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Estudos de Numária Portuguesa
A Circulação Monetária em Timor
Amílcar Monge da Silva
Estudos de Numária Portuguesa, nº 7, versão: 1 – Abril de 2017
Índice
Prefácio 1
Introdução 2
Da descoberta até ao final do Século XVIII 3
O Século XIX 5
O Século XX 7
Conclusão 10
Bibliografia 11
Anexo: Boletim Oficial da Colónia de Timor 12
Ficha técnica 13
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Prefácio
A história da circulação monetária em territórios longínquos que foram administrados
por Portugal ao longo de vários séculos é pouco conhecida da generalidade das
pessoas e nomeadamente dos coleccionadores. Estes, em especial, poderão ter
interesse em saber mais aprofundadamente o que motivou o aparecimento desta
moeda ou daquela nota que com tanto prazer coleccionam, pois passarão a olhar para
esse objecto com uma outra perspectiva muito mais informada, sabendo que aquele
objecto que hoje em dia está nas suas mãos, serviu outrora como símbolo de
soberania de uma nação e era imprescindível no dia-a-dia de povos com culturas
muito diferentes da nossa, mas que no entanto eram considerados portugueses.
O coleccionismo se não for acompanhado de conhecimento não passa de um simples
acumular de objectos e todos nós temos o dever de tentar aprofundar o nosso
conhecimento numa área a que dedicamos uma boa parte dos nossos tempos livres.
Com este estudo do Amílcar Monge somos levados a viajar para o outro lado do globo
e ficamos a conhecer um pouco mais de um território a que emocionalmente estamos
muito ligados e o qual é neste momento um dos mais recentes países do Mundo,
processo esse que resultou também da mobilização e o empenhamento que os
portugueses mostraram aquando do massacre no cemitério de Díli e do qual veio a
nascer Timor Lorosae como nação independente.
Abril de 2017
Mário Matos
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Introdução
A descrição das notas e moedas que correram em Timor encontra-se amplamente
descrita em muitas publicações especializadas tais como o “Livro das Moedas de
Portugal” de Ferraro Vaz e, para o caso das notas, na “Revista Moeda” (Vol II, Nºs 11
e 12).
O propósito deste artigo é apenas realçar a diferença entre aquilo que era a circulação
oficial e a realidade do dia-a-dia.
Terço Timorense em filigrama de prata obtida das célebres Patacas Mexicanas
- 3 -
Da descoberta até ao final do Século XVIII
Timor vem pela primeira vez referido em escritos chineses de 1225 a propósito do
sândalo aí produzido. Tinha densas florestas de sândalo branco, o mais valioso, pelo
que este era o produto mais exportado. O seu destino era Batávia (Jacarta) e Macau.
No final do séc. XVII estava quase extinto. Em grau de importância os escravos eram
a segunda mercadoria e o seu destino era igualmente Batávia e Macau. De destaque
o comércio de escravos para Banda, principal local de produção da noz-moscada, cuja
população, devido a constantes revoltas, foi quase exterminada pelos Holandeses em
1621. Para não “sujarem” as mãos, contrataram para o efeito samurais Japoneses. Os
escravos resultavam, não da captura por parte de traficantes, mas das constantes
guerras entre os reinos locais.
Até ao Séc. XIX Timor dependia do vice-rei da Índia sendo
por conseguinte a moeda da Índia Portuguesa a primeira
a lá circular, logo seguida pela moeda emitida pela
Companhia das Índias Holandesas (VOC), quando esta, em
1653, conquistou Cupão (Kupang) aos Portugueses. No final do séc. XVI as viagens de
Malaca a Timor eram arrematadas pela fabulosa quantia de 500 cruzados. Quando
em 1642 os Holandeses tomaram Malaca, foi Macau quem ficou com o real controlo
dos negócios em Timor pois a distância era menor e era também para aí que se fazia
o comércio. Fontes dos Arquivos de Macau revelam que a partir de 1689 o Senado de
Macau emitiu numerosas licenças (pautas de navio) autorizando mercadores
chineses a enviar directamente barcos a Batávia, Solor e Timor. Estas pautas eram
emitidas por mandado do vice-rei da Índia.
No Séc. XVII, estabelecida já a carreira Acapulco-Manilla, os Espanhóis ocuparam as
Filipinas e, as ricas minas de prata sul-americanas cunhavam em abundância o célebre
“Real à Ocho” (Oito Reais) também denominado de “Pataca” que, mais tarde, passou
a chamar-se Peso, Peso Mexicano, Dólar Mexicano e Pataca
Mexicana. Estas Patacas eram exportadas para todo o mundo e
também de Portugal para a Índia; houve até uma Ordem Real, em
25.III.1665, proibindo que para a Índia fossem Patacas por carimbar
- 4 -
[Carimbo 600]1. A Pataca era, para além de moeda de conta, a mais usada no
comércio do Oriente.
