as justificativas do
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No "Consultório Médico" do Dr. Tepedino: Representações dos Corpos Doentes no
Jornal Popular O Diário da Noite
Gabriel Kenzo Rodrigues1
gabrielk.rod@gmail.com
O presente trabalho procura analisar a instituição das normas médicas na
sociedade paulistana na década de 1930, a partir de uma perspectiva do cotidiano da
época. Diferentemente da maneira como os corpos doentes eram representados nos
tratados médicos, nos artigos científicos, nos jornais especializados e em outros
documentos institucionais, buscamos trazer as representações desses corpos em uma
coluna de jornal, presente no O Diário da Noite, intitulada O Consultório Médico do Dr.
Tepedino. Com efeito, o discurso produzido em resposta às demandas dos doentes se
aproxima da linguagem popular e da prescrição de medicamentos populares. Esta forma
de atuação clínica se encontra no intermédio entre a medicina oficial e a medicação
popular, que vinha ganhando cada vez mais terreno, sobretudo com o desenvolvimento
da incipiente indústria farmacêutica. Há uma maior aproximação com o cotidiano da
época e com a forma como a norma médica o adentrou. Diferentemente das medidas
impositivas que eram aplicadas de forma policialesca – tema já bastante abordado na
historiografia – aqui, percebe-se uma aproximação entre a comunicação popular e a
comunicação técnica, fato decorrente desta posição peculiar da coluna médica presente
em um jornal popular de ampla tiragem.
No total foram analisadas 173 colunas, com temáticas variadas que incluíam
questões relativas à eugenia, à sífilis, ao alcoolismo, à saúde nupcial, ao “instinto”
feminino, à sexualidade, à timidez e aos descompassos decorrentes do ambiente urbano.
Esta variedade temática demonstra uma cidade heterogênea em termos de doenças, mas
também em relação às restrições médicas impostas para se confirmar uma moral calcada
no elogio ao trabalho, no pudor e recato feminino, na contenção dos prazeres e na
preservação de um ideal de família nuclear com os papéis de gênero sedimentados.
1 Mestre em História Social pela PUC-SP
As justificativas do modus operandi se encontram adiante, em um dos vários
momentos em que o Dr. A. Tepedino expôs os motivos de seu trabalho.
De accôrdo com o que já deixamos dito, passaremos hoje a responder às cartas-
consultas que nos foram endereçadas alhures.
Manteremos sempre o mesmo ponto de vista: beneficiar os que dispõem de
parcos recursos. Nos tempos que correm, a doença que é para os ricos simples
episodio torna-se para o pobre, para os que dispõem de limitado orçamento um
problema de difficil solução. Recorrer à Polyclynica ou à Santa Casa é cousa
que não se coaduna com certos espíritos – e é muito natural que um pae de
familia, um modesto serventuario publico, procure não privar a sua receita, de
per si tão módica, de quantia que, quasi sempre, irá fazer falta para outros fins
indispensaveis [...] Ademais, a funcção de uma Secção Medica, feita com
consciencia, não é sómente material, physica. Ha tambem – e muito mais
importantes – a parte psychologica suggestiva e a parte educativa. Pede-se que
se divulguem noções sobre todos os ramos das artes, da sciencia, etc.. Sobre a
medicina – a arte de conservar a saúde e a vida (physica e espiritual) – ha
sempre quem faça restricções... E’ um modo curioso de apreciar as cousas.
Felizmente, esta myopia intellectual só attinge uma pequena “entourage”. Os
grandes medicos, os que sao clinicos de verdade não se preoccupam com
cousas de somenos.
A “Columna Medica” que se propõe continuar na mesma directriz de sempre
irá lembrar aos moços noções geraes de hygiene, de eugenia, como sempre o
tem feito. Com estas credenciaes – que são deveres – pedimos vênia para dar
inicio à nossa columna de consultas e respostas.
(Diário da Noite, 04/07/1935)
O Dr. Tepedino respondeu às dúvidas dos leitores, até o dia 22 de março de 1937,
acerca de questões médicas, ou “tudo quanto lhe for perguntado sobre medicina em
geral”, todas às 2as e 5as feiras da semana.
O sistema de funcionamento da coluna era muito simples, o leitor enviava uma
carta para o consultório de Tepedino na R. São Bento, nº 17, utilizando um nome fictício,
para garantir o anonimato, mas possibilitar a identificação. Nesta carta, a pessoa descrevia
os seus sintomas e, a partir da leitura destes, o Dr. Tepedino elaborava a anamnese sem a
presença do paciente, anunciando na coluna a terapêutica necessária para o enfermo.
Como mencionado no trecho acima, era dito na coluna que o seu objetivo principal
era “beneficiar os que dispõem de parcos recursos”, tanto que, segundo consta em alguns
anúncios do Dr. Tepedino, estes teriam um horário em seu consultório para atendimento
gratuito (todos os pacientes que não pudessem arcar com as despesas de uma consulta
clínica particular). Utilizando-se desse mote do atendimento às classes menos
favorecidas, o Dr. Tepedino prescreverá alguns medicamentos - considerados mais
baratos que outros disponíveis no mercado e com efeitos superiores – em praticamente
todas as edições da coluna do “Consultorio Medico”, medicamentos inclusive, que eram
anunciados no jornal O Diário da Noite, como, por exemplo, o Tônico Nervét, o regulador
feminino Tanagrán, o medicamento para descompassos estomacais Gastrozón e a loção
anticaspa e antiqueda Kin-Eon.
