abramovay, miriam. juventude violência e vulnerabilidade social na américa latina

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  • Edies UNESCO BRASIL

    Juventude, Violncia eVulnerabilidade Social

    na Amrica Latina:Desafios para Polticas Pblicas.

    Miriam AbramovayMary Garcia Castro

    Leonardo de Castro PinheiroFabiano de Sousa Lima

    Cludia da Costa Martinelli

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

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  • Edies UNESCO BRASIL

    Juventude, Violncia eVulnerabilidade Social

    na Amrica Latina:Desafios para Polticas Pblicas.

    Miriam Abramovay - Consultora - BIDMary Garcia Castro - Pesquisadora - UNESCO

    Leonardo de Castro Pinheiro - Assistente de pesquisa - UNESCOFabiano de Sousa Lima - Assistente de pesquisa - UNESCO

    Cludia da Costa Martinelli - Assistente de pesquisa - UNESCO

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

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  • Conselho EditorialJorge WertheinMaria Dulce Almeida BorgesClio da Cunha

    Comit para a rea de Cincias Sociais e Desenvolvimento SocialJulio Jacobo WaiselfiszMarlova JovchelovitchCarlos Alberto VieiraMaria das Graas Rua

    Reviso: Reinaldo LimaAssistente Editorial: Larissa Vieira LeiteProjeto Grfico: Edson Fogaa

    UNESCO, 2002

    Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a CulturaRepresentao no BrasilSAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar. 70070-914 - Braslia - DF - BrasilTel.: (55 61) 321-3525 Fax: (55 61) 322-4261 E-mail: [email protected]

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    Abramovay, Miriam Juventude, violncia e vulnerabilidade social na Amrica Latina:

    desafios para polticas pblicas / Miriam Abramovay et alii. Braslia : UNESCO, BID, 2002. 192 p.

    1. Juventude Problemas Sociais -Amrica Latina 2. Juventude e Violncia Amrica Latina 3. Juventure e Polticas Pblicas Amrica Latina I. UNESCO III. Ttulo.

    CDD 305.23

    Division of Women, Youth and Special StrategiesYouth Coordination Unit/UNESCO - Paris

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  • 5Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    SUMRIO

    Agradecimentos................................................................................................... 7Apresentao....................................................................................................... 9Abstract.................................................................................................................11Introduo........................................................................................................... 13

    1. Violncia e Vulnerabilidade: literatura e conceitos....................................... 171.1. Explorando a literatura sobre violncia........................................ 171.2. Algo sobre violncia e Brasil na literatura recente...................... 221.3. A abordagem analtica da vulnerabilidade social........................ 28

    2. A situao da juventude latino-americana..................................................... 332.1. A Vulnerabilidade social atravs dos dados.................................. 332.1.1. Pobreza e Demografia................................................................ 342.1.2. Educao..................................................................................... 382.1.3. Trabalho...................................................................................... 452.1.4. Sade sexual e reprodutiva........................................................ 502.1.5. Lazer............................................................................................ 532.2 . A vulnerabilidade social e o fomento da violncia juvenil............. 552.3. A violncia na Amrica Latina, com especial referncia

    aos jovens...................................................................................... 58

    3. O combate da vulnerabilidade social por intermdio do aumento do capital social............................................................................................... 63

    3.1. A importncia do capital social no combate vulnerabilidade social e violncia............................................. 63

    3.2. Desenvolvendo polticas pblicas de combate vulnerabilidade social e violncia juvenil.................................. 66

    4. Recomendaes.............................................................................................. 73

    Referncias bibliogrficas..................................................................... 79Lista de Siglas........................................................................................ 86Lista de Tabelas..................................................................................... 86Lista de Quadros................................................................................... 88

    Nota sobre os autores..........................................................................................91

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  • 7Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    Agradecimentos

    A Matias Spektor por suas contribuies e crticas aotrabalho.

    A Lorena Vilarins, Diana Barbosa e Danielle Valverdepela colaborao.

    A Soraya Almeida pela leitura criteriosa do trabalho.

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  • 9Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    Apresentao

    Entre os diversos problemas e questes cruciais que continuam adesafiar as polticas de desenvolvimento social na Amrica Latina, segura-mente uma das mais importantes a da juventude. O expressivo contingentede jovens existentes no conjunto geral da populao, somado ao aumento daviolncia e da pobreza e ao declnio das oportunidades de trabalho, estodeixando a juventude latino-americana sem perspectivas para o futuro, sobre-tudo o segmento de jovens que est sendo vtima de situaes sociais precriase aqum das necessidades mnimas para garantir uma participao ativa noprocesso de conquista da cidadania.

    Em decorrncia desse quadro, alguns organismos e agncias interna-cionais, entre eles o BID e a UNESCO, colocaram o desafio da juventude emsuas agendas prioritrias de aes. Como desdobramento dessa postura,inmeros estudos, pesquisas e debates tm sido promovidos com o objetivode aprofundar a reflexo e encontrar alternativas viveis que possam subsidiaras polticas sociais dos pases do continente. O processo conjugado depesquisas e de debates interdisciplinares indispensvel na medida em quepermite verticalizar a abordagem e abrir caminhos para projetos de inter-veno de repercusso coletiva. Os recursos so limitados e no se pode maiscaminhar ao meio de incertezas que caracterizam polticas improvisadas,desarticuladas e de efeitos meramente sazonais. H a necessidade de umenfoque multidimensional devido multiplicidade de fatores que interagem"formando complexas redes causais".

    O presente estudo sustenta que a violncia sofrida pelos jovens pos-sui fortes vnculos com a vulnerabilidade social em que se encontra a juven-tude nos pases latino-americanos, dificultando por conseguinte o seu acessos estruturas de oportunidades disponveis nos campos da sade, educao,trabalho, lazer e cultura. O contingente de jovens em situao de vulnerabil-idade, "aliada s turbulentas condies socioeconmicas de muitos pases lati-no-americanos ocasiona uma grande tenso entre os jovens que agrava direta-mente os processos de integrao social e, em algumas situaes, fomenta oaumento da violncia e da criminalidade". Em conseqncia, delineiam-secenrios crticos difceis de serem enfrentados por polticas de efeito parcial.

    Disso decorre a necessidade de, por um lado, definir polticas para a

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  • juventude no contexto interativo das polticas globais de desenvolvimento e,por outro, fortalecer o capital social e cultural do jovem por intermdio deprojetos ou polticas que viabilizem a sua insero no conjunto dos esforos decada pas para superar e remover os entraves existentes. Torna-se necessriotambm um trabalho de efetiva sensibilizao da sociedade e de seus recursos,objetivando a internalizao de valores que deixam evidente que a juventudede hoje assumir a liderana do continente no dia de amanh e do que for feitohoje em prol de uma efetiva valorizao do protagonismo juvenil, dependerdoravante, sob muitos aspectos, a direo das tendncias que se delinearo nasprximas dcadas.

    Em outras palavras, preciso investir na juventude, combatendo avulnerabilidade social pelo aumento do capital social e cultural que poderproporcionar a substituio do clima de descrena reinante por um sentimen-to de confiana no futuro. As polticas assistencialistas da dcada de 80 reve-laram-se inoperantes. Super-las por alternativas mais consistentes torna-senecessrio e urgente. Elas cometeram o erro, como afirma um trabalho daCEPAL, de no valorizar a participao dos jovens. Essa participao indis-pensvel para a conquista da autonomia. O jovem de hoje j no aceita maisa condio de expectador passivo.

    O estudo que ora temos a oportunidade de apresentar aos dirigentese analistas de polticas sociais ainda ressalta que a promoo de polticaspblicas a partir deste novo enfoque no constitui uma tarefa simples.Combater a violncia juvenil pelo lado da vulnerabilidade social requermudana de percepo dos formuladores de polticas no que diz respeito aopapel das polticas sociais na construo de uma sociedade mais justa esolidria. De acordo com Bernardo Kliksberg, preciso superar os mitos e asfalcias do desenvolvimento que impedem o advento de alternativas quetornem possvel um efetivo combate s desigualdades sociais.

    Waldemar F. Wirsig Jorge WertheinRepresentante do Banco Interamericano Diretor da UNESCO no Brasil

    de Desenvolvimento no Brasil

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  • ABSTRACT

    This study analyses the situation of young individuals inLatin America and the Caribbean observing the main sources ofvulnerability that these actors are submitted. Its main objective isto comprehend how violence and vulnerability are linked and whythe youths are the main affected group in the region. Secondarydata were collected from international organisms to present themajor aspects of social vulnerability and how the youths deal withit. In addition to this, this article shows some solutions to theproblem like the enhancement of social capital and recommenda-tions for public policies concerning the youth and the struggleagainst violence.

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  • Introduo

    A violncia , cada vez mais, um fenmeno social queatinge governos e populaes, tanto global quanto localmente,no pblico e no privado, estando seu conceito em constantemutao, uma vez que vrias atitudes e comportamentos pas-saram a ser considerados como formas de violncia.

    Devido generalizao do fenmeno da violncia noexistem mais grupos sociais protegidos, diferentemente de outrosmomentos, ainda que alguns tenham mais condies de buscarproteo institucional e individual. Isto , a violncia no maisse restringe a determinados nichos sociais, raciais, econmicose/ou geogrficos, entretanto, como se pretende demonstrar,considerando-se modalidades de violncia, ela pode se acen-tuar por gnero, idade, etnia e classe social, independente-mente se como vtimas ou como agentes.

    Este texto sustenta que a violncia sofrida e praticadapelos jovens possui fortes vnculos com a condio de vulnera-bilidade social em que se encontram nos pases latino-ameri-canos. A vulnerabilidade social tratada aqui como o resulta-do negativo da relao entre a disponibilidade dos recursosmateriais ou simblicos1 dos atores, sejam eles indivduos ougrupos, e o acesso estrutura de oportunidades sociais,econmicas, culturais que provm do Estado, do mercado e dasociedade. Esse resultado se traduz em debilidades ou desvan-tagens para o desempenho e mobilidade social dos atores(Vignoli, 2001; Filgueira, 2001).

    Para justificar a dificuldade dos jovens em acessar asestruturas de oportunidades, apresenta-se um conjunto dedados secundrios sobre a educao, sade, cultura, lazer etrabalho, insumos fundamentais para o desenvolvimento dosrecursos materiais e simblicos. Esses dados apontam para aexistncia de deficincias no acesso dos jovens a esses bens e

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    1. Filgueira (2001; 8) apresenta como alguns exemplos desses recursos o capital financeiro, o capital humano, aexperincia de trabalho, o nvel educacional, a composio e os recursos familiares, o capital social, a participao emredes e o capital fsico.

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  • servios, o que colabora com a manuteno da situao de vul-nerabilidade social.

