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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO 2ª VARA DA COMARCA DE XANXERÊ

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Ação civil pública com o objetivo de indenizar danos extrapatrimoniais causados aos vizinhos da Cerealista Faxinal Ltda., pela poeira e ruído provocados pelos silos de milho e soja. Pedido liminar para suspensão das atividades.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO

2ª VARA DA COMARCA DE XANXERÊ

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA

CATARINA, pelo Promotor de Justiça titular da 2ª Promotoria de Justiça de

Xanxerê, com fundamento nos arts. 127, 129, III e 225 da Constituição da

República, e no art. 5º da Lei nº 7.347/85, e no Inquérito Civil Público nº

06.2013.00003158-7 propõe AÇÃO CIVIL PÚBLICA (com pedido de

liminar) em face de:

CEREALISTA FAXINAL LTDA, pessoa jurídica de direito

privado, inscrita no CNPJ sob o nº 83.077.495/0001-84, com domicílio na rua

Rua 21 de Abril, 401, Centro - CEP 89694-000, Faxinal dos Guedes-SC,

representada por seu sócio-gerente, o senhor Angelo João Aléssio.

1. Objetivo da ação

Esta ação civil pública tem por objetivo proteger o meio ambiente

ecologicamente equilibrado, coibindo a poluição sonora e atmosférica praticada

pela Cerealista Faxinal Ltda., no município de Faxinal dos Guedes.

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Objetiva também obter provimento liminar que, diante da

gravidade dos fatos e do desrespeito à população, determine a suspensão das

atividades até que o problema seja efetivamente corrigido.

Por fim, postula-se indenização pelos danos extrapatrimonais

sofridos pela população afetada com a poluição praticada.

2. Síntese fática

Há longa data vem o Ministério Público tentando de forma

consensual obter da Cerealista Faxinal Ltda. a adequação de seu parque

industrial para respeitar minimamente o direito dos moradores vizinhos.

Como se pode observar dos documentos inclusos, cópias de

inquérito civil e ação penal que já tramitaram na Comarca, a empresa mantém

silos para estocagem de milho e soja em área central de Faxinal dos Guedes.

Além dos silos já antigos, nos últimos quatro anos foram construídos outros

dois si los de grande porte.

No processo de transporte para dentro dos silos, os grãos são

secados por meio de grandes e potentes ventiladores e exaustores, sendo

agitados no interior de dutos e depois depositados, já secos, na ala principal.

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Dois problemas ambientais fundamentais emergem deste

processo: o pó e o barulho. A absurda falta de vedação adequada dos silos

da Cerealista Faxinal faz com que a casca do milho e da soja, que podem ser

distinguidas pela cor (amarelo e branco), escape dos dutos e atinja

praticamente o bairro inteiro (Bairro Ozelame) em que está instalada a

empresa.

Pede-se que neste momento Vossa Excelência folheie os autos e

constate pelas fotografias trazidas a gravidade da situação. Lá Vossa

Excelência verá automóveis cheios de poeira, piscinas inutilizadas, área de

varanda de residências infestadas pela poeira e até mesmo os telhados dos

silos, cheios de pó. As ruas do bairro, como se constata por fotografias mais

recentes, mesmo em dias de chuva, quando a água leva o pó pelas galerias

subterrâneas, mesmo nestes dias ainda estão cheias de pó de milho e soja. O

telhado dos silos, depois de providências alegadamente adotadas pela

Cerealista Faxinal, continua cheio de poeira, demonstrando cabalmente o quão

ineficiente é o sistema de filtragem.

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Com o objetivo de compreender melhor a aflição diariamente

relatada pelos cidadãos nesta Promotoria de Justiça, no último dia 11 de março

de 2013 este promotor realizou audiência pública com outros 38 moradores do

bairro, reunião realizada numa residência vizinha à Cerealista. Conforme

praticamente a unanimidade dos presentes (exceção aberta aos funcionários e

prestadores de serviços da Cerealista, que se fizeram presentes), confirmou-se

que a casca do milho e da soja simplesmente invade casas, quintais, piscinas,

telhados, calhas, hortas, varais de roupa, isso sem falar em diversos

problemas de saúde de fundo alérgico e pulmonar, tornando a vida

insuportável na região.

