administracao publica. claudia costin

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“Ao apresentar a evolução da administração pública no Brasil, permeada de conceitos e exemplos, Claudia Costin construiu um material de estudo diferenciado e extremamente rico para o aprimoramento da gestão do Estado. A sua experiência na condução de iniciativas em prol da moderniza- ção da gestão pública, somada à sua trajetória acadêmica, permitiram elabo- rar uma ampla visão histórica e conceituai, que aborda desde o Brasil Colônia até o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.” Jorge Cerdau “Há algum tempo a comunidade de especialistas em gestão pública deman- dava um livro-texto de Administração Pública, pois em tempo relativamente reduzido —pouco mais de uma década - o interesse pela melhoria da gestão . dos serviços públicos, no Brasil, tem feito multiplicarem-se os cursos de graduação e pós-graduação, as escolas de governo, o interesse de servidores , , s ' v / e de dirigentes políticos, bem como da sociedade organizada. v E por essa razão que Administração Pública nos chega em boa hora.” v ' *

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Administração Pública

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  • Ao apresentar a evoluo da administrao pblica no Brasil, permeada

    de conceitos e exemplos, Claudia Costin construiu um material de estudo

    diferenciado e extrem am ente rico para o aprimoramento da gesto do

    Estado. A sua experincia na conduo de iniciativas em prol da moderniza

    o da gesto pblica, somada sua trajetria acadmica, permitiram elabo

    rar uma ampla viso histrica e conceituai, que aborda desde o Brasil

    Colnia at o governo de Luiz Incio Lula da Silva.

    Jorge Cerdau

    H algum tem po a comunidade de especialistas em gesto pblica deman

    dava um livro-texto de Administrao Pblica, pois em tempo relativamente

    reduzido pouco mais de uma dcada - o interesse pela melhoria da gesto .

    dos servios pblicos, no Brasil, tem feito multiplicarem-se os cursos de

    graduao e ps-graduao, as escolas de governo, o interesse de servidores , , s' v /

    e de dirigentes polticos, bem como da sociedade organizada. v

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  • 3^5-

    HAG

    Claudia Costin

    ADMINISTRAOPUBLICA

  • 201 0 , Elsevier Editora Ltda.

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei n2 9.610, de 19 /02 /1998 .Nenhuma parte deste livro, sem autorizao prvtf-por escrito da editora, poder ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrnicos, mecnicos, fotogrficos, gravao ou quaisquer outros.

    Copidesque: Adriana Kramer

    Reviso Grfica: Caravelas Produes Editoriais

    Editorao Eletrnica: DTPhoenix Editorial

    Elsevier Editora Ltda.Conhecimento sem Fronteiros Rua Sete de Setembro, 111 - 16a andar 20050-006 - Centro - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

    Rua Quintana, 753 - 8 andar04569-011 - Brooklin - So Paulo - SP

    Servio de Atendimento ao [email protected]

    ISBN 978-85-352-3225-7

    Nota: Muito zelo e tcnica foram empregados na edio desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitao, impresso ou dvida conceituai. Em qualquer das hipteses, solicitamos a comunicao ao nosso Servio de Atendimento ao Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questo. >

    Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicao.

    OP-Brasil. Catalogao-na-fonte.Sindicato Nacional dos Editores de livros, RJ

    C885a Costin, ClaudiaAdministrao pb lica / Claudia Costin. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

    Contm questes para aprofundamentoInclui bibliografiaISBN 978-85-352-3225-7

    1. Administrao pblica Brasil. I. Ttulo.

    10-1258CDD: 351.81

    CDU: 35(81)

  • Tive muitos mestres. Alguns me marcaram, de forma particular, na crena de que possvel uma outra Administrao Pblica num outro mundo

    possvel: Maria Augusta do Amaral, Franco Montoro, Paulo Modesto, Luiz Carlos Bresser Pereira, Pedro Parente, Mauricio Tragtenberg, Evelyn Levy, Celso Daniel e Nelson Mrconi. Nos outros terrenos, meu pai, sempre. A

    estes mestres dedico este livro.

  • Prefcio

    sss?

    A o a p r e s e n t a r a e v o l u o da administrao pblica no Brasil, permeada de conceitos e exemplos, Claudia Costin construiu um material de estudo diferenciado e extremamente rico para o aprimoramento da gesto do Estado. A sua experincia na conduo de iniciativas em prol da modernizao da gesto pblica, somada sua trajetria acadmica, permitiram elaborar uma ampla viso histrica e conceituai, que aborda desde o Brasil Colnia at o governo de Luis Incio Lula da Silva.

    Ao mesmo tempo em que apresenta esses conceitos, Claudia relata o processo de evoluo das instituies e o movimento de centralizao e descentralizao da gesto pblica no Brasil, considerando os nveis federal, estadual e municipal, um tema debatido h dcadas e que segue absolutamente atual.

    Nesse processo histrico, claramente possvel perceber a evoluo do papel do Estado. Em um passado remoto, sua atuao, por exemplo, era focalizada na segurana e na arbitragem de conflitos e, ao longo do tempo, assumiu um elevado grau de complexidade. Passou a ser papel do Estado a prestao de servios - tais como educao e sade - , a regulao de atividades, a proteo do meio ambiente, o desenvolvimento de polticas sociais, entre outros, que tornaram cada vez mais necessria a gesto eficiente da mquina pblica, considerando a escassa disponibilidade de recursos e as crescentes demandas da populao.

    Nos dias de hoje, o Estado no tem apenas a funo de atender as necessidades de sua comunidade, mas tambm de promover o desenvolvimento da sociedade como um todo, diante da escalada da competitividade no mercado internacional. Alm disso, preciso debater sobre os papis do Estado nos pr-

  • Isso quer dizer que o Estado deve focalizar sua atuao em reas prioritrias e no atuar em setores nos quais a iniciativa privada tem maior experincia de gesto e, consequentemente, maior capacidade de fazer mais com menos recursos.

    Tambm cabe destacar as anlises realizadas em relao estrutura do Estado no que concerne aos poderes Executivo, Legislativo e Judicirio e que envolve, ademais, o Ministrio Pblico. A harmonia e a conjugao desses poderes tm sido oneradas pela exigncia de agilidade de forma a atender a premncia das demandas da sociedade.

    Portanto, o Estado, diante dessa realidade, deve, cada vez mais, entender as expectativas da sociedade nas reas da economia, educao e sade, assim como oferecer melhores condies para o Brasil competir mundialmente e gerar mais empregos e divisas. Acredito que esse um dos maiores desafios do pas, em razo da complexidade dos temas e da sua vinculao com a poltica.

    No final da dcada de 1990, tive a oportunidade de trabalhar com Claudia Costin, na poca ministra da Administrao Federal e Reforma do Estado, juntamente com o ministro Bresser Pereira, no lanamento do Prmio Nacional da Qualidade na Gesto Pblica, uma iniciativa voltada para reconhecer, anualmente, os melhores cases de gesto na esfera pblica. Agora, a sua obra oferece mais uma importante contribuio para o aprirnoramento do Estado, desta vez, a ser utilizada por estudiosos, acadmicos e futuras geraes de administradores pblicos, estimulando o debate sobre a necessidade de termos um Estado moderno, competitivo e ajustado s novas realidades.

    J o r g e G e r d a u J o h a n n p e t e r

    Presidente do Conselho de Administrao da Gerdau e presidente fundador do Movimento Brasil Competitivo (MBC)

  • Apresentao

    a l g u m t e m p o a c o m u n i d a d e d e e sp e c ia lis ta s e m g e s t o p b l ic a d e m a n dava um livro-texto de Administrao Pblica, pois em tempo relativamen

    te reduzido - pouco mais de uma dcada - o interesse pela melhoria da gesto dos servios pblicos, no Brasil, tem feito multiplicarem-se os cursos de graduao e ps-graduao, as escolas de governo, o interesse de servidores e de dirigentes polticos, bem como da sociedade organizada. A ampliao e reestruturao dos servios pblicos e a redistribuio das responsabilidades entre os entes federados tem aumentado o contingente de servidores e o nmero de reas em que o poder pblico se faz presente. Ao lado desses aspectos quantitativos, observam- se mudanas qualitativas, cuja intensidade no menor. A saudvel competio, trazida pela democracia, tem dado ensejo a uma intensa experimentao por parte de governos locais, estaduais e da Unio. Tem igualmente induzido busca de uma reviso nos modos de operao da Justia e do Legislativo. Inovaes so produzidas em todos esses nichos, em busca de maior eficincia, efetividade, transparncia e participao dos cidados. Existe, portanto, uma efervescncia intelectual nesse campo, como h muito no se via. No se quer aqui admitir que a Administrao Pblica no Brasil apresente graus de excelncia em toda parte, ou que antigas mazelas tenham desaparecido. Mas, h sim um movimento positivo, que se expressa fortemente onde a sociedade se faz presente e onde os dirigentes pblicos assumem a liderana que lhes requerida e incentivam os funcionrios a desenvolverem suas competncias. Nem sempre a mdia capta essa variedade e criatividade que se realiza s vezes nas localidades mais remotas do pas. Mas, por exemplo, atravs dos diversos prmios de inovao, criados por diversas institui-

  • x I Administrao Pblica ELSEVIER

    Trata-se talvez de um momento de florescimento na relao entre sociedade e Estado, em que objetivos seculares comeam a ser conquistados. Como observou o historiador Eric Hobsbawn, em meados dos anos 1990, depois dos brasileiros constatarem a.crise que se abatia sobre o pas, depois de analis-la, eles comearam ento a enfrent-la. E esse enfrentamento coletivo, que se d pela construo de amplos consensos, se concretiza, em grande medida, pela atuao das organizaes pblicas.

    por essa razo que Administrao Pblica nos chega em boa hora. Pois a busca por conhecimento sobre a operao da mquina estatal, os valores que devem norte-la e as possibilidades de aperfeio-la cresceram consideravelmente. Mas, se esse trabalho no nos chegou antes por que escrever um livro-texto exige muita coragem. Pois nele se desenvolvem os fundamentos sobre os quais futuramente iro ser construdas as prticas da vida pblica. semeadura em campo limpo: se as sementes forem fracas no traro nem colheita abundante nem de boa qualidade.

    Por este livro, no entanto, a iniciao (ou a reviso) se dar por caminhos traados por mos criteriosas. Alm de rigor, quem navegar por essas pginas, ir encontrar, ao mesmo tempo, um retrato - analtico e crtico - das instituies da Administrao Pblica no Brasil contemporneo e sua evoluo histrica. E por se tratar de um texto saboroso, escrito por quetn tem por paixo a literatura, far essa viagem provavelmente com encantamento e muito interesse.