    A situao de vulnerabilidade aliada s turbulentascondies socioeconmicas de muitos pases latino-americanosocasiona uma grande tenso entre os jovens que agrava direta-mente os processos de integrao social e, em algumas situaes,fomenta o aumento da violncia e da criminalidade. Ressalta-seque a violncia, embora, em muitos casos, associada pobreza,no sua conseqncia direta, mas sim da forma como asdesigualdades sociais, a negao do direito ao acesso a bens eequipamentos de lazer, esporte e cultura operam nas especifici-dades da cada grupo social desencadeando comportamentos vio-lentos. Nesse sentido, mesmo com avanos de indicadores socioe-conmicos na Amrica Latina como, por exemplo, ilustra ondice de Desenvolvimento Humano (IDH), elaborado pelo PNUD os nveis de violncia na regio vm aumentando (CEPAL, 1998).

    Assumindo que os recursos disposio do Estado e domercado so insuficientes para, sozinhos, promoverem a superaoda vulnerabilidade e de suas conseqncias, em particular a vio-lncia, advoga-se o fortalecimento do capital social intergrupal,atravs do aumento da participao e valorizao das formas deorganizao e expresso do jovem, como estratgia de ao paraenvolver a sociedade e seus recursos na busca de solues para oproblema.

    Experincias que priorizam a participao dos jovens comoprotagonistas do seu processo de desenvolvimento vemdemonstrando ser alternativas eficientes para superar a vulnera-bilidade desses atores, tirando-os do ambiente de incerteza e inse-gurana (Castro et al, 2001). Captar e disseminar a expresso dosjovens, concretizando suas potencialidades juvenis e permitindoque eles contribuam para a problematizao de seu cotidiano apedra angular do sucesso desses programas. Alm disso, a valorizaodas formas de expresso tipicamente juvenis, tais como o rap e ografite, colabora para que, tanto os prprios jovens quanto o restoda sociedade, reconheam esses atores como capazes de con-

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  • tribuir e construir solues pacficas para os conflitos sociais. Para a implementao de uma linha de polticas pblicas

    que sirvam para o fortalecimento do capital social, o textoreconhece a necessidade de uma mudana na percepo dos for-muladores de polticas pblicas sobre o desenho e a importnciadas polticas sociais. Alm disso, preciso tambm estabelecer aclara necessidade de interao entre o que deve e pode serdesempenhado pelo Estado, pelo mercado e pela sociedade paraa superao da vulnerabilidade social.

    Alm dessa introduo, este texto apresenta outras quatrosees. A primeira dedicada a uma breve reviso de literaturasobre os conceitos de violncia e vulnerabilidade social, com ointuito de definir os conceitos que sero utilizados na defesa doargumento do texto. A segunda seo dedicada apresentaode dados socioeconmicos de alguns pases latino-americanosque colaboram para a defesa do argumento que relaciona a vio-lncia juvenil latino-americana com a situao de vulnerabilidade.

    A seo seguinte aborda o conceito de capital social e suaviabilidade como estratgia de combate vulnerabilidade, dedi-cando-se em seguida a esclarecer os desafios existentes para aadoo dessa estratgia. Por ltimo, a quarta seo apresenta algu-mas recomendaes para a elaborao de aes voltadas ao com-bate da vulnerabilidade e violncia juvenil.

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  • 1. Violncia e Vulnerabilidade: literatura e conceitos

    1.1. Explorando a literatura sobre violncia

    No simples a tarefa de definir a violncia. Conceitos deviolncias tm sido propostos para falar de muitas prticas, hbitose disciplinas, de tal modo que todo comportamento social poderiaser visto como violento, inclusive o baseado nas prticas educati-vas, tais como na idia de violncia simblica proposta por PierreBourdieu (2001). Para esse autor, a violncia simblica se realizasem que seja percebida como violncia, inclusive por quem porela vitimizada, pois se insere em tramas de relaes de podernaturalizadas.

    Em que pesem as dificuldades em definir a violncia, sendocomum a formulao de conceitos ad hoc,ou seja, mais apropriadosao lugar, ao tempo histrico que se examina, a literatura, a seguirapresentada, aponta uma tendncia de conceituar a violncia deforma mais abrangente do que relacion-la com atos que imputamdanos fsicos a pessoas ou grupos de pessoas. Chau (1999: 3-5),por exemplo, define violncia como:

    (...) 1) tudo o que age usando a fora para ir contra a natureza dealgum ( desnaturar); 2) todo ato de fora contra a espontaneidade,a vontade e a liberdade de algum ( coagir, constranger, torturar,brutalizar); 3) todo ato de transgresso contra o que algum ou umasociedade define como justo e como direito. Conseqentemente,violncia um ato de brutalidade, sevcia e abuso fsico e/oupsquico contra algum e caracteriza relaes intersubjetivas e sociaisdefinidas pela opresso e intimidao, pelo medo e o terror (...).

    A noo de violncia , por princpio, ambgua. No existeuma nica percepo do que seja violncia, mas multiplicidade deatos violentos, cujas significaes devem ser analisadas a partir dasnormas, das condies e dos contextos sociais, variando de umperodo histrico a outro.

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  • A violncia um dos eternos problemas da teoria sociale da prtica poltica. Na histria da humanidade, tem-se reve-lado em manifestaes individuais ou coletivas. Chesnais(1981) apresenta as mltiplas formas de violncia registradasem diferentes pocas e sociedades, privada e coletivamente.Neste sentido, chama a ateno para o fato de que existemvrias concepes de violncia, as quais devem ser hierarquizadassegundo o seu custo social. Para o autor, o referente empricodo ncleo desse conceito a violncia fsica inclusive a vio-lncia sexual que pode resultar em danos irreparveis vidados indivduos e, conseqentemente, exige a reparao dasociedade mediante a interveno do Estado.

    A segunda concepo abrangeria a violncia econmi-ca, que se refere somente aos prejuzos causados aopatrimnio, propriedade, especialmente aqueles resultantesde atos de delinqncia e criminalidade contra os bens, comoo vandalismo. Para o autor, essa modalidade foge ao significa-do estrito de violncia, j que no caracteriza a violao daintegridade da pessoa.

    Uma terceira concepo tem por foco a idia de autoridade,que possui forte contedo subjetivo e, segundo o autor, encontra-se na moda: trata-se da chamada violncia moral ou violncia sim-blica. Chesnais sustenta que falar de violncia neste sentido um abuso de linguagem, prprio a certos intelectuais ocidentais,excessivamente bem instalados na vida para conhecer o mundoobscuro da misria e do crime (idem: 13).

    O autor sustenta que somente a primeira concepo tempor base uma definio etimologicamente correta, encontraamparo nos cdigos penais e nas perspectivas profissionais mdicas e policiais, por exemplo quanto ao fenmeno. Assim, aviolncia fsica que significaria efetivamente a agresso contra aspessoas, j que ameaa o que elas tm de mais precioso: a vida, asade, a liberdade (ibidem: 14).

    comum chegar-se a conceitos ad hoc, ou seja, mais apro-priados ao lugar, ao tempo histrico que se examina. De fato,

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  • tnue o consenso sobre o que violncia, o que j traduz suafora, segundo Arblaster (1996: 803-805), em verbete sobre otermo no Dicionrio do Pensamento Social do Sculo XX:

    O termo potente demais para que [um consenso] seja possvel.No obstante, um entendimento do termo ditado pelo senso comum, grosso modo, que a violncia classifica qualquer agresso fsicacontra seres humanos, cometida com a inteno de lhes causar dano,dor ou sofrimento. Agresses consideradas, com freqncia, atos deviolncia. E comum falar-se tambm de violncia contra certa cate-goria de coisas, sobretudo a propriedade privada.

    A inteno de ferir, ofender, deliberadamente atingir nega-tivamente o outro seria um constituinte de violncia, mas no osuficiente para sua caracterizao, segundo referncias que maisse ateriam ao corpo normativo legal como parmetro do que seriaconsiderado como violncia. Arblaster (op.cit.) lembra que oOxford English Dictionary definiria violncia como o uso ilegtimo dafora, o que pode ter como perspectiva tanto o plano do legal comoda moral, o que mais uma vez questiona as fronteiras entrereferncias coletivas e objetivas, e o sentido, o subjetivado, opercebido como violncia.

    O destaque dado agresso fsica tambm questionado pormuitos, considerando tanto outras formas de relaes agressivasquanto mecanizao e industrializao da violncia, como asque se do em larga escala, por exemplo, as guerras modernas. Areferncia a violaes de propriedade tambm disputada comodefinidor de violncia, atravs da histria (Thompson in Bourdone Borricaud, 1982) 2.

    Outro constituinte questionado atualmente a violn-cia como um ato individualizado, pautado por psicopatias,dirigido contra outro ou outros, infligindo a essas vtimassofrimento, dor e morte. Considerar que muitos agressoresno se sentem culpados ou responsveis por suas aes, que

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    2. Ver Peralva, 2000, entre outros.

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  • so treinados ou socializados, quer de forma intencional oupor modos de vida, para serem violentos desloca a ao pre-ventiva para o campo das relaes sociais coletivizadas,focalizando-se no somente indivduos, mas grupos, comu-nidades e organizaes.

    Outros autores desenrolam tal raciocnio, pelo qual ainteno no define necessariamente os agressores, para referir-sea estruturas de violncia, o que se confunde com situaes decoero social:

    Se a violncia no envolve necessariamente uma agresso fsica noconfronto direto de algumas pessoas com outras, ento a distinoentre violncia e outras formas coercitivas de infligir danos, dor emorte fica enevoada. Uma poltica que deliberada ou conscientementeconduza morte de pessoas pela fome ou doena pode ser qualificadade violenta. Essa uma razo por que slogans como pobreza violn-cia ou explorao violncia no constituem meras hiprboles(Arblaster, 1996: 803).

    Na busca por definies mais finas, alguns autores dis-putam a relao entre o conceito de violncia, o de fora e o de sera violncia necessariamente um regime de excepcionalidade,tanto quando o nvel de analise o Estado, como grupos sociais eindivduos.

    Discute-se que na contra corrente, por no violnciapoder-se-ia apelar para a correlao de foras, ou o reconhec-imento de simetrias para resolver conflitos e se obter negoci-aes. Assim, segundo Bourdon e Borricauld (1982: 613), "arenuncia violncia no resulta de uma converso, mas deuma aprendizagem, que parte do reconhecimento de umarelao de foras que se impe s duas partes (...) sem perdera face ".

