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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
por
Zilda Carolina Vargas Gitahy
Orientadora:
Profª. DIVA NEREIDA MARQUES MACHADO MARANHÃO
julho de 2005
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Trabalho apresentado como requisito final do Curso de Pós-graduação em Orientação Educacional, sob a orientação a Prof.ª Diva Nereida Marques Machado Maranhão
Aluna:
Zilda Carolina Vargas Gitahy
julho de 2005
AGRADECIMENTO
Agradeço a DEUS, que me permitiu
chegar a esse momento tão significativo
em minha vida profissional; à Profª. DIVA
NEREIDA, cuja orientação foi essencial
para a realização deste trabalho.
DEDICATÓRIA
Este trabalho é especialmente dedicado aos alunos
das escolas em que trabalhei ao longo de minha vida
profissional; foi com eles que, muito mais do que ensinei,
aprendi.
RESUMO
O presente trabalho versa sobre questões ligadas á aquisição da
modalidade escrita da língua, principalmente através do processo regular de
escolarização. Apresenta, inicialmente, breve panorama das hipóteses
filosóficas e científicas levantadas sobre a origem da linguagem humana,
associadas umas à imitação de ruídos, outras à evolução e desenvolvimento
do cérebro humano, como se pode observar da comparação com a evolução
da criança e com aspectos biológicos da debilidade mental, outras ainda aos
gritos, além de outras hipóteses, partindo algumas da Pré-história em direção
aos tempos históricos e percorrendo outras o caminho inverso. Acompanha o
documentado desenvolvimento da escrita, examinando os sistemas primitivos,
ligados ao figurativo, ainda que estilizado, e flagrando como momento
privilegiado a criação de sinais escritos ligados ao som das palavras e a
conseqüente criação do alfabeto, entre os gregos, que atribuíam a invenção
aos fenícios. Examina, ainda, os diferentes sistemas de escrita. A pesquisa
analisa os conceitos de alfabetização, seu surgimento histórico, associado à
vitória dos ideais liberais e burgueses com a Revolução Francesa, bem como
passa em revista os principais métodos de alfabetização. Por último, examina o
conceito recentemente introduzido de letramento, concentrando maior atenção
nesse processo enquanto desenvolvido no sistema escolar. A pesquisa dedica
especial atenção á contribuição fundamental de Emília Ferreiro, embora esta
cientista tenha restrições quanto ao uso do termo em oposição à idéia de
alfabetização. Com base nos conceitos então apreciados, a pesquisa se põe a
explicitar as principais teorias contemporâneas sobre o processo de
aprendizagem da leitura e da escrita.
METODOLOGIA
A presente pesquisa teve caráter eminentemente bibliográfico, limitando-
se ao exame das contribuições oferecidas pelos mestres nas diversas áreas
que envolvem o exame do tema proposto (alfabetização e letramento), tais
como a Lingüística, a História e as ciências da Educação.
A rigor, o trabalho procurou pôr em diálogo autores distanciados no
tempo e no espaço, que se manifestaram sobre o tema específico e sobre os
temas transversais.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 07
CAPÍTULO I – A ESCRITA NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA 10
CAPÍTULO II – A ALFABETIZAÇÃO 36
CAPÍTULO III – O LETRAMENTO 53
CONCLUSÃO 84
BIBLIOGRAFIA 87
ANEXOS 89
ÍNDICE 97
FOLHA DE AVALIAÇÃO 99
INTRODUÇÃO
O presente trabalho procura, fundamentalmente, explicitar as relações
entre o processo de alfabetização, já tradicionalmente conhecido em nossa
cultura, com o processo de letramento, conceito de introdução mais recente
entre as disciplinas que tratam da Educação.
É bem verdade que a idéia de alfabetização não é assim tão recente e
as exigências de que uma pessoa alfabetizada seja capaz de articular a
decifração do código escrito com suas experiências existenciais não são tão
recentes assim.
A idéia de alfabetização só foi colocada como uma necessidade social e
como um processo específico com a Revolução Francesa, que trouxe à cena
política uma nova classe social, a burguesia, que defendia os ideais do
Liberalismo e propugnava nova ordem de relações econômicas, baseadas na
acumulação capitalista, tendo como força motriz a indústria. As largas faixas de
comércio que a acumulação capitalista exigia, a criação crescente de mercados
consumidores, a incorporação de um verdadeiro exército industrial constituído
pelo proletariado trouxeram consigo a exigência de setores mais largos da
sociedade dominassem a língua escrita. E isso coincidia com os ideais
presentes no discurso liberal: liberdade, igualdade, fraternidade.
Antes da Revolução Francesa, o processo de se ensinar alguém a ler ou
a escrever, que eram vistos de forma dissociada, mais se assemelhava a uma
iniciação profissional, de vez que tais conhecimentos eram exigidos de uma
categoria especial de pessoas, não necessariamente os sábios, mas os
escribas, os copistas, que se esmeraram, ao longo dos séculos em aproximar a
caligrafia de uma arte.
A partir do advento, portanto, da sociedade industrial, a alfabetização
passou a se constituir um anseio coletivo e mesmo uma exigência da crescente
complexidade social. O reconhecimento de que a situação de analfabeto (e o
próprio conceito de analfabeto) constituía um fator de prejuízo para largas
faixas da população só se tornou universalizado após a Segunda Guerra
Mundial, com a criação da ONU e da Unesco, que procurou disseminar pelo
mundo programas de alfabetização, especialmente de adultos.
Tem-se observado, porém, um certo fracasso nesses programas, que
não conseguem impedir que o alfabetizado regresse ao estágio de analfabeto.
Têm sido elaboradas as mais diferentes propostas de enfrentamento da
questão, a mais conhecida vindo a ser a alfabetização funcional, inicialmente
voltada exclusivamente para o mundo do trabalho e depois articulada com
outras necessidades pessoais e sociais do alfabetizando, aproximando-se da
idéia de educação permanente.
As descobertas mais recentes nas áreas da Psicologia e da Lingüística
trouxeram o eixo das discussões para a própria essência do ato de alfabetizar,
condenando sua utilização como uma técnica prévia que permitiria à pessoa
ingressar mais tarde no mundo da escrita. Passa-se a buscar um processo em
que a aquisição das técnicas de codificação e de decodificação do código
gráfico estejam articuladas a uma permanente contextualização, de modo que
o conhecimento assim adquirido seja significativo, única hipótese de que ele se
torne operativo.
É em decorrência dessas descobertas que se formulou o conceito de
letramento, conceito ainda um tanto dúbio e até combatido, que, em poucas
palavras, incluiria na leitura do texto significativo a própria leitura do mundo.
Antes, porém, de examinar o que há de específico nos conceitos de
alfabetização e de letramento, a pesquisa voltou-se para considerar as
diferentes hipóteses sobre a origem da linguagem. Trata-se mesmo de
hipóteses, pois até hoje, do ponto de vista rigorosamente científico, nada pôde
ser afirmado sobre tal origem.
Assim, o presente trabalho se organizou em três capítulos. No primeiro,
A escrita numa perspectiva histórica, procura-se fazer um levantamento das
teorias sobre a origem da linguagem e depois se acompanha, de forma
naturalmente resumida, a história propriamente da escrita, partindo de suas
relações com a pintura, no que se convencionou denominar escrita pictórica e
avançando para formas cada vez mais estilizadas e estandardizadas de
representação gráfica, que passa pela escrita ideogramática, pela escrita
silabária, até chegar ao alfabeto fonético, criação grega, que estes atribuíam
aos fenícios.
O segundo capítulo debruça-se especificamente sobre o tema da
alfabetização, procurando surpreender o processo evolutivo que vai da
consideração da escrita como uma forma de arte até à consideração de que o
domínio da escrita é um direito pessoal e uma necessidade social. Traça, a
seguir uma breve história da alfabetização, examinando as primeiras propostas
que se fizeram para dar conta de um novo fenômeno, o da escolarização em
massa, das escolas, com suas turmas e seus mestres. Por fim, traça breve
panorama da sucessão dos métodos de alfabetização, tema que já foi objeto
de muita polêmica.
O terceiro capítulo é dedicado ao conceito de letramento, de introdução
recente em nossas letras pedagógicas. Fala de sua introdução em nosso meio,
busca aproximar os conceitos de um fenômeno que mais de perto interessou à
pesquisa, qual seja o da escolaridade, analisa as principais contribuições que o
desenvolvimento do conceito veio recebendo, dando especial destaque às
idéias de Emília Ferreiro. O último capítulo abre também uma discussão,
sempre atual e sempre necessária, sobre as razões que tornam difícil para
número expressivo de crianças o domínio do mundo da escrita.
Cumpre dizer uma palavra sobre o método adotado na pesquisa. Trata-
se quase exclusivamente de uma pesquisa bibliográfica. Não se utilizaram
instrumentos próprios da pesquisa de campo. Em todo o trabalho, buscou-se
principalmente deixar que os principais pesquisadores dialogassem, fazendo-
se ouvir principalmente as suas vozes.
CAPÍTULO I
A ESCRITA NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA
1.1. Linguagem, civilização e escrita
Importa preceder o presente estudo, sobre aspectos relacionados à
alfabetização e ao letramento, de algumas considerações sobre as origens da
língua escrita, de modo a se poder flagrar o desenvolvimento que este
instrumento da civilização observou ao longo dos séculos, numa história que já
se conta na casa dos milênios.
De rigor, não é possível apontar o momento exato do nascimento da
escrita, nem atribuir os louros dessa invenção a um povo determinado. Discute-
se mesmo se é possível falar-se de invenção no que concerne ao
aparecimento da escrita. Esta invenção, como muitas outras fundamentais da
espécie humana, como a roda, as formas de navegação, etc., de forma mais
precisa, poderia ser considerada um aprimoramento do que já existia antes, do
que já era conhecido e praticado.1 Ao longo dos séculos e no seio das mais
variadas civilizações, a escrita foi passando por sucessivas reformas, cujos
autores é impossível identificar.
O que se pode afirmar é que a escrita deve ter surgido inicialmente num
momento histórico caracterizado pelo desenvolvimento do que hoje
denominamos civilização, que inclui simultaneamente o desenvolvimento das
artes, da agricultura, do comércio, da manufatura, dos transportes e das formas
de governo. José Juvêncio Barbosa assinala que o desenvolvimento de uma
civilização, no sentido que cientificamente se atribui a esse termo, não seria
possível sem a escrita e que, por outro lado, ou seja, a partir de determinado
1 BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1994, p. 34.
momento histórico, a sociedade, em processo de criação de civilização, não
poderia funcionar se não existisse a escrita.2
Donde, de forma até certo ponto tautológica, se pode concluir que a
escrita só pode existir em uma civilização e que, ao mesmo tempo, uma
civilização não pode existir sem a escrita. É, aliás, a observação que o autor
referido transcreve de J. J. Gelb.3
Tautologia semelhante se costuma fazer, em horizonte mais amplo,
entre a própria espécie humana e o fenômeno mais geral da linguagem verbal.
Assim, é costume dizer-se que só é possível caracterizar-se a espécie humana
a partir da existência da linguagem verbal, do mesmo modo que só se pode
falar de linguagem verbal a partir da existência da espécie humana.
O lingüista Georges Mounin4 adverte quanto a essas formulações
tautológicas, baseadas praticamente todas na observação de uma tendência
fundamental e inata, observada em todos os seres que vivem em comunidade,
para se aproximarem, simpatizarem, trabalharem em conjunto, se
compreenderem reciprocamente. Tais formulações, observa o autor, não
ajudam em nada a reconstituir os modos de evolução de todas as formas
específicas de comunicação, pois elas explicam desde as fricções das antenas
das formigas, o rangido dos vôos dos gafanhotos e os mugidos das boiadas,
até os resmungos dos gorilas e os versos de um poeta. Para o referido autor,
não é possível satisfazer-se com essas tautologias, tão repetidas desde os
tempos de Goethe e Renan, passando por figuras não menos importantes
como Humboldt e lingüistas respeitados com Vendryès.
É claro que a primeira das dificuldades que se oferecem a uma história
da linguagem verbal consiste no fato de que seu aparecimento,
necessariamente oral, precedeu em muito à criação de qualquer forma de
registro. A linguagem oral é anterior à escrita em milhares de anos. Por isso as
2 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit. p. 34 3 Idem, ibidem, p. 35 4 MOUNIN, Georges. História da Lingüística – das origens ao século XX. Trad. F. J. Hopffer Rêgo. Porto: Edições Despertar, 1970, p.25.
teorias sobre a origem da linguagem escaparam ao rigor das exigências da
ciência, ficando no domínio da especulação.
Em razão desse caráter especulativo, chegou-se ao ponto de se afastar
liminarmente qualquer tentativa de elucidar a origem da linguagem humana. O
referido Georges Mounin dá notícia de que a Societé de Linguistique de Paris,
já em seu primeiro estatuto, determinava que não seriam aceitas quaisquer
comunicações concernentes à origem da linguagem. Mesmo quando essa
sociedade reformulou seus estatutos, em 1878, manteve a interdição quanto a
esse tema, com o propósito de se precaver contra discussões apaixonadas,
incompatíveis com a objetividade das ciências.5
Apesar dessa atitude de descrença e das dificuldades indiscutíveis, é
possível, se não fixar a origem da linguagem verbal, pelo menos acompanhar
de alguma forma seu desenvolvimento através dos séculos. Tal propósito,
porém, não anima a uma investigação extremamente remota. Observe-se que
o lapso de tempo entre o aparecimento da linguagem e o aparecimento da
escrita pode ter chegado a mais de um milhão de anos.6
1.2. Hipóteses sobre a origem da linguagem
Muitas das tentativas de se reconstruir a história da linguagem
repousavam numa análise e comparação das chamadas línguas antigas, das
chamadas línguas dos selvagens e da linguagem infantil, numa orientação
mais voltada para a antropologia e a psicologia do que para a lingüística. Tal
sistemática foi severamente criticada pelos lingüistas, a começar por Vendryès,
segundo dá conta o referido Georges Mounin.7
Entretanto, em tempos mais recentes e em obra voltada para a formação
de fonoaudiólogos, o lingüista Venâncio Mol8 retoma o procedimento para
5 MOUNIN, Georges. Op. cit. p. 21 6 CABRAL, Leonor Scliar. Introdução à Lingüística. Porto Alegre: Globo, 1973 7 MOUNIN, Georges. Op. cit. p. 21 8 MOL, Venâncio. Lingüística em Logopedia. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1971, p. 15
fornecer uma explicação da origem e do desenvolvimento da linguagem
humana.
Observa o autor que tanto os primatas como os idiotas e os indivíduos
até seis meses de idade têm um ponto similar em comum, qual seja a utilização
de sons articulados ou inarticulados com o propósito de satisfazer seus
instintos, como o choro, o riso, os gestos, etc. Para ele, tal uso de sons não
caracteriza ainda a linguagem.
A partir dessa constatação inicial, o autor vai associando, de forma
bastante criativa, os diferentes estágios do homem primitivo (homem das
cavernas), aos estágios da evolução do indivíduo, numa retomada da tese de
que o indivíduo, em sua história, reproduz a própria história da humanidade.
Configurando sua proposta em um esquema gráfico, o autor elabora sugestivo
quadro em que vai distribuindo em colunas os períodos paleolíticos, os
períodos geológicos, as formas de vida, o período cultural, as características do
pensamento, as características da linguagem, as características mentais, o
quociente intelectual e a idade mental.9
Seu esquema não compara apenas a linguagem primitiva (do homem
das cavernas) com a linguagem infantil. Faz também uma associação com a
linguagem (e estágios de pensamento) dos deficientes mentais. Como se viu
acima, sugere o autor que os primatas (o pliopiteco), os idiotas (pessoas com
Q. I. inferior a 40) e bebês até seis meses de idade, valem-se dos sons com a
finalidade de satisfazer seus instintos, exprimindo um pensamento primitivo,
instintivo ou sensório-motor, numa sucessão de sons inarticulados.
Num estágio seguinte, associa o proconsul e o driopiteco (cerca de 20
milhões de anos) aos chamados imbecis (Q. I. inferior a 50) e a crianças de 6 a
10 meses de idade. Observe-se que as figuras hominídias citadas não podem
ser ainda consideradas seres humanos, estando mais para o chimpanzé, de
modo que não existe ainda nenhuma ordem de manifestação cultural. Para o
autor, nesse período a comunicação já se esboça, através de gritos e de
imitação. Esta observação associa o pensamento do autor às teorias
9 MOL, Venâncio. Op. cit. p. 22.
onomatopaicas, que explicam o surgimento da linguagem humana pela
imitação de sons da natureza ou dos animais (onomatopéias).
Numa fase posterior, no período geológico denominado Mioceno, há
cerca de 14 milhões de anos, o autor localiza hominídios mais próximos do
homem (o oreopiteco e o ramapiteco) e os associa aos débeis mentais
profundos (Q. I. inferior a 60) e às crianças de 10 a 12 meses de idade. Não
indica, porém, nenhuma fase na evolução da linguagem, observando mesmo
que, nessa fase, a evolução se limita aos aspectos biológicos.10
O período seguinte (período evolutivo biológico, porque os períodos
paleontológicos e geológicos continuam os mesmos, respectivamente o
cenozóico e o plioceno) é o do surgimento do parantropo, ancestral do homem,
já muito evoluído, ao qual o autor associa o débil mental superior (Q. I. de 60 a
64) e crianças de 1 a 2 anos. Nesta fase ou estágio, observa-se uma
intencionalidade na linguagem, que se utiliza de sons articulados para
expressar o pensamento primitivo. Entende o autor que a intencionalidade
determina a existência de entonação e de silabação.
Avançando em seu esquema evolutivo, o autor examina o
Australopiteco, o Pitecantropo e o Homo, do período denominado pleistoceno,
de há 2 milhões de anos. A esses associa os débeis mentais superficiais (Q. I.
de 65 a 79) e as crianças de 2 a 3 anos. Aqueles ancestrais humanos já vivem
em pleno paleolítico inferior (Idade da Pedra), em que o pensamento já não é o
primitivo, mas o arcaico ou pré-mágico11, que se caracteriza por ser
determinado pela emoção. Tem-se aqui a linguagem falada, composta de
frases curtas, voltadas para o eu.
O conhecido homem de Neandertal (de há cem mil anos) configura o
estágio seguinte, que corresponderia ao deficiente mental conhecido como
inteligente inferior (Q. I. de 80 a 84) e é associado à criança de 3 a 5 anos, em
que predomina o pensamento mágico, caracterizado por ter por base a
crendice, as lendas, as religiões fantásticas. Tem-se a linguagem falada, em
que aparecem narrativas, com noções de tempo e de lugar.
10 MOL, Venâncio. Op. cit. p. 17 11 Idem, ibidem, p. 17
Como penúltima fase evolutiva, teria aparecido o Homem de Cro-
Magnon, que teria como correspondente o inteligente inferior, mas de Q. I.
entre 85 e 89, e que o autor associa à criança de 5 a 7 anos, caracterizados
pelo pensamento egocêntrico. Seria o período das gravações, pinturas
rupestres e dos rudimentos da linguagem escrita e dataria de 50 mil anos.
Por fim, o Homo Sapiens, associado ao inteligente normal e ao gênio (Q.
I. de 90 em diante) e ao indivíduo a partir dos 7 anos. Tal período se teria
iniciado há 20 mil anos e seria o período da civilização, com o desenvolvimento
do pensamento lógico e o surgimento da escrita.
Algumas objeções podem ser feitas a esse esquema engenhoso. A
primeira delas é que se prende a um rígido esquema evolucionista, de base
biológica, hoje severamente criticado nos meios científicos. Em segundo lugar,
não deixa de ser apenas uma hipótese a correspondência entre o estágio
evolutivo do homem, o nível intelectual do deficiente mental e a prontidão da
criança dita normal. Por fim, a teoria proposta e seu esquema, ainda que
explique o desenvolvimento da linguagem humana, não tem a capacidade de
esclarecer a sua origem.