O Tônico Nervét foi prescrito em todas as colunas analisadas, sendo aconselhado
para os mais diversos sintomas. Tendo em vista o grande número de cartas respondidas
figurando no âmbito do esgotamento nervoso, debilidade mental e falta de memória –
males que seriam próprios do ambiente urbano paulista -, o Tônico Nervét é anunciado
na mesma lógica dos anúncios de medicamentos que vimos anteriormente. Temos, por
exemplo, a resposta a uma pessoa que utilizou o codinome “Exgotado”, em que se lê:
Depois do Carnaval... o exgotamento dos nervos e dos musculos não deve ser
“avis rara” o melhor que tem agora a fazer é seguir a risca os dizeres mui
criteriosos de sua carta bem redigida. Retirar-se para um lugar ermo onde não
chegue o ruido da metropole e “só consiga peneirar a saudade dos dias” ... de
semi-loucura collectiva é uma providencia que se impõe. Dizem os medicos
especialistas que difficilmente um nervoso psychoemotivo se afasta da cidade
e de seu barulho [...] Não será, entretanto esse o caso do presado consulente
que, sem tardança, irá gosar relativo repouso em um ambiente socegado, livre
dos “incêndios” da Paulicéa... Como medicamento revigorador irá usar o
Tonico Nervét que, pelos phosphatos e pela kóla, dará aos seus nervos
quebrados o tôno que lhes falta no momento. Os phosphatos - é sabido –
representam o nucleo da resistencia organica e a kóla é o medicamento-
alimento que usam os rijos atravessadores dos desertos africanos. Kóla e
phosphatos, em honesta dosagem e criteriosa manipulação formam as linhas
mestras do Tonico Nervét que irá dar ao seu cansaço o remedio adequado e
rapido. (Diário da Noite, 29/02/1936)
Assim, o tônico é anunciado em época de carnaval como reconstituinte das
energias, não apenas daquele que envia a carta-sintoma, buscando uma terapêutica, mas
também para todos aqueles que se encontram em situação semelhante e leem o conteúdo
escrito pelo Dr. Tepedino. O diferencial da coluna para o anúncio “popular” é a ênfase na
relação individualizada, que busca representar efetivamente um consultório médico, em
que há anamnese, diagnóstico e prescrição terapêutica, em um aparente acordo de
confidencialidade entre o paciente e o médico.
O tônico era receitado para um sem-número de enfermidades, e quando não havia
relação entre os seus efeitos e a agrura presente, buscava-se remediar os sintomas
secundários para sanar o problema principal, como por exemplo, neste caso em que se
discute a questão da esterilidade conjugal:
E’ sabido que ha esterilidade curavel entre os fracos e entre os deficientes
sexuaes. Vimos que ha casos favoraveis de deficiencia espermatica que se
beneficiam positivamente com a moderna therapeutica dos hormonios, dos
nervinos, typo Tonico Nervét, etc., etc. O essencial é que haja constancia na
medicação. Os asthenicos, os exgotados de nervos são susceptiveis de
melhoras sensíveis quando se submettem ao tratamento especializado. (Diário
da Noite, 15/05/1939)
Neste caso, estabelece-se uma relação entre a astenia sexual/esgotamento nervoso
- as quais o tônico sanaria com a inserção de fosfatos no organismo - e a deficiência
espermática que gera a esterilidade masculina.
Como vimos anteriormente, as questões que afligiam o sexo masculino não eram
representadas da mesma forma que as questões que afligiam as mulheres, muito embora,
às vezes possuíssem uma causa etiológica comum e até sintomas iguais. Na coluna
“Consultório Médico” veremos esta mesma lógica se aplicar, quando surge a publicação
de uma série de sintomas remetendo às mesmas questões de nervosismo, neurastenia e
esgotamento, no entanto, quando direcionadas ao sexo feminino, o medicamento indicado
será frequentemente o Tanagrán, caracterizado de maneira geral como “regulador
feminino”. Portanto, uma resposta direcionada à Margarida diz o seguinte:
E’ preciso cuidar do systema nervoso. Durante 2 mezes: Tanagrán às refeições
e empôlas diárias de Neurosthenyl Granado, alternados com Sôro Lipotonico
fem. L.B.C – isto é: um dia de uma, outro dia de outra. Passeios, distracções –
e logo que passas 30 dias em Santos. (Diário da Noite, 29/08/1936)
A mesma debilidade nervosa que era combatida nos homens com o Tônico Nervét,
nas mulheres era combatida com o uso do Tanagrán, que era elogiado por possuir os
mesmos componentes do tônico, ou seja, a noz de cola, noz vômica e os fosfatos,
conforme se esclarece na resposta abaixo:
Vaidosa – Diz bem... A saude geral precaria traz velhice precóce com os
cabellos brancos, com a tez flacida, com o busto sem belleza. A pelle secca
com tendencia a rugas prematuras – symptoma que mais tortura a consulente
– raramente falta. De haste fraca, sem vitalidade, não se póde, porém desejar
que desabroche flor de maravilhosa belleza... Os jardineiros que isto sabem
não esmorecem, emquanto não modificar no bom sentido o trophismo da
planta. Com a tez o mesmo se dá... E’ de mister em seu caso, dar ao organismo
nova orientação. Durante dois mezes fará, diariamente, uma empôla de
vitamina Lorenzini. A’s refeições irá usar – Tanagrán – optimo fortificante
feminino que contem phosphatos, nós vomica, nós de kola, hormonio ovarico
e paratyroideo. (Diário da Noite, 06/03/1937)
É estabelecida uma relação entre velhice – que representa a perda da beleza
feminina, elemento definidor da posição social da mulher no período – e uma suposta
necessidade de fortificante, que é prescrito sem maiores explicações ou elucidação dos
sintomas exatos que irá tratar.
No entanto, o essencial da coluna “Consultório Médico” não se encontra na
questão dos medicamentos que são prescritos constantemente para os mais diversos
sintomas que aparecem, mas devemos atentar para o fato de que qualquer descompasso
apresentado torna-se um sintoma e, portanto, merecedor de prescrição médica, seja esta
a indicação de um medicamento, a escolha de uma determinada dieta, a leitura de um
livro, o refúgio em um local aprazível etc. Assim, consolida-se a ideia de que toda pessoa
é um doente em potencial, até que se prove o contrário (o que raramente ocorrerá), e “se
o médico se tornou um perito em todos os assuntos públicos e privados, é porque toda
pessoa saudável é um doente que se ignora” (Moulin, 2006, p. 19).
Neste sentido, a coluna do Dr. Tepedino nos auxilia a compreender como o
discurso clínico passa a reger o cotidiano da população, adentrando nas mais diversas
esferas. Mesmo que não siga o modelo clínico tradicional, o caráter público do
“Consultório Médico” demonstra a inserção do discurso preventivo na sociedade paulista,
tendo em vista que qualquer leitor poderia utilizar-se dos conselhos lavrados no jornal.
Desta forma, torna-se claro que a medicalização da sociedade opera no combate aos
sintomas e etiologias – agora com o agravante de não serem apenas físicos, mas também
psicológicos -, mas também opera nos corpos ditos “saudáveis”, através da expansão da
medicina preventiva.
Assim, podemos vislumbrar como a dietética - uma prática tão antiga quanto a
própria medicina, e que havia sido relegada nos últimos séculos -, ressurge no século XX
através deste discurso normatizador e oficial, que até então considerava a questão da dieta,
uma prática alternativa à medicina tradicional (Ory, 2006). Desta maneira, o Dr. Tepedino
prescreve ao “Estudante Esquecido”:
Fructas em jejum. Alimentação rica em peixes, cereaes, legumes, fructas, mel,
leite de Granja, chocolate. Passeios ao sol da manhã. Os raios de Phebo
despertam provitaminas e delas, partem importantissimas funcções que se
ligam á boa memoria. (Diário da Noite, 15/08/1937)
Para um leitor que buscava ganhar peso, são dadas as seguintes diretrizes:
Um Agradecido – Para engordar, fará as empolas de Ilogenina. N.o um e dois
uma empola, meia hora antes do almoço começando naturalmente pela série
inferior. Alimentação rica em lipides e glycides: manteiga fresca, leite gordo
(um copo de 3 em 3 horas), saladas com bom azeite portuguez ou francez, sem
esquecer o italiano... ovos frescos, massas, cereais, chocolates, doces, mel de
abelhas, etc. etc. Internamente, poderá fazer uso do Tonico Nervét –
fortificante rico em fosfatos. O Tonico Nervét pela kola, pela noz vomica dará
um impulso ao apetite... (Diário da Noite, 15/07/1935)
É prescrito então um regime específico e detalhado para uma pessoa que, muito
provavelmente, o Dr. Tepedino obteve contato apenas na troca de cartas. Mas o modelo
dietético encontra-se igualmente disponível para outros leitores, que também estivessem
procurando ganhar peso.
Era também recorrente na coluna a indicação de terapêuticas para problemas
psicológicos resultantes do contexto urbano de São Paulo – como as neurastenias,
esgotamentos nervosos, insônia etc. -, sendo difícil precisar em alguns momentos se o Dr.
Tepedino emitia prescrições terapêuticas ou se dava conselhos de vida para o leitor. O
estabelecimento de uma classificação nosográfica para estes distúrbios que se encontram
no limiar do mal-estar cotidiano e da patologia propriamente dita, traz a possibilidade de
uma intervenção clínica, e consequentemente a medicalização de muitos e variados
momentos do dia a dia da população, sobretudo quando são os próprios pacientes que
constroem o quadro de sintomas, a partir de suas perspectivas subjetivas.