    Por outro lado, a depender do tipo de sociedade comoas de regimes totalitrios, a violncia se constituiria em normalegtima pela imposio do poder de administr-la no pelo

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  • consentimento3.Alm de constituintes, o debate conceitual diverge na

    escolha de taxonomias diversas. Bourdon e Bourricaud (1982), porexemplo, recorrendo a uma resenha de produes sobre violnciana sociologia, identifica suas concepes: uma, anmica e outra,estratgica. A violncia relacionada anomia, seria elaborada res-gatando herana durkheiniana, com variantes:

    Falaremos aqui em anomia em sentido muito amplo, para carac-terizar a situao em que o sistema normativo perdeu todo ou partede seu rigor e de sua eficcia. Os direitos e as obrigaes deixam deser efetivamente sancionados porque as pessoas no sabem mais aque esto obrigadas, no reconhecem mais a legitimidade das obri-gaes a que esto submetidas ou porque no sabem a quem recorrerpara fazer valer seus prprios direitos quando estes so violados. Aviolncia-anomia resulta da proliferao das relaes agressivas nossetores desregrados da sociedade (Bourdon e Borricaud, 1982: 607).

    Segundo esses autores, os trabalhos que seguem tal ori-entao se voltariam para situaes coletivas de disperso deinteresses cunhados por antagonismos que levariam at a dis-soluo da prpria coletividade exemplificando para agrupamentosmicro organizados, de bandos relacionados a aes negativas;como os trabalhos clssicos sobre gangues de Thrasher(Thrasher, 1927).

    Entre as criticas s ambigidades no uso do modelo vio-lncia-anomia, destaca-se a que questiona a legitimidade dasnormas que se tm como referncia do desejvel ou da base derepresentaes, ou quem falaria em nome de todo o povo, ressaltan-do Bourdon e Borricauld que o totalitarismo seria a "formamais complexa de violncia exercida pela sociedade contra osseus membros" ou por "representantes" da norma.

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    3. "[Nos Estados totalitrios] h uma tendncia muito forte entre os indivduos de se identificarem com as figurasdos lderes [segundo as teorias psicolgicas de liderana de Lebon/Freud]. possvel que a maioria da populao fiquevulnervel influncia de smbolos propagados pela figura do lder, em quem uma confiana exagerada mantida, adespeito das polticas punitivas impostas." (Giddens, 2001: 317)

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  • Estar-se-ia tratando de violncia estratgica como o fim demanuteno da norma sem a construo do consentimento poropo consciente, mas por conformismo, sendo tal estado de pas-sividade uma elaborao parte da violncia estratgica. Na violn-cia estratgica entraria o modelo Mertoniano sobre meios e fins,sendo os fins em si privilegiados.

    O conceito de violncia muitas vezes usado de formaindiscriminada para referir-se a agresses, incivilidades, hos-tilidades e intolerncias. Ainda que, em perspectiva tica geralou dos sentimentos da vtima, tais fenmenos possam reverberarcomo violaes de direitos, h que cuidar, principalmentequando se lida com crianas e jovens, dos limites conceituais,j que no plano de recomendaes e polticas importanteconceituar bem o tema (Chesnais in Debarbieux, 1996).

    1.2. Algo sobre violncia e Brasil na literatura recente

    Na literatura sobre o Brasil a associao entre violnciade macrodinmicas sociais, assim como a reflexo sobre opapel do Estado, faz parte de uma herana comum no campodas cincias sociais. Pobreza, desemprego4, crises econmicas,desigualdades sociais e democracia so algumas das refern-cias macroestruturais mais debatidas, mas com abordagensdiferenciadas.

    Mesquita Neto et al. (2001) observam que as anlises que secentralizam na dinmica da economia poltica seriam mais bemsucedidas quando o nvel analtico o institucional, deixando adesejar se o foco so conflitos interpessoais, em particular os quese do entre pessoas de uma mesma classe ou grupo social, o quemais ressaltaria uma perspectiva social.

    Peralva (2000) bem ilustra tal perspectiva. Em recente tra-balho, debatendo a literatura sobre violncia no Brasil, critica aassociao entre pobreza, desigualdades de renda e violncia,

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    4. Mesquita Neto et al, 2001: 29, citam como alinhados ao que se referem como perspectiva econmica na abordagemsobre violncia (Maricato, 1995; Oliven, 1980 e Weffort, 1980).

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  • como insuficiente no plano explicativo, mas reconhecendo a"geografia das mortes violentas nas periferias pobres e no nosbairros ricos" (op cit: 81)5.

    De fato, se no suficiente, se faz necessrio reconhecer nohorizonte de condicionantes da violncia, a modelagem dapobreza e das desigualdades sociais no pas.

    Segundo Pinheiro (1996), haveria uma violncia de carterendmico relacionada a assimetrias sociais que se traduzem emautoritarismos de vrias ordens como o subdesenvolvimento terri-torializado (ex: das populaes no Norte e no Nordeste e de reasurbanas e rurais nas demais regies); impunidade, corrupo;abusos das foras policiais, principalmente contra os pobres e osno-brancos; as violaes dos direitos das pessoas presas-pobres;discriminao racial. No entanto, o autor reconhece como traocontemporneo, no Brasil, maior preocupao das autoridades emrelao importncia de "fazer respeitar tanto o estado de direitocomo as normas de direitos internacional dos direitos humanos,apesar de muito restar por ser feito." (Pinheiro, 1996: 9)

    Peralva (2000) organiza seu livro em torno do que denominao "paradoxo brasileiro", ou seja, o aumento dos "crimes de sangue"entre 1980 e 1997, perodo de investimento na construo dademocracia ps-ditadura militar. Naquele perodo tambm haveriacrescido o acesso a armas de fogo, a presena do narcotrfico, emparticular nas zonas de pobreza de muitas reas urbanas no pas eas crises da economia. Note-se que Pinheiro (1996: 17) tambmrecorre ao termo "paradoxo" para o caso do Brasil, mas no sentidode coexistirem "uma definio estrita das garantias constitucionaise uma cidadania fraca" todos frisam a fragilidade da consolidaoda cidadania no pas e como tal estado arriscaria a democracia:

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    5. "Mapas de criminalidade mostram que as mais altas taxas de homicdio so registradas na periferia das grandescidades e regies metropolitanas, onde os problemas de pobreza, desemprego e falta de habitao e servios bsicos,incluindo sade, educao, transporte, comunicaes, segurana e justia so particularmente agudos. tambm nessasreas onde, apesar da transio para a democracia na dcada de 1980, graves violaes de direitos humanos continuama ocorrer-incluindo execues sumarias, tortura e detenes arbitrrias pela polcia e por grupos legados seguranaprivada e ao crime organizado (Pinheiro, 2000 e Crdia 2000)" (Mesquita Neto, 2001: 27)

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  • "O Brasil oferece o paradoxo de estar hoje ao mesmo tempo no quepoderia ser o melhor dos mundos e tambm no pior: o pas hoje adcima maior economia mundial com um Produto Interno Bruto(PIB) de 414, 1 bilhes de dlares, em 1991... As mortes violentasso a terceira causa de morte no municpio [de So Paulo].Periferizao e favelizao ocorrem num profundo contexto dedesigualdades entre ricos e pobres... A dcima economia industrialdo mundo convive com a segunda pior distribuio de renda emtodo o mundo: a racio dos 20% mais ricos para os 20% mais pobresentre 1980 e 1991, era de 32,1%." (Pinheiro 1996: 22-24).

    Vrios autores (e.g., Zaluar 1994; Pinheiro 1996; Soares,1996) frisam que os dados sobre desigualdades sociais noembasam imobilismo ou pessimismo quanto ao possvel, ou seja, nopodem impedir que se invista, em especial o Estado, quanto apolticas pblicas para lidar com violncia, mas que inclusive parauma mobilizao da sociedade civil contra violncias h quesuperar tais restries, incompatveis com uma cidadania plena(Pinheiro, 1996).

    comum a insistncia em que h que ter reformasinstitucionais, promovidas pelo governo em seus distintosnveis, como no aparato de justia e segurana, ainda que sereconhea que, principalmente na dcada de 1990, o Estado ea mdia se voltaram para questes como o trabalho escravo, aviolncia contra crianas e adolescentes, o aumento nonmero de meninos e meninas em situao de rua, a prosti-tuio infantil, a tortura, a discriminao racial, e por conta degnero, e que tais esforos associam- se a uma maior advoca-cia por direitos humanos em distintos campos pela sociedadecivil. Em Dimenstein (1996), o registro de casos de extermnio,prises, conflitos de terra, trabalho escravo, massacre de ndiose violncias contra a mulher, noticiados amplamente, ocorridosna ltima metade da dcada de 90 e que, na sua maioria, con-tou com denncia e acompanhamento por parte de entidades

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  • da sociedade civil e organizada.A tese sobre democracia, cidadania incompleta e violncia

    desdobrada por Peralva (2000) considerando novas configu-raes que singularizariam um cenrio que potencializaria vio-lncias nos centros urbanos brasileiros na virada do sculo,como: 1) o aumento do acesso a armas aspecto frisado porvrios entrevistados em distintas pesquisas, em reas depobreza (Peralva 2000; Zaluar 1999, Castro et al 2001,Abramovay et al 1999 e UNESCO 2001); 2) a juvenilizao dacriminalidade; 3) a maior visibilidade e tambm a reao daviolncia policial, em particular contra jovens em bairros perifri-cos; 4) ampliao do mercado de drogas e poder de fogo docrime organizado, em especial do narcotrfico em diversoscentros urbanos; e 5) cultura individualista e por consumo "individualismo de massa" que derivaria em expectativas nosatisfeitas, potencializando violncias.

    Peralva (2000) defende que a confluncia de dinmicas,como as mencionadas, condicionaria sentimento/angstia demorte prxima e condutas de risco, que mais ressoam entre os jovensde bairros urbanos perifricos.

    Quanto criminalidade que vitimiza e envolve osjovens, no caso de centros urbanos metropolitanos, comumdestacar-se a influncia do narcotrfico (Zaluar 1999 e 2001),organizado segundo leis de mercado, mas sem o amparo da lei,ou seja, com lucros relacionados a sua ilegalidade. "Nesse con-texto, quaisquer conflitos e disputas so resolvidos pela vio-lncia, o que afeta de modo decisivo as taxas de homicdio"(Zaluar, 1994 cit in Sapori e Wanderley, 2001: 71).

    Como outros autores citados, Peralva (2000) insiste tam-bm sobre a necessidade de se refletir sobre o papel do Estadoquanto legitimidade no controle da violncia e a participaodas populaes de baixa renda e da sociedade civil no jogodemocrtico, alm da importncia de reformas na polcia e najustia "ter uma policia respeitada e respeitvel" (Peralva2000: 187).

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  • Os paradoxos da democracia so operacionalizados comoutras nuances por Mesquita Neto et al (2001; 34), que resgatandode cada perspectiva econmica, poltica e social dimensespr-violncias, ressalta a questo da governabilidade, con-siderando que:

    O crescimento do crime e da violncia resulta no apenasda pobreza e da desigualdade social, da falta ou m quali-dade dos servios de segurana e da disseminao de armase drogas. Resulta tambm da incerteza poltica e dos confli-tos institucionais no resolvidos durante a transio para ademocracia, e enfraquecem o impacto das aes para aper-feioar os servios de segurana e justia.