Além disso, o barulho gerado pelos exaustores e secadores de

grãos, aliado ao ruído provocado pelo choque dos grãos nos dutos, torna as

noites absurdamente insalubres.

Basta ler a ata da audiência pública para constatar que os

aproximadamente 30 vizinhos que se manifestaram informaram ocorrerem os

seguintes problemas: "barulho incomoda bastante, atrapalha para dormir,

perdura a noite toda" (Justina); "o que mais atrapalha é o pó da casquinha do

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milho, pois a família tem problemas de alergia" (Maricélia); "barulho durante a

noite" (Leni); "o barulho atrapalha durante a noite, pois não há como descansar

bem, inclusive sábados e domingos. Seus filhos já estão com problemas de

alergia" (Daniela); "a poeira atrapalha, especialmente na limpeza; roupa no

varal fica cheia de pó" (Cassilda); "as casquinhas do milho entram na casa e

causam problemas como entupimento de calha" (Juliana); "tem um comércio

(mercado Crusaro) e o pó acaba ficando depositado nos produtos" (Adriane);

"ficou oito dias sem dormir, há uns 15 dias. Os dois últimos silos construídos

(há 4 anos) que causam maior problema" (Iraci).

Excelência, são aproximadamente 30 depoimentos de vizinhos

relatando o mesmo problema. Excesso de ruído e de poeira (casquinhas),

que praticamente inviabiliza o descanso noturno e a vida no bairro nesta época

de safra, que dura aproximadamente 60 dias.

Nesta mesma audiência pública estiveram presentes os

representantes da empresa, que prestaram informações ao público, e

apresentaram detalhes da produção. Apesar das justificativas apresentadas, a

gravidade do problema levou os presentes, em votação, a decidirem que

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enquanto não houvesse adequação, a empresa deveria suspender as

atividades pelo menos das 22h às 5h para evitar a perturbação do sossego

noturno. O acordo, objeto inclusive de votação, foi registrado na ata da

audiência pública, assinada também pelo representante da empresa, que a

tudo assentiu, lavrando-se na ata que "ficou convencionado que a empresa

não funcionará das 22h às 5h"; "o sr. Ângelo compromete-se a reduzir as

emissões atmosféricas (poeira do milho e da soja) mediante a adoção das

medidas indicadas pela empresa Strong".

Todavia, conforme as certidões anexas, colhidas na data de hoje,

nem mesmo o acordo vem sendo respeitado. Em verdade, Excelência, o

proprietário da empresa, senhor Ângelo João Aléssio, um dos homens mais

ricos da região, parece não ter grande senso de consideração para com a

Justiça, os vizinhos ou o meio ambiente. Além de continuar permitindo ruídos

excessivos e altamente perturbadores do sossego no bairro inteiro, o

sistema de filtragem das emissões atmosféricas não vem se mostrando

suficiente para impedir que a poluição continue acentuadíssima.

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Note-se, Excelência, que Ângelo João Aléssio já aquiesceu em

reduzir as emissões atmosféricas e sonoras, na audiência preliminar do TC nº

080.11.004089-9, em que se constatou que o ruído era praticamente 10 dB

acima do tolerável para o período noturno (fl. 57 do TC); já se comprometeu

neste mesmo TC a não permitir mais a fuga de poeira da empresa; já foi

multado pelo descumprimento da composição civil no valor de R$ 6.000,00; e,

finalmente, há menos de 20 dias, comprometeu-se perante a comunidade a

limitar o horário de funcionamento da empresa, sem contudo, cumprir sua

própria palavra. O que se vê, portanto, é um absurdo e inimaginável

desrespeito ao Judiciário e ao Meio Ambiente, típico de pessoa que, pela força

do patrimônio, imagina sobrepor-se a tudo e a todos.