Nesse sentido, o já citado Mounin refere pensamento de Tovar, segundo
o qual, do ponto de vista do lingüista, a contemplação dos milênios da pré-
história faz parecer insolúvel o problema da origem da linguagem.12
O mesmo Mounin, na obra referenciada, procura apresentar um painel
inteligível sobre as teses referentes á origem da linguagem; constata que as
muitas teorias da mesma classe se contradizem e que podem ser agrupadas
em teses biológicas, antropológicas, filosóficas, teleológicas e lingüísticas.13
Esclarece o autor que as teses biológicas se dividiam em dois grupos. O
primeiro considera que a linguagem nasceu lentamente da evolução dos
movimentos e dos sons espontaneamente expressivos; é a conhecida pooh-
phoo theory. O outro grupo de teses de um modo geral concorda que a
linguagem é produto da imitação dos gritos ou ruídos naturais, a bow-bow
12 MOUNIN, Georges. Op. cit. p. 22. 13 Idem, ibidem, p. 23.
theory, também conhecida como teoria da origem onomatopaica da
linguagem.14
Da mesma forma, as teorias antropológicas apresentam divergências. O
primeiro grupo apontado pelo autor, o da ding-dong theory atribuía a origem da
linguagem às correlações simbólicas entre o valor impressivo de um produção
sonora e o seu sentido. Para o segundo grupo, o da yo-heho theory, a origem
da linguagem era atribuída às emissões sonoras acompanhando um esforço
muscular. Outro grupo de teorias antropológicas atribuía a origem da
linguagem ao desenvolvimento do primeiro galreio infantil. Esclarece Aurélio
Buarque de Hollanda que galrear é o fato de a criança emitir vozes sem
articular palavras.15 Admitiu-se ainda a origem da linguagem no canto e nos
gestos expressivos.
Considera o autor que ora se acompanha que tais teses tentaram
apoiar-se no estudo da aquisição da linguagem pela criança, ou sobre as
formas lingüísticas observadas entre povos primitivos, ou ainda sobre a
patologia da linguagem.16 Como se viu páginas acima, o lingüista Venâncio Mol
faz exatamente uma combinação dessas três bases de apoio para formular seu
esquema e sua teoria.
Mounin referencia ainda as teses filosóficas que têm oscilado entre a
consideração da linguagem como inata ao ser humano, como adquirida, como
resultado de uma invenção voluntária, mas fortuita ou como resultado de uma
descoberta acidental.17 Faz ainda breve alusão às teses teleológicas que, de
um modo geral, consideram a linguagem como um dom de um deus.
Em relação às teses lingüísticas, o autor aponta duas diferentes
direções. A primeira parte da Lingüística em direção à Pré-história. A segunda
desenvolve movimento contrário, partindo da Pré-história para a Lingüística.
A primeira corrente caracteriza a lingüística histórica, que teve como
propósito mais específico reconstituir, pelo uso de processos cada vez mais
rigorosos de reconstrução, estádios de língua muito mais remotos que os
14 MOUNIN, Georges. Op. cit. p. 23 15 FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d, p. 672 16 MOUNIN, Georges. Op. cit. p. 23 17 Idem, ibidem, p. 24
primeiros textos conhecidos. A realização mais completa desse propósito
consistiu na reconstrução do indo-europeu comum, que teria sido falado no 3º
milênio antes de Cristo. Trata-se, sem dúvida, de um estágio hipotético, mas,
segundo Mounin, bastante verossímil. A reconstrução baseou-se no exame do
sânscrito védico, do grego homérico, do latim e de outras línguas antigas,
usando processo semelhante ao que foi utilizado para a reconstituição do latim
vulgar, do qual restaram pouquíssimos documentos, mas cujo estabelecimento
foi possível pela comparação das várias línguas derivadas do latim.
Os lingüistas que reconstruíram o indo-europeu, entendendo que a
humanidade teria aparecido no 4º milênio antes de Cristo, que era a concepção
da época, julgaram (e com razão, de seu ponto de vista) que, tendo fixado
uma língua falada 3 mil anos antes de Cristo, teriam chegado muito perto da
origem da linguagem. Ainda em 1876, Whitney punha um certo freio nesse
extremado otimismo, como transcreve Georges Mounin:
Mostram-nos descobertas recentes que a antiguidade da raça humana sobre a terra deve ser muito maior que o que se tem geralmente suposto. Aqui se abrem vistas de grande interesse, sobre as quais tão só podemos relancear um olhar; mas a brevidade relativa do período coberto por vestígios humanos deve tornar-nos modestos quanto à pretensão de poder alguma vez compreender muitas coisas sobre os veros primeiros começos, a origem recuada das raças.18
Um outro problema é que nem sempre as reconstruções lingüísticas,
como a operada em relação ao indo-europeu, relativas a períodos pré-
históricos, podem ser relacionadas com vestígios arqueológicos ou
antropológicos. Em razão disso, fica-se sem ter condição de precisar com rigor
a época em que a língua reconstruída teria tido curso de fato. Mounin assevera
que as tentativas para localizar o berço dos povos que teriam falado o indo-
europeu permanecem conjecturais e frágeis, sendo bastante raros os casos em
que é possível estabelecer-se, sem restos de dúvida, a correlação de objetos
encontrados nas escavações com aspectos da língua reconstituída, como se
fez em relação às línguas hititas.19
18 MOUNIN, Georges, Op. cit. p. 27 19 Idem, ibidem, p. 29
Uma outra linha de procedimento, dentro do mesmo sentido de partir da
lingüística para a pré-história, foi a presunção de que os topônimos, isto é,
nomes de lugar, poderiam conter “fósseis” lingüísticos, a partir da observação
de que os sucessivos ocupantes de um território adotam muitas vezes os
nomes pelos quais os lugares já vinham sendo designados quando de sua
chegada, como se fez, por exemplo em relação aos vestígios anteriores aos
celtas (iberos, lígures, etc.), ou como se buscou fazer com vestígios até
anteriores ao indo-europeu. De qualquer modo, é de se constatar que as
denominações de certos lugares e acidentes, como o de grandes rios,
persistem através dos séculos, mas ignora-se tudo das línguas que as
produziram.20
O mesmo Mounin refere outras teorias nessa linha que parte da
Lingüística para a Pré-história. Uma delas, já suficientemente criticada pelos
especialistas, é a teoria de Marr, que associa os estágios de língua (teoria
estadial) ao sistemas econômicos das sociedades (matriarcal, patriarcal,
escravagista, feudal, capitalista, socialista):
Armado com esta teoria, das mais discutíveis, concluía presumindo que a origem da linguagem falada era a seguinte: num mundo em que o homem ainda não falava, a não ser por gestos, cada tribo original dispunha de uma só palavra, grito de chamamento à reunião, nome, conjuntamente marca étnica e totêmica. À medida que as tribos se amalgamavam, os seus feiticeiros, únicos a possuírem o privilégio de articulação da palavra sagrada, desenvolviam, pouco a pouco, uma língua falada por adição destas palavras tribais. Tal teoria pretensamente paleontológica, mais fantasista ainda que a precedente [a teoria da origem das línguas nos topônimos], conduzia a ressuscitar a língua primitiva constituída por quatro palavras: sal, ber, jan, ros: era o jafético; e toda a construção de Marr era ainda mais irrisória que as quimeras comparatistas leibinizianas que dois séculos antes tinham criado esta designação de jafético.21
Em sentido contrário, elaboraram-se teorias em que se partia da Pré-
história para a Lingüística, isto é, em vez de recuar no tempo, em direção a
20 MOUNIN, Georges, Op. cit., p. 30, citando Lebel. 21 Idem, ibidem, p. 31
uma origem da linguagem, propõe-se descer a corrente do tempo,
acompanhando a evolução dos vertebrados e, assim, forçosamente, encontrar
em dada altura, o momento da aparição da linguagem.
O principal representante desta corrente é Leroi-Gourhan, paleontólogo,
etnólogo e pré-historiador. Seguiu a evolução que a Biologia tem apontado, a
partir dos primeiros peixes, entre captura móvel dos alimentos e simetria
bilateral: entre vida terrestre e libertação da cabeça em relação ao esqueleto;
entre mecânica da mandíbula, condicionada pelo regime alimentar, e estrutura
do crânio; entre posição vertical, libertação parcial ou total dos membros
anteriores durante a locomoção, face curta e volume do crânio. Pela teoria, é
esta longa cadeia biológica que condiciona a aparição das possibilidades de
linguagem. Uma das conseqüências da aplicação desses conhecimentos da
Paleontologia e da Biologia é recuar-se no tempo o ponto de origem da
linguagem, alongando de forma extraordinária o tempo de evolução dos
fenômenos propriamente humanos, que a ciência contemporânea, como já se
enunciou, avalia em cerca de 1 milhão de anos.22
Leroi-Gourhan examina aspectos aparentemente desconectados como o
desenvolvimento do córtex cerebral, a ausência de área de linguagem no
cérebro dos grandes símios (gorilas e chimpanzés), o uso de utensílios pré-
históricos (como se configura no australopiteco), a constatação de que as
áreas cerebrais da motricidade tecnológica e as da linguagem são
interdependentes e conclui que, a partir do momento em que se torna
necessário escolher entre vários comportamentos fabris, tal opção entre
cadeias operatórias constitutivas do aprendizado implica sempre uma
transmissão por meio de linguagem.
Georges Mounin, no mesmo passo citado, vê uma virtude nesse método,
também incapaz de dar conta de modo conclusivo da questão da origem da
linguagem: é o mérito de substituir demasiadas hipóteses filosóficas, quase
sempre gratuitas, por dados objetivos, tais como a configuração do cérebro e o
uso de utensílios, os quais, com o instrumental de ciências específicas como a
paleontologia e a arqueologia, são observáveis.
22 MOUNIN, Georges. Op. cit. p. 33
De qualquer forma, com maior ou menor base científica, encontra-se,
nesta questão, em pleno domínio das hipóteses. Seria de se indagar a razão
pela qual aquelas ciências (paleontologia e arqueologia) conseguem traçar um
quadro cientificamente aceitável da existência humana em momentos
extremamente recuados da Pré-história, ao passo que a Lingüística não
consegue oferecer senão hipóteses. A paleontologia e a arqueologia trabalham
com vestígios conservados (fósseis, utensílios, túmulos) que permitem uma
reconstrução com apreciável grau de segurança, mas a linguagem verbal não
deixa registros, não existindo pontos sobre os quais se inicie com segurança
uma reconstrução.
Por isso, trabalha-se com maior segurança na determinação da origem e
evolução da língua escrita, como se verá na seção seguinte.
1.3. Para uma história da escrita
Com a escrita, inicia-se um novo processo de acumulação e transmissão
do saber, as quais configuram o aspecto mais importante da diferenciação do
ser humano em relação ao restante mundo animal, a existência de uma
herança cultural que as gerações anteriores legam às gerações seguintes. Não
se está dizendo que, antes da escrita, era impossível a acumulação e a
transmissão de saber. Se tal fosse, nem teria sido possível chegar à escrita.
Povos ágrafos acumularam e transmitiram os mais variados saberes. Ainda
hoje, a tradição oral e a memorização são importantes instrumentos de
transmissão da herança cultural.
A escrita, porém, permite o registro desses saberes de forma menos
perecível que a transmissão oral. Uma vez instituída em uma cultura, vincula-
se visceralmente à civilização que se está construindo. Vai também passando
por sucessivas transformações ao longo do avanço da civilização. Tais
transformações não são apenas de forma, como também de função. Se
inicialmente a escrita prestava-se apenas a ser um suporte da memória
auditiva, aos poucos vai-se desprendendo do universo oral e passa a
representar novas configurações de significados.
Costuma-se admitir que a escrita surge precisamente quando as
sociedades humanas estabelecem o processo de civilização, como já se
observou páginas acima. Sua importância é de tal ordem, que ela é
considerada o limite entre a Pré-história e a História, instaurando-se esta
quando o registro gráfico passa a ser utilizado.
1.3.1. Sistemas de escrita
Num brevíssimo painel da história da escrita, José Juvêncio Barbosa
enuncia a concepção de que a escrita teve origem na pintura.23 Mas a pintura
ainda não era escrita, porque não configurava a representação de signos. A
pintura era, inicialmente, dirigida por um impulso estético e, só à medida que os
desenhos passam a transmitir, a comunicar fatos e idéias, os aspectos
artísticos deixam de ser os mais relevantes.24
É bem verdade que essa concepção estética da pintura dos povos
primitivos é discutível. Ernst Fischer, tratando das possíveis origens da arte,
examina as pinturas primitivas e conclui que sua função não é estética, mas
tem um conteúdo e um objetivo de ordem mágica, o que, aliás, configuraria
toda a vida espiritual daqueles períodos remotos.25
Apesar dessa objeção, é possível concordar com José Juvêncio
Barbosa, em que, em dado momento, a pintura e o desenho passam a ser
utilizados como símbolos, como um instrumento auxiliar para a identificação de
pessoa ou objeto.26 Tais desenhos e pinturas passam a ser mais simplificados,
sem a preocupação com detalhes, por assim dizer estandardizados,
estereotipados e já começam a configurar uma escrita, ainda não associada a
um idioma ou fala, destinando-se apenas ao registro, à descrição de objeto e
não à representação de um enunciado verbal.27
23 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 34 24 Idem, ibidem, p. 34 25 FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Trad. B. Silveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968, p. 37 26 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 34 27 Idem, ibidem, p. 35
O autor que ora se acompanha enumera algumas etapas desse
processo de formação da escrita. Evoluindo do desenho estereotipado, a
representação alcança a chamada escrita mnemônica ou representativa, em
que um mesmo desenho representa sempre o mesmo objeto ou ser, pelo
menos para aquele grupo que compreende aquele sistema de representação.
A seguir a escrita avança para a logografia, em que um desenho, além do
significado original da coisa por ele representada, assume significados
associados. Nestas duas fases, a representação gráfica ainda não está
associada a qualquer idioma ou fala, isto é, encontra-se desvinculada do uso
oral.28
A etapa mais importante dessa cadeia evolutiva vem a ser a chamada
escrita ideográfica, que foi a forma original da escrita suméria, povo ao qual se
tem atribuído a invenção da escrita. Pelo menos é sumério o mais antigo
registro de que se dispõe de língua escrita, uma pequena lápide encontrada
nos alicerces de um templo em Al Ubaid, representando o nome do rei que
mandou erguer a edificação. A escrita ideográfica é composta de sinais que,
em vez de representarem o som, representam a idéia do significado.
É ainda entre os sumérios que ocorre o salto para o que viria a ser uma
escrita alfabética. Trata-se da criação da escrita cuneiforme, em que a
excessiva estilização do ideograma levou a associação do desenho não a uma
idéia, mas a um som.
José Juvêncio Barbosa atribui a criação da escrita cuneiforme às
exigências da vida econômica dos sumérios, povo dedicado à agricultura e ao
comércio, em que se tornou indispensável o registro exato das mercadorias
transportados do campo para a cidade e vice-versa.29 Para evitar confusões
que a escrita logográfica e a ideográfica poderiam oferecer, os sinais, em forma
de cunha (daí cuneiforme) foram usados para representar os sons dos nomes,
criando-se assim um sistema de escrita complexo que demandava uma certa
análise fonética, isto é, do material sonoro que compunha os nomes.
28 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 35 29 Idem, ibidem, p. 35
Conclui o autor que a fonetização da escrita abriu novos e
extraordinários horizontes para os registro escrito, tornando possível expressar
quaisquer idéias, mesmo as mais abstratas30
Sem estabelecer distinção entre a escrita logográfica e a ideográfica,
Mary Kato procura distinguir as etapas evolutivas da história da escrita,
identificando uma fase inicial de inexistência de escrita, uma fase precursora
(que denomina semasiográfica), que se inaugura com o sistema pictográfico e
evolui para recursos de identificação mnemônica, e, finalmente, a fase
fonográfica, que divide em três etapas sucessivas: a lexical-silábica, a silábica
e a alfabética.31
Distingue a autora quatro sistemas de escrita: o pictograma, o
logograma (que não dissocia do ideograma), o silabário e o alfabeto. Entende,
assim, que o sistema pictográfico se caracteriza pelo uso de desenho de
características veristas, isto é, o mais próximo possível da imagem do objeto.
Tal sistema teria a função de expressar idéias visualmente e era radicalmente
separado da fala, configurando-se dois sistemas, um visual (o desenho) e outro
auditivo (a fala), sem relação direta de um com o outro. Aos poucos, porém, os
desenhos começam a ser associados à fala, criando um simbolismo de
segunda ordem.32
É esta associação, bem como a crescente estilização e o também
crescente convencionalismo, que transformam o sistema pictográfico no
ideogramático, isto é, o uso de logogramas ou ideogramas para a
representação da fala. Tal estilização, num primeiro momento, consistiu em
retificar as linhas arredondados dos pictogramas. O surgimento da escrita
cursiva, bem posterior, estabelecendo uma ordem das palavras e um sentido
de leitura, contribui para a convencionalização dos pictogramas. Aspecto
importante é que o sistema ideogramático já não é icônico, mas simbólico.33
30 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 36 31 KATO, Mary A.. No mundo da escrita – uma perspectiva psicolingüística. 2 ed. São Paulo: Ática, 1987, p. 13 32 Idem, ibidem, p. 13 33 Idem, ibidem, p. 14
Entende-se por ícone o sinal que se constitui de uma figura. Assim, uma
fotografia é um ícone, bem como o desenho de uma criança com livros numa
placa de trânsito. No ícone o elemento físico do sinal (cores e formas de uma
fotografia, linhas de um desenho, por exemplo) relacionam com o elemento
mental (seu significado) pela semelhança. Já no símbolo, a relação entre o
elemento físico do sinal (aquele percebido sensorialmente) e o elemento
mental (significado) é estabelecida convencionalmente, sem nenhuma relação
necessária nem física entre esses dois aspectos do sinal.
A passagem, portanto, do pictograma ao ideograma, foi a introdução, na
escrita, da convencionalidade que já se observava na fala: os sinais da escrita
pictórica, motivados pela forma do objeto (icônicos) passam a convencionais.
Em razão disso, não podem mais ser dissociados da fala. O ideograma,
portanto, tem estatuto lingüístico de palavra, sendo assim, de certo modo, uma
representação fonética.34
Graças à estilização e ao convencionalismo, os ideogramas passam a
representar não objetos, mas palavras, como ocorre com os algarismos (por
exemplo: 4 = quatro). Alguns não decorrem de figuras do mundo físico, mas de
formas geométricas; alguns, de tão convencionais, passam a se comportar
como sílabas, o que configura uma escrita ao mesmo tempo léxica e silábica,
ou lexicográfico-silábica, como denomina Mary Kato.35 São a porta para o
sistema silábico.
Este decorre do esvaziamento da carga semântica dos ideogramas, que
passam a representar, não idéias, mas sílabas, segmentos de palavras. Já se
comportava assim a escrita hieroglífica dos egípcios. Mas foram os fenícios
que simplificaram o complicado sistema lexical-silábico dos egípicios,
reduzindo os símbolos a 24 (vinte e quatro), em que figuram apenas as
consoantes.
34 KATO, Mary A.. No mundo da escrita – uma perspectiva psicolingüística. 2 ed. São Paulo: Ática, 1987, p. 14 35 Idem, ibidem, p. 15
É do sistema silábico que surge o sistema alfabético. Os gregos
tomaram emprestada a escrita fenícia para organizar a base de sua escrita. Os
fenícios, esporadicamente, usavam sinais para representar vogais; os gregos
sistematizaram o uso das vogais, criando o alfabeto, cujo marco inicial costuma
ser fixado no século X a.C. Afirma Mary Kato, com base no já referido Gelb,
que, depois da invenção desse sistema, nenhuma inovação significativa
ocorreu na história da escrita. Surgiram novos alfabetos, como o latino,
utilizado por quase todo o mundo ocidental, inclusive no Brasil, mas todos
mantêm a mesma base e análise fonética do alfabeto grego.36
Desses sistemas, que se sucederam, ao longo do tempo, podem ser
apontados como exemplos do pictográfico, desenvolvido em escritas léxico-
silábicas, o sumério (que se desenvolveu na escrita cuneiforme), o egípcio e o
hitita (hieróglifos), e o chinês, este ainda hoje utilizado, embora
substancialmente simplificado e, gradativamente, sendo substituído pelo
sistema alfabético. Exemplifica na atualidade o sistema silabário, o sistema
japonês; além deste, podem ser citados o árabe e o hebraico.
1.3.2. A escrita egípcia
Não há dúvida de que os egípcios deram extraordinária importância aos
problemas da linguagem, entretanto, tal preocupação não se encontra
expressa em seus textos, pelo menos nos conhecidos, dos quais alguns
poucos tratam da linguagem, atribuindo sua criação ao deus Thot, a íbis.
A prova da importância por eles concedida à linguagem encontra-se nas
esporádicas referências ao deus e nas mais freqüentes referências aos
escribas, pessoas importantes da sociedade faraônica, constantemente
representadas nos hieróglifos, principalmente os inscritos nas estátuas. Para os
egípcios a linguagem era um objeto divinizado, rodeado de veneração; a
escrita era um ofício sagrado exclusivo de uma casta de escribas que
ocupavam os lugares mais altos da sociedade egípcia. Foi essa casta que
desenhou, gravou e pintou um grande número de hieróglifos (signos da escrita
36 KATO, Mary A. Op. cit., p. 16
egípcia), através dos quais a arqueologia, a etnologia e a lingüística
reconstituem a história da língua do antigo Egito.