    Por outro lado, insistem alguns autores que haveria tam-bm que aprofundar a discusso sobre valores, cultura de vio-lncia versus cultura da vida ou cultura de paz (Castro et al,2001;UNESCO, 2001), cultura legal ou das leis (Vieira, 2001) eoutras formas de estar e se sentir na vida (Peralva, 2000).

    Vieira (2001) cerca o debate sobre violncia e valores,advogando o resgate da importncia da lei, o que se conseguiriamais aproximando texto e contexto, ou seja, o escrito jurdico denormas de convivncia, tica quanto ao direito da alteridade, oque resgata o princpio mediterrneo pelo respeito ao outro,insistindo na reciprocidade e ai o dever no s dos cidados, mas doEstado de respeitar tal lei.

    Para uma sociedade pacificada (expresso in Vieira, op.cit)haveria que recusar os guetos e os apartheid sociais, ou seja, quetodos se sentissem parte de uma cultura comum, partilhando nor-mas e valores, ainda que se conserve o pluralismo e as diferenasno pautadas em desigualdades sociais "o racismo, a pobreza ono-acesso educao e a bens essenciais dignidade humanaso formas que facilitam a percepo do outro como inferior"(Vieira, 2001: 81).

    Uma leitura sugerida pelo texto de Vieira (2001) seria a de

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  • que mais que as desigualdades sociais em si, a forma como secanaliza o descontentamento com as desigualdades, impunidadesquanto a violaes de direitos e o arbtrio no uso das leis, associar-se-ia com sentidos de violncia, ainda que no diretamenteracionalizados dessa forma. Ou seja, ao se sentir desrespeitadolegalmente, ou sem leis de baliza em anomia os indivduosassumiriam comportamentos de desrespeito em relao aosoutros, ameaando-se a tica do convvio social, ainda que noidentifiquem causas estruturais para tal comportamento.(Pargrafo grande. OK com a correo da pontuao, pois umperodo prejudica a leitura).

    Assim a violncia tem sido concebida como um fenmenomultifacetado, que no somente atinge a integridade fsica, mastambm as integridades psquicas, emocionais e simblicas deindivduos ou grupos nas diversas esferas sociais, seja no espaopblico, seja no espao privado. Passa ser concebida "de modo aincluir e a nomear como violncia acontecimentos que passavamanteriormente por prticas costumeiras de regulamentao dasrelaes sociais" (Porto, 1997 in Waiselfisz, 1998a:146), como aviolncia intrafamiliar, contra a mulher ou as crianas e a violnciasimblica contra grupos, categorias sociais ou etnias.

    A percepo da complexidade da violncia acom-panhada pela necessidade de diferenciar suas diversas formasque podem ser imputadas s pessoas, a fim de buscar entendersuas causas peculiares e orientar a busca de solues paracombat-las. Anlises e pesquisas recentes produzidas pelaUNESCO (Castro et al, 2001; Abramovay et al, 1999; Barreira1999 e Minayo et al, 1999) vm utilizando as definies de vio-lncia direta, indireta e simblica para identificar diferentesexpresses do fenmeno.

    A violncia direta se refere aos atos fsicos que resultam emprejuzo deliberado integridade da vida humana. Essa categoriaenvolve todas as modalidades de homicdios (assassinatos, chaci-nas, genocdio, crimes de guerra, suicdios, acidentes de trnsito emassacres de civis). A violncia indireta envolve todos os tipos de

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  • ao coercitiva ou agressiva que implique prejuzo psicolgico ouemocional. Por fim, a violncia simblica abrange relaes depoder interpessoais ou institucionais que cerceiam a livre ao,pensamento e conscincia dos indivduos.

    Como dito anteriormente, apesar do fato de a violnciano estar mais limitada a estratos sociais, econmicos, raciaisou geogrficos, levantamentos estatsticos demonstram que elaatinge com maior intensidade a grupos especficos como, porexemplo, os jovens do sexo masculino. Uma explicao dessaincidncia est ligada questo da vulnerabilidade social.Antes, porm, de entrar no mrito da relao vulnerabilidadesocial-violncia, cabe observar a trajetria e os principaisaspectos deste rico referencial terico.

    1.3. A abordagem analtica da vulnerabilidade social

    Apesar do uso histrico do termo vulnerabilidade emdiversos estudos sociais6, as aproximaes analticas vulnera-bilidade social datam apenas dos ltimos anos, perodo em quese levou a cabo maior reflexo a respeito das limitaes dosestudos sobre a pobreza e sobre os escassos resultados daspolticas associadas a eles na Amrica Latina. Tais enfoques dapobreza apesar de servirem identificao dos setores maisdesprovidos da populao a serem atendidos pelas polticassociais no deram conta das complexas razes desse fen-meno, j que se baseavam apenas no uso de indicadores derenda ou carncias que delimitam a insatisfao de necessi-dades bsicas.

    Os primeiros trabalhos ancorados na perspectiva davulnerabilidade social foram desenvolvidos, motivados pelapreocupao de abordar de forma mais integral e completano somente o fenmeno da pobreza, mas tambm as diversasmodalidades de desvantagem social. Tais obras se destinaram a

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    6. Ver, entre outros autores sobre vulnerabilidade social, Moser, 1996 e 1997 e 1998; CEPAL, 2000a; Filgueiras 2001;Busso, 2001 e Vignoli 2001.

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  • observar os riscos de mobilidade social descendente e as con-figuraes vulnerveis que no se restringiam queles situadosabaixo da linha de pobreza, mas a toda populao em geral. Dessamaneira, partiam do reconhecimento do fenmeno do bem-estarsocial de uma maneira dinmica, bem como das mltiplas causase dimenses associadas a esse processo.

    Na Amrica Latina, a abordagem analtica da vulnerabili-dade social se torna sistemtica somente a partir dos trabalhos deCaroline Moser e seu grupo do Banco Mundial, os quais sintetizamo chamado asset/vulnerability framework. Em sua pesquisa sobreestratgias de reduo da pobreza urbana (1998), alm de destacaro carter dinmico desse enfoque, Moser ressalta a importnciados ativos das famlias no se referindo apenas renda ou possede bens materiais os quais influenciariam seu grau de vulnera-bilidade social, sua renda e sua capacidade de responder a crises;o que do ponto de vista da formulao de polticas constituiu umainovao.

    Seguidos aos trabalhos iniciais de Moser, uma geraode estudiosos na Amrica Latina vem colaborando com a con-struo terica e operacionalizao metodolgica do enfoqueda vulnerabilidade social, o qual, por ser recente, ainda seencontra em formao. Como mencionado na introduo, estetrabalho se apoiar no complexo discurso conceitual eanaltico o que tem situado a vulnerabilidade social como oresultado negativo da relao entre a disponibilidade dosrecursos materiais ou simblicos dos atores, sejam eles indiv-duos ou grupos, e o acesso estrutura de oportunidades sociais,econmicas, culturais que provem do Estado, do mercado eda sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades oudesvantagens para o desempenho e mobilidade social dosatores (Vignoli, 2001; Filgueira, 2001).

    Este enfoque faz referncia a trs elementos essenciais conformao de situaes de vulnerabilidade de indivduos,famlias ou comunidades: recursos materiais ou simblicos,tambm chamados de ativos (Filgueira, 2001), as estruturas de

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  • oportunidades dadas pelo mercado, Estado e sociedade e asestratgias de uso dos ativos.

    O primeiro elemento diz respeito posse ou controle derecursos materiais ou simblicos que permitem aos diversos atoresse desenvolver em sociedade. O segundo, se refere s estruturasde oportunidades que provem do mercado, do Estado e dasociedade. Elas se vinculam em nveis de bem-estar, aos quais sepode ascender em um determinado tempo e territrio, podendopropiciar o uso mais eficiente dos recursos ou prover de novosativos ou ainda recuperar aqueles esgotados. Por fim, o terceiroelemento refere-se a estratgias quanto ao uso que esses atoresfazem de seu conjunto de ativos com vistas a fazer frente smudanas estruturais de um dado contexto social.

    No que tange interao desses trs componentes da vul-nerabilidade social, Busso (2001: 14) coloca:

    A mobilizao de ativos se realiza tanto como estratgias adaptati-vas, defensivas ou ofensivas a mudanas no conjunto de oportu-nidades, e tm como finalidade fortalecer a quantidade, qualidade ediversidade de ativos disponveis para acender de forma distinta emais satisfatria ao conjunto de oportunidades que brinda oentorno.

    Vale notar que a vulnerabilidade assim compreendidatraduz a situao em que o conjunto de caractersticas, recur-sos e habilidades inerentes a um dado grupo social se revelaminsuficientes, inadequados ou difceis para lidar com o sistemade oportunidades oferecido pela sociedade, de forma a ascen-der a maiores nveis de bem-estar ou diminuir probabilidadesde deteriorizao das condies de vida de determinadosatores sociais (Vignoli, 2001). Esta situao pode se manifestar,em um plano estrutural, por uma elevada propenso mobili-dade descendente desses atores e, no plano mais subjetivo,pelo desenvolvimento dos sentimentos de incerteza e insegu-rana entre eles.

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  • Um aspecto importante dessa definio decorre da suautilidade para compreender como e por que diferentes atoressociais se mostram mais suscetveis a processos que atentamcontra sua possibilidade de ascender a maiores nveis de bem-estar. Ela permite analisar o caso de grupos sociais, aos quaisso atribudas grandes potencialidades, ativos valorizados emum dado contexto de estruturas de oportunidades, mas que,contraditoriamente, permanecem reclusos a um cenrio deinseguranas, instabilidades e marginalidade.

    Nesse sentido, o enfoque de vulnerabilidade social consti-tui ferramenta vlida para compreender a situao dos jovens,especialmente aqueles de camadas populares, e da sua relaocom a violncia j que, apesar de atualmente serem consideradosos atores chaves do desenvolvimento, as estatsticas apresen-tam uma realidade muito menos festejada.

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    2. A situao da juventude latino-americana

    2.1 A vulnerabilidade social atravs dos dados

    Como j foi dito, a violncia, tendo os jovens como vtimasou agentes, est intimamente ligada a condio de vulnerabilidadesocial destes indivduos. Atualmente, esses atores sofrem um riscode excluso social sem precedentes devido a um conjunto dedesequilbrios provenientes do mercado, Estado e sociedade quetendem a concentrar a pobreza entre os membros desse grupo edistanci-los do "curso central" do sistema social. (Vignoli, 2001).Outro aspecto perverso da vulnerabilidade a escassa disponi-bilidade de recursos materiais ou simblicos a indivduos ou gru-pos excludos da sociedade. O no-acesso a determinadosinsumos (educao, trabalho, sade, lazer e cultura) diminui aschances de aquisio e aperfeioamento desses recursos que sofundamentais para que os jovens aproveitem as oportunidadesoferecidas pelo Estado, mercado e sociedade para ascender social-mente.

    Assim, esta seo apresentar dados estatsticos coletadospor organismos internacionais na Amrica Latina que apontampara o agravamento da vulnerabilidade dos jovens na regio e osimpactos resultantes no incremento da violncia.

    A preocupao da anlise oferecer um painel sobre osjovens da Amrica Latina, assim sendo, aspectos peculiares dospases analisados no orientaram a preocupao central deste arti-go. Os dados apresentados foram reunidos e selecionados a par-tir de pesquisas desenvolvidas por diversos rgos e organismosinternacionais envolvidos com a Amrica Latina, entre eles:UNESCO, UNAIDS, CEPAL, CELADE, OMS e OPS. Procurou-se uti-lizar, na medida do possvel, sempre os dados mais atualizadosdisponveis, porm, apesar do esforo, alguns apresentam umadefasagem de 5 a 7 anos.

    Uma vez que a anlise partiu de dados secundrios, foinecessrio trabalhar com dados agregados que nem sempre coin-

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  • cidiam em sua forma e dimenso, assim deve-se ater s diferenasque essa agregao diferenciada pode suscitar.De modo geral, percebe-se: A crescente incapacidade do mercado de trabalho em absorverindivduos pouco qualificados ou com pouca experincia, como o caso dos jovens. As dificuldades enfrentadas pelos governos na Amrica Latinaem reformar os sistemas educacionais para que acompanhem asmudanas da sociedade e incorporem as novas aptides e habili-dades requeridas. As tendncias no quadro cultural contemporneo, por um ladoestimulam a sexualidade precoce e por outro incentivam asresistncias em educar, sensibilizar e oferecer os meios para evitarque tal atividade favorea a gravidez no planejada e o contgiode doenas sexualmente transmissveis -incluindo a AIDS.(Vignoli, 2001).

    2.1.1 Pobreza e demografia

    A vulnerabilidade apresenta-se como um elemento distinti-vo da realidade social ao final dos anos 90 na Amrica Latina. Istose deve ao fato de que as condies de pobreza e concentrao derenda, prprias dos pases subdesenvolvidos, geram um aumentoda insegurana e, portanto, da vulnerabilidade para um grandenmero de indivduos das classes baixas e mdias, pois, estoexpostos a riscos (ex: violncia) e dificuldades (ex: desemprego),principalmente nas zonas urbanas (Pizzaro, 2001).

    Segundo alguns autores (Moser, 1999; Filgueira, 2001), oconceito de vulnerabilidade uma ferramenta eficaz para analisara situao dos excludos socialmente na Amrica Latina, pois capaz de compreender amplamente as vicissitudes e idiossincrasiasexistentes na realidade dos pobres que vo alm dos atributos derenda.

    Neste sentido o conceito de vulnerabilidade ao tratar dainsegurana, incerteza e exposio a riscos provocados por even-

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  • Pas Ano Total Pas Zona Urbana Total Pas Zona urbanaArgentina 1997 - 13 - 3Bolvia 1997 - 44 - 16Brasil 1996 29 25 11 8Chile 1996 20 19 5 4Colmbia 1997 45 39 20 15Costa Rica 1997 20 17 7 5Equador 1997 - 50 - 19Honduras 1997 74 67 48 35Mxico 1996 43 38 16 10Nicargua 1997 - 66 - 36Panam 1997 27 25 10 9Paraguai 1996 - 40 - 13Peru 1997 37 25 18 7Uruguai 1997 - 6 - 1Venezuela 1997 42 - 17 -Fonte: CEPAL, Panorama Social de Amrica Latina.1998.

    tos socioeconmicos ou ao no-acesso a insumos estratgicosapresenta uma viso integral sobre as condies de vida dospobres, ao mesmo tempo que considera a disponibilidade derecursos e estratgias para que estes indivduos enfrentem as difi-culdades que lhes afetam.

    Segundo dados da CEPAL, ao final dos anos 90, a pobrezana Amrica Latina afetava a 35% dos domiclios enquanto aindigncia ou a pobreza extrema alcanava a 14% (CEPAL, 2000b).Essas estatsticas, se comparadas com outras sries histricas damesma instituio, mostram que os ndices de pobreza apresen-taram uma ligeira diminuio na regio nos ltimos anos. Pormdeve-se ressaltar que apesar desta relativa melhora a pobrezaainda permanece um dos principais problemas que afetam aspopulaes dos pases latino-americanos.

    Tabela 1 Domiclio em situao de pobreza e indigncia porpases da Amrica Latina e Caribe, (%).

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    Domiclios abaixo da linha de pobreza (%)

    Domiclios abaixo da linha de indigncia (%)

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  • 36

    A tabela acima revela-se ilustrativa para se apreender agravidade do panorama social da regio. A maior parte dos pasespossui altos ndices de domiclios em situao de pobreza. Empases como Honduras, Nicargua e Equador registram-se mais de50% das residncias situadas em zonas urbanas abaixo da linha depobreza. Neles ainda so elevados os ndices de domiclios classi-ficados como abaixo da linha de pobreza crnica ou indigncia.

    Neste contexto, preocupa o fato de que os jovens compemum grupo particular de indivduos vulnerveis situao depobreza na regio. Conforme recentes estudos empreendidos pororganismos internacionais7 boa parte dos jovens da Amrica Latinae Caribe est submetida a um risco de excluso social sem prece-dentes. Comparada s mdias nacionais de outros estratos dapopulao, a pobreza entre os jovens, especialmente entre os ado-lescentes de 16 a 19 anos de idade, revela-se superior. Segundo osdados da CELADE8, existe uma relao inversa entre a idade e onvel de pobreza, onde quanto menor a idade, maior a incidnciada pobreza e vice-versa.

    Cabe ressaltar que esses dados sobre a concentrao dapobreza entre a populao jovem latino-americana preocupamno apenas por superarem a mdia de outros estratos popula-cionais, mas tambm pela envergadura demogrfica desse grupo.Conforme informaes da CEPAL/CELADE, durante a segundametade do sculo XX, e com grandes variaes entre os pases derivadas da heterogeneidade da transio demogrfica a pro-poro de jovens de 15 a 29 anos dentro da populao totalchegou ao seu mximo (28,5%) em 1990.

    Madeira, referindo-se a esse ritmo de crescimento da popu-lao de 15 a 24 anos no caso especfico do Brasil, observou a pert-inncia de se destacar, no panorama demogrfico, uma "ondajovem", chamando a ateno para o fato de que estaramos "vivendoum pico abrupto no nmero de adolescentes, cuja mdia gira emtorno de 17 anos" (Madeira, 1998: 431). Segundo dados do CensoDemogrfico 2000 do IBGE a populao de jovens entre 15 a 24 anos

    7. Realizados pela Banco Mundial, BID, CEPAL, PNUD e UNESCO.8. CEPAL. Panorama Social da Amrica Latina. 1998.

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    no Brasil composta por mais de 34 milhes de pessoas. (IBGE, 2001).O crescimento da populao jovem latino-americana pode ser

    observado tanto em nmeros relativos (ao total da populao)quanto em nmeros absolutos no grfico abaixo. Nele se projetapara o ano de 2005 uma populao de 102.347.048 jovens de 15 a24 anos na Amrica Latina e no Caribe. Com relao a essa ondajovem latino-americana, deve-se ressaltar que tais tendnciasdemogrficas remetem a desafios imperiosos no que tange incorporao dos jovens de forma produtiva no mercado de tra-balho, bem como sua participao poltica, cultural e social. Assim, preciso observar at que ponto esses jovens tm conseguidoincorporar os ativos essenciais ao seu desempenho presente efuturo na sociedade e os principais obstculos encontrados no seucontexto econmico, poltico e social da Amrica Latina, que ostm atrado para situaes de vulnerabilidade.

    Grfico 1 - Estimativa e projeo populacional, por ano, parajovens de 15 a 24 anos de idade, na Amrica Latina e Caribe,1995-2005.

    Fonte: CELADE. Estudos populacionais, 1998.

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  • 38

    2.1.2 Educao

    Por se tratar de um componente chave para a qualidade de vidada populao juvenil, uma primeira dimenso a ser analisada de modoa compreender a situao da juventude latino-americana a educao.Ela considerada o principal instrumento para a elevao dos nveisde capital humano e para promover o bem-estar de jovens e adolescentes.Alm disso, a interao que surge nas escolas tambm acumula capi-tal social, j que ali se constroem relaes sociais, redes de amigos econtatos. Neste sentido, a educao em conjunto com a famliaconstitui um dos espaos tradicionais de socializao entre os jovens.

    Segundo Pizarro (Pizarro, 2001:14), ao final dos anos 90 naAmrica Latina somente a educao tradicional no mais assegurava ofortalecimento do capital humano e por conseqncia novas oportu-nidades. Segundo o autor, novas instituies e polticas tpicas do padrode desenvolvimento vigente na regio favoreceram a ampliao daeducao privada e, por outro lado, deterioraram a educao pblicaprovocando um aumento da vulnerabilidade dos estudantes de estratosmdios e baixos da sociedade -mais usuais nesta rede de ensino.

    Pizarro argumenta que uma caracterstica prpria da edu-cao a segmentao dos estudantes segundo seu nvel de renda,ou seja, as crianas e jovens de famlias com rendas superioresusualmente estudam na rede particular que oferece uma melhorinfra-estrutura e qualidade de ensino. J as famlias mais pobres spodem ter acesso a estabelecimentos pblicos, onde, em algunscasos, evidente a precariedade das instalaes e a deteriorizaoacadmica. Assim, dadas s novas exigncias do mercado de tra-balho e diferena de qualidade entre a educao pblica e pri-vada, percebe-se que os jovens piores situados na escala de dis-tribuio de riquezas esto mais vulnerveis.

    Por outro lado, na Amrica Latina, os dados referentes a estesetor registram avanos no que tange ao aumento no nmero dematrculas e nas taxas de escolarizao, de modo geral. Porm, comoj foi dito, o nmero absoluto de jovens tambm cresceu nessespases e, apesar da melhora nos indicadores, a situao da educaojovem ainda requer cuidados das autoridades governamentais na regio.

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  • Alfabetizao Jovem

    Posico IDH Pas Taxa (% de 15-24 anos) 1999Amrica Latina e Caribe 93.8Alto desenvolvimento humano

    34 Argentina 98.537 Uruguai 99.339 Chile 98.741 Costa Rica 98.3

    Mdio desenvolvimento humano51 Mxico 96.852 Panam 96.761 Venezuela 97.862 Colmbia 96.869 Brasil(*) 92.373 Peru 96.680 Paraguai 96.984 Equador 96.986 Repblica Dominicana 90.795 El Salvador 88.0

    104 Bolvia 95.6106 Nicargua 73.4107 Honduras 82.9108 Guatemala 78.9

    Baixo desarrollo humano134 Haiti 79.3

    Um primeiro progresso pode ser observado na oferta daeducao bsica, ou alfabetizao. Conforme a tabela abaixo, amaioria dos pases j atingiu mais de 90% de alfabetizados entre apopulao de 15 a 24 anos. Vale notar que, se contrastadas a taxade alfabetizao jovem e a posio do pas segundo o ndice deDesenvolvimento Humano, os pases com os maiores IDHs soaqueles onde quase 100% da populao de 15 a 24 anos foi alfabetizada.

