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AMARILDO RIBEIRO DIAS
A IDEOLOGIA DAS CLASSES SUBALTERNAS ATRAVS DAS FESTAS
Dissertao de Mestrado apresentada rea de Concentrao: Interfaces Sociais da Comunicao da Escola de Comunicao e Artes da Universidade de So Paulo, com exigncia parcial para obteno do Ttulo de Mestre em Cincias da Comunicao sob a orientao da Prof Dr Maria Nazareth Ferreira
SO PAULO
2009
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AMARILDO RIBEIRO DIAS
A IDEOLOGIA DAS CLASSES SUBALTERNAS ATRAVS DAS FESTAS
Dissertao de Mestrado apresentada rea de Concentrao: Interfaces Sociais da Comunicao da Escola de Comunicao e Artes da Universidade de So Paulo, com exigncia parcial para obteno do Ttulo de Mestre em Cincias da Comunicao sob a orientao da Prof Dr Maria Nazareth Ferreira
SO PAULO
2009
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Dias, Amarildo Ribeiro A Ideologia das classes subalternas atravs das festas. So Paulo: ECA/USP, 2009 201p Dissertao (Mestrado) Universidade de So Paulo Escola de Comunicao e Artes. rea de Concentrao: Interfaces Sociais da Comunicao Orientadora Prof Dr Maria Nazareth Ferreira
__________________________________________________ Palavras-chave: Armas ideolgicas; subjetividades; sensos de propriedade e reciprocidade; deslocamento; convergncia.
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Comisso Julgadora
1. _____________________________
2. _____________________________
3. _____________________________
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ESTE TRABALHO DEDICADO:
A todos os que forem capazes de conceber e adotar a filosofia da prxis, exclurem de si prprios qualquer concepo de classe e aos que persistirem em manter a conscincia inalienvel.
As pessoas nas quais durante este perodo do trabalho de pesquisa e dissertao, pude perceber um confuso olhar de surpresa, se perguntando como e por que ele tanto l e tanto escreve? Fizeram-me pensar na necessidade de liberdade. Liberdade para que o individuo possa preencher o espao do pensamento antes com o saber, no com as condies.
As pessoas em cujas palavras, pude perceber subseqente real deslocamento.
A qualquer trabalhador que reconhea em si o senso de propriedade com a ferramenta. E, tambm queles que empenharam e empenham seus esforos intelectuais na compreenso das relaes materiais humanas.
A ideologia da humanidade.
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AGRADEO
Em primeiro lugar, a Neca, pelo Amor, por toda a ajuda, e por me dizer sempre, vai dar tudo certo.
A Dona Dalva. Primeiro por cuidar do Nino, depois por me levar a concluir que qualquer loucura, pequena ou grande melhor que o quarto escuro da ignorncia e do conformismo.
A Suzete pela garra e, ao Tadeu pela argio.
A Fabiana e aos colegas do CELACC. Soledad e Dennis pelas observaes considerveis no exame de qualificao; Mara, pela ateno; Moiss, pelas boas dicas; Ktia, Henrique, Gerson e Joo.
Ao J Amado pelo abstract
A R e ao Paulinho.
Ao Renato.
Ao J e ao Zico.
A Cristiane e Seu Augusto.
Ao Ivan Vilela
Aos Professores Eclea Bosi, Zilda Mrcia, Tadeu de Campos e Jonas Mansur.
As Pessoas que acreditam e se empenham nas possibilidades alternativas. E aos que perseveram na manuteno das manifestaes expressivas da cultura popular subalterna: Dona Didi, Seu Vicente Rocha, Seu Canhoteiro, Beth, Seu Raul e Dona Helena (pelas pamonhas), Robertinho e esposa, seu Pedro, Seu Dito Motor, Seu Dito Gino e Seu Dito Prado, Seu Z Maria Bonifcio.
A todas as pessoas que direta ou indiretamente colaboraram com este trabalho.
Em especial ao Nino que me fez perceber que preciso parar e cuidar da vida.
Ao Chico por compartilhar seu vidro de pimentas.
E a Nazareth por nos conduzir para fora da caverna.
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RESUMO
Neste trabalho, o objetivo central contribuir para a formulao de um aporte terico,
concernente s Cincias Sociais, na rea das relaes entre Comunicao e Cultura sobre o
contedo poltico-ideolgico implcito nas manifestaes culturais das classes subalternas e
examin-lo enquanto instrumento ampliador da margem de compreenso sobre as formas
de produo e auto-reproduo destas classes.
Atravs da metodologia dialtica, estudamos as possibilidades de identificar, na esfera
das manifestaes populares subalternas, indicativos da presena de potenciais
ideolgicos mediante os nveis verificados de sublevao do homem perante processos
de homogeneizao do pensamento, em contradio s condutas de resistncia, auto-
movimento e auto-governo reais.
Constatamos, nestes estudos, que as metodologia e filosofia historicistas atualmente
esto predispostas s necessidades de transformao da sociedade. Identificamos sua
base ideolgica nas subjetividades de dispositivos scio-culturais que da realidade das
classes subalternas dever vir superfcie atravs da prxis filosfica que conceba o
nexo mundo-cultura-movimento.
PALAVRAS-CHAVE
Armas ideolgicas; subjetividades; sensos de propriedade e reciprocidade;
deslocamento; convergncia.
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ABSTRACT
The primary aim of this work is to help developing a theoretical contribution,
concerning Social Sciences, to the area dealing with Communication and Culture.
Essentially, it discusses the political-ideological content underlying cultural expressions
of the subordinate classes, which is identified as an expanding instrument of the
understanding limits concerning the means of production and self-reproduction of these
classes.
Through a dialectical methodology, we have studied the possibilities of identifying, in
the scope of popular subordinate expressions, symptoms of the presence of ideological
potential by evaluating the level of human rebellion when faced by procedures of
homogenizing thought, as opposed to resistance behaviour, real self-movement and self-
government.
We have established, in this important occasion, the predisposition of historicist
methodology and philosophy to the needs of changing society. Furthermore, we have
identified its ideological basis in the subjectivities of social and cultural devices which,
from the reality lived by subordinate classes, will only come forward through a
philosophical praxis that will conceive the nexus of world-culture-movement.
KEY WORDS
Ideological weapons; subjectivities; meanings of property and reciprocity;
displacement; convergence.
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SUMRIO
INTRODUO....................................................................................................1
CAPTULO - 1 APONTAMENTOS TERICO-METODOLGICOS ................22
1.1- Das contribuies filosficas .................................................................22
1.2 - Das proposies metodolgicas ..........................................................63
1.3 - Impulso da utopia ...................................................................................81
CAPTULO - 2 CONFIGURANDO A RESISTNCIA .....................................86
2.1 Resistncia .............................................................................................86
2.2 O Ambiente e a Cotidianidade ............................................................106
2.3 - Razes histricas do Moambique e do Jongo ..................................114
2.4 - Memria Coletiva, Memria Sensvel e Comunicao Dispositivos Ideolgicos ...................................................................................................124
CAPTULO - 3 FESTA - AMBIENTE DA CONVERGNCIA ......................133
3.1 - Festa Popular Subalterna ...................................................................133
3.2 - Espao de Negociaes ......................................................................157
3.3 - Insero Interveno ........................................................................163
CAPTULO - 4 CASQUETES, PAIS, FITAS, BASTES, ANGUIAS E TAMBUS ........................................................................................................176
4.1- Equipamentos Simblicos ...................................................................176
4.2 - Subalternidade e Marginalidade .........................................................184
4.3 - Valor Gnoseolgico .............................................................................189
CONCLUSES PRELIMINARES ..................................................................193
BIBLIOGRAFIA GERAL ...............................................................................199
ANEXOS
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1
INTRODUO
A presente proposta se insere na Linha de Pesquisa sobre Comunicao e
Cultura, junto ao Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Comunicao e
Cultura (CELACC). Centro este que tem enquanto seus objetivos, a promoo
e realizao de pesquisas, cursos, seminrios, consultorias, edio de
publicaes e outras atividades de natureza acadmica; a criao de acervo
documental sobre cultura brasileira e latino-americana; e a cooperao com a
Universidade de So Paulo (USP), e outras instituies de ensino, de pesquisa
e de produo cientfica, no sentido de divulgar os conhecimentos adquiridos.
Considerando-se o interesse e os aprofundamentos deste Centro em estudos
voltados para a Comunicao e a Cultura como reas de conhecimento, e
tambm fonte inesgotvel de questes pertinentes s atividades humanas, a
proposta de pesquisa que aqui apresentamos, aborda poltica e filosoficamente
a possibilidade de identificao da ideologia implcita nas formas de
manifestao cultural das classes subalternas que se configuraram a partir dos
modos de relao com a cultura e em seu interior. E que, de maneira
abrangente, so ainda reflexos e sub-reflexos do impacto que muitos povos
sofreram nos processos de colonizao, ao enfrentar distorcidas ideologias que
serviram de base para o racismo, para a eugenia, para a escala do
esgotamento, para os monoplios, enfim para as aes hegemnicas das
classes dominantes. Por estas condies, estes povos-naes, e quaisquer
outros tipos de sociedade, vitimados por aqueles processos, ainda hoje
buscam oportunidade de emergir para uma autonomia econmica, desenvolver
seu plano de conhecimento cientfico baseado em suas razes de ser, sua
organicidade: cultura-intelectualidade-sociedade; preciso que se leve em
conta a extensa gama de estudos j realizados sobre o tema em questo.
Este trabalho pe-se a distncia de qualquer pretenso s verdades absolutas
ou de apresentar convices unilaterais, possvel prever cientificamente
2
apenas a luta;1 o que buscamos aqui dar relevo possibilidades de em um
impulso da utopia deslocar a marcha para a (re)-humanizao e a realizao
poltico-ideolgica do sujeito histrico das classes subalternizadas; nesta
condio como resultado de processos civilizatrios e ainda por perdurar a
desconsiderao s grandezas culturais que lhes so intrnseca.