Conforme podemos observar na resposta seguinte, o Dr. Tepedino reafirma a
necessidade de medicalização de uma situação de angústia cotidiana, no caso a
dificuldade financeira do “Comerciante”:
A vida aspera e difícil explica em parte os symptomas de esgotamento e de
asthenia que tanto perturbam a sua vida. O trabalho esfalfante, mal
recompensado age como um fator sério de depressão nervosa; e este effeito é
devido não somente á fadiga mas tambem ás excitações desagradaveis que
estimulam em máu sentido o psychico do individuo. Quem hoje se abalança ás
lides commerciaes, mais do que ninguem está sujeito aos vae-vens da sorte, ás
“intemperies” dos negocios [...] tudo acaba por reduzir á expressão mais
simples a quota de phosphatos do systema nervoso [...] Ninguem mais do que
o commerciante tem necessidade de ideias lucidas e serenas. A sua carta aliás,
repisa com insistencia o facto. A falta de memoria que cita é consequente. Para
melhorar – irá usar, durante dois mezes as injecções de Tonofosfan Bayer –
uma ao dia. A’s refeições usará tambem o revigorisador dos nervos – Tonico
Nervet que contem, além dos phosphatos Schering, a noz vomica: a noz de
kola, optimos restauradores de energia em declinio. (Diário da Noite,
08/08/1936)
A relação entre uma posição econômica privilegiada e uma saúde plena é
estabelecida também em outros momentos da coluna, por exemplo, quando o Dr.
Tepedino escreve que:
A par dos phosphatos que a medicina recomenda (Tonico Nervét, por exemplo,
Bioforina, Phosphatos de Oxford, Fosfosol, etc.) cumpre citar um factor que,
quando se verifica, soe trazer ridente transformação do systema nervoso
esgotado. E’ o factor economico... Repararam os leitores como age
beneficamente uma situação economica prospera e feliz sobre um até então
abatido, esgotado individuo?! (Diário da Noite, 29/03/1937)
Esta relação entre economia e desgaste nervoso é frequentemente reiterada, a
ponto de ser apresentada em um artigo do Dr. Franco da Rocha2 a origem da neurastenia
como o excesso de trabalho resultante do desejo pelo lucro:
A neurastenia nasceu nos Estados Unidos. Lá a febre de caça ao dollar causou
uma depressão nervosa em muitos dos que nella se envolviam, o que foi
baptisado pelo nome de neurasthenia... E aqui, cidade de trabalho intenso,
como nos centros americanos do norte, onde a luta pela vida tras preoccupados
os commerciantes e todos os que têm interesses directos, no rythmo dos
negocios, a neurasthenia faz verdadeiros doentes, exacerbados permanentes,
irritadiços á menor contrariedade, predispostos, emfim, a transformar em
tragedia todos os acontecimentos em que tomem parte. (Franco da Rocha,
Calor, Neurasthenia e Criminalidade. Diário da Noite, 16/01/1930)
Um psiquiatra da época, José Palmério3, também aponta em um dos seus
“Múltiplos fatores de cura e prevenção das moléstias” os aspectos sociológicos da cura,
que incluem a “situação econômica, posição social, emprego, previdência social, garantia,
2 Médico e psiquiatra, idealizador e fundador do Hospital Psiquiátrico do Juquery e um dos primeiros a
difundir a teoria psicanalítica de Freud no Brasil. 3 Provavelmente o primeiro estudioso a sistematizar e analisar os dados referentes ao desenvolvimento da
indústria farmacêutica até aquele período. Era, também, dono de um pequeno jornal voltado para a classe
médica, intitulado A Notícia Médica.
seguro de vida etc., etc.” (1942, p. 8). Este ideário vai de encontro igualmente com o
pensamento do médico e psiquiatra da época, Antonio Carlos Pacheco e Silva, que faz
amplo uso das questões psicossomáticas para compreensão das doenças, tendo em vista
que “os progressos da medicina demonstraram de forma evidente e inconcussa que a
personalidade humana é um todo integral e indivisível” (1948, p. 7). Desta forma, o
psiquiatra discorre sobre uma medicina que defenda a saúde que é “constantemente
ameaçada pela conduta, pelo meio, pela profissão, pela ignorância, pela miséria e por
todas as circunstâncias da vida” (ibid., p. 45).
Neste período, portanto, os preceitos básicos da psicossomática já são utilizados
pelo corpo médico institucional e não-institucional (caso da presente coluna), e a
psicanálise freudiana já se encontrava bastante difundida dentro do círculo médico,
embora houvesse resistências a ela, por conta dos longos tratamentos para alcançar algum
resultado.
Mas, isso não restringia a aplicação da metodologia psicanalítica por psiquiatras
brasileiros, conforme descrito em um artigo (Diário da Noite, 22/01/1930), em que o
professor Faustino Esposel comenta a sua pesquisa “O estudo psychiatrico de um
propheta”, em que o Profeta da Gávea - que havia adquirido um momentâneo sucesso por
conta de seus prognósticos -, é analisado à luz da teoria psicanalítica. Em outro artigo
(12/06/1934) intitulado “A psychanalise como methodo de cura das neuroses”, o Dr.
Durval Marcondes expõe os benefícios do método e a dificuldade em ampliar o
tratamento para uma maior parcela da população.
Assim, psicanálise e psicossomática passam a influir na forma como os médicos
tratam os transtornos psicológicos e a influência que estes causam na fisiologia dos
sujeitos. Portanto, muitas das indicações terapêuticas do Dr. Tepedino – aliadas ao uso
dos tônicos - dirão respeito a um “controle dos pensamentos”, ou seja, a uma
interiorização de um modelo psicológico para interpretação do mundo e dos próprios
sintomas, no sentido de curar-se através de uma transformação na maneira de perceber e
pensar o mundo exterior; embora de uma forma muito mais simplista e direta do que a
teoria psicanalítica, mas próxima da técnica da autoajuda que vigora na atualidade,
podemos perceber isso nos conselhos dados ao “Arabe X”:
Procure tonificar os nervos. Durante dois mezes: Tonico Nervét ás refeições e
uma empôla diaria Gluconato de Calcio Téco. Vida ao ar livre. Evitará ideais
depressivas. Um bom pensamento já é meia cura... Cumpre – como diz a
doutrina estoica – pensar sempre bem. Equivale a esculpir sua propria estatua.
Quem é optimista compõe sua personalidade, afugentando o tédio. (Diário da
Noite, 08/02/1936)
Em uma outra resposta estas indicações de um “modo de ver o mundo” tornam-se
mais claras, ao se dirigir ao leitor de codinome “Ansioso”:
Sua carta é um longo relato que põe a descoberto um complexo de
inferioridade. O seu mal é mais de natureza psychica do que physica; e a
contrasexualidade que desabrôcha em inhibições obedece a razões do
subsolo... [...] Casos de parapathias sexuaes com a especial sensação de
inferioridade existem a três por dois. E’ obvio que a cura dependeria em linhas
geraes de vários factores dentre os quaes occuparia lugar saliente o completo
repouso mental [...] Sua cura dependerá de si, em primeira instancia... Dizem
os psychanalistas que quem bem se conhece lucta melhor. Cumpre destruir
pela base o complexo-fixação que explica sua angustia [...] Durante dois mezes
manterá esta medicação dupla – empôlas e Tonico Nervét. Lerá – “Conhece-
te pela psychanalise”. Forrar o “sub” com ideas tonicas dá sempre optimo
resultado. (Diário da Noite, 24/08/1936)
Trata-se de um problema estritamente psicológico, de modo que é utilizado o
termo “parapatia”, que remete principalmente às questões emocionais e não a uma
disjunção fisiológica do sistema nervoso, mas, seguindo a lógica da psicossomática, estas
questões emocionais resultariam em distúrbios fisiológicos sensíveis, no caso o
descompasso sexual. O leitor então alcançará a cura em um movimento individualizado,
tendo em vista que a exploração e o conhecimento de sua própria psicologia cabem a si
próprio, sendo aconselhada apenas a leitura de um livro, “Conhece-te pela psychanalise”,
que auxiliará neste autoconhecimento pelas lentes da psicanálise, e o uso do tônico, que
através da metáfora utilizada nos traz o entendimento de que “potencializará” as ideias
no subconsciente do leitor.
Em outros momentos percebe-se um movimento inverso na indicação terapêutica,
em que o medicamento é o agente que atuará na compleição fisiológica, alterando então
o estado emocional e psicológico do consulente:
Pessimista – Mais do que lhe parece concorre o estado de nervos para a
tonalidade a affectiva... E’ quasi sempre pessimista quem tem o cerebro
cansado, quem se exgotou em pura perda de fracasso em fracasso... Procure
corrigir a perda de phosphoro, usando um bom fortificante que contenha
tambem phosphoro (Tonico Nervét). Faça taboa rasa do passado... E’ moço e
forte e a patria e a familia muito esperam ainda de sua “performance”. O
pessimista de hoje pôde perfeitamente transmudar-se no exuberante de amanhã
que tudo verá através de lentes côr de rosa. (Diário da Noite, 03/02/1936)
Aqui, seria o “cérebro cansado” que por conta dos fracassos intermitentes, seria o
resultado da falta de fosfatos no organismo do leitor. Não há neste caso aproximação à
psicossomática ou à psicanálise, o pessimismo do leitor é decorrente de uma debilidade
biológica de fosfatos, que deve ser suprida com o consumo do tônico.
Outro fator que merece destaque é a menção à necessidade do consulente, em
atender às expectativas de sua pátria e de sua família.