Só em 1702 é que se estabelece uma verdadeira administração Portuguesa em Timor;
situava-se em Lifau, no enclave do Oé-Cussi. Em 1769, devido à guerra com o régulo
local, a capital foi transferida para Dili. Em 24 de Agosto de 1886 os arquivos da
Fazenda, incluindo os de Lifau, perdem-se num incêndio, privando-nos assim de uma
preciosa fonte de informação.
Devido à quase extinção do sândalo, o Séc. XVIII foi um período de estagnação
económica. Só em meados do Séc. XIX é introduzida a plantação industrial de café
que retira a colónia de um marasmo económico de mais de um século.
Temos pois que Timor foi, durante os séculos XVI, XVII e XVIII, pouco mais que um
simples porto onde se carregavam o sândalo e os escravos para os mercados de
Batávia e Macau. A moeda que circulava era a moeda da Índia Portuguesa, China, da
VOC e as patacas mexicanas.
1 A Ordem Real de 1665 não refere qual seria o carimbo mas, certamente era o que então estava em vigor, referido no Alvará de 22.III.1663 que dispunha “(…) que as patacas que hoje correm a quatrocentos e oitenta réis valham seis tostões(…) a qual para este effeito se marcará.”
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O Século XIX
Apesar da moeda oficial ser a Pataca, tal como em Macau, a análise das receitas e
despesas da Fazenda do séc. XIX mostra contas em Rupias, Réis, Florins e Patacas.
Temos assim como exemplo e sem querer alongar:
1870 Tributação dos Régulos 2.000 Florins
1878 Despesas do Cônsul de Surabaya 23.427 Rupias
1881 Receita da Fazenda 43.722 Réis
Esta confusão vem realçada num artigo assinado por
um funcionário administrativo e publicado 1853 no
jornal O Macaense, segundo o qual, as unidades
monetárias então em uso, para além de diversas,
tinham um valor oscilante; assim, as libras eram
trocadas por 12 a 15 rupias de Java (também
chamadas florins), que por sua vez equivaliam a 320
Réis. No entanto os nativos preferiam, nas transações
de maior valor, o Pardau de ouro, introduzido pelos
Dominicanos no Séc. XVI e valendo 3 Rupias (o pardau de prata não tinha cotação
estabelecida). Com um pardau de ouro era possível fazer as seguintes aquisições: um
parang2, duas facas de aço, um lenço, uma cabra, 70 catties3 de sândalo. Um cavalo
valia 10 pardaus e os búfalos 1 a 4 pardaus (correspondendo a 5 rupias).
As tributações dos régulos e as capitações4 eram pagas em patacas ou em florins
consoante cada distrito de onde provinham.
Segundo um costume estabelecido pelo governador Julião José da Silveira, as fintas
pagas pelos régulos eram calculadas à razão de um sarong5 por pardau ou por rupia.
2 Machete indonésio tipo catana. 3 Unidade de peso asiática de valor variável mas estimada em 1,33libras. 4 Cada nativo não assimilado, maior de 16 anos, estava sujeito a um imposto anual, a Capitação. Este valor era cobrado pelos Régulos locais que retinham 50% da receita. Não pagando, tinham de prestar trabalho compulsivo para a Administração, normalmente a abertura e reparação de estradas. 5 Pano branco
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Devido à escassez de pardaus de ouro os nativos recorriam a uma moeda de recurso,
denominada Pardau Timorense, que consistia em cálamos ocos de penas de milhafre
cheios com ouro em pó.
A partir de 1894 funcionários públicos eram pagos em Patacas e esta era a moeda
oficial, pela primeira vez carimbada com a Cruz de Cristo.
A carimbagem foi inútil e, três anos depois, é dispensada pela Portaria Distrital nº16
(01FEV1897).
Como a importação ilegal de Patacas continuava, foi emitida a Portaria Distrital nº53
(13JUN1900) mandando novamente carimbar Patacas de 1886, 1890, 1891, 1893,
1894 e 1895. A portaria não teve qualquer efeito prático: -As Patacas não carimbadas
continuavam a correr livremente e a própria Fazenda era obrigada a aceitá-las pois os
contribuintes não tinham outras. Mais uma vez é revogada pela Portaria Distrital nº
49 (22ABR1901).
Ao mesmo tempo corriam Florins de prata das Índias Holandesas e os seus sub-
múltiplos em cobre, que eram as moedas do pequeno comércio local. A taxa de
câmbio Florim/Pataca era flutuante o que causava muito transtorno, sobretudo no
pequeno comércio.
Grande parte destas Patacas Mexicanas era entesourada ou consumida pela indústria
artesanal de filigrana de prata já que era a prata de melhor qualidade que conseguiam
obter.
Tudo isto se passava num clima de constante revolta que frequentemente ia até à
rebelião armada.
Em 1860 o Governador Afonso de Castro escrevia (...)as rebeliões em Timor têm sido
sucessivas, podendo dizer-se que a revolta é ali o estado normal e a tranquilidade o
excepcional(...).
Esta situação era sobretudo devida ao Imposto de Capitação, e só acalmou em 1912
depois de mais outra grande revolta que se saldou em 15 a 20 mil mortos. Conforme
o costume tradicional, as cabeças dos vencidos foram pela última vez expostas em Díli
no Palácio do Governo.