Acercamo-nos da convico de que muitas das perguntas ainda continuaro
sem as devidas respostas, tanto por no ter a humanidade ainda atingido, nvel
de conscincia para tanto, mas, principalmente por ter-se a necessidade ao
menos da perspectiva de um horizonte, utpico, porm capaz de deslocar e
impulsionar uma caminhada. Importa que os passos cada vez mais possam ser
compartilhados e usufrudos de forma mais autnoma, no saber, nas vivncias;
da mesma forma para o indivduo das estatsticas como para o das massas;
que neste itinerrio por onde a espcie humana possa experimentar o
conhecimento, que a humanidade, no como condio, como um todo, alcance
plenitude.
Trata-se do estudo das possibilidades dos efeitos comportamentais gerados
por sistemas de comunicao humana, garantidores dos processos de
transferncias e manuteno dos saberes, do conhecimento e da filosofia da
prxis; a princpio pelo estabelecimento dos saberes e conhecimentos como
tais, mas, subseqentemente por terem completa correspondncia com a
representao histrica relativa a determinados perodo e regionalidade. Estas
so significativas quando assimilam prxis que se traduz em
desenvolvimento scio-econmico-cultural (viver em sociedade; ter de produzir
e se auto-reproduzir; e, definir os caminhos para isso). Tais sistemas so da
mesma forma, considerados, nesta abordagem como elementos aglutinadores,
responsveis pela conservao de ncleos conciliares, cujos mecanismos para
esta manuteno esto entre as manifestaes da expressividade que
imprimem cadncias ao cotidiano (o trabalho, o descanso e a festa). Sendo
observveis atravs e nas manifestaes culturais, neste trabalho
especificamente, confere-se a estas manifestaes integralmente fundadas na
relao de reciprocidade proprioceptiva entre a cultura das classes subalternas
1 GRAMSCI, Antonio. Concepo dialtica da histria. Rio de Janeiro: Ed. Civilizao Brasileira, 1966, p.162
3
e as condies objetivas de trabalho, irrevogvel importncia. Nestas
manifestaes se evidenciam e ao mesmo tempo se consolidam enquanto
saber, dentro e atravs do que ainda pode-se constatar do conjunto das festas
populares. Popular, por um lado, pois existe o Estado que pr-estabelece uma
rede distributiva classista que pretende determinar que haja o que no seja
popular. Por outro, por se tratar da capacidade objetiva da linguagem, em
tornar-se popular. As festas que so por sua vez, fenmenos da
convergncia, ambientes estabelecidos e historicizados no conjunto da
sociedade civil, compreendem o aspecto de populares quando se realizam no
indivduo e com ele. inexoravelmente um dos fenmenos catalisadores da
relao natureza humana/cultura por suas linguagens e condutas. A esta
essencialidade da festa, como fenmeno da convergncia, corresponde
necessria complementaridade, no cotidiano, entre (cons)-cincia e ao. Isto
, embora a festa muitas vezes seja comumente entendida como um
exacerbado momento orgistico, no se desvencilha de sua carga de razes
scio-econmicas e culturais. No h, neste sentido o que se possa dissociar.
Tudo o que acontece est engrenado em algum conjunto das relaes de
produo e, por conseguinte, os elementos culturais componentes de uma
festa popular, pressupem, por exemplo, vias de abordagem metodolgica das
questes referentes cultura popular e do fenmeno relativamente novo da
cultura de massa; dentro de um sistema geral de crises, uma em especial
qualitativamente confere-se a cultura correlata a sociedade de massas 2 .
Portanto, sendo a cultura o complexo de comportamentos com os quais os
indivduos formulam suas sociedades, tem sido este, porm o campo onde
insistimos nos aprofundamentos, com o objetivo de descortinar reais
contradies a partir da observao do que foi ou est sendo dissolvido, diludo
ou dissociado no conflito cultura/sociedade desencadeado neste sistema de
crises.
A evocao da dimenso classes subalternas, est conscientemente
empregada como qualitativo das classes dentro das quais estas manifestaes
culturais, objetos da investigao, encontram se em plena consonncia; porm
tratar-se- sempre da tentativa de fugir da subsuno formal, qual seja uma
2 ARENDT, Hanna. Entre o passado e o futuro. So Paulo: Ed. Perspectiva, 1972. p. 248
4
impresso imagtica decalcvel. Funciona como distintivo de diferenciais
hierrquicos esquizofrnicos. Tratamos sim da articulao para se fugir de uma
condio de inferioridade decretada e, logo assumida dentro de um organismo
social onde prevalece a hegemonia ideolgica da mais-valia. A visagem
distorcida de uma cultura elevada est associada, desde o advento do valor-
de-troca, ao preo que se pode ou deve se pagar; em qualquer escala, - local
ou global de onde podemos afirmar que oportunidade de acesso e
portabilidade, so tambm hoje sinnimo de cultura. Hoje compramos acesso,
pagamos pelo tempo de conexo com a cultura. No se pode, no entanto
perder de vista que o virtualismo (extasiante), preponderante nesta prtica, em
nosso entendimento, planifica bidimensionalmente as relaes humanas, de
acordo com a disponibilidade de acesso; enquanto a perspectiva, tanto
conceitualmente no sentido de uma relao sem profundidade, quanto
percepo da externalidade, quando j englobam as percepes sensoriais,
proporcionada virtualmente. A contradio a ser observada a, que decorre do
momento em que a sociedade comeou a monopolizar a cultura em funo
de seus objetivos prprios,3 que, sendo a concepo do homem no mundo
baseada em suas relaes materiais, estas devem passar a considerar o
aspecto no material destas relaes que so capazes, por sua vez, de
comoo; porm so ainda concretamente incompletas relaes materiais
virtuais, relao de propriedade inefvel por isso o ponto crucial da questo,
em nosso entendimento encontra-se entre as subjetividades das relaes de
trabalho. preciso ressaltar, entretanto que no nos basta a idia de que
somente o que durar atravs dos sculos pode se pretender em ultima
instncia um objeto cultural.4 Com esta afirmao, no se encontra superada a
viso idealista de um simbologismo cronolgico de alguma coisa ou fenmeno
representativos de algum lugar, um tempo e de formas de pensar por si no
capaz de nenhum movimento preciso que da cultura, ou de um objeto
cultural, seja ele novo ou antigo, se desprenda alguma dinmica social. A
cultura tem por natureza o seu prprio recriar-se, alimenta-se do cotidiano das
coisas em congruncia dialtica com o preservar-se, interpretado
habitualmente por hora como resistncia. Outra ressalva a ser feita, para no
3 Ibid., p. 254 4 Ibid., p. 255
5
se incorrer em uma conduta de seco, diz respeito a no se confundir nem
compactar subjetividades em um hiato no ciclo de trabalho condicionado
biologicamente, como um vazio que divide os tempos; ambos, subjetividades e
caso exista este hiato se amalgamam plenificando o metabolismo do homem
com a natureza 5 aqui, as relaes materiais a ludicidade realstica do
cotidiano traduz-se em senso de propriedade. Ope-se ostensivamente
ideologia cujo poder por ela sustentado, atua predominantemente sobre a
comunicao instituindo o padro e o fluxo do pensamento proporcionalmente
hegemnico em correspondncia com este poder; cabe-nos fugir a este
extremo de prostrao mediante as foras do capitalismo, constantemente
recm-maquilado, paradoxalmente com feies culturais.
Conquanto a parcela mais significativa dos que se enquadram neste
qualificativo de classe subalterna, esteja hoje em desvantagem com relao ao
oferecimento de servios pblicos e mesmo margem do consumo insinuante,
apesar de, em muitos casos, habitarem os centros urbanizados das cidades,
sofrem ademais, o efeito dos intensos processos de desterritorializao (uma
espcie de dissoluo do ambiente). Por isto so obrigados to somente a
deslocamentos espaciais (xodos), conforme a expanso dos centros
(comerciais nervosos) de interesse. Trata-se de um obrigatrio e inevitvel
deslocamento espao-temporal histrico quando se dissolve a base de
interao vital da sociedade. possvel ento, questionar, se estes atores,
pertencentes a estas classes, necessitam irrestritamente do poder do capital
para a manuteno de sua cultura? Acreditamos tratar-se de dois vieses
explicativos de uma mesma questo; de um lado tudo que compreender o
modo de ser, ou seja, a maneira como indivduos e grupos de indivduos
concebem o mundo, articulando com ele e dentro dele e, de outro, o ponto de
vista que os consideram excludos do padro mercantil, (neo)-liberal,
evidenciando que o que no est oficializado pela classe dominante popular
subalterno6. Isto , no participa politicamente da ordem social, funcionam
como adereos de identificao - insgnias. Entendemos que tais modos, de
maneira contundente, tm contedo ideolgico prprio e predisposto
5 Ibid., p. 258 6 FERREIRA, Maria Nazareth. Cultura Subalterna: a encruzilhada da Amrica Latina. So Paulo Celacc Eca Usp, 1997, p. 30
6
negociao, , portanto imprescindvel que existam, resistam e se reproduzam
sem rtulos, nem embalagem com o valor descritivo impresso.
Nestas observaes encontram-se definida, no rol das Cincias Humanas, as
proposies metodolgicas que se pretendem para o exame destas prticas
culturais. Primeiramente, estreitando o foco da linha de pesquisa dentro da
relao entre Comunicao e Cultura; visualizamos as possibilidades de
identificar nas subjetividades destas relaes de trabalho, a crena de que
[...] a partir do momento em que um grupo subalterno torna-se realmente autnomo e hegemnico, criando um novo tipo de Estado, nasce concretamente a exigncia de construir uma nova ordem intelectual e moral, isto , um novo tipo de sociedade e, conseqentemente, a exigncia de elaborar os conceitos mais universais, as mais refinadas e decisivas armas ideolgicas.7
E, munidos deste arsenal iniciar a luta por uma cultura superior autnoma8
dentro da qual acreditamos, se encontra a fonte de humanizao da sociedade.
O enfoque aqui adotado traz possibilidades inmeras de abordagens e, sobre o
qual, muitos debates e registros j foram dados. igualmente desnecessrio
tentar restringir e cercear outras questes e debates em face da amplitude do
conjunto das tematizaes s respectivas manifestaes populares subalternas; a
estas, aqui, vemos especialmente como equipamentos simblicos de
manuteno das dinmicas sociais e sistemas de cultura. H que se considerar as
inmeras possibilidades de contedos correspondentes diversidade que se
demonstram alternadamente ora com foco sobre a questo da resistncia, ora
como leitmotiv para preservao dos costumes ou das crenas visando
obteno, por exemplo, de um perfil sociolgico estatstico do elemento humano,
brasileiro e latino-americano ou de distintas culturas.
Diante de um cotidiano de transformaes brutais da ordem mundial, indivduos
que preservam e instruem seus descendentes em formas tradicionais de
expresso, em torno dos quais se edificaram fundamentaes para a vida
7 GRAMSCI, Op. cit., p. 100 8Ibid., p. 100
7
comunitria, constituem um campo promitente para um vislumbrar do sujeito
histrico e sua concepo do mundo. Ora no canto de trabalho, ora no louvor e na
dana, nos pontos das Rodas de Jongo e nas ladainhas da Dana do
Moambique compreendem-se de forma abrangente, diversos aspectos das
relaes humanas e da diviso social do trabalho e conseqentemente a
construo objetiva da relao do homem com o mundo.
Enquanto representam, so guerreiros, das cores, dos sons, dos guizos; dos
manejos dos bastes e das gingas nos bailados, travando uma batalha com o
que se projeta na tela do tempo/espao. No so simples movimentos e
atributos, so saberes organizados que evoluem em ciclos distintos,
observando perodos e fases dentro da cronologia da histria e, em meio a esta
cronologia, se confundem no conceito petrificante de folclore, se reproduzindo
no atual contexto apenas como produto/imagem - mercadoria. H que se
percorrer caminhos de ida e vinda na historicidade destas manifestaes e,
decodificar emblemas representativos de periodicidades para que se
estabeleam ordem e sentido correspondentes s necessidades atuais de
compreenso, nesta, apreendemos, como significativo conhecimento sobre o
homem e sua atividade englobando suas diversas ndoles, at mesmo a
esttica se considerarmos sistematicamente o enunciado de F. Shiller:
[...] Todas as coisas que de algum modo possam ocorrer no fenmeno so pensveis sobre quatro relaes diferentes. Uma coisa pode referir-se imediatamente a nosso estado sensvel (nossa existncia e bem-estar): esta e a sua ndole fsica. Ela pode tambm referir-se a nosso entendimento, possibilitando nos conhecimento: esta sua ndole lgica. Ela pode ainda referir-se a nossa vontade e ser considerada como objeto de escolha para um ser racional: esta nossa ndole moral. Ou finalmente ela pode referir-se ao todo de nossas diversas faculdades sem ser objeto determinado para nenhuma isolada dentre elas: esta a ndole esttica. [...] 9
Este pensamento cerceia e limita concepo esttica das relaes humanas,
desconsiderando o conflito e os conflitantes, os contrrios e as contradies a
irregularidade e a multiplicidade destas relaes, mas, no deixa de implicar
9 SHILLER, F. A educao esttica do homem. So Paulo: Iluminuras, 2002, p.103
8
com certa abrangncia a conduta humana. Em outras palavras, no deixa de
implicar suas sensaes, seu pensamento e sua moral.
Ressaltamos que as verdadeiras contradies na conjugao de valores
materiais e no-materiais dentro deste universo imaginrio, pleno de
representatividade, compreendem a possibilidade de um salto qualitativo
atravs da manifestao expressiva que conduz a sociedade a escapar ao
conformismo. Nosso intuito o de ampliar o campo das teorias comprobatrias
da possibilidade de alternativas metodolgicas para se pensar a realizao e a
(re)-humanizao do sujeito, cujos instrumentos e armas, entendemos, esto
implcitos na cultura das classes subalternas. O homem ai, antes de tudo,
uma subjetividade capaz de atribuir sentido ao mundo, transformando os dados
da realidade sensvel em objeto do conhecimento, graas aos recursos da
racionalidade.10
Com toda estafa o homem ainda uma concretude capaz de produzir
conhecimento, ou seja, transformar o desconhecido em cognoscvel,
investigvel. Tomando como base tpicos importantes dos estudos
gramscianos, inmeras so as chaves para se alar a problemtica que aqui se
apresenta; porm duas so destacveis: o conceito de classes subalternas,
que em analogia ao tema pretendido qualificativamente expande-se para o de
cultura das classes subalternas; nestes estudos, como acima indicado, esta
concepo de cultura essencial dentro das consideraes filosofia da prxis
a outra chave tomada ao pensamento gramsciano se refere comunicao
social. Na mesma linha de pensamento, instrumento primrio para a difuso da
ideologia, pois perpassa as organizaes que por insero ou interveno,
propriamente culturais ou que somente incorporam qualquer frao da cultura
por identitrio; de qualquer forma no funcionam sem a ideologia. O folclore
uma resultante da ideologia que costuma refletir, na aparncia, uma dinmica
de cultura representativa, que no traz substncia s subjetividades. preciso
que se atente para as incongruncias que se estabelecem entre uma religio
ou moral popular e as convices patrimoniais e individuais do intelectual.
Inicialmente para que estas (religio ou moral) no representem um abismo
intangvel. Acuidade maior, principalmente quando o objetivo o se verificar
10 SODR, Muniz. Reinventando a Cultura: A comunicao e seus produtos. Petrpolis, RJ: Vozes 1996, p.41
9
aspectos da objetividade, no restritivamente na aparncia, no fenmeno, mas
no conjunto das subjetividades que consubstanciam inerentemente as prticas
culturais. Este conjunto, diz respeito ao afetivo e ao cognitivo; por isso so
objetos da filosofia. A comunicao social pode ser e tem sido adotada como
instrumento de dominao da ideologia; apesar de sua dinmica evolutiva e
expansiva, no deixa de cumprir, dentro dela, uma funo ideolgica
determinada.11 A este ponto, j no se admite concluir que haja um princpio
de excluso quando se considera o raio de abrangncia e a maneira como so
respeitadas as formas expressivas. Em outras palavras, no estariam algumas
formas de manifestao da cultura subalternizadas de maneira a subsumir este
condicionamento como modelo de funo poltica no sistema? No estariam
estas formas de manifestao respeitando cega e inquestionavelmente uma
ordem difundida que determina que a cultura deva ter seu lugar na sociedade
ao invs de compreender que cultura a forma primordial de concepo,
apreenso e transformao?
Dentro de uma concepo dialtica de unidade em que coero, consenso e
transformao, se inter-relacionam ou se interpenetram, objetivamos
questionar at onde se pode comprovar, seguindo as teorias, at aqui ainda
superficialmente expostas de uma parcela nfima dos concisos estudos
gramscianos, que j se encontram esgotadas as possibilidades de realizao
do sujeito, quando uma das premissas a luta por um vinculo cada vez mais
orgnico entre Estado e sociedade civil, entre uma filosofia historicista e o
desigual desenvolvimento humano? At que ponto se pode pensar em
momentos para estancar a questo da cultura conferindo-se promisso
cientfica a anlises puramente estticas e elementares, quando se toca ao
conjunto das manifestaes scio-culturais, enquanto por outras vias de
abordagem, para uma apreciao ainda mais integralizadora do sujeito scio-
comunitrio, as subjetividades nas relaes de trabalho, concebidas por uma
metodologia mais historicista e dialtica de aproximao ao objeto, permitem a
continuidade das teorizaes a respeito do que sejam as foras sociais. Com
base nesta segunda questo:
11 PORTELLI, Hugues. Gramsci e o bloco histrico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 27
10
O indivduo-cidado da resultante um fato ideolgico. Dele partem as cincias sociais e humanas para a formulao do objeto terico chamado sociedade moderna. As modernas concepes scio-filosfica em torno da essncia do humano assentam-se numa mesma base doutrinria, que entroniza o valor-indivduo [grifo do autor].12
O que se pode intuir que a possibilidade de tomada da concepo de homem
e do mundo, projetada ao campo das manifestaes culturais expressivas, pois
a expresso do intrnseco no homem extrnseco, como objetos da
investigao cientfica, est longe de ser esgotada, e por esta considerao,
aos modos de relao com a cultura como fator elementar para socializao e
reciprocidade circunstantes do senso de prprio, muitas leituras so
eminentemente necessrias e outras fundamentais; ainda que seja razovel se
perguntar como e a quais formas de manifestao cultural se projetar tal
possibilidade:
A obra antiga, a obra moderna, a mercadoria cultural, a atualidade artstica. Qual o sentido da arte diante da tecnocultura? Parte do desejo, do sujeito na direo do objeto, passa pela subjetividade, por um movimento inconsciente que est fadado radical insatisfao, pois seu objeto se define pela falta com relao ao real; no tem valor de realidade. As estratgias publicitrias se empenham em produzir a necessidade de consumo, revestindo-a da suposta irrealidade do desejo e atribuindo-lhe, claro, um preo. Um produto qualquer, do eletrodomstico a uma narrativa, significado como algo que transcende o seu banal, valor de uso imediato, impondo-se como desejvel, por ser caucionado pelo desejo de outro a grande organizao comercial ou industrial, o criador da moda etc. Nem a obra de arte escapa do mercado.13
iniciativa que no momento se apresenta, importa a experincia do testar mais
uma das portas que d acesso a um cominho que poder, cremos,
12 SODR, Op. cit, p.45 13 Ibid., p.102
11
contrapondo um ostracismo hermtico em que caram importantes estudos,
conduzir ao processo contnuo de tornar cognoscvel algumas das
diversificadas e intrincadas facetas desse estgio do desenvolvimento humano
- sob o mbil da minimizao das desigualdades sociais -; no se pretende,
porm, divagar inutilmente sobre uma inconcebvel equiparao
scio/econmica e tecnolgica entre as naes, mas, face ao desenvolvimento
da comunicao social, como um fludo que percorre velozmente muitos
espaos simultaneamente, que ela permita ao menos, maior e mais extensiva
compreenso sobre o atual conflito das identificaes ; uma identidade
colhida na prateleira dos magazines transculturais traduz o indivduo scio-
cultural ps-moderno? As grandes transformaes e as revolues mais
significativas, em confronto com as circunstncias e sistemas experimentados,
foram e ainda so, em muitos casos, processos lentos; pois, iniciamente
demorava-se na compreenso para que depois se articulassem as marchas
revolucionrias; quase sempre no sem liderana, tambm no sem
contingente; porm jamais sem a comunicao. Prestando esta, sempre
fixao da ideologia no senso-comum, conforme o nvel j atingido de
conceituao e tambm da tecnologia. Assim, hoje no se poderia perdurar
qualquer dvida de que a compreenso deveria se dar de maneira mais rpida
e mais abrangente; entretanto o que no se encontra definido at o momento :
com as informaes em alta freqncia de circulao, a que tipo de
esclarecimento se pretende chegar e o que se faz com ele; produz se riquezas
para salvaguardar os grandes capitais ou salva-se o planeta e a humanidade?