Frequentemente, o Dr. Tepedino analisará a questão da eugenia4 sob a perspectiva
destas duas instituições, de modo que muitos conselhos serão oferecidos tendo em vista
os objetivos da eugenia em relação aos casamentos e aos exames pré-nupciais, que
deverão ser feitos para garantir o “futuro da família e da raça”, conforme mencionado em
uma resposta ao leitor “X.V.”:
Curar-se e depois casar-se – eis a formula boa... Casar-se e depois cuidar da
molestia antiga – é erro muito serio. Blenos, tratada por especialista, céde
4 Grosso modo, existiam duas modalidades de eugenia, a negativa e a positiva. A eugenia negativa visava
limitar a reprodução daqueles que apresentassem “anormalidades”, podendo existir variados métodos para
tal, como a limitação legal do casamento e da procriação, esterilização, medidas anticoncepcionais,
segregação, aborto eugênico etc. O método utilizado variava de acordo com o local em que era praticado,
mas o objetivo principal era impedir a reprodução dos seres disgênicos. Já a eugenia considerada positiva,
buscava “propiciar a seleção eugênica na orientação aos casamentos e estimular a procriação dos casais
considerados eugenicamente aptos para tal [...] considerava-se que esses indivíduos eugênicos
concentravam-se principalmente nas altas camadas dirigentes e classes superiores de qualquer sociedade”
(Mai; Angerami, 2006, p. 254).
terreno em 98% dos casos. Os ignorantes que duvidam desses resultados
deveriam consultar as estatisticas. Os medicos especialistas que se dedicam
com amor e intelligencia á cura de blenos registram brilhantes percentagens de
exito. Ouça um especialista. Casamento sem saude é um desastre. Leia se
puder, “Conducta sexual” do professor Autregesilo. Ha idéas optimas que
convem sejam conhecidas pela mocidade que, inadvertidamente, esquece os
serios problemas que dizem respeito ao futuro da família e da raça. Se puder
lerá tambem o nosso “Como evitar males sexuaes”, em 2ª edição. O problema
da blenos e a defesa da raça é abordado com a possível clareza. (Diário da
Noite, 27/08/1936)
Percebe-se então o caráter eugênico dos conselhos, que através de um
planejamento conjugal produziria à jusante gerações livres das moléstias que afligiam a
sociedade da época, sendo a blenorragia uma delas. O imperativo do caráter educacional
dos preceitos eugênicos também se faz presente na coluna, quando menciona que a
mocidade “inadvertidamente” esquece os problemas que surgiriam das uniões
consideradas pelo médico como “dysgenicas”. Em outra coluna, o Dr. Tepedino ao
elogiar as medidas eugênicas dos médicos franceses em “obstar casamentos improprios”
- que contribuem para impedir a “eclosão de sêres defeituosos, biologicamente inferiores
[...] debeis mentaes, filhos de paes alcoolicos e de paes syphiliticos” (Diário da Noite,
16/11/1939) – traz também que a única forma de alcançar o “verdadeiro sonho eugenico
de Pinard5” seria através da educação:
Pela educação dos moços; pela melhoria das condições individuaes; pela
educação sexual discreta que não ensina o vicio, mas corrige a ignorancia; pelo
ensino individual das praticas hygienicas e eugenicas etc. etc., procuram as
nações cultas impedir as prôles degeneradas. Na culta Allemanha, é sabido, foi
até comminada a esterilização quando resolvida por uma junta medica. O
methodo da esterilização em desaccôrdo com a indole emotiva e religiosa dos
povos latinos, em nosso meio, não poderia lograr acceitação... (ibid.)
5 Adolphe Pinard (1844-1934) foi um obstetra pasteuriano francês, que buscou aliar os preceitos da
puericultura à eugenia, de modo que devessem ser aplicadas as técnicas de puericultura “antes da
procriação”, para obter desta forma a “melhoria da espécie” (Cf. Dias, 2008).
Sendo assim, a educação eugênica aproximaria o Brasil do “sonho eugênico”, mas
não a ponto de serem utilizados métodos de esterilização, como a “culta” Alemanha
nazista já praticava6, tendo em vista a índole “emotiva e religiosa dos povos latinos”, que
deveriam então praticar a eugenia preventiva. Esta, não deveria ser lavrada apenas pelas
fontes institucionais oficiais, mas através de uma campanha que se estendesse em “todos
os âmbitos da vida, por meio de parâmetros higiênicos, aos quais se pretende adequar o
comportamento cotidiano dos indivíduos” (Romero, 2002, p. 80).
A educação e os exames pré-nupciais figuram então como os principais elementos
na dinâmica da eugenia preventiva, sendo constantemente aconselhados pelo escritor da
coluna, como aparece nesta edição em resposta à carta de “Maria Angelica”:
Exigir de seu noivo um exame pre-nupcial é idéa optima, principalmente
quando póde, tambem, como é o seu caso, exhibir o seu. Hoje, nos paizes
cultos, entre os papeis que a lei exige, figuram os exames pre-nupciaes de
ambos os conjuges. Se quiser poderá lêr a respeito os livros do Dr. Renato Kehl
que versam o assumpto de sua consulta. Aliás, o laudo favorável do exame pre-
nupcial já é de per si sufficiente. Que não haja escrupulo excessivo. Para seus
nervos que ameaçam descambar (cousa trivial em vespera de casamento...)