    Tabela 2 - Taxa de alfabetizao da juventude de jovens entre15 e 24 anos, por pases da Amrica Latina, segundo indicadoresagregados de educao, 1999.

    (*) De 1995 para 1999, o percentual de crianas de 7 a 14 anos de idade fora da escola decresceu de

    39

    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

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  • 9,8% para 4,3%. Esse indicador, em 1989, situava-se em 16,2%. A comparao entre os resultadosregionais revelou que, de 1995 para 1999, essa proporo recuou de 6,4% para 3,3% no Sudeste, que detentor do maior grau de escolarizao, e de 15,0% para 5,9% no Nordeste, que, apesar daexpressiva melhoria, continuou no outro extremo.

    A taxa de escolarizao das meninas ainda supera a dos meninos. Em quatro anos, nogrupo de 7 a 14 anos de idade, o percentual de meninos fora da escola declinou de 10,7% para 4,7%,enquanto o de meninas diminuiu de 8,8% para 3,9%.

    Em decorrncia de a taxa de escolarizao feminina permanecer mais elevada, o nvel deinstruo das mulheres manteve-se em patamar nitidamente mais alto que o dos homens. Em 1999,a proporo de mulheres com pelo menos o segundo grau concludo situou-se 2,9 pontos per-centuais acima da referente populao masculina. Entretanto a disparidade entre o nvel deinstruo dos dois gneros muito mais acentuada na populao ocupada, pois o interesse femini-no em ingressar no mercado de trabalho tende a aumentar com a elevao do seu nvel educacional.Em quatro anos, a proporo de pessoas com pelo menos o segundo grau concludo subiu de 17,3%para 21,2%, na populao ocupada masculina, e de 24,9% para 30,4%, na feminina. (IBGE, 2001)Fonte:PNUD, 2000.

    No que se refere ao ensino primrio ou fundamental9, dados daUNESCO apontam-no como o maior subsetor de qualquer sistemaeducacional no mundo, isto , dentre todos os setores educacionais,o primrio ou fundamental aquele que possui o maior nmerode alunos matriculados. Alm disto, desde a conferncia Educaopara Todos realizada em 1990 na Tailndia, tem-se registrado umcrescimento considervel no nmero absoluto de matrculas.

    Cabe observar, na tabela abaixo, a mdia simples dedurao da educao primria ou fundamental nos pases daAmrica Latina de 5,8 anos. A taxa lquida de escolarizao, isto, a relao entre o nmero total de alunos matriculados e o totalde indivduos na mesma faixa de idade, apresenta algumas flutuaesentre os pases da Amrica Latina. Argentina, Bolvia e Mxico apre-sentam taxa de escolarizao de 100% para ambos os sexos, ou seja,nesses pases todos os indivduos em idade escolar (primria) estomatriculados na escola. Os piores resultados so encontrados em ElSalvador (81%) e na Nicargua (80%) de jovens escolarizados.

    40

    9. A expresso educao fundamental utilizada pela UNESCO desde 1946, data da Declarao Universal dos Direitosdo Homem. Porm esta expresso atualmente esta caindo em desuso sendo substituda pela expresso educao primria oufundamental. Neste sentido, a educao primria ou fundamental deve ser entendida como a educao que facilitaria a alfabet-izao e a aquisio de capacidades, conhecimentos e valores fundamentais necessrios para a participao efetiva na sociedade.

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    Tabela 310 - Educao primria ou fundamental (ISCED111), por pasesda Amrica Latina, segundo durao e taxas de escolarizao, 1998.

    (a) Dados incompletos (b) Dados referem-se ao ano de 1999 (c) Dados referem-se ao ano de 1999.

    Fonte:UNESCO, Latin America and Caribbean Regional Report. 2001.

    O aumento no nmero de matrculas tambm seguiu acom-panhado de uma elevao, em mdia, nos anos de instruo dajuventude latino-americana. Esse dado relevante, pois deve-seter em vista que o acmulo de anos de instruo, entre outros,aumenta a possibilidade de uma integrao social mais slida. Noentanto, necessrio cautela ao se considerar esses dados j queso poucos os pases que apresentam porcentagens relevantes dejovens educados por 12 ou mais anos. Os maiores percentuais deanos de instruo so encontrados na Argentina e no Chile e os

    Duraco en anos Nmero Taxa lquida de matrculas de escolarizao (%) 1998

    Educacao primria 1998 Total Homem Mulherou fundamental

    Argentina 6 4.821.090 100 100 100Bolvia 6 1.444.879(a) 100 100 100Brasil 6 31.237.481 98 100 96Chile 6 1.831.082 88 88 87Colombia 5 5.062.284 87 - -Costa Rica 6 552.280 92 92 92Cuba 6 1.015.897 97 96 97El Salvador 6 925.511 81 82 80Equador 6 1.899.466 97 96 97Mxico 6 14.697.915 100 100 100Nicargua(b) 6 830.206 80 80 80Paraguai 6 958.734 92 91 92Peru 6 4.299.407 100 100 100Rep. Dominicana 4 1.003.092 87 87 88Uruguai 6 365.297 92 92 93Venezuela(c) 6 3.328.067 88 88 88

    10. Notas relativas tabela 3Durao da educao primria ou fundamental: nmero de anos da educao primria ou fundamental, segundo osistema de educao vigente em cada pas, em 1996.Taxa lquida de escolarizao:A taxa lquida de escolarizao igual ao nmero total de alunos escolarizados no nvelde ensino em idade oficial, dividido pela populao do grupo de idade que corresponde oficialmente a esse nvel.11. ISCED 1 corresponde educao primria ou fundamental (ou primeiro estgio da educao bsica).

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    menores no Brasil e Nicargua. No caso do Brasil, a tabela mostraque a educao privilegia o ensino primrio ou fundamental, pois68% da populao pesquisada concentra-se dentro da faixa entre0 a 8 anos de educao.

    Tabela 4 - Populao urbana de 15 a 24 anos, por pases da AmricaLatina, segundo nmero de anos de instruo, 1996-1997.

    Fonte: CEPAL. Panorama social de Amrica Latina, 1998. Santiago, 1999, quadro 24 do anexo estatstico. Publicao das Naes Unidas.

    No que tange ao ensino secundrio, dados recentes daCEPAL indicam que a taxa bruta de escolarizao na AmricaLatina tambm aumentou de 45% para 53% entre 1980 e 1990.

    A educao secundria e superior deixaram de ser no transcursode poucas dcadas instncias elitistas de formao e socializaojuvenil e se transformaram em espaos abertos a contingentes muitomais amplos e heterogneos de jovens que apostavam melhorarsubstancialmente seus nveis de bem-estar e status socioeconmico.(CEPAL, 2000b:129).

    Anos de instruo

    Anos 0 a 5 6 a 8 9 a 11 12 ou +

    Argentina 1997 3 35 30 32Brasil (a) 1996 35 33 27 5Colombia 1997 15 25 47 13Costa Rica 1997 7 35 40 18Chile 1996 3 19 37 41El Salvador 1997 16 24 34 26Honduras 1997 16 48 20 16Mxico 1996 5 17 58 21Nicaragua 1997 17 39 35 9Panam 1997 6 33 35 26Paraguai 1996 11 36 28 25Rep. Dominicana 1997 20 30 27 22Uruguai 1997 3 38 33 26Venezuela 1997 10 36 41 14

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    Na tabela a seguir possvel comparar as taxas lquidas deescolarizao secundria dos diversos pases. Segundo os dados,os maiores percentuais so encontrados em Cuba (75%), Argentina(74%) e Chile (70%) e as piores taxas na Nicargua (39%), Paraguai(42%) e El Salvador (43%). Comparando-se os dados das tabelas 4e 5 percebe-se que existe um afunilamento no acesso a nveis maiselevados de instruo, ou seja, da populao total em idade esco-lar apenas uma parcela efetivamente ingressa no ensino superior.

    Tabela 512 - Educao secundria (ISCED13 2 e 3), por pases daAmrica Latina, segundo durao e taxas de escolarizao, 1998.

    (a) Dados incompletos; (b) Dados referem-se ao ano de 1999; (c) Incluindo ISCED nvel 2 educaovocacional e educao vocacional privada; (d) Dados referem-se ao ano de 1999Fonte:UNESCO, Latin America and Caribbean Regional Report. 2001.

    12. Notas relativas tabela 5:Durao do ensino secundrio geral: primeiro e segundo ciclos: nmero de anos de estudo no ensino secundrio segundoo sistema educativo vigente em cada pas em 1996.Taxa lquida de escolarizao:A taxa lquida de escolarizao igual ao nmero total de alunos escolarizados no nvel deensino em idade oficial, dividido pela populao do grupo de idade que corresponde oficialmente a este nvel.13. ISCED 2 corresponde educao secundria inferior (ou segundo estgio da educao bsica) e ISCED 3corresponde a educao secundria superior

    Duraco do ensino Nmero Taxa bruta de matrculas secundrio geral de matrculas (%) 1998

    (em anos)

    1 Ciclo 2 Ciclo 1998 Total Homem MulherArgentina 3 3 3.555.848 74 71 76Bolvia 2 4 823.432 (a) 68 70 66Brasil 2 3 14.404.835 50 46 55Chile 2 4 1.334.239 70 69 72Colmbia 4 4 3.549.368 57 - -Costa Rica 3 2 212.945 44 42 47Cuba 3 3 739.980 75 71 79El Salvador 3 3 401.545 43 - -Equador 3 3 903.569 46 45 47Mxico 3 3 8.721.726 56 56 56Nicargua(b) 3 2 317.468 (c) 39 35 42Paraguai 3 3 367.567 42 41 43Peru 3 2 2.212.033 61 62 61Uruguai 3 3 275.090 66 56 76Venezuela(d) 3 2 1.522.225 50 46 55

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    No obstante a relevncia da educao para o desenvolvi-mento individual e da sociedade e os progressos registrados naregio da Amrica Latina e Caribe, algumas barreiras tm dificultadoo acesso a uma educao formal completa e de qualidade a jovense adolescentes, comprometendo sua capacidade de mobilidadesocial e a de geraes seguintes. A vulnerabilidade dos jovensneste sentido surge, principalmente, da baixa qualidade do ensinopblico, da segmentao educacional e de problemas que concor-rem para diminuir a procura de jovens por este servio bsico.