Convém lembrar que o Ministério Público não está aqui buscando

tutelar apenas conforto. As residências, como narrado pelos mais de trinta

vizinhos que estiveram presentes à audiência pública, são invadidas pelo pó a

ponto de serem as donas de casa obrigadas a manter as janelas fechadas

neste período quente de fevereiro a abril, período de safra. Os carros não

ficam limpos um dia sequer; as roupas têm que ser estendidas dentro de casa,

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porque no varal, dependendo de uma única lufada, pode-se perder o serviço

doméstico de uma manhã inteira.

Veja, Excelência, que os moradores não conseguem dormir uma

boa noite de sono, e não são apenas um ou dois vizinhos, mas quase quatro

dezenas de pessoas (fora os que não puderam comparecer, por compromissos

ou por medo de retaliações). A situação fica ainda mais grave se observarmos

que muitos vizinhos são operários, que levantam-se às 3h ou 4h da manhã

para o trabalho e que, por isso, nestas poucas horas de sono noturno que têm,

precisam realmente de descanso.

Some-se tudo isso ao fato de que, embora seja verdade que a

empresa está instalada no local há anos, também é fato que os problemas só

começaram realmente a incomodar recentemente, nos últimos quatro anos,

quando uma ampliação exagerada com a instalação de outros dois imensos

silos passou a perturbar toda a vizinhança.

Todavia, apesar das multas já impostas, apesar dos inúmeros

alertas pessoalmente realizados por este promotor de justiça ao proprietário da

Cerealista Faxinal, apesar inclusive do compromisso por ele assumido perante

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outros trinta e oito vizinhos, o ruído e a poeira continuam poluindo o meio

ambiente no bairro Ozelame, em Faxinal dos Guedes.

Nesta situação, não há outra alternativa que não recorrer ao

Poder Judiciário, último guardião dos direitos dos cidadãos, para requerer

sejam as atividades da empresa suspensas até que laudo pericial, realizado

por perito imparcial, sem o prévio contato com o proprietário da empresa,

ateste que o ruído e a poeira encontra-se em patamares toleráveis.

3. Fundamentos jurídicos.

3.1. Conceito de poluição. Lei, doutrina e jurisprudência

O direito ao meio ambiente sadio, no dizer de José Afonso da

Silva, não pode ser mais considerado mero interesse difuso, mas forma de

direito humano fundamental, dito de terceira geração1. Isto porque

questionando-se a razão da tutela ambiental, chega-se facilmente à

constatação de que esta está intimamente ligada à sobrevivência de todos os

seres humanos.

1 Direito Ambiental Constitucional. Malheiros, 1997, p. 221

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Ainda assim, não são raras as agressões sofridas pelo meio

ambiente, decorrentes de atividades destruidoras realizadas pelo homem.

Estes processos de alteração desfavoráveis das propriedades ambientais,

denominados poluição, afetam profundamente o solo, a água e o ar, portanto o

próprio meio ambiente, causando repercussões danosas à saúde, à segurança

e ao bem-estar da população.

A Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política

Nacional do Meio Ambiente, trata do tema de forma eficiente, ditando

definições básicas que devem ser observadas. Em seu artigo 3º, lança os

conceitos de meio ambiente, degradação da qualidade ambiental e de

poluição, verbis:

Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

[...] III � poluição, a degradação da qualidade ambiental

resultante de atividades que direta ou indiretamente :

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da

população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e

econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

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e) lancem matérias ou energia em desacordo com os

padrões ambientais estabelecidos;

Sobre os conceitos legais, José Afonso da Silva ressalta

�Agentes poluidores são todas as pessoas, entidades ou instituições que,

consciente ou inconscientemente, direta ou indiretamente, provocam a

presença, o lançamento ou a liberação, no meio ambiente, de poluentes.

Poluentes, assim, são toda e qualquer forma de matéria ou energia que, direta

ou indiretamente, causa poluição no meio ambiente. São aquelas substâncias

sólidas, líquidas, gasosas ou em qualquer estado da matéria, que geram a

poluição�2.