A decifração dos hieróglifos é atribuída a Champollion, embora, antes
dele, vários sábios tenham tentado inutilmente descobrir as regras em que se
apoiava a escrita egípcia. Champollion tomou como ponto de partida uma
pedra descoberta pelos soldados de Napoleão, conhecida como Pedra da
Roseta. Seu trabalho foi “facilitado” pelo fato de a pedra conter inscrições em 3
tipos de escrita: hieróglifos, escrita demótica e escrita grega, o que lhe permitiu
a comparação. Sobretudo, pôde dispor de uma chave extremamente segura
para a decifração: os nomes de Ptolomeu e de Cleópatra deixavam-se
distinguir nos três textos porque estavam isolados dos outros. Apesar dessas
“facilidades”, o trabalho de Champollion foi realmente magnífico.
Em suas pesquisas, Champollion descobriu que o alfabeto hieroglífico
tem base fonética e foi usado por todas as classes da nação egípcia durante
muito tempo. Infere-se, portanto, que os egípcios distinguiam os sons e se
encaminhavam para uma escrita fonética.37 Júlia Kristeva, porém, esclarece
que os signos hieroglíficos estão longe de constituir um alfabeto e são
utilizados de três maneiras diferentes: (a) designando, ao mesmo tempo, a
palavra e o conceito, um signo-palavra, ou, como se viu, linhas acima, um
logograma; (b) veiculando apenas sons, o que se poderia chamar de
fonograma; (c) evocando uma noção sem se referir a uma palavra precisa e
sem ser pronunciável, como um determinativo, evitando a confusão com
palavras que têm a mesma consoante.38
Embora se observe grande estabilidade na escrita egípcia, sofreu ela
algumas modificações, principalmente na época greco-romana, em que se
simplificou e se diversificou. Uma diversificação é a chamada escrita demótica
(popular), destinada, em princípio, à administração, e que rapidamente se
tornou uma escrita de uso comum.
É interessante observar que a escrita hieroglífica deixou de ser usada no
início da era cristã, ao passo que a escrita demótica ainda permaneceu até por
37 KRISTEVA, Julia. História da Linguagem. Trad. de Maria Margarida Barahona. Lisboa: Edições 70, 1969, p. 99 38 Idem, ibidem, p. 100.
volta do século V. A principal causa para o desaparecimento da escrita
hieroglífica no início da era cristã está relacionada ao caráter sagrado dos
hieróglifos, aliás, a própria palavra revela esse caráter, na medida que
hieróglifo significa escrita sagrada. Era o sistema de escrita da classe
sacerdotal e de uso ritual. O cristianismo substituiu a religião egípcia, que,
desaparecendo, levou com ela a sua escrita. A escrita demótica tinha um
caráter laico, voltada que era para a administração e para o uso comum, não
sendo, por isso, abalada por razões religiosas. Foi uma escrita que se fonetizou
e se tornou excessivamente difícil e menos eficaz que o alfabeto grego, cuja
simplicidade já seduzia os egípcios,39 talvez a maior razão de sua extinção.
Uma última palavra sobre a escrita egípcia diz respeito à sua natureza.
Nela o papel da voz é extremamente reduzido, sobressaindo em importância as
relações lógicas. Era, portanto, um escrita que constituía mais uma reflexão
sobre os modos de significar do que um sistema de transcrição do vocalismo. A
escrita era distinta da fala, razão pela qual apresentava um papel social menor,
não presente nas trocas sociais, embora fosse objeto de particular veneração.
1.3.3. A escrita chinesa
À diferença da escrita egípcia, na escrita chinesa não se observa uma
evolução para o alfabetismo, conservando-se, através de cerca de 3 mil anos,
como uma escrita ideográfica. A própria língua chinesa é especialmente distinta
das línguas ocidentais. Sobre o caráter particular dessa língua, assim se
expressa Júlia Kristeva40:
O funcionamento da língua chinesa está tão estreitamente ligado à escrita chinesa, e ao mesmo tempo a fala vocal é tão distinta dela, que, embora a lingüística moderna pretenda separar o falado do escrito, dificilmente se pode compreender um sem o outro. Trata-se, com efeito, de um exemplar único na história, em que fonetismo e escrita formam dois registros geralmente independentes, emergindo a língua no cruzamento dos dois. De tal modo que o conhecimento da linguagem na China é um conhecimento da escrita: quase não existe uma
39 KRISTEVA, Júlia. Op. cit., p. 101 40 Idem, ibidem, p. 109
lingüística chinesa enquanto reflexão sobre a fala vocal; há teorias sobre os emblemas gráficos e classificações desses emblemas.
É bem verdade que o rigor dessa afirmação deve ser atenuado, na
medida em que se tem observado na sociedade chinesa contemporânea um
esforço para a introdução de escrita alfabética, principalmente em razão da
dificuldade de universalização da língua escrita no seu primitivo sistema
ideográfico; aos governantes chineses tem parecido mais fácil universalizar a
escrita pela via da alfabetização.
Outra observação é a de que, apesar de vincular-se ao sistema de
escrita por ideogramas, como se viu acima, da mesma forma que a escrita
hieroglífica dos egípcios, não se observa na escrita chinesa qualquer
manifestação de escrita hieroglífica, com desenhos realistas de objetos
reconhecíveis.41
Uma última observação diz respeito à ausência de qualquer relação com
os sons; não existe a menor análise fonética na representação gráfica. Este
fato, de certo modo, está relacionado às características próprias, quase
exclusivas da língua chinesa: só tem vocábulos monossilábicos, não utiliza
afixos e só a ordem dos signos tem valor morfológico e sintático.42
Examinando tais aspectos da língua chinesa, a referida Júlia Kristeva
transcreve trecho de Demiéville, que, apesar de longo, cumpre reproduzir:
As partes do discurso não existem em chinês do ponto de vista semântico: não há nenhuma palavra chinesa que designe sempre e necessariamente uma coisa, um processo ou uma qualidade. Também não existem, sob certas reservas, do ponto de vista morfológico. Só existem do ponto de vista funcional. Se podemos dizer que, neste ou naquele contexto sintático, esta ou aquela palavra é utilizada como substantivo, quer como verbo ou como adjetivo, é exclusivamente nesse sentido de que ela funciona como sujeito, atributo ou regime, como predicado ou como determinante. Isto parece muito simples; mas, na realidade, temos uma enorme dificuldade em abstrair do ponto de vista semântico. O fato de uma mesma e única palavra, com uma mesma e única forma, tanto poder significar ume estado do ser ou uma modalidade do devir, como uma
41 MOUNIN, Georges. Op. cit., p. 61 42 Idem, ibidem, p. 62
qualidade, uma circunstância e tudo o mais, abala em nós convicções herdadas de Aristóteles e dos retóricos greco-latinos através dos séculos da escolástica e que, se assim posso dizer, nasceram conosco. Isto para nós é qualquer coisa de escandaloso, de revoltante; por isso vemos constantemente as partes do discurso, depois das evicções de princípio, entrarem na gramática chinesa por qualquer porta travessa, quer se trate de autores ocidentais mesmo os mais recentes ou de especialistas chineses contemporâneos, pois estes começaram o estudo gramatical da sua língua sob uma impulsão partida do Ocidente, e talvez ainda tenham mais dificuldade do que nós em se libertarem, nesse estudo, do empecilho das categorias européias. Raros são os sábios que mostraram suficiente firmeza de julgamento para afirmarem em todas as ocasiões que as partes do discurso (...) são em chinês uma miragem que temos que abandonar de uma vez para sempre. A polivalência gramatical das palavras é um fato absoluto em chinês.43
Os caracteres da escrita chinesa (ideogramas) transcrevem palavras
inteiras, que são vocábulos monossilábicos, como se viu acima, mas que não
são sílabas, na lição de Georges Mounin,44 e neles muito menos é possível a
decomposição em constituintes menores, os fonemas. Em chinês a
compreensão de um enunciado escrito pode ser separada de sua leitura, de
modo que os mesmos caracteres representam diferentes produções fônicas,
diferentes vocábulos (e não palavras), em diferentes regiões da China, que
utilizam variedades dialetais bastante diferenciadas. Em razão disso, entende-
se que os caracteres da escrita chinesa funcionam como uma espécie de
esperanto gráfico, apresentando palavras escritas da mesma forma, com o
mesmo significado nas várias regiões do país, mas com produções fonéticas
diferentes. Comportam-se como os algarismos arábicos que se usam no Brasil
e em praticamente todos os países de escrita alfabética: associam-se a
produções fonéticas diferentes (4 - quatro, quatre, four...), mas têm o mesmo
significado.
43 KRISTEVA, Júlia. Op. cit., p. 110 44 MOUNIN, Georges. Op. cit., p. 62
A mais antiga escrita chinesa era pictográfica, isto é, nela era possível
descortinar elementos figurativos identificáveis, embora já fossem registrados
de forma extremamente esquemática, estilizada e convencional: plantas,
animais, movimentos do corpo, instrumentos etc. Numa segunda fase,
juntaram-se a esses pictogramas símbolos indiretos ou indicativos, formados
por substituição. Ainda em momento posterior, as combinações de dois ou
vários pictogramas deram origem a signos complexos, que são normalmente
denominados complexos lógicos ou complexos léxicos. Por fim, surgiu uma
quarta categoria de ideogramas, os símbolos mutuamente interpretativos.
Em sua forma clássica (por volta do século XIII da era cristã) a escrita
chinesa apresentava 6 classes de caracteres: formas figuradas (pictogramas),
designações de situações (símbolos indiretos), encontros de idéias (complexos
associativos), significações transferíveis (símbolos que se interpretam
mutuamente), empréstimos (caracteres fônicos tomados por empréstimo) e
imagem e som (determinativos fonéticos). A língua chinesa, porém, foi
passando por um processo de simplificação que se reproduziu em seus
sistema de escrita.
1.3.4. O papel dos sumérios e acádios
O que hoje se conhece como Suméria e Acádia (dos povos sumérios e
acádios) era a região da Mesopotâmia na época em que era habitada por
povos que tradicionalmente foram conhecidos como caldeus e assírios, da
Babilônia e de Nínive. É a chamada civilização mesopotâmica, que elaborou
um sistema de escrita de características bastante particulares e que acabou
evoluindo para o que hoje se conhece como alfabeto.
Trata-se da escrita cuneiforme. Decorre esse nome, que significa em
forma de cunha, do fato de que os signos utilizados eram organizados em
grupos de cunhas, gravadas em argila, cuja matéria influenciou
indubitavelmente a forma dos signos (cunhas).45 Utilizavam aqueles povos
cerca de 550 caracteres cuneiformes, dos quais cerca de 250 a 300 tinham
45 KRISTEVA, Júlia. Op. cit., p. 103
curso mais geral. Alguns deles funcionavam como logogramas (representavam
uma idéia) e outros tinham um valor fonético, representando inclusive vogais.46
Esse sistema, porém, permitia o surgimento de vários polífonos, o que
gerava confusão, remediada pelo uso de signos mudos, que tinham um papel
de determinativos ou de complementos fonéticos. Trata-se de uma acuidade
que revela uma reflexão demorada sobre a língua. Para permitir o ensino da
língua, os assírios e caldeus valeram-se de silabários, de léxicos, formando o
que se chama “ciência das listas” sumero-acádia, com catálogos de nomes de
deuses, de ofícios, de gado grosso, de gado miúdo, de objetos determinados,
de todos os animais.47
Não se conhece uma fase puramente pictórica da escrita suméria, mas
documentos mais antigos manifestam uma escrita ideográfica, com caracteres
de desenhos mais ou menos reconhecíveis. Entretanto, a grande contribuição
da civilização suméria e acádia, o seu papel decisivo na história da escrita,
consiste na utilização de sinais para representarem sons, isto é, os
fonogramas, constituídos geralmente por um só caráter cuneiforme, capaz de
traduzir uma sílaba complexa, uma sílaba fechada (terminada por consoante),
uma sílaba aberta (terminada por vogal) e até uma sílaba exclusivamente
vocálica.48
Um acidente de ordem histórica contribuiu para tornar mais explícita a
reflexão sumério-acádia sobre a escrita fonética. A partir do segundo milênio
antes de Cristo, a escrita suméria foi utilizada para transcrever a língua acádia.
Ocorre que a língua acádia era do grupo semítico, possuindo palavras até
trissilábicas, ao passo que a língua suméria não era semítica e era constituída
apenas de monossílabos49, como a chinesa. Tal fato contribuiu para o
afastamento do caráter originariamente ideográfico da escrita suméria, que
assumiu claramente natureza fonética.
46 KRISTEVA, Júlia. Op. cit., p. 103 47 MOUNIN, Georges. Op. cit., p. 53 48 Idem, ibidem, p. 56 49 Idem, ibidem, p. 57
Deve ter sido em razão do bilingüismo que se implantou na região que
foram compostos os silabários e léxicos, que atestam os fundamentos de uma
sistematização da linguagem.50
Assim, a escrita cuneiforme, que era na origem constituída de
pictogramas, evoluiu para um sistema fonético, a partir da fase do bilingüismo
com os acádios, obrigando a formar-se a consciência da distinção dos
fonemas na cadeia falada. Lembra, porém, Júlia Kristeva que a escrita
cuneiforme nunca se tornou uma escrita alfabética, no rigor da expressão.
1.3.5. A invenção fenícia
Costuma-se considerar que o alfabeto foi inventado pelos fenícios. Pelo
menos, a eles a tradição grega e latina atribuiu essa invenção. De um modo
geral, sem a preocupação de fixar um inventor, pode-se dizer que a escrita
fenícia foi o antepassado do alfabetismo moderno.51
Os documentos mais antigos em escrita fenícia foram encontrados em
Biblos, em Ugarit e em Ras Shamra e devem datar do segundo milênio antes
da era cristã, possivelmente entre os anos de 1500 e 1300 a.C.52. Eles
configurariam uma escrita fenícia arcaica, tendo depois aparecido uma escrita
fenícia sensivelmente diferente.53
Embora seja comum a expressão alfabeto fenício, Mounin, cuja lição tem
sido acompanhada, discorda dessa classificação, por entender que aquela
escrita não era exatamente um alfabeto, uma vez que não existem caracteres
para registrar as vogais.54 Mas não há como deixar de reconhecer que se trata
de uma escrita inteiramente revolucionária em relação às anteriores, uma vez
que é totalmente fonética, sem a presença de vestígios de pictogramas ou
mesmo de ideogramas. Embora, a ciência moderna não adote um critério
evolucionista, explicando um fato sempre em relação a um outro que lhe deu
origem, é possível observar pelo menos quatro aperfeiçoamentos introduzidos
50 KRISTEVA, Júlia. Op. cit., p. 104 51 Idem, ibidem, p. 137 52 MOUNIN, Georges. Op. cit., p. 74 53 KRISTEVA, Júlia. Op. cit., p. 138 54 MOUNIN, Georges. Op. cit., p. 75
por esta escrita em relação às ideográficas e pictográficas: a supressão total do
uso dos ideogramas e dos pictogramas, a supressão dos determinativos como
os utilizados na escrita egípcia, na suméria e na chinesa, a renúncia aos
caracteres fonéticos complexos de várias sílabas ou vários sons, para aplicar
rigorosamente a regra de um caráter para cada som mínimo e, finalmente, a
supressão dos homófonos e dos polífonos, aplicando-se a regra de um caráter
denotar sempre o mesmo som e reciprocamente.55
Esta escrita, já quase alfabética, tem extraordinária importância para o
mundo ocidental, porque espalhou-se por todos os povos sobre os quais os
fenícios exerceram sua influência: no Oriente Médio sobre a escrita antiga
hebraica e sobre a escrita samaritana, na bacia mediterrânea, sobre a Grécia,
Chipre, Malta, Sardenha e África do Norte.
Júlia Kristeva arrisca-se a uma teoria sobre a origem dos caracteres
fenícios e sobre a ordem em que eles figuram.56 Para ela, a forma dessas
letras, que representam consoantes, evoca a imagem do objeto cujo nome
começa pelo som que a letra marca. Quanto ao ordenamento, sugere que foi a
semelhança gráfica dos caracteres que determinou a ordem que lhes foi
atribuída.
1.3.6. A inovação grega
A grande contribuição que deram os gregos para a escrita foi a
introdução de caracteres para representar as vogais. Foram, como se sabe, os
gregos que estabeleceram as bases do raciocínio moderno, criando a filosofia;
foram eles também que produziram os princípios fundamentais pelos quais a
linguagem foi pensada até os tempos modernos.
Foram também os gregos os primeiros a utilizar uma escrita
rigorosamente alfabética, embora eles próprios considerassem que haviam
herdado o sistema dos fenícios. Na realidade, os gregos tomaram dos fenícios
o alfabético consonântico (sem vogais) adequado às línguas semíticas, nas
quais a variação de timbre tem pouca relevância, e o adaptaram às
55 MOUNIN, Georges. Op. cit., p. 75 56 KRISTEVA, Júlia. Op. cit., p. 140
características da língua grega. Nesta, os radicais não são consonânticos,
diferentemente do ocorre nas línguas semíticas. Em razão disso, os gregos
foram obrigados a introduzir marcas para as vogais. É o esclarecimento dado
por Meillet, lingüista francês do começo do século XX, transcrito por Mounin:
Mas quando se empregou o alfabeto semítico para anotar outras línguas, o cairense, o cretense pré-helênico, ou o grego, por exemplo, em que os timbres vocálicos eram mais variados e em que o conhecimento da morfologia não bastava para os fazer prever, foi necessário anotar constantemente as vogais.57
Observa Kristeva que essa análise do significante nos seus
componentes mínimos não é um fenômeno isolado na tentativa do
conhecimento grego,58 pois os filósofos materialistas anteriores a Sócrates
procuram dividir a matéria física até o infinito, buscando surpreender a
substância primordial e infinita, que denominam átomo. Tais filósofos
materialistas consideravam as letras como átomos fônicos, como elementos
materiais da mesma ordem da substância material
Deve-se compreender que a escrita fonética completa, registrando não
apenas consoantes, como também as vogais, demonstra uma concepção
analítica da substância fônica da linguagem. Assim, os gregos separam (sem
dar esses nomes) o significante do significado, ou seja, a imagem fônica
(graficamente transcrita em seus elementos) não coincide com o referente. Isto
demonstra, inclusive, que, para os gregos, a linguagem é um sistema formal
diferente do mundo exterior significado por ela.59
O alfabeto que usamos é o latino, que se pode caracterizar como uma
adaptação do alfabeto grego às especifidades da língua latina. É o alfabeto
hoje difundido em todo o mundo ocidental e presente também no Oriente, onde
vem se impondo em razão de seu caráter internacional.
57 MOUNIN, Georges. Op. cit., p. 88 58 KRISTEVA, Júlia. Op. cit., p. 150 59 Idem, ibidem, p. 151
Herança dos romanos, notórios internacionalistas, que nos vem da
sabedoria grega, de sua preocupação com a análise e separação dos
elementos, em aplicar seu espírito a uma invenção dos fenícios. A rigor, teriam
sido os gregos que inventaram o que se conhece como alfabeto, mas eles
próprios renunciaram a essa glória, reconhecendo o papel fundamental dos
fenícios no abandono dos sistemas pictográficos e ideográficos.
CAPÍTULO II
A ALFABETIZAÇÃO
2.1. Da escrita como arte à alfabetização
A escrita é, portanto e como visto no capítulo precedente, um marco
fundamental na história do gênero humano. É com o domínio da escrita que se
entra na era da civilização, de modo que, de certo modo, é impróprio atribuir-se
a culturas ágrafas o termo civilização, conceito, entretanto, fortemente criticado
pela ciência mais contemporânea.
As próprias civilizações, tão diferentes cada uma delas, tiveram bastante
clareza da importância da linguagem escrita ou do registro escrito da
linguagem. Praticamente todas as primeiras civilizações concederam grau
elevado de posição hierárquica no seio de suas sociedades àqueles que
dominavam a escrita. Melhor seria dizer que a escrita só teria sido permitida a
determinadas classes sociais que já gozavam de superior posição hierárquica.
Assim, em quase todas as primitivas civilizações (a suméria, a egípcia, a
hebraica, a chinesa, a hindu) somente uma classe privilegiada tinha acesso á
escrita. Esta classe era, em todas essas civilizações, inicialmente, a classe
sacerdotal. O mistério da divindade, preservado nos livros sagrados e nas
inscrições em templos e túmulos, estava reservado aos sacerdotes, bem como
o domínio do registro escrito desses mistérios e das diferentes ordenações.
Entretanto, não é de se esquecer que a origem da escrita está bastante
associada às necessidades econômicas dessas diferentes civilizações, nas
quais a vida sedentária determinada pelo domínio da agricultura, permitiu a
criação de cidades. Entre o aldeamento nômade e a aldeia comunitária já se
observam consideráveis diferenças.
O nomadismo, por sua própria natureza, impede o estabelecimento de
edificações permanentes, não permite o desenvolvimento de estruturas estatais
sólidas. A própria religião é um fenômeno de caráter familiar, como se observa
na gênese das várias religiões. O domínio da agricultura exigiu e promoveu o
simultâneo domínio de uma série de conhecimentos (como por exemplo, os
ligados à meteorologia e à observação astronômica) e conferiu um grau de
sofisticação à organização social que a vida nômade não conhecia. Observe-
se, de passagem, contudo, que esta narração assim linearmente simplificada
está longe de corresponder integralmente ao que ocorreu em particular e de
modo concreto com cada uma das civilizações.
O fato, porém, é que a vida sedentária, dando origem aos aldeamentos
iniciais, desenvolveu-se no sentido da criação de aglomerações maiores de
população, as cidades. Todas as civilizações primitivas, que constituíram os
impérios da Antiguidade, tiveram como célula básica uma cidade em torno da
qual se desenvolveram. Não havia propriamente a noção de país como hoje se
conhece. Havia a Babilônia ou Nínive, por exemplo.
Mesmo mais tarde, a Grécia é uma invenção romana; o que os gregos
conheciam como Hélade era mais uma identificação étnica distribuída num
território de origens míticas. A pátria do grego era a sua cidade: Atenas,
Esparta, etc. O império romano também se organizou a partir de uma cidade,
Roma, embora tivesse espalhado cidades, que repetiam (ou procuravam
repetir) o modelo urbano de Roma, com o mesmo arruamento, com os mesmos
prédios oficiais. O Egito, nesse cenário, é de certa forma uma exceção, na
medida que a noção de império estava intimamente ligada ao território que
ocupava. A civilização egípcia, ao longo de sua história como império, teve
várias capitais como centro político e religioso, sem que a idéia de Império
Egípcio formado por um povo, um governo e um território, se alterasse.
A idéia de civilização, portanto, está vinculada não apenas ao domínio
do registro escrito, como também à instituição de cidades. Nestas, um fator é
de fundamental importância e distintivo: a existência de vida urbana, o que
parece uma tautologia. A vida urbana, à diferença da vida aldeã ou nômade
inclui necessariamente atividade comercial e a presença de artífices, isto é, de
um rudimento de indústria. Isto não quer dizer que tais fatores não tenham
existido na vida nômade e na vida aldeã; significa apenas que nestas eram de
importância secundária, ao passo que nas cidades constituem a própria
estruturação do espaço urbano. Em geral, as cidades surgiram em razão de
atividades comerciais em grande vulto. Tais atividades, sobretudo à medida
que se avolumavam e se sofisticavam, exigiam alguma espécie de registro.
Como já se demonstrou no capítulo anterior, entre os sumérios e, mais tarde,
entre os fenícios, a escrita foi utilizada especialmente para o registro comercial.
A escrita, portanto, está ligada a um duplo aspecto: o religioso e o
comercial. De exclusiva da classe sacerdotal, a escrita passa a ser atribuição
de agentes governamentais, os escribas. Dessa forma, permaneceu por
séculos.
No Império Romano, essa exclusividade do domínio da escrita por uma
classe social acabou configurando duas modalidades independentes da língua
oficial, o latim. Havia um latim vivo, falado, praticado quotidianamente pelas
pessoas do povo e de todas as classes sociais, inclusive pelos estrangeiros
que tinham que conviver com o povo e com as autoridades romanas. Era o
latim vulgar, modalidade que raramente era escrita e que, por isso, deixou
parcíssimos documentos para posterior estudo pelos filólogos. Ao lado desta
língua verdadeiramente viva, havia uma outra, artificial, somente usada de
forma oral nos discursos do Senado Romano e que era sobretudo escrita, o
latim clássico. Era uma língua altamente elaborada (aquela que os estudantes,
séculos mais tarde, padeciam para aprender, na suposição que seu domínio
era indispensável para compreender o português), em que o complexo quadro
desinencial dos nomes era extenso e completo (no latim vulgar apresentava-se
profundamente reduzido e simplificado). As diferenças entre o latim clássico e o
latim popular (também dito vulgar) eram muito mais profundas do que as que
hoje se observam, em praticamente todas as línguas, entre os registros culto e
popular, a começar pelo fato de uma ser quase exclusivamente escrita, ao
passo que outra ser quase exclusivamente falada.
Ainda na Idade Média européia o domínio da escrita estava circunscrito
a uma classe, novamente a sacerdotal. Com raras exceções, apenas os
religiosos sabiam ler e escrever. De resto, pelas características da vida feudal,
as necessidades de escrita eram muito pequenas. A língua escrita asilou-se
nos mosteiros, onde certos frades dedicavam-se a copiar livros antigos
(monges copistas) e a redigir outros livros. Mesmo entre os frades, nem todos
eram letrados; as monjas, em especial, geralmente não sabiam ler. Alguns
livros de História registram que o próprio imperador Carlos Magno não sabia
ler.60 Tal fato, como se pode inferir, não estigmatizava, como hoje, analfabetos,
como excluídos de uma sociedade letrada.
Observe-se, de passagem, que, durante a Idade Média européia, a
língua escrita era o latim. Falava-se o vulgar, termo que designava as línguas
românicas, então em formação, mas escrevia-se em latim. Isto quer dizer que,
durante esse período, saber ler e escrever significava também dominar a língua
latina, que já ia caindo em desuso na sociedade européia.
A generalização do uso da língua escrita e, conseqüentemente, da
leitura, só vai ocorrer no termo final da Idade Média, quando a vida feudal já se
encontra quase totalmente desestruturada, quando as cidades já monopolizam
toda a vida social, quando a burguesia mercantil começa a exercer o
predomínio econômico na sociedade, quando se vão gestando as nações
européias modernas, sob a égide, não do barão feudal, mas do monarca
absolutista.
Por essa época, chega-se ao formato atual do livro, introduz-se o papel,
e inventa-se a imprensa de tipos móveis. Além disso, é a época da proliferação
das universidades, do incremento do comércio continental e transcontinental. É
a época da explosão do Renascimento. É também a época da eclosão da
Reforma Protestante, inicialmente por obra de Martinho Lutero. Prega este e
pregam os demais reformadores que não existem intermediários entre Deus e
os fiéis, que cada fiel é um sacerdote, que cada fiel deve ler a Bíblia, pois só
ela é a palavra de Deus. Como se sabe, o primeiro livro impresso por
Gutemberg foi a Bíblia; sabe-se também que a Reforma Protestante promoveu
a distribuição da Bíblia em larga escala para os fiéis. Saber ler passa a ser uma
exigência, pelo menos para certas classes sociais.
60 ARRUDA, José Jobson de A. & PILETTI, Nelson. Toda a História. São Paulo: Ática, 1999
A chamada Idade Moderna, com a franca ascendência da burguesia,
apesar dos privilégios da nobreza, vai assistir a um formidável desenvolvimento
da imprensa, a uma multiplicação inimaginável de leitores, ao surgimento dos
primeiros escritores profissionais. Mas é só com o fim do chamado Ancien
Régime, com a Revolução Francesa, que a idéia de universalização do domínio
da escrita passa a ser divulgada e admitida.
Os revolucionários de 1789, dentro dos princípios liberais da liberdade e
da igualdade, vão propugnar uma escola popular, universal e laica. Só então se
coloca a questão da alfabetização. Até então, aprender a ler não era
exatamente alfabetizar-se, embora o domínio do código de sinais escritos fosse
indispensável. Aprender a ler e a escrever eram incumbências de uma classe
social ou profissional e estava integrado ao corpo geral da aprendizagem
necessária como o trivium e o quadrivium da escola romana. Por outro lado,
aprender a ler, até então, não estava ligado à instituição escolar; tal
aprendizagem poderia dar-se antes ou depois da escolarização. Além disso, a
escola, propriamente, era instituição com finalidades bem diversas daquelas
que lhe atribuiu a Revolução Francesa.
Deve-se considerar, inclusive, que a visão moderna, tão aparentemente
óbvia, de que o aprendizado da escrita está associado ao da leitura, não era
generalizada. Pelo contrário, entendiam-se como processos distintos,
aprendizagens individuais, pois somente as crianças que tinham pais que
pudessem custear um preceptor eram iniciadas na difícil arte de traçar as letras
no papel.
Era de fato uma arte. Imagine-se a escrita hieroglífica dos egípcios
(como ainda hoje, a escrita ideogramática dos chineses). Durante a Idade
Média foi forte a influência dos povos bárbaros e do caligrafismo gótico. Os
textos medievais eram desenhados, as letras eram caprichosamente enfeitadas
nas chamadas iluminuras. Também evidencia o caráter elitista da escrita, a
grafia exageradamente desenhada dos séculos XVIII e XIX, de que ficaram
vestígios na escrita caprichosa dos tabeliães brasileiros até bem avançado o
século XX.
Escrever era uma arte gráfica. Aqueles que a dominavam eram bem
pagos e respeitados no meio social. Ainda hoje, existem os calígrafos,
profissionais que vão desaparecendo no mercado, à proporção que avançam
as técnicas gráficas e de informática, mas que ainda têm seu espaço quando
se trata da elaboração à mão de documentos especiais, como diplomas
honoríficos. As escolas brasileiras do século XX mantiveram por décadas as
chamadas caligrafias verticais, que de certa forma, bastante abrandada é certo,
respiram aquele mesmo ideal estético da escrita.
Nesse sentido, observa José Juvêncio Barbosa que:
Além disso, escrever era uma atividade complicada: imagine uma criança tentando traçar caracteres cheios de arabescos com uma pena de ganso entre os dedos (a pena de ferro ou de aço só foi inventada em 1830). A escrita era então considerada uma arte – uma coreografia da pena – que implicava uma posição correta do corpo, o manejo de materiais delicados, uma dança das mãos.61
Tudo isso era obstáculo ao desenvolvimento das idéias de alfabetização
e de escolarização. São os burgueses revolucionários de 1789, no ideal de
eliminar todos os privilégios da nobreza, com a urgência de obterem para si os
traços que distinguiam a classe derrotada e até mesmo em virtude da
necessidade econômica de terem parte de seus servidores (proletários,
operários, escriturários) escolarizada para o pleno domínio de certas máquinas,
da correspondência, dos assentamentos mercantis e sabe-se lá quantas outras
ocupações, que desenvolvem os ideais de escola e da alfabetização.
Dessa forma, é possível considerar o ano de 1789 como um marco
inicial da associação, que se mostraria definitiva, entre a alfabetização e a
escola Tal, porém, não aconteceu de imediato. As boas intenções da
Revolução Francesa, como se sabe, foram rapidamente abortadas, embora a
afirmação daqueles ideais não se tenha perdido. Só um século mais tarde, é
que efetivamente vai-se observar uma associação definitiva entre alfabetização
e escola, com a promulgação das leis fundamentais dos anos de 1880; tais leis
61 Barbosa, José Juvêncio. Op. cit. p. 17
estabeleceram as bases da escola pública obrigatória, laica e gratuita.62 É a
universalização da alfabetização e a escola como ideal político:
Nesse sentido, 1789 é apenas o marco inicial, pois é a escola de Jules Ferry (década de 1880) que concretiza o modelo escolar de alfabetização tal qual o concebemos até hoje.63
Não há como negar, porém, que é com a Revolução Francesa, que
surge a idéia de escola universal, até mesmo a idéia de escola gratuita, sob o
controle do poder público, regulamentada por uma legislação centralizadora.
Com a Revolução Francesa, produz-se um processo (pelo menos de forma
embrionária) de massificação e de uniformização do sistema escolar. Surge a
escola moderna, colocando de imediato a questão de como organizar o
trabalho de ensinar, de modo que um único professor pudesse ensinar a muitas
crianças, de maneira rápida, eficaz, segura e econômica. Coloca-se o problema
da alfabetização escolar.
2.2. Breve história da alfabetização
Como se viu, não há que se falar nem em alfabetização, nem em
escolarização antes da Idade Contemporânea. Tais conceitos não se colocam
ao longo da Antiguidade, nem da Idade Média, nem da Idade Moderna,
embora, ao fim desta, a proposta de uma educação universalizada partindo de
um largo processo de alfabetização tenha sido defendida pelos liberais, pelos
enciclopedistas e pela burguesia.
Até a Revolução Francesa, escrever era sobretudo uma arte, uma arte
gráfica, como se viu, exercida inicialmente pelos escribas e, mais tarde, pelos
calígrafos, que resistiram bravamente aos esforços de simplificação da escrita
empreendidos principalmente no século XIX.
É, portanto, com a Revolução Francesa que se coloca na prática e para
as grandes massas a questão da alfabetização e o ideal de educação
universalizada e gratuita, além de separada da religião.
62 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit. p. 16 63 Idem, ibidem, p. 16
É possível, contudo, bosquejar alguns experimentos anteriores em
termos de generalização da educação e de esforços de alfabetização. Como se
viu, a Reforma Protestante apoiou-se em larga medida na possibilidade de o
próprio fiel ler a Bíblia e de produzir sua própria interpretação (talvez um dos
fatores que caracterizaram a Igreja Reformada pela intensa fragmentação em
denominações e seitas). Nos países protestantes, empreendeu-se, àquela
época, um esforço de universalização da leitura, uma das razões pelas quais,
séculos mais tarde, os revolucionários franceses vão buscar na Alemanha, na
Holanda e na Inglaterra subsídios para desenvolver seu programa de
escolarização.
Também a Igreja Católica se envolveu em esforço gigantesco para
generalizar a leitura e a escrita. É do processo da Contra-Reforma que surgem
as instituições escolares religiosas, a princípio jesuítas. Os grandes colégios
católicos (masculinos e femininos) que se espalharam por todo o Brasil e que,
durante muito tempo, representaram um padrão elevado de qualidade
educacional, são herdeiros desse esforço protagonizado pela Contra-Reforma.
No empreendimento colonial, principalmente na América, é que mais de
perto se fez ver o trabalho da Contra-Reforma e dos colégios católicos. Houve
o propósito intencional de se promover a catequese dos povos aborígenes. A
História do Brasil exemplifica a afirmação na figura ímpar de José de Anchieta,
dedicado especialmente à evangelização dos curumins, as crianças indígenas,
num esforço em que conjugou a pedagogia com a literatura e a arte dramática.
Mas não foi apenas a figura de Anchieta. Recorde-se o esforço de
alfabetização conduzido também por jesuítas nas reduções, como os Sete
Povos das Missões, em que se organizou uma verdadeira república mariana,
de cunho já considerado comunista, dirigido pelos padres e no qual se
evidenciou um gigantesco trabalho de educação, inclusive “profissionalizante”,
na medida em que preparou um sem número de artesãos, responsáveis pelas
belíssimas igrejas então construídas e das quais hoje só restam ruínas.
Em ambos os exemplos, o da Reforma Protestante e o da Contra-
Reforma católica, o empreendimento de escolarização e de alfabetização
estava vinculado à religião: aprendia-se a ler para melhor servir a Deus. O
propósito de criar-se uma educação secular e laica só é levado a efeito pela
Revolução Francesa, no final do século XVIII.
Como se referiu na abertura do presente capítulo, um problema que os
governantes burgueses da França se colocaram foi o de encontrar um sistema
capaz de dar conta da tarefa, até então desconhecida, de se conferir a um
único mestre o encargo de ensinar a muitas crianças, de maneira rápida e
eficaz.
Informa José Juvêncio Barbosa64 que os governantes franceses foram
buscar orientação nas experiências levadas a efeito no exterior. Assim,
realizaram viagens aos países europeus, que já tinham experiência com
alfabetização desde a Reforma Protestante, como a Alemanha, a Holanda e a
Inglaterra. Do primeiro colheram a orientação da importância a ser dada à
formação do professor. Na Holanda tomaram conhecimento de técnicas
revolucionárias como, por exemplo, o uso do quadro de giz, a famosa lousa.
Para o citado José Juvêncio Barbosa, a principal contribuição que os
franceses receberam proveio da Inglaterra,65 onde, já desde 1798 André Bell,
que era anglicano (religião oficial da Inglaterra), narrara uma experiência
realizada com crianças hindus, em Madras, na qual se utilizou um ensino
através de monitores, processo que propunha para a Inglaterra, através do
qual, as crianças mais adiantadas ajudavam o professor na tarefa de ensinar
aos companheiros menos avançados nos estudos. Instalou-se, em 1803 uma
querela, quando Lancaster, que era quacre, expôs uma experiência que obteve
muito sucesso. Embora a experiência e proposta de Bell fossem idênticas
quanto aos procedimentos e métodos, não lograram êxito e caíram no
esquecimento, naquele interstício de 5 (cinco) anos. Bell reagiu e reclamou a
prioridade da descoberta. Instalou-se o que José Juvêncio Barbosa denomina
uma querela, explicando-a em termos religiosos, de vez que os seguidores de
cada uma daquelas religiões (anglicanos e quacres) tomaram partido de seus
respectivos irmãos em fé.66 A questão foi resolvida com o tempo, que
determinou a denominação do procedimento como Método Lancaster-Bell.
64 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 17 65 Idem, ibidem, p. 17 66 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 17
Foi essa experiência que os republicanos franceses procuraram aplicar
na França, naquilo que se chamou ensino mutual, pelo qual o professor
trabalhava sua classe com o auxílio de monitores. Observa o citado Juvêncio
Barbosa que o método de ensino mutual coincide com o início das práticas
pedagógicas coletivas e com a deflagração da ideologia do mérito, pois, para
ser escolhido como monitor, o aluno devia se revelar o melhor, distinguindo-se
dos demais pelo esforço e pela dedicação.
Também é por essa época e nesse empreendimento que se abandona a
discussão sobre qual ensino deve ser prioritário, se o da escrita ou o da leitura.
Os teóricos franceses (P. Delaunay, Cherrier e J. B. de La Salle67) já no século
XVIII defendiam a tese de que se deveriam juntar as duas aprendizagens,
embora alguns defendessem o início pela escrita, ensinando a criança a traçar
a letra pronunciando seu nome, ou justificando com a argumentação de que a
história da escrita é anterior à leitura, de modo que, se o ensino da escrita
fosse eficiente, a criança, natural e conseqüentemente, aprenderia a ler.
Observa o sempre referenciado José Juvêncio Barbosa que, apesar
dessas idéias vicejarem desde o século XVIII, só no século XIX é que a prática
da escrita e a prática da leitura começam a ser efetivamente associadas. Por
essa época, a escrita, finalmente, deixa de ser uma arte, o que, como se viu
acima, provocou protesto dos calígrafos. O desenho das letras passa a ser
simplificado e se ensinam as crianças as letras manuscritas e as de imprensa,
ao mesmo tempo, como se observa ainda hoje num sem número de cartilhas.
Surge, ainda no começo do século XIX, o método fonético, pelo qual as
crianças traçam as letras, mas não dizem o seu nome e sim o seu som. O
método foi desenvolvido por Scholz, que fora discípulo de J. B. Graser, que
ensinava primeiro as letras, depois as sílabas e, por fim, as palavras.68
67 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 19 68 Idem, ibidem, p. 18
Os avanços vão se tornando cada vez mais rápidos. Segundo as
informações de José Juvêncio Barbosa, já a partir de 1815, a Sociedade para a
Instrução e Elementar da França cuida da propagação do ensino mutual e
introduz algumas inovações, como a referida associação entre o ensino da
escrita e o da leitura. Publica-se, em 1818, um guia do ensino mutual, com
orientações para o professor, populariza-se o uso do quadro de giz e adota-se
o mobiliário escolar, bem como começa a surgir uma arquitetura escolar
especializada. Entre 1810 e 1833, criam-se centenas de escolas normais na
França, massificando a formação do professor.69
O sistema francês praticamente se espalha por todo o mundo ocidental e
é o que se observa tardiamente no Brasil. Só tardiamente, porque o ideal de
escolarização universal e laica é associado aos republicanos, enquanto o
Brasil, ao longo de todo o século XIX (praticamente todo) é uma monarquia,
que se caracterizou pelo extremo descaso com a educação popular.
Não é muito diferente a atitude da Primeira República. Os avanços em
educação são lentíssimos e a literatura brasileira do período dá bem uma idéia
de como eram nossas escolas e de que métodos então se valiam. O estado da
escolarização no Brasil só começa a mudar na segunda metade do século XX.
Um pouco antes, em 1946, a UNESCO, criada pelo ONU, então também
recentemente criada, incorpora em seus objetivos a luta contra o
analfabetismo, o que causou impacto quase imediato no Brasil. Já em 1947, é
lançada a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, voltada
principalmente para o meio rural e inaugurando uma nova consciência: a de
que o País tem o sério problema do analfabetismo, que é preciso superar. É o
primeiro movimento de alfabetização fora da moldura escolar, ao qual se
seguiram tantos outros.
Antes, porém, durante o Governo Vargas, intensificou-se a multiplicação
de escolas pelo Brasil. É a época em que as classes isoladas, como foi hábito
nos sistemas escolares oficias até 1930, foram agrupadas, formando-se o que
se denominou Grupo Escolar, denominação que perdurou por décadas. O
69 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 19
crescimento é contínuo até a década de 1940, em que o ano de 1946 marca o
período de maior expansão:
(...) 1946 inaugura um período que apresenta os maiores índices de expansão da escola básica regular, visando preparar os novos quadros capazes de desempenhar as funções exigidas por uma sociedade que se moderniza; é também o início de um período de numerosas iniciativas em prol da educação de adolescentes e adultos, com o objetivo de qualificar a população para o exercício do voto.70
Recorde-se que então o voto não era permitido aos analfabetos. A
referida Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos é uma primeira
iniciativa no sentido de integrar esses vastos contingentes ao eleitorado.
Seguiu-se a ela um Seminário Interamericano de Educação de Adultos, em
1949, e a Campanha de Educação Rural.
Fora do âmbito da educação de adultos, desenvolvia-se o ideal da
Escola Nova, que exerceu forte influência sobre as concepções de
alfabetização de crianças. Mas também influenciou as técnicas de
alfabetização de adultos, influência que se refletiu fundamentalmente na
Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, a que imprimiu uma
feição mais técnica e científica nas ações, destinadas que foram às diferentes
faixas etárias.71
A década de 60 experimenta forte crescimento dos sistemas públicos de
educação, com a ampliação das diferentes redes escolares. Também o sistema
privado passou por significativo incremento no mesmo período. Ao lado disso,
é o período em que mais numerosas foram as ações com vistas à erradicação
do analfabetismo, com movimentos fortemente caracterizados por conteúdo
político, o que se explica pelo momento, de forte politização da sociedade, que
se viu radicalmente dividida entre progressistas (posições políticas de
esquerda) e conservadores (posições políticas de direita), com a vitória destes
últimos, em 1964, através do golpe militar.
70 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 26 71 Idem, ibidem, p. 27
A própria Igreja manifestava em seus clérigos e fiéis a divisão que se
observava na sociedade. O segmento progressista participou ativamente dos
movimentos de alfabetização, dos quais o principal foi o Movimento de
Educação de Base. Organismos ligados à corrente política do governo Goulart
também participaram, como a União Nacional de Estudantes, através do
movimento dos Centros de Cultura Popular (CPC). Outro movimento
significativo do período foi a Campanha “de pé no chão também se aprende a
ler”72, deflagrada no estado do Rio Grande do Norte, sob a orientação do Prof.
Moacir de Góes. São movimentos que associam a tarefa de alfabetização a
atividades educativas, como teatro na rua, jornal, artes plásticas, artesanato,
canto, música popular, construção de praças e centros de cultura. Todos esses
movimentos, como é sabido e como anota José Juvêncio Barbosa, são
reprimidos e desmantelados a partir do golpe militar de 1964.
Entretanto, o próprio regime militar também voltou suas atenções para a
alfabetização. Seu esforço mais coordenado nesse sentido, foi a criação,
implantação e desenvolvimento do Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL), que adotou método próprio de alfabetização e depois deu início a
um programa de continuação dos estudos, mas já nos fins do seu
funcionamento, que ocorreu em 1985.
Também nos estertores do regime militar, no início dos anos 80,
lançaram-se o Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas para o Meio
Rural (PRONASEC) e o Programa de Ações Sócio-Educativas e Culturais
(PRODASEC), voltado para as zonas urbanas. Nesta ordem de ações, já
depois da redemocratização, é de se assinalar o Programa Alfabetização
Solidária.
2.3. A sucessão dos métodos de alfabetização
A questão da alfabetização impôs logo a questão dos métodos. Num
primeiro momento, era preciso organizar um sistema que pudesse dar conta
72 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 27
das novas exigências, que caracterizavam a nova sociedade que se formava
sob a hegemonia da burguesia, a partir da Revolução Francesa.
Tratava-se de toda uma nova ordem econômica, política, social e cultural
a que se implantava a partir da era republicana. Já há algum tempo, a
economia de base rural, profundamente agrícola (que dava sustentação à
aristocracia), baseada no trabalho da terra, vinha sendo substituída por uma
economia urbana, já industrial e dominada pelo comércio de produtos
manufaturados. Politicamente, a feição mais visível da nova sociedade, a
burguesia havia acabado de desbancar a nobreza na condução do Estado, que
a partir de então se define como republicano e burguês, pondo em prática o
ideal do liberalismo, de democracia e liberdades políticas, no qual se inclui o
direito à educação e o propósito das classes dirigentes de implantar uma
escola universal e laica.
Da lição segura de José Juvêncio Barbosa73, infere-se uma nova ordem
social, caracterizada pela consolidação de uma nova estrutura familiar. Não
mais a grande família semipatriarcal, que inclui parentes de diversos graus,
além de diferentes agregados. Tem-se agora a chamada família nuclear,
baseada no triângulo formado por pai, mãe e filhos. Tal família, ensina o autor,
é ciosa de sua privacidade, tem sua união fundada no casamento, que agora é
civil e não religioso; cuida ela própria da educação dos filhos, o que enfraquece
os laços externos e solidifica um estilo doméstico de vida, que ainda hoje,
apesar de enfraquecido e questionado, se observa.
Ainda seguindo a lição do mesmo autor74, observa-se uma nova ordem
cultural, que já se via formatando desde a invenção da imprensa por
Gutemberg, no século XV, mas que se consolida pela multiplicação dos meios
de difusão cultural, especialmente pela imprensa, que tem agora um largo
público leitor.
É a época do surgimento dos romances (a narrativa literária burguesa
por excelência), dos folhetins, que prendem a atenção dos leitores por
semanas, leitores em que agora se incluem, em número crescente, as
73 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 44 74 Idem, ibidem, p. 45
mulheres. É também a época, como se viu anteriormente, da implantação de
um sistema escolar que valoriza o domínio da leitura e da escrita.
A rigor, só a partir dessa época se podia falar em método de
alfabetização, de vez que o processo de ensino da escrita e da leitura pouco
tinha a ver com o que se pode entender por alfabetização, como se julga que
restou esclarecido páginas acima.
Entretanto, de certo modo, qualquer aprendizagem da leitura e da escrita
num sistema alfabético implica alguma forma de alfabetização. Isto quer dizer
que sempre teria havido um método de alfabetização, ainda que implícito e
inconsciente. Afinal, quando se quer chegar a algum lugar, deve-se utilizar
algum caminho; um método nada mais é do que um caminho. É por isso que o
autor que no presente passo se vem acompanhando identifica, em termos
metodológicos, três grandes períodos históricos, que remontam a muito antes
da universalização da escola da alfabetização.
Para José Juvêncio Barbosa, o primeiro método, denominado sintético,
surge na Antiguidade e avança até meados do século XVIII com absoluta
exclusividade. O segundo método surge precisamente pelo século XVIII e
predomina até o século XX. Por fim, o momento atual que configuraria um
método sintético-analítico, denominação que o autor recusa por não acreditar
que tal método exista como proposta teórica, preferindo denominá-lo método
sintético-silábico.75
Esclarece o autor que o método sintético, o mais antigo, que perdurou
por séculos, realiza uma análise puramente racional dos elementos da língua
escrita, de modo que a instrução caminha do simples para o complexo, isto é,
das letras, para a sílabas, para as palavras, para as frases e, finalmente, para o
texto completo76. Tal método semelha uma escada em que é impossível galgar
o degrau seguinte sem ter dominado o degrau anterior.
75 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit. p. 46 76 Idem, ibidem, p. 47
O autor apresenta três considerações críticas em relação a esse
método, que ainda não foi integralmente abandonado. A primeira delas é que
pressupõe uma aprendizagem anterior à leitura, qual seja a aprendizagem de
uma técnica, a alfabetização. A segunda crítica é a de que, em razão disso,
ocorria uma confusão entre a análise da língua e o ato de ler, uma vez que
para a análise valia-se da língua escrita, mas para a leitura tinha que tomar
como referencial de base a língua oral. Por fim, observa que toda a
organização e ordenação da matéria obedecia a uma lógica adulta e não a uma
lógica do pensamento infantil. O chamado método fonético não deixa de ser um
aperfeiçoamento do método sintético.
O método analítico também tem existência mais que centenária. Foi
formulado inicialmente por Radonvilliers77, mas só veio a ser sistematizado no
século XX. Fundamentalmente, o método consistia em se propor à criança uma
unidade significativa, a palavra, de forma gradativa, de modo que, aos poucos,
a criança, sem a necessidade de ajuda, iria reconhecendo diretamente as
palavras escritas. Passava-se então à fase seguinte, que permitiria à criança
ler frases e, conseqüentemente, estar apta a ler propriamente. Só em momento
posterior, bem depois do domínio das palavras, é que se iniciaria a análise dos
elementos da palavra.
Sem comentar o método sintético-analítico, cuja existência nega, o autor
que se acompanha expõe o chamado método ideo-visual, formulado por Ovide
Decroly, em 1936. A primeira característica básica desse método é apresentar
uma fase inicial baseada no reconhecimento global de frases significativas para
a criança, fase que o método recomenda durar o maior tempo possível
Outra característica do método ideo-visual é ter como objetivo fazer com
que a criança compreenda o sentido do texto lido, conferindo, portanto, uma
ênfase à compreensão da leitura e não à codificação. Uma terceira
característica do método ídeo-visual é recair sua ênfase no uso da escrita,
conferindo-lhe uma função de comunicação. Esse método, contudo, que em
muito se aproxima das atuais formulações, só muito raramente foi aplicado no
Brasil.
77 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 49
Em nosso país, a questão dos métodos chegou a ganhar realce, indo
parar até nas páginas dos jornais. De um modo geral, os professores
mostraram resistência aos métodos analíticos, que chegaram a ser impostos
por lei, como aconteceu no Estado de São Paulo.78
78 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 51
CAPÍTULO III
O LETRAMENTO
3.1. Conceito de letramento
Mais recentemente, começou a ser desenvolvido o conceito de
letramento, que procura avançar além da idéia de alfabetização, superando o
que nesta está ligado à noção de domínio de uma técnica prévia para o
desenvolvimento da aprendizagem da leitura e da escrita.
O desenvolvimento dessa concepção está intimamente ligado à
constatação dos expressivos fracassos das diferentes propostas públicas de
alfabetização. Entre tais fracassos releva recordar o fato já suficientemente
consabido de que um sem número de adultos alfabetizados apresentaram,
após a conclusão do processo de aprendizagem da leitura e da escrita, uma
regressão ao estágio anterior, isto é, voltaram a ser analfabetos. Quanto a esse
aspecto, observa José Juvêncio Barbosa79 que a própria Unesco, na discussão
dos projetos e programas por ela desenvolvidos com o propósito de promover a
erradicação do analfabetismo, tem-se mostrado preocupada, incluindo entre
suas questões mais prementes a dos problemas que dizem respeito à
regressão do alfabetizado ao analfabetismo.
Outro dos fracassos que a cada dia tem-se mostrado mais evidente diz
respeito não àqueles que foram alfabetizados fora da faixa etária própria, já na
idade adulta, mas àqueles que se submeteram à escolaridade regular, que
dominam as técnicas de decodificação dos signos escritos e de codificação
escrita dos signos orais; em outras palavras, os problemas do escolarizado que
“sabe ler”. Num índice absolutamente assustador, uma grande faixa de
79 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit. p. 28
pessoas (inclusive jovens recém-saídos das escolas) são literalmente
incapazes de entender aquilo que está sendo lido.
Não faz muito tempo, um jornal de São Paulo publicou matéria (a que
não se teve acesso na presente pesquisa) sobre uma experiência
relativamente simples realizada nas ruas daquela capital. Perguntava-se à
pessoa se ela sabia ler e, no caso de resposta positiva, apresentava-se-lhe um
cartaz com oferecimento de emprego, no qual estavam especificadas
informações importantes, como a natureza da atividade, o endereço do
emprego e o que era necessário para postular a colocação. Formulavam-se
depois à pessoa questões simples, como de que tratava o anúncio, qual era a
natureza do emprego, em que lugar estava sendo oferecido. Um número
assustador de pessoas que diziam saber ler era incapaz de responder a
qualquer dessas perguntas.
Diante de tais situações, pergunta-se José Juvêncio Barbosa se ser
alfabetizado é sinônimo de ser leitor.80 Responde pela negativa, afirmando que
a escrita, gradativamente, se transformou num obstáculo para o homem ter
uma participação efetiva no mundo social, pois o único dispositivo que lhe foi
ensinado de acesso ao texto escrito é ineficaz. Tal dispositivo, único de que
dispõe uma larga faixa da população é a transformação do escrito no oral, que
se revela um recurso ineficiente para a busca de respostas às questões que o
mundo moderno propõe.
Em razão do reconhecimento dessa situação, a referida Unesco
apresentou a noção de alfabetização funcional, vinculada à produtividade dos
trabalhadores. Reconheceu-se que, com a introdução de novas tecnologias,
que exigem mão-de-obra infinitamente mais qualificada, ser analfabeto passou
a ser um problema.
A proposta de alfabetização funcional era voltada inicialmente para o
sistema produtivo. Por essa proposta, a alfabetização deveria proporcionar a
todos os alfabetizados elementos capazes de desenvolver habilidades que
estão vinculadas à formação e à capacitação profissional. Desse modo, a
proposta de alfabetização funcional teve o objetivo de proporcionar condições
80 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 28
eficazes para que os alfabetizados pudessem enfrentar de forma competente
as diferentes situações que o mundo econômico propõe. Entretanto, logo se
reconheceu a presença de questões ligadas ao mundo físico, moral afetivo,
intelectual e social do indivíduo. 81 Assim, o recurso ao texto escrito seria uma
opção eficaz para a busca das respostas. Em razão disso, a alfabetização
funcional deixou de vincular-se exclusivamente aos aspectos da atividade
econômica, para associar-se à noção de educação permanente.
Informa o autor que se vem acompanhando que, com base nas idéias de
alfabetização funcional, desenvolveu-se enorme esforço em todo o mundo no
sentido de universalizar a alfabetização. Entretanto, esse esforço não produziu
muitos resultados. Pelos estudos da própria Unesco, o número absolutos de
analfabetos no mundo tende a aumentar, principalmente em razão da explosão
demográfica e da falta de eficácia da ação da escola regular.
José Juvêncio Barbosa, porém, vê um outro motivo para esse fracasso,
um fator que considera intrínseco à própria concepção de aprendizagem da
leitura com base na alfabetização.82 Tal fator seria o caráter abstrato e artificial
da concepção de alfabetização que parte da premissa de que, na etapa inicial
do processo de aquisição do código escrito, não importa o conteúdo da
linguagem, pois o importante é saber sobre a escrita.
Dessa forma a proposta de alfabetização funcional, com ênfase no
período que sucede à alfabetização, padece do defeito de entender que a
formação do leitor é etapa sucessiva à etapa de aquisição da escrita, como se
o estágio de formação do leitor fosse um prolongamento da etapa de
alfabetização.
É precisamente no combate a essa concepção que desvincula a
alfabetização (domínio das técnicas de interpretar e representar o código
escrito) da formação do leitor, que surgiu a concepção de letramento.
Trata-se, não apenas de um termo novo, mas de uma nova maneira de
entender as relações entre o mundo da escrita e o mundo social. A noção de
letramento introduz a idéia, sempre reclamada, mas quase sempre esquecida
81 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 29. 82 Idem, ibidem, p. 30
de leitor qualificado, isto é, aquele que tem na leitura uma prática social
constante.
Tal concepção leva em conta uma contradição que se observa a cada
passo. Na mesma medida em que há pessoas alfabetizadas que não
conseguem transpor o texto lido para o mundo da vida real, como aconteceu
com as pessoas entrevistadas pelo jornal paulista a que acima se fez
referência, existem analfabetos, pessoas que nunca freqüentaram uma escola,
mas que têm contato com as letras e que fazem cálculos matemáticos no seu
quotidiano; são pessoas que não sabem ler, todavia conhecem os aspectos
principais e as funções da língua escrita.
Seriam, no dizer de Sérgio Roberto Costa83, pessoas dotadas de um
certo grau de letramento, embora não fossem pessoas alfabetizadas e não
dispusessem de nenhuma escolaridade. Num sentido tradicional, seriam
considerados simplesmente como analfabetos, uma vez que não dominariam o
sistema de sinais gráficos da língua nem seriam capazes de codificá-lo ou
descodificá-lo, isto é, não seriam capazes de escrever nem de ler. É essa a
visão tradicional, de que a alfabetização é a competência ou capacidade
individual de uso e prática da escrita.84
Por outro lado, passou-se a entender letramento, para além da
significação tradicional e dicionarizada do termo letrado (versado em letras,
erudito), como um conjunto de práticas letradas sociais, culturalmente
determinadas. É dessa forma que Magda Soares85 concebe letramento, como
um estado ou condição de um indivíduo ou grupo social que exerce, em graus
diversos, as práticas de leitura e escrita, participa de eventos que envolvem a
leitura/escrita e sofre os efeitos das práticas e eventos de letramento.
Nessa linha de raciocínio, Sérgio Roberto Costa86 entende que o
letramento vai além da alfabetização, pois esta se refere ao saber ler e
escrever apenas como domínio da tecnologia da escrita, ao passo que o
83 COSTA, Sérgio Roberto. Interação, alfabetização e letramento: uma proposta de/para alfabetizar, letrando. In. MELLO, Maria Cristina de & RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral (org.). Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004, p. 23. 84 Idem, ibidem, p. 26. 85 SOARES, Magda B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica/CEALE, 1998, p. 38 86 COSTA, Sérgio Roberto. Op. cit., p. 27
indivíduo letrado é aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a
leitura e a escrita e responde adequadamente às demandas sociais de leitura e
escrita.
O termo letramento, ao contrário de alfabetização, é de introdução
recente no vocabulário das ciências da Educação. Surgiu, entre nós, nos anos
80, citado em primeiro lugar por Mary Kato87, em obra de 1986 (No mundo da
escrita: uma perspectiva psicolingüística). Em 1995, de Leda Verdiani Tfouni88
é publicada a obra Letramento e alfabetização, em que justificou sua utilização
pela ausência de outro termo que expressasse essa situação específica de
estar exposto aos usos sociais da escrita, sem, no entanto saber ler nem
escrever.
De passagem, observe-se que o termo letramento tem sido utilizado de
forma, se não dúbia, pelo menos multívoca, na medida que, ora está associado
a um plus em relação à alfabetização, isto é, algo que vai além da
alfabetização, de que o simples alfabetizado não dispõe, ora como algo por
completo dissociado do domínio das técnicas de codificação e de
decodificação, presente em quem nem teve a oportunidade de as dominar bem
como figurando tal como um saber prévio, independente da escolarização, que
as crianças já portam por sua vivência cultural. Na concepção exposta por
Leda Versiani Tfouni, o letramento se observa, de fato, naquelas situações em
que o indivíduo, sem saber ler, está exposto às práticas de língua escrita.
É bem verdade que a idéia de letramento está visceralmente ligada ao
aspecto cultural. Leda Verdiani Tfouni busca enfatizar esse aspecto:
Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade.89
Esclarece a autora que, mesmo investigando as conseqüências
individuais da ausência da escrita, o enfoque pelo prisma do letramento
87 KATO, Mary A.. No mundo da escrita – uma perspectiva psicolingüística. 2 ed. São Paulo: Ática, 1987. 88 TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995, p. 8. 89 . Idem, ibidem. p. 20
remete sempre ao social mais amplo, ou seja, procura descobrir quais
características da estrutura social tem relação com os fatos ligados á leitura.90
Dessa forma, esclarece a autora que, em termos sociais, o letramento é
um produto do desenvolvimento do comércio, da diversificação dos meios de
produção e da complexidade crescente da agricultura. É também causa das
transformações, e não apenas reflexo, como se pode ver pelos exemplos que
apresenta do aparecimento da máquina a vapor, da imprensa, do telescópio, e
da sociedade industrial como um todo.91
3.2. O letramento escolar
Importa considerar em particular as relações entre o conceito de
letramento e o processo de educação formal desenvolvido nas redes escolares.
Se o indivíduo, mesmo sem dominar o código escrito, sem saber codificar
graficamente os signos orais e sem saber decodificar os signos gráficos, mas
vivendo em sociedade letrada, solicitado pelas demandas da vida social, é
capaz de ter uma relação até certo ponto eficaz com a língua escrita, naquilo
que, por certa ótica, se considera letramento, como entender que pessoas
alfabetizadas, tendo em sua história um complexo de relações com a língua
escrita através do sistema escolar, não demonstrem proficiência na integração
do mundo da escrita ao universo social?