    O processo de massificao do ensino levado a cabo emtoda a regio, por um lado, conforme registrado anteriormente, seprestou elevao dos nveis educacionais da populao jovem.

    Porm, muitas vezes, o aumento na oferta de vagas para oensino pblico no foi devidamente acompanhado por um controleda qualidade da educao que se oferecia. Como resultado, pas-sou a ser ineficiente diante da nova realidade, provocando umaumento crescente nos nveis de repetncia e tambm nas avali-aes negativas sobre os conhecimentos adquiridos.

    Alm disso, e em estrita relao com o problema da quali-dade do ensino, est o problema da segmentao socioeconmicadas escolas. As escolas, cada vez mais, se dirigem a pblicosespecficos, distintos por sua classe social, limitando a interaoentre diferentes. Neste sentido, a acumulao de capital socialpassa a operar em crculos mais restritos, favorecendo o isolamen-to de jovens e a excluso ainda mais.

    Por fim, tambm relacionada a esses problemas, encontra-se uma preocupao dos jovens estudantes, referente a uma outradimenso crucial de sua vida o trabalho. Em geral, a principalinquietao dos jovens sobre a educao remete questo daperda da importncia do ensino formal para sua insero no mer-cado de trabalho: "Eu me pergunto: pra que o segundo grau? Etenho que trabalhar no ? No vejo bem a necessidade de umsegundo grau para ganhar dinheiro. Pedem mais experincia."(Castro et al, 2001: 505).

    Assim, na Amrica Latina, muitos tm abandonado os estu-

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    dos, ou ainda, nem chegam a inici-los: aproximadamente 700.000jovens no chegaram a ser alfabetizados, so poucos os pases queapresentam porcentagens relevantes de jovens educados por 12ou mais anos e em outros persistem baixos ndices de escolar-izao primria como Repblica Dominicana e secundria,como o caso de El Salvador, Venezuela e Paraguai.

    2.1.3 Trabalho

    Muitos estudantes abandonam os estudos para trabalhar,comprometendo, por muitas vezes, seu processo de formao ecapacitao profissional. Assim, percebe-se uma defasagem doensino formal frente s novas exigncias de habilidades e conheci-mentos, e isso tem constitudo inequvoca fonte de vulnerabilidade.

    A vulnerabilidade atinge os trabalhadores em diversasdimenses, ou seja, dado s referidas novas exigncias do merca-do, e heterogeneidade da produo contribuem para que estegrupo enfrente maiores dificuldades baseadas na falta de instabili-dade nos empregos, crescimento da informalidade e escassa aber-tura de novos postos de trabalho.

    Assim, podemos afirmar que o trabalho um dos insumosmais categricos com os quais contam os indivduos de classesmdias e baixas.

    De acordo com estudo da CEPAL, baseado na tipologiadesenvolvida por Filgueira e Fuentes14 (CEPALb, 2000: 116), aequao estudo e trabalho se realiza de forma diversificada entreos jovens, como se ilustra no quadro seguinte:

    14. Percebe-se que a educao e o trabalho so dimenses fundamentais para o desenvolvimento dos jovens comomembros produtivos da sociedade. Figueira e Fuentes desenvolveram um quadro de referncia onde possvel posicionaros jovens segundo quatro situaes tpicas associadas a educao e trabalho. Segundo os autores, a primeira situao cor-responde ao jovem que estuda e no trabalha. Esses jovens podem ser caracterizados como vivenciando uma situao tpi-ca de dependncia econmica e residencial em relao aos seus pais.Tal combinao mais comum entre os jovens no-pobres e solteiros que moram junto com os familiares.Ainda segundo os autores, os jovens nessa combinao desempen-ham o papel social de "adolescentes tpicos".A combinao inversa, jovens que s trabalham e no estudam (abandono dosistema escolar), corresponde configurao de "papis adultos". J os jovens que trabalham e estudam vivenciam umasituao de transio entre a vida jovem tradicional e a vida adulta. Figueiras e Fuentes caracterizam este grupo como jovens"transitrios". Por fim, a ltima categoria compreende os jovens que no trabalham nem estudam. Os autores definemesses jovens como "isolados", uma vez que, do ponto de vista dos papis sociais, eles perderam posies estruturais domundo juvenil sem adquiri-las no mundo adulto.

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  • Para os jovens do sexo masculino e pobres, moradores de zonas rurais, a porcentagem varia entre 60% e 90%. As porcentagens dos jovens que s trabalham aumentam com a idade.

    A maioria dos jovens de 15 a 24 anos, acima da linhade pobreza s estuda. No Brasil apenas 6% dos jovens de 20 a 24 anos, abaixoda linha de pobreza, estudam. Entre os jovens de 25 a 29 anos, na mdia da AmricaLatina, menos de 2% apenas estudam.

    Essa categoria apresenta modelos racionais bastantes diferenciados. Entre 3% e 16% dos jovens moradores de zonasurbanas no Chile, Colmbia e Mxico. Entre 10% a 32% dos jovens moradores de zonasurbanas do Brasil, Bolvia e Costa Rica.

    Entre 10% a 30% das mulheres jovens nas zonas urbanas pobres e entre 40% e 80% nas zonasrurais pobres. Para os homens, entre 5% e 15% dos abaixo da linhade pobreza e entre 3% e 8% entre os no-pobres.

    46

    Quadro 1: Jovens latino-americanos segundo situao de educao e trabalho

    Estudam e no trabalham

    Trabalhame no estudam

    Trabalhame estudam.

    No trabalham nem estudam:"isolados"

    Fonte: CEPAL. Juventude, Populao e Desenvolvimento na Amrica Latina e no Caribe. 2000.

    Na busca de incorporao ao mercado de trabalho naAmrica Latina, jovens e adolescentes deparam-se tambm comoutros problemas que concorrem para vulnerabiliz-los. Por umlado, e tambm relacionado desero escolar, muitos relatam oparadoxo da exigncia de experincia prvia para uma primeiraocupao. Por outro, uma vez ocupando um posto de trabalho,grande contingente vivencia dificuldades de diversas naturezasderivadas, seja de sua baixa qualificao, seja de seu baixo grau dearticulao poltica comparado ao de seus colegas adultos.

    Uma recente pesquisa realizada na cidade do Rio de Janeiro(Abramovay et al, 2001), ressalta a grande dificuldade que os

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    jovens enfrentam para conseguir o seu primeiro emprego. Entre asprincipais causas apontadas esto, alm das qualificaes profis-sionais requeridas pelo empregador, outros requisitos, tais comolocal de moradia, que no pode ser violento e aparncia, corpobem esbelto e de pele clara, fatores que dificultam ainda mais oingresso dos jovens da periferia em melhores postos de trabalho.

    Quadro 2 - Precisa-se de jovem:

    MORADOR DE REA NO VIOLENTA

    Em certos lugares, quando vou procurar emprego, preencher ficha, eu boto Jacarepagu, no boto Cidade de Deus, no. Prejudica, pode prejudicar. (Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro)

    QUE NO V SE ALISTAREu no posso trabalhar agora, eu fui me alistar, vou servir ano que vem. Ningum querdar emprego pra mim. (Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro)

    EXPERIENTEO que falta pra gente, tambm, a falta de experincia, porque eles no do oportunidadee muitos de ns tambm no tm uma profisso ainda, a fica difcil. Fazendo FormaoGeral, a gente vai sair daqui sem nada, sem qualificao nenhuma, teria ainda que fazer curso de ingls, informtica. (Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro).

    DE "BOA APARNCIA"Quem tem uma aparncia assim, como a minha fica desempregada pro resto da vida. E outra: voc tem que ter um corpo bom pra poder usar a prpria roupa da loja. Porque a pessoa tem que ser magrinha, no pode ter barriguinha, tem que ter corpinho bom qued para colocar... (Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro).

    "CLARINHA"

    Em algumas lojas assim, eles at avisam, no caso: Ah! P, arruma uma pessoa pra trabalhar comigo. S que no pode ser negras. No mximo, moreninha jambo, clarinha.(Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro).

    Fonte: Abramovay et al. (2001: 94).

    Embora colhidos entre jovens brasileiros, os depoimentoacima transcritos no parecem ser distantes da realidade de outros

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  • Pas 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

    Argentina 15-24 15,2 12,3 13,0 - 21,2 30,1 31,1 27,2 24,4 26,4

    Bolvia20-29 9,5 7,3 7,0 8,2 4,5 5,4 - - - -

    Brasil18-24 - 9,1 11,2 10,3 9,6 9,3 10,5 11,4 14,3 15,0

    Chile20-24 12,0 12,4 10,3 10,2 11,9 10,1 12,2 13,6 15,1 20,5

    Colmbia20-29 15,1 15,1 15,2 12,4 13,2 13,0 15,6 18,1 21,7 26,0

    Equador15-24 13,5 18,5 17,3 15,7 14,9 15,3 20,0 19,4 22,6 -

    Mxico20-24 - - 4,4 5,7 6,0 9,9 8,8 6,5 5,9 4,8

    Paraguai20-24 14,1 9,5 7,3 8,8 5,5 7,8 12,6 31,5 - -

    Peru14-24 15,4 11,2 15,8 16,1 13,7 11,2 14,9 12,7 14,1 17,1

    Uruguai14-24 26,1 27,9 24,4 23,3 25,5 25,5 28,0

    Venezuela15-24 18,0 15,8 13,4 13,0 15,9 19,9 25,4 23,1 21,9 27,9

    jovens latino-americanos moradores de centros urbanos. A vulnerabilidade dos jovens tem-se traduzido em um

    primeiro momento em altas taxas de desemprego. Segundo infor-maes estatsticas da Organizao Internacional do Trabalho, emalguns pases da Amrica Latina o desemprego atinge a mais de20% dos jovens entre 15 a 24 anos. Os dados da tabela mostramque na maioria dos pases da Amrica Latina as taxas mdias anuaisde desemprego juvenil apresentam um vertiginoso crescimentonos ltimos 10 anos (com exceo do Mxico).

    Tabela 6 Taxa anual mdia de desemprego juvenil, por pasesda Amrica Latina, 1990-1999.

    FONTE: Elaborao da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), sobre as bases de informaodas pesquisas por domiclios dos respectivos pases in CEPAL, Juventud, Poblacin y Desarrollo emAmrica Latina y el Caribe, 2000.

    48

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    Alm de se depararem com o desemprego, os jovens latino-americanos sofrem os efeitos do dficit entre o sistema educa-cional e as novas demandas do mercado de trabalho e precisamlidar com os problemas de uma insero precria no mercado detrabalho. As dificuldades econmicas enfrentadas pelos pases daregio geram tambm um clima de instabilidade que pressiona osjovens de camadas populares no sentido de buscarem uma incor-porao prematura no mercado de trabalho. Isso afeta negativa-mente esses jovens quanto possibilidade de xito dentro do sis-tema educacional, uma vez que, alm do trabalho enfrentam asdificuldades do estudo.

    No limite, a entrada prematura no mercado de trabalho fazcom que muitos jovens abandonem a escola e de certa formadetermina a possibilidade de um bom emprego futuro para eles.Como podemos notar na tabela abaixo essa situao corriqueirapara muitos pases da Amrica Latina. No Brasil, por exemplo, 36%dos jovens de 13 a 17 anos de idade trabalham em alguma ativi-dade e, destes, 61% trabalham na rea rural.

    Tabela 7 - Crianas e adolescentes de 13 a 17 anos que tra-balham, por pases da Amrica Latina.

    Fonte: CEPAL, sobre a base de tabulaes especiais de pesquisas por domiclios dos respectivospases, 1998.

    Pas Ano Total Urbano RuralArgentina 1997 - 7 -Bolvia 1997 39 17 68Brasil 1996 36 29 61Chile 1996 6 5 11Colmbia 1997 18 11 27Costa Rica 1997 22 12 28Equador 1997 - 16 -Honduras 1997 35 26 42Mxico 1994 23 16 33Panam 1997 11 5 19Paraguai 1996 - 29 -Uruguai 1997 - 15 -Venezuela 1997 14 - -

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    Alm do desemprego entre a populao jovem, outroaspecto de sua vulnerabilidade no que se refere ao trabalho agrande distribuio de jovens por postos de trabalho pouco remu-nerados, muitas vezes situados no mercado informal. Os depoi-mentos que se seguem, colhidos em pesquisa da UNESCO noBrasil (Castro et. al 2001: 46), corroboram essa concentrao dopblico jovem em atividades informais, desnudando tanto asprecrias condies vividas nas relaes de trabalho, como suavulnerabilidade a exploraes.

    Quadro 3 Vo esmolando

    Grupo focal com educadores, Rio de Janeiro

    [...] so engraxates, fazem pequenos bicos, pequenas entregas, fazem monta-gens de algumas coisas, alguma pintura, qualquer atividade de baixoconhecimento que eles possam fazer. Vo ali ajudar ao pai fazer trabalhosde pedreiros, ento vo capinar alguma coisa, ento eles fazem pequenasatividades, so flanelinhas, vo vigiar carros. Alguns, aqueles que tem umpouco de sorte, vo ser contnuos, mas a grande maioria est neste eixo deatividade do mercado informal, no tem carteira assinada, no sabem seusdireitos, so explorados.

    Eles esto esmolando, vendendo em feiras livres, que j so tradicionais,mercados e, nos finais de semana, tambm nas parias. E de noite encontra-se muita criana tambm vendendo na rua. No mercado formal ns no temosjovens, dessa clientela nossa, no.

    Fonte: Castro et al (2001: 46).

    2.1.4 Sade sexual e reprodutiva

    Alm da educao e do trabalho, outra esfera central vidados jovens e adolescentes, em especial para meninas e moas, diz

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    respeito sua sade sexual e reprodutiva. Nesse campo a vulnera-bilidade manifesta-se quando se analisam as diferenas entre osservios privados de sade, associados nova economia e complanos e carncias de alto-custo e que geralmente atendem apenasos setores mais privilegiados na populao. Em contraste com oaparelho pblico onde se oferece um menor repertrio de serviose tratamentos geralmente destinados para as classes mdias ebaixas da populao. Segundo Pizarro (2001:15),

    "as tecnologias obsoletas, os sistemas de administrao ineficientes e osparcos recursos com que contam a sade pblica na Amrica Latinaexps os indivduos de camadas populares a condies de risco quan-to ao fato de no poderem ser atendidas imediatamente ou ento nopoderem recorrer a certos medicamentos devido seu alto custo."

    No caso dos jovens, segundo dados da Organizao Pan-americana de Sade (OPS), a iniciao da atividade sexual na ado-lescncia para ambos os sexos um fenmeno comum na AmricaLatina: "[...] 40% dos adolescentes do Brasil e de El Salvador havi-am tido relaes sexuais aos 15 anos. Em 1996, estimou-se que50% dos adolescentes latino americanos menores que 17 anos jeram sexualmente ativos." (CEPAL, 1999: 140).

    A iniciao sexual na adolescncia tem-se reveladoproblemtica na regio na medida em que muitos jovens noesto suficientemente informados ou preparados para evitar riscoscomo a gravidez indesejada e a contaminao por doenas sexual-mente transmissveis, incluindo o contgio por HIV. Conforme sepode observar na tabela abaixo, a gravidez de adolescentes man-tm-se elevada na maioria dos pases latino-americanos. Na mdianacional dos pases, conforme os dados apresentados, de 20% a25% das mulheres tiveram seu primeiro filho antes dos 20 anos deidade. Se considerarmos apenas a populao rural essa por-centagem chega a mais de 30%.

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  • Tabela 8 - Mulheres de 20 a 24 anos de idade que entre os 15 e 19anos tiveram filhos, atualmente vivos, por pases da Amrica Latina.

    Fonte: CEPAL, sobre a base de tabulaes especiais de pesquisas dos respectivos pases.

    Geralmente a gravidez adolescente e a incidncia de DSTesto vinculadas a aspectos como, por exemplo, a pobreza e afalta de informaes. A literatura recente sublinha algumas lacunasdeixadas pelas polticas pblicas no que se refere a um sistema desade apropriado, sensvel a vivncias dos jovens em relao a suasexualidade e vida reprodutiva, em particular das jovens. Aindasegundo a OPS:

    A atividade sexual prematura associada ao baixo rendimento esco-lar ocasionam maiores taxas de natalidade e expe as adolescente aorisco da gravidez e doenas sexualmente transmissveis, como a AIDS.As jovens da regio no se previnem contra a gravidez ou no buscamtratamento para doenas sexualmente transmissveis, por causa dasnormas sociais, restries financeiras, vergonha e poucos conheci-mentos. (CEPAL, 2000b : 141).

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    Pas Ano Total Urbano RuralArgentina 1997 - 16 -Bolvia 1997 25 18 40Brasil 1996 21 20 28Chile 1996 22 20 31Colmbia 1997 23 20 30Costa Rica 1997 28 23 32Equador 1997 - 20 -Honduras 1997 27 21 35Mxico 1994 19 17 24Panam 1997 22 16 32Paraguai 1996 - 23 -Uruguai 1997 - 13 -Venezuela 1997 26 - -

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    Tabela 9 Distribuio por sexo dos jovens de 15 a 24 anos por-tadores de HIV/Aids na Amrica Latina e Caribe, 2000.

    Amrica Latina & Caribe - Jovens de 15 a 24 AnosHomens 69% (379.500).Mulheres 31% (170.500).Total 100% (550.000).

    Fontes: MICS, UNICEF 2000. Country-specific HIV prevalence rates, UNAIDS/UNICEF, 2000.

    De acordo com a tabela acima, mais de 550.000 jovens soportadores de HIV/Aids na Amrica Latina e no Caribe. Destes, agrande maioria (69%) formada por jovens do sexo masculino,apesar do grande crescimento da epidemia entre mulheres -conhecida como femininizao da Aids. Os jovens so estimula-dos a desenvolver a sua sexualidade desde cedo, sem que paratanto, sejam devidamente instrudos e sensibilizados sobre osprocessos de transmisso de HIV/Aids.

    Os problemas decorrentes do contgio por HIV e outrasdoenas sexualmente transmissveis geralmente se referem noapenas ao comprometimento do desenvolvimento dos jovens que,juntamente com as dificuldades geradas pela gravidez indesejada,tambm concorrem para vulnerabilizar os jovens e comprometer suatrajetria no ensino formal e no desempenho de atividades produ-tivas. Segundo dados da CEPAL (CEPAL, 2000a) as mes adoles-centes estudam geralmente dois anos menos do que outras jovensda mesma faixa etria.

    2.1.5 Lazer

    O lazer constitui, por fim, uma importante dimenso a seranalisada, tanto pelo destaque conferido s atividades recreativas,como pela relevncia de tais atividades no desenvolvimento pes-soal e integrao social desses jovens. Por um lado, estudosdemonstram que os jovens possuem um imaginrio associado aoprazer, expresso em atividades recreativas. Por outro lado, diver-

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    sas pesquisas, muitas realizadas no marco institucional daUNESCO, vm apontando o lazer como o "momento privilegiadopara [os jovens] afirmarem e reafirmarem laos de amizade, desen-volverem sua criatividade e confrontarem-se consigo mesmos,numa situao interpares, intergneros e, por vezes, entre estratossociais diferenciados." (Minayo et al., 1999: 51)

    Segundo pesquisas recentes (Minayo et al., op cit; Castro et al 2001,Abramovay et al 1999 e UNESCO 2001), o lazer, o esporte, a arte e acultura entram com "um papel fundamental na formao da viso demundo, na construo da identidade e no enfrentamento dos tabusculturais" (Minayo et al., op cit: 50) para jovens e adolescentes. Nodesempenho deste tipo de atividades, os jovens internalizam valores,fazem e externalizam suas escolhas legtimas podendo reforar suaauto-estima e protagonismo , do vazo a sentimentos de frustraoe protesto, e constroem laos de solidariedade e cooperao com outros.Assim, so poderosos canais de expresso e afirmao positiva daidentidade, e por essa razo constituem fortes contrapontos violncia.

    No obstante sua relevncia, registram-se por toda aAmrica Latina diversas restries s oportunidades de lazer, emespecial de jovens de camadas populares. Dispem de reduzidosespaos de divertimento em seu bairro, o cenrio predominante escassez de espaos de sociabilidade.

    No Brasil, por exemplo, recente estudo publicado pelaUNESCO, realizado a partir de dados coletados pelo InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatstica, sobre o estado geral dosequipamentos culturais e sociais dos municpios brasileiros,adverte para a falta de espaos de lazer e cultura para a juventude.Segundo os dados divulgados:

    Cerca de 19% dos municpios brasileiros no tm uma bib-lioteca pblica; cerca e 73% no dispem de um museu;cerca de 75% no contam com um teatro ou casa deespetculo e em 83% no existe um cinema. Predominamcarncias tambm quanto a ginsios poliesportivos, j quecerca de 35% dos municpios no contam com tal equipa-

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    Juventude, Violncia e Vulnerabilidade Social na Amrica Latina: desafios para Polticas Pblicas.

    mento, enquanto em 64% deles no h uma livraria. (Castro et al. 2001 : 55)

    Apesar de os dados referirem-se ao Brasil observa-se queessa realidade constante para os outros pases da Amrica Latinaonde a escassez de equipamentos culturais um fato marcante.

    Alm da insuficincia do equipamento social e cultural, possvel observar a desigualdade na distribuio desse equipa-mento entre reas da cidade. Nos bairros latino-americanos maispobres, onde se registram precrias condies de infra-estrut