    Logo, faltava algum com coragem. Mas coragem talvez seja uma das caractersticas mais notveis da autora. Egressa dos cursos de Administrao Pblica da Fundao Getulio Vargas, Claudia se engajou precocemente em embates polticos severos. Pouco depois iniciou uma carreira de sucessivos e grandes desafios no Governo Federal, onde chegou ministra de Estado; no Governo do Estado de So Paulo, no qual foi Secretria da Cultura; no Banco Mundial; na Fundao Vitor Civita; e agora, enquanto Secretria Municipal da Educao do Rio de Janeiro. Em todas essas situaes, Claudia Costin tem deixado um importante legado e foi construindo o entendimento que agora compartilha conosco. Portanto, de conhecimento e de coragem que feito esse livro, no por acaso ingredientes essenciais com os quais se deve construir tambm a Administrao Pblica.

    E v e l y n L e v y

  • Introduo

    Este livro resulta de uma paixo. Desde menina, debatia-me com questes relativas ao que coletivo e merece ser transformado. Problemas como o analfabetismo, a pobreza, as epidemias ou a poluio, influenciaram minha escolha de carreira e fizeram-me passar do terreno da militncia poltica para o da atuao profissional junto a diferentes lderes polticos, de igualmente diferentes afiliaes partidrias.

    tambm com paixo que o escrevi. Fui aluna da Escola de Administrao de Empresas de So Paulo, da Fundao Getulio Vargas, no curso de Administrao Pblica. Gostei imensamente do curso e tive grandes professores. Depois de toda uma carreira na Administrao Pblica e de anos de ensino em diferentes cursos universitrios, pensei em dialogar com os novos alunos. O que teria a lhes dizer? Que saberes, fruto do trabalho ou de pesquisas, foram-me teis na minha prtica profissional ou ajudariam jovens estudantes de graduao a entender a complexidade da Administrao Pblica?

    Trata-se de um livro introdutrio. Procuro dar uma viso panormica dos diferentes temas envolvidos na Administrao Pblica. Como esta rea , por natureza, interdisciplinar, h contedos do campo da Cincia Poltica, da Sociologia, da Administrao e da Economia combinando-se para conformar as vises apresentadas sobre cada aspecto abordado.

    Procurei organizar o livro, pensando em um aluno de primeiro ano do curso de Administrao Pblica (ou de uma eletiva em curso de Administrao), na forma de captulos que podero, no futuro, merecer um olhar mais detalhado de rlicritVlina; pxnecficas. O aluno poder tambm, posteriormente, aprofundar-se

  • xii I Administrao Pblica ELSEVIER

    em cada uma delas por meio de uma bibliografia sugerida no livro ou por seus professores.

    Podem-se beneficiar com a leitura atenta do livro candidatos a postos eletivos, especialistas em polticas pblicas especficas, como profissionais de sade pblica ou de Educao, que queiram se aprofundar na compreenso da mquina burocrtica e nas injunes do Estado na sua operao.

    A cada captulo, inclu uma parte conceituai que caminha junto com a legislao, a evoluo histrica da rea no Brasil e questes para trabalhar em sala ou como forma de aprofundamento por alunos. No captulo sobre Administrao Tributria, por exemplo, mostro no apenas o que so tributos e como se estruturam no pas, mas sua evoluo histrica, desde os tempos do Brasil Colnia.

    Um alerta: dada a natureza da Administrao Pblica, regulada que pela Constituio e por leis, mudanas legais podem tornar aspectos do livro ultrapassados. Neste sentido, procurarei realizar atualizaes sempre que necessrio, embora ocasionalmente possa haver um intervalo de tempo entre a mudana legal e uma eventual nova edio do livro.

    Parte deste livro foi elaborada durante o tempo em que atuei na Fundao Victor Civita e dava aulas de Economia das Polticas Pblicas no ento IBMEC- SP; outra, enquanto estive no Canad, como professora visitante da Escola Nacional de Administrao Pblica da Universidade de Qubec. As trs instituies me ajudaram de diferentes formas no trabalho e sou-lhes muito grata por isso. Na fase mais recente da elaborao contei com a ajuda do pesquisador Felipe Asensi, a quem igualmente agradeo. Minha famlia teve que compartilhar o pouco de tempo de que dispunha noite, quando no envolvida com meus compromissos profissionais, com o livro. Ao Nabuco, Marina e Maurcio, meu sincero agradecimento e pedido de desculpas pela paixo da sua esposa e me.

    Meu maior agradecimento aqui vai ao meu pai, Maurice Costin, imigrante que escolheu o Brasil como seu pas e ensinou-me a am-lo de forma a desejar sua transformao. Empresrio, soube entender e admirar a opo profissional da filha a quem transmitiu um rigor tico que, se traz, por vezes, decepes profundas, permitem-me crer que uma outra ordem de coisas possvel. Sonhar sempre, transformar com ao competente quando o impossvel est pronto para virar realidade!

  • Sumrio

    P?-'-

    flrCaptulo 1P Estado e a Administrao Pblica na sociedade contempornea

    1.1. As funes econmicas do Estado e os bens pblicos 41.2. Evoluo histrica do Estado 8 1.3. O Estado brasileiro 15

    1.3.1. Poder Executivo 161.3.2. Poder Legislativo 171.3.3. Poder Judicirio 181.3.4.0 Ministrio Pblico 22

    1.4. Questes para aprofundamento 241.5. Bibliografia complementar 25

    Captulo 2A Administrao Pblica 27

    2.1. Administrao Pblica Direta e Indireta 292.2. Trs formas histricas de administrao 312.3. Setores do aparelho do Estado 362.4. Evoluo da Administrao Pblica no Brasil 40

    2.4.1. A Repblica 472.4.2. A Reforma Administrativa de 1967 592.4.3. A Redemocratizao e a Constituio de 1988 622.4.4. A Reforma da Gesto Pblica de 1995 68

    2.5. Questes para aprofundamento 712 . 6 . R l K l l f l f i r f i o rA m r ~ > I p m o n t * a r 7 9

  • xiv I Administrao Pblica ELSEVIER

    Apndice A Participao de Bresser-Pereira: Pequena histria da reforma gerencial de 1995 74 v

    Captulo 3Os impostos e a administrao tributria 81

    3.1. Alguns dos principais tributos brasileiros 833.2.0 Sistema Tributrio e seus princpios 853.3. Evoluo do Sistema Tributrio Nacional no Brasil 873.4. Questes para aprofundamento 943.5. Bibliografia complementar 94

    Captulo 4O oramento e as finanas pblicas 97

    4.1.0 ciclo oramentrio 994.2. Princpios oramentrios 1004.3.0 processo oramentrio e a legislao no Brasil 1024.4. O ciclo oramentrio, seu calendrio e rgos envolvidos 109

    4.4.LOPPA 1094.4.2. A LDO 1104.4.3. Oramento Anual 112

    4.5. Conceitos de Finanas Pblicas 1154.6. Resultado primrio do governo central 1194.7. A Dvida Pblica 1204.8. A evoluo histrica do oramento e das finanas pblicas no Brasil 1214.9. A Revoluo Institucional da dcada de 1980 1284.10. Questes para aprofundamento 1374.11. Bibliografia complementar 137Apndice B Participao de Tarso Genro: Oramento Participativo: a experincia de Porto Alegre 139

    Captulo 5As relaes de trabalho no setor pblico 149

    5.1. Recursos Humanos no Estado Contratual 1545.2. Conceitos em Gesto de Recursos Humanos e sua aplicao

    no setor pblico 1575.3. Evoluo da Administrao de Recursos Humanos no Rrasil i f

  • ELSEVIER Sumrio I xv

    5.4. Questes para aprofundamento 1795 .5 . Bibliografia complementar 180

    C aptulo 6Administrao de recursos materiais e logstica no setor pblico 183

    6.1. Administrao de materiais e patrimonial no setor pblico 1846.2. As compras e as contrataes governamentais 1856.3. As obras e os servios 1906.4. Contratao, convnios, parcerias e cooperao em obras e servios 1936.5. A evoluo da rea de Compras e Gesto de Materiais na

    Administrao Pblica Brasileira 1966.6. Questes para aprofundamento 2026.7. Bibliografia complementar 203

    Captulo 7As relaes entre o Estado e o setor privado 205

    7.1. Mudando uma cultura burocrtica 2077.2. Direitos de propriedade 2087.3. Excesso e sobreposio de organizaes envolvidas na regulao

    e no controle do comrcio 2107.4. Modificao frequente da legislao acerca do setor privado 2147.5. Baixa qualidade da mo-de-obra 2167.6. Concluses 2171.7. Questes para aprofundamento 2197.8. Bibliografia complementar 220

    Captulo 8Instituies polticas no Brasil 221

    8.1.0 Estado Brasileiro 2308.2. A Constituio 2318.3. Poder Executivo 2328.4. Poder Legislativo 2348.5. Poder Judicirio 2358.6. O Ministrio Pblico 2378.7.0 poder dos estados e das municipalidades 2378.8. Os partidos polticos 241o n A . ..*i

  • xvi I Administrao Pblica ELSEVIER

    8.10. Os partidos da base de Lula 2458.11. Os partidos de oposio a Lula 298.12. Concluses 2538.13. Questes para aprofundamento 2548.14. Bibliografia complementar 255

    Bibliografia 257

    >

  • Captulo

    1

    O Estado e a Administrao Pblica na sociedade contempornea

    Mu i t a s d i s c u s s e s se travam sobre o tamanho do Estado ou sua interferncia na vida econmica. Mais recentemente, debate-se sobre a eventualidade de a globalizao destruir os Estados-nao, seja agrupando-os em entidades spraestatais, como a Unio Europeia, ou impondo regras por meio de organismos internacionais, como o FMI ou o Banco Mundial, que lhes retiraria parte da soberania. Mas, o que Estado?

    No se pode iniciar um livro-texto sobre Administrao Pblica sem uma definio sobre estes dois importantes conceitos: Estado e Administrao Pblica. Por outro lado, nada mais difcil, dada a pluralidade de enfoques, associados a diferentes orientaes polticas.

    Opto aqui por uma definio operacional que procura fugir dos embates ideolgicos, sem desconsider-los. Neste caso, o Estado o conjunto de regras, pessoas e organizaes que se separam da sociedade para organiz-la. Essa viso parte do pressuposto de que o Estado nem sempre existiu, mesmo que alguma forma de organizao da sociedade exista at em comunidades primitivas, como as de povos indgenas, em que as funes de organizao da vida em sociedade so exercidas por Conselhos de Ancios, pelo paj e pelo cacique. Observe-se que em nenhum desses casos ocorre uma ciso com a comunidade. Todo ancio, em princpio, possvel membro do Conselho. O Estado s passa a existir quando o comando da comunidade garantido por algum tipo de aparelho ou instncia especializada que, funcionando de forma hierrquica, separa claramente governantes e governados. O Estado moderno com exceo do

  • 2 I Administrao Pblica ELSEVIER

    direo modernidade passa a ser pensado a partir das ideias de representao e de separao entre o pblico e o priyado.

    Tal Estado moderno, na viso de Weber, detm o monoplio da coero fsica legtima, ou seja, a nica entidade que pode empreg-la ou delegar seu uso com a obedincia dos cidados porque se trata de uma dominao legtima. O Estado necessita disso para fazer prevalecer a ordem estabelecida, logicamente defrontando-se com a possibilidade de contraforas que se lhe opem, como o crime, invases externas, interesses comerciais hostis, ou manifestaes que buscam construir outros ordenamentos, por meios no estabelecidos pelas instituies vigentes.

