moralidade corporativa o reflexo dos padres ticos dos administradores que imposta aos demais participantes organizacionais e reflete em seucomportamento. A moralidade corporativa estabelecida, em primeiro lugar, pormeio das maneiras sinceras e da reputao e em segundo lugar, pelas polticase decises das organizaes em relao aos seus stakeholders (Jones, 1995).

    As polticas para stakeholders, tais como pagamento de benefcios, polticasalarial, polticas ambientais e outras decididas pelos executivos e executadaspelos demais participantes organizacionais, so visveis por afetar os stakeholderse determinar a reputao das organizaes. A reputao das organizaes, porsua vez, reflexo da reputao dos administradores e continuamente testadapelas decises e polticas para stakeholders. Segundo Jones (1995), a reputao

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    pode tornar as negociaes menos custosas em termos de elaborao,monitoramento e das sanes legais previstas nos contratos. Dessa forma,organizaes que agem com base em sentimentos morais, que so refletidas emsuas maneiras sinceras e em sua reputao, tm vantagens competitivas sobreas demais, pois reduzem seus custos de transao e de agncia.

    Com essas proposies, Jones (1995) estabelece as premissas para uma teoriainstrumental de stakeholders, cujas bases esto na economia organizacional, ouseja, na teoria da agncia e de custos de transao e na tica do comportamento.O autor considera que o oportunismo nas relaes entre as organizaes e seusstakeholders inviabiliza a obteno das vantagens competitivas advindas docomportamento baseado na mtua cooperao. O oportunismo aumenta os custosde agncia e de transao, enquanto a mtua cooperao gera vantagenscompetitivas por eliminar o oportunismo. Hussey (2000) lembra que as aesbaseadas em sentimentos morais so racionais: podem fazer parte das prefernciasdos indivduos e reduzem o oportunismo dos agentes.

    A teoria instrumental de stakeholders de Jones (1995) mantm a premissacomportamental da economia organizacional de que os agentes so racionais,porm essa racionalidade limitada, alm de incorporar preceitos ticos em relaoao oportunismo. A supresso do oportunismo o determinante para gerao devantagens competitivas que as organizaes obtm em suas relaes comstakeholders. Diferentemente das proposies da teoria normativa destakeholders proposta por Donaldson e Preston (1995), a teoria de Jones (1995)busca na tica somente os determinantes de comportamento no oportunista.Esse comportamento pode fazer parte do clculo estratgico dos indivduos eorganizaes ou pode ser inerente ou intrnseco a eles.

    CONSIDERAES FINAIS

    As discusses acerca dos objetivos das organizaes podem dar-se em duasinstncias. Em primeiro lugar, pode-se pensar em metas ou resultados que devemser perseguidos e obtidos, de forma que se garanta a continuidade dos negcios.Esse o nvel de anlise comumente encontrada nos estudos organizacionais.Em segundo lugar, pode-se pensar em como estes resultados so distribudos,quais so os objetivos dos constituintes organizacionais, seus interesses elegitimidade.

    As proposies de Freeman (1984, 1998), Donaldson e Preston (1995) seconcentram nesta segunda vertente. Esses autores discutem a legitimidade dosdiversos interessados nos negcios de dimenso tica, pois equiparar os acionistas

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    aos empregados, fornecedores e consumidores s factvel nesta dimenso. Nadimenso legal, administrativa ou econmica, estes agentes tm papis, interessese participaes diferentes. Enquanto os empregados, fornecedores e consumidorestm sua participao nos negcios j estabelecida por contratos feitos a priori,os acionistas dependem dos resultados gerados no final do processo. Enquantoos stakeholders so partes contratadas, os acionistas so parte contratante.Contudo, nas proposies de Donaldson e Preston (1995) e Freeman (1984,1998)e de grande nmero de estudiosos da teoria dos stakeholders, deve-se discutir alegitimidade destes interesses no contexto de stakeholders como um fim e nocomo o meio para alcanar outros fins. Esta forma de pensar as organizaes,apesar de apresentar grande apelo moral, no apresenta proposies operacionaisou administrativas e no conclui se esta proposio constitui uma proposta deconduo ideal das organizaes ou se retrata mais a realidade de sua estrutura.

    A construo de uma teoria de stakeholders a partir de uma estrutura normativa importante, pois considera as dimenses ticas no ambiente organizacional. Ocarter pouco pragmtico dessa vertente, contudo, dificulta novas construes nessecampo. As contribuies de Jones (1995) para uma teoria baseada na cooperao,por outro lado, ampliam o escopo de anlise acerca de como e por que os interessesdos stakeholders devem ser considerados pelos gestores organizacionais. Nessecontexto, os gestores deveriam considerar em suas decises no somente osinteresses dos shareholders, mas tambm dos stakeholders, se no por devertico, j que este da esfera do indivduo, mas porque esse comportamento implicara reduo dos custos de agncia e transao.

    As proposies de Jones abrem espao para as pesquisas empricas e conferem teoria de stakeholders uma dimenso crtica e emprica capaz de consolidarnos estudos organizacionais um campo importante de conhecimento sobre asrelaes das organizaes com seus mais importantes constituintes estratgicos.

    Artigo recebido em 19.07.2004. Aprovado em 19.01.2005.

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