Esta constante intranquilidade retirava força à Administração que tinha dificuldade
em impor a lei.
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O Século XX
De 1908 a 1915 houve uma ampla discussão sobre qual
deveria ser a moeda oficial. O presidente de Banco de
Java foi consultado e recomendou que se abandonasse
a Pataca Mexicana como padrão devido à flutuação do
valor da prata. Recomendava que se usasse o padrão
ouro e que, dado que a maioria das importações e
exportações do Timor Português passava pelas Índias Holandesas, a opção mais lógica
seria optar pelo Florim das Índias Holandesas. Era uma opinião válida tanto mais que
a moeda Holandesa corria em abundância em Timor e era, em termos práticos, a
única moeda usada no pequeno comércio. Prevaleceu a lógica nacionalista e, em 6 de
Janeiro de 1915, o Conselho de Governo optou pela Pataca como moeda oficial, o que
foi confirmado por decreto em 4 de Maio de 1918.
A emissão feita propositadamente para TIMOR, com data de 1 de Janeiro de 1910 e
com valores de 1, 5, 10 e 20 Patacas, foi lançada em circulação a partir de Março de
1915
Em 1912 estabelece-se em Dili o Banco Nacional
Ultramarino que serve de cofre governamental. Nesta data
começam também a circular em Timor as primeiras notas de
um, dez e vinte e cinco patacas, originárias de Macau, com
data de 1905 e 1907 e a coroa real. Houve novas emissões
em 1933 e em 1945 com adição da nota de 5 Patacas. Tal como já sucedera em Macau,
as notas são mal aceites pela população, habituada a transaccionar com moeda
metálica.
Em 1924 Portugal abandonou o padrão ouro o que se
traduziu na acentuada desvalorização da Pataca em
relação ao Escudo; a prata também se desvalorizou cerca
de 35% em relação ao ouro o que, em resumo, deu
origem a que o Florim continuasse a ser a moeda do
comércio enquanto a Pataca Mexicana era entesourada
ou consumida na indústria artesanal de filigrana.
A situação mantém-se até à Segunda Guerra Mundial.
De 1942 a 1944 os Japoneses ocupam Timor e emitem
papel-moeda.
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Terminada a guerra reaparece o problema da moeda pelo
que é decidido manter a Pataca como moeda oficial e, pela
primeira vez, começa a cunhagem de moeda para a
colónia: -De 1945 a 1951 são emitidas moedas de prata de
50 Avos (½ Pataca), de alpaca de 20 avos e de Bronze de 10
Avos. São emitidas também notas de 5 Patacas.
De 1952 a 1957 não há cunhagem de moeda.
Em 1958 é reformulado o sistema monetário e abandonada
a Pataca como moeda oficial. Porém, dado que uma Pataca
valia 5$60 (na prática= 6$00), o novo sistema tem isso em
conta pelo que a emissão de 1958 é constituída por
moedas de prata de 6$00 e 3$00, de alpaca de 1$00 e $60
e de bronze de $30 e $10.
Em 1964 é emitida a moeda de prata de 10$00.
Em 1970 dá-se a última reforma monetária e é abandonado o obsoleto sistema. São
então emitidos em cuproníquel moedas de 10$00, 5$00 e 2$50 e, em bronze, 1$00,
$50 e os $20.
Até à invasão Indonésia em 1975 a Pataca
(=6$00), continuava a ser a moeda de conta no
comércio de bazar.
Durante a nossa comissão de serviço Militar
em Timor (1971-73), foi-nos dado ver, sem
mexer ou sequer fotografar, o tesouro de um
chefe local. Para além de antigas armas
brancas e de fogo e artigos em ouro e prata,
foram-nos mostradas duas arcas:
A primeira, com cerca de 30x40 cm, continha moedas
de prata. Na sua maioria eram patacas mexicanas de
cunhagem mecânica, algumas cunhadas a martelo e
cerceadas e poucas ainda carimbadas [600], sendo as
restantes constituídas por Rupias da Índia (Portuguesa
e Inglesa) e Florins das Índias Holandesas; à superfície,
uma única moeda de ouro de 2 cm pendente de um
colar artesanal com a figura de S.Tomé (Pardau ou S.Tomé).
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A segunda, maior, continha moedas de cobre e era
essencialmente constituída por Florins das Índias
Holandesas e da VOC, algumas moedas chinesas
(caixas) e o que nos pareceram Bazarucos e outras
moedas de Goa mais pequenas.
Teria sido interessante fazer uma análise estatística
das diferentes moedas mas não foi infelizmente
possível. A Missão do Oé-Cussi também tinha um
caixote com 20 a 30 Kg de Florins das Índias
Holandesas e algumas moedas ainda emitidas pela
Companhia das Índias Holandesas (VOC); foi-nos aí
possível fazer uma estatística dos valores e datas que
nada acrescenta ao que se sabe, pois está de acordo com os quantitativos das
emissões; curