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    Universidade de So PauloInstituto de PsicologiaCurso de Ps-Graduao em Psicologia

    A FELICIDADE REVISITADA: UM ESTUDOSOBRE BEM-ESTAR-SUBJETIVO NA VISO

    DA PSICOLOGIA POSITIVA

    Lilian D. GrazianoSo Paulo2005

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    Universidade de So PauloInstituto de PsicologiaCurso de Ps-Graduao em Psicologia

    A FELICIDADE REVISITADA: UM ESTUDOSOBRE BEM-ESTAR-SUBJETIVO NA VISODA PSICOLOGIA POSITIVA

    Tese apresentada ao Instituto dePsicologia da Universidade de SoPaulo, como parte dos requisitos paraa obteno do grau de Doutora emPsicologia, rea de concentraoPsicologia Escolar e doDesenvolvimento Humano.

    Candidata: Lilian D. GrazianoOrientadora: Prof. Dr. Maria Isabel da Silva LemeComisso Julgadora:

    Prof. Dr. Maria Isabel da Silva Leme _____________________

    Prof. Dr. Antonio da Costa Ciampa _____________________

    Prof. Dr. Dirceu da Silva _____________________

    Prof. Dr. Ives de La Taille _____________________

    Prof. Dr. Ricardo Franklin Ferreira _____________________

    So Paulo

    2005

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    FICHA CATALOGRFICA

    Graziano, L.

    A Felicidade Revisitada: Um estudo sobre o bem-estar-subjetivo na viso da

    Psicologia Positiva / Lilian Graziano. So Paulo. s.n., 2005.

    Tese (doutorado) Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo.Departamento de Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento Humano.

    Orientadora: Prof. Dr. Maria Isabel da Silva Leme

    1. Felicidade 2. Psicologia Positiva 3.Bem-estar-subjetivo4. Locus de Controle 5.Flow I. Ttulo

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    Dedico este trabalho a todas as pessoas (psiclogos ou no)

    que acreditam na felicidade e, mais do que isso,

    sabem que ser feliz d trabalho.

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    AGRADECIMENTOS___________________________________________________

    Quis a vida que aos 15 anos de idade eu visse o caminho que at ento

    trilhara, abrir-se, abruptamente, numa encruzilhada onde apenas uma das vias seria

    capaz de conduzir-me felicidade. Uma felicidade que, naquele momento, colocava-

    se distante de mim como jamais estivera e cuja existncia eu provara com uma

    brevidade cruel.

    Por uma razo que at hoje desconheo, decidi-me pela trilha que me levariaquele destino que meus olhos adolescentes viam como impossvel. E ento, 25 anos

    se passaram para que eu chegasse at ele, at uma vida que, de fato, considero feliz.

    Durante essa longa jornada h tantas pessoas a agradecer, talvez mais ainda

    do que eu possa supor. Contudo, num autntico exerccio de Psicologia Positiva, volto

    minha gratido queles que, certamente, fizeram parte dessa trajetria e que

    fortemente contribuem para minha felicidade:

    Ao Fbio sou-lhe grata por sua existncia, por estar sempre comigo, ter me

    ajudado a descobrir que esta sempre fora minha linha de pesquisa e, principalmente,

    por ter me feito voltar a acreditar no amor e, mais do que isso, num amor resistente ao

    tempo e capaz de se transformar conosco.

    Aos filhos maravilhosos, fonte de extrema felicidade, que permitiram que eu me

    realizasse como me sem que, para isso, fosse preciso sacrificar a mulher: querida

    Juliana que, ao me ver como sua melhor amiga, sempre acreditou ser apenas eu

    aquela que ensina, sem se dar conta de sua prpria importncia para que eu

    conseguisse resgatar meu lado feminino.

    E ao meu filho Lucas, amigo de longa data que, ao optar (como eu) por no ser uma

    pessoa normal, tem se mostrado um homem verdadeiro e muito melhor do que

    qualquer outro que j conheci.

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    Maria Lcia Cames da Costa, amiga e terapeuta que, ao legitimar a pessoa

    que eu era, ensinou-me a ter orgulho da pessoa que sou.

    Agradeo tambm por ter uma famlia cujas qualidades aprendi a admirar e cuja

    companhia adoro desfrutar em momentos autenticamente italianos onde todos se

    encontram reunidos: minha me, a Val, a gatinha, a Adriana, o Ricardo e todos os

    Grazianos que me fazem sentir mais prxima da minha querida av Maria Amlia.

    E aos amigos que tornaram minha famlia ainda maior: Gildo, Cristina (Maria),

    Simone, Clark, Frank, Fabola, Tat, Waltinho e, claro, a mais nova (e fofinha)

    integrante da turma: minha querida afilhada Bruninha, cujas bochechas rosadas so

    cones da mais pura vida feliz.

    Devo muito de minha felicidade ao fato de ter seguido a profisso que tanto

    amo e que, de uma forma ou de outra, permitiu-me tambm conhecer pessoas

    maravilhosas como a Cludia, o Maurcio, a Landa, o Carlinhos e tantas outras cujos

    nomes, embora no cite, permanecero pra sempre em meu corao. Dentre eles,

    destaco ainda o de James Wygand, amigo e scio a quem admiro profundamente pela

    competncia, integridade e sensibilidade e tambm pela infinita pacincia que

    demonstrou diante das ausncias que me permitiram concluir esta tese.

    Ao Prof. Dr. Adail Victorino Castilho agradeo por ter me acolhido nesta

    Instituio e Profa. Dra. Maria Isabel da Silva Leme sou grata no apenas por ela ter

    me adotado como sua orientanda, mas, sobretudo, por ter me auxiliado a encontrar

    meu verdadeiro caminho.

    Ao Prof. Dr. Ricardo Franklin Ferreira e Prof. Dr. Antonio da Costa Ciampa,

    agradeo pelas valiosas contribuies feitas por ocasio da qualificao.

    Fundao lvares Penteado (FECAP) agradeo o indispensvel apoio

    recebido atravs da pessoa do seu magnfico reitor, Prof. Manuel Nunes Pinto e sem o

    qual esta pesquisa se tornaria impossvel.

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    Agradeo tambm aos meus alunos queridos, pelos quais mantenho aceso

    meu desejo de transformar o mundo.

    E, finalmente, devo ainda agradecer ao meu eternamente querido Jnior pelo

    incio de tudo...

    ... e a mim mesma, por ter escolhido o caminho impossvel...

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    SUMRIO

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    ndice de Tabelas ...................................... 10

    ndice de Anexos ....................................... 12

    Resumo ................................................. 13

    Abstract ............................................... 14

    Consideraes Iniciais ................................. 15

    I- Introduo ....................................... 20

    1.1. A Psicologia Positiva ............................ 201.2. A Felicidade Humana .............................. 35

    1.2.1. Prazer e Gratificao na Psicologia Positiva. 46

    1.2.2. O Conceito de Flow .......................... 59

    1.3. Virtude, Carter e Foras Pessoais ............... 68

    1.4. Locus de Controle ................................ 75

    II- Objetivos e Hipteses ............................ 82

    2.1. Objetivos ........................................ 82

    2.2. Hipteses ........................................ 83

    III- Mtodo ........................................... 84

    3.1. Sujeitos ......................................... 84

    3.2. Instrumentos ..................................... 87

    3.2.1. Critrio de Classificao Econmica Brasil ... 87

    3.2.2 Escala de Locus de Controle de Levenson ....... 89

    3.2.3. Escala Geral de Felicidade de Lyubomirsky e

    Lepper ....................................... 90

    3.2.4. Questionrio de Identificao de Flow ........ 90

    3.3. Procedimento...................................... 91

    3.4. Consideraes ticas ............................. 92

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    IV- Resultados ........................................ 93

    4.1. Dados Qualitativos ............................. 93

    4.2. Dados Quantitativos ............................ 94

    V- Discusso e Concluses ............................. 106

    VI Referncias Bibliogrficas ....................... 111

    VII- Anexos ........................................... 118

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    NDICE DE TABELAS

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    Tabela 1 Classificao dos Prazeres Maiores ............ 49

    Tabela 2 Comparao entre Prazer e Gratificao ........ 66

    Tabela 3 As Foras Pessoais e suas Relaes com as

    Virtudes ...................................... 74

    Tabela 4 Distribuio dos Sujeitos por Idade ........... 84

    Tabela 5 Distribuio dos Sujeitos por Gnero .......... 85

    Tabela 6 Classificao Econmica dos Sujeitos .......... 85

    Tabela 7 Sistema de Pontuao CCEB para Posse de Itens . 88

    Tabela 8 Sistema de Pontuao CCEB para Nvel de

    Instruo ...................................... 88

    Tabela 9 Cortes do Critrio Brasil ..................... 89

    Tabela 10 Estatsticas Descritivas das Variveis ........ 94

    Tabela 11 Distribuio de Freqncia da Varivel

    Felicidade .................................... 96

    Tabela 12 Distribuio de Freqncia da Varivel

    Controle Interno .............................. 97Tabela 13 Distribuio de Freqncia da Varivel

    Controle Externo .............................. 98

    Tabela 14 Distribuio de Freqncia da Varivel

    Controle do Acaso ............................. 98

    Tabela 15 Distribuio de Freqncia da Varivel

    Flow .......................................... 99

    Tabela 16 Teste Kolmogorov-Smirnov para Aderncia

    Distribuio Normal ........................... 100

    Tabela 17 Correlaes de Spearman ....................... 101

    Tabela 18 Ranqueamento do Teste Kruskal-Wallis para as

    Variveis Controle Interno e Controle Externo,

    com Respeito Varivel de Grupo Felicidade ... 102

    Tabela 19 Teste H de Kruskal-Wallis para as Variveis

    Controle Interno e Controle Externo, com

    Respeito Varivel de Grupo Felicidade ........ 103

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    Tabela 20 - Ranqueamento do Teste Kruskal-Wallis para as

    Variveis Controle do Acaso, Flow, NSE, Idade e

    Sexo,com Respeito Varivel de Grupo Felicidade 104

    Tabela 21 - Teste H de Kruskal-Wallis para as Variveis

    Controle do Acaso, Flow, NSE, Idade e Sexo com

    Respeito Varivel de Grupo Felicidade ........ 105

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    NDICE DE ANEXOS

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    Anexo I - Critrio de Classificao EconmicaBrasil ........................................ 119

    Anexo II Escala Geral de Felicidade de Lyubomirsky eLepper ....................................... 120

    Anexo III Escala Multidimensional de Locus de ControleDe Levenson .................................. 121

    Anexo IV - Modelo de Questionrio de Flow ............... 123

    Anexo V - Consentimento Informado ...................... 124

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    RESUMO

    GRAZIANO, L. D. (2005) A Felicidade Revisitada: Um estudo sobre bem-estar-subjetivo na viso da Psicologia Positiva. Tese de Doutorado, 111 pp., Instituto dePsicologia da Universidade de So Paulo, So Paulo.

    Pautada no modelo mdico, a Psicologia tem direcionado seus esforos cientficosmuito mais para o estudo dos aspectos disfuncionais do indivduo do que para suaspotencialidades. Isso gerou um desequilbrio no campo de estudos dessa cincia que,ao focalizar sua ateno quase que exclusivamente nos problemas humanos, acaboupor deixar que temas, como a Felicidade, fossem apropriados pela chamada literaturade auto-ajuda. A partir do referencial terico da Psicologia Positiva, este estudo busca

    compreender a felicidade humana a partir de uma abordagem cientfica, o quejulgamos fundamental para a construo de um corpo terico consistente sobre otema e capaz de auxiliar no desenvolvimento de programas de sade mental decarter preventivo. Sendo assim, investigamos a relao entre felicidade e lcus decontrole numa amostra de 106 sujeitos universitrios utilizando-nos, para tanto daCorrelao de Spearman e do Teste de Kruskal-Wallis. Os resultados indicaram quequanto maior o lcus de controle interno dos sujeitos pesquisados, maior tambmseus nveis de felicidade.

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    ABSTRACT

    GRAZIANO, L. D. (2005). Happiness Revisited: A study on subjective well-beingaccording to Positive Psychology. Doctoral Dissertation, 111pp., Instituto dePsicologia da Universidade de So Paulo, So Paulo.

    Developed around the medical model, Psychology has directed its scientific effortsprincipally toward the study of the dysfunctional aspects of human behavior rather thantoward the potential of the individual. This has created a disequilibrium in the field ofstudy of this science which by focusing its attention almost exclusively on humanproblems has relegated themes such as Happiness to the so-called self-help literature.Based on the theoretical reference of Positive Psychology, this study seeks tounderstand Human Happiness from a scientific point of view. We judge this approachfundamental to the construction of a body of theory consistent with the theme andcapable of helping in the development of preventive mental health programs.

    Therefore, we research the relationship between happiness and control locus in asample of 106 university students, using the Spearman Correlation and the Kruskal-Wallis test. The results indicate that the greater the internal control locus of deindividuals studied, the greater their level of personal happiness.

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    Consideraes Iniciais

    H muitos anos, quando eu ainda era professora de Literatura, costumava dizer

    aos meus alunos que a melhor forma de se compreender um texto era atravs de um

    mergulho na vida de seu autor. Ainda fiel a este pensamento, pretendo oferecer uma

    breve explicao acerca do percurso que trilhei at aqui.

    Aqueles que ainda crem no mito da completa neutralidade cientfica, talvez

    julguem minha iniciativa desnecessria. Contudo, acho importante esclarecer a forma

    como essa pesquisa se encaixa com minha dissertao de Mestrado e o que me

    motivou a desenvolv-la.

    Talvez seja interessante dizer que, ao ser admitida no programa de doutorado

    desta Instituio, pretendia trabalhar com um tema bastante diferente do que aquele

    com o qual tinha me ocupado no Mestrado, o qual havia sido AIDS e Identidade. Foinecessrio um bom tempo (alm de alguns contratempos) para que eu

    compreendesse duas coisas: A primeira delas foi qual a verdadeira razo do meu

    interesse pelo tema com que trabalhara no Mestrado. E a segunda, que nessa

    mesma razo, encontrara a linha de pesquisa da minha vida.

    Com a aposentadoria de meu ento orientador Prof. Dr. Adail Victorino Castilho no

    incio deste ano, fui adotada pela profa. Dra. Maria Isabel Leme que, gentilmente,

    ajudou-me a (re) encontrar meu caminho, cuja breve descrio farei a seguir:

    Em 1996, trabalhando como voluntria numa Instituio que atendia portadores

    do vrus HIV, acompanhei de perto histrias de dor e perdas de muitos soropositivos:

    pacientes e amigos com os quais sofri e que muito me ensinaram a respeito da morte

    e da tristeza que cercava a AIDS.

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    Consideraes Iniciais

    Lembro-me de que, para melhor poder ajud-los, li diversos livros que discutiam

    o problema da AIDS do ponto de vista psicolgico, o que me trouxe importantes

    chaves de compreenso para o aspecto triste da realidade com a qual convivia.

    Restava, no entanto, uma parte da realidade sobre a qual ningum falava e que muito

    chamou minha ateno: ao invs de cumprir a profecia de ser a grande devastadora

    da vida emocional dos pacientes, a AIDS, em alguns casos, acabava sendo a

    alavanca que impulsionava a emancipao das pessoas. Como psicloga, achava

    fascinante observar aqueles que, a partir da confirmao do diagnstico da doena,

    passavam suas vidas a limpo, resignificando antigos valores e adotando uma vida de

    maior qualidade, tornando-se mais felizes. Era como se essas pessoas tivessem, ao

    abraar a morte, descoberto o verdadeiro valor da vida. Que capacidade era essa, de

    no se deixar abater pelas dificuldades, transformando-as em oportunidade para o

    crescimento? Por que alguns a possuam e outros no? Seria possvel ensinarmos

    nossos filhos a desenvolv-la? Entrei no Mestrado interessada em compreender a

    exceo: aqueles cuja vida emocional a AIDS no conseguira destruir. Naquela

    poca, no conhecia os estudos sobre resilincia, muito menos ouvira falar sobre a

    Psicologia Positiva que ento nascia.

    Minha dissertao de Mestrado foi um estudo de caso sobre o processo de

    construo da identidade de um sujeito cuja emancipao fora provocada pela AIDS.

    Jamais pensei (nem poderia) generalizar qualquer resultado obtido atravs daquela

    pesquisa. A mim bastava mostrar, atravs da escolha de um sujeito representativo,

    que aquilo era possvel.

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    Consideraes Iniciais

    Nos anos seguintes, acabei me especializando no atendimento psicolgico em

    situaes crticas, tais como seqestro, assalto, acidentes, suicdios etc, mantendo

    sempre um interesse especial naquelas vtimas cujo prognstico acabava por superar

    todas as expectativas estabelecidas a partir da intensidade traumtica vivenciada.

    Observei que, invariavelmente, tais pessoas possuam algo em comum: alm de

    parecerem mais felizes, assumiam uma certa responsabilidade (controle) sobre seu

    bem-estar, ainda quando esse bem-estar era fortemente ameaado por eventos

    externos.

    Embora gostasse (como ainda gosto) de trabalhar no sentido de oferecer

    alguma possibilidade de conforto aos problemas humanos, percebi, finalmente, que

    minha curiosidade cientfica sempre esteve mais direcionada para aquilo que torna

    determinadas pessoas menos suscetveis a esses problemas. Afinal, minha prpria

    experincia pessoal sempre houvera se contraposto aos prognsticos sugeridos por

    minha infncia e adolescncia difceis. Isso me faz acreditar que existe uma outra via

    de acesso (alm da curativa) para que sejamos capazes de ajudar o ser humano: J

    que no podemos (nem devemos) proteg-los das dificuldades, talvez sejamos

    capazes de ajud-los a desenvolver habilidades que os auxiliem no confronto dirio

    com a vida.

    Em outras palavras, acredito que no dia em que formos capazes de

    compreender o carter funcional do comportamento humano to bem quanto hoje

    compreendemos o disfuncional, teremos uma verdadeira Psicologia Preventiva e,

    conseqentemente, seremos mais felizes.

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    Consideraes Iniciais

    No fundo, sempre me incomodou o fato de ganhar a vida a partir da infelicidade

    alheia. Ainda que julgue extremamente gratificante (alm de fundamental) poder

    contribuir para a diminuio do sofrimento humano, sempre acreditei que meu dever

    era tambm o de oferecer seno condies, ao menos algumas informaes que, bem

    utilizadas, poderiam evitar que, um dia, determinada pessoa precisasse recorrer a

    uma psicoterapia. Por essa razo, vi muitos de meus amigos de faculdade se

    espantarem quando tornei-me uma consultora de empresas: Para eles (e confesso

    que, a princpio tambm para mim), eu havia me tornado uma psicloga

    organizacional, algo impensvel para algum que, desde o primeiro ano do curso,

    dizia amar a clnica.

    Hoje sei que ao dar uma palestra numa empresa (ou mesmo uma aula na

    faculdade) sobre qualidade de vida ou gerenciamento de stress, estou no apenas

    fazendo psicologia preventiva, mas sendo a psicloga que escolhi ser.

    Acredito caber Psicologia o papel de orientar o homem quanto aos possveis

    caminhos que levam felicidade. Mas, para que isso acontea, preciso que ns,

    psiclogos, tenhamos coragem para voltar nosso olhar cientfico para um tema que at

    agora tem sido explorado quase que exclusivamente pela literatura de auto-ajuda.

    Enquanto isso, a AIDS, o seqestro, o assalto e o stress, continuaro a ser problemas

    reais. Mas ser que so eles que impedem que o homem contemporneo seja feliz?

    Nesse caso, seria possvel, por exemplo, que uma pessoa, a partir do diagnstico da

    AIDS, encontrasse a felicidade? Em minha dissertao de Mestrado descobri que sim.

    Mas isso no o bastante: preciso compreender melhor a felicidade, suas causas,

    seus mecanismos e os caminhos que podemos traar para conquist-la.

    Consideraes Iniciais

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    Como vem, so muitas as questes a serem respondidas e outras tantas a

    serem formuladas at que sejamos capazes de dizer o que, de fato, torna um ser

    humano feliz.

    De minha parte, acredito que a pesquisa sobre a relao entre felicidade e

    locus de controle interno seja um bom caminho. Caminho este cujo incio apresentarei

    neste trabalho.

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    I- INTRODUO

    1.1. A Psicologia Positiva

    Talvez a melhor maneira de comearmos a falar sobre Psicologia Positiva seja

    fazendo uma breve anlise de seu prprio nome. Considerando a origem etimolgica

    da palavra psicologia, encontramos duas palavras em sua gnese: psiqu e logos.

    Embora a traduo exata de psich seja alma, o conceito de alma para o grego est

    muito mais prximo do que hoje chamamos de mente, visto que a palavra alma

    acabou impregnada de um carter quase que exclusivamente religioso. Com relao

    ao termo logos, sua popularidade talvez dispensasse a necessidade de o traduzirmos

    como estudo, no entanto, esperamos que o cuidado didtico o justifique.

    Dessa forma, chegamos ao conhecido significado da palavra psicologia como

    sendo o estudo da mente, ou mais estritamente, o estudo (sistematizado) da mentehumana considerando que, em ltima instncia, mesmo o estudo do comportamento

    animal, visa fornecer subsdios para uma maior compreenso acerca do homem.

    de se esperar que a nomenclatura Psicologia Positiva, pressuponha a

    existncia de uma Psicologia negativa. De fato, Seligman (2004) chegou a utilizar este

    segundo termo para designar uma Psicologia cujo foco tem sido a patologia, o

    disfuncional e o lado mais sombrio do ser humano.

    Retomando o conceito de mente, o dicionrio de Psicologia de Corsini (2002, p.

    597) traz a seguinte definio:

    1.1. A Psicologia Positiva

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    Mente: Uma totalidade organizada de processos mentais

    e psquicos de um organismo, bem como de

    componentes estruturais e funcionais dos quais ela

    depende..

    [grifo do autor] [Traduo Livre]

    Se a Psicologia a cincia que estuda a mente e a mente nada mais do que a

    totalidadede nossos processos internos, os termos positivo e negativo deveriam (pelo

    menos em tese) perder o sentido.

    Afinal, a utilizao de qualquer um deles seria o mesmo que negar o seu oposto, e,

    portanto, o mesmo que negar que a mente formada por um conjunto de

    medos, angstias, carncias, impulsos negativos que convivem ao lado de

    esperanas, sabedoria, criatividade, coragem, perseverana, dentre outros, formando

    a chamada afetividade. Sheldon e King (2001) colocam que a Psicologia, ao contrrio

    das outras cincias naturais e sociais, no se preocupa em descrever a estrutura

    tpica e o funcionamento natural de seu tpico de interesse; mais do que isso, criticam

    que os psiclogos deveriam ser capazes de expressar profunda admirao (como

    fazem fsicos diante da elegncia das equaes de Einstein) pelo funcionamento

    humano pleno.

    Em suma, a julgar por seu significado mais bsico, a Psicologia, enquanto

    cincia, deveria contemplar toda a complexidade (e diversidade) da mente humana e

    no apenas de alguns de seus atributos (fossem eles positivos ou negativos). No

    entanto a necessidade, como veremos, bastante legtima, de um movimento voltado

    1.1. A Psicologia Positiva

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    para uma Psicologia Positiva, prova que no isso o que acontece. Nossa Psicologia,

    ainda pautada no modelo de doena, raramente consegue, na prtica, ir to alm

    quanto suas discusses filosficas poderiam sugerir, quando o assunto a

    compreenso humana.

    Para compreendermos melhor as razes do desvio de rota da Psicologia,

    necessrio voltarmos ao final da Segunda Guerra Mundial. De acordo com Seligman

    (2004), em 1946 a Psicologia nos Estados Unidos ainda era insipiente e oferecia um

    campo de atuao profissional restrito. Muitos dos profissionais da poca eram

    acadmicos que, comprometidos muito mais com uma cincia pura, procuravam

    compreender as leis bsicas da aprendizagem, motivao e percepo, sem se

    importar muito com a aplicabilidade do conhecimento que produziam. Ao psiclogo da

    poca, segundo esse mesmo autor, cabiam trs misses:

    1a. Curar a doena mental;

    2a. Tornar a vida das pessoas comuns mais feliz, mais

    produtiva e mais plena;

    3a. Identificar e apoiar jovens excepcionalmente talentosos.

    (2004, p.34)

    Com relao primeira misso, Seligman coloca que os psiclogos da poca

    limitavam-se a fazer os testes, ficando a terapia propriamente dita a cargo dospsiquiatras. J a segunda misso era de responsabilidade dos psiclogos que

    trabalhavam nas empresas, nas escolas e nos quartis e a terceira misso dava um

    grande impulso s pesquisas e ao desenvolvimento de testes de QI.Foi este cenrio que os soldados americanos encontraram, quando voltaram

    para casa, ao final da Segunda Guerra Mundial.

    1.1. A Psicologia Positiva

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    E foi exatamente este retorno que abalaria profundamente os alicerces da Psicologia

    (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000).

    Terminados os combates militares, os Estados Unidos sabiam que ainda havia

    uma outra (e igualmente difcil) batalha a ser vencida: ajudar os veteranos que haviam

    arriscado suas vidas em combate, a superarem suas seqelas psicolgicas. A

    demanda por tratamento era enorme e os profissionais que trabalhavam clinicamente

    (ou seja, os psiquiatras) no seriam suficientes para atend-la. Alm disso, o

    tratamento oferecido por esses profissionais era muito elitizado e pautado no modelo

    da psicanlise clssica, com vrias sesses semanais, realizadas a um custo muito

    alto.

    Foi ento que o Veterans Administration Actde 1946, num verdadeiro esforo

    de guerra, ofereceu bolsas de estudos, em nvel de ps-graduao, para uma legio

    de psiclogos que, ao lado dos psiquiatras, tornou-se apta a tratar os veteranos

    clinicamente. Do tratamento desses veteranos ao atendimento de outros tipos de

    pacientes, no levou muito tempo, de forma que logo esses psiclogos passaram a

    ser reembolsados pelas empresas de seguro, dando origem a uma espcie de elite

    dentro da prpria profisso: a dos psiclogos clnicos (ou psicoterapeutas) (Seligman,

    2004).

    curioso notar o quanto isso se reflete, ainda hoje, na realidade brasileira. A

    despeito de um mercado completamente saturado, os cursos de psicologia do Brasil

    oferecem uma formao preponderantemente clnica, numa mensagem subliminar de

    que o verdadeiro psiclogo aquele que se dedica psicoterapia. Mas essa

    apenas a ponta do iceberg.

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    1.1. A Psicologia Positiva

    As conseqncias que o fim da Segunda Guerra traria Psicologia, enquanto

    cincia, seriam bem mais srias:

    A psicologia passa a ser praticamente um sinnimo de

    tratamento de doena mental. Sua misso histrica de

    fazer a vida das pessoas comuns mais produtiva e

    plena fica em segundo plano em relao cura de

    desordens e s tentativas de identificar e apoiar gnios

    praticamente abandonados.

    (Seligman, 2004 p.34)

    esse mesmo autor quem denuncia a criao, pelo Congresso Americano, do

    Instituto Nacional de Sade Mental (National Institute of Mental Health) como sendo

    um mecanismo utilizado para garantir a manuteno dessa tendncia na Psicologia,

    na medida em que, dirigida por psiquiatras, esta instituio passou a financiar apenas

    pesquisas que demonstrassem sua significncia, ou seja, sua relevncia para a

    causa e a cura das doenas mentais (Idem, 2004).

    No caso brasileiro a Psicologia, que at o sculo XIX se desenvolvera no

    interior de outras reas do saber como a Medicina e a Educao, comea, no sculo

    XX, a conquistar certa identidade prpria, sobretudo pela penetrao de idias e

    prticas daquilo que na Europa e nos Estados Unidos era considerado como

    Psicologia cientfica (Antunes, 2003). J nas primeiras dcadas do sculo XX, vrios

    psiclogos estrangeiros vieram ao Brasil para ministrar cursos, proferir palestras ou

    prestar assistncias tcnicas especficas, sendo que muitos deles acabaram se

    radicando por aqui (Idem, 2003).

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    1.1. A Psicologia Positiva

    Isso significa ser perfeitamente razovel supormos que a tendncia apontada

    por Seligman & Csikszentmihalyi (2000) e Seligman (2004), como conseqncia da

    Segunda Guerra Mundial, no tenha afetado apenas a Psicologia americana.

    bem verdade que essa forma de conduzir a Psicologia trouxe enormes

    avanos tanto para a compreenso quanto para o tratamento das doenas mentais.

    De acordo com Seligman (1994) existem hoje, pelo menos, 14 desordens, antes

    consideradas intratveis, tais como depresso, transtorno bipolar e transtorno

    obsessivo-compulsivo que, por terem sido desvendadas pela cincia, podem agora

    ser curadas, ou consideravelmente aliviadas; o que, sem dvida, trata-se de um mrito

    que no pode ser ignorado. No entanto, o prprio Seligman (2004) quem nos chama

    a ateno para o alto preo desse progresso: ao que parece, o alvio dos transtornos

    que tornam a vida miservel fez diminuir a preocupao com situaes que fazem a

    vida valer a pena(p.11).

    De qualquer maneira, no podemos dizer que Psicologia Positiva seja

    simplesmente aquela que objetiva trazer bem-estar ao indivduo. Se assim fosse,

    poderamos dizer que mesmo a Psicologia pautada na doena cumpre, em ltima

    instncia, esse papel.

    Mas, afinal, o que a Psicologia Positiva? Para Sheldon & King (2001) trata-se

    do estudo cientfico das foras e virtudes prprias do indivduo, que faz com que os

    psiclogos adotem uma postura mais apreciativa em relao ao potencial, motivao e

    capacidades humanas. Para Seligman (2004) trata-se do estudo de sentimentos,

    emoes, instituies e comportamentos positivos que tem como objetivo final a

    promoo da felicidade humana.

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    1.1. A Psicologia Positiva

    Larson (2000) acredita que no se pode dizer que a Psicologia como um todo

    (e, sobretudo a psicologia do desenvolvimento) tenha negligenciado completamente o

    carter positivo de seu objeto de estudo, uma vez que o desenvolvimento , antes de

    tudo, um processo de crescimento e aumento de competncias. No entanto, este

    mesmo autor sustenta que, no que tange a importantes dimenses do

    desenvolvimento humano, como o desenvolvimento social e emocional,

    freqentemente nos vemos melhor articulados em relao s coisas que do errado

    do que com aquelas que do certo. Como prova de seu raciocnio, aponta os

    inmeros estudos voltados ao uso de drogas, violncia, suicdio, gravidez na

    adolescncia e outros problemas de comportamento, convivendo ao lado da falta de

    estudos aplicados rigorosos que indiquem como promover um desenvolvimento

    positivo.

    A tendncia da Psicologia atual de priorizar o estudo dos problemas humanos

    gerou, alm do j apontado afastamento de seu significado mais bsico, um

    desequilbrio no seu campo de estudo e, como veremos mais tarde, talvez at mesmo

    uma distoro no seu objeto. Para Sheldon & King (2001) est cada vez mais claro

    que o funcionamento normal dos seres humanos no pode ser calculado puramente a

    partir de quadros de referncia negativos ou exclusivamente focados nos problemas.

    Acreditamos que uma outra conseqncia, da j apontada tendncia da

    Psicologia atual, tenha sido a proliferao da literatura de auto-ajuda.

    Preocupada apenas em curar doenas, a Psicologia deixou sem respostas

    aqueles que questionavam sobre como ter uma vida feliz, abrindo espao para que as

    foras e virtudes humanas fossem discutidas sem base cientfica e, por vezes, de

    1.1. A Psicologia Positiva

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    maneira hiper-simplificada. De acordo com Seligman & Csikszentmihalyi (2000), foi

    tambm a ausncia de base emprica suficiente, a grande responsvel pela falha das

    teorias ancestrais da Psicologia Positiva, como o Humanismo, por exemplo, em fazer

    com que esta tendncia, efetivamente, se firmasse.

    O foco inicial da Psicologia Positiva exemplificado atravs do trabalho de

    pioneiros tais como Terman, Jung e Watson que, na dcada de 30, publicaram

    estudos sobre superdotados, sucesso no casamento e paternidade efetiva,

    respectivamente. Alm disso o prprio trabalho de Jung sobre a procura e descoberta

    de significado na vida constitui-se num bom exemplo. (Seligman & Csikszentmihalyi,

    2000). Portanto, necessrio lembrar que iniciativas como estas devem ser

    reconhecidas e, sobretudo, no permitem que a Psicologia Positiva reclame para si o

    atributo de originalidade (Idem, 2000), o que, vale dizer, em nada diminui sua

    relevncia.

    No entanto, o movimento cientfico batizado de Psicologia Positiva surgiu nos

    Estados Unidos, em janeiro de 1998 a partir da iniciativa de Martin Seligman que, ao

    lado de renomados cientistas como Mihaly Csikszentmihalyi, Ray Fowler, Chris

    Peterson, George Vaillant, Ed Diener dentre outros, comeou a desenvolver pesquisas

    utilizando o mtodo cientfico quantitativo, a fim de promover uma mudana de foco na

    Psicologia atual do estudo de algumas das piores coisas da vida para o estudo do

    que faz com que a vida valha a pena (Seligman, 2004).

    Um dos maiores desafios da Psicologia Positiva lutar contra o que Seligman

    (2004) chamou de dogma imprestvel, ou seja, contra a cultura da Psicologia atual

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    1.1. A Psicologia Positiva

    que apenas considera como autnticas (verdadeiras e vlidas), as emoes

    negativas. Nesse sentido, vale ressaltar que, ao falarmos de uma Psicologia atual,

    no estamos negando o carter fragmentrio do corpo terico dessa Cincia que,

    segundo Mahoney (1989) era, at ento, composto por mais de 700 linhas diferentes.

    Por outro lado, a utilizao de uma terminologia que sugere se tratar a Psicologia de

    uma Cincia nica, justifica-se devido ao fato de compreendermos a Psicologia

    Positiva como uma crtica ao uso do modelo mdico, ou seja, de um modelo pautado

    na doena e no aspecto disfuncional do ser humano, o qual podemos verificar em

    vrias linhas tericas diferentes. Alm disso, a expresso Psicologia Atual refere-se

    a uma tendncia geral, o que, eventualmente, pode excluir determinadas abordagens.

    Outro esclarecimento necessrio diz respeito ao uso que a Psicologia Positiva

    faz dos termos positivo e negativo para qualificar as emoes. Devemos entender

    as chamadas emoes positivas como sendo aquelas que favorecem a

    aproximao, e conseqentemente, a convivncia com o outro, enquanto que as

    emoes negativas fazem o contrrio (Fredrickson, 2001).

    O bilogo Humberto Maturana (2001, 2002) afirma que no a razo, e sim a

    emoo que nos leva a agir e interagir com o outro. Para ele, estas interaes se

    apresentam em dois tipos: as que ampliam e estabilizam a convivncia (2002, p.22)

    e as que interferem e rompem a convivncia (2002, p. 22). Embora no chegue a

    utilizar os termos positivo e negativo para qualificar as emoes que embasam

    estas interaes, Maturana (2002) aponta o amor como responsvel pelas interaes

    do primeiro tipo, ou seja, por aquelas que ampliam e estabilizam a convivncia, ao

    passo que a agresso seria a responsvel pelas interaes que rompem a

    convivncia.

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    1.1. A Psicologia Positiva

    Ainda de acordo com este autor, o amor (portanto, uma emoo positiva) se faz tanto

    mais necessrio quanto mais complexas forem as sociedades.

    ... a histria dos insetos sociais se inicia quando as fmeas

    tratam seus ovos como companhia legtima numa relao de

    aceitao mtua, e se constitui com a formao de uma

    linhagem na qual essa relao de interaes de aceitao

    mtua se conserva como modo de viver, e se amplia s

    larvas e adultos (p.26).

    Nesse sentido, e como conseqncia do legado de complexidade deixado pela

    Revoluo da Informao, o desenvolvimento de pesquisas em Psicologia Positiva

    talvez se torne uma questo de sobrevivncia. preciso que temas como virtude,

    carter e felicidade humana sejam discutidos de forma secular, produzindo um

    conhecimento capaz de transpor os portais das igrejas e a superficialidade dos

    manuais de auto-ajuda, de forma a que todos possam crer aqui e agora na sua

    existncia.

    Isto posto, podemos retomar a questo do dogma imprestvel, que, conforme

    j dissemos, refere-se a uma tendncia de o olhar psicolgico considerar como

    autnticas apenas as emoes negativas. Sheldon & King (2001) corroboram essa

    idia, dizendo que, ao observarem algum ajudando uma pessoa estranha, comum

    que os psiclogos rapidamente encontrem um benefcio egosta no ato, relutantes em

    reconhecer a existncia do altrusmo. Martin Seligman, que foi presidente da American

    Psychological Association, acrescenta, ainda, que, para que uma anlise psicolgica

    seja academicamente respeitvel, a bondade tem de estar assentada sobre um

    motivo oculto e negativo (2004, p.13). Deixando de lado o juzo de valor

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    1.1. A Psicologia Positiva

    que possa estar implcito na palavra negativo desta citao, concordamos com o autor

    no sentido de a motivao da bondade ser, costumeiramente, analisada pela

    Psicologia como tendo suas razes no interesse prprio de quem a pratica, ainda que

    tal interesse no seja material.

    Por mais que sejamos culturalmente propensos a aceitar esse dogma

    imprestvel, no h o menor indcio de que as foras e virtudes humanas tenham, de

    fato, este tipo de motivao. Nesse sentido, parece mais razovel partirmos de uma

    premissa de duplo aspecto que acredita que a evoluo tenha favorecido tanto as ms

    quanto as boas qualidades humanas (Idem, 2004).

    Neste ponto talvez seja necessrio um esclarecimento acerca daquilo que a

    Psicologia Positiva chama de boas e ms qualidades. Partindo da idia de que seriam

    positivas as emoes que favorecem a interao e negativas aquelas que a

    prejudicam, a Psicologia Positiva chamou de boas qualidades as caractersticas

    humanas que favorecem as emoes positivas e o comportamento de interao, de

    forma que as ms qualidades seriam o oposto, ou seja, as caractersticas humanas

    que favorecem as emoes negativas, bem como o comportamento que prejudica a

    interao.

    Embora saibamos no ser inteno da Psicologia Positiva negar a

    funcionalidade das emoes e qualidades as quais denomina negativas,

    reconhecemos que tal nomenclatura capaz de sugerir um juzo de valor que

    prejudicaria a compreenso correta do conceito, o que justifica nosso cuidado ao

    descrev-lo.

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    1.1. A Psicologia Positiva

    Se por um lado, a evoluo das ms qualidades parece claramente se justificar

    pela necessidade de adaptao a um ambiente hostil e por um instinto de auto-

    preservao, o mesmo no ocorre em relao s boas qualidades do ser humano.

    Afinal, para qu ajudar o outro, se isto pode fortalec-lo e fazer com que sejamos ns

    o elo mais fraco, cuja sobrevivncia ser ameaada pelos mais aptos? Por muito

    tempo esta pergunta permaneceu sem resposta, contribuindo, talvez, para que apenas

    as ms qualidades humanas fossem consideradas autnticas.

    No entanto, pesquisas recentes parecem, finalmente, ter encontrado um sentido

    para as emoes positivas (e por extenso, para as boas qualidades) dentro do

    processo evolutivo. De acordo com Fredrickson (2001), as emoes positivas

    fortalecem nossos repertrios fsicos, sociais e intelectuais, criando recursos dos quais

    podemos lanar mo quando uma oportunidade ou ameaa ambiental se apresentam.

    Alm disso, esta autora afirma que o estado de esprito positivo desperta a afetividade

    do outro, criando um ambiente favorvel, alm de contribuir para o desenvolvimento

    da resilincia1 psicolgica que, por sua vez, desencadeia uma espiral ascendente em

    direo melhoria do bem-estar emocional. Isso nos leva a crer que, do ponto de vista

    do desenvolvimento humano, um funcionamento timo jamais poderia prescindir das

    emoes positivas, sobretudo se considerarmos o fato de hoje nos encontrarmos,

    graas aos avanos tecnolgicos, cada vez mais expostos a culturas diferentes e por

    que no dizer, at mesmo dependentes delas.

    1

    De acordo com Reivich & Shatt, corresponde habilidade de perseverar e se adaptar quando as coisas doerrado (2002, p.1 [traduo livre]). Em outras palavras, poderamos definir resilincia como sendo umacapacidade para tolerar frustraes, sem desistir de seus objetivos.

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    1.1. A Psicologia Positiva

    Fenmenos como o da globalizao expem o homem contemporneo a um

    ambiente que clama por emoes positivas com uma urgncia jamais vista em

    nenhum outro momento da evoluo.

    Massimini e Delle Fave (2000), reconhecendo a existncia de uma tendncia

    aculturao que ocorre quando duas culturas de nveis de desenvolvimento diferentes

    se encontram, apontam para o risco de que, num mundo globalizado, a cultura menos

    desenvolvida economicamente venha a ser extinta, no somente pela ao direta da

    cultura dominante, mas tambm como resultado de uma estratgia de auto-

    preservao retratada na adoo, por parte da cultura menos desenvolvida, de uma

    postura de recluso cultural. Dessa forma, esses autores apontam a seleo bicultural

    como sendo a estratgia mais adaptativa, sobretudo quando estabelecida nas aes

    dirias que visam permitir a integrao dos indivduos a um ambiente em permanente

    mudana. Nessa mesma linha, Marsella (1998) prope o desenvolvimento de uma

    Psicologia Global-comunitria, uma meta-teoria psicolgica, definida a partir de uma

    srie de premissas, mtodos e prticas psicolgicas, edificados sobre fundamentos

    multiculturais, multidisciplinares, multisetoriais e multinacionais que seriam de

    interesse, escopo, relevncia e aplicabilidade globais. De que outra forma seria isso

    possvel, seno pelo cultivo de emoes positivas?

    Nesse sentido, Wright (2000) vai ainda mais longe, ao sugerir que o segredo da

    vida est no jogo com soma diferente de zero. Para ele, os sistemas biolgicos so

    forados pela seleo darwiniana na direo de mais complexidade e mais situaes

    em que todos saiam ganhando, como atesta a supremacia da clula que incorpora

    simbioticamente a mitocndria em relao quelas que no so capazes de faz-lo.

    Mas no apenas a mudana biolgica que assume essa direo.

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    1.1. A Psicologia Positiva

    Segundo esse mesmo autor, o mesmo ocorre em relao histria da

    humanidade, visto que o cenrio universal da mudana poltica vai do selvagem ao

    brbaro e da civilizao, numa progresso que traz em seu mago um aumento no

    s de complexidade, mas de situaes em que todos saem ganhando. Ou seja,

    quanto mais jogos de soma positiva houver em uma cultura, maiores suas chances de

    sobrevivncia e desenvolvimento (Idem, 2000).

    Esses aspectos talvez j fossem suficientes para justificar no apenas a

    necessidade de uma Psicologia Positiva, mas, principalmente, do desenvolvimento de

    pesquisas nessa rea. Contudo, a Psicologia Positiva tem ainda o mrito de resgatar

    o carter preventivo que, h muito, fora abandonado por uma Psicologia focada

    exclusivamente na doena. Atravs do estudo das caractersticas humanas positivas,

    a cincia aprender a prevenir doenas fsicas e mentais e os psiclogos, por sua vez,

    aprendero a desenvolver qualidades que ajudem indivduos e comunidades a, muito

    mais do que apenas resistir e sobreviver, efetivamente, florescer (Seligman &

    Csikszentmihalyi, 2000).

    Diante da dificuldade de acesso do brasileiro mdio psicoterapia, esta nfase

    na Psicologia curativa torna-se um contra-senso. Nesse sentido, pesquisas na rea da

    Psicologia Positiva so ainda mais teis para o desenvolvimento de polticas de

    promoo da sade mental no apenas entre as comunidades carentes, mas junto

    sociedade como um todo.

    De acordo com Seligman (2004) a Psicologia Positiva est pautada sobre 3

    pilares:

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    1.1. A Psicologia Positiva

    a-) O estudo da emoo positiva;

    b-) O estudo dos traos ou qualidades positivas, principalmente foras e

    virtudes, incluindo tambm habilidades como inteligncia e capacidade atltica;

    c-) O estudo das chamadas instituies positivas, como a democracia, a famlia

    e a liberdade (que do suporte s virtudes que, por sua vez, apiam as emoes

    positivas).

    Ao focarmos este estudo em aspectos como felicidade e locus de controle,

    apoiaremo-nos no primeiro pilar apontado, muito embora reconheamos a importncia

    dos outros dois.

    Finalmente, vale dizer que acreditamos que o papel de uma Psicologia que se

    auto-denomina positiva, muito antes de promover (mais) uma ciso no corpo terico

    desta disciplina seja, simplesmente, o de fazer um contraponto, promovendo o

    equilbrio entre a compreenso dos problemas e das potencialidades humanas.

    Acreditamos, ainda, que, no momento em que tal equilbrio se efetivar, a denominao

    positiva perder seu sentido e deixar claro que a Psicologia Positiva, na verdade,

    nunca foi nada mais do que, apenas, Psicologia.

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    1.1.2. A Felicidade Humana

    1.1.2. A Felicidade Humana

    Toda gente, meu irmo Gallion,

    deseja uma vida feliz; mas quando se

    trata de ver claramente aquilo que a

    torna assim, a confuso total

    Sneca, 262 a.C

    ... e toda dor vem do desejo de

    no sentirmos dor.

    Renato Russo, 1990

    Talvez no seja exagero imaginarmos que a busca pela felicidade tenha sido a

    grande mola propulsora a conduzir a espcie humana em sua trajetria pelo mundo.

    Da inveno da roda clonagem humana, apenas uma coisa se manteve atual: o

    desejo por uma vida melhor. De qualquer forma, conforme atesta a Filosofia, a

    preocupao humana com a felicidade bastante antiga. Aristteles que viveu de 384

    a 322 a.C., acreditava na felicidade como objetivo de todo homem, o qual s seria

    atingido atravs do exerccio das virtudes, em sintonia com a vida em sociedade

    (Aristteles, tica a Nicmaco, 1987). Arrancando o homem do arbtrio dos deuses e

    do fatalismo das leis naturais, Epicuro (341 a 270 a.C.) afirma que lhe possvel levar

    uma existncia feliz atravs da recusa dos excessos, medos e compromissos que

    podem levar a sofrimentos inteis (Epicuro, Carta sobre a Felicidade, 1994). Sneca

    (ano 2 a.C. a 65 d.C.) observando sua sociedade bastante infeliz, recusava-a como

    padro de referncia, dizendo que para ser feliz, a primeira coisa que o indivduo

    deveria fazer seria recusar-se seguir a multido (Sneca, Da vida feliz, 1997).

    1.1.2. A Felicidade Humana

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    J no sculo XX, mais especificamente falando, na dcada de 30, o filsofo

    Bertrand Russel acreditando na felicidade como um bem a ser conquistado e no

    como uma ddiva divina, aponta para a importncia de o homem integrar-se com a

    sociedade, buscando a felicidade de outrem na mesma medida em que busca a sua

    prpria (Russel, 2003).

    Em uma perspectiva mais contempornea, temos a anlise histrica de

    Delumeau (1997) acerca da felicidade, atravs da qual afirma que os sculos XIX e

    XX foram invadidos por uma onda de pessimismo que, iniciada em Shopenhauer, foi

    disseminada atravs das idias de Nietzsche e Freud, acabando por dominar boa

    parte do pensamento filosfico durante todo o sculo XX.

    A julgar por sua grande influncia no pensamento ocidental, talvez devamos a

    Freud o abandono do que chamaramos de projeto da felicidade. Em sua obra Alm

    do princpio do prazer Freud (1998, [1920]) discorre sobre o que chamou de instintode morte, contestando que o objetivo da vida pudesse ser alcanar um estado que

    jamais fora alcanado antes. Acreditando na essncia humana como algo

    eminentemente ruim, Freud condenou o homem a uma angstia eterna, sofrendo

    numa luta igualmente eterna para manter sua essncia sob controle.

    Ainda sob uma perspectiva histrica, podemos observar que a concepo

    humana de felicidade esteve sempre baseada em dois tipos de premissas

    excludentes: uma de natureza extrnseca e outra de natureza intrnseca. A premissa

    que cr na natureza extrnseca da felicidade leva o indivduo a busc-la para alm de

    si mesmo, no necessariamente de uma forma comodista mas, certamente, com a

    expectativa de encontr-la em eventos ou conquistas externas a sua pessoa.

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    1.1.2. A Felicidade Humana

    Como exemplo dessa concepo podemos citar o milenarismo2 (Delumeau, 1997), por

    ver a felicidade como conseqncia da vinda do Cristo; o iluminismo (Idem, 1997) por

    t-la como conseqncia do progresso e o prprio hedonismo, por acreditar que o

    segredo da felicidade consiste no aumento dos bons e diminuio dos maus

    momentos da vida. Para os que se baseiam nesse tipo de premissa, a sociedade

    contempornea no parece ter muito a oferecer: terrorismo, guerras, epidemias,

    violncia urbana, desemprego so apenas alguns dos exemplos daquilo com que

    temos de conviver atualmente, de modo que vincular nossa felicidade a sua

    eliminao, ou mesmo diminuio, seria o mesmo que abrir mo de uma vida feliz.

    A concepo de felicidade que parte de uma premissa intrnseca, v o prprio

    indivduo como sua fonte, conferindo a ele a tarefa de trabalhar a si mesmo de forma

    a conquistar uma vida feliz. Como exemplo desse tipo de concepo podemos citar a

    teoria de Aristteles que via a felicidade como resultado do exerccio das virtudes; a

    de Epicuro que pregava o controle dos excessos como forma de evitar o sofrimento e

    a teoria de Sneca que dizia ser feliz a alma livre, que desdenha dos golpes da sorte e

    encontra o seu contentamento na virtude. Se para alguns esta concepo de

    felicidade parece bem mais animadora, para outros pode parecer desconcertante,

    afinal, torna-se difcil explicar que o mesmo homem que criou a inteligncia artificial

    no seja capaz de viver uma vida feliz.

    De acordo com La Taille (2002), a felicidade ou a vida boa no sentido filosfico

    seria alcanada pelo exerccio daquilo que o indivduo considera virtuoso e digno de

    considerao.

    2 Crena na segunda vinda de Cristo Terra, quando se iniciaria um perodo de 1000 anos de felicidade.

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    1.1.2. A Felicidade Humana

    Nesse sentido, este autor utiliza a expresso ferida moral para designar a

    conscincia deste indivduo de saber-se merecedor do desprezo de outrem (Idem,

    2002).

    Partindo de uma concepo de felicidade de natureza intrnseca, a Psicologia

    Positiva, embora no negue a influncia de eventos externos, trabalha com o conceito

    de bem-estar subjetivo que corresponde avaliao, tanto cognitiva quanto afetiva,

    que uma pessoa faz acerca de sua prpria vida (Diener, Lucas & Oishi, 2002). Dessa

    forma, trata-se de um conceito amplo que inclui: experincias emocionais agradveis,

    baixos nveis de humores negativos e alta satisfao em relao vida (Idem, 2002).

    J a palavra felicidade usada como termo abrangente que descreve o conjunto de

    metas da Psicologia Positiva, conforme explica Seligman:

    A palavra em si no um termo da teoria (ao contrrio de

    prazer e flow, que so entidades quantificveis com

    respeitveis propriedades psicomtricas, isto , demonstram

    certa estabilidade em relao ao tempo e confiabilidade entre

    os observadores). Felicidade, enquanto termo, como

    cognio, no campo da Psicologia cognitiva, e como

    aprendizagem, dentro da teoria da aprendizagem: do nome

    a um campo, mas no exercem qualquer papel nas teorias,dentro daqueles campos.

    (2004, p. 333)

    Vale dizer que, para fins deste estudo, tomaremos os termos felicidade e bem-

    estar-subjetivo como sinnimos. Isto porque no acreditamos que haja uma felicidade

    alm daquela percebida (subjetivamente, claro) pelo indivduo.

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    1.1.2. A Felicidade Humana

    Os estudos empricos sobre bem-estar subjetivo comearam a tomar forma j

    no incio do sculo XX atravs de pesquisas como a de Flugel (1925) que estudou os

    humores, solicitando s pessoas que recordassem seus eventos emocionais em

    diferentes momentos. Aps a Segunda Guerra, pesquisadores como George Gallup,

    Gerald Gurin e Hadley Cantul conduziram pesquisas de levantamento de larga escala

    atravs das quais estudaram a felicidade e a satisfao em relao vida, utilizando

    questionrios de levantamento global (Diener, Lucas &Oishi, 2002), ou seja, que

    mediam a felicidade como um todo.

    Talvez num dos mais importantes estudos no campo do bem-estar, Bradburn

    (1969) mostrou que os sentimentos de prazer e desprazer so relativamente

    independentes, no sendo simples opostos um do outro. Para Diener, Lucas & Oishi

    (2002) esta descoberta tem importantes implicaes para o campo do bem-estar

    subjetivo, na medida em que mostra que as tentativas da Psicologia clnica em

    eliminar os estados negativos no capaz de promover, necessariamente, estados

    positivos; em outras palavras, podemos dizer que, uma Psicologia focada na remisso

    ou alvio do sofrimento, embora importante, no capaz de promover a felicidade

    humana.

    Mais recentemente, Diener (2000) props que um ndice nacional fosse criado,

    a fim de que se pudesse medir o bem-estar subjetivo atravs do tempo, fornecendo

    dados sobre os quais pudessem ser definidas polticas e aes pblicas para o

    aumento da felicidade da sociedade.

    O campo do bem-estar subjetivo enquanto disciplina cientfica tem crescido

    rapidamente (Diener, Lucas &Oishi, 2002).

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    1.1.2. A Felicidade Humana

    Trata-se de um crescimento que se justifica devido ao fato de estarmos

    entrando num mundo ps-materialista, no qual mais do que na prosperidade

    econmica, as pessoas tm se interessado por questes relativas qualidade de vida;

    alm disso o bem-estar subjetivo deve sua popularidade ao fato de ser

    particularmente democrtico, ou seja, por respeitar o que as pessoas pensam sobre

    suas prprias vidas; e, finalmente, podemos dizer que o estudo do bem-estar subjetivo

    floresceu devido ao crescimento do individualismo ao redor do mundo, pois o fato de

    os individualistas estarem preocupados com seus prprios sentimentos e crenas,

    coloca os estudos do bem-estar subjetivo em perfeita sintonia com a cultura ocidental

    (Diener, Lucas &Oishi, 2002).

    Embora as pessoas faam julgamentos sobre suas vidas como um todo, o bem-

    estar subjetivo possui, de acordo com Diener (1984, 2000) e Diener at all (1999),

    diferentes componentes:

    Satisfao com a vida: Corresponde aos julgamentos que se faz em

    relao prpria vida;

    Satisfao em reas importantes: Satisfao em diferentes domnios, tais

    como o trabalho, por exemplo;

    Emoes positivas: Muitas experincias de emoes e humores

    agradveis;

    Baixos nveis de emoes negativas: Experincia de poucas emoes e

    humores desprazeirosos.

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    1.1.2. A Felicidade Humana

    Vale observar que, ao descrever os componentes do bem-estar-subjetivo, Diener

    (2000) analisa as emoes positivas e negativas do ponto de vista daquele que as

    experimenta, chamando de positivas as emoes agradveis e negativas as que lhe

    so desprazeirosas. Dentro desse raciocnio, o autor no deixa claro se as emoes

    que favorecem a interao (emoes positivas) seriam sempre agradveis de serem

    sentidas, ao passo que as emoes negativas (que levam ao afastamento) sempre

    provocassem desprazer.

    O que poderamos dizer que, de fato, emoes negativas como raiva, medo,

    tristeza, ansiedade, em geral, causam desconforto para aquele que as experimenta, o

    mesmo no ocorrendo em relao s emoes positivas.

    Dessa forma, as pesquisas no campo da felicidade tanto podem investigar esses

    componentes separadamente, quanto podem usar medidas globais para avaliar o

    bem-estar subjetivo.

    Para Diener, Lucas &Oishi (2002), as teorias sobre felicidade podem ser

    categorizadas em trs grupos: teorias de satisfao de necessidades e objetivos,

    teorias de processo ou atividade e teorias de predisposio gentica e personalidade.

    As teorias de satisfao de necessidades giram em torno da idia de que a

    reduo de tenses como eliminao da dor e satisfao das necessidades

    biolgicas leva felicidade.

    Para as teorias de processo ou atividade, a felicidade o resultado do

    engajamento em atividades especficas. Nesse sentido, podemos compreender mais

    facilmente o caso do sujeito com o qual trabalhamos no Mestrado e que, a partir do

    diagnstico da AIDS, transformou-se num militante da causa, o que, por sua vez,

    acabou fazendo dele uma pessoa mais feliz (Graziano, 1998).

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    1.1.2. A Felicidade Humana

    Ainda neste mesmo grupo terico, destaca-se a teoria do flow

    (Csikszentmihalyi, 1992), que discutiremos melhor no captulo seguinte, e segundo a

    qual a felicidade conquistada atravs do engajamento em atividades desafiadoras

    que coincidem com o nvel de habilidade do indivduo.

    Conforme vimos, se considerarmos os dois grupos de teorias mencionados,

    podemos dizer que as pessoas experimentam bem-estar quando esto se

    aproximando de seus objetivos ou engajadas em atividades interessantes. Isso

    significa que para ambos os grupos, as condies de vida exercem uma grande

    influncia no bem-estar subjetivo (Diener, Lucas &Oishi, 2002). Porm tal influncia

    no suficiente para que encontremos uma relao direta entre variveis tais como

    prosperidade e felicidade (Csikszentmihalyi, 1999). possvel notar que h um

    elemento de estabilidade nos nveis de bem-estar das pessoas, que no pode ser

    explicado atravs da estabilidade das condies sob as quais elas vivem. Estudos

    com ganhadores de loterias levaram Brickman, Coates & Bulman (1978) a conclurem

    que estes no eram mais felizes do que o grupo controle, formado por pessoas que

    no haviam ganhado prmio algum. Isso leva a crer que o bem-estar subjetivo

    fortemente influenciado por disposies de personalidade estveis que refletem a

    tendncia do indivduo ao reagir cognitiva e emocionalmente em relao s

    circunstncias da vida (Diener, Lucas & Oishi, 2002). As teorias de felicidade que

    trabalham sob esse enfoque so chamadas de teorias de predisposio gentica e

    personalidade.

    Seligman (2004) faz uma distino entre o que chama de felicidade

    momentnea e os nveis constantes de felicidade do indivduo.

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    1.1.2. A Felicidade Humana

    Contudo, preferimos, assim como Diener, Lucas &Oishi (2002) falar em bem-

    estar subjetivo momentneo e de longo-prazo para diferenciar os momentos de

    felicidade episdicos dos nveis mais constantes de felicidade que se pode

    experimentar.

    Seligman (2004) afirma que o bem-estar subjetivo momentneo o qual chama

    de felicidade momentnea - pode ser facilmente aumentado atravs de artifcios

    simples como chocolate, uma comdia de cinema, uma massagem nas costas, um

    cumprimento, flores ou uma roupa nova (p. 61). Da forma como so descritos, tais

    artifcios se mostram intimamente ligados ao prazer e talvez seja exatamente por isso

    que eles se mostram to pouco eficientes na promoo do bem-estar de longo prazo,

    conforme explicaremos melhor no captulo seguinte.

    Embora seja difcil prever o quo feliz um indivduo ser num dado momento,

    quando tiramos uma mdia das emoes em vrias situaes diferentes, padres

    estveis de diferenas individuais aparecem (Diener, Lucas &Oishi, 2002). Atravs de

    uma pesquisa que investigava a estabilidade temporal das emoes em diferentes

    contextos, Diener e Larsen (1984) descobriram que, na amostra estudada, os nveis

    mdios de prazer experienciado nas situaes de trabalho apresentaram uma

    correlao de .74 com os nveis mdios de prazer experienciados em situaes de

    recreao; da mesma forma como os nveis mdios de satisfao com a vida em

    situaes sociais correlacionaram-se em .92 com a mdia de satisfao com a vida

    quando os sujeitos se encontravam sozinhos.

    Alm disso Magnus & Diener (1991 apud Diener, Lucas &Oishi, 2002) atravs

    de um estudo longitudinal, encontraram uma correlao de .58 entre medidas de

    satisfao com a vida num intervalo de quatro anos.

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    1.1.2. A Felicidade Humana

    De acordo com Seligman (2004) em menos de trs meses, eventos

    importantes, sejam eles positivos ou negativos, perdem o impacto sobre os nveis de

    bem-estar subjetivo, fazendo com que as pessoas voltem a apresentar seus nveis

    mdios de felicidade.

    Uma razo para a estabilidade e consistncia do bem-estar subjetivo que h

    um componente gentico substancial nele, ou seja, em algum grau as pessoas

    nascem prontas para serem felizes ou infelizes (Diener, Lucas &Oishi, 2002).

    Depois de compararem similaridades entre gmeos monozigticos e

    dizigticos, Tellegen (1988) e seus colegas estimaram que 40% da variabilidade em

    emoes positivas e 55% da variabilidade em emoes negativas podem ser previstas

    pela variao gentica. Embora tais estimativas estejam sujeitas a influncias

    ambientais, os genes realmente parecem influenciar as respostas emocionais

    caractersticas s circunstncias da vida (Diener, Lucas &Oishi, 2002).

    Com o objetivo de explicar a felicidade humana, Seligman (2004) prope a

    seguinte frmula: H = S + C + V onde H (happiness) corresponde ao nvel de

    felicidade constante, S (set range) so os limites estabelecidos aos quais o sujeito

    est submetido, C (circumstances) so as circunstncias da vida e V (voluntary)

    representa os fatores que esto sob o controle voluntrio do indivduo. Atravs dessa

    frmula, percebemos que a viso da Psicologia Positiva sobre a felicidade abrange os

    trs grupos tericos citados, na medida em que reconhece tanto a influncia da

    satisfao pelo atingimento de objetivos e suprimento de necessidades quanto atravs

    da realizao de determinados tipos de atividade, isto tudo sem negar a mediao

    gentica na experincia do bem-estar subjetivo. No entanto devemos considerar as

    palavras de Seligman:

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    1.1.2. A Felicidade Humana

    A felicidade, que o objetivo da Psicologia Positiva, no se

    resume a alcanar estados subjetivos momentneos. Felicidade

    tambm inclui a idia de uma vida autntica (...) e autenticidade

    descreve o ato de obter gratificao e emoo positiva atravs do

    exerccio das prprias foras pessoais, que so caminhos naturais

    e permanentes para a gratificao.

    (2004, p. 288)

    Nesse sentido acreditamos que a compreenso tanto da gratificao quanto

    das chamadas foras pessoais sejam fundamentais para que sejamos capazes de

    conhecer melhor os caminhos que levam tanto felicidade quanto ao bem-estar

    subjetivo. Por essa razo, dedicaremos os prximos captulos ao estudo desses

    conceitos.

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    1.1.3. Prazer e Gratificao na Psicologia Positiva

    1.1.3. Prazer e Gratificao

    na Psicologia Positiva

    Na cultura ocidental comum encontrarmos os termos prazer e gratificao

    usados como sinnimos. No entanto, a utilizao indistinta dos termos talvez chegue

    mesmo a justificar boa parte da dificuldade humana para atingir aquilo que chamamos

    de felicidade. De acordo com Seligman (2004) h duas maneiras de experimentarmos

    a felicidade no momento presente: atravs do prazer e atravs da gratificao. Para

    este autor, prazeres so definidos como sendo satisfaes com claros componentes

    sensoriais e fortemente emocionais, que se caracterizam por serem passageiras e

    exigirem pouco ou mesmo, nenhum, raciocnio. Nesse sentido, definimos como

    prazer: o xtase, o entusiasmo, o orgasmo, o deleite, o gozo, a exuberncia e o

    conforto.

    J a gratificao, por sua vez, no acompanhada, necessariamente, por

    qualquer sensao natural e se origina das atividades que gostamos muito de praticar

    e que nos envolvem, de tal forma, que perdemos a noo da realidade. Durante tais

    atividades, sentimos que nossas habilidades atendem ao desafio do que estamos

    fazendo e entramos em contato com nossas foras pessoais (Idem, 2004). Uma boa

    conversa, a leitura de um livro e a escalada de uma montanha so exemplos de

    atividades que podem levar gratificao.

    Vejamos melhor como estas duas emoes se diferenciam e como cada uma

    delas se relaciona com a conquista de uma vida feliz.

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    1.1.3. Prazer e Gratificao na Psicologia Positiva

    O Prazer:

    Em nossa cultura comum ouvirmos depoimentos de pessoas que, inquiridas

    acerca da felicidade que possuem, respondem com o jargo: felicidade so

    momentos. Interessante observar que, ao lado de tal declarao, quase sempre

    possvel identificarmos um certo desapontamento, talvez gerado pela frustrao de

    uma felicidade to fugidia. No dispomos de dados cientficos (nem se trata do foco

    desta pesquisa) para analisarmos se existe ou no tal desapontamento e se este ou

    no conseqncia do que apontamos. No entanto, acreditamos ser razovel supor

    que aqueles que no acreditam na felicidade em termos absolutos, talvez estejam,

    como veremos a seguir, confundindo-a com prazer. Para definir o prazer,

    Csikszentmihalyi (1992) afirma:

    O prazer uma sensao de contentamento que atingimos

    sempre que a informao da conscincia diz que as

    expectativas estabelecidas pelos programas biolgicos ou

    pelo condicionamento social foram satisfeitas.

    (p. 74)

    Nesse sentido, tomar um banho relaxante aps um dia cansativo, fazer uma

    boa refeio quando se est com fome ou mesmo viajar para a Europa nas frias,

    costumam ser importantes fontes de prazer e negar seu potencial de satisfao seria

    o mesmo que negar sua contribuio para aquilo que chamamos de qualidade de

    vida. A partir de sua complexidade, bem como do tipo de satisfao que

    proporcionam, chegamos a muitas formas diferentes de prazer.

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    1.1.3. Prazer e Gratificao na Psicologia Positiva

    Contudo, no podemos imaginar que, por si s, o prazer seja capaz de trazer

    felicidade (Csikszentmihalyi, 1992).

    Em linhas gerais, os prazeres se caracterizam por uma durao efmera, o que

    explicaria a j mencionada crena de algumas pessoas que, ao confundirem felicidade

    com prazer, sustentam a impossibilidade de se conquistar a felicidade seno por uns

    poucos momentos. A maior dificuldade em se construir a vida em torno de prazeres

    justamente seu carter passageiro. Assim que o estmulo cessa, eles [os prazeres]

    desaparecem rapidamente (Seligman, 2004 p. 123).

    Uma outra caracterstica do prazer sua incapacidade de promover o

    crescimento psicolgico e trazer complexidade ao self, pois embora ajude a manter a

    ordem da conscincia, no capaz, por si s, de nela estabelecer uma nova ordem

    (Csikszentmihalyi, 1992). Por estar mais ligada ao conceito de gratificao, a questo

    da complexidade do self ser melhor discutida mais adiante, a fim de facilitar a

    compreenso do leitor.

    De acordo com Seligman (2004), os prazeres se dividem em prazeres fsicos e

    prazeres maiores. Os prazeres fsicos permitem satisfao imediata e mantm estreita

    ligao com os rgos dos sentidos. A viso de um campo florido, o j citado banho

    quente ao final de um dia de trabalho, um gole de um bom vinho, o toque das mos da

    pessoa amada em nosso rosto so bons exemplos de situaes nas quais

    experimentamos o prazer fsico.

    Os prazeres maiores so, de acordo com esse mesmo autor, muito parecidos

    com os prazeres fsicos no que tange s sensaes positivas que proporcionam e

    sua brevidade. Porm so muito mais complexos em relao ao modo como se

    instalam, sendo tambm mais cognitivos, numerosos e variados do que os prazeres

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    1.1.3. Prazer e Gratificao na Psicologia Positiva

    fsicos. Os prazeres maiores podem, ainda, ser classificados de acordo com sua

    intensidade, conforme podemos visualizar na seguinte tabela:

    Tabela 1: Classificao dos prazeres maiores

    P R A Z E R E S M A I O R E S

    Alta Intensidade Intensidade Moderada Baixa Intensidade

    Enlevo, deleite, xtase,hilaridade, euforia,

    empolgao, sublimidade,jbilo e excitao.

    Animao, encantamento,vigor, regozijo, contentamento,

    alegria, bom-humor,entusiasmo, atrao e graa.

    Conforto, harmonia,divertimento, saciedade e

    relaxamento.

    Fonte: Seligman (2004)

    De acordo com a Psicologia Positiva possvel aumentarmos a quantidade de

    prazer em nossas vidas, desde que consideremos trs aspectos aos quais todosprazeres se encontram submetidos: habituao, apreciao e ateno.

    A habituao corresponde adaptao que ocorre ao nvel cerebral, em

    relao repetio de um mesmo prazer. ela que faz com que um mesmo prazer,

    repetido com freqncia, perca seu efeito. vida por obter o mesmo prazer anterior, a

    pessoa repete a mesma atividade por inmeras vezes. Essa insistncia provoca a

    habituao que, por sua vez, diminui ainda mais a possibilidade da obteno do

    prazer, fechando um ciclo vicioso. exatamente nesse aspecto que reside o potencial

    negativo do prazer, ou seja, sua capacidade de gerar dependncia. por isso que

    Seligman (2004) prope que os eventos geradores de prazer sejam intercalados com

    outros tipos de eventos, de forma a proporcionar um espaamento de tempo mais

    adequado e capaz de manter a habituao dos prazeres sob controle.

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    1.1.3. Prazer e Gratificao na Psicologia Positiva

    Para Bryant (1989) a apreciao consiste na conscincia e apreciao

    deliberada em relao experincia de prazer. Sendo assim, so quatro os tipos de

    apreciao: satisfao (em virtude do recebimento de elogios e congratulaes),

    agradecimento (resultado da expresso de gratido pelo que foi recebido),

    admirao (resultante da percepo da maravilha de um determinado momento) e o

    conforto (conseqncia do prazer dos sentidos) (Idem, 2004).

    Finalmente, temos a ateno como sendo o terceiro aspecto a ser considerado

    quando se pretende aumentar os momentos de prazer. O ritmo da vida moderna no

    parece favorecer o direcionamento da ateno para as atividades que provocam o

    prazer. Ameaados pela velocidade da informao, encontramo-nos hoje, mais do que

    nunca, atolados por crescentes exigncias pessoais, profissionais e sociais. So

    muitos os apelos que disputam a ateno do homem contemporneo e, talvez em

    nenhum outro momento da histria, eles tenham se apresentado de forma to

    dinmica. O avano tecnolgico, bem como os altos ndices de desemprego mundial

    apontam para uma necessidade de qualificao e aperfeioamento profissionais

    constantes, o que deixa pouco tempo para que possamos direcionar nossa ateno

    para atividades que nos trazem prazer. O socilogo italiano Domenico De Masi (1999)

    enftico ao afirmar que, ao construir sua vida em torno do trabalho, o homem

    perdeu, a partir da Revoluo Industrial, sua habilidade para o cio e para o lazer - ao

    que acrescentaramos ao prazer. Este autor afirma ainda a possibilidade de que o

    cio venha a se tornar, na sociedade ps-industrial, to importante quanto o trabalho,

    na medida em que, como conseqncia do prprio desenvolvimento tecnolgico, a

    oferta de emprego tem se tornado cada vez menor.

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    Enquanto isso no ocorre, ainda experimentamos um certo sentimento de culpa

    ao focarmos nossa disputada ateno para atividades to inteis quanto aquelas

    que, simplesmente, nos trazem prazer. Contudo esse um dos caminhos que levam

    uma vida prazerosa, ou seja, preciso que se focalize a ateno na atividade

    prazerosa a fim de que seja possvel beneficiar-se do prazer que ela provoca.

    Nesse sentido, devemos considerar tambm que a ateno fortemente

    influenciada pelos estados de humor (Hewitt, 2002), tendendo a ocorrer com muito

    mais facilidade quando acompanhada por um estado de esprito de tranqilidade, do

    que em meio a presses e preocupaes com o futuro (Seligman, 2004).

    A Gratificao

    De acordo com Csikszentmihalyi (1992), o sentimento de gratificao ocorre

    no simplesmente em funo da realizao de um desejo ou suprimento de uma

    necessidade, como ocorre com o prazer, mas sim quando a pessoa ultrapassa aquilo

    que foi programada a fazer, alcanando algo inesperado que, talvez, sequer havia

    imaginado. A gratificao caracteriza-se por impulsionar o indivduo para a frente no

    sentido de seu auto-desenvolvimento, provocando uma sensao de novidade e

    realizao.

    Aps um acontecimento que causa gratificao, sabemos

    que mudamos, que nosso self expandiu-se: tornamo-nos

    mais complexos em alguns aspectos, como conseqncia

    dele.

    (Csikszentmihalyi, 1992, p.75)

    1.1.3. Prazer e Gratificao na Psicologia Positiva

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    Para Seligman (2004) a gratificao, ao contrrio do prazer, no mantm

    relao com o prazer fsico nem se trata de um estado que pode ser quimicamente

    induzido ou alcanado atravs de alguma manobra. Para este autor, enquanto o

    prazer pode ser, conforme j vimos, descoberto, alimentado e ampliado, o mesmo

    no ocorre em relao gratificao. Enquanto os prazeres esto ligados aos

    sentidos e s emoes, as gratificaes esto ligadas ao exerccio das foras e

    virtudes pessoais (Idem, 2004). Considerando sua relevncia para a compreenso da

    gratificao - e por extenso, da prpria felicidade discutiremos melhor essas foras

    e virtudes no item 1.2. Por hora, suficiente que se compreenda que as situaes

    que levam gratificao exigem um investimento cognitivo que, quando em sintonia

    com as capacidades do indivduo, criam uma situao favorvel para que ele se deixe

    absorver completamente.

    importante salientar tambm, que a gratificao no se encontra no tipo deatividade que se exerce, mas na forma como a mesma exercida. Para

    Csikszentmihaly (1992) as mesmas experincias que nos do prazer so capazes de

    proporcionar gratificao. Comer uma refeio bem feita costuma dar prazer para a

    maioria das pessoas, sobretudo quando se est com fome. No entanto, so poucos os

    que conseguem, efetivamente, apreciar a comida. Para um gourmet, assim como para

    qualquer outro que seja capaz de diferenciar as diversas sensaes provocadas por

    uma refeio, possvel obter gratificao atravs do ato de comer (Idem, 1992). O

    filme dinamarqus A Festa de Babette, dirigido por Gabriel Axel, diferencia muito bem

    o prazer e a gratificao que podemos obter atravs da comida.

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    O que fica evidente no caso da gratificao sua maior complexidade em

    relao ao prazer, visto sua exigncia de investimento psquico na conquista de metas

    novas e desafiadoras.

    Talvez a melhor forma de compreendermos a gratificao, seja atravs do

    conceito de flow, desenvolvido pelo psiclogo de ascendncia hngara Mihaly

    Csikszentmihalyi em Csikszentmihalyi (1992, 1999) e em Nakamura e

    Csikszentmihalyi, (2002). No entanto, para compreendermos o flow devemos

    recorrer a dois outros conceitos: conscincia e self, que juntos, referem-se a um

    modelo desenvolvido paralelamente ao conceito de flow e que se prope a descrever

    a experincia humana em termos mais gerais (Csikszentmihaly & Csikszentmihaly,

    1988 apud Nakamura & Csikszentmihaly, 2002).

    A conscincia

    A conscincia funciona como uma espcie de central informativa que processa

    sensaes, percepes, sentimentos e idias, estabelecendo prioridade entre eles a

    fim de representar a informao sobre o que acontece dentro e fora do organismo, de

    modo que isso possa ser avaliado pelo corpo, fazendo-o agir de acordo

    (Csikszentmihalyi, 1992). Seguindo uma tendncia de compreenso da mente como

    um sistema de representao computacional, Johnson-Laird (1983) compara a

    conscincia a um tipo de sistema operacional do crebro, que, tal como fazem as

    plataformas Windows, DOS ou Macintosh, desempenham o papel de mudar as fontes

    de processamento, baseadas em quais tarefas tm maior prioridade.

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    A partir dessa metfora, a conscincia desempenharia o mesmo papel em

    relao aos contedos da mente, priorizando contedos de particular importncia

    sensorial e emocional.

    No entanto, a analogia entre conscincia e sistemas operacionais de

    computador deixa a desejar, na medida em que o crebro muito mais complexo do

    que o computador em relao ao processamento simultneo de informaes.

    (Thagard, 1998). Alm disso, a metfora do sistema operacional sugere que a

    conscincia desempenha um papel de processadora central quando, na verdade,

    sabemos que ela pode estar ligada a processos de interpretao descentralizados,

    paralelos e com muitas possibilidades (Dennett, 1991).

    Desde a dcada de 50, a cincia cognitiva, definida como sendo o estudo

    interdisciplinar da mente e da inteligncia (Thagard, 1998), vem se utilizando de

    representaes complexas e procedimentos na rea de computao. Ainda hoje,

    mesmo com o desenvolvimento das chamadas neurocincias, a teoria computacional

    indispensvel para a compreenso da evoluo da mente, na medida em que, mais

    do que na estrutura do crebro, o contedo da atividade cerebral reside nos padres

    de conexes e nos padres de atividade entre os neurnios (Pinker, 1998) ou seja, na

    forma como a informao entre eles processada.

    Isso no implica na aceitao da ultrapassada metfora do computador para a

    compreenso da mente humana (Idem, 1998), visto que:

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    ... os computadores so seriais, fazendo uma coisa por vez; os

    crebros so paralelos, fazendo milhes de coisas de uma vez.Computadores so rpidos; crebros so lentos. As partes de

    computadores so confiveis; as partes do crebro apresentam

    rudo. Os computadores apresentam um nmero limitado de

    conexes; os crebros possuem trilhes. Os computadores so

    montados segundo um projeto; os crebros tm de montar-se

    sozinhos.

    (Ibidem, 1998, p. 37)

    Para a Psicologia Positiva, no entanto, a melhor forma de analisar e

    compreender o funcionamento da mente atravs do chamado modelo

    fenomenolgico da conscincia, baseado na teoria da informao (Csikszentmihalyi,

    1992). Trata-se de uma representao fenomenolgica da conscincia, uma vez que

    lida diretamente com os acontecimentos fenmenos conforme os interpretamos e

    no com as estruturas cerebrais, processos neuroqumicos ou aspectos inconscientes

    que tornam possveis esses acontecimentos (Idem, 1992). Contudo, ao contrrio da

    fenomenologia pura que, intencionalmente, exclui de seu mtodo qualquer outra teoria

    ou cincia, o modelo mencionado emprega princpios da teoria da informao

    considerados relevantes para a compreenso do que acontece na conscincia. Esses

    princpios incluem o conhecimento de como os dados sensoriais so processados,

    armazenados e utilizados, o que, mais especificamente, corresponde compreenso

    acerca da dinmica da ateno e da memria (Ibidem, 1992).

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    Em linhas gerais, podemos dizer que a conscincia um sistema complexo que

    evolui no ser humano atravs da seleo, processamento e armazenamento de

    informaes (Nakamura & Csikszentmihalyi, 2002). Embora seja, inegavelmente,

    resultado de processos biolgicos, a conscincia desenvolveu a capacidade de

    ultrapassar suas instrues genticas e estabelecer seu prprio curso de ao

    independente (Csikszentmihalyi, 1992), o que determina, na viso da Psicologia

    Positiva, uma de suas caractersticas principais: a autodeterminao.

    Podemos dizer que boa parte dessa autodeterminao conseqncia da

    ateno. Enquanto tudo o que sentimos, cheiramos, ouvimos ou lembramos

    potencialmente capaz de penetrar na conscincia, as experincias que, de fato,

    acabam se tornando parte dela, so em nmero bem menor do que as que so

    deixadas do lado de fora (Csikszentmihalyi, 1992). Em outras palavras, a informao

    aparece na conscincia atravs do investimento seleti