    Em sua verso moderna, o Estado contm um conjunto de organismos de deciso (Parlamento e governo) e de execuo (Administrao Pblica). Nessa concepo, a organizao estatal possui uma dimenso legiferante associada produo de normas que regero a vida social e uma dimenso administrativa associada ao cotidiano da gesto das instituies e das relaes polticas. Assim, o Estado mais amplo que o governo ou que a Administrao Pblica, como veremos um pouco mais adiante.

    Numa outra classificao, o Estado integrado por trs poderes, a que correspondem trs funes bsicas: o Legislativo, o Executivo e o Judicirio. O primeiro estabelece as leis a serem seguidas por uma sociedade. O Executivo, por sua vez, tem por responsabilidade impor e fiscalizar a aplicao dessas leis, alm de regulamentar, nas bases por elas previstas, a legislao aprovada pelo Legislativo, implementar polticas pblicas, coletar impostos para o desempenho das funes do Estado e de seus componentes. O Judicirio, por fim, detm a capacidade de julgar, na maioria dos casos, a correta aplicao da lei e das penas correspondentes a seu desrespeito.

    Investido desses trs poderes, o Estado possui um carter ambguo: designa o comando da comunidade, como autoridade soberana que se exerce sobre um povo e um territrio determinados e, ao mesmo tempo, representa, por meio de uma pessoa que o encarna, a Nao. Essa pessoa o chefe de Estado, correspondente, num pas como o nosso, ao Presidente, e, num regime monarquista como o ingls, ao rei ou rainha.

    Bresser-Pereira (2004, p. 4) estabelece uma distino entre Estado-nao e Estado. Para ele, enquanto o Estado-nao o ente poltico soberano no concerto das demais naes, o Estado a organizao que, dentro desse pas tem o poder de legislar e tributar a sociedade. O autor associa ao Estado tanto uma dimenso de organizao com poder extroverso sobre a sociedade que lhe d origem e legitimidade quanto o sistema constitucional-legal dotado de coerci- bilidade sobre todos os membros do Estado Nacional.

  • ELSEVIER Captulo 1: O Estado e a Administrao Pblica na sociedade contem pornea | 3

    H basicamente duas formas de Estado: o Estado Unitrio e o Estado Federativo. No primeiro caso, o pas governado a partir do governo central que, embora possa delegar poderes a nveis inferiores de governo, chamados unidades subnacionais, detm a autoridade para revogar essa delegao e retom ar esse poder quando necessrio. Assim, podem haver subdivises territoriais em geral, denominadas de provncias com fins meramente administrativos, isto , sem qualquer autonomia poltica, uma vez que as unidades subnacionais podem ser criadas ou extintas e ter seus poderes modificados pelo governo central.

    J o Estado Federativo conta com unidades subnacionais autnom as, com governo prprio, com competncias estabelecidas pela Constituio do pais e que no podem ser revogadas pelo governo central. Trata-se de um a forma de Estado que se traduz na reunio de vrias unidades federativas, cada qual com uma certa independncia e autonomia interna, mas obedecendo todos a uma Constituio nica, que o marco de delimitao das competncias e limitaes de cada uma dessas unidades. As federaes podem surgir de duas maneiras: pela unio de estados independentes, como foi o caso americano (unio das 13 colnias), ou pela deciso do poder constituinte originrio, como foi o caso brasileiro, na Constituio de 1891, em que foi atribuda autonomia s antigas provncias, agora denominadas estados. So tambm federaes, entre outros, a Argentina, a Alemanha, o Canad e a Austrlia.

    O governo se diferencia do Estado por se restringir ao comando direto e sano da desobedincia, visando aplicao das leis estabelecidas em um pas. Em outros termos, trata-se geralmente do Poder Executivo, embora no seja descabido aplic-lo em outros contextos, em que se quer enfatizar a tomada de deciso ou a forma de gesto interna nos outros poderes.

    curioso observar que o conceito de governo precede historicamente o de Estado. Tanto Plato como Aristteles se pronunciam sobre o governo ideal, mas o termo Estado aparece apenas mais tarde, inicialmente como uma ampliao do termo status, que significava, em latim da poca do Imprio Romano, m aneira ou forma de ser, estatuto. No sculo XVI, Maquiavel (1981, p. 31) o utiliza em italiano j com o contedo que lhe atribumos hoje: Todos os estados, todos os domnios que existiram ou existem e possuem imprio sobre os homens, foram ou so repblicas ou principados. Mas isso no quer dizer que os gregos, os romanos ou mais tarde os escolsticos no tivessem o conceito de Estado. Outras palavras designavam de maneira parcial a forma poltica de organizao da sociedade.

    A Administrao Pblica pode ser definida objetivamente, segundo Alexandre Moraes (2003, p. 310), como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para assegurar interesses coletivos como sade, educao

  • 4 I Administrao Pblica ELSEVIER

    ou proteo infncia e, subjetivamente como o conjunto de rgos e de pessoas jurdicas aos quais a Lei atribdi o exerccio da funo administrativa do Estado.

    Assim, se o Estado a instncia que organiza a sociedade numa determinada estrutura de poder, a Administrao Pblica, formada por rgos espesso as que trabalham contratadas pelo Estado, operacionaliza suas decises na forma de prestao de servios pblicos, fiscalizao, regulao e exerccio de funes de soberania. Essa caracterstica no vai aparecer sem problemas, j que ao se inserir como realizadora de propostas e decises definidas no contexto geral do sistema poltico de um Estado, analisa Odete Medauar (1998, p. 28), ir refletir e expressar as caractersticas e distores desse sistema. Assim, num sistema neopatrimonial e clientelista, a Administrao Pblica ser formada de pessoas que possuem laos de lealdade poltica, e no relaes profissionais com os dirigentes pblicos eleitos.

    1.1. As funes econmicas do Estado e os bens pblicos

    Segundo Musgrave (1980, p. 6-13), em sua anlise sobre a teoria e a prtica das finanas pblicas, o Estado possui basicamente trs funes econmicas: alocativa, distributiva e estabilizadora.

    A funo alocativa se refere destinao dos recursos do Governo, normalmente previstos em oramento, para fornecer diferentes bens pblicos, como rodovias, iluminao ou segurana, bens semipblicos ou meritrios, como educao e sade ou desenvolvimento. Essa funo tem forte associao com a democracia. aqui que se discute o que o governo vai ou no vai fazer considerando-se os recursos provenientes do pagamento de impostos ou de contratao de dvida. Alm disso, por exemplo, a partir da funo alocativa, se constri uma ponte ou uma estratgia de vacinao de crianas, d-se um aumento ao funcionalismo, se contratam mais professores, melhoram-se as estradas ou se investe em saneamento bsico. Trata-se normalmente de interesses coletivos, necessidades da populao que precisam ser atendidas, e a alocao do dinheiro pblico para faz-lo relevante funo do poder pblico.

    Conforme salientam Calabresi e Bobbit (1978), a atividade de alocao de recursos enseja escolhas trgicas. Toda deciso trgica comportaria, assim, dois momentos. O primeiro momento o do impasse: quando se apresenta sociedade a necessidade de emanar uma deciso a respeito da alocao dos recursos escassos, que seria uma necessidade de determinao em primeira ordem. A escassez permanece como um fato, sem qualquer caracterstica de imposio, pois a sociedade desenvolve uma deciso a Dartir dp rnntpvto alnrar-gr, A* r_

  • ELSEVIER Captulo 1: O Estado e a Administrao Pblica na sociedade contempornea I 5

    cursos. Aqui se observa o segundo momento, que se constitui por uma sucesso de decises racionalizadas desenvolvidas como escolhas trgicas.

    Numa democracia, o oramento norm alm ente preparado como proposta pelo Executivo, a partir de uma certa expectativa de receita (proveniente de impostos ou de endividamento), e enviado ao Legislativo, onde apreciado pelos parlamentares, para verificar se a destinao proposta de recursos corresponde s suas expectativas e s de seus eleitores. Mltiplos interesses aparecem nessa discusso e, por vezes, parlamentares representam interesses de segmentos econmicos ou interesses de regies especficas. Para aprovar, muitas vezes os parlamentares refazem a projeo de receita a ser obtida pelo governo, de forma a abrir mais espao para a apresentao das demandas de seus eleitores, o que obriga os governantes a programarem cuidadosamente o envio de dinheiro a ministrios ou secretarias, para evitar o esgotamento dos recursos antes do fim do perodo em caso de no confirmao dos valores estipulados.

    A funo distributiva consiste na redistribuio de rendas realizada atravs das transferncias, dos impostos e dos subsdios governamentais. o caso de programas de transferncia de renda a populaes carentes ou de taxao progressiva para cobrar mais impostos a quem detm maior renda. Observe-se que, muitas vezes, o oferecimento de servios pblicos pode realizar a funo alocativa e distributiva simultaneamente. A educao pblica, uma importante destinao de recursos do governo, pode garantir um a melhor renda a quem dela se beneficiar.

    Diferentes vises de mundo apresentam propostas alternativas sobre o papel do Estado em relao funo distributiva: h quem afirme que no cabe qualquer ao pblica nessa direo, por acreditar que isso leva a situaes de dependncia ou agiganta a mquina pblica sem qualquer vantagem ao cidado, enquanto outros nela enxergam um im portante papel do Estado na busca de justia social e preveno de violncia. Mais frente, voltaremos a este tema, analisando diferentes abordagens a respeito.

    A funo estabilizadora consiste na utilizao de instrumentos de poltica econmica para promover o emprego, o desenvolvimento e a estabilidade, dada a percepo de uma incapacidade do mercado de garantir tais objetivos. Assim, juros, preos, taxa de cmbio, impostos e at gastos pblicos podem ser usados para promover o crescimento, garantir emprego ou combater a inflao, no exerccio da funo estabilizadora.

    Os economistas atribuem a necessidade do exerccio dessas funes existncia de falhas de mercado. Em outros termos, como o mercado no perfeito, no aloca os fatores de produo de forma a garantir equidade (em termos de onqlHarlp r\p nnnrtnnirlaHpsV arpsso informaes oara se poder fazer esco

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    lhas em termos de produo, consumo, investimento e poupana), atendimento a necessidades para as quais no h como cobrar de forma individualizada ou excluir quem no paga e mesmo que o mercado no tem condies de ofertar ou no deseja faz-lo. /

    Essas falhas de mercado podem ser classificadas como:

    Existncia de bens pblicos so aqueles cujo consumo indivisvel. No h como restringir seu uso a apenas algumas pessoas e, ao mesmo tempo, claramente impedir outras de deles usufruir. So bens de consumo coletivo ou no rival. No esto, portanto, sujeitos ao princpio da excluso, como o caso da segurana pblica, descobertas cientficas (ver a respeito Sachs, 2008, p. 32) e iluminao pblica, entre outros. J que no h como definir quem deveria pagar por esse bem, o mercado no tem como atuar e cobrar um preo. Assim, o poder pblico os oferece e financia com o dinheiro arrecadado por meio de impostos.