Pergunta-se, teria algum valor pensar, que se encontra em fase preparatria
alguma nova revoluo, contra o que ou quem, e, de que movimentos se
conduziria? O uso banalizado desta palavra, revoluo, no destitui sua fora
em si; remete imediatamente a insurreio das massas. Traduz sempre o
embate entre opostos opresso/liberdade -; pode caracterizar-se por
mudanas profundas ou sutis, mas nunca se esvazia de motivao poltica
envolvendo dominantes e dominados. A primeira revoluo tcnica tratou da
introduo das ferramentas na relao homem/natureza, cerca de dois milhes
de anos a.C., compreendendo a descoberta do fogo e a refeio em grupo.
Somente a espcie humana, na natureza consegue alterar os sistemas;
estrutura esquemas de hierarquias conforme o predomnio da fora, da astcia,
12
do discurso, domnio tecnolgico, foro privilegiado, informao, dinheiro. A
segunda revoluo importante na histria humana, podemos assim considerar,
diz respeito ao desenvolvimento da agricultura, descoberta do sedentarismo,
s cidades, ao acumulo de riquezas, destacando-se os mais fortes, os mais
hbeis e os mais ricos, sempre dominando e se apropriando do excedente da
produo. J entre os sumrios em 2415 a.C, questionavam-se, no somente
as leis, mas a explorao nos procedimentos do Estado. A primeira
Democracia, de Slon, na Grcia em 2600 a.C; depois, a Nova Democracia
ainda no contemplava a participao poltica das mulheres e dos escravos,
mas institua a assemblia geral, para a garantia de quorum; uma milcia
capturava cidados pelas ruas que eram obrigados a participar. Um lema,
diretamente oposto ordem estabelecida, as privaes ao alimento, privao
da liberdade e do voto so suficientes para provocar uma insurreio, como
foram as revolues francesa e a americana, na primeira contra os esbanjes da
monarquia e as privaes da classe mais pobre; e, entre os americanos, contra
o domnio dos ingleses, onde o consenso gerava mais que uma classe.
Thomas Jefferson resumiu o ideal revolucionrio: vida, liberdade e direito
busca da felicidade. Na Frana, anos mais tarde seria promulgada a
declarao dos direitos humanos. Aqui uma ilustrao nos fatores para
independncia dos americanos: na cidade de Boston promoveu-se a Festa do
Ch, onde camponeses, disfarados de ndios ritualisticamente, atiravam
caixas de ch nas guas do lago, revoltados com as imposies dos ingleses
sobre a mercantilizao do produto; para os revoltosos, contudo, o disfarce de
ndio era uma forma de auto-afirmao do tipo somos americanos, mas estes
mesmos ndios haviam sido dizimados pelos no-ndios americanos na
perspectiva de formao e expanso do Estado e do territrio norte-americano.
A revoluo, visando derrubada do regime opositor, pode adotar um sistema
cclico evolutivo de sobreposio de ideologias, cada vez que se criam
mecanismos de distino de classes, como se comprova nos discursos
partidrios. Assim, esgotam-se as propriedades lingsticas at que a
expresso no tenha mais um fundo nem fora; passa a no fazer mais sentido
e no servir alm do que o faz na propaganda coloquial consumista (a
geladeira revolucionria, o revolucionrio sistema de ar condicionado, etc.).
13
Liberdade de expresso, de idias e de movimento consubstanciou a revoluo
das mquinas e das mentalidades; a Revoluo Industrial transformou o
campons em operrio. Produo e produtividade ditam a lgica e a mquina a
vapor estabelece a cadncia no desenvolvimento urbano das cidades. Surge
com os camponeses/operrios a classe operria cuja maior ideologia era o
marxismo na tentativa de uma revoluo operria. Com a revoluo sexual,
no sem uma nova mentalidade, a reivindicao por novos espaos e modos
de vida; criam fora o feminismo e a mutao cultural, (re)-inventam-se
representaes efmeras do ser humano. A propagao da idia de uma
fraternidade sem fronteiras suscitou a almejada aldeia global.
Entretanto os regimes governamentais autoritrios sempre se apressam em
controlar a mdia14. Destacam-se dois tipos de controle sobre a comunicao,
um do tipo nacionalista que restringe o indivduo identidade nacional e outro,
a censura, que apesar de destitudos os rgos censores, as idias so
condensadas e formatadas segundo um modelo imperativo de bombardeio
massivo da informao e dos produtos culturais miditicos. Porm, a
comunicao, sob controle ou no, nunca deixa de manter as idias vivas e em
movimento. Por isso a comunicao, como faculdade especialmente
diversificada no ser humano, deve compor sempre as bases de formao da
sociedade. Mas, para um idealizado compartilhamento das solues, sem que
se calculem os impactos sobre o cotidiano, computa-se to somente a
massificao da informao a cultura de massa. Todavia, a nova modalidade
distintiva entre os que tm, quanto tem ou no tem acesso informao se
amplifica e, o grande incmodo que continuar sendo a presena dos
desfavorecidos; tambm continua sendo a matriz das ideologias dominantes
produzir uma massa de necessitados. Assim, consideramos de extrema
importncia a historicidade do debate em torno desta problemtica e, portanto,
perguntamos, por quanto tempo mais? Tambm e acima de tudo, usando das
reflexes de M. Hardt e Antonio Negri (2005), ressatamos que
[...] na medida em a produo social define-se cada vez mais por formas imateriais de trabalho como a cooperao ou a construo de relaes sociais e redes de comunicao, torna-se
14 BETHEL, Leslie; ROXBOROUGH, Ian.(org) A Amrica Latina entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, pp.72-77
14
cada vez mais diretamente produtiva a atividade de todos na sociedade, inclusive os pobres. 15
Entendamos que, formas imateriais de trabalho, no correspondem
evidentemente uma nova modalidade ou a uma nova concepo sobre o
mundo do trabalho, mas uma considerao mais abrangente das
subjetividades nas relaes de trabalho de onde nascem, evidentemente,
novos trabalhos.
Assim, constatando-se historicamente os resultados, das grandes mudanas,
exemplo da revoluo industrial, do caos ambiental etc., faz-se necessrio
perscrutar a vida do homem sujeito/objeto a fim de que em algum
momento, a passos mais incisivos se apresentem s teorias e s prticas
condensadas, segundo Gramsci (1966) em fora social de transformao. A
comunicao seguir sendo o instrumento da abrangncia; o conhecimento
imprescindvel como mola propulsora das articulaes e do deslocamento;
contudo, falta definir ao que chegar e o porqu chegar, pois h tempos se tm
estabelecidos os preceitos da democracia, da liberdade, dos direitos, que ainda
no so plenos; em muitos casos permanecem como objetivos, em outros so
ainda meras utopias. Como utopias, pressupem-se tambm como princpio
que desencadeia o movimento dialtico da compreenso e da transformao,
ento, deve haver um horizonte utpico como lugar das possibilidades; como
muitos que j foram e outros que devero ser verificados, um desses campos e
que acreditamos ainda poder ser examinado, a partir do que consideramos
serem os contedos poltico, econmico e filosfico, esto entre as
singularidades das atividades humanas, as festas populares subalternas.
Oposto a isso, continuaremos a constatar, condicionadamente, os processos
de aprendizagem indicados para que cada coisa esteja em seu devido lugar de
funcionamento; ou ento, esta aprendizagem continuar se dando como
sempre, ou muitas vezes tem-se dado, atravs das catstrofes sociais, agora
geradas pela marginalizao e pela descolonizao Haiti, Senegal ;
autonomia com dependncia; as catstrofes ambientais, aquecimento global; e,
as econmicas, redefinio dos atores e das posies no mercado
transnacionalizado que se generaliza com o ttulo de crise econmica mundial.
15 HARDT, Michael; NEGRI Antonio. Multido: guerra e democracia na era do Imprio. Rio de Janeiro: Editora Record, 2005,z p. 178
15
Distinguidas respectivamente, as festas e as festividades, uma como ocasio
ou circunstncia, o presente, a ddiva e a outra, como estado de esprito, de
humor, e correspondente demonstrao deste estado; so historicamente
espaos de tempo onde a concentrao de pessoas um dos principais
objetivos e, certamente a persuaso ao consumo hoje mais evidente devido
lgica mercantil vigente; e, esta mesma lgica tambm implica transformao
de toda e qualquer singularidade em produto. tambm social e
historicamente a interface metodolgica pela qual se buscou aqui corroborar
com a ampliao das teorias j aplicadas na anlise destas realizaes; as
festas e festividades bem como as manifestaes culturais populares que as
consubstanciam, so neste trabalho de pesquisa, contempladas sob diversos
aspectos; dentre eles, a exemplo da ligao do homem com a terra (relaes
materiais) e, esta ligao como fonte originria de diversas formas de
subjetividades: a sagrao, pois que aqui se entende como ato de carregar de
importncia simblica uma realidade concreta como o trabalho, por exemplo
o trabalho sagrado. As festas (Sagras), fundamentadas sempre em alguma
tradio, trazem de algum modo uma correspondncia com algum tipo de fruto
da terra, produto da relao do homem com a natureza. Como nas mais
antigas civilizaes, o sentido de sagrar e consagrar alimentos e elementos da
natureza para manuteno de provises, para proteo contra algum inimigo
ou as intempries do tempo corresponde ao sentido de unidade em
objetividade e subjetividade. Tomamos a esse respeito, o exame feito por Maria
Nazareth (1998) em sua pesquisa sobre festas italianas:
Sagra quer dizer dedicar a Deus, aos deuses, tornar algo sagrado. O costume antigo de dedicar aos deuses determinadas colheitas ainda hoje muito utilizado na Europa, principalmente na Itlia, onde toda sorte da colheita dedicada aos deuses, isto colocada sob proteo das divindades sendo batizada de sagras. [...] O nome de Sagra vem da antiga tradio pag de saudar a produo da terra, oferecendo-lhe sacrifcios sagrados e grandes festas populares. J na lngua italiana mais antiga, este termo era usado com o significado de festa para comemorar uma grande consagrao de um evento importante, ligado ao culto de um deus, ou dos santos.
16
Mais tarde, o significado se estendeu s festas populares nas quais se celebram acontecimentos cclicos, um particular momento do ano, deveria repetir-se, seja religioso ou profano.
Pelo costume, a palavra passou a significar tambm as feiras e mercados sazonais e os jogos e espetculos que acompanham as festas populares.16
Devemos superar por hora os aspectos puramente metafsicos, para dar
nfase ao que historicamente se torna relevante e passa a demarcar os
momentos significativos das relaes materiais. Assim se pode considerar a
profunda ligao do trabalho com a terra e o desenvolvimento de festividades,
ou seja, do esprito festivo em decorrncia de uma produtividade almejada e da
empreitada em si. No somente com a produtividade, como se fosse bastante o
plantar e colher, h uma imensa considerao aos frutos em especial; e, em
torno da atividade que so tecidas as idias, as alegorias e uma vasta gama de
subjetividades; o senso de propriedade e as demarcaes histricas da
sociedade igualmente no fogem desta premissa.
Para se buscar pertinncia e se chegar a proposituras mais consistentes dentro
do debate sempre (re)-atualizado sobre comunicao e cultura, interessou-nos
implementar as investigaes nos campos aos quais identificamos, como neste
ambiente das festas populares, face ao processo de democratizao do acesso
a cultura, o desconhecimento ou o arrefecimento das bases ideolgicas de
sustentao destas formas populares de manifestao. E, em razo deste
arrefecimento, questionamos, onde e quais seriam as efetivas aes de
resistncia e de luta para se garantir a permanncia dos referenciais mais
importantes; no somente que diga respeito preservao daquelas formas,
mas, tambm por representar objeto fecundo para compreenso do homem no
aspecto das suas subjetividades e conscincia. Assim, o foco dividiu-se e ao
mesmo tempo intensificou-se, sobre as naturezas formais e sensveis das
manifestaes expressivas e seus acessrios correlatos, suas paramentaes
16 FERREIRA, Maria Nazareth. Cultura, Globalizao e Turismo: a cultura subalterna como mercadoria. Relatrio final de Ps-Doutorado. So Paulo: Escola de Comunicao e Arte da Universidade de So Paulo, 1998, pp. 225-229. Pesquisa realizada junto a Universit L Sapienza di Roma
17
e indumentrias, observados como equipamentos simblicos de manuteno
da existncia da forma expressiva; considerados, nos respectivos processos
comunicacionais como material ideolgico17 a garantir continuidade histrica.
Assim como se considerou importante tambm, aprofundar os
questionamentos sobre as condies de subalternidade e/ou de
marginalizao frente o poder tecnolgico dos dispositivos simblicos de
modernizao da cultura,18 o processo de globalizao e a comunicao em
massa. A temtica ainda permitiu-nos aprofundamentos dialticos sobre o que
inicialmente pretendemos chamar memria sensvel. Memria qual
pensamos, esteja impregnada no indivduo ou no coletivo e que responde ao
estmulo de uma rememorao sensorial e subseqente ao; isto quer dizer
que, aquilo que dentro das relaes materiais capaz de reconduzir o homem
ao senso de reciprocidade e de propriedade no contato com seu meio objetivo
de produo. O que chamamos memria sensvel est em completa
correspondncia com a j identificada memria coletiva, base incondicional da
identificao histrica da sociedade.
A possibilidade de questionamentos e exames sobre estes tipos de memria,
tem razes no que alguns autores analisam sobre forma e contedo.
Analisando aqui, alguns fragmentos do pensamento de Friedrich Schiller (2002)
primeiro indivduo e depois pessoa, caminha das limitaes a infinitude. [...]
O impulso sensvel, portanto precede o racional, pois a sensao precede a
conscincia.19
Prontamente discordamos da acepo de transcendncia implicada no
enunciado; cremos inicialmente que mesmo enquanto limitaes no deixam
de servir aos impulsos transformadores. Schiller profundo seguidor de Kant.
Em sua poca, recebia de um nobre uma penso, a quem escrevia cartas de
suas observaes individuais. Dificilmente em suas elaboraes identificamos
como motivadora a uma necessidade real. Assim, em seus escritos predomina
17 PORTELLI, Op. cit. p.28 18 SODR, Op. cit. p. 85, passim 19 SHILLER. Op.cit. p.102.
18
o ideal de superao evolutiva de estgios at o estado de nobreza no homem.
Mas, h certamente na historicidade da relao entre o homem e a natureza,
instantes de predominncia das relaes materiais concretas; momentos nos
quais tanto no indivduo quanto na espcie, este impulso sensvel mais
latente. No pregamos a preservao do trabalho unicamente braal,
entendemos que, a relao material marca o homem com noes e cincias
atravs das quais ele concebe o todo. Partimos ento do princpio de que o
trabalho, incluindo o fsico e o mental, como atividade pela qual o indivduo
apreende o mundo, deva ser o terreno no qual se pode reconhecer, ou se deva
construir as estruturas da sociedade humana. A sociedade, como conjunto de
interesses racionais, s pode ser feita de seres racionais. Assim toda
sociedade de seres humanos. Entretanto, o conceito de sociedade vem
sendo ultimamente, quase sempre, acompanhado de algum qualificativo,
sociedade moderna, sociedade de consumo, sociedade capitalista, sociedade
de risco, sociedade de risco, sociedade do espetculo etc. Relevado o que faz
jus ao senso comum, referimo-nos perodos de contato mais freqente e
intensivo com os meios materiais, como matrizes das formas de
relacionamentos, do como saber e como fazer. Por hora, mas sem que
esqueamos por completo, no interessa exatamente atribuir total importncia
a esta ordem idealista de ascendncia do sensvel ao racional, raiz da diviso
de classes. Importa sim, considerar que, de um perodo ou fase de concretas
relaes materiais resultem subjetividades fundamentais na atividade humana.
No ser difcil detectar no estudo da historicidade, respectivamente, que
houve certamente, perodos de maior predominncia deste impulso sobre o
homem racional; perodo de prtica e por isso mesmo seu carter de
provisrio, at a chegada do desenvolvimento da filosofia; o que importou
analisar, contudo, a partir deste pressuposto, uma vez que no h um equilbrio
pleno e constante neste jogo dos impulsos sensveis ou racionais, sobre quais
seriam e como podem ser lidas estas marcas impressas no esprito, naquele
momento de tal predominncia? Como o entendimento destas marcas atuaria
sobre o individuo ou grupo de indivduos no decorrer de sua histria como um
tendncia sensvel, bastando que um estmulo desencadeie-lhe a lembrana da
sensao? Ocorrendo a lembrana e uma imediata identificao do homem em
sua compleio fsica sensorial desta rememorao, haveria qualquer
19
probabilidade de adeso daqueles procedimentos, ou tcnicas ou
comportamento scio/cultural correspondente? De outra forma, ao se revelar
nas subjetividades qualquer identificao sensorial, na memria sensvel
possvel se admitir, nesta identificao, um contraponto ou contra-discurso a
ideologia de alienao do trabalho? Quando estas subjetividades tocam a
esfera do ldico, ou seja, a manifestao do cultural e tudo que ela envolve,
sem se distinguir, por hora as intenes (polticas, religiosas ou estticas),
estes questionamentos podem ganhar mais consistncia, pois que so notrias
as identificaes que se do entre grupos distintos, de territorialidades
distintas, e, no entanto, com traos comuns de corporeidade na manifestao
da cultura (bailados, ritmos, tocar os instrumentos, o uso dos potenciais
fsicos). Acreditamos ser, bastante difcil que o indivduo escape as rdeas e a
dependncia impostas pelo sistema capitalista. Da mesma forma acreditamos
ser possvel que o racional/sensvel possa levar a vivncia mais plena da
compreenso.
Em outra abordagem, para o que se demandar como necessidade de
compreenso sobre este aspecto do desenvolvimento histrico, neste paralelo
entre memria sensvel o que se considera como memria coletiva, valemo-nos
do que destacou Sodr (1996) da reflexo de Maurice Halbawchs (1925):
memria coletiva no dar costas ao presente; reconstruo do passado a
partir da inteligncia presente da vida social;20 de fato o indeterminado o
contexto onde intumos ser possvel observar circunstncias em que o sujeito
se humaniza ou humanizado pela aproximao e fruio de uma forma
cultural manifestante. o momento em que o coletivo demonstra a si mesmo
seu contedo e pertinncia. Podendo ser esta demonstrao, meramente
narrativa ou em forma de vivncia. Tratando-se dos estudos possveis
relacionados a estas modalidades de memria, acreditamos desenvolvimento
de um raciocnio sobre como se configuram as bases de sua resistncia, e o
quanto poder estar esta atitude, correlacionada aos conceitos de valor de
uso e valor simblico21, e aos sentidos de propriedade prprio de, e prprio
20 HALBAWCHS, 1925 apud SODR, 1996 p. 84 21 BAUDRILLARD, Jean. Para uma crtica da Economia, Sociedade e Cultura. So Paulo: Paz e Terra, 2000,
p. 178
20
para -; e de reciprocidade o homem faz ao meio e o meio devolve ao homem.
Contrape-se assim, de um lado ao positivismo religioso de mundo criado e
oferecido ao deleite, ao esgotamento ou a expiao; e, de outro, ao idealismo
intelectualizado no qual, o mundo que se faz do que dele se pensa.
Como objetos centrais dos estudos e, na busca de referenciais mais precisos
as Companhias de Dana do Moambique e as Rodas de Jongo que
intencionalmente e apenas para este trabalho, caracterizaram-se
respectivamente uma como forma de jogo fechado, isto , quando um grupo
tem dentro de sua organizao, um conjunto de normas regimentais e sobre as
quais se basearam a permanncia e a conservao do grupo; normalmente,
tais organizaes esto relacionadas a um cl familiar, o que permite a
comunicao deste regime, de forma hierrquica atravs das geraes; e, a
outra, como forma de jogo aberta, ou seja, quando no existe necessariamente
um grupo estabelecido e as regras dependem de indivduos que
hierarquicamente dominam os saberes, sem os quais no se realizam as
rodas; neste caso na comunidade onde vivem, estes indivduos so distintos
por esta sabedoria e, quela guarda-se o devido respeito. Fazendo-se
referncia possveis processos de humanizao dos sujeitos, os mesmos
exigem um embasamento histrico, com intuito de estabelecer certa cronologia
na existncia destas formas, bem como no estudo dos ambientes
scio/culturais em relao com a cotidianidade; em outras palavras, trata-se da
organizao de formas coletivas com seus reflexos quantitativos e qualitativos,
correspondentes a expressividade como produto de trabalho no interior de uma
comunidade. Concernente problemtica e ainda correspondente aos
mecanismos articulados para a persistncia, foi significante verificar, ainda que
no especificamente, algumas modalidades de dispositivos organizados, ora
com finalidades assistencialistas, ora pertinentes as perspectivas de
preservao, mas em muitos casos com srio compromisso com as causas
sociais; e ainda, como hoje tem se constatado, o Estado em situao
estratgica para a promoo e distribuio de cultura, as captao e
distribuio de recursos junto iniciativa privada e a iniciativa civil-pblica;
distribuio esta para os mais diversos fins, no justificveis ou justificados
como democratizao da cultura.
21
No primeiro captulo, correspondente a APONTAMENTOS TEORICO-
METODOLGICOS, procuramos amparar nossas reflexes em
desenvolvimentos filosficos e metodolgicos, j elaborados, bem como
justificar um ponto de partida como a utopia primordial para as investigaes
cientficas.
No segundo capitulo, referente FESTA AMBIENTE DA CONVERGNCIA,
desenvolvemos uma anlise deste ambiente, no qual se demonstram reais
embates entre hegemonias.
O terceiro captulo, CONFIGURANDO A RESISTNCIA, traz uma reflexo
sobre como so mobilizados os valores mediante ideologia.
No quarto captulo, CASQUETES, PAIS, FITAS, BASTES, ANGUIAS E
TAMBUS, com contribuio mais especificas dos resultados dos trabalhos de
campo, tornou-se possvel analisar aos equipamentos simblicos enquanto
dispositivos de articulao na expressividade da cultura das classes
subalternas.
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22
CAPTULO 1
APONTAMENTOS TERICO-METODOLGICOS.
1.1 Das contribuies filosficas
Partimos da convico de que qualquer pretenso de se propor algum aporte
terico nas reas das Cincias e Cincias Sociais, nunca poder fugir a um
embasamento filosfico, seja por uma via acadmica ou pela simples escolha
de uma linha de pensamento ou de conduta. Para uma iniciativa em quaisquer
destes Campos, esta base para as reflexes so fundamentais, pois funciona
antes e acima de tudo como um termo de garantia para sua pertinncia
histrica. Interessa nesta parte conectar este aporte terico s muitas reflexes
j desenvolvidas, distintas da linha idealista e determinista, introduzindo-o pela
alternativa dialtica a partir da qual se estabeleceram os nortes para o
empenho neste trabalho de pesquisa; tendo, contudo, plena conscincia e
considerao de que o objeto, seu auto-movimento, dentro do movimento da
realidade22 que se desenha como o caminho a ser seguido.
22 FERREIRA, Maria Nazareth, Alternativas metodolgicas para a produo cientfica. So Paulo CELACC-ECA USP, 2006 p.
23
A cincia compe os diversos aspectos da atividade humana. E, atravs da
cincia o ser humano passou a observar o mundo de maneira mais
contundente, para entend-lo; ela o caminho por onde procurar explicaes e
fundamentos, e serve para que ele possa imprimir as transformaes que julga
necessrias para uma economia constante da vida; a cincia confere ao
homem as faculdades e as capacidades para inquirir, investigar e decifrar os
mistrios da Natureza23. Todavia, as atividades humanas sobre o ambiente,
como a agricultura, antes do advento dos nmeros e das letras eram apenas
tcnicas; a partir daquele momento tem inicio o desenvolvimento cientfico. Ao
longo do desenvolvimento histrico, a partir do positivismo, criam-se o mito da
cientificidade e o mito do especialista 24 que deram origem, como
conseqncia, a fragmentao do conhecimento em reas compartimentadas e
distintivas. As abordagens mais especificadas ao objeto de conhecimento e a
especializao profissional do pesquisador, mais interessado na dissecao de
uma determinada problemtica do que em uma transformao social, promove-
se da ento um concurso livre de produo ou de aquisio de conhecimentos
como proviso informacional individualizada. Percebemos mais claramente nos
dias de hoje, este tipo de inverso no fluxo de informao disponibilizada pela
internet sem critrios de avaliao preliminares, cuja acomodao em tarefas
acadmicas pode ser to fortuita quanto a sua gratuidade. Ou seja, so
mnimos os esforos e o tempo dispensado para este tipo de tarefa, o que faz
com que redundem em pesquisas cujas finalidades e contedos so
unicamente quantitativos.
Outra forma de constatarmos o aspecto quantitativo em pesquisas cientficas
atualmente quanto a trabalhos para a produo de medicamentos contra os
distrbios causados, por exemplo, pela vida sedentria em grandes centros
(depresso, estresses pr e ps-traumticos, pnico etc.); so evidentemente
necessrios devido a situaes emergenciais, porm quase sempre paliativos
quando no se modificam as causas scio-ambientais destes problemas.
A faina ainda maior por acesso cultura como erudio amplia um sistema no
qual o conhecimento como informao circula retroalimentando e criando um
23 HALL, Stuart. A identidade cultural na ps-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006, p.26 24 FERREIRA, Op.cit., p.35
24
ciclo academicista que gera ininterruptamente a falsa idia de indivduos
formados para o mercado de trabalho com ampla bagagem cultural. Uma
observao simples nos mostra que o saber na maior parte do sistema de
ensino bsico atual se aplica dividido em doses (de informaes); doses de
saber entremeadas com prticas sumrias ou quase sempre destacadas de
qualquer prtica. Assim se idealiza o indivduo preparado com experincias
lgicas unilateralmente mentais, para atuar no mundo de complexidade
materiais.
Consideremos, por exemplo, a velocidade com que avanam os
desmatamentos e o derretimento das calotas polares. No difcil admitir que a
criana que inicia hoje sua vida escolar certamente encontrar a vida bem mais
transtornada ao final do perodo de sua educao bsica. H uma preocupao
sim com a qualidade (aparelhamento e fluxo de informaes atualizadas) do
ensino, como h com os produtos oferecidos para consumo. Mas no h
preocupao com alguma prxis ao menos alternativa; uma conscincia
definitiva da unidade entre pensar e agir. No h ainda preocupao com um
contato efetivo entre a classe intelectual, permanecendo esta, como grupo de
indivduos superiores, e os indivduos, neste sentido considerados inferiores:
Neste contexto, qual o papel da filosofia? O papel da filosofia reunir o que est separado, fragmentado, dando um sentido de totalidade e de unidade ao homem e suas aes. Sem a interferncia da filosofia, o mundo cognoscvel seria um conjunto de forma de parcialidades, onde o conhecimento no teria visibilidade necessria para gerar transformao.25
No se pode deixar de constatar, neste momento em que formao no
pressupe mais a possibilidade de transformao da sociedade, que a busca
mais contundente, que hora se encontra por sadas (sada do permanente
estado de crise; no , porm crise geral, mas, mais que suficiente para
colocar mais distante as possibilidades de ordenao: crise econmica, crise
da democracia representativa, crise da representao, crise das identidades
tnicas e culturais, crises sociais, crise ecolgico-ambiental, crise tica-moral,
crise populacional, crise poltica, crise dos intelectuais, crise de autoridade etc.)
25 Id., p.35.
25
sadas para o conflito (jargo jornalstico): Mas o conflito a rebelio das
sadias aspiraes humanas contra o conformismo: uma insurreio moral,
consciente ou inconsciente. ( evidente que isso no pode ser dito de todo e
qualquer conflito).26
A verdade que no sabemos se queremos sair. Ou talvez, precisemos
permanecer no mnimo, o tempo de dialogar com o lugar. Os sistemas de
diviso social do trabalho, de diviso centro-periferia, dos conflitos armados e a
migrao por melhores condies de vida e trabalho, so exemplos de um
deslocamento que se impe. Se considerarmos as sadas possveis,
consideraremos o deslocamento como necessrio; a contradio est em ser o
deslocamento a manifestao de um desejo intrnseco; produo e a auto-
reproduo opostas s pr-determinaes metafsicas.
O cientificismo cuidou para que muitas pesquisas e orientaes no
passassem de preciosidades tericas. Outros trabalhos serviro, quem sabe,
de base para pensamentos e comportamentos socialmente previsveis, como
por exemplo, a mudana de hbitos alimentares mediante um quadro de alerta
sobre problemas causados por obesidade, sobre a possibilidade da escassez
de alimento e de gua potvel. Porm preciso colocar em prtica os planos
de construo de um almejado mundo melhor possvel.
Dentre tantas reflexes e teorias j produzidas nos cabe seguir o caminho
indicado por aqueles que anunciam a filosofia da prxis como alternativa
cientfica de estudo e compreenso desta ao construtiva, considerando-se as
totalidades humanas (perceber, conceber, representar e transformar a
realidade). Por que a filosofia da prxis? A resposta a esta pergunta pode ser
obtida pelo que Antonio Gramsci27 (1966) aponta como sendo desta filosofia
duas tarefas: combater as ideologias modernas em sua forma mais refinada, a
fim de poder constituir o prprio grupo de intelectuais, e educar as massas
26 HELLER, Agnes. O cotidiano e a histria. So Paulo: Editora Paz e Terra, 2004, p. 96 27 GRAMSCI, Antonio. Concepo Dialtica da Histria Traduo de Carlos Nelson Coutinho - Rio de Janeiro 1966. Ed. Civilizao Brasileira S.A. pp.01-02 - A complementao desta nota sobre a trajetria poltica de Antonio Gramsci encontra-se em anexo.
26
populares, cuja cultura medieval28. No h qualquer indcio de anacronismo,
ao se evocar a filosofia clssica alemo, e o perodo medieval uma vez que ao
se falar de massas populares h completa atualidade ao que se refere s
condies. Podemos dizer que desde a concepo de cultura moderna,
estabelece-se maior enfoque da cultura como rea de conhecimento, como
tambm definem-se os caminhos para a aculturao da sociedade, onde est
pr-estabelecido como e em que nvel participar; contrria portanto a
concepo de cultura prpria da sociedade - a sociedade da cultura. Tarefas
so aes, no somente medidas, nem to somente as metas, o conjunto de
todas elas, mais a teoria cujo papel produzir um contra-discurso que revele
as contradies internas da ideologia29 Conforme assegura a estudiosa do
mtodo dialtico, Maria Nazareth Ferreira (2006) e tambm defensora do
pensamento gramsciano, a teoria est encarregada de desvendar os
processos reais e histricos que originam a dominao de uma classe sobre a
outra, enquanto a ideologia visa exatamente o contrrio, a dissimulao dessa
diferena.30
Quando abordamos aos disparates da globalizao como efeito do (neo)-
liberalismo, e nos referimos, dentro do sistema de diviso da sociedade por
classes, e em especial a uma classe que por aquela dissimulao permanece
subalternizada, (entendemos por esta forma que haja sim um processo
contnuo de gerao desta condio), percebemos que, - como j afirmado
pela pesquisadora das Cincias Sociais Maria Nazareth Ferreira (1997) a partir
das proposies de Garcia Canclini (1988):
Os intelectuais que mais escreveram sobre o assunto (a cultura subalterna e a comunicao popular como projeto alternativo), geralmente realizaram pouco ou nenhum trabalho emprico; a
28 Ibid., p. 104. Esta segunda tarefa, que era fundamental, graas ao carter da nova filosofia, absorveu todas as foras no apenas quantitativamente, mas tambm qualitativamente; por razes didticas, a nova filosofia se combinou com uma forma de cultura que era um pouco superior mdia popular (que era muito baixa), mas absolutamente inadequada para combater as ideologias das classes cultas, ao passo que a nova filosofia nascera precisamente para superar a mais alta manifestao cultural da poca a filosofia clssica alem, e para criar um grupo de intelectuais prprios do novo grupo social ao qual pertencia a concepo do mundo. 29 FERREIRA, Op. cit., p. 69 30 Ibid., pp. 69-70.
27
pesquisa social, na maioria dos casos se restringe ao econmico e ao poltico31
Como uma alternativa de investigao resta tomar como ponto de partida a
dimenso das subjetividades at aqui, pelo que podemos constatar calcula-se
como simples atributo da cotidianidade. Em nosso entendimento a capacidade
de subjetivao se inscreve como faculdade onde o conceito de valor elevado
a nvel incomensurvel do Valor objetivo, como nos apresenta Heller (2004).
Consideramos valor objetivo, ou seja, independente da avaliao humana, o
conjunto de todas as relaes, produtos, aes, idias etc. sociais que
promovem o desenvolvimento da essncia humana no estgio histrico tomado
em considerao. 32
Acrescentamos a este pensamento o que Giovanni Semeraro (2006) 33 assim
escreve em sua obra Gramsci e os Novos Embates da Filosofia da Prxis:
Toda cincia est vinculada s necessidades, vida, atividade do homem. Sem atividade do homem, criador de todos os valores, inclusive cientficos, o que seria a objetividade? Para Gramsci no existe objetividade absoluta, como se houvesse um ponto de vista csmico, mas esta sempre humanamente objetiva, uma objetividade histrica, capaz de alcanar um universal objetivo, subjetivamente definido. 34
O conceito de sociedade civil proposto por Antonio Gramsci (1975),
apresentado por este mesmo autor, justifica ainda mais a indicao deste ponto
de partida, quando representa o lugar onde se manifesta a livre iniciativa dos
cidados, seus interesses, suas organizaes, sua cultura e valores e, aonde,
praticamente, se estabelecem as bases do consenso e da hegemonia.35
Outro conceito trazido a baila por Gramsci (1966) o de classe subalterna a
partir dos estudos de Marx e Engels. Estes pensadores,
[...] formularam seu pensamento a partir da realidade social por eles observada: de um lado, o avano tcnico, o aumento do
31 CANCLINI, (1988) apud FERREIRA (1997), p. 40 32 HELLER, Op. cit., p. 78 33 SEMERARO, Giovanni. Gramsci e os novos embates da filosofia da prxis. Aparecida, SP: Idias & Letras, 2006, 199p 34 GRAMSCI, (1975) apud SEMERARO, (2006), p.27 35 SEMERARO, Op. cit., pp. 95-96
28
poder do homem sobre a natureza, o enriquecimento e o progresso; de outro e contraditoriamente a escravizao dos trabalhadores, cada vez mais empobrecidos, a misria, a explorao e o sofrimento do proletariado.36
Tal distino tambm se apresenta como resultado ainda daquela
fragmentao do saber acima mencionada. Neste ponto, para melhor
referenciar nosso objeto de estudo, interessa acrescentar que:
Gramsci parte dos conceitos elitistas que definem cultura como saber enciclopdico, atividade especulativa reservada aos grandes talentos e circunscrita ao campo artstico e educativo. A partir da, constri um conceito dinmico e historicista, no qual a cultura compreendida como um processo que se conserva e renova-se permanentemente somente na prtica social. Est tica amplia o sujeito produtor/receptor/consumidor de cultura a todo o universo social.37
E continuando:
Por outro lado, aponta a necessidade da superao de um estado de cultura existente para um dever ser cultural, tipificando os processos culturais como cenrios de confrontao de classe, onde se constri, preserva-se ou destri-se o consenso. Estes cenrios de confrontao so lugares do povo, aqui definido, a partir de categorias de classe, como o conjunto de classes subalternas e instrumentais que existem em todos os tipos de sociedades atuais. Esta definio de classes subalternas apresenta diferenas significativas com o de classes exploradas, na medida em que o subalterno est num campo semntico que transcende a determinao econmica pelo lugar que a classe ocupa na estrutura produtiva, atendendo ao mesmo tempo, dominao cultural, a qual se define pelo lugar que a mesma classe ocupa no mbito da hegemonia [...]. 38
Vale enfatizar que tais conceituaes projetadas ao contexto atual indicam que
h um contnuo processo de gerao tambm de uma cultura que tem sido
confundido com a das classes subalternas; quando nos detemos, por alguns
momentos sobre as cifras movimentadas entre ricos, esta simulao tem
colaborado para o aumento da distncia em ralao aos pobres, ao mesmo
tempo aumentando a pobreza em escala global pela prtica das mdias de
36 FERREIRA, Op. cit., p. 55 37 MADRIZ, (1989) apud FERREIRA (1997), p. 29 38Id., p. 29
29
homogeneizao do pensamento. Como instrumento de expanso do sistema
neoliberal, quando no se trata do extico, exclui o diferente. Quando nos
propomos a uma tentativa de transformao deste quadro, fazmo-lo pelo
desconforto relativo ao conformismo que paira sobre o comportamento
humano. Unimo-nos crtica arguta e histrica, porm conscientes de que
nunca poder ser sem partirmos de um embasamento filosfico. O papel da
filosofia deve ser o de estabelecer o elo entre aqueles saberes particularizados
e as possibilidades de articulao dos menos favorecidos das sociedades
frente ao caos.