poderá usar Tanagrán – optimo tonico feminino á base de phosphatos. (Diário
da Noite, 13/03/1937)
Em determinados momentos haveria inclusive uma “beleza eugênica” que a
mulher obteria através do consumo de determinados produtos, cumprimento de uma
rotina dietética e prática esportiva regular. Desta forma, ela transmitiria os caracteres
adquiridos para as próximas gerações7, conforme esta resposta à “Liana”:
6 O método de esterilização torna-se amplamente utilizado no período entre guerras por diversos países
além da Alemanha. Em 1922, os EUA já é o país que aplica mais intensamente esta forma de eugenia com
respaldo legal. Após a crise de 1929 a esterilização passa a ser feita legalmente na Suíça, Dinamarca,
Alemanha, Suécia, Noruega, Finlândia e Estônia. Devido ao seu baixo custo de operação, a esterilização
torna-se mais popular do que o método do isolamento, cujo objetivo era a internação daqueles que
carregavam caracteres “disgênicos”, conforme o modelo inglês adotado em 1913 (Cf. Mazower, 2001). 7 Neste exemplo mencionado podemos ver a influência da corrente neolamarckista de transmissão das
características adquiridas. No final do século XIX o evolucionismo darwinista sofre o primeiro declínio
após a “primeira revolução darwiniana”, dando espaço para a aparição de outras correntes - entre elas o
neolamarckismo e a ortogênese -, e só alcançará unanimidade nos círculos científicos a partir da década de
1940, na então “segunda revolução darwiniana” (Santos, 1996).
Após 5 minutos de pulverização enchugar o rosto com algodão e fazer
massagem com Citronét. Regime alimentar, quanto possível, isento de
gordurosos, frios e conservas. Para o cabelo gorduroso: Kin-Eón – excellente
loção tonica à base de quinina, pilocarpina e balsamo do Peru’. Continuará a
gentil consulente com o seu esporte. Hoje o termo belleza traz comsigo a idéa
de vida esportiva, de vida ao ar livre [...] A mulher paulista, a pouco e pouco,
tórna-se uma adepta da moderna eugenia, conscia de seu papel de transmissora
da belleza. O aperfeiçoamento physico, sem esquecer o moral e intelectual, não
será uma reedição da linha Sparta? A mulher de hoje, ao envez do “baton” e
do “rouge” prefére o carminado natural que lhe advem de um sangue rico em
globulos vermelhos. (Diário da Noite, 06/03/1936)
Em uma época em que a cosmetologia ainda não havia se firmado, o médico
enaltece as características “naturais” da mulher, que através do cumprimento dos
preceitos eugênicos atingiria uma beleza que seria hereditária.
Não obstante os imperativos relacionados à estética feminina e à família, surgia
frequentemente uma relação entre nacionalismo e eugenia. Contudo, um nacionalismo
muitas vezes relativo ao Estado de São Paulo e não ao Brasil como um todo, pois São
Paulo ao despontar como símbolo de modernização e desenvolvimento industrial, deveria
possuir igualmente uma “raça” à altura da posição que o Estado vinha adquirindo. Assim,
o consulente “D.S.X” não deveria buscar a cura da lues, ou sífilis, apenas pelo seu próprio
bem-estar, mas principalmente por pertencer à jovem geração paulista inserido no
processo desenvolvimentista:
Ouvirá um medico de sua confiança. Si, de facto, tem as suas duvidas, convem
esclarecer-se. Lues é factor dysgenico: golpeia a familia, a raça, o Estado de
São Paulo, blóco de ouro engastado na confederação brasileira, não dispensa o
concurso de uma juventude forte, viril, eugenica. Na mystica de seu alto
destino deve o Estado “leader” contar com uma raça plasmada em optimos e
sadios caracteres genéticos. Os porvindouros em linha directa, se unem aos
moços da actual geração. Cumpre que os representantes da nóva estirpe tenham
sempre presente a noção de responsabilidade que lhes cabe na transmissão do
archóte sagrado, no caso, a boa e sadia próle. (Diário da Noite, 03/08/1936)
Em outra resposta, o Dr. Tepedino utiliza palavras semelhantes para se dirigir ao
“Esportista”, que havia obtido reação negativa em um teste de sangue para uma doença
não nomeada, mas ao que tudo indica, a reação negativa é referente à blenorragia ou à
sífilis:
Parabéns! São Paulo, o Estado “leader” tem precisão de filhos fortes,
eugenicos. Na mystica de seu alto destino o Estado de S. Paulo, bloco de ouro
da Federação Brasileira, não pode dispensar o concurso de uma população
densa, forte, cohesa, nobre em seus alevantados idéaes. O rythmo magestoso
de vida, de seiva que caracterisa o ambiente está a exigir um correspondente
individuo sadio e forte que bem assimile o espirito da terra moça. A grandeza
da nacionalidade depende em grande parte da saude da raça. Terçar armas em
pról de uma juventude sã escoimada dos factores dysgenicos - lues, blenos e
álcool, etc. – é um dever que, sem duvida cabe a todos que amam o Brasil e S.
Paulo acima de tudo. (Diário da Noite, 11/03/1937)
Portanto, esta necessidade de jovens livres dos elementos “dysgenicos” torna-se
um imperativo para amparar o processo desenvolvimentista do Estado paulista, a tal ponto
que este parece se sobrepor ao próprio nível federal8.