Examinando essa questão, Leiva de Figueiredo Viana Leal92 articula as
concepções de educação, de letramento, de linguagem e de organização
curricular. Abordando a primeira concepção, despreza as visões mais
conservadoras do processo educativo e se concentra numa visão mais
moderna, mais comprometida com a realidade social, em que, em termos de
educação, o grande desafio não é o de educar para o desenvolvimento, mas
para a formação humana dos alunos. Esta visão de educação não vê a escola
90 Idem, ibidem, p. 21 91 Idem, ibidem, p. 22 92 LEAL, Leiva de Figueiredo Viana. Sujeito letrado, sujeito total: implicações para o letramento escolar. In: MELLO, Maria Cristina de & RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral (org.). Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004, p. 51 e seguintes.
como um espaço em que se passam, se repassam e se medem conteúdos,
mas como uma instituição cujo propósito básico é fazer com que o aluno tenha
um projeto de vida e que deseje vivê-lo do modo mais ético e transformador
possível. É, portanto, uma visão de educação que tem como propósito levar o
indivíduo a ser sujeito, a reconhecer sua existência marcada pela
singularidade, o que o torna insubstituível. Assim vista, a educação comporta
processos de potencialização das capacidades dos sujeitos. Insiste a autora
que, à diferença do processo de alfabetização, o letramento é um evento que
pode mudar a vida das pessoas.
Para a autora, letramento é um conjunto de práticas discursivas de uso
efetivo da linguagem, a respeito da fala, da leitura e da escrita. Entretanto,
numa sociedade marcada pela exclusão, pela marginalidade, pelas absurdas
diferenças sociais, econômicas e culturais, não é possível esperar-se igual
desempenho de todos os membros do tecido social, em razão das situações
diferenciadas que são fruto desse contexto desigual.
Tais reflexões levam a autora, necessariamente, ao reconhecimento da
importância da linguagem nesse processo de inter-relacionamento dos sujeitos
e deles com o mundo, que perpassa todos os campos do saber e todas as
dimensões da vida humana, servindo de elo profundo entre o eu e o mundo.
Dessa forma, a departamentalização excessiva das grades curriculares,
fragmentando os currículos, nega a importância da linguagem em todas as
esferas do conhecimento. A noção de letramento está visceralmente ligada ao
conceito de interdisciplinaridade, pois a leitura e a escrita constituem a base em
que se dá essa relação do indivíduo com o conhecimento.
Como se vê, pressuposto fundamental para que o processo escolar
desenvolva simultaneamente o letramento do aluno é que suas práticas e
áreas de conhecimento não se apresentem fragmentadas, isoladas, mas que
se articulem, como o próprio conhecimento se configura como uma totalização
e não como uma fragmentação. Fundamental, portanto, para a instituição
escolar é o desenvolvimento de um trabalho em que se tenha como prática
constante a interdisciplinaridade.
A autora desenvolve seu pensamento abordando cinco dimensões em
que se deve dar o processo de letramento no espaço escolar: a cultural, a
discursiva, a cognitiva, a ética e a estética.
A primeira dimensão, a cultural, engloba duas direções. Em primeiro
lugar, como é sabido, o fato de alguém saber ler e escrever facilita-lhe o
acesso ao mundo da cultura, permite-lhe um desenvolvimento cultural, que não
é a mera acumulação de saberes, mas um processo profundo de integração à
cultura, a qual se caracteriza pela diversidade de sua articulação, marca
fundamental da cultura, que não tende a excluir, mas a incluir. E vai além da
integração do indivíduo ao seu meio cultural mais imediato ou mesmo nacional.
O indivíduo verdadeiramente culto, não apenas se reconhece pertencente a
uma língua, a uma nação, a uma etnia, mas sobretudo pertencente à
humanidade, isto é, reconhece, por sobre todas as diferenças, a condição
humana.
Uma segunda direção, em sentido contrário, é o papel da própria cultura
na aquisição dos saberes ministrados pela educação formal. Para aprender, é
necessária uma base cultural. Daí decorrem duas conseqüências. A primeira é
que a alfabetização como simples técnica dissociada dos conteúdos da
linguagem está também dissociada da bagagem cultural dos alunos. A
segunda é que a falta de elementos referenciais da cultura dificulta
grandemente os alunos em seu processo de aprendizagem, como já puderam
observar todos os educadores. A autora assim explicita esse aspecto:
As lacunas culturais têm sido responsáveis pelas dificuldades das crianças na compreensão da leitura e na produção textual, pois elas necessitam de determinado conhecimento para tratar os textos que lêem e que escrevem. O letramento requer que uma base cultural seja garantida, o que faz com que os conteúdos escolares, as disciplinas ministradas ganhem importância, se direcionados para suprir as lacunas que, de um modo ou e outro, são conseqüências de outras lacunas, tais como a econômica, a política e a social.93
93 LEAL, Leiva de Figueiredo Viana. Op. cit., p. 57
O letramento tem também uma dimensão discursiva, na medida que
permite ao indivíduo vivenciar práticas discursivas orais e escritas. Desse
modo, o aluno em processo de letramento é capaz de vir a reconhecer a força
de seu próprio discurso, bem como de contextualizar os discursos que recebe,
pois percebe que o que se fala está marcado por quem fala, onde fala e por
que fala. O indivíduo letrado usa seu discurso para alcançar suas intenções e
para produzir efeitos em seus interlocutores: informar, esclarecer, criticar,
argumentar, sensibilizar, pedir, alertar, impressionar.94
Pela dimensão cognitiva, entende-se que ensinar a ler e a escrever é um
processo de mobilizar um conjunto diferenciado de operações mentais. A
aprendizagem da língua escrita não movimenta e desenvolve apenas
capacidades lingüísticas, mas também cognitivas, responsáveis pelo processo
de produção de sentido. Para a autora, ler e escrever inserem o indivíduo no
mundo simbolicamente construído95.
Talvez fosse melhor relativizar a expressão, na medida que o ser
humano está mergulhado num universo simbolicamente construído, ao qual
não se tem acesso apenas pela escrita.
A autora expõe sua concepção de que letramento está
indissociavelmente ligado a um aspecto ético, não ficando circunscrito ao
meramente técnico, nem ao cultural. Esclarece a autora que o letramento é
uma prática social e, portanto, deve englobar os valores, os sistemas de
referência e o processo de significação, pois as ações e os conhecimentos são
socialmente produtivos.
Por fim, a autora expõe o que denomina dimensão estética, dando a
esse termo uma noção que ultrapassa os conceitos artísticos. A dimensão
estética não está associada à beleza da linguagem, mas à possibilidade de o
ser humano compreender a sua incompletude, razão pela qual o ato de ler é
sempre a possibilidade do encontro de duas subjetividades, a do leitor e a do
produtor do texto.
94 LEAL, Leiva de Figueiredo Viana. Op. cit., p. 58 95 Idem, ibidem, p. 59
Essa visão, denominada estética, está, porém, muito mais vinculada ao
caráter ético e ao aspecto discursivo que permeiam o processo de letramento
do que a aspectos estéticos propriamente ditos.
A já referida Leda Verdiani Tfouni96, discutindo a questão do processo
de letramento no âmbito da educação formal, o que aqui se denominou
letramento escolar, procura estabelecer uma distinção entre os conceitos de
letramento e de escolaridade.
A distinção é importante para precisar o conceito de letramento, na
medida que uma leitura apressada dos conceitos poderia levar (e tem levado) a
confundir o processo de leitura do mundo que o letramento produz com os
efeitos genéricos que a escolarização produz no indivíduo.
Assim, a autora introduz o conceito de autoria como capaz de configurar
com precisão o letramento. Em sua maneira de ver, a pessoa letrada (não no
conceito tradicional, mas no aqui discutido) tem um texto próprio, com marcas
pessoais, capaz de dar conta não só das intenções do autor, como também de
patentear sua própria história. Ao contrário, o alfabetizado que não teve acesso
ao letramento tem um texto pastiche, eivado de clichês.
Para demonstrar sua visão, a autora compara três textos de autores
diferentes. O primeiro deles é um convite97 dirigido por escrito aos docentes de
um departamento da USP de Ribeirão Preto, redigido por uma universitária
dessa instituição. O segundo é um texto redigido por um secretário da mesma
universidade e publicado no Semanário98, uma publicação que a chefia do
departamento universitário utiliza para divulgar as principais notícias do período
junto aos docentes. O último é uma crônica99 escrita por um presidiário da
cadeia pública de Sertãozinho, após três meses de alfabetização.100
A tese da autora é de que não há relação direta entre escolarização e
letramento.101 Procura demonstrar sua tese pela utilização do critério da
autoria, pois o indivíduo letrado, em sua concepção, é sujeito do discurso e
96 TFOUNI, Leda Verdiani. Op. cit., p. 38 e seguintes. 97 Ver Anexo 1, texto n.º 1 98 Ver Anexo 1, texto n.º 2 99 Ver Anexo 1, texto n.º 3 100 TFOUNI, Leda Verdiani. Op. cit., respectivamente p. 39, 40, 42 101 Idem, ibidem, p. 40.
suas marcas pessoais estão necessariamente em seu discurso escrito ou oral:
autor é aquele que estrutura seu discurso de acordo com um princípio
organizador que lhe possibilita uma posição de auto-reflexidade crítica no
processo de produção de seu discurso.
Aplicando esse critério, a autora afirma que os dois primeiros textos que
examinou, demonstram sujeitos iletrados, apesar de integrantes do mundo
universitário, ao passo que o último, escrito por um presidiário recém-
alfabetizado, pois havia apenas três meses que iniciara a alfabetização com
duas estagiárias, marcado que é pela coesão, demonstra autoria e, portanto,
um autor letrado, se bem que seus eventuais erros gramaticais ou de ortografia
tenham sido corrigidos na transcrição.
Em relação ao primeiro texto, a autora carrega a mão em crítica
destruidora:
O que atrai a atenção do leitor especializado, neste “texto”, é principalmente a representação que a “autora” parece ter sobre a escrita: a pretensão de um estilo formal e utilização de um léxico que foge à linguagem cotidiana. Porém, a intenção de ser formal transforma-se em paródia, na qual palavras de um eruditismo desgastado (...) são usadas em períodos redundantes, não apenas no eixo sintagmático (...), como também no eixo pardigmático (...). Ao lado disso, temos , no último parágrafo, a grafia fonética de um vocábulo (“dispeço”), fato que poderia até ser aceito como adequado em um texto de outra natureza, mas que aqui assume a mesma importância que o ato falho tem para o psicanalista. Guardadas as devidas proporções teóricas, esse “erro” (que nem seria propriamente erro em outro contexto) é o indício de um descompasso entre a necessidade de controle de um estilo escrito formalizado e a falta de estrutura para mantê-lo.102
O segundo texto, também de pessoa que teoricamente deveria ser
considerada letrada, mas que demonstra ausência de relação direta entre
escolarização e letramento, segundo a autora é exemplo de como uma pessoa
escolarizada pode ser iletrada. Em relação a este segundo texto, a autora faz
comentário francamente irônico:
102 TFOUNI, Leda Verdiani. Op. cit., p. 40
Qualquer semelhança entre a escrita dessa notícia e os textos produzidos pelos existencialistas franceses, ou mesmo por autores que seguem o chamado “fluxo do inconsciente”, é, obviamente, mera coincidência, uma vez que nestes últimos existe uma intenção deliberada de criar um efeito de sentido específico, intenção esta que não está presente, nem poderia estar, no “autor” do “texto” citado. Pelo contrário, a impressão que se tem é de que ele (o “autor”) é incapaz de planejar sua escrita, não conseguindo sequer construir um rascunho mental da mensagem que pretende escrever. Ele é totalmente dominado pela afluência dos significantes, e parece que via escrevendo “sempre para a frente”, não voltando para reler o que já escreveu e eventualmente corrigir-se.103
Para a autora, nestes dois textos quem os escreveu não consegue
colocar-se como autor do próprio discurso, nele não está presente a autoria, o
que, na sua visão, é precisamente o que caracteriza o letramento. Ao contrário,
a autoria está mais do que patente no terceiro texto, marcado pela coesão,
atingida na construção de um único parágrafo, cujas orações são todas
introduzidas pela mesma expressão (nem). A autora conclui que o autor do
último texto é mais letrado do que o secretário que redigiu a notícia do
Semanário e do que a universitária que redigiu o convite.
Duas observações, porém, devem ser feitas com relação ao
procedimento da autora e às suas conclusões. A primeira delas é que o critério
de autoria não pode ser utilizado como determinante exclusivo de letramento
(ou de domínio da língua escrita). Nos registros formais, a autoria é sufocada,
intencionalmente elidida, em proveito da utilização de fórmulas mais ou menos
estereotipadas; ao contrário, nos registros informais, no literário (escrito) e no
oratório (falado, aliás, cada vez menos falado), a autoria, com as marcas
pessoais e com os rasgos de criatividade é amplamente liberada. A questão,
portanto, que se coloca em relação a esses textos não é a da autoria, a qual
não teria mesmo lugar nos dois primeiros, mas a da capacidade de expressão
pessoal.
103 TFOUNI, Leda Verdiani. Op. cit., p. 41
A segunda observação atreve-se a sugerir que a autora laborou em
equívoco, pois a diferença observada entre os textos não é, em primeiro lugar,
de grau de letramento, mas de registro. O renomado lingüista Evanildo
Bechara104, retomando conceitos do lingüista romeno Eugênio Coseriu,
discorre sobre as variedades que uma língua apresenta, além da radical
diferença entre o uso oral e o uso escrito da língua. Assim, as línguas variam
no tempo (variação diacrônica, antigamente conhecida como evolução), no
espaço (variação dialetal, variação diatópica, dialetos), variação diastrática (as
variedades de “níveis” entre os diferentes estratos socio-culturais, a norma
culta e a norma popular) e variações diafásicas (as diferentes situações de
tensão que cercam o ato lingüístico; os registros, basicamente, formal e
informal).
Eugênio Coseriu105 explica que o que, fundamentalmente, distingue as
situações de formalidade das de informalidade, para além da tensão específica
que cerca o ato de comunicação e do nível de intimidade dos falantes, é a
questão da distribuição dos papéis de emissor e de receptor do discurso.
Assim, se os interlocutores, ao longo da situação em que é utilizada a língua
vão alternando os papéis de emissor e de receptor (isto é: se ora um fala e
outro ouve, invertendo-se os papéis ao longo da comunicação), tem-se uma
situação de informalidade. Ao contrário, se a situação de comunicação é tal,
que os papéis de emissor e receptor estão previamente definidos (alguém será
o emissor e outro – ou outros – será o receptor), tem-se uma situação de
formalidade. É por isso que, de um modo geral, a situação de escrita já é, por
natureza, mais formal que a de fala.
De forma didática, é possível distribuir os chamados registros em níveis
de crescente formalização, do mais informal até o mais formal. No discurso
falado, figurariam os seguintes registros: familiar, coloquial distenso, coloquial
104 BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? São Paulo: Ática, 1991, p. 68 105 COSERIU, Eugênio; Teoria da linguagem e lingüística geral: cinco estudos. Trad. Agostinho Dias Carneiro. Rio de Janeiro: Presença; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1979, p. 13 e segs.
tenso, formal, oratório. No discurso escrito, ter-se-iam os seguintes registros:
coloquial, formal, literário.
O equívoco consistiria no fato de que se buscou encontrar graus de
letramento onde, fundamentalmente (mas não exclusivamente) havia graus de
formalismo, isto é, diferentes registros ou variações diafásicas. Os dois
primeiros textos são (ou pretendiam ser) formais; por isso, neles se calam as
marcas subjetivas (marcas de autoria) e poéticas. Já o terceiro texto é (ou
pretendia ser) literário, variação diafásica em que, por natureza, explode o
subjetivo (ainda que disfarçado) e o criativo, isto é, o poético.
Sérgio Roberto Costa106 busca um outro caminho para configurar o
letramento dentro do processo escolar. Para ele, o processo de letramento
deve ser mediado por gêneros discursivos e textuais, na medida em que a
interação verbal é realizada através de enunciações, na expressão de Bakhtin,
por ele citado. Por isso propõe a substituição de exercícios mecânicos de
grafemas que se juntam em sílabas ou palavras isoladas por práticas
enunciativo-discursivas de fala, leitura e escrita, ou seja, que a criança escreva
um enunciado socialmente construído na interação com o outro, em diálogos
com portadores de textos diversos, com gêneros textuais variados, mesmo que
ela não saiba ainda escrever usando o código alfabético da língua.
Entende, portanto, o autor que o conceito de letramento se liga a um
conjunto de práticas de leitura e escrita que resultam de uma concepção
específica do que ler e escrever. Para o autor, os exercícios mecânicos com
grafemas e sílabas, de atos de produção psicofisiológicos ou de uso de formas
lingüísticas abstratas, dos quais, tradicionalmente, se vale a alfabetização, não
apenas não atingem o letramento como o impedem.
Nesse ponto, cumpre retomar a questão colocada no início do presente
tópico. Se o indivíduo, mesmo sem dominar o código escrito, sem saber
codificar graficamente os signos orais e sem saber decodificar os signos
gráficos, mas vivendo em sociedade letrada, solicitado pelas demandas da vida
social, é capaz de ter uma relação até certo ponto eficaz com a língua escrita,
naquilo que, por certa ótica, se considera letramento, como entender que
106 COSTA, Sérgio Roberto. Op. cit., p. 44 e segs.
pessoas alfabetizadas, tendo em sua história um complexo de relações com a
língua escrita através do sistema escolar, não demonstrem proficiência na
integração do mundo da escrita ao universo social?
Recorde-se, igualmente, a visão expressa por José Juvêncio Barbosa107,
exposta no início do presente capítulo, segundo a qual a escrita,
gradativamente, se transformou num obstáculo para o homem ter uma
participação efetiva no mundo social, pois o único dispositivo que lhe foi
ensinado de acesso ao texto escrito é ineficaz. Tal dispositivo, único de que
dispõe uma larga faixa da população é a transformação do escrito no oral, que
se revela um recurso ineficiente para a busca de respostas às questões que o
mundo moderno propõe.
Uma questão também pode ser levantada quanto a isso. Se a criança,
antes de entrar na escola já tem vivência com o mundo letrado (letramento) e
se analfabetos vivendo em ambiente em que a língua escrita está presente
também são letrados, por que a alfabetização tradicional se opõe ao
letramento? Não seria natural que o processo de alfabetização não estancasse
o processo (natural) de letramento?
De fato, é de se crer que não estanca; alfabetizar uma criança (ou
adulto) de forma natural não impede o seu letramento, pois esse decorre de
sua imersão no meio social que faz uso constante da língua escrita.
O que ocorre é uma separação, em que o processo e o resultado da
alfabetização se encontram completamente divorciados do processo de
letramento, correndo por vias separadas e incomunicáveis. É como se o que
aprende na escola não tivesse qualquer relação com o aprendizado social (de
resto, no mais das vezes, na realidade não tem).
107 BARBOSA, José Juvêncio. Op. cit., p. 28
3.3. A contribuição de Emília Ferreiro
Dentre as mais significativas contribuições para o desenvolvimento no
Brasil do conceito de letramento, deve-se dar destaque especial às idéias de
Emília Ferreiro. É bem verdade que a grande educadora manifesta severas
restrições quanto ao uso desse termo hoje consagrado nos estudos de
Educação em nosso país.
Questionada108 formalmente sobre a “novidade conceitual” da palavra
“letramento”, Emilia Ferreiro explicita assim a sua rejeição ao uso do termo:
Há algum tempo, descobriram no Brasil que se poderia usar a expressão letramento. E o que aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo de decodificação. Letramento passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto, o compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego a aceitar um período de decodificação prévio àquele em que se passa a perceber a função social do texto. Acreditar nisso é dar razão à velha consciência fonológica.
A rejeição da celebrada autora diz respeito exclusivamente ao uso de
um termo novo. Ou melhor: é importante observar que a oposição da referida
autora circunscreve-se estritamente ao perigo da dissociação entre o aprender
a escrever e o usar a escrita (“retrocesso” porque representa a volta da
tradicional compreensão instrumental da escrita). Como árdua defensora de
práticas pedagógicas contextualizadas e signifcativas para o sujeito, o trabalho
de Emília Ferreiro, tal como o dos estudiosos do letramento, apela para o
resgate das efetivas práticas sociais de língua escrita o que faz da oposição
entre eles um mero embate conceitual.
Numa primeira abordagem da autora sobre o processo de aprendizagem
da escrita e da leitura observa ela que tal processo se reveste de um triplo
aspecto: é ao mesmo tempo um sistema de representação alfabética da
108 COLELLO, Silvia M. Gasparian. Alfabetização e letramento: Repensando o ensino da língua escrita. disponível /www.hottopos.com/videtur29/silvia.htm)
linguagem, as representações que as crianças têm sobre esse objeto e as
representações que os professores têm sobre o mesmo objeto.
Em sua obra Reflexões sobre a alfabetização109, reitera o conceito
fundamental em que baseia sua epistemologia e no qual os teóricos brasileiros
que desenvolveram o conceito de letramento têm-se baseado. Trata-se da
visão da escrita como um sistema de representação e não como um código de
transcrição gráfica de unidades sonoras.
Como se pode perceber, uma representação não é igual à realidade que
representa, apresentando algumas propriedades e relações próprias da
realidade e excluindo algumas das propriedades e relações da realidade.
Explicita, então a autora que o vínculo entre a representação e a realidade
pode ser analógico e arbitrário. A linguagem escrita é um sistema de
representação da realidade e nisso se difere dos chamados sistemas
alternativos de representação (codificação), como o código telegráfico, os
códigos secretos, que são baseados em uma representação já construída.
Os códigos alternativos são formados por elementos e relações que já
estão prederminados, mas na representação da realidade (como a linguagem
escrita), nem os elementos nem as relações estão predeterminados; enquanto
a criação de um código é personalizada e preponderantemente artificial, a
construção da representação costuma configurar um longo processo histórico.
Foi o que se deu com a criação da escrita pelos seres humanos. Ela foi um
processo histórico de construção de um sistema de representação, não um
processo de codificação.
É por isso que, ao aprender a escrita e o sistema de números, as
crianças como que reinventam esses dois sistemas, porque, para poderem se
servir desses elementos como elementos de um sistema, elas devem
compreender seu processo de construção e suas regras de produção. Chama,
então, a autora a atenção para a diferença que existe entre as escritas
alfabéticas e as ideográficas, já superficialmente enunciadas no presente
trabalho. As escritas alfabéticas podem ser caracterizadas como sistemas de
109 FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1993, p. 10 e segs.
representação de diferenças de significantes, enquanto as escritas ideográficas
podem ser caracterizadas como sistemas de representação de diferenças nos
significados, embora cada um desses sistemas inclua elementos do outro,
como também, em parte, se teve a oportunidade de demonstrar.
O ponto crucial é o fato de a escrita, na visão da autora, não ser uma
codificação gráfica da fala. Essa constatação traz em si uma significativa
mudança de postura teórica e didática. Entendendo-se a língua escrita como
um código de transcrição (de unidades fonéticas em unidades gráficas), coloca-
se em primeiro plano a discriminação perceptiva nas modalidades envolvidas
(visual e autiditiva); dessa concepção derivam os programas de preparação
para a leitura e escrita, que exercitam a discriminação. Para a autora não há
dúvida de que, dissociando-se o significante do significado, destrói-se o signo
lingüístico.
Por outro lado, entendendo-se a escrita como a compreensão de um
modo de construção de um sistema de representação, a aquisição da escrita é
concebida como a apropriação de um novo objeto de conhecimento, uma
aprendizagem conceitual.110
Examinada a questão do sistema de representação, a autora passa a
explicitar as concepções da criança a respeito do sistema de escrita, aspecto
que tradicionalmente tem sido deixado de lado na alfabetização. É outra a
visão de base construtivista. Em harmonia com essa abordagem, a autora
compara as inferências do modo tradicional de se alfabetizar com a abordagem
construtivista. Quanto às primeiras escritas infantis, por exemplo, o modo
tradicional de as considerar era deter-se exclusivamente nos aspectos gráficos
como qualidade do traço, distribuição espacial das formas, orientação
predominante, orientação dos caracteres individuais); já a abordagem
construtivista busca entender o que a criança quis representar e os meios
utilizados para criar diferenciações entre as representações.111
110 FERREIRO, Emília. Op. cit., p. 16 111 Idem, ibidem, p. 18
Tal se dá porque o construtivismo entende que a escrita infantil segue
uma linha de evolução regular, através de diversos meios culturais, de diversas
situações educativas e de diversas línguas.
Nessa evolução regular, é possível distinguir 3 grandes períodos (nos
quais há múltiplas subdivisões): no primeiro ocorre uma distinção entre o modo
de representação icônico e o não icônico; no segundo evidencia-se a
construção de formas de diferenciação e só no terceiro ocorre a fonetização da
escrita que corre do silábico ao alfabético.
Descrevendo de forma mais minuciosa esses períodos, a autora
surpreende o próprio processo de apropriação pela criança do sistema de
representação escrito. Esse processo começa com a possibilidade de distinção
entre as marcas figurativas e as não figurativas; é o primeiro período em que a
criança percebe a possibilidade de utilização da escrita como objeto substituto,
estabelecendo, a partir daí, uma distinção entre desenhar (domínio do icônico)
e escrever (domínio do não icônico)112. Reconhece que, ao desenhar, está no
domínio do icônico e, ao escrever, está no domínio do não icônico.
O período seguinte é marcado pela construção das formas de
diferenciação, no qual as crianças se valem de critérios intrafigurais (dentro das
figuras) e interfigurais (entre as figuras). Os critérios intrafigurais se expressam
quantitativamente (quantidade mínima de letras para que a escrita possa dizer
algo) e qualitativamente (variação dos caracteres, pois o texto não pode ter o
tempo todo a mesma letra). Já os Critérios interfigurais consistem na criação de
modos sistemáticos de diferenciação entre uma escrita e a seguinte; podem ser
critérios quantitativos (variar a quantidade de letras de uma escrita para outra
para obter escritas diferentes) e podem ser critérios qualitativos (variar o
repertório de letras que se utiliza de uma escrita para outra, ou a posição das
mesmas letras).
O terceiro período é o da fonetização, ocasião em que ocorre a atenção
às propriedades sonoras do significante, começando a criança a descobrir que
partes da escrita podem corresponder a outras tantas partes da palavra escrita
112 FERREIRO, Emília. Op. cit., p. 19
(sílabas). A criança identifica partes da palavra (sílabas)113. Nesse período as
letras podem começar a adquirir valores sonoros (sílabas) relativamente
estáveis, estabelecendo correspondência com o eixo qualitativo, de modo que
as partes sonoras semelhantes entre as palavras começam a se exprimir por
letras semelhantes114.
É interessante observar que são os conflitos próprios do sistema silábico
que desestabilizam a hipótese silábica (construída pela criança), levando a
criança a um novo processo de construção; esse período marca a transição
entre os esquemas prévios em vias de serem abandonados e os esquemas
futuros em vias de serem construídos. Quando descobre que a sílaba não é
uma unidade, a criança ingressa no último passo da compreensão do sistema
socialmente estabelecido. É então que descobre problemas de ordem
quantitativa (sílabas com números diferentes de letras) e qualitativa (problemas
de ordem ortográfica)115.
O terceiro aspecto sobre o qual a autora volta a sua atenção renovadora
são as concepções sobre a língua subjacentes à prática dos professores.
Nesse exame, mais do que criticar as posturas tradicionais, tem a preocupação
de apontar caminhos coerentes com a visão anteriormente enunciada, qual
seja a de que a escrita é um outro sistema de representação e de que a criança
vai formulando suas próprias hipóteses sobre o funcionamento da escrita.
Dentro dessa concepção, apresenta os pressupostos básicos para uma
nova concepção da aprendizagem da língua escrita116. O primeiro deles é que
a criança não é uma tábua rasa, que nada traz em si e que está à espera de
que nela sejam impressos os conhecimentos. O segundo pressuposto é o de
que o fácil e o difícil não podem ser definidos a partir do adulto, mas a partir de
quem aprende. O terceiro pressuposto é que a informação só pode ser
operante se for assimilada. Por fim, lembra que os métodos não oferecem mais
do que sugestões, incitações, quando não práticas rituais ou um conjunto de
proibições.
113 FERREIRO, Emília. Op. cit., p. 25 114 Idem, ibidem, p. 26-27 115 Idem, ibidem, p. 27 116 Idem, ibidem, p. 29-30
Adverte a autora que não há práticas pedagógicas neutras117.Assim, há
práticas que levam a criança a entender que o conhecimento é algo que os
outros possuem e só se pode obter dos outros, sem participar dessa
construção; há práticas que levam a pensar que o que existe para se conhecer
já foi estabelecido como um conjunto de coisas fechado, sagrado, imutável; há
práticas que levam a criança a ficar fora do conhecimento como espectador
passivo ou receptor mecânico.
A experiência da autora com profissionais de ensino levou-a a identificar
três dificuldades principais que precisam ser inicialmente superadas. A primeira
delas é a visão do adulto alfabetizado sobre o sistema da escrita, a segunda é
a confusão entre escrever e desenhar letras e a terceira é a redução do
conhecimento do leitor ao conhecimento das letras e de seu valor sonoro.
Não basta, porém, a utilização de novos métodos de ensino, nem novos
testes de prontidão, nem novos materiais didáticos. O que é, de fato,
importante, é mudar os pontos da discussão, superar uma visão empobrecida
da língua escrita, bem como uma visão empobrecida da criança. É preciso
abandonar conceitos tradicionalmente arraigados, como o de que da leitura
como um produto escolar ou como algo a ser ensinado e cuja aprendizagem
exige o exercício de habilidades específicas118.
Na realidade, a criança está imersa num mundo em que há a presença
de sistemas simbólicos socialmente elaborados, sem que exercite uma técnica
específica de aprendizagem, uma vez que vai descobrindo as propriedades dos
sistemas simbólicos através de um prolongado processo construtivo119. É
preciso estar atento ao fato de que existe um processo de aquisição de
linguagem que precede e excede os limites escolares.120
A partir dessa compreensão, os professores devem estar atentos às
construções originais das crianças, pois estas elaboram idéias próprias a
respeito dos sinais escritos, como a distinção entre o figurativo e o não
figurativo.
117 FERREIRO, Emília. Op. cit., p. 31 118 Idem, ibidem, p. 42 119 Idem, ibidem, p. 43 120 Idem, ibidem, p. 44
Após essa distinção começa um trabalho cognitivo em relação ao não
figurativo, surgindo o critério da quantidade mínima de caracteres. Por fim,
surge o critério da variedade interna dos caracteres121. A criança que cresce
num meio letrado está exposta à influência de uma série de ações (interações).
O fato de poder comportar-se como leitor antes de sê-lo faz com que se
aprenda precocemente o essencial das práticas sociais ligadas à escrita.122
Para finalizar esta superficial abordagem das contribuições fundamentais
da Profª. Emília Ferreiro para o desenvolvimento no Brasil do conceito de
letramento, cumpre dar uma visão sobre algumas implicações pedagógicas que
ela extrai da concepção acima exposta. Para a autora, o papel da escola não
deve ser o de dar inicialmente todas as chaves secretas, mas o de criar
condições para que a criança as descubra por si mesma123. Além disso,
entende que o professor só será eficaz se adaptar seu ponto de vista ao ponto
de vista da criança.
Por fim, a autora enumera uma série de atitudes negativas às quais o
professor deve estar permanentemente atento, de modo a evitar. A primeira
delas é supervalorizar a capacidade da criança, que pode estar longe de ter
descoberto a natureza fonética da linguagem, mas, em sentido contrário, não
pode menosprezar os conhecimentos da criança ao trabalhar exclusivamente
com base na escrita, cópia e sonorização dos grafemas, porque a criança sabe
que a escrita é significativa.
O professor não deve tratar como ininteligível a produção da criança por
que esta não se aproxima da escrita convencional. Deve ainda, o quanto
possível, deixar de interpretar em termos de certo e errado os esforços iniciais
da criança para compreender. Outro aspecto que cumpre evitar é a a ênfase na
reprodução de traçados e a insistência na correspondência fonema-grafema;
tal ênfase e tal insistência significam desconhecer que a escrita é uma
construção mental da humanidade. O professor deve saber que os problemas
que a criança enfrenta em sua evolução não estão sujeitos a qualificativos
como simples ou complexos. É preciso que o professor esteja
121 FERREIRO, Emília. Op. cit., p. 60 122 Idem, ibidem, p. 44 123 Idem, ibidem, p. 60
permanentemente atento ao fato de que dirigir-se apenas às crianças que
compartilham conhecimentos dos adultos é deixar de lado grande parte da
população infantil que ainda se encontra em níveis anteriores a essa
evolução124.
3.4. Como se aprende a ler e a escrever
Em sua obra mais conhecida, Mary Kato125 dedica o terceiro capítulo ao
exame dos processos de aprender a ler e a escrever. Inicialmente, procura
estabelecer uma distinção entre a habilidade que alguém possa ter numa
profissão e a capacidade de ensinar algum conhecimento vinculado àquela
atividade. Apesar de admitir que alguém possa aprender uma profissão
observando a atividade de um profissional, mostra que o fato de alguém ser um
bom engenheiro, um bom advogado ou falante de uma língua estrangeira não o
qualifica naturalmente para ser um bom professor de Matemática, de Português
ou de inglês, pois uma criança não aprende, por exemplo, Matemática
observando o que engenheiro faz, mas entendendo os princípios matemáticos
através de uma transmissão oral desse conhecimento abstrato126.
É, portanto, indispensável uma compreensão metacognitiva da natureza
do objeto e dos processos para se ter um bom desempenho didático. Mas isso
não é suficiente: é preciso entender o que e como o estudante aprende em
virtude da intervenção externa. Uma boa formação didática para um professor
de Português implicaria um conhecimento da natureza da linguagem escrita,
um conhecimento da natureza dos processos envolvidos na leitura e na escrita
e um conhecimento da natureza da aprendizagem tanto desses processos
quanto da própria língua escrita.127
124 FERREIRO, Emília. Op. cit., p. 62 125 KATO, Mary A.. No mundo da escrita – uma perspectiva psicolingüística. 2 ed. São Paulo: Ática, 1987. 126 Idem, ibidem, p. 98 127 Idem, ibidem, p. 99
Após examinar as diferentes teorias sobre a aprendizagem da escrita
(proposta inatista de Chomsky, visão biológica de Lenneberg, teoria
evolucionista de Bickerton, tese funcionalista, tese cognitivista-funcionalista de
Bever, tese construtivista de Piaget, e tese associacionista), passa a examinar
aspectos específicos da aprendizagem da fala e da escrita.
Observa a autora que, na fase inicial da aquisição da linguagem, a
criança não dialoga: monologa. A criança monologa enquanto está fazendo
algo, porque está respondendo verbalmente às suas atividades motoras.
Assim, a fase do monólogo, da fala egocêntrica, está associada à atividade
motora, vindo a desaparecer quando na criança surge o pensamento lógico e a
fala socializada128. É bem verdade que o cada vez mais referido Vigotsky tem
compreensão diferente, pois entende que a fala é desde o início uma atividade
social, global e multifuncional.129
Apesar dessa objeção, podem-se perceber vestígios da fala egocêntrica
nas primeiras redações produzidas pelas crianças, nas quais predomina o
expressivo, isto é, a função expressiva da linguagem, que exterioriza o
emotivo, centrada no falante, no eu. Esclarece a autora que ora se acompanha
que os gêneros que se voltam para a segunda (formas de convencimento) e
para a terceira (textos voltados para um referente) pessoas do discurso só
aparecem posteriormente:
Nessa fase inicial, mesmo quando a instrução é explicitamente dirigida para a produção de um discurso de terceira pessoa (por exemplo a estória de um tomate), a criança envolve-se em um discurso expressivo, em que ela é o principal sujeito.130
Importante papel no desenvolvimento das aptidões de fala é a interação
social, principalmente com os pais. Das diferentes formas de interação com os
adultos (quando o adulto toma qualquer manifestação motora da criança -
como um bocejo, por exemplo – com um termo de conversação, quando o
adulto simula a parte da criança na conversação, quando o adulto desenvolve
tópico iniciado pela criança, quando complementa e corrige a fala da
128 KATO, Mary A.., p. 114 129 Idem, ibidem, p. 114 130 Idem, ibidem, p. 115
criança131), a mais importante é a de complementação e correção, até porque é
um tipo de interação bastante freqüente nas situações de ensino e de
aprendizagem.
Outro aspecto significativo na aquisição da linguagem, e que deve ser
levado em conta na aquisição da linguagem escrita, é o papel do jogo e da
estória, pois, segundo Piaget, o pensamento lógico e a fala socializada devem
ser precedidos da capacidade lúdica e imaginativa da criança.132 A autora que
se vem acompanhando, no mesmo passo, ratifica essa visão com o
pensamento de Bruner e de Vigotsky. Observa, então, que a aprendizagem da
escrita envolve esse tipo de capacidade, sugerindo que a um dos fatores que
produzem a dificuldade de alfabetização poderia ser a falta de estimulação
para o jogo e para a brincadeira, em fase anterior à da alfabetização. A ficção,
em particular, desenvolve a capacidade de concentração da criança,
permitindo-lhe um afastamento do contexto imediato e particular.133
Um último aspecto, considerado pela autora como fundamental para a
aquisição e domínio da língua escrita, é o papel da consciência. Examinando o
tema, discorda da concepção behaviorista de que a aprendizagem se
caracteriza pela internalização inconsciente de hábitos. Apóia-se na visão de
Chomsky, pela qual a consciência tem um papel importante no conhecimento
lingüísitico, o que também é o pensamento de Piaget, para o qual ter
consciência de uma operação mental é saber transferir algo do plano de ação
para o plano da linguagem, de modo que, quando diminui a presença da fala
egocêntrica, a criança dá um salto qualitativo em seu desenvolvimento
cognitivo precisamente através da consciência.134
A autora procura examinar os motivos pelos quais aprender a ler e a
escrever não é tão fácil como aprender a ouvir e a falar , embora a linguagem
escrita seja parcialmente semelhante à fala (ponto em que discorda da visão
anteriormente examinada de Emília Ferreiro, para quem a escrita é um outro
sistema de representação, diferente do código oral), e embora os processos de
131 KATO, Mary A.., op. citp. 116, a partir das pesquisas de H. H. Clark e E. V. Clark 132 Idem, ibidem, p. 117 133 Idem, ibidem, p. 117 134 Idem, ibidem, p. 117
compreensão e de produção na escrita sigam os mesmos postulados para a
fala (visão também discordante da expressa por Emília Ferreiro).135 Examina,
então três fatores que se apresentam interligados e que determinam essa
dificuldade maior.
O primeiro deles são os antecedentes sociais e dialetais da criança, que
traz para a escola sua bagagem cognitiva, na qual estão inseridos tais
antecedentes. Para a criança, desautomatizar o uso do próprio dialeto para
amoldar sua produção à norma prescrita pela escola é um processo lento e
gradual. Em vez de propor que se exija da criança, desde o início, um
comportamento, em produção, de acordo com os cânones da gramática e das
convenções ortográficas, ou de propor que se adote uma posição facilitadora
da alfabetização no dialeto da criança, a autora sugere que a iniciação na
leitura se dê através de textos autênticos, escritos na norma padrão e que a
produção escrita inclua um período inicial em que haja, por parte da escola,
uma larga tolerância em relação aos desvios de ordem dialetal.136
Um segundo aspecto é a experiência individual com a linguagem que a
criança já tem ao entrar na escola. Desprezando fatores como nível de
desenvolvimento oral ou como status social dos pais, a autora dá maior relevo
ao empenho dos pais na introdução da criança no mundo da escrita, através da
prática de leitura oral ou de respostas e perguntas sobre a escrita. O maior
problema que as crianças apresentam quanto a esse aspecto é que o tipo de
experiência oral na fase de iniciação escolar é geralmente limitado a ouvir e a
participar da conversação diária espontânea, mas na escola, os livros didáticos
supõem uma familiaridade com outros tipos de linguagem, que exigem alto
grau de afastamento do contexto imediato e particular que a criança vive.137
Um outro fator de dificuldade para a aquisição da língua escrita é a
necessidade, que a criança passa a experimentar na escola, de passar por
diferentes gêneros discursivos. Observa, porém, que uma criança que tenha
tido uma boa experiência com estórias, tanto ouvidas quanto contadas por ela
135 KATO, Mary A.., p. 121 136 Idem, ibidem, p. 123 137 Idem, ibidem, p. 127
própria, contará, a seu favor, com uma fonte facilitadora, que lhe permitirá
considerar possibilidades diferentes do contexto particular imediato.
Nesse ponto, cumpre trazer ao esclarecimento da questão importante
observação de Sérgio Roberto Costa, segundo a qual ler é mais do que um
processo de relacionar símbolos escritos a unidades de som; ler é um processo
de construir sentidos, que envolve desde a decodificação de sílabas ou
palavras até a capacidade de ler textos propriamente. Em igual medida,
escrever é mais do que promover um registro de unidades de som; é a
capacidade de transmitir significado a um leitor, de forma adequada. Por isso,
ler e escrever apresentam sempre uma dimensão significativa.138
É esta idéia de aprendizagem significativa que Amélia Escotto do Amaral
Ribeiro procura sustentar. Em seu trabalho139 , busca especificar a dimensão
significativa da aprendizagem, identificando as três matrizes do pensamento
educacional em que se apóia essa ênfase. Em primeiro lugar, identifica os
movimentos pedagógicos renovadores do princípio do século XX, que vêem o
aluno como o verdadeiro agente e o responsável pelo seu próprio processo de
aprendizagem, invertendo a posição tradicional que considerava como agente
e responsável pela aprendizagem o mestre. A segunda matriz que identifica
está ligada ao pensamento de Bruner, que formula a hipótese de aprendizagem
por descoberta e as propostas pedagógicas que afirmam que o aluno adquire
conhecimento por seus próprios meios. A essa visão acrescenta, como terceira
matriz, as propostas pedagógicas pautadas nos métodos ativos, em que
compreender é inventar ou reconstruir a invenção, principalmente baseadas
nas pesquisas de Piaget e nas contribuições sobre curiosidade epistêmica e
atividade exploratória no domínio das teorias da motivação e o ensino não
diretivo, como formuladas por Rogers, que sugerem uma reação à dominância
da aprendizagem extrínseca.140
138 COSTA, Sérgio Roberto. Op. cit., p. 28 139 RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral. Das aprendizagens e das metodologias de ensino ... dilemas da gestão escolar. In: MELLO, Maria Cristina de & RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral (org.). Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004 140 Idem, ibidem, p. 108-109
Reconhece, porém, que a expressão aprendizagem significativa é
conceitualmente imprecisa; para precisá-la são apontados três aspetos. O
primeiro deles é que a aprendizagem escolar é construção de significados, ou
seja, a aprendizagem é um processo de construção de significados; só se
aprende um conteúdo quando se lhe pode atribuir um significado, as a
atribuição de significado é questão de grau, de modo que as atividades
escolares devem o mais significativas possível141. Considera, a seguir, os
aspectos ligados ao significado e ao sentido na aprendizagem escolar; para a
autora, há um conjunto de fatores que desempenham papel na mobilização dos
conhecimentos prévios dos alunos, sem os quais não se pode compreender os
significados construídos pelos alunos, as interpretações se constróem,
modificam-se no decorrer da própria atividade de aprendizagem.142 O terceiro
aspecto articula os conceitos de ensinar, aprender, construir e compartilhar,
pois é preciso levar em conta as interpretações subjetivas que os alunos
constróem a esse respeito, que resultam dele próprio; o professor, nessa
ordem de compreensão, é visto como orientador da ação didático-
pedagógica.143 Apesar dessa aparente redução, o papel do professor vai muito
além do mero uso de metodologias facilitadoras. A grande metodologia do
professor consiste precisamente na auto-reflexão.144
De forma mais prática, um grupo de professoras da Escola Adlai
Stevenson, após desenvolver atividades sobre com o uso doe jornais e revistas
em sala de aula, chegou a algumas conclusões altamente significativas.145
141 RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral, p. 109 142 Idem, ibidem, p. 110 143 Idem, ibidem, p. 111 144 Idem, ibidem, p. 114 145 EQUIPE DE PROFESSORES DA ESCOLA MUNICIPAL ADLAI STEVENSON. Mídia escrita e letramento: jornais e revistas na sala de aula. In: MELLO, Maria Cristina de & RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral (org.). Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004
Chegaram à conclusão de que ler é muito mais do que decifrar, é uma
interlocução entre sujeitos, pois os sentidos não estão predeterminados no
texto, mas são construídos a partir do texto.146 Em razão disso, identificaram
várias formas de relacionamento do estudante com o texto. A primeira delas é
a leitura como busca de informação, hipótese em que o estudante busca
responder à pergunta para quê, isto é, tem como objetivo encontrar a
informação desejada. Uma segunda forma de relacionamento é a leitura como
estudo do texto, em que o estudante busca extrair do texto todas as
possibilidades. Acrescentam ainda uma forma de relacionamento em que o
texto figura como pretexto na busca de elementos que o auxiliem na
organização de suas idéias, de seus argumentos. O estudante pode chegar a
se relacionar com o texto em busca de fruição, pelo prazer de ler, sem nenhum
tipo de compromisso. Por fim, e seria o estágio desejado, o estudante pode
buscar o livro por uma necessidade íntima que escapa ao simples âmbito
escolar e se insere em suas necessidades do dia-a-dia.147
Para finalizar estas considerações sobre as dificuldades de aprender a
ler e a escrever, examinem-se alguns mitos muito comuns entre os professores
e que podem influenciar negativamente o processo de ensino e de
aprendizagem da leitura e da escrita.
Alexandre do Amaral Ribeiro, após estudar os diferentes fatores que
dificultam a aprendizagem do uso escrito da língua, discutindo mesmo se há
possibilidade de tal conhecimento ser ensinado, resume os principais mitos
cultivados pelos professores, de forma tão solidificada que, quase sempre,
aparecem, ainda que de forma implícita no quotidiano escolar.148 Tais mitos
eventualmente são formulados de maneira diversa, sem que seu conteúdo seja
significativamente alterado.
O primeiro desses mitos é há uma resposta pronta e uma solução
universal para os problemas de aprendizagem. É bem verdade que é muito
146 EQUIPE DE PROFESSORES DA ESCOLA MUNICIPAL ADLAI STEVENSON. Op. cit., p. 133 147 Idem, ibidem, p. 133 148 RIBEIRO, Alexandre do Amaral. Descontruindo a pergunta “É possível ensinar a ler?”: anotações a partir da Psicopedagogia e da Lingüística, ou “Não adianta trocar o espelho se não for trocada a imagem”. In: MELLO, Maria Cristina de & RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral (org.). Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004, p. 89 e segs.
comum ouvir-se dos professores o reconhecimento de que cada um aprende
de uma forma; entretanto, esse discurso freqüente não se manifesta no
comportamento cotidiano; alguns professores não conseguem lidar bem com a
ausência de livros didáticos; outros demonstram dificuldade em lidar com
instabilidades cognitivas do momento de construção do conhecimento; é
comum haver dificuldade em compreender as distinções entre o planejamento
e a execução; costuma ocorrer o que o autor denomina hiperdidatização das
relações de aprendizagem, que se manifesta num apego excessivo a formas
fixas dos conteúdos, à ordem rigorosa em que devem ser ministrados, na
suposição de que não é possível dominar o conhecimento seguinte sem o
conhecimento anterior, o que, não raro, conduz o professor à tradicional
reclamação de falta de base do aluno.149
Outro mito freqüente é o de que basta interagir com outros profissionais,
escutar/trocar relatos de experiência para obter através de exemplos de
atividade a solução para um problema de aprendizagem específico. Nem
sempre os professores estão atentos ao fato de que existe sempre a
necessidade de fazer adequações teórico-metodológicas das experiências
relatadas aos casos específicos; é comum os professores se fixarem apenas
nas necessidades e soluções práticas, deixando de atentar para a necessidade
ainda maior de transformar a troca de experiências em oportunidade de
discussão teórica.150
Outro mito, de fundamento até generoso é o de que os desafios, de
ordem econômica, vivenciados pelos alunos e seus familiares são os fatores
determinantes de seus problemas de aprendizagem. Há generalizada uma
tendência de justificação do fracasso escolar pela via da piedade: atribuição da
culpa da não aprendizagem à pobreza. Devem estar os professores
conscientes de que a escola não dá conta, sozinha, dos problemas sociais;
preparar aluno crítico não é preparar aluno reclamador, gritador, irritadiço.151
149 RIBEIRO, Alexandre do Amaral. Op. cit., p. 89-93 150 Idem, ibidem, p. 93 151 Idem, ibidem, p. 94-96
Um quarto mito, muito próximo do segundo é o de que teorias não
servem para nada, pois toda vez que precisamos aplicá-las nunca dão certo
em sua totalidade. Trata-se de ledo equívoco: na realidade, teoriza-se o tempo
todo, pois teorizar é pensar: o tempo todo se trabalha com hipóteses, variáveis,
premissas, leis; há uma armadilha no discurso que rejeita a teoria, pois a
ausência de teoria (planejamento) é um dos fatores que dificultam o trabalho
docente. Mais grave ainda é que o próprio aluno é contagiado pela aversão à
teoria, recusando-se a ler, fazer discussões, etc.152
Por fim, um mito ardiloso; é o de que é preciso respeitar a cultura de
origem do aluno e seus interesses, utilizando-se de uma linguagem simples e
de atividades lúdicas diversificadas. Não se pode negar que é necessário haver
respeito com as diferenças, mas o discurso do respeito à cultura de origem
pode constituir numa forma de segregação, condenando-o a permanecer
indefinidamente no estágio em que se encontra, segregado do saber que a
civilização construiu; respeitar a cultura do aluno é tratá-la sem preconceito153
152 RIBEIRO, Alexandre do Amaral. Op. cit., p. 94-96 153 Idem, ibidem, p. 100-101
CONCLUSÃO
Da exposição precedente, é possível extrair algumas conclusões.
A primeira delas é que o fenômeno da escrita está indissociavelmente
ligado ao fenômeno da civilização, da mesma forma que o uso de linguagem
está indissociavelmente ligado ao conceito de ser humano. É com a escrita que
marca o aparecimento das civilizações como hoje se concebe este termo.
Também, e de forma taulogicamente circular, a escrita só é possível de existir
no espaço de civilização.
Se a história da escrita pode ser traça com relativa segurança, tal não se
dá com a história da linguagem humana. Suas origens continuam sendo um
mistério para a ciência e as explicações, tão numerosas e presas a tantas
linhas diferentes de indagação, não conseguiram superar o terreno das
hipóteses.
Outra conclusão que se impõe é que a escrita alfabética, fonética,
constitui um aparelho superior de aquisição e de transmissão de saber. Isto
não quer dizer que outras formas de escrita, como a ideogramática e a
silabária, ainda hoje presentes em tantos povos, deixem de ser eficientes. A
adesão quase universal, porém, aos sistemas fonéticos atestam, pelo grau de
abstração que configuram uma capacidade mais ampla de expressar o
pensamento humano, de tal forma que alguns povos que tradicionalmente se
valem de outras formas de escrita, nos últimos tempos, têm simplificado seus
sistemas e mesmo procurado abandoná-los para adotarem o sistema
alfabético.
Pôde-se concluir também, da pesquisa que se empreendeu, que a
noção de alfabetizar não é contemporânea do aparecimento da escrita. É muito
posterior. Durante séculos, não só aprender a ler estava dissociado de
aprender a escrever, como o aprendizado da escrita, reservado a determinadas
categorias de cidadãos, estava mais próximo do domínio de uma arte.
A necessidade de se promover a alfabetização trouxe até uma
conseqüência de ordem prática: a escrita foi obrigada a se simplificar. Os
ornatos, a letra caprichosa, os instrumentos delicados de escrita tiveram que
ser eliminados e substituídos.
Ao se aproximar a segunda metade do século XX, universalizou-se o
conceito de que o domínio da língua escrita era um direito fundamental do ser
humano e uma necessidade absoluta da sociedade. Assim, começaram a
surgir as campanhas de alfabetização e a instituição escola, responsável
primeira pela alfabetização se multiplicou pelo mundo.
Mas também, já por essa época, começaram a se detectar fragilidades
na simples alfabetização, compreendida como o domínio prévio de
determinadas técnicas de decifração e de codificação, necessário ao ingresso
no mundo da leitura. Havia generalizada a noção de alfabetizar-se era dominar
uma técnica neutra, independente de qualquer conteúdo ou contexto. A
evidência dos fracassos na alfabetização de adultos, dos quais número
expressivo regressava à condição de analfabeto, e a constatação de que a
escola universal e popular, com suas técnicas tradicionais, não tinha condição
de agregar ao mundo da escrita as mais largas faixas da população, os pobres,
colocou em cheque o ideal de alfabetização e suas práticas.
O próprio termo alfabetização passou a ser criticado e se propôs sua
substituição pelo conceito de letramento. Não é, contudo, uma posição
unânime entre os que defendem essa abordagem, muitos considerando
desnecessária a substituição e outros, ainda, vendo a alfabetização como parte
do processo de letramento, mais amplo e duradouro.
A noção de letramento parte de duas concepções básicas. A primeira é
a de que o domínio da língua escrita não pode ser dissociado de seu conteúdo,
ou seja, o processo de aquisição do código escrito deve ser, necessariamente,
contextualizado e significativo. A segunda concepção é a de que o código
escrito não é um código segundo, destinado a reproduzir visualmente um outro
código, o oral. Antes, trata-se de uma outra forma de representação da
realidade, por isso, a mera correspondência entre os signos orais e os signos
gráficos está absolutamente fora da realidade.
Esta última concepção, contudo, apesar de majoritária, não é também
unânime entre os defensores do conceito de letramento. Entre a idéia de que o
código escrito apenas reproduz o código oral e a idéia de o código escrito é
uma outra forma de representação, cresce a idéia matizada de que a língua
escrita tem, em relação à língua oral, uma autonomia relativa.
De qualquer maneira, o conceito de letramento impõe ao professor, em
especial ao alfabetizador, uma retomada de consciência, de modo que seja
capaz de introduzir em seu fazer diário a preocupação com uma aprendizagem
de fato significativa para seus alunos. De outro lado exija que reconheça, caso
existam em si, e deles se dispa, o muitos mitos, gerados no próprio curso do
avanço da escolarização, que envolvem e sacrificam a prática de se ensinar a
ler e a escrever.
BIBLIOGRAFIA
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BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1994
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COSTA, Sérgio Roberto. Interação, alfabetização e letramento: uma proposta de/para alfabetizar, letrando. In. MELLO, Maria Cristina de & RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral (org.). Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004
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KATO, Mary A.. No mundo da escrita – uma perspectiva psicolingüística. 2 ed. São Paulo: Ática, 1987.
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MOL, Venâncio. Lingüística em Logopedia. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1971
MOUNIN, Georges. História da Lingüística – das origens ao século XX. Trad. F. J. Hopffer Rêgo. Porto: Edições Despertar, 1970
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RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral. Das aprendizagens e das metodologias de ensino ... dilemas da gestão escolar. In: MELLO, Maria Cristina de & RIBEIRO, Amélia Escotto do Amaral (org.). Letramento: significados e tendências. Rio de Janeiro: Wak, 2004
SOARES, Magda B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica/CEALE, 1998
TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995
ANEXOS
Anexo 1 – Textos transcritos por Leda Verdiani Tfouni Anexo 2 - Quadro esquemático apresentado por Venâncio Mol Anexo 3 – Lista de eventos culturais
Anexo 1 – Textos transcritos por Leda Verdiani Tfouni
Texto n.º 1
“Prezados Professores:
Ao adentrarmos neste sexto mês do ano, as festividades, justificadamente, juninas se iniciam. A nossa Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras acompanha esta tradição brasileira, promovendo no dia 15 de junho, a partir das 20:hs um evento desta natureza.
Convidamos, então com grande prazer, a sua pessoa, para esta festividade, a ser realizada pelos alunos desta Faculdade.
Tradicionalmente, o Centro de Estudos Psicológicos (CEP) se encarregará da barraca de doces, visando obter dividendos para futuras promoções de eventos que interessam aos alunos que representa.
Neste sentido, gostaríamos d contar com a sua colaboração, de qualquer natureza, para com a barraca do CEP.
Em nome dos alunos da Psicologia, agradeço sua atenção e compreensão. Sem mais para o momento, me dispeço.
Atenciosamente”.
Texto n.º 2
“Reajuste dos salários – Mês de Maio = 46%
Of. GR/CIRC/72, do Magnífico Reitor, informando que o índice definitivo da inflação de abril (IPC- FIPE = 28,74%) e a estimativa para maio (1ª quadrissemana = 28,8%) e o compromisso de recuperar o salário real de maio de 1992, o reajuste dos salários a serem créditos [sic!] no dia 04 de junho foi alterado para 46%”.
Texto n.º 3
“Nem...*
Fazer crônica não é escrever palavras bonitas nem construir frases de efeito, nem falar dos inimigos, nem elogiar amigos, nem descrever paisagem, nem contar casos querendo dar a impressão de verdadeiros, nem procurar assunto na falta de assunto, nem encher uma folha e dizer que o dólar está subindo, nem responder uma carta de amigo, nem inventar cartas subindo, nem inventar cartas para fingir que recebeu, nem tentar convencer os outros que em tudo há poesias, como eu estou querendo fazer, nem achar tudo triste, nem achar tudo alegre, nem falar da sua solidão, nem dizer o que fez ontem ou aumentar seus vícios, nem desabafar seus problemas, nem tirar conclusão de coisa alguma.
E você consegue fazer uma crônica sem nada disso? Claro!
Olha aí pra cima”.
* Nota da autora: Foram feitas correções gramaticais no texto, em função de solicitações do próprio autor, e dentro das diretrizes metodológicas propostas para o trabalho de alfabetização, que seguem o sociointeracionismo e a teoria da análise do discurso
Anexo 2 QUADRO ESQUEMÁTICO APRESENTADO POR
VENÂNCIO MOL (Capítulo 1)
1.2. Hipóteses sobre a origem da linguagem
Período geológico
Forma de vida
Período cultural
Caract. do pens.
Carac. lingüística
Carac. mental
Q. I. Idade mental
arqueano Formas unicelulares
Pré-cambriano
Vermes algas
Cambriano Ordoviciano
siluriano devoniano carboífero permiano
Moluscos insetos corais
crustáceos anfíbios fetos
Triássico jurássico cretáceo
Répteis Aves
árvores
Eoceno 40 milhões de
anos
Primatas pliopteco
Pens. Institintivo ou
sensório
Sons inarticulados
idiota Zero a 39 Zero a 6 meses
Oligoceno 20 milhões de anos
Proconsul dripiteco
Pensamento primitivo
Sons +- inarticulados
imbelicil 40 a 44 45 a 49
6 a 8 meses 8 a 10 meses
Mioceno 14 milhões de
anos
Oreopiteco ramapiteco
Pensamento primitivo
Sons +- inarticulados
Debilidade mental
profunda
50 a 59 10 a 12 meses
Plioceno 5 milhões de
anos
parantropo Pensamento primitivo
Sons articulados
Debilidade mental
superficial
60 a 64 1 a 2 anos
Pleistoceno 2 milhões de
anos
Australopiteco Pitecantropo homo
Paleolítico inferior
Pensamento arcaico
Linguagem falada
Debilidade mental
superficial
65 a 79 2 a 3 anos
holoceno Neandertal cormagnon
Paleolítico superior
paleolítico inferior
Pensamento mágico
pensamento egocêntrico
Linguagem falada
Inteligência inferior
inteligência inferior
80 a 84
85 a 89
3 a 5 anos
5 a 7 anos
Homo sapiens
Civilização Pensamento lógico
Linguagem escrita
Inteligência normal até
gênio
90 a 150 7 anos em diante
Anexo 3 – Lista de eventos culturais
Anexo 3 – Lista de eventos culturais
Anexo 3 – Lista de eventos culturais
Anexo 3 – Lista de eventos culturais
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO I – A ESCRITA NUMA PERSPECTIVA
HISTÓRICA 10
1.1. Linguagem, civilização, escrita 10
1.2. Hipóteses para a origem da linguagem 12
1.3. Para uma história da escrita 20
1.3.1. Sistemas de escrita 21
1.3.2. A escrita egípcia 25
1.3.3. A escrita chinesa 27
1.3.4. O papel dos sumérios e acádios 30
1.3.5. A invenção fenícia 32
1.3.6. A inovação grega 33
CAPÍTULO II – A ALFABETIZAÇÃO 36
2.1. Da escrita como arte à alfabetização 36
2.2. Breve história da alfabetização 42
2.3. A sucessão dos métodos de alfabetização 48
CAPÍTULO III – O LETRAMENTO 53
3.1. Conceito de letramento 53
3.2. O letramento escolar 58
3.3. A contribuição de Emília Ferreiro 68
3.4. Como se aprende a ler e a escrever 75
CONCLUSÃO 84
BIBLIOGRAFIA 87
ANEXOS 89
Anexo 1 – Textos transcritos por Leda Verdiani Tfouni 90 Anexo 2 - Quadro esquemático apresentado por Venâncio Mol 92 Anexo 3 – Lista de eventos culturais 93
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
MONOGRAFIA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO por
Zilda Carolina Vargas Gitahy
Orientadora Profª. Diva Nereida Marques Machado Maranhão
Data da entrega: _________________________________ Avaliado por: ___________________________________Grau ___________
Rio de Janeiro, _______ de _______________ de 2005
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