    Monoplios naturais referem-se a setores em que o processo produtivo se caracteriza por retornos crescentes de escala e, normalmente, investimento elevado. Nesse caso, no compensaria para o mercado atuar em condies de grande competio, pois isso implicaria um nvel de produo muito baixo e, portanto, custos de produo mais elevados. Em tal situao, o Estado pode atuar diretamente (ou por meio de concesso) ou regular o setor, para evitar que preos abusivos sejam praticados ou que interesses coletivos sejam desatendidos. A primeira situao pode ser ilustrada pelo servio de saneamento, ao passo que a segunda pela atividade de minerao.

    Externalidades ocorrem quando as aes de um agente econmico implicam benefcios ou prejuzos a outros agentes econmicos. Exigem a ao do setor pblico para produzi-las ou induzi-las (no caso de externalidades positivas, como a educao ou a requalificao de reas urbanas degradadas) ou mesmo para coibi-las ou atenuar os efeitos nocivos (no caso de externalidades negativas, em que governantes podem desapropriar reas por efeitos danosos ao meio ambiente, proibir o fumo em locais pblicos ou obrigar a colocao de filtros em chamins industriais). Um caso extremamente importante de externalidade a justificar a atuao do poder pblico para garantir o direito da populao atual e de futuras geraes o dos danos ao meio ambiente. Eles so externalidades, pois os custos ambientais so sentidos pela sociedade, mas so externos aos estreitos clculos de ganhos e perdas feitos por empresas individuais e escolhas oramentrias de indivduos (Sachs, 2008, p. 35). O governo

  • ELSEVIER Captulo 1 : O Estado e a Administrao Pblica na sociedade contempornea I 7

    dever, nesse caso, intervir por meio de polticas pblicas para alinhar incentivos privados com os interesses da sociedade.

    Mercados incompletos aparecem quando um bem ou servio considerado relevante no ofertado pelo setor privado, ainda que o seu custo de produo esteja abaixo do preo que os consumidores estariam dispostos a pagar. Nesse caso, o poder pblico pode atuar, oferecendo o bem, seja produzindo diretamente ou estabelecendo uma concesso para que uma empresa privada o faa. Outra modalidade de atuao seria oferecer incentivos fiscais ou incentivos para quem se dispuser a garantir o produto. Um exemplo de bem no ofertado so algumas modalidades de financiamento de longo prazo, vitais para o desenvolvimento, que o sistema financeiro privado do pas pode no oferecer. Por conta dessa necessidade, bancos de investimento so criados em diversos pases e mesmo como instncias supranacionais, como o caso do Banco Mundial ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

    Falhas de informao ocorrem quando um agente econmico no possui informao necessria sobre bens ou servios transacionados. O desconhecimento e a consequente assimetria de informaes entre agentes podem provocar ineficincias no mercado. Nesse caso, o governo pode tornar obrigatria a divulgao de informaes relevantes para que sejam conhecidas por todos os participantes do mercado. o caso de informaes relativas validade de produtos comestveis ou de medicamentos, em que se exige no apenas o cumprimento da legislao especfica, mas a divulgao das datas exatas de vencimento ao consumidor. Da mesma forma, a Lei das S.A. demanda a publicao de relatrios contbeis dessas empresas para que acionistas, parceiros e o pblico em geral possam interagir de forma slida com a empresas.

    Desemprego e inflao apesar de a Teoria do Bem-Estar Social preconizar que (conforme Fabio Giambiagi e Ana Claudia Alm, 2000, p. 24) Sob certas condies, os mercados competitivos geram uma alocao de recursos que se caracteriza pelo fato de que impossvel promover uma realocao de recursos de tal forma que um indivduo aumente o seu grau de satisfao sem que, ao mesmo tempo, isso esteja associado a uma piora na situao de outro indivduo (timo de Pareto), a presena dessas falhas de mercado impede que tal alocao ideal acontea. Assim, a presena de desemprego pode no ser rara, especialmente num mundo globalizado em que o mercado conta com fontes inesgotveis de mo-de-obra barata em vrios locais do mundo e a intensa mecanizao e automatizao dos processos produtivos. O desemprego pode ser oca-

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    sionado tambm por sazonalidades na economia dos pases ou mudanas introduzidas pela evoluo tecnolgica no perfil da demanda. Em todos os casos, o governo pode atuar, criando incentivos ao emprego, capacitando os trabalhadores ou incentivando o empreendedorismo.

    1.2. Evoluo histrica do Estado

    Como vimos, o Estado no existiu sempre. Surgiu num determinado m omento histrico em funo de uma srie de fatores sociais, polticos, econmicos etc., com o objetivo de organizar a sociedade sob uma nova estrutura institucional de poder. Para analisarmos as formas histricas assumidas pelo Estado, retomamos a tipologia utilizada por Norberto Bobbio em seu Estado, Governo e Sociedade que inclui esta sequncia: Estado feudal, Estado estamental, Estado- absoluto, Estado representativo.

    O Estado feudal pode parecer a muitos uma contradio em termos, mas trata-se, evidentemente, de uma forma de Estado em que h uma fragmentao do poder em mltiplos agregados sociais e, por outro lado, a concentrao de diferentes funes diretivas nas mos das mesmas pessoas. Ao poder central do rei caberia apenas a organizao do exrcito e a estruturao da defesa do territrio, ao passo que o protagonismo poltico pertenceu aos senhores feudais. '

    O Estado estamental outra categoria nessa tipologia baseada na evoluo histrica caracteriza-se pela constituio de rgos colegiados que renem indivduos possuidores da mesma condio social, os estamentos, que detm os mesmos direitos e privilgios frente ao poder soberano. Essa forma de Estado difere do Estado feudal em virtude da transformao das relaes pessoais entre os indivduos, alm da prpria relao entre as instituies, pois as assembleias de estamento surgem como contrapoder ao rei e aos seus funcionrios. Posteriormente, o Absolutismo tender a acabar com essa contraposio de poderes a partir da nfase na ideia de poder soberano e absoluto.

    O Estado absoluto surge com a concentrao e centralizao de poderes num determinado territrio, tendo como referencial a figura do monarca. Com o fim da fragmentao do poder poltico, pode-se pensar na constituio dos Estados-nao, com o exerccio da soberania sobre um territrio e suas gentes. A soberania se expressa agora no poder de ditar leis sobre uma coletividade, no poder do uso exclusivo da fora para proteo contra ameaas externas e imposio da ordem, e no poder de coletar impostos que assegurado ao rei e elimina poderes autnomos estranhos a ele. Em outros termos, o poder de cidades, sociedades comerciais ou corporaes s pode existir mediante autorizao

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    do poder central ao qual se subordinam, ganhando relevo termos tais como centralizao, soberania e contrato social.

    O Estado representativo aparece na Europa na sequncia da Revoluo Gloriosa de 1688 e da Revoluo Francesa de 1789 e, nos Estados Unidos, aps a consolidao da independncia no sculo XVIII. O conceito de representao associa-se ideia de que um corpo escolhido por cidados age em nome destes, e tal corpo escolhido por meio de um procedimento eleitoral racionalmente estabelecido. Trata-se, antes de tudo, do Parlamento, em que um conjunto de representantes eleito para decidir que leis devero governar aquela sociedade e, mais especificamente, que polticas pblicas sero implementadas. Inclui tambm o poder executivo, em que o presidente ou primeiro ministro age representando a coletividade que lhe outorgou o poder para tanto, por um perodo especificado, mas equilibrando seu poder com o do corpo legislativo.

    No regime representativo, o poder conferido aos representantes pode ser retirado seja por uma no renovao do mandato no momento das eleies, seja por deciso dos demais representantes, caso alguma lei que rege a conduta dos parlamentares ou do chefe do Executivo tenha sido burlada, justificando, assim, a cassao do mandato, no caso, dos membros do Poder Legislativo, ou o impe- achment no caso do presidente. Eleies parlamentares que mostrem um novo desejo dos eleitores podem levar, no sistema parlamentarista, nova escolha de primeiro ministro.

    A democracia representativa realizada atravs de uma representao concentrada que se divide nos poderes executivo e legislativo. importante salientar a anlise de Pitkin sobre o tema, que realiza uma reflexo histrica e semntica do conceito de representao. Segundo a autora, representao tem sua origem na palavra latina representare, que significa tornar presente ou manifesto; ou apresentar novamente (Pitkin, 2006, p. 17). Por outro lado, em virtude da complexidade da representao, surgem desafios sobre como tornar presente o que no est efetivamente presente. Desse modo, a ausncia do representado atenuada por meio de mecanismos em que a atuao do representante seja publicizada e, de certa forma, passvel de controle, o que no quer dizer que esse controle seja absoluto e que no haja uma margem de autonomia nas aes do representante.

    Por essa razo, segundo Manin (1995), possvel identificar trs sentidos no mbito da democracia representativa:

    a) Significa que as decises devam ser realizadas por representantes cuja legitimidade advm da lei ou do voto, pois, embora o povo no governe, ele no est confinado ao papel de designar e autorizar os que governam.

  • Como o governo representativo se fundamenta em eleies repetidas, o povo tem condies de exercer uma certa influncia sobre as decises do governo (idem, 8);

    b) Afasta a ideia de poder absoluto, na medida em que o representante deve agir nos limites impostos pelos representados, desfrutando de relativa margem de autonomia. Por outro lado, isso no quer dizer que o representante deva fazer o que o representado determina. O que possibilita essa relao conflituosa a liberdade de opinio, que atenua a no vincu- lao do governante s opinies do governado, j que a liberdade de opinio surge, assim, como contrapartida ausncia do direito de instruo (idem, 12);

    c) Significa uma alternativa complexidade moderna, na qual no h mais espaos para modelos democrtico-participativos diretos, a exemplo da polis grega. Assim, a vontade popular se torna um componente reconhe-. eido do ambiente que cerca uma deciso (idem), tendo em vista que a seleo de representantes ocorre por meio de um procedimento eleitoral.

    Como avano histrico, o Estado representativo introduziu a ideia de que o indivduo precede o Estado. Ao contrrio do Estado estamental, em que a representao se faz por categorias ou corporaes, aqui indivduos singulares (inicialmente, esclarece Bobbio, s os proprietrios) detm direitos naturais e por lei que podem, inclusive, fazer valer contra o Estado. Esse reconhecimento dos direitos do homem e do cidado representou uma revoluo no relacionamento entre governantes e governados.

    Para Bobbio, a evoluo da democracia representativa caminhou lado a lado com o alargamento dos direitos polticos at a introduo do sufrgio universal. Mas tal complexidade trouxe como consequncia a necessidade de se formarem partidos e associaes, o que, ao organizarem as eleies, levou perda da noo originria de representao a qual j no seria mais dos indivduos singulares, e sim das agremiaes que acabam recebendo uma delegao em branco dos eleitores.

    Mesmo cm esses problemas, o Estado representativo hoje ao menos a referncia, mesmo em constituies de pases com modelos marcadamente autoritrios. Procura-se manter, no texto do ordenamento jurdico da maior parte dos pases, ao menos a referncia ao Estado representativo.

    A partir de outros pressupostos, Bresser-Pereira acrescenta tipologia o Estado Social, marca de uma evoluo que, na sequncia das manifestaes socialistas do fim do sculo XIX e, mais recentemente, aps a crise de 1929 e suas graves implicaes na qualidade de vida das populaes europeia e americana,

  • tornou o cidado portador de direitos sociais e o aparelho estatal uma fonte de atendimento das necessidades e eles associadas.

    Mais precisamente, em decorrncia da mudana nas relaes sociais causadas, em especial, pela industrializao, buscou-se um novo tipo de Estado que reconhecesse as desigualdades sociais. A falta de condies salubres de trabalho, a ausncia de direitos trabalhistas e a explorao foram os problemas que o direito social procurou resolver. Exigiu-se, para tal, uma atuao positiva por parte do Estado no mbito das relaes privadas. Predomina, no Estado social, a preocupao de proteger o homem do prprio homem e, para tal, o Estado deve ser o ator redutor de diferenas sociais, praticando uma verdadeira justia distributiva.

    Na concepo de Bresser-Pereira, o Estado Social apresentaria trs verses: o Estado do Bem-Estar, o Estado Desenvolvimentista e o Estado Comunista. As propostas estruturam sistemas bastante distintos entre si, mas com uma preocupao comum: dotar o Estado de competncias para promover maior igualdade econmica entre cidados que, para a etapa mais recente do Estado Representativo, j contariam com igualdade de direitos civis e polticos. Isso envolve um fortalecimento das capacidades de formulao e implementao de polticas sociais e, ao mesmo tempo, uma nfase na promoo do desenvolvimento e no apoio indstria local. Alm disso, estabelece-se um dilogo firme e constante com sindicatos e associaes de trabalhadores.

    A crise do Estado no incio dos anos 1980 e a posterior derrocada da Unio Sovitica e das economias dos regimes do Leste Europeu trouxeram um profundo questionamento do Estado Social. Criticava-se sua dependncia de uma carga tributria elevada, a inibir a produtividade e a sade financeira das mesmas empresas locais que se pretendia impulsionar e sua desvinculao com uma lgica de trabalho como fator de crescimento humano. Acreditava-se que auxlios pecunirios dissociados de esforo pessoal levariam dependncia e acomodao do ser humano. Outros criticam a insuficincia do Estado Social em resolver os problemas a que se prope, criando atenuantes, como salrio- desemprego, em vez de combater o desemprego, ajudas em espcie ou dinheiro em vez de criar reais oportunidades.

    Mas Peter Lindert (2002, p. 2) demonstra que no h evidncias estatsticas de que os Estados com modelos slidos de bem-estar social financiados por uma carga tributria relativamente elevada tenham experimentado redues no crescimento do seu PIB e da produtividade. Isso se deve, segundo ele, entre outros fatores, constituio de uma competncia para desenhar desincentivos evaso do trabalho por parte da juventude, seleo de um mix de impostos mais favorvel ao crescimento e ao efeito positivo do gasto social sobre o cres-

  • HbSbVitR

    cimento. No apenas a educao aumenta o PIB per capita, mas outros gastos sociais tambm o fazem.

    Em seu modelo predominante hoje em dia, o Estado pode ser diferenciado, no entanto, pelas diferentes tarefas e p'pis que assume, o que, por sua vez, resulta tambm de uma evoluo histrica.

    H pouco consenso nessa matria. Mas, nos tempos em que a expresso Estado comeou a ser utilizada, com Maquiavel, o papel do Estado era percebido, sobretudo, como o de prover segurana populao para conduzir suas atividades frente a agresses externas ou crimes internos, cabendo s entidades religiosas registrar os nascimentos e bitos, acudir os necessitados e, para quem quisesse integrar seus quadros, a educao necessria para tanto. Outros recebiam educao de preceptores contratados. O controle de contratos privados surge inicialmente mais relacionado cobrana de impostos do que sua garantia. Alm disso, a funo judiciria j era exercida antes desse perodo. O soberano, mesmo antes de se pensar em separao de poderes, atuava muitas vezes como rbitro em desavenas entre seus sditos, no perdo de dvidas entre particulares ou para com o Tesouro Real, e estabelecia sentenas frente a crimes.

    Progressivamente as instituies religiosas e, em alguns casos, as prprias comunidades (como no caso americano) foram se responsabilizando pela oferta de educao a um nmero maior de crianas e jovens, independentemente de vocaes religiosas.

    O antigo reino da Prssia foi o primeiro pas a introduzir, inspirado por Martinho Lutero, a educao pblica gratuita e compulsria, de oito anos de durao, para todas as crianas, ainda no sculo XVIII. A essas alturas, as primeiras escolas pblicas americanas j existiam e conviviam com escolas comunitrias e privadas. Na Frana, onde j existia um sem-nmero de escolas religiosas, o sistema pblico foi introduzido nos anos 1880, por Jules Ferry, junto com um processo vigoroso de laicizao do ensino (Werebe, 2004). No Brasil, o governo provisrio de Deodoro da Fonseca institui, em 1890, o ensino leigo e livre, em todos os nveis e gratuito no primrio (Decreto 501/1890). Na ocasio, apenas 12% das crianas em idade escolar tinham acesso educao. Vamos demorar mais 106 anos para universalizar o ensino fundamental.

    A sade surge como preocupao do poder pblico bem antes disso. Os romanos j apresentavam obras de saneamento, afastando os dejetos humanos de reas de concentrao de pessoas. Posteriormente, epidemias mereceram ateno de governos como foi o caso da peste negra que levou infrutfera queima de cadveres seguida pela mais eficiente queima de bairros inteiros. Da mesma forma, o Estado passou a estabelecer, especialmente a partir dos sculos XVIII e

  • XIX, condies para o estabelecimento de cemitrios, venda de alimentos e des- tinao do lixo num intrito ao que se chama hoje de Vigilncia Sanitria. Nesse sentido, fez construir tambm esgotos (como o famoso de Londres, cuja obra se fez na sequncia da epidemia de clera de 1854) e aterros sanitrios. Pouco a pouco, a partir do sculo XIX, o Estado comeou a vacinar para prevenir doenas, ao mesmo tempo que, em muitos pases se estabelecia um sistema de vigilncia epidemiolgica. Essas novas atribuies demandaram a constituio de uma rede de novos equipamentos pblicos, em adio a hospitais, inicialmente operados por ordens religiosas a partir de contribuies filantrpicas. Aqui no

    ,, Brasil tivemos as Santas Casas de Misericrdia, a primeira datando de 1540, de criao apoiada pelo imperador, mas efetivamente no pblicas. O mesmo mo-

    -l vimento seguiu o Qubec um sculo mais tarde, com a criao do Hotel-Dieu du Prcieux-Sang em 1639 e o Hotel-Dieu de Montreal em 1640. No sculo XX, o Estado passou a possuir hospitais, ambulatrios e centros de higiene poste- jriormente chamados de centros de sade. 1

    f Outra atividade assumida pelo Estado desde os seus primrdios, embora no com exclusividade, foi a de construo de estradas. No auge do Imprio Romano, uma vasta rede de estradas interligava rotas comerciais e permitia o deslocamento de tropas na Europa, norte da frica, Anatlia, ndia e China.O imprio chins fora responsvel pela construo do segmento que interligava a China Anatlia e ndia, conhecida como rota da seda. Essa poro tinha uma existncia de aproximadamente 1.400 anos quando das viagens de Marco Polo, (1270 a 1290 da era comum), certamente sua fase mais importante. As companhias comerciais com seus exrcitos privados, as guildas, senhores feudais, a Igreja (inclusive na coordenao das cruzadas) empresas e mesmo proprietrios individuais fizeram construir estradas para facilitar o comrcio, apoiar movimentao de tropas ou integrar partes distintas de uma mesma propriedade. Mas, essa funo foi percebida durante a maior parte do tempo como uma atribuio do poder pblico, mais modernamente concedida a empresas de construo civil, mediante contratos de concesso ou, mais recentemente, parcerias pblico-privadas (outra modalidade de concesso).

    As primeiras estradas brasileiras foram construdas no sculo XIX. Nos anos 1920 temos nossas primeiras rodovias. A primeira rodovia pavimentada foi inaugurada em 1928, a Rio-Petrpolis.

    Juntam-se s estradas a construo de outras obras de infraestrutura para o desenvolvimento, como portos, ferrovias (que curiosamente surgem no Brasil como empreendimento privado, de propriedade do Baro de Mau), sistema de ruamento urbano, usinas de gerao, distribuio e transmisso de energia eltrica e, mais recentemente, aeroportos e empresas de telecomunicaes.

    i p P ^ ^ K V lb K ... yapituio i: u tstaoo e a Agmimstraao HuDlica na sociedade contempornea 1 1 3 "

  • Mas as atividades do Estado na promoo do desenvolvimento no se restringem a obras de infraestrutura. Incluem a formulao de uma poltica econmica adequada atrao de investimentos e promoo do comrcio, um sistema de arbitragem de disputas comerciais estruturado e confivel, um regime de patentes que favorea a inovao e d segurana a quem nela desejar investir. Alm disso, pode conter uma poltica industrial que favorea e financie empreendimentos nacionais.'

    Cada vez mais o Estado tem sido chamado, nos pases em desenvolvimento, a assumir um importante papel no incentivo competitividade do que neles produzido. Esse papel, no entanto, deve ser equilibrado com duas outras funes do poder pblico: a redistributiva e a estabilizadora.

    Em situaes de pobreza e desigualdades sociais, polticas compensatrias podem completar os investimentos pblicos em sade e educao. Isso, por outro lado, gera um impacto, em termos de carga tributria, que encarece os produtos nacionais e rouba-lhes a competitividade e a possibilidade de criao de empregos o que agrava a situao social. Da mesma maneira, a poltica industrial pode, dependendo de seu desenho, levar a desequilbrios oramentrios que, por sua vez, acarretam inflao, endividamento ou nus a polticas sociais.

    Recentemente, o Estado vem se retirando da produo direta de bns e servios para o mercado. Isso se deve a uma combinao de fatores: o surgimento de um conjunto de empresas em condies de assumir a direo de empresas pblicas que anteriormente ofereciam esses bens, a crise fiscal que resultou no esgotamento da capacidade de investimento do setor pblico e uma viso ideolgica de defesa da reduo do tamanho do Estado (o que se convencionou chamar de neoliberalismo).

    Mas interessante observar que, se o Estado se retirou da atividade produtiva em diferentes setores, ele retornou com outras atribuies, geralmente associadas regulao de servios pblicos concedidos, em mercados que tendem formao de monoplios. No Brasil, em energia eltrica, rea em que muitas empresas de distribuio foram privatizadas, foi criada a ANEEL(Agncia Nacional de Energia Eltrica), com funcionrios de carreira e independncia para atuar no segmento. Da mesma forma, em telecomunicaes, a ANATEL (Agncia Nacional de Telecomunicaes) se prope a regular a atuao das empresas que receberam a concesso de servios de telecomunicaes.

    Primeiramente, tais agncias se situam na interface entre Estado e governo e no se submetem hierarquia funcional, oramentria e decisria da administrao pblica clssica. Em segundo lugar, o que refora essa liberdade de deciso das agncias o prprio arcabouo jurdico-normativo presente nas diversas legislaes de cada uma delas. Em linhas gerais, algumas caractersti

  • cas presentes nas agncias so centrais para o seu desenvolvimento institucional autnomo, tais como: a) mandatos dos diretores no coincidentes com os mandatos do chefe do poder executivo que os nomeou; b) garantias em relao demissibilidade ad nutum ; c) autonomia funcional e financeira que permita se organizar livremente; d) a impossibilidade de reforma de suas decises pela administrao pblica direta. Em terceiro lugar, as agncias reguladoras se distinguem tambm do ponto de vista do contedo da deciso. No contexto regulatrio, opera-se uma desconcentrao das competncias e atribuies, de modo que administrao pblica caiba proferir decises polticas, ao passo que s agncias caiba proferir as decises tcnicas.

    O conjunto das atividades pblicas desenvolvidas hoje nos pases com Estado estruturado contempla ainda a fiscalizao, a diplomacia, a defesa e o policiamento atividades que, junto com a regulao, so normalmente definidas como exclusivas de Estado. A segurana dos cidados frente a agresses externas ou a crimes internos, a representao da nao e de seus interesses no exterior, a arrecadao de impostos vitais para a implantao de polticas pblicas e a verificao da conduta de empresas e particulares frente a leis e polticas pblicas que protegem o ambiente, a sade da populao e dos rebanhos ou a correta aplicao dos recursos da seguridade social so algumas dessas atividades que o Estado precisa desempenhar para manter uma sociedade organizada e protegida em seus direitos (inclusive os chamados direitos republicanos) (Bresser- Pereira).

    1.3. O Estado brasileiro

    O Brasil tem um Estado republicano, democrtico e representativo. Trata-se de uma Repblica federativa e presidencialista composta de trs poderes independentes: Executivo, Legislativo e Judicirio. A federao formada pela unio dos 26 estados, municpios e do Distrito Federal, localizado em Braslia e sob gesto autnoma. So, assim, trs os nveis de governo: Unio, estados e municpios. A Repblica brasileira constitui-se em um Estado democrtico de direito e, assim, rege-se por uma Constituio e, considerando-se a configurao poltica de federao, tambm possui Constituies estaduais que devem respeitar os preceitos estabelecidos pela Constituio federal, alm das leis e dos decretos que as regulamentam.

    As eleies no Brasil ocorrem a cada quatro anos para os agentes polticos, tais como para presidente, governador, prefeito, deputados federais, senadores, deputados estaduais ou distritais (os do distrito federal) e vereadores. O alistamento eleitoral e o voto so obrigatrios para todos os brasileiros maiores de

  • ^ ^ m m ( ^ mJ ^ 'ls tn S o Pblica ELSEVIER

    18 anos e so facultativos para analfabetos, maiores de 70 anos e maiores de 16 e menores de 18 anos. Alm disso, vedado o alistamento eleitoral durante o perodo de servio militar dos conscritos.

    O Brasil prev expressamente, em sua Constituio, o pluripartidarismo. Nesse sentido, livre a criao de partidos, que podem autonomamente definir sua estrutura interna, organizao e funcionamento e estabelecer coligaes. Esses partidos, contudo, devem ter um carter nacional, prestar contas Justia Eleitoral e no podem receber recursos de entid&de ou governo estrangeiro. Todos os candidatos a cargos eletivos devem ter filiao partidria.

    1.3.1. Poder ExecutivoNo Brasil, as funes de chefe de Estado e de chefe de governo so perten

    centes ao ocupante do cargo de presidente da Repblica, que eleito pelo voto direto e com mandato de quatro anos com possibilidade de uma reeleio. O presidente tem como funes bsicas representar o pas internacionalmente e manter relaes e tratados com pases estrangeiros, ser o comandante supremo das foras armadas, propor polticas pblicas ao Congresso e implant-las, dirigir a Administrao Pblica Federal (inclusive a administrao tributria) e garantir o cumprimento das leis. Para isso, tem o poder, entre outros, de propor leis ao Congresso, entre elas o Oramento anual, editar, em casos de emergncia, medidas provisrias que tm de imediato o valor de leis, mas devem ser votadas em seguida pelo Legislativo, sancionar ou promulgar leis ou vetar projetos de lei. Conta tambm com a Polcia Federal e com a Agncia Brasileira de Inteligncia. Conta com os recursos dos tributos arrecadados pela Unio, alm de ser assessorado por Ministros de Estado que pode nomear livremente. No caso de

  • impedimento do presidente eleito, assumem o cargo, na sequncia, o vice-presidente, o presidente da Cmara dos Deputados, o do Senado e o do Supremo Tribunal Federal.

    Nos estados federados, o chefe do Executivo o governador, que tambm eleito por voto direto por quatro anos, com direito a uma reeleio. Nos termos da Constituio estadual, o governador tambm deve propor Assembleia Legislativa e implantar polticas pblicas estaduais, dirigir a Administrao Pblica estadual (inclusive a arrecadao de tributos estaduais) e garantir o cumprimento das leis em seu estado. Para isso tambm conta com instrumentos, desde que referendados por suas constituies estaduais. Contam, em primeiro lugar, com os recursos de tributos estaduais arrecadados pelo estado e com a partilha dos impostos arrecadados em outros nveis. Alguns estados contam com medidas provisrias, como o Governo Federal, e todos podem e tm iniciativas de leis (como a Lei Oramentria Anual), sendo possvel sancion-las ou promulg-las ou vetar projetos de lei. O governador preside a polcia civil, a polcia militar e o corpo de bombeiros; estes dois ltimos so, no entanto, foras auxiliares e reserva do exrcito nacional. Pode propor ao direta de inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal, alm de ser assessorado por secretrios estaduais que pode nomear livremente.

    Nos municpios, o chefe do Executivo o prefeito, que tambm eleito por voto direto e com mandato de quatro anos com possibilidade de uma reeleio. O prefeito tem como funes bsicas propor polticas pblicas municipais Cmara de Vereadores, nos termos da Lei orgnica do municpio (lei que Organiza e orienta as aes realizadas no municpio de acordo com os preceitos da Constituio Federal e estadual do estado em que se localiza) e implant-las, dirigir a Administrao Pblica municipal (inclusive a arrecadao de tributos m unicipais) e garantir, no limite das suas atribuies, o cumprimento das leis em seu municpio. Pode e deve propor leis Cmara Municipal (inclusive a Lei do Oramento Anual), sancionar ou promulgar leis municipais ou vetar projetos de lei. Algumas prefeituras contam com guardas municipais. O prefeito assessorado por secretrios ou diretores municipais, por ele livremente escolhidos.

    1.3.2. Poder LegislativoO Legislativo elabora as leis do pas, estado ou municpio. exercido pelo

    Congresso no mbito federal. O Congresso Nacional bicameral, ou seja, integrado por duas Cmaras: a Cmara dos Deputados, com 513 integrantes com mandatos de quatro anos, e o Senado, com 81 senadores eleitos para mandatos de oito anos, sendo que, a cada eleio, renovado um tero do Senado e, na eleio subsequente, dois teros das cadeiras ocupadas pelos senadores. A C

    P ^ L S E V E K Captulo 1: O Estado e a Administrao Pblica na sodedadecontem pornea j T

  • 18 I Administrao Pblica ELSEVIER

    mara dos Deputados composta por representantes do povo, que so eleitos pelo sistema proporcional, em cada estado, territrio e no Distrito Federal. O nmero de deputados depende do nmero de eleitores de cada estado, sendo que nenhuma unidade da Federao ter menos de oito ou mais de 70 deputados. O Senado Federal composto por representantes dos estados e do Distrito Federal, que so eleitos pelo sistema majoritrio, em que cada estado representado por trs senadores. Compe tambm o Congresso o Tribunal de Contas da Unio, rgo que presta auxlio ao Congresso Nacional nas atividades de controle e fiscalizao externa.

    . Cmara de Deputados (513) ,.: Senado: Federal (81) * *

    Representantes Do povo Dos estados e do DF

    Representao Proporcional (limites de 8 e 70) Paritrio (3 por Estado)

    Sistema eleitoral Proporcional Majoritrio

    Durao do mandato 4 anos 8 anos (1/3 e 2/3)

    Nos estados, o Legislativo exercido pelas Assembleias Legislativas e, no Distrito Federal, a partir de um sistema hbrido que incorpora as competncias legislativas de estado e municpio pela Cmara Distrital. O nmero de integrantes das Assembleias Legislativas est relacionado ao nmero de deputados federais, e a remunerao dos deputados estaduais no pode exceder a 75% do que ganham os federais.

    Nos municpios, o Legislativo exercido pela Cmara Municipal, e tanto o nmero de vereadores quanto sua remunerao sero um percentual do que ganham os deputados estaduais, crescente de acordo com sua populao.

    1.3.3. Poder JudicirioO Poder Judicirio que a instituio estatal responsvel pela atividade j

    jurisdicional de resoluo de conflitos somente pode agir para a concreti- ] zao de direitos mediante provocao de quem se sentir lesado pela ao ou omisso de outrem. O ordenamento jurdico brasileiro possui princpios que < reforam essa perspectiva e traduzem garantias para a inrcia judicial, a exem -, pio do princpio do juiz natural e o princpio da inrcia da jurisdio ou do impulso oficial. ,}

    O princpio do ju iz natural expressamente previsto no art. 5a, XXXVII, e LIII da CRFB tem como contedo no apenas a prvia definio do rgo investido de poder jurisdicional de deciso sobre a causa (vedao aos tribunais de exceo, por exemplo), mas tambm a prpria garantia de justia material, isto , a independncia e a imparcialidade dos juizes (impossibilidade de esco

  • ELSEVIER Captulo 1 : O Estado e a Administrao Pblica na sociedade contempornea l 19

    lher o juiz ao qual ser distribuda a ao, por exemplo). Os referidos dispositivos jurdicos versam o seguinte:

    Art. 5a: Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVIII - no haver juzo ou tribunal de exceo (...); LIII - ningum ser processado nem sentenciado seno pela autoridade competente. (Brasil, 1988)

    O princpio da inrcia da jurisdio expressamente previsto no art. 2a do Cdigo de Processo Civil determina que o incio do processo, em regra, seja somente por iniciativa das partes. Assim, faz-se necessria a petio inicial, que o documento pelo qual o autor invoca a prestao jurisdicional e, a partir disso, o processo regido por meio do impulso oficial provocado pelas partes no rgo jurisdicional. O referido dispositivo jurdico versa o seguinte:

    Art. 2a Nenhum juiz prestar a tutela jurisdicional seno quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais. (Brasil, 1973)

    Desse modo, o Judicirio exerce a funo jurisdicional, isto , possui a capacidade de julgar, de acordo com a Constituio e as leis do pas, quando provocado por uma parte que ajuza uma ao para resolver um conflito com outra parte. O acesso justia um direito fundamental do cidado.

    So rgos do Poder Judicirio o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justia, o Superior Tribunal de Justia, os Tribunais Federais e juizes federais, os Tribunais Eleitorais e juizes eleitorais, os Tribunais do Trabalho e juizes do trabalho, os Tribunais Militares e juizes militares, os Tribunais Estaduais e juizes estaduais e do distrito federal e territrios. Observe que, no Brasil, os juizes so considerados rgos.

  • 20 I Administrao Pblica ELSEVIER

    Seu rgo mximo o Supremo Tribunal Federal (STF), formado por 11 juizes de notvel saber jurdico e reputao ilibada, escolhidos pelo presidente da Repblica com aprovao do Senado. Seu papel de guardio da Constituio e cabe-lhe, entre outros, julgar aes diretas de inconstitucionalidade, aes contra o Presidente, seus ministros, membros do Congresso Nacional e o Procurador-Geral, litgios da Unio, estados e Distrito Federal com Estados estrangeiros e organismos internacionais, conflitos entre estados e a Unio ou entre estados, conflitos de competncia entre tribunais superiores, julgar em recurso como ltima instncia decises que se acreditam ter contrariado a Constituio.

    O Conselho Nacional de Justia compe-se de 15 membros, com mandato de dois anos, admitida uma reconduo, entre eles um Ministro do Supremo Tribunal Federal, que o preside, um Ministro do Superior Tribunal de Justia, um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, juizes, membros do Ministrio Pblico, advogados e dois cidados, de notvel saber jurdico e de reputao ilibada, indicados um pela Cmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. Os membros do Conselho sero nomeados pelo Presidente da Repblica, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

    Compete ao Conselho o controle da atuao administrativa e financeira do Poder Judicirio e do cumprimento dos deveres funcionais dos juizes, cabendo- lhe zelar pela autonomia do Poder Judicirio e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, apreciar a legalidade dps atos administrativos praticados por membros ou rgos do Poder Judicirio, podendo desconstitu-los, receber reclamaes contra membros ou rgos do Poder Judicirio, podendo aplicar ; sanes administrativas, se for o caso.

    O Superior Tribunal de Justia (STJ) compe-se de, no mnimo, 33 Ministros, nomeados pelo Presidente da Repblica, dentre brasileiros de notvel saber jurdico e reputao ilibada, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federl. Compete ao STJ, entre outros, processar e julgar, originariamente: nos crimes comuns, os governadores dos estados e do Distrito Federal, os mandados de segurana e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes d Marinha, do Exrcito e da Aeronutica ou do prprio Tribunal; as revises cr minais e as aes rescisrias de seus julgados; os mandados de segurana de didos em nica instncia pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribun. dos Estados, do Distrito Federal e Territrios, quando denegatria a deciso; causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, c um lado, e do outro, Municpio ou pessoa residente ou domiciliada no pas; p gar, em recurso especial, as causas decididas, em nica ou ltima instncia, pp . Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos estados, do Distrito Fed e territrios, quando a deciso de que se recorre contrariar tratado ou leitfe ,

  • ral, julgar vlido ato de governo local contestado em face de lei federal ou der a lei federal interpretao divergente da que lhe haja atribudo outro tribunal.

    So rgos da Justia Federal: os Tribunais Regionais Federais e os Juizes Federais. Os Tribunais Regionais Federais compem-se de, no mnimo, sete juizes, recrutados, quando possvel, na respectiva regio e nomeados pelo Presidente da Repblica. Compete aos Tribunais Federais, entre outros, processar e julgar, originariamente: os juizes federais da rea de sua jurisdio, as revises criminais e as aes rescisrias de julgados seus ou dos juizes federais da regio; os mandados de segurana e os habeas-data contra ato do prprio Tribunal ou de juiz federal; os conflitos de competncia entre juizes federais vinculados ao Tribunal. Julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juizes federais e pelos juizes estaduais no exerccio da competncia federal da rea de sua jurisdio.

    H tambm, no Poder Judicirio Federal, estruturas especializadas, como a Justia Eleitoral, a Justia Militar e a Justia do Trabalho.

    So rgos da Justia Eleitoral: o Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais, os Juizes Eleitorais e as Juntas Eleitorais. Trata-se de uma justia sui generis tendo em vista sua total composio por membros integrantes de outros rgos judicirios. No h ingresso diretamente na carreira da magistratura eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral o rgo mximo da estrutura

    , da Justia Eleitoral. o pice da estrutura. composto por sete membros: trs juizes dentre os ministros do Supremo. Tribunal Federal, eleitos por voto se-

    ' ereto; dois juizes dentre os ministros do Superior Tribunal de Justia, eleitos

  • 22 I Administrao Pblica ELSEVIER

    So rgos da. Justia do Trabalho: o Tribunal Superior do Trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho e os Juzesdo Trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho compe-se de 27 ministros, escolhidos dentre brasileiros nomeados pelo Presidente da Repblica aps aprovao pela maioria absoluta do Senado Federal. Compete Justia do Trabalho, entre outras atividades: processar e julgar as aes oriundas da relao de trabalho, mesmo as da Administrao Pblica, as aes que envolvam exerccio do direito de greve; as aes sobre representao sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores e entre sindicatos e empregadores.

    Nos estados, no distrito federal e nos territrios o Poder Judicirio exercido pelo Tribunal de Justia, com atribuies definidas em Constituio estadual. A Justia Estadual o ramo da Justia comum competente para apreciar as matrias que no estejam afetas constitucionalmente Justia especializada ou Justia Federal, tambm pertencente Justia comum. Trata-se, portanto, de uma competncia residual. A Constituio Federal prev como rgos do Poder Judicirio Estadual os tribunais e juizes dos estados e do Distrito Federal e territrios. So, portanto, dois graus de jurisdio. O segundo grau de jurisdio integrado pelos Tribunais de Justia, com sede na capital do Estado e jurisdio em todo o territrio estadual. So rgos colegiados compostos por membros chamados desembargadores. Poder tambm ser criada, por lei, a Justia militar estadual, envolvendo os policiais militares e os bombeiros. Pela Constituio de 1988, os municpios no possuem poder Judicirio. .

    1.3.4. O Ministrio PblicoEm linhas gerais, o Ministrio Pblico (MP) uma instituio dinmica de

    garantia e efetivao de direitos, haja vista no precisar ser provocado para atuar em prol de sua concretizao. Principalmente em relao aos direitos presta- cionais, isto , direitos que exigem a atuao do Estado para concretiz-los por meio de polticas pblicas, a possibilidade de agir independentemente de provocao possibilitou ao MP ocupar um espao singular no plano da efetivao de direitos.

    No Brasil, o MP adquiriu um perfil distinto no s em relao ao regime constitucional anterior, mas tambm em relao a qualquer configurao constitucional j existente. A Constituio de 1988 se dedica especificamente ao MP entre os artigos 127 e 130, estabelecendo uma srie de diretrizes e normas gerais de funcionamento e atuao dessa instituio no mbito dos direitos sociais e coletivos.

    Seguramente, se trata de uma das legislaes institucionais mais inovadoras Ho mundo. Doraue situou o Parquet fora da subordinao ou direo de quais-

  • ELSEVIER Captulo 1: O Estado e a Administrao Pblica na sociedade contempornea I 23

    quer dos Poderes, mantendo, porm, um a similitude com o Poder Judicirio, pois estabeleceu princpios e garantias comuns quelas aplicveis ao referido Poder e aos seus juizes. Considerado funo essencial justia, responsvel pela defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis. A configurao institucional do MP a seguinte:

    'M in is t rio R b lico tja lite io ; r -ML s*" ' *

    j, * u .".Ministerial fc*

    , *! l?ublico'4* ,' Federal

    . . - : * MMinistrio. * ,

    Jff; Publico do, Trabalho .~i

    'riMinistrio, w .

    ?>ii'rf^Ptilic.v/T. A?* jvi-V/Eletoral,,.- . -

    =*: ; Minjstrio Rblic' Militar

    I - Ministrio Pblico da Unio, que compreende:a) Ministrio Pblico Fedral;b) Ministrio Pblico do Trabalho;c) Ministrio Pblico Militar;d) Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios;

    II - Ministrios Pblicos dos Estados.

    No Ministrio Pblico da Unio, a chefia ocupada pelo Procurador-Geral da Repblica, que escolhido pelo Presidente da Repblica dentre os integrantes da carreira de Procurador da Repblica, aps a aprovao de seu nome pela maioria absoluta do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a reconduo.

    Nos estados e no Distrito Federal, o Ministrio Pblico elabora lista trplice dentre integrantes da carreira para escolha do Procurador-Geral de Justia, que ser escolhido pelo governador, para mandato de dois anos, permitida uma reconduo.

    As funes do Ministrio Pblico so, entre outras: zelar pelo respeito dos Poderes Pblicos e dos servios de relevncia pblica aos direitos assegurados nesta Constituio; promover o inqurito civil e a ao civil pblica, para a proteo do patrimnio pblico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; promover a ao de inconstitucionalidade ou representao para fins de interveno da Unio e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituio; defender judicialmente os direitos e interesses das populaes in

  • 24 I Administrao Pblica BLSEVIHR

    dgenas; exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior.

    .4. Questes para aprofundamento j,

    1. Quais as principais transformaes polticas, sociais e econmicas pelas j quais tem passado o Estado contemporneo?

    2. Diferencie os conceitos de Estado e Administrao Pblica e estabelea uma relao entre eles.

    3. O Estado no Brasil j foi unitrio e hoje federativo. Em que perodo histrico foi adotado cada modelo e por qu?

    4. A Administrao Pblica pode adotar posies distintas das decididas pelo governo? Em caso afirmativo, em que contexto?

    5. Estabelea alguns desafios polticos da operacionalizao das decises de Estado pela Administrao Pblica. Considere a questo do patrimonia- lismo.

    6. O Brasil j teve uma experincia parlamentarista. Pesquise um pouco o perodo, descreva-o brevemente e discuta as vantagens e desvantagens do parlamentarismo no caso brasileiro.

    7. Em que casos h a possibilidade de conflitos entre as funes econmicas do Estado? '

    8. Apresente exemplos de externalidades positivas e negativas que, a seu ver, justificariam uma atuao do poder pblico.

    9. Quais as vantagens, a seu ver, da separao de poderes? No parlamentarismo, como se d essa separao?

    10. O poder executivo pde, em vrias ocasies, fazer aprovar boa parte de suas propostas pelo legislativo. Isso configura um desequilbrio entre poderes?

    11. Em alguns pases, os juizes do Supremo Tribunal so nomeados pelo presidente (caso brasileiro). Em outros, podem ser por ele destitudos (caso, por exemplo, do Paquisto). Como fica a independncia dos poderes nesses casos?

    12. Estabelea uma diferena entre as ideias de Estado liberal e Estado social.

    13. Reflita sobre duas polticas pblicas tpicas do Estado social, de modo a estabelecer suas caractersticas e estratgias de ao.