Veja-se, portanto, que não basta que o lançamento de

matérias ou energia esteja de acordo com os padrões ambientais

estabelecidos. Esta adequação técnica cumpre apenas o disposto no art. 3º,

III, �e�, da Lei nº 6.938/81.

É preciso mais: que a atividade não cause prejuízo à

saúde e ao bem-estar da população e não crie condições adversas

2 Direito Ambiental Constitucional. Malheiros, 1997, p. 221

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às atividades sociais (art. 3º, II I, �a� e �b�, da Lei nº

6.938/81).

No caso dos autos, o que se vê é que as emissões

atmosféricas da empresa requerida a um só tempo causam

prejuízo à saúde e ao bem-estar da população local, além de

criarem condições adversas às atividades sociais . Os autos narram,

como se viu, o caso de diversos moradores que têm o direito sono negado, que

vêem suas casas serem invadidas pela poeira e até mesmo uma comerciante

que tem de manter as portas do mercado fechadas para que a poeira não

prejudique os alimentos expostos. Na verdade, toda a população de um bairro

vem experimentando terrível sensação de mal-estar e, como visto, as

atividades sociais (comércio, aulas, e até mesmo o assistir televisão) são

totalmente prejudicadas pelo ruído e pela poeira emanada da empresa.

Além da Lei nº 6.938/81, diversos outros diplomas legais tratam

do assunto da mesma forma: informando que não basta a conformação a

parâmetros técnicos se ocorre qualquer forma de prejuízo à saúde e ao bem-

estar da população.

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O Decreto n° 76.389/75, por exemplo, ao tratar da medidas de

prevenção e controle da poluição industrial prevê:

Art. 1° - Para as finalidades do presente Decreto considera-se

poluição industrial quaisquer alterações das propriedades físicas,

químicas ou biológicas do meio ambiente, causadas por qualquer

forma de energia ou substância sólida, líquida ou gasosa, ou

combinação de elementos despejados pelas indústrias, em níveis

capazes, direta ou indiretamente de:

I - prejudicar a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

De igual maneira, o art. 25 do Decreto Estadual nº 14.250/1981

dispõe que: �É proibida a queima ao ar livre de resíduos sólidos, líquidos ou

de qualquer outro material combustível, desde que cause degradação da

qualidade ambiental, na forma estabelecida no artigo 3º�.

O art. 3º do citado diploma legal estabelece que �degradação da

qualidade ambiental é a alteração das propriedades físicas, químicas e

biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de energia ou

substâncias sólidas, líquidas ou gasosas, ou a combinação de elementos

produzidos por atividades humanas ou delas decorrentes, em níveis capazes

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de direta ou indiretamente: - prejudicar a saúde, a segurança e o bem estar

da população�.

Para a doutrina de Direito Ambiental é unânime o entendimento

de que é possível a responsabilização do poluidor pelos danos ambientais

mesmo que detenha todas as licenças ambientais, já que, como esclarecido,

os incisos e alíneas do art. 3º da Lei nº 6.938/81 são independentes e

autônomos entre si.

Da doutrina podem-se colher os seguintes excertos:

A existência licenciamento ambiental e a observação dos limites

emissão poluentes, bem como outras autorizações

administrativas, não terão o condão excluir a

responsabil idade pela reparação 3.

O autor do dano não se exime do dever reparar, ainda que

possua autorização administrativa . É oportuno reafirmar

que a responsabilidade subjetiva, por culpa, limita a aplicação do

regime da responsabilidade civil por dano ambiental,

considerando que boa parte das condutas lesivas ao meio

ambiente não são contra legem, pois contam, muitas vezes, com

3 Steigleder, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil ambiental: as dimensões do dano

ambiental no Direito Brasileiro. Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 209.

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a autorização administrativa requerida, o que elimina a existência

culpa4.

Os danos ambientais decorrentes do exercício de atividade

operante em conformidade com a licença ambiental obtida

deverão ser reparados, posto que a existência de licença

ambiental e o exercício em conformidade com ela não

são excludentes de responsabil idade consoante o melhor

entendimento, exceto se provado que os danos provenham de

forças alheias e que a atividade não provoque riscos de danos

ambientais. A responsabilização pelos danos cometidos ao

ambiente é objetiva, neste sentido basta o nexo causal e o dano

ou risco de dano5.

Não interessa se o autor do dano estava pautando sua conduta

dentro dos padrões ambientais estabelecidos pelos órgãos de

gestão ambiental, se, por exemplo, adotou medidas mitigadoras

além das recomendadas; nada exclui sua responsabilidade, pois

o risco da atividade conduz a imputação do dever de reparar o

meio ambiente degradado... a Constituição e as demais normas

4 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São

Paulo : Revista dos Tribunais, 2000. p. 132-133.

5 HENKES, Silviana Lúcia;SANTOS, Denise Borges dos. Da (im)possibilidade de

responsabilização civil pelo dano ambiental causado por empreendimento operante em

conformidade com a licença ambiental obtida. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 813, 24 set.

2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7329>. Acesso em: 07 jul.

2008.

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ordinárias estabelecem este tipo de responsabilidade que impõe,

como conseqüência, o seguinte: existindo o dano, basta

identificar o autor ou autores e o nexo causal, pois não existirão

excludentes de responsabilidade6.

3.2. Dano ambiental extrapatrimonial

Registra Édis Milaré que o dano ambiental pode se manifestar

sob duas facetas, isto é, seus efeitos podem alcançar não apenas o homem,

mas também o ambiente que o cerca (in Direito do Ambiente: a gestão

ambiental em foco. 5 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 812). Por isso é que, embora

o dano dessa natureza incida diretamente sobre o meio ambiente, em certos

casos pode refletir-se material ou moralmente, sobre o patrimônio, os

interesses ou a saúde de determinada pessoa ou de um grupo de pessoas

determinadas ou determináveis (op. cit., p. 812).

Quando, além de atingir o meio ambiente e seus recursos, o dano

recai sobre a esfera patrimonial ou extrapatrimonial de determinada pessoa ou

grupo de pessoas, tem-se o chamado dano ambiental individual, também

conhecido como dano ricochete ou reflexo.

6 MATOS, Eduardo Lima. Dano Ambiental: Uma nova perspectiva de responsabilidade civil, in

grandes temas da atualidade, Forense, 2002.

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Também Paulo Affonso Leme Machado, citando Francisco José

Marques Sampaio, ensina que "'Não é apenas a agressão à natureza que deve

ser objeto de reparação, mas a privação, imposta à coletividade, do equilíbrio

ecológico, do bem-estar e da qualidade de vida que aquele recurso ambiental

proporciona, em conjunto com os demais. Desse modo, a reparação do dano

ambiental deve compreender, também, o período em que a coletividade ficará

privada daquele bem e dos efeitos benéficos que ele produzia, por si mesmo e

em decorrência de sua interação (art. 3º, I, da Lei 6.938/81). Se a

recomposição integral do equilíbrio ecológico, com a reposição da situação

anterior ao dano, depender, pelas leis da natureza, de lapso de tempo

prolongado, a coletividade tem direito subjetivo a ser indenizada pelo período

que mediar entre a ocorrência do dano e a integral reposição da situação

anterior'' (Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed., Malheiros, São Paulo: 2003, p.

341).

No mesmo sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso: 'Também nos

parece ser de natureza objetiva a responsabilidade pelos danos morais

(=extrapatrimoniais) infligidos ao meio ambiente, no sentido de que esse dever

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de reparar decorre da configuração, no caso concreto, do binômio dano-nexo

causal".

No caso dos autos, a narrativa e os documentos apresentados

comprovam cabalmente um grave e inadmissível dano extrapatrimonial à

população afetada, que nos últimos quatro anos vem experimentando a

sensação de impotência diante do poder econômico da Cerealista Faxinal.

