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ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: MIL ANOS DE HISTRIA INDGENA NO ALTO XINGU
Neste texto, irei apresentar alguns resultados da pesquisa
que vimos desenvolvendo no Alto Xingu, mais especificamente entre
os Kuikuro, reunindo trabalhos arqueolgicos coordenados porMichael Heckenberger, lingsticos coordenados por Bruna
Franchetto e etnogrficos dirigidos por mim. A pesquisa rene
escalas temporais e problemas terico-metodolgicos heterogneos,
mas procura concentrar-se em algumas questes empricas comuns,
de modo a tornar comensurveis os dados provenientes de cada
uma dessas disciplinas. Aqui focalizarei os problemas relativos hierarquia e ao poder, procurando comparar os dados arqueolgicos
com aqueles etnogrficos. Para que melhor se compreenda o
problema, farei uma breve apresentao do modelo doHandbook
of South American Indians (doravante HSAI), que dominou nosso
imaginrio sobre a Amaznia at recentemente, procurando explicar
a razo de seu atual esgotamento. Em seguida, farei uma sntesedo que sabemos sobre a pr-histria do Alto Xingu para, ento,
falar do perodo de formao do sistema multitnico. Por fim,
procurarei vincular essa histria a uma visada do presente.
Um modelo em crise4
O nico modelo geral sobre as sociedades indgenas da
Amrica do Sul de que dispomos aquele proposto por Julian
Steward no HSAI, publicado entre 1946 e 1950. A classificavam-
se as formaes sociopolticas sul-americanas em quatro grandes
tipos, hierarquizados em funo da complexidade. Essa tipologia
fundava-se em uma associao estreita entre ecologia, modo deproduo e organizao sociopoltica, e possua uma
correspondncia geogrfica. No topo, vinham as civilizaes da
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costa do Pacfico e dos Andes Centrais: populaes densas,
sistemas intensivos de produo agrcola, criao extensiva de
animais, aparelho estatal sofisticado, estratificao social,especializao e desenvolvimento de tcnicas como a metalurgia.
Na base, estavam os povos marginais, um conjunto heterogneo
de sociedades definidas por possurem uma tecnologia rudimentar,
retirando seu sustento em ambientes inspitos por meio da caa e
da coleta. Entre esses dois tipos, tnhamos, na camada superior,
uma formao social posteriormente chamada de cacicado caracterizada pelo desenvolvimento incipiente de centralizao
poltico-religiosa, estratificao em classes e intensificao
econmica. Logo abaixo, vinham as tribos da floresta tropical:
horticultores com aldeias permanentes, mas sem instituies
propriamente polticas. Organizadas pelo parentesco, sem poder
poltico ou religioso destacados, seriam marcadas por forteigualitarismo.
Essa sntese continental dominou os estudos amaznicos at
pouco tempo. Antroplogos e arquelogos das mais diversas
correntes tericas aceitaram grosso modo a caracterizao
stewardiana sobre a cultura da floresta tropical. Aqueles de
formao materialista e ecofuncionalista buscaram explicar, por meio
de alguma determinao material, o porqu de no terem surgido
sociedades estratificadas e hierarquizadas na Amaznia.5 Na outra
ponta, autores de inspirao estruturalista e culturalista tenderam a
ver o igualitarismo renitente dos povos indgenas da Amaznia sob
um prisma positivo: no como falta ou atraso, mas como o produto
de um desiderato sociolgico ou ontolgico idia expressa na
forma mais acabada pela imagem da sociedade contra o Estado
de Pierre Clastres. Em ambos os casos, hierarquia, poder,
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estratificao, mesmo incipientes, no pertenceriam (nem poderiam
pertencer) ao mundo amaznico, passado ou presente.
Nas duas ltimas dcadas, esse imaginrio do HSAI parece
ter-se esgotado. Alguns de seus problemas foram logo notados,
mas ainda assim ele se manteve como modelo dominante at os
anos 1980, quando uma srie de evidncias contrrias j haviam se
acumulado.6 Essas evidncias resultam de um conjunto de trabalhos
em etnologia, arqueologia, demografia histrica, ecologia, que, em
linhas gerais, apontam para os seguintes fatos: primeiro, para uma
maior diversidade ecolgica da Amaznia, com a implicao de
que no podemos mais tratar a regio como um ambiente
homogneo, nem podemos nos limitar simples distino entre terra
firme e vrzea (Moran, 1995). Em segundo lugar, a Amaznia no
apenas mais diversa ecologicamente, mas parte dessa diversidade
parece resultar da ao humana; i.e., da alterao antropognica
pr-histrica de reas antes consideradas como floresta virgem e
que hoje so vistas como florestas culturais (Bale, 1989; Posey,
1985, 1998; Posey and Bale, 1989). Essa diversidade, que produto
da ao humana, no apenas vegetacional, mas tambm de solos,
antes vistos como uniformemente infrteis, salvo os solos aluviais
da vrzea que representam apenas 2% da Amaznia. Hoje, sabe-
se e este o terceiro fato que h solos extremamente frteis de
origem antropognica (a chamada terra preta do ndio), solos que
aparecem em uma poro significativa da terra firme da Amaznia
(cerca de 12%) (Petersen et al., 2001; Neves et al., 2003, Lehman
et al. 2003; Denevan, 2001).
Essas evidncias da ecologia histrica, somadas aos trabalhos
arqueolgicos sistemticos de mapeamento de grandes stios e
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estudos de demografia histrica, tm conduzido a estimativas mais
altas para a populao pr-Conquista, de tal modo que, hoje,
considera-se provvel a existncia de populaes pr-histricasmaiores e mais densas, principalmente ao longo da calha dos grandes
rios, mas no apenas (Roosevelt, 1980; Denevan, 1992;
Heckenberger, Petersen and Neves, 1999). Este o quarto ponto.
O quinto ponto que, junto com a reviso demogrfica,
emerge uma nova imagem das sociedades amaznicas, indicando
que teria havido maior integrao das populaes pr-Conquista,
com amplos sistemas de comunicao, de troca e de guerra,
interligadas local e regionalmente, alguns deles ativos inclusive
durante boa parte do perodo colonial (Lathrap, 1973; Boomert, 1987;
Whitehead, 1994; Heinen, 2000; Gassn, 2000; Vidal, 2000). As
ilhas de cultura, as aldeias isoladas cercadas de mata, passaram a
ser vistas antes como produtos do processo colonial, que conduziu
ao esgaramento das redes sociais do passado, do que como forma
social originria. Finalmente, passamos a considerar provvel a
existncia de sistemas hierrquicos, no-igualitrios, com poder
poltico destacado em vrias partes das terras baixas do continente,
em especial em sistemas multitnicos envolvendo povos de lngua
Arawak (C. Hugh-Jones, 1979; Chernela, 1993; Heckenberger, 2002,
2005; Hill & Santos-Granero, 2002; Combs & Villar, 2004; Combs
& Lowrey, no prelo).
Esse conjunto de evidncias sugere que a imagem da
Amaznia como um pntano natural, no qual estariam chafurdadas
inelutavelmente as culturas indgenas, incapazes de mover-se almdos limites estreitos do ambiente, est ferida de morte. Mas o que
isso significa em termos de nossa concepo sobre as formas,
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passadas e presentes, de organizao social e poltica na Amaznia?
Devemos abandonar a imagem das terras baixas sulamericanas
como reino da simetria e da igualdade? Acredito que sim, mas nopara passarmos ao seu extremo oposto, buscando, com certo sabor
ufanista, civilizaes perdidas na floresta ou grandes Estados
amaznicos. Temos que comear a admitir maior diversidade dos
processos sociais e formas de estruturao da vida poltica na regio.
chegada a hora de tambm desagregar a Amaznia no que
toca s formas de poder.
Para repensar essas questes, o Alto Xingu um caso
privilegiado, pois l encontramos, at hoje, formas bem definidas de
chefia e de hierarquia, bem como uma intensa ritualizao de um
poder cosmopoltico. Ademais, h uma boa dose de continuidade
entre o passado e o presente, o que nos permite conjugar o estudo
arqueolgico ao etnogrfico. Comecemos, ento, pela arqueologia.
Um milnio de histria
Apresento agora uma narrativa sobre a pr-histria xinguana.
Ela no de minha autoria, mas sim de meu colega MichaelHeckenberger (1996, 2001, 2005). Baseia-se em dados empricos,
que a aliceram em vrios pontos, mas a curva entre os pontos
preenchida por intuio, bom senso e economia explicativa. O ponto
final da narrativa o complexo xinguano tal qual o conhecemos
hoje: um sistema cultural reunindo povos pertencentes a trs dos
quatro maiores grupos lingusticos sul-americanos (Arawak, Karib
e Tupi). Nosso problema mais geral investigar como esse sistema
se constituiu e se transformou atravs do tempo. Quais foram as
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foras internas e externas que determinaram essas
transformaes?
O que chamamos, hoje, de Alto Xingu corresponde poro
meridional do Parque Indgena do Xingu, desde a sua fronteira sul
(latitude 13o S) at o Moren, local de confluncia dos rios Batovi,
Culuene e Ronuro. Em seu auge, entre os sculos XIII e XVII, o
sistema regional ocupava quase toda a drenagem dos formadores
do rio Xingu, desde a latitude 13o 15 S, estendendo por uma larga
faixa jusante da confluncia do Moren, at a foz do rio Suy
Missu. A regio transicional entre o cerrado e a floresta densa
amaznica, apresentando caractersticas ecolgicas bastante
prprias: embora dominada pela floresta tropical nas reas mais
elevadas, h campos abertos parcialmente inundveis, florestas de
galeria, e vrias formaes lacustres, de grande piscosidade,
interligadas muitas vezes por pequenos canais.
As primeiras evidncias slidas de ocupao xinguana de
que dispomos remontam ao sculo IX d.C. No temos dados sobre
stios pr-cermicos, talvez pela quase ausncia de abrigos rochosos
na regio.7 A colonizao inicial marcada pelo aparecimento de
aldeias circulares e de uma nica indstria cermica, que ficouconhecida na literatura como Ipavu. Dada a similaridade dessa
cermica com aquela contempornea, produzida apenas pelos povos
Arawak do Alto Xingu, a hiptese mais provvel que os primeiros
colonizadores fossem falantes de uma lngua Arawak, que migravam
de norte a sul desde a Amaznia central, como parte daquilo que
Heckenberger (2002) chamou de dispora Arawak. Eles teriamchegado periferia meridional da Amaznia e se dispersado em
um eixo leste-oeste, desde os campos da Bolvia at o Alto Xingu.
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A maioria dos grupos Arawak conhecidos histrica e
etnograficamente apresenta certos traos culturais recorrentes, que
foram sistematizados pela primeira vez por um autor difusionistaalemo, Max Schmidt. Seu trabalho caiu em dscredito nas dcadas
posteriores, mas foi recuperado por Heckenberger para explicar a
similaridade cultural entre povos Arawak to distantes como os
Taino (que dominavam as Antilhas na poca da Conquista) e os
colonizadores xinguanos. De um modo geral, encontramos vrios
dos seguintes elementos associados a povos Arawak: hierarquia(manifesta sob diferentes formas culturais), espaos pblicos
poltico-rituais bem definidos, a participao em sistemas pluritnicos
e multilnges, redes extensas de troca conformando sistemas
regionais com uma esfera pacfica, sedentarismo e uma horticultura
elaborada.8
A presena desses elementos entre povos arawak em reas
to distantes faz supor que j estivessem presentes naquela
populao ancestral, proto-Arawak, que comeou a se dispersar,
provavelmente a partir da Amaznia Central, cerca de 3 mil anos
atrs. Essa uma hiptese forte cujas implicaes precisam ser
explicitadas de sada. Primeiro, est-se supondo uma associao
estreita entre lngua e cultura, bem com a reteno de certa
gramtica cultural na longa durao. Se preciso prudncia analtica
nessa matria, no se pode deixar de notar a grande ressonncia
que muitas vezes encontramos entre um certo complexo cultural e
uma famlia lingstica. Essa ressonncia no superficial, nem
tampouco implica apenas similaridade, como nos mostrou Viveiros
de Castro (1986) ao propor uma estrutura sociocsmica comum
aos diferentes povos Tupi-Guarani. Se certo que a geografia no
indiferente cultura, no menos verdade que a equao entre
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descontinuidade espacial e descontinuidade cultural no
necessria. Famlias bem localizadas, como Pano e J, possuem
diferentes graus de similaridade e diferena, assim como Tupi-Guarani e Arawak, as duas famlias lingsticas de maior disperso
nas terras baixas sul-americanas. De todo modo, aceitar a reteno
de certas estruturas na longa durao, mesmo na ausncia de
proximidade geogrfica, no parece to problemtico. A dificuldade
maior consiste em determinar a relao entre essa reteno e a
lngua, pois aqui entram em jogo variveis de grandeza diferente:de um lado, a relao entre lngua, cultura e cognio; de outro,
aquela entre pragmtica lingstica e histria sociopoltica. No
pretendo neste texto aventurar-me nessa seara, apenas chamo
ateno do leitor para problemas que a formao do complexo
xinguano nos coloca.
O segundo ponto refere-se gnese de certos elementos da
gramtica cultural Arawak. Uma das implicaes da hiptese acima
que um conceito de hierarquia e distino social j estava bem
estabelecido na Amaznia, em populaes pouco densas, muito antes
do aparecimento de grandes aldeias. Isso implica que uma mudana
no plano ideolgico teria sido, nesse caso, pr-condio para os
processos de complexificao sociopoltica, que normalmente so
explicados por mudanas demogrficas, ecolgicas e/ou econmicas.
Em outras palavras, teramos aqui uma imaginao hierrquica antes
que fossem dadas as condies materiais para que ela se
expressasse na forma de chefias polticas destacadas uma idia
que me faz lembrar o que Sahlins diz sobre os pensadores do
Renascimento: que eles j tinham imaginando o cosmos como uma
ordem mundial capitalista, mesmo antes de superarem-se as relaes
pr-modernas de produo na Europa (2000, p.538).
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Seja como for, proponho que aceitemos, no atual estgio de
nossos conhecimentos, que os colonizadores Arawak chegaram ao
Alto Xingu com uma certa gramtica cultural estabelecida incluindoum senso de hierarquia e uma diferenciao clara entre espaos
pblicos e domsticos que se manifestou na forma anelar de suas
aldeais, com um centro poltico-ritual: a praa (Heckenberger, 2005,
p. 306-318). Essa populao colonizadora cresceu gradualmente
at meados do sculo XIII, quando teria ocorrido um salto. Por
volta de 1.250 d.C, um certo limiar demogrfico e sociopoltico pareceter sido ultrapassado: as aldeias no apenas cresceram em nmero,
como tambm aumentaram expressivamente de tamanho. Se entre
900 e 1.250 d.C, temos um desenvolvimento cumulativo, uma
historicidade lenta, a partir da temos uma acelerao que se estende
at meados do sculo XVII.
Nesse perodo, que Heckenberger denominou galtico, a
paisagem dominada por grandes aldeias, cerca de 10 vezes maiores
do que as atuais, circundadas por grandes estruturas defensivas
fossos com at 15 metros de largura, 3 metros de profundidade,
estendendo-se por at 2,5 km em torno da rea de habitao. Hoje,
conhecem-se 12 stios com esse sistema defensivo no Alto Xingu,
mas provvel que existam outros ainda no descritos, uma vez
que no h investigao arqueolgica cobrindo toda a regio. Os
fossos indicam que essa populao defendia-se de inimigos, mas
certamente esses inimigos no eram os prprios xinguanos, uma
vez que os stios esto interligados por caminhos bem definidos,
indicando no apenas contemporaneidade de ocupao, como
tambm uma interao social intensa entre as vilas fortificadas.
Esses caminhos, alis, seriam melhor definidos como estradas, pois
tm de 10 a 30 metros de largura e 4 a 5 quilmetros de extenso
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(Heckenberger et al., 2003). As grandes aldeias ligadas por essas
estradas estavam tambm conectadas a aldeias menores,
aparentemente satlites destas. Esses conjuntos formavam clustersde aldeias conectadas e espacialmente prximas. Nesse perodo
galtico, observam-se tambm outras modificaes estruturais com
a construo de pontes, canais, reservatrios, barragens, bem como
uma importante alterao da cobertura vegetal, causada pela
abertura de roas e pela provvel formao de pomares frutferos.
A transformao da paisagem notvel. Ela certamente
resultava de uma funo prtica defender-se de agresses,
interligar aldeias aliadas, alimentar uma crescente populao , mas
sua monumentalidade indicativa de uma funo poltico-ritual. Para
uma populao que no conhecia a roda, nem possua grandes
objetos a serem transportados de uma vila a outra, abrir estradas
monumentais (sem instrumentos de metal), respondia a imperativos
de uma economia da grandeza (Sahlins, 1990). O que estava em
jogo era o prestgio, a grandeza das aldeias e de seus chefes; o que
circulava pelas rotas retilneas ligando as vilas eram antes pessoas
do que mercadorias.
No preciso, porm, imaginar um sistema social radicalmentediferente daquele existente hoje para compreender o que ali se
passava. Uma comparao com o presente faz supor que por essas
estradas deslocavam-se aldeias inteiras, convidadas para participar
de grandes eventos rituais, em que se negociava um mundo
sociocultural comum. Atualmente, novas tecnologias foram
incorporadas a esse mesmo sistema: os tratores, os caminhes, aslanchas, que hoje servem para levar os visitantes a rituais intertribais,
tornaram-se importantes marcadores do prestgio de uma
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determinada aldeia e de seus chefes. Esse prestgio medido pelo
tamanho dos veculos motorizados e pelo nmero de pessoas que
so levadas para participar da festa, mas tambm pelo tamanho eretido do caminho principal, a amplido da praa, a beleza da casa
do chefe e assim por diante.
Em meados do sculo XVII ou talvez antes, o sistema galtico
entrou em colapso. No possvel saber ainda se esse processo
tem razes profundas, mas ele parece ocorrer de forma rpida. No
sabemos se ele conseqncia de uma limitao ecolgica, de
conflitos polticos, ou se resultou de fatores exgenos, tais como as
doenas introduzidas pela conquista que, mesmo na ausncia de
contato direto, j circulavam pela Amaznia e podem ter afetado
violentamente uma populao densa e sedentria. De todo modo, o
colapso das grandes aldeias marcado pelo abandono das estruturas
coletivas e pelo aparecimento de stios de menor porte, semelhantes
queles que seriam observados, j no final do sculo XIX, pelo
alemo Karl von den Steinen, a primeira pesssoa a deixar registros
escritos sobre o sistema indgena do Alto Xingu.
No momento da chegada de Steinen, o Xingu j era um
complexo sociocultural nico, pluritnico e multilnge, compostopor povos falando lnguas Tupi, Karib, Arawak e uma lngua isolada,
o Trumai. O que teria ocorrido entre o colapso do sistema galtico
e a chegada do viajante alemo?
A constituio dos xinguanos modernos
Os povos xinguanos tm uma verso comum para explicar o
processo de constituio do complexo pluritnico. Os habitantes
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originais, criados diretamente pelos heris mticos, so os Waur e
os Mehinaku (povos Arawak), bem como os Kuikuro, os Kalapalo,
os Nahukw e os Matipu (povos Karib). Os demais so intrusosque adentraram a regio em tempos histricos e adotaram os modos
de vida e valores culturais xinguanos. Dentre aqueles que chegaram
a partir do sculo XVIII, contam-se povos tupi (Kamayur e Aweti),
um povo arawak (Yawalapiti) e os Trumai.9
Para todos esses casos, h narrativas sobre sua chegada e
incorporao, ou para usar uma expresso comum no portugus
corrente do Alto Xingu, como eles deixaram de ser ndios bravos
e adotaram o pacifismo e o cerimonialismo xinguanos (ver, por
exemplo, Coelho de Souza, 2001; Monod Becquelin e Guirardello,
2001). Da perspectiva nativa, ser xinguano implica em aceitar um
pacote cultural muito bem definido que inclui: um conjunto de valores
ticos e estticos; o aprendizado de disposies corporais e
comportamentais; a adoo de uma alimentao que exclui carne
de animais de plo; alm da participao intensa em um universo
mtico-ritual, que torna pblicas as relaes hierrquicas entre chefes
e no-chefes, ao mesmo tempo em que expe, na forma de uma
competio regrada, a simetria entre os vrios grupos locais.
Esse sentimento de distintividade e unicidade, que marca a
altivez e a presuno xinguanas, no os impede de reconhecer que
a produo desse complexo cultural no foi um processo de mo
nica. A chegada dos povos Tupi e dos Trumai marcam um
enriquecimento dessa tradio: vrias das manifestaes rituais
xinguanas resultam da apropriao de rituais ou partes de rituaisdos povos xinguanizados. Em alguns casos, isso claramente
expresso por eles: o ritual do Javari, por exemplo, tido como de
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origem Trumai e Aweti, embora muitos dos cantos sejam em Tupi-
Guarani, pois sua incluso no sistema parece ter sido mediada pelos
Kamayur (Menezes Bastos, 1990). Nossa anlise preliminar dosconjuntos de msica vocal Kuikuro mostra que o amlgama
lingstico mais extenso do que imaginvamos de incio. Os cantos
do Kwarup, por exemplo, so tanto em Arawak, como em Karib,
como em Tupi.10 Assim, mesmo os ritos mais centrais do complexo
xinguano, cuja origem remonta aos tempos mticos, trazem as marcas
do processo histrico de hibridao que ocorreu nos ltimos sculos.
Esse processo produziu elementos comuns, mas tambm foi
preciso preservar velhas diferenas e produzir novas. Assim, se
houve fluxos de genes e de idias que conduziram a um mesmo
padro cultural e a um fentipo semelhante (Santos e Coimbra,
2001), houve manuteno das diferenas lingsticas (Franchetto,
2001) e produo de um conjunto de micro-distines rituais (modos
de execuo dos maracs, conjuntos alternativos de cantos...)
alm, claro, do conhecido sistema de especialidades artesanais.
Todo coletivo politicamente autnomo e aqui autonomia poltica
equivale a patrocinar rituais intertribais precisa representar-se
com suas particularidades no cenrio partilhado das grandes festas
xinguanas.
O processo de constituio do complexo xinguano apresenta,
ademais, uma tenso entre hibridao simtrica e incorporao
assimtrica. O modelo nativo, mesmo na verso dos povos
incorporados, supe um movimento assimtrico de aculturao:
Kamayur, Aweti, Trumai fizeram-se gente ukugetil, comodizem os Kuikuro, tornaram-se kuge, categoria que designa os
alto-xinguanos, bem como a condio e a forma humanas. Como
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Xingu, at a entrada do Portugus, uma lngua franca, como ocorreu
nos Andes com o Aimara e o Quchua ou melhor, como sugere
Menezes Bastos (1978, 1995, p.257), essa lngua franca foiencontrada na prpria vida ritual e em suas expresses musicais e,
como vimos, tudo indica que houve a uma notvel hibridao. Isso
sugere que os povos intrusivos no foram incorporados em posio
de submisso; se h assimetria no processo, no h propriamente
dominao. No ocorreu uma expanso a partir de um centro, mas
sim a absoro local de povos que, fugindo da compresso territorialcausada alhures pela conquista, adentraram a regio dos formadores
do rio Xingu. Assim, por exemplo, os Waur, atacados
recorrentemente pelos Kamayur no sculo XVIII, acabaram por
xinguaniz-los, mas tiveram que lhes ceder uma rica rea ecolgica,
onde antes habitavam. Foi a seduo xinguana que conquistou os
Kamayur, no a submisso pela guerra.
Tal estratgia contrasta no apenas com a expanso imperial
no altiplano andino, como tambm com a predao familiarizante,
expresso que cunhei para falar da guerra e do xamanismo na
Amaznia (Fausto, 1999, 2001). O dispositivo xinguano de
incorporao da alteridade o que eu chamaria de entrelaamento
relacional, i.e., a produo de mais e mais relaes cordiais por
meio de visitas, de presentes, de casamentos, que acabam por tecer
uma trama de identidade mais densa que aquela das diferenas.
Diante da ameaa de guerra alm de defender-se e retaliar as
agresses a constelao xinguana procurava refigurar-se,
envolvendo e incorporando o agressor sempre que isso fosse
possvel. Assim fizeram com os Kamayur, com os Trumai, com os
Bakairi, com os Aweti, com os Yawalapiti e talvez tivessem
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conseguido faz-lo com os Suy, caso a situao poltica no tivesse
mudado a partir das expedies de Karl von den Steinen. A arte
xinguana do envolvimento pela extrema simpatia que todos nsque l trabalhamos to bem conhecemos uma arte poltica da
diplomacia e da manipulao. Esse ethos tece teias, lana suas
tramas e trama a domesticao do outro, fazendo uso do espetculo
ritual como modo pblico de apresentao e converso da
alteridade. Essa seduo , de certo, um jogo de poder, mas ao
contrrio da expanso imperial um jogo no-centralizado, difuso ereticular, que parece ocorrer nas franjas locais do sistema. A fora
de atrao do complexo xinguano parece prescindir, assim, de um
centro nico.
A constituio do pluralismo xinguano, para usar uma
expresso de Heckenberger (2005, p. 152-162), mostra-nos, enfim,
como continuidade e transformao esto entrelaadas no processo
histrico. A colonizao com toda sua violncia e disrupo, no
excluiu processos de reconstruo e recriao cultural, conduzidos
pelos prprios povos indgenas. comum supor que a histria da
Conquista representa, para os ndios, apenas uma sucesso linear
de perdas em vidas, terras e distino cultural. A cultura xinguana
que aparecer para a nao brasileira nos anos 40 como o smbolo
de uma tradio esttica, original e intocada o resultado de uma
histria de contatos, transformaes e continuidades de longa
durao, que se inicia no final do primeiro milnio e continua at
hoje.
Falemos, ento, do presente.
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Uma viso do presente
A constelao xinguana sempre foi vista como algo anmalona paisagem geral da Amaznia. Os prprios xinguanos se vem
um pouco assim: sua relao com os demais ndios , ainda hoje,
marcada por ambivalncia. No gostam de se misturar quando vo
cidade, reivindicam Funai e Funasa locais exclusivos para
eles, mantm um delicado distanciamento dos parentes no-
xinguanos, no entendem bem a poltica da fala dura dos chefesJ que contrasta com a obrigatria fala mansa de seus chefes, e
parecem acreditar cada vez mais que tm a exclusividade da
cultura no incomum ouvi-los dizer que os ndios por a
perderam a cultura, s ns que estamos guardando. Mesmo os
etnlogos que trabalharam na regio tambm tenderam a constru-
la como um mundo parte.13
A seduo xinguana a todos suga,independentemente de credo ou condio. difcil escapar a seus
encantos.
A despeito de sua singularidade, contudo, preciso reintegrar
o Alto Xingu no panorama amaznico, no apenas no que tange
sua ontologia (como fez Barcelos Neto, 2004), mas tambm no que
toca sua forma sociopoltica. fato que o Alto Xingu diferencia-se de um tipo de formao sociocultural, provavelmente hegemnica
na floresta densa durante o sculo XX, que denominei predatria
ou centrfuga e que caracterstica de povos como os Jivaro,
Yanomami, Arara, Mundurucu, Parakan, entre muitos outros
(Fausto, 2001). Que tipo de formao sociopoltica esta? Ela
caracteriza-se por redes sociais instveis, no-hierrquicas, formadaspela agregao de grupos locais articulados pela troca e pela guerra.
A produo de pessoas e coletivos depende da aquisio contnua
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simblicas. No Alto Xingu, desenvolveu-se um complexo sistema
de intercmbio envolvendo bens de prestgio, especialidades
artesanais e pessoas, que opera em vrios nveis de incluso. Certosobjetos artesanais, cuja produo monoplio de comunidades
especficas, funcionam como meio de pagamento pelos servios
realizados por xams e especialistas rituais, para compensar agravos
e, inclusive, como pagamento da noiva (Basso, 1973).14 Alguns
autores chegaram a ver nos objetos de luxo uma espcie de
moeda (Dole, 1958), formulao teoricamente discutvel, mas queaponta para a importncia dos colares e cintos de conchas, das
cermicas finas, dos arcos de madeira preta, entre outros objetos,
como mediadores de relaes sociais no Xingu.15
Em sua forma mais pblica, o complexo cultural xinguano
produziu uma representao de sua singularidade, para si e para
outros, na vida ritual. H mais de uma dezena de diferentes festas
no Alto Xingu. Todas elas estruturam-se em torno de um conjunto
de cantos, uma ou mais narrativas mticas e uma rotina coreogrfica
precisa, marcada no tempo e no espao da aldeia. Parte dos rituais
so intratribais, i.e., so realizados exclusivamente por um povo,
sem a presena de convidados; outros incluem a participao de
duas ou mais aldeias e ocorrem, em sua maioria, na estao seca,
que vai de junho a setembro. Em todos os rituais intertribais ocorre
a luta esportiva, em que anfitries e convidados se enfrentam (a
nica exceo o Javari, em que a luta corporal substituda pelo
duelo de dardos). No passado remoto, havia tambm competies
de corrida e, em um passado recente, jogos de bola.
Todos os rituais tm uma estrutura organizacional comum:
h um dono, que responsvel por sua realizao e que auxiliado
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exatamente uma classe hereditria de nobres, nem tampouco uma
posio provisria de alguns poucos lderes escolhidos. Eles definem,
antes, uma condio que precisa ser herdada e, ao mesmo tempo,confirmada ritualmente. Entre os Kuikuro, so anet os que
descendem, por linha materna ou paterna, de um anet. Mas h
aqui gradaes: h aqueles que so s um pouco anet, os que
so metade anet (isto , chefe apenas por uma das linhas,
materna ou paterna) e outros que so completamente anet.18
Esta gradao , ao mesmo tempo, um fato genealgico objetivo eum fato poltico sujeito a manipulaes estratgicas (cf. a distino
entre legitimidade e competncia, em Heckenberger, 1996).
Ela depende da biografia de cada um: do comportamento generoso
e modesto, mas ao mesmo tempo assertivo; da beleza e da altura
que resultam do respeito s normas da recluso pubertria; da fama
adquirida por meio da luta e das funes rituais que desempenhouao longo da vida; e, hoje, cada vez mais, da capacidade de
interlocuo com a sociedade envolvente.
Se no h propriamente uma classe de chefes, no h
tampouco uma classe de no-chefes que a ela se oponha enquanto
grupo social. Na verdade, a gente do comum aqueles que no
podem reivindicar nenhuma ascendncia de chefia so menos
numerosos do que aqueles que podem faz-lo. Essas pessoas so
ditas talokito, gente toa, ordinria, um termo que pode ser
utilizado tambm para falar de um objeto de pouco valor, e que
contrasta com o termo aplicado aos grandes chefes, que so ditos
preciosos, indispensveis (thninh aneti); i.e., gente de
quem sentimos falta. Se so poucos os irremediavelmente talokito,
preciso dizer que a maioria daqueles que, em tese, poderiam
reivindicar algum ascendncia de chefia jamais o far, construindo
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uma biografia tpica de simples seguidores de um chefe.19 Esse
o destino mais comum dos filhos no-primognitos de chefes
menores, de tal forma que apenas uma minoria ser efetivamentereconhecida como anet.
No creio que exista qualquer noo, pelo menos entre os
Kuikuro, do que Barcelos Neto (2004), ao descrever o sistema
Wauja, designa como substncia nobre, o equivalente concepo
europia de nobreza de sangue. No aqui o momento de detalhar
essa questo, pois ela passa por uma anlise dos limites da chamada
comunidade de substncia ou comunidade de abstinncia que,
no caso Kuikuro, restringe-se a genitores e irmos germanos. O
ndice e veculo da anetcidade no a substncia, mas o nome,
cuja transmisso se d entre geraes alternadas, i.e., de avs para
netos. a memria de um nome famoso, o trao que ele deixa no
tempo, que constitui o capital hereditrio de um jovem chefe.
De todo modo, s aqueles que podem reclamar alguma,
digamos, anetcidade podem t-la reconhecida publicamente por
meio dos rituais. E a forma mais geral de faz-lo destacando
certas pessoas para serem chefes dos convidados (hagito
anetg) que iro participar de um ritual intertribal. Toda aldeiachamada a participar de um ritual intertribal deve escolher trs chefes
que iro conduzir os seus membros at a aldeia anfitri. H sempre
uma ordem hierrquica interna a esse conjunto. Os xinguanos tm
uma verdadeira obsesso pela ordenao: tudo tem sempre um
primeiro, um segundo, um terceiro, um quarto, um quinto, no importa
do qu. Essa obsesso indica uma visada claramente hierrquica o mundo no feito de iguais, mas de pessoas dispostas segundo
uma lgica ordinal.
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A condio de chefe dos convidados marcada pelo fato
de serem recebidos formalmente pelos chefes da aldeia anfitri e
permanecerem, durante todo o ritual, sentados em bancos. Por isso,dizer que algum foi sobre o banco (tahaguhotel) o mesmo
que dizer que ele um chefe. Assim, so minimamente anet
aqueles que tm ascendncia apropriada e que foram, uma ou mais
vezes, sobre o banco, i.e., foram chefes dos convidados em
rituais intertribais. Atualmente, quase todas as casas em torno da
praa da aldeia Kuikuro de Ipatse tm pelo menos uma pessoaconsiderada anet, homem ou mulher (normalmente o dono da casa
ou seu filho primognito). Quando h alguma ascendncia de chefia
na famlia, a comunidade tende a destacar o(a) primognito(a)
confirmando-lhe ritualmente como chefe, condio que os irmos
mais novos no iro reclamar seno em caso de morte do irmo
mais velho. A escolha envolve tambm uma avaliao do carterda pessoa. Um chefe no pode jamais se zangar (-kotu); pessoas
que demonstram raiva no podem ser anet e, se j o so, colocam
em risco sua anetcidade. A contrapartida da chefia a confiana.
A comunidade deve confiar no chefe dos convidados, pois cabe
a ele cuidar do grupo durante a viagem: organizar o transporte,
receber e distribuir a comida, a bebida, a lenha. Deve ser o primeiroa sair e o ltimo a voltar, deve comer depois que todos se serviram,
deve permanecer sentado sob o sol escaldante, rijo sobre o banco,
mesmo quando muitos j se dispersaram ao final da festa procura
de sombra na casa de amigos e parentes.
Se h quase sempre um chefe dos convidados em cada casa
em torno praa, h casas e setores da aldeia em que h vrios
deles. Os descendentes de chefes importantes do passado e os
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irmos adultos dos principais chefes do presente, so todos eles
considerados anet. Deles pode se dizer que no so apenas chefes
dos convidados (hagito anetg), mas chefes das pessoas (kugeanetg). Os chefes famosos do presente e do passado so aqueles
que efetivamente decidem ou decidiram os destinos da comunidade
e que normalmente so tambm os donos das estruturas comunais.
Pois alm de donos de rituais, os chefes podem ser donos do caminho
para o porto, do caminho principal pelo qual os convidados chegam
aldeia, da casa masculina que fica no centro da aldeia, da casa dochefe, que toda decorada internamente, do ptio central onde os
homens adultos renem-se ao cair da tarde e, por fim, pode-se ser
dono da prpria aldeia. O chefe principal em exerccio, porm, no
necessariamente o dono da aldeia, mas aquele que recebe os
enviados de outras aldeias proferindo a fala do chefe (anet
itaginhu), isto , a fala de recepo dos mensageiros (tinhitagimbakitoho) ele o dono do discurso da chefia (Franchetto,
1993, 2000). Desse chefe principal, diz-se tambm que ele nosso
suporte, nosso assento (ikpo). Se chefes so minimamente
aqueles que vo sobre o banco, o chefe executivo ele mesmo
um banco, um suporte da comunidade.20
Ser dono de uma dessas estruturas coletivas significa zelar
por elas e ser capaz de mobilizar trabalho coletivo para conserv-
las, sempre provendo de alimentos queles que participam do
trabalho. No so apenas os donos de estruturas coletivas que
devem prover a comunidade de alimento durante sua construo
ou mesmo manuteno, pois estas atividades envolvem com
freqncia a realizao de um ritual. Donos de ritual devem sempre
alimentar a comunidade, seja em doses homeopticas, por meio
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das ofertas perdicas de comida e bebida para os espritos, seja de
forma massiva, quando da realizao de uma festa. Tudo isso implica
grande quantidade de trabalho e por essa razo que os pedidores(ih) devem auxiliar o dono (oto), inclusive abrindo roas para
ele (ou mais exatamente para os espritos) e mobilizando trabalho
coletivo para ajudar na consecuo do ritual.
O dono um zelador (igakisitinhi), algum que deve
cuidar (igakisil) de um objeto, de uma estrutura, de um animal
de estimao, dos filhos, do ritual e da prpria comunidade. A relao
mestre-xerimbabo que, alhures, caracterizei como sendo uma filiao
adotiva envolvendo controle e proteo, e que propus ser o idioma
amaznico das relaes assimtricas de controle simblico, surge
aqui como uma linguagem cosmo-poltica das relaes hierrquicas.
Se, no caso Parakan, ela era antes xamnica do que poltica, aqui
ela generaliza-se como linguagem do poder, fazendo convergir o
conjunto de relaes de maestria para o centro da praa e para seu
dono, o hugogo oto. Temos assim uma configurao distributiva
do poder que encadeia inmeras relaes de maestria, da qual
participam humanos e no-humanos, e que reverberam na praa
central da aldeia.
Ao nvel supralocal, contudo, essa reverberao limitada.
As aldeias de um mesmo povo podem ainda estar relacionadas
de forma hierrquica, de tal modo que a aldeia principal para as
demais o equivalente da praa central para uma s estrutura alde.
essa a situao poltica que parece explicar a configurao dos
clusters de aldeias no perodo galtico (Heckenberger et al., 2003).Ela tambm vlida para o presente. Os Kuikuro habitam hoje trs
diferentes aldeias: Ipatse, Afukuri e Lahatu. A primeira detm a
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exclusividade dos rituais intertribais. Chefes das outras aldeias
devem ser enterrados na praa central de Ipatse e festas como o
Kwarup, o Javari, Jamurikumalu s pode ser realizado ali. Tambms Ipatse pode receber os mensageiros, os representantes dos chefes
de aldeias aliadas que fazem o convite para participao em rituais
intertribais.
A relao de subordinao ritual entre aldeias de mesmo
povo objeto de conflito e de negociao poltica. Tanguro, por
exemplo, a segunda aldeia Kalapalo, tem hoje o status de uma aldeia
independente, deixando de ser satlite de Aiha. A aldeia Kamayur
de Moren, aps vrios anos de existncia e intensas negociaes,
conseguiu, finalmente, receber mensageiros Kuikuro em 2005,
apesar da oposio dos Kamayur de Ipavu, que supostamente
teriam dito a um chefe kuikuro: por que mandar mensageira para
l se no h chefes para receb-los?. Normalmente, porm, essas
aldeias de um mesmo povo tendem a continuar a participar dos
rituais como uma nica unidade.
O limite superior da hierarquia do sistema parece ser,
justamente, a autonomia dessas unidades que estou chamando de
povos (em kuikuro, itag)e que, hoje, so designadas pelosetnnimos Kuikuro, Mehinaku, Kamayur e assim por diante. Essas
designaes refletem processos histricos que, aqui, no cabe
analisar, pois isso implicaria uma reviso necessria sem dvida
do prprio conceito de povo no Alto Xingu. Para os fins deste
texto, basta notar que no h qualquer reverberao entre as praas
das aldeias de povos distintos, de tal modo que o Alto Xingu ,hoje, multicntrico. Minha impresso que tambm foi assim no
passado, mesmo no perodo galtico, combinando-se espaos de
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hierarquia e de simetria. Talvez tenha sido este o limite mximo da
centralizao poltica na regio.
Coda
Espero ter deixado claro que a configurao espacial descrita
do ponto de vista arqueolgico codifica, hoje, um universo de donos
e de chefes que produzem uma integrao ritual que tanto intra-
alde quanto interalde. O ritual tambm o mecanismo pelo qualse mobiliza fora de trabalho para a construo de estruturas
comuns ou para a produo de excedentes alimentares (cf. Carneiro
and Dole, 1958). Trata-se, assim, de uma economia ritual do prestgio
que est toda codificada no espao aldeo, e que pode ter sido, no
passado, o mecanismo pelo qual se viabilizou a construo de grandes
estradas, pontes, estruturas defensivas e assim por diante (cf.Heckenberger 2005, p.291-318). O problema da interpretao do
registro arqueolgico , portanto, menos o de saber quantas pessoas
em quanto tempo poderiam ter construdo as valetas com mais de 2
km ou as estradas com mais de 5 km de extenso, e antes o de
saber qual a configurao sociopoltica que tornou isso no apenas
possvel, mas tambm necessrio, desejvel e pleno de significado.
Os dados do presente indicam que um sistema bastante
semelhante ao atual poderia explicar boa parte do registro
arqueolgico. No necessrio supor grande descontinuidade, a
despeito da diferena de escala. A escala evidentemente faz
diferena: possvel, por exemplo, que, no passado, existisse uma
percentagem menor de pessoas que podiam reclamar o status
mnimo se que isso existia de chefe dos convidados. Talvez
esse status definisse quem morava em torno da praa, controlando
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o espao pblico-ritual, e quem vivia nos anis exteriores, como
sugere Heckenberger (2005). Um fato a ser notado que, nas
ltimas dcadas, houve uma intensificao na realizao de rituaisintertribais graas s novas tecnologias de comunicao, de
transporte e de pesca, o que exigiu uma ampliao do nmero
daqueles que assumem a funo de chefe de convidados.
Seja como for, parece-me possvel dizer que tanto o sistema
do passado como o do presente so claramente amaznicos. No
so uma anomalia na paisagem que conhecemos historicamente,
encontrando paralelos em outras regies etnogrficas hoje
profundamente alteradas. Temos que considerar, portanto, que o
sedentarismo, o pacifismo, a hierarquia e a regionalidade xinguanas
no so um captulo parte da histria da Amaznia, mas talvez
uma formao social relativamente comum, que teria inclusive sido
dominante em partes da floresta tropical antes da crise demogrfica
produzida pela colonizao.
Notas
1
A origem deste texto uma conferncia que proferi com Michael Heckenbergerna reunio da SBPC em Cuiab, em 2004, intitulada Mil Anos de HistriaIndgena no Alto Xingu. Agradeo a Ildeu de Castro Moreira pelo convite. A suaprimeira verso escrita foi apresentada em outra conferncia, desta vez naUniversidade Catlica de Gois, no dia 19 de abril de 2005. Agradeo a ManuelFerreira Lima Filho e a Roque de Barros Laraia pelo convite e acolhida. Partes dotexto foram incorporadas em um artigo ainda indito (Fausto, Franchetto eHeckenberger, no prelo), exposto originalmente no Max-Planck Institute emNijmegen, Holanda, em maio de 2005. Os dados apresentados aqui resultam de
pesquisa em colaborao com Bruna Franchetto e Michael Heckenberger, aquem agradeo de corao. Agradeo, ainda, o apoio financeiro do CNPq, Faperje Finep, bem como a gentileza dos Kuikuro em receber-me durante todos essesanos.
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2Carlos Fausto professor do Programa de Ps-Graduao em AntropologiaSocial do Museu Nacional, UFRJ e pesquisador do CNPq. Publicou Os ndiosantes do Brasil (2000), Inimigos Fiis: Histria, Guerra e Xamanismo na
Amaznia (2001), alm de artigos em revistas nacionais e internacionais. Editou,com Michael Heckenberger, Time and Identity in Indigenous Amazonia (no prelo)e com John Manuel Monteiro, Tempos ndios: Histrias e Narrativas do Novo
Mundo (no prelo). Prepara livro sobre os Kuikuro do Alto Xingu, intituladoprovisoriamenteA Inveno Ritual da Cultura: Uma Arqueologia do TempoPresente.
3O desaparecimento deu origem a tantas expedies de busca, que os ndios, j noperodo villas-boasiano, forjaram o achado dos restos mortais do clebre coronel,
de modo a se verem livres de tanto incmodo. Ainda hoje, porm, a histria deFawcett traz jornalistas ao Xingu. Veja-se, por exemplo, a bem humoradareportagem de David Grann, The Lost City of Z: A Quest to Uncover theSecrets of the Amazon,New Yorker, September 19, 2005.
4 Retomo aqui algumas passagens de meu livro Os ndios Antes do Brasil.
5Muitos concentraram-se no espinhoso problema da demografia indgena pr-Conquista. No modelo de Steward, os tipos organizacionais correspondiam aum certo limiar demogrfico e a complexificao social era vista como uma
resposta adaptativa ao crescimento populacional. Por isso, muitas das hiptesespara explicar a suposta estagnao das culturas da floresta tropical amaznicafocalizaram fatores ecolgicos que teriam limitado o crescimento demogrficona regio, tais como a escassez de solos frteis (Betty Meggers, 1954, 1957)ou a baixa densidade de protena animal (Daniel Gross, 1975, 1982). Nenhumtrabalho emprico, contudo, conseguiu demonstrar a existncia de tal limite,ou, pelo menos, no conseguiu impor-se a outras pesquisas que indicavamexatamente o contrrio (ver, por exemplo, Carneiro, 1961; Lizot 1978;Beckerman, 1979).
6Desde o incio houve dificuldades com a categoria marginais, em particular emsua aplicao aos povos J do Brasil Central (cf. Lvi-Strauss, 1958). Haviaproblemas tambm na classificao dos povos alto-xinguanos, bem como notratamento diferenciado de materiais amaznicos e circumcaribenhos: os primeirosgeneralizados a partir de dados do incio do sculo XX e os segundos a partir dedados do sculo XVI. Em um livro de sntese posterior, Steward enfrentoualguns desses problemas (Steward & Faron, 1959), mas pouco modificou seuesquema. Lvi-Strauss (1993), dcadas depois, lembraria que muitas dessas
crticas j circulavam durante a prpria feitura do HSAI.7O nico abrigo ocorre no limite sul do territrio xinguano (mas excludo dadelimitao do Parque Indgena do Xingu), junto ao rio Batovi, s coordenadas13o 14 55 S, 54o 1 23 W. Conhecida pelo seu nome Arawak, Kamukwak
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um dos principais stios da cartografia sagrada xinguana, local de origem do ritualde furao de orelha. Kamukwak e Sagihengu (local do primeiro Kwarup, situados margens do rio Culuene), demarcavam o limite meridional do complexo alto-
xinguano, constitundo a fronteira sul com os povos Macro-J. No final dosculo XIX, quando das viagens de Steinen, a regio de Kamukwak era ocupadapelos Bakairi Ocidentais (ou Bakairi Xinguanos), em estreita relao com osKustenau e os Wauja, ambos de lngua Arawak (cf. Fausto, 2004). At algumasdcadas atrs, estes ltimos costumavam ir ao abrigo rochoso pelo rio, mas aocupao das margens do Batovi por fazendas fez com que abandonassem essaprtica. Nos ltimos anos, eles vm realizando viagens por terra, acompanhadospor funcionrios da Funai e antroplogos, visando preservao do stio, hojesem qualquer proteo legal.
8Santos-Granero aponta os seguintes elementos como sendo caractersticos deum ethos ou matriz Arawak: a) recusa da guerra interna; b) estabelecimento dealianas polticas em nveis mais amplos; c) nfase na descendncia econsanginidade; d) o uso de ancestralidade, genealogia e rankhereditrio comobase da liderana poltica; e) centralidade da religio na vida sociopoltica (Santos-Granero 2002, p. 44-45).
9 possvel que os Yawalapiti sejam tambm descendentes da populaocolonizadora Arawak, que, durante o perodo galtico, ocupavam uma regiomais ao norte, jusante da confluncia do Moren. O fato, no entanto, que, daperspectiva dos xinguanos oitocentistas, esse grupo, que migrava de norte a sul(Viveiros de Castro, 1977), entrou na regio dos formadores onde outros Arawake os Karib j haviam construdo um complexo cultural comum.
10Os cantos kuikuro do kwarup, chamados uguhi igis, dividem-se em duassutes: a primeira, que para ser apenas cantada, composta por oito cantos; asegunda, que acompanhada pela dana, composta por dezessete cantos.Analisando as letras com uma pessoa bilngue (Kuikuro e Mehinako), pudemos
identificar palavras em Wauja/Mehinako em algumas canes, bem comoexpresses em Yawalapiti em duas outras em ambos os casos, eram palavrasArawak adaptadas fonologia kuikuro. Reconhecemos tambm frases em Karibem quatro outros cantos, mas no fomos capazes de traduzir integralmentenenhum deles. O mestre-cantor (eginhoto), com quem fizemos as gravaes,identificou tambm palavras-rtulo em Arawak, Karib e em Tupi, que lhepermitem situar os cantos em termos da ao ritual, alm de servir como recursomnemotcnico (sobre isso, ver Severi, 2004).
11
Noto que essa continuidade no se manifesta apenas na indstria cermica, mas,sobretudo, na forma da aldeia e na utilizao dos espaos em seu entorno,indicando uma estabilidade na configurao espacial do sistema, seja no planointerno das aldeias, seja no plano da articulao entre aldeias. As dimenses sooutras e no temos mais grandes estruturas defensivas ou grandes estradas; a
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configurao, porm, a mesma, o que sugere uma notvel resilincia do sistemacultural xinguano, pois o espao ali mais do que um plano fsico culturalmentecodificado sobre o qual se desenrolam as aes humanas ele uma estrutura
estruturante, no mera manifestao de uma forma cultural, mas produtor destamesma forma e das disposies afetivas e intelectuais dos agentes que percorremesses espaos.
12Em torno da lagoa de Tahununu, Heckenberger (2005, p.103-112) localizoupequenos stios no fortificados, com estruturas circulares que podem seridentificadas como habitaes. A semelhana formal destas com as casas dospovos Karib das Guianas, bem como o fato de Tahununu ser territrio tradicionaldos povos Karib do Xingu, sugerem que essas pequenas aldeias, compostas de
uma nica casa circular plurifamiliar, foram abertas pelos ancestrais dos Kuikuro,Kalapalo, Matipu e Nahukw, antes de adotarem a forma alde anelar.
13 Exceo seja feita a Menezes Bastos (que trabalhou com os Kamayur, os quaissempre mantiveram uma boa dose de ambigidade em relao sua incorporaoao Xingu) e a Patrick Menget (que trabalhou com os Ikpeng, um grupo no-xinguano transferido para dentro do Parque Indgena no final da dcada de 1960).
14O pagamento s obrigatrio quando a noiva est saindo da recluso pubertria,e deve ser feito aos sogros e a todos os irmos dos sogros. tambm comum
fazer-se pagamentos menores, em geral s para os sogros, em casamentos nosquais a noiva ainda jovem e no tem filhos. O pagamento permite diminuir otempo de uxorilocalidade e dos servios devidos ao sogro, mas no os substitueminteiramente.
15O Alto Xingu uma das poucas regies etnograficamente conhecidas daAmaznia, onde o princpio de substituio (Lemmonier, 1990) foi levadorelativamente longe. Ela tem um paralelo histrico no sistema indgena existentena Selva Central do Peru durante o perodo colonial, organizado em torno das
minas do Cerro de la Sal. A montanha do sal era o centro nervoso de uma vastarede comercial controlada pelos Arawak pr-andinos (Amuesha, Matsiguenga,Nomatsiguenga, Ashaninka) e articulada aos grupos Pano do Ucayali (Shipibo,Conibo, Sheretebo), no qual pes de sal, produzidos em frmas de tamanhofixo, funcionavam como um equivalente geral, intercambivel por qualquer outroobjeto (Renard-Casevitz, 1993, p. 34).
16 Dono ou mestre uma traduo para o termo Kuikuro oto; pedidortraduz duas outras categorias ih e tajope que, embora sejam muitas vezesutilizadas de forma intercambivel, devem ser diferenciadas: os primeiros so
lderes de festas de espritos, enquanto os segundos so lderes de rituais dechefia e de trabalhos coletivos. O sentido literal de ih corpo os pedidoresso, assim, o corpo dos espritos comemorados na festa, assim como, entre osWauja, eles so ditos kawk-mna a corporificao do esprito das flautas
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sagradas (ver Barcelos Neto, 2004). Traduzo ambos os termos por pedidor,porque os Kuikuro enfatizam esse aspecto da funo: o de pedir (ikang) aodoente que se torne dono do ritual.
17Traduzo por esprito uma categoria ontolgica xinguana, denominada itsekeem Kuikuro, apapaatai em Wauja, mamaem Kamayur e katem Aweti. Parauma anlise do conceito de itseke, ver Fausto (2005).
18Pode se dizer que algum anet ekugu (verdadeira ou completamentechefe) mesmo sendo legtimo por uma nica linha, como no caso do atual chefeKuikuro, que o apenas por linha materna. Assim se pode faz-lo porque suachefia pesada, slida (titeni). Seus opositores, porm, sempre podero dizer boca mida que ele, na verdade, anet hene (chefe pela metade). De algumque pouco chefe dir-se-, normalmente, que chefe pequeno (anet indzonho).
19Em Kuikuro, utilizam-se trs termos para definir essa condio: isandag (oseguidor dele), itsamagag (o kamaga dele, sendo kamaga talvez umacorruptela de camarada) e, por fim, ngingoku (que costumam traduzir hojepor empregado, mas que no discurso ritual ocorre como sinnimo demensageiro aquele que mandado pelo chefe at outra aldeia). Atualmente,utilizam o termo peo para classificar os brancos que so talokito.
20
O segundo e terceiro chefes so ditos serem os parceiros de conversa(itaginhokongo) do chefe principal. Idealmente, uma aldeia deve ter dois chefescapazes de receber os mensageiros e proferir o discurso da chefia, o que, pelaminha experincia, raramente ocorre.
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