Quando tratamos de cultura popular subalterna necessrio deixarmos claro
que em boa parte do tempo estamos lidando com experincias prticas, com
atividades cotidianas que em maior proporo so destitudas de
comprovaes cientficas, so apenas atividades, concretudes. Tambm no
se tratam de observaes esquemticas para posterior prescrio de um sem
nmero de descries, destacadas de algum ponto da histria e sua
reproduo proposta como alternativa para qualidade de vida. Isto no
somente exemplificaria empirismo como tambm repete uma prtica na qual as
singularidades servem de contedo miditico ou para consumo imediato. Por
isto mesmo, esta proposta no deve escapar a uma reflexo filosfica
preliminar no sentido de garantir de que se trata de um estudo sobre um
concreto pensado 39, ou seja, no se trata evidentemente de se reduzir as
observaes dados empricos, uma vez que abordamos a uma atividade
material humana, mas que seu fundo est em um campo subjetivo e como
objeto de conhecimento refere-se ao concreto como sntese de mltiplas
determinaes, como unidade do diverso, como sntese do resultado, ponto de
partida da intuio, da representao, [...].40
Quando ensejamos este alicerce filosfico, temos em considerao o que
possa representar a relao de conjunto com a totalidade41. Neste sentido
totalidade que serve de pano de fundo destas atividades as quais aqui nos
referimos (as manifestaes expressivas prprias e tpicas de sociedades que
39 Id., Op. cit., p. 103 40 MARX, 1971 apud FERREIRA, 2006, p. 101 41FERREIRA, Op. cit., p. 25
30
conservam na histria e no tempo os modos mais primitivos e por isso mais
autnticos) o mundo do trabalho como fator essencial a socializao, a
capacidade de construir coletivamente e de modo cooperativo, e que aqui
justifica o sentido de unidade entre conhecer e agir. De modo que se revolvam
postulaes sedimentadas, haveremos de confrontar a hegemonia dominante
com um simples modo de agir que subsiste aos processos de modernizao,
principalmente no que corresponde comunicao social enquanto mecanismo
de interao e veculo do discurso entre as classes sociais. E, a partir da
tica, nas diversas esferas (poltica, econmica, cultural) que caber a crtica
ao que se considera como idealismo transcendental das aes humanas e a
ideologia empregada em formas de dominao na sociedade. O que buscamos
sempre a verdade sobre os processos de apropriao escamoteada por
todas as formas e aparncias pelas quais se traveste o capitalismo global;
partimos para uma observao dos momentos de explicitao da humanidade,
conforme o pensamento de Agnes Heller (2004). Adentramos o terreno das
relaes de produo dissolvidas no contexto do trabalho alienado. O trabalho
institui o senso da propriedade. A apropriao me da tcnica, dos
instrumentos e das ferramentas. Quando chamamos um especialista para que
concerte o telhado de nossa casa, na verdade estamos lhe permitindo que
coloque em ao seu senso de propriedade.
Nosso ponto de partida a considerao ao homem elevado a categoria do ser
humano-genrico, 42 e, a maior dose concentrao caber, a ttulo de
referenciar o estudo, naquilo que se nos apresentar como distintivo do homem
como ser dotado de conscincia e razo, isto , sua capacidade de
transformaes concretas a partir do que se consubstancia em representaes
objetivas diferenciadas das aes instintivas correspondentes a meros reflexos.
Chamamos de reflexo todo comportamento decorrente, ou seja, no objetivo,
no construtivo, apenas reproduo mecnica de arqutipos veiculados pelas
mdias ou pelas instituies encarregadas da ordenao social do Estado.
42 HELLER, Op. cit., p.21 [...] o genrico est contido em todo homem e, mais precisamente em toda atividade que tenha carter genrico, embora seus motivos sejam particulares. Assim, por exemplo, o trabalho tem freqentemente motivaes particulares, mas a atividade do trabalho quando se trata de trabalho efetivo (isto , socialmente necessrio) sempre atividade do gnero humano. Tambm possvel considerar como humano-genricos em sua maioria, os sentimentos e as paixes, pois sua existncia e seu contedo podem ser teis para expressar a substncia humana.
31
(escola, quartis, famlia, Igreja etc.) como, por exemplo, a banalizao da
violncia, a banalizao do gosto, banalizao das identidades etc.
a partir de suas procuras, muito mais do que por sua existncia que focamos
a idia de deslocamento. Este deslocamento pressupe uma possibilidade de
caminho a percorrer - o mtodo. Dentro desta possibilidade visamos
diagnosticar, proposies filosficas que confirmem e situe o homem na
condio de sujeito e objeto de sua prpria histria. Condutor e conduzido.
Antes, porm algumas distines importantes a respeito deste deslocamento
devem ser apresentadas que, entretanto no se isolam nem se desconectam,
pois ambas esto em referncia ao sujeito. Uma delas, apresentada por Maria
Luiza M. Mendona (1997), prope
[...] deslocar o eixo das anlises sobre a produo cultural de seus formatos e contedos para entender os processos e o papel que nele desempenha o receptor ou consumidor de cultura; foroso e necessrio operar com uma concepo de cultura e de produo cultural que permita encontrar um lugar para a existncia de sujeitos. Esse deslocamento [grifo nosso] tem um peso poltico importante, pois s assim se pode admitir a existncia de projetos de conquistas sociais, de lutas por democracia, por participao, por igualdade, por direitos.43
Neste postulado encontramos respaldada uma idia de alternncia do ponto de
referncia para identificao da objetividade da ao do(s) sujeito(s), visto que
muitas abordagens solidificam esta ao em uma viso unilateral que impede
uma concepo de amplitude das aes e da criatividade. Neste entendimento
ou o sujeito o da resistncia contra uma determinada ordem ou o sujeito da
prpria ordem sujeito-replicante. Consideramos a subsistncia de um sujeito
que transita e se articula (articulao um termo que no compe com alguma
freqncia os objetivos formativos da educao atual, que se baseiam ainda na
identidade cultural nacional e no mercado/concorrncia de trabalho e que
conhecimento em doses dota o aluno de preparo para a vida. No se faz de
maneira efetiva uma leitura constante do ambiente das sociedades e de como
nos comportamos neste mundo das coisas, muito menos procuramos atribuir a
43 MENDONA, Maria Luiza M. de. Cultura Subalterna e Neoliberalismo: a encruzilhada da Amrica. Latina, Maria Nazareth Ferreira (Org.). So Paulo: CELACC:ECA/USP, 1997, p. 56
32
algum, neste caso os estudantes, as responsabilidades por um sistema de
vida sustentvel, ou seja, o conhecimento passa ao largo das possibilidades de
apropriao. Somente o senso de propriedade, restaura a responsabilidade e
habilita a faculdade da articulao no indivduo. Quem faz, conhece) entre
estas duas esferas (ou at mesmo fora delas), com suas prprias produes
alternativas. No somente como um observador externo que interpreta o
mundo, mas que na busca de suas bases existenciais no perde o senso de
propriedade sobre a realidade concreta. Caso tenhamos que admitir esta perda
ser nossa tarefa restitu-la.
Outra anlise de deslocamento apresentada por Stuart Hall (2006). O autor
observa do ponto de vista das mudanas que, como efeito, est provocando
um deslocamento das estruturas e processos centrais das sociedades
modernas e abalando os quadros de referncia que davam aos indivduos uma
ancoragem estvel no mundo social, apontado tambm pelo autor como
fragmentao das paisagens culturais de classe, gnero, sexualidade, etnia
raa e nacionalidade e tem como reflexo direto como deslocamento ou
descentrao do sujeito. Para melhor sintonizarmos nossa abordagem sobre o
sujeito e este quadro de deslocamento ou descentrao podemos acompanhar
a reflexo que este autor faz progressivamente distinguindo primeiramente um
[...] sujeito do Iluminismo [...] baseado numa concepo da pessoa humana como um indivduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razo e de conscincia e de ao cujo centro consistia num ncleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia [...]. O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa. [...]44
Em seguida uma
[...] noo de sujeito sociolgico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a conscincia de que este ncleo interior do sujeito no era autnomo e auto-suficiente, mas era formado na relao com outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e smbolos a cultura dos mundos que ele/ela habitava. [...] a identidade, nessa concepo sociolgica, preenche espao entre
44HALL, Op. cit., p. 09, passim
33
o interior e o exterior entre o mundo pessoal e o mundo publico.45
Destacamos at aqui dentro desta linha evolutiva da anlise do autor na
constituio histrica do sujeito como sujeito sociolgico, o aspecto
metodolgico como ponto referencial na seguinte reflexo. A identidade ento,
costura (ou, para usar uma metfora mdica, sutura), o sujeito estrutura.
Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam,
tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizveis.46
Se estamos argumentando a respeito de deslocamento, temos que admitir que
esta estabilidade jamais poderia permanecer como tal e certamente adotaria, a
posteriori uma orientao, o liberalismo e, na sua verso atualizada, o
neoliberalismo. Entretanto a questo mais preponderante a rapidez efusiva
do fluxo das mudanas que no nos deixa margem para conciliar uma acepo
de sujeito e identidade como se constata na concepo do (sujeito) ps-
moderno;
[...] como no tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma celebrao mvel: formada e transformada continuamente em relao s formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). definida historicamente, e no biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que no so unificadas ao redor de um eu coerente. Dentro de ns h identidades contraditrias, empurrando em diferentes direes, de tal modo que nossas identificaes esto sendo continuamente deslocadas [grifo nosso].47
Ainda que como noes simplificadas, como alerta o prprio autor, e aqui ainda
mais sintetizadas, no sem razo que transcrevemos estas passagens, pois
devemos ter em mente ou em questo, de que (qual) sujeito estamos tratando?
Podendo ser, este sujeito, um complexo de identidades fugidias, ainda que
dotado de conscincia e razo, encontrar ou mesmo sugerir plena constituio
para ele no ser uma tarefa das mais simples.
45 Ibid., pp. 07-09, passim 46 Ibid., p. 12 47Ibid., p. 11-13
34
Esta tentativa da constituio ideal do sujeito, bem como da relao sujeito
objeto j era matria da filosofia clssica alem, porm nunca ser demasiado
iluminar filosoficamente uma das mais importantes decorrncias desta relao.
Faamos, porm duas ressalvas antes de adentrarmos a anlise de um
processo de intensificao da alienao. Em primeiro lugar no se trata de dar
continuidade aos riscos da simples troca de mos sobre o poder, a simples
troca de posio entre dominantes e dominados, pois a histria nos mostra que
quase sempre quem assume o comando muitas vezes s faz replicar a frmula
j aplicada pelo regime deposto. Em segundo lugar a idia de uma poltica de
reconhecimento ter sentido se devolvida juntamente com uma justia
distributiva 48 projetadas problemtica da justia social, como analisa
Zygmunt Bauman (2003), para elevao a uma unidade e no mero
reconhecimento para que conste de autos dos registros histricos.
Os estudos de Hegel no nos conduzem superao das especulaes
idealistas de modo objetivo, certamente. No vamos alm do,
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