Além de perder o sono todos os anos durante a safra, a população vê-se às

voltas com a inadmissível poeira de milho e soja invadindo suas residências,

seus quintais, seus veículos, sujando as roupas do varal, entupindo calhas,

prejudicando plantações.

Não há dúvida de que os danos extrapatrimoniais sofridos pela

população mereçam ser reparados, com no mínimo a compensação pecuniária

pelo sofrimento de tantos anos.

4. Necessidade de liminar

A atividade da Cerealista Faxinal Ltda. vem gerando poluição

ambiental em níveis atualmente insuportáveis pela população local. Apesar de

inúmeras vezes alertado sobre o fato, de multado, e de inclusive dar sua

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palavra ao Judiciário, ao Ministério Público e aos moradores de que

regularizaria a empresa, o responsável não demonstrou até o momento

interesse em adequar de maneira eficiente as emissões atmosféricas e

sonoras.

Nessa situação, não se pode mais exigir paciência ou tolerância

da população afetada pela empresa. Não se pode admitir, por outro lado, que a

empresa continue fumegando poeira e ruído enquanto alega se adequar

lentamente. É preciso postura enérgica que a obrigue a, de imediato, iniciar

obras para adequação completa.

Por isso o embargo da atividade até que se resolvam

todos os problemas apontados é postura bastante ponderada e

razoável. Aliás, é o mínimo que se pode exigir: se a indústria não está

plenamente adequada à legislação sanitária e ambiental, deve parar de operar

até completar todos os requisitos legais necessários. Da mesma forma que um

veículo com motor defeituoso não pode transitar expelindo fumaça, também

uma empresa não pode lançar poeira e ruído contra tudo e todos. As

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providências necessárias, enfim, devem ser adotadas antes de iniciar a

operação, e não depois dela, como preferiu a Cerealista Faxinal fazer.

O mecanismo sugerido é que a suspensão dure até que perito a

ser nomeado pelo juízo ateste a regularidade das emissões. É preciso, como já

inclusive convencionou o Ministério Público com o proprietário da empresa,

que o perito seja pessoa totalmente desvinculada da empresa ou até mesmo

da cidade de Faxinal dos Guedes, de modo a preservar-lhe a imparcialidade.

A verossimilhança das alegações está bem caracterizada nos

documentos juntados, que comprovam à saciedade o terrível ruído e a

excessiva poeira produzida pela empresa, além dos danos causados à

vizinhança. Note-se que são mais de dois anos de coleta de dados, laudos,

pareceres e de tentativas vãs de adequação consensual.

A situação tornou-se inadmissível e requer a pronta intervenção

do Poder Judiciário, sob pena de perdurarem os danos ambientais causados e

gerar mais sofrimento nas famílias que residem nas proximidades. Aqui está

demonstrando, por sua vez, o periculum in mora.

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Há que se recordar que em casos como o dos autos prepondera

sempre o interesse público sobre o particular. Em caso semelhante, versando

sobre poluição sonora, o Tribunal de Justiça Catarinense já decidiu:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO

LIMINAR QUE DETERMINOU A SUSPENSÃO IMEDIATA

DAS ATIVIDADES DA RECORRENTE EM VIRTUDE DE

PRÁTICA DE POLUIÇÃO SONORA E PELA FALTA DE

LICENÇAS AMBIENTAL E DE LOCALIZAÇÃO. ADEQUAÇÃO.

PRESENTES OS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI IURIS E

DO PERICULUM IN MORA EM FAVOR DA COLETIVIDADE.

SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO AO

PARTICULAR. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Agravo de instrumento n. 2004.001655-7, de Joinville. Relator:

Des. Vanderlei Romer.

A necessidade de suspensão das atividades até completa

adequação é abonada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa

Catarina:

Melhor que permaneça fechada até outra solução , pois a

rigor, se de sua responsabilidade é eliminar o dano, a degradação

ambiental lesiva aos interesses sociais, e tendo conhecimento

desde seu primeiro dia de atividade ou mesmo desde os projetos

de instalação de que se constituiria numa fonte fortemente

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poluidora, a rigor já iniciou suas atividades em débito, em atraso

na preservação dos direitos alheios... Está muito atrasada, agora,

para reclamar dilargação do tempo necessário para a correção de

sua falha (AI nº 2008.047747-0, de Seara, rel. Domingos Paludo,

despacho negando a liminar).

Ademais, convém ressaltar que em decorrência da supremacia

do interesse público, a coletividade não pode esperar para ver

garantido seu direito a um meio ambiente equilibrado (art. 225 da

Carta Magna) e continuar sofrendo as consequências da incúria dos

representantes legais da Requerida.

Vê-se, pois, conforme já demonstrado nesta inicial, que tudo está

a recomendar o deferimento da medida liminar como garantia, não somente da

preservação da qualidade do meio ambiente, mas, sobretudo, da saúde e do

bem estar da população residente no local e também da ordem pública.

Convém ressaltar que o Ministério Público está atento também à

função social da empresa e aos problemas decorrentes da suspensão das

atividades da fábrica. No entanto, conforme já ponderado inclusive na

audiência pública realizada, a suspensão das atividades da empresa até

adequação não será longa, de modo que é plenamente suportável a

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suspensão até que o meio ambiente seja novamente respeitado. Os

investimentos, está evidente no caso dos autos, serão prontamente realizados

em caso de suspensão. Do contrário, como já se demonstrou em anos

anteriores, a Cerealista Faxinal aguardará até a própria safra, em fevereiro de

2014, para só então voltar suas preocupações para os problemas ambientais

gerados pelos silos.

5. Conclusão e pedidos

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE

SANTA CATARINA requer:

a) o recebimento, registro e autuação da presente ação civil

pública;

b) a concessão de liminar para determinar a imediata suspensão

das atividades da empresa Cerealista Faxinal Ltda., em Faxinal dos Guedes,

sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, suspendendo qualquer atividade de

industrialização, recebimento, armazenamento e transporte de grãos, insumos

ou produtos; a suspensão deverá durar até que seja instalado sistema eficiente

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de controle de emissões atmosféricas e sonoras, eficiência que deverá ser

atestada por perito nomeado pelo juízo;

b2) instale no local, em 24h, placa metálica de pelo menos 2,5 m

por 2 m, com os seguintes dizeres, legíveis: "Atividades paralisadas por força

de liminar deferida pelo Juízo de Direito Xanxerê, em ação movida pelo

Ministério Público"7;

c) a citação da requerida para, querendo, apresentar a defesa

que entender pertinente;

d) a produção de todos os meios de prova admitidos,

notadamente a prova pericial, depoimento pessoal, prova documental e

testemunhal, se for necessário;

e) ao final:

e1) a confirmação da liminar para condenar a requerida a instalar

definitivamente sistema eficiente de controle de emissões atmosféricas e

sonoras;

7 A placa indicativa tem por finalidade tornar pública a decisão judicial e minorar o dano

extrapatrimonial experimentado pela população; tem também nítido caráter de prevenção geral.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

e2) a condenação da requerida ao pagamento de indenização

pelos danos extrapatrimoniais aos moradores presentes à audiência pública de

11 de março de 2013, no valor de R$ 5.000,00 cada um, além de indenização

ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados (relativamente às pessoas

atingidas e não identificadas), no valor de R$ 30.000,00;

e3) a condenação da requerida a limitar seu horário de

funcionamento em dias úteis das 7h às 21h e a deixar de operar em sábados

depois das 12h, e domingos e feriados nacionais e municipais durante todo o

dia (obrigação de não-fazer), sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (veja-

se que a multa de R$ 6.000,00 já aplicada não surtiu efeito dissuasor);

f) a condenação da requerida em custas, despesas processuais e

honorários advocatícios (estes conforme art. 4º do Decreto Estadual nº

2.666/04, em favor do Fundo de Recuperação de Bens Lesados do Estado de

Santa Catarina).

Dá-se à causa o valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil

reais).

Xanxerê, 22 de março de 2013

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Eduardo Sens dos Santos

Promotor de Justiça