    14. Pesquise no Boletim Estatstico de Pessoal do Ministrio do Planejamento, no Boletim do Tesouro Nacional ou em outras fontes e informe o tamanho do Estado no Brasil em termos de carga tributria, nmero de

  • ELSEVIER Captulo 1 : O Estado e a Administrao Pblica na sociedade contempornea I 25

    funcionrios pblicos em relao populao, despesa pblica em relao ao PIB. Parece grande? Por qu? Voc acredita que vem crescendo?

    15. Quais as principais caractersticas polticas do Estado brasileiro?16. Quais as principais diferenas entre Ministrio Pblico e Poder Judici

    rio? Pense em algumas situaes cotidianas.17. As mudanas no papel do Estado, nos 50 ltimos anos, so expressivas.

    Que novas atribuies parecem fazer mais sentido? Em que funes o Estado se sairia melhor se fizesse uma parceria com o setor privado?

    1.5. Bibliografia ComplementarALEXANDRINO, Marcelo & BARRETO, Vicente Paulo. Direito Constitucional descomplicado. Niteri:

    Impetus, 2007.ARANTES, Rogrio Bastos. Direito e poltica o Ministrio Pblico e a defesa dos direitos coletivos.

    Revista Brasileira de Cincias Sociais, vol. 14, n 39,1999. Disponvel em: http://www.scielo.br/scie- lo.php?pid=S0102-690919990001000058cscript=sci_arttext. Acesso em: 04/11/2008.

    ASENSI, Felipe Dutra. Reforma do Judicirio e tratados internacionais: a Emenda Constitucional n45 e o novo 3a do art. 5a. mbito Jurdico, Porto Alegre, v. 34,2006.

    BARBOSA, Rui. A questo social e poltica no Brasil. In: SOUSA, O. T. de. O pensamento vivo de Rui Barbosa. So Paulo: Martins, 1965.

    BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e efetividade de suas normas limites e possibilidade da Constituio Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

    BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. Rio de Janeiro: Forense, 1980.CALABRESI, Guido 8c BOBBIT, Phillip. Tragic choices. Nova York e Londres: W.W. Norton & Company,

    1978.CAMPOS, Francisco. O Estado Nacional. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1940.DARAJO, Maria Celina. Reforma poltica e democracia. In: OLIVEIRA, Ftima. Poltica de gesto

    pblica integrada. Rio de Janeiro: FGV, 2000.FOUCAULT, Michel. A govemamentalidade. In: MACHADO, R. (Org.). Microfsica do poder. So Pau

    lo: Graal, 2004.HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. So Paulo: Companhia das Letras, 1997.LAVALLE, A. G.; HOUTZAGER, P. P.; CASTELLO, G. Representao poltica e organizaes civis: no

    vas instncias de mediao e os desafios da legitimidade. Revista Brasileira de Cincias Sociais, vol.21, na 60,2006.

    MACPHERSON, C. B. A democracia liberal: origens e evoluo. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de Cincias Sociais,

    n 29,1995.PIKIN, Hannah. Representao: palavras, instituies e ideias. Revista Lua Nova, vol. 57,2006. SARMENTO, Daniel. A ponderao de interesses na Constituio Federal. Rio de Janeiro: Lumen

    Juris, 2002.SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Malheiros, 1993.SOUZA NETO, Cludio Pereira de 8c SARMENTO, Daniel (Orgs.). Direitos sociais fundamentos,

    judicializao e direitos sociais em espcie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.TILLY, Charles (1996). Coero, Capital e Estados Europeus. So Paulo: Edusp -o* ~'"SN*TORRES, Alberto. A organizao nacional. Braslia: UnB, 1982. '

  • r_-i o>r-V ic.iv

    URUGUAI, Visconde do. Ensaio sobre o Direito Administrativo. In: CARVALHO, J. M. de (org.).Visconde do Uruguai. So Paulo: Editora 34,2002.

    WEBER, Max. Economia e sociedade. Braslia: Unb, 1991.

  • Captulo

    5

    A Administrao Pblica

    Um a d e f i n i o o p e r a c i o n a l d e Administrao Pblica decorre do que vimos anteriormente sobre o Estado. Inclui o conjunto de rgos, funcionrios e procedimentos utilizados pelos trs poderes que integram o Estado, para realizar suas funes econmicas e os papis que a sociedade lhe atribuiu no momento histrico em considerao. Assim, temos dois qualificativos para associar a esta afirmao: a Administrao Pblica no existe s no Executivo e ela muda constantemente, pois as expectativas da sociedade em relao a ela e as disputas que se fazem na esfera poltica para fazer valer propostas diferentes de atuao estatal tambm so cambiantes.

    Assim, a Administrao Pblica no se confunde com a funo administrativa, uma vez que esta mais ampla e se refere ao Estado como um todo. O juiz que dirige um determinado frum emite uma srie de atos administrativos em relao lotao de servidores, por exemplo, ao passo que o presidente do Congresso Nacional tambm adota uma srie de medidas administrativas no que concerne ao trnsito de indivduos no interior da casa parlamentar.

    Para um Estado do qual se espera que apenas proteja contratos e garanta a proteo dos habitantes contra ameaas externas ou crimes internos, a Administrao Pblica ser extremamente enxuta e provavelmente formada por rgos e funcionrios ligados polcia, s Foras Armadas, ao Judicirio e ao fisco. J se pensamos em contratao de obras pblicas como hidreltricas, estradas, ferrovias, portos, ou, ainda, se associarmos ao rol de atividades pblicas a educao das crianas e jovens, o apoio cincia e tecnologia, a sade da populao, a Administrao Pblica passa a se tornar bem mais complexa, mesmo que para a realizao

  • 28 I Administrao Pblica

    dessas tarefas possa assumir diferentes desenhos dependendo do interesse da sociedade ou de quem tem uma voz mais forte na definio das instituies.

    De acordo com a definio de Hely Lopes Meirelles, a Administrao o instrumental de que dispe o Estado para pr em prtica as opes polticas de governo. (Meirelles, 1993, p. 56-61). Numa democracia, essas escolhas resultam de embates que se travam no Legislativo entre os representantes da populao e mesmo dentro do Executivo, entre diferentes membros do governo, certamente com influncia de servidores pblicos. Tais escolhas, como vimos, podem influenciar a prpria configurao da Administrao Pblica.v Num Estado Federativo, como o nosso, a Administrao Pblica pode ser federal, estadual ou municipal. Mas os princpios que a regem, sua estruturao, os cargos e seus titulares so os mesmos nos trs nveis de governo.

    Assim, estabelece a Constituio que a Administrao Pblica de qualquer dos Poderes da Unio, dos estados, do Distrito Federal e dos municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia (esse ltimo princpio acrescentado pela Emenda Constitucional n2 19 de 1988). Paulo Modesto jurista que participou diretamente da redao da proposta de Emenda Constitucional que consagrou este princpio assim justifica sua incluso entre os princpios que deveriam reger a Administrao Pblica,

    na administrao prestadora, constitutiva, no bajta ao administrador atuar de forma legal e neutra, fundamental que atue com eficincia, com rendimento, maximizando recursos e produzindo resultados satisfatrios. (Modesto, 2000, p. 113)

    E prossegue explicitando o contedo do princpio. A obrigao de atuao eficiente, portanto, em termos simplificados, impe diz o autor, a) ao idnea (eficaz); b) ao econmica (otimizada); c) ao satisfatria (dotada de qualidade).

    A Constituio prossegue estabelecendo um conjunto de regras como a exigncia de concurso pblico para acesso a cargos e empregos pblicos, a limitao do acesso da grande maioria dos cargos a brasileiros (as excees so para professores em Universidades ou cientistas em Institutos de pesquisa), a obrigatoriedade de lei para criar empresa estatal, autarquia ou fundao.

    interessante observar que a Constituio passou a considerar o princpio da eficincia como norteador da Administrao Pblica apenas aps a Reforma da Gesto Pblica de 1995, por meio da Emenda Constitucional n2 19 de 1988. De certa maneira, como se bastasse que a Administrao Pblica fosse impessoal, moral, governada pela lei e desse publicidade a seus atos no precisaria ser eficiente no atendimento s necessidades da populao. Falaremos da Refor-

  • ELSEVIERCaptulo 2: A Administrao Pblica I 29

    ma um pouco mais adiante, mas vale a pena ressaltar esse aparente esquecimento das Constituies anteriores.

    2.1. Administrao Pblica Direta e Indireta

    A Administrao Pblica pode ser direta ou indireta, segundo a Constituio. A administrao direta inclui os servios desempenhados pela e stru tu ra administrativa da Presidncia da Repblica e dos ministrios (no caso da administrao federal). A administrao indireta, tambm chamada descentralizada, inclui as autarquias, empresas pblicas, sociedades de economia mista e fundaes pblicas que desempenham atividades que lhes foram atribudas (ou descentralizadas).

    De acordo com o Decreto-lei 200 de 1967, as entidades da AdministraoDireta possuem personalidade jurdica prpria, patrimnio prprio e devemser vinculadas administrao direta. Observe-se que a ideia de vinculao eno subordinao, o que refletiria hierarquia, s aplicvel dentro da adm inis- trao direta.

    'Vm1nstra\ |

    Lei'8112/90 (lei federal) Regime Estatutrio ou

    Regime do Cargo Pblico

    5T>> % ' * i ":*" Celetista ou *

    Regime do-Emrjo"Pblico J ;3f$t.37, ll, Cjf/88%!ge-- >* aprovao-prvia,em'. . ' concurso pblieV *

  • Autarquias so, nos termos do referido Decreto-lei, servios autnomos, criados por lei, com personalidade jurdica, patrimnio e receita prprios, para executar atividades tpicas da Administrao Pblica, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gesto administrativa e financeira descentralizadas.

    Fundaes so entidades dotadas de personalidade jurdica de direito pblico, sem fins lucrativos, criadas em virtude de autorizao legislativa, com autonomia administrativa, patrimnio prprio gerido pelos respectivos rgos de direo e funcionamento custeado por recursos da Unio e de outras fontes.

    Observe-se que a Constituio de 1988 transformou as fundaes, at ento de direito privado, em entidades de direito pblico, tornando assim superado o estabelecido at ento. Repassava-se a uma fundao o desenvolvimento de atividades que no exijam execuo por rgos ou entidades de direito pblico (DL 200, art. 52 IV). O objetivo era controlar um pouco o que alguns consideravam um ralo por onde se esvaam recursos pblicos e, por outros, uma porta aberta para o clientelismo e o fisiologismo, j que sua administrao comportava maior flexibilidade e permitia, por exemplo, admisso de funcionrios sem concurso pblico e a no submisso a regras e controles tpicos de rgos pblicos.

    Empresas Pblicas so entidades dotadas de personalidade jurdica de direito privado, com patrimnio prprio e capital exclusivo da Unio, criados por lei para a explorao de atividades econmicas que o governo seja levado a exercer. Aqui, h dois elementos importantes: o direito priva