Enfim, temos nestes exemplos do “Consultório Médico” a representação do
ideário médico científico da década de 30, no que tange os preceitos eugênicos lavrados
sobre os eventos cotidianos da população paulista, em uma postura de alinhamento com
o projeto de modernização desenvolvimentista. E, este alinhamento requer uma atitude
de descrédito em relação àqueles que se valem de outros métodos de cura, que não seja o
dito científico. O Dr. Tepedino, assim como a maior parte do corpo clínico tecerá críticas
aos chamados “curandeiros”, conforme observa-se abaixo:
8 Esta sobreposição pode ser entendida à luz do contexto histórico, como um sentimento de insatisfação da
população paulista em relação à ditadura varguista, além do preceito que São Paulo tomava a dianteira no
processo de industrialização. No período da Revolução Constitucionalista de 1932, viu-se uma expansão
do descontentamento com o governo ultrapassar o âmbito das elites e dos militares para - através da
imprensa, rádio, militância estudantil etc. – atingir a maior parte dos grupos sociais. Desta forma “a
constituição de um discurso no qual cada indivíduo se sentisse diretamente atingido pela ‘ditadura’ pode
auxiliar a compreensão da maciça adesão popular à ‘causa paulista’ de 1932” (Cohen, 2010, p. 272). Assim,
intensifica-se o sentimento regionalista da população paulista em relação ao restante do Brasil.
O doente de forma alguma dispensa o seu adminiculo, seja este chimico, seja
hormonico. O profissional medico que se limitta a cuidar da parte psychica do
enfermo incorre ainda num outro perigo: o doente que se vê sem remedio,
procura o curandeiro que tem sempre prompta a sua “aguinha”, a quem elle
empresta virtudes maravilhosas... (Diário da Noite, 01/01/1939)
Em seguida discorre-se a respeito da grande variedade de especialidades no
mercado, e como o Tônico Nervét é a manipulação mais confiável.
Mas, embora o discurso do Dr. Tepedino se assemelhasse aos dos clínicos
institucionais, ele sofrerá restrições por conta da posição intermediária em que se
encontrava, como médico/cientista e como propagandista de um medicamento popular,
ocupando um espaço popular que, a despeito de tratar as classes pobres, acabava por surtir
os mesmos efeitos da automedicação, ou seja, a não ida do paciente à clínica médica.
Desta forma, no dia 22 de março de 1937 é anunciado que o Dr. Tepedino “de
hoje em diante, não mais responderá por intermedio desta folha às cartas que lhe forem
endereçadas”, por conta do decreto-lei 20.931 de 11 de janeiro 1932, que dizia em seu
artigo 16 que é “vedado ao médico manter a publicação de conselhos e receitas a
consulentes por correspondência ou pela imprensa”.
A partir de então, a coluna se restringirá a dar conselhos médicos em geral, com
ênfase nas mesmas questões que tratava anteriormente, embora com um maior nível de
elaboração, já que a cada dia é descrita somente um tipo de moléstia. Nota-se um certo
pesar na edição do dia 22 de março, em que o escritor anuncia o fim do formato antigo
da coluna, com uma crítica aos “zoilos” e uma tentativa de explicação frente ao decreto
imposto:
Quem subscreve procurou sempre a todos atender, diligenciando de envolta
com suggestões do momento, divulgar conhecimentos uteis, noções de hygiene
geral e, sobretudo, conceitos de ordem cultural. Da medicina pura jamais
cogitou a Secção – e seria um absurdo fazel-o aqui [...] Uma especial
“estratosphera” existe entre a medicina pura e a psychologia collectiva – e foi
sempre nesta attitude que sempre se collocou quem subscreve. Os zoilos que
viviam a respigar pretextos para o seu narcizismo appellavam para a
imaginação afim de concretizar seus propositos... O que é certo é que ha uma
parte doutrinaria, sociologica da arte medica que elles, deliberadamente,
procuraram sempre ignorar. (Diário da Noite, 22/03/1937)
Assim, emite-se a ideia de que a coluna nunca procurou fazer “medicina pura”, no
sentido de que não buscava competir com a clínica oficial, e que buscava atingir aspectos
mais abrangentes, que seria a “parte doutrinaria, sociologica da arte medica”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este exemplo pontual da coluna do Dr. Tepedino serve para ilustrar um processo
maior, a saber, as restrições e proibições impostas às práticas médicas e curativas que não
se enquadrassem no modelo dito científico. Portanto, além dos curandeiros, benzedeiras
e outros alinhados a vertentes religiosas não cristãs, aqueles que ocupavam os espaços da
imprensa “popular”, como o Dr. Tepedino e os anunciantes de medicamentos, sofrerão
um cerceamento e serão restringidos em suas práticas por uma diversidade de frentes.
A coluna também nos auxilia a compreender como diversos preceitos médicos
ainda se encontravam arraigados no discurso cotidiano da população, como, por exemplo,
na questão da eugenia. Ao mesmo tempo, nesta diversidade temática acerca da saúde
cotidiana, vemos a imisção entre características sociais resultantes do seu período
histórico e questões referentes à saúde e à salubridade, já que, diferentemente dos tratados
e artigos médicos, os corpos doentes representados nos jornais populares eram os corpos
reais inseridos em suas tramas sociais.
Referências Bibliográficas
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1924 e 1932. In: In: ODALIA, Nilo; CALDEIRA, João Ricardo de Castro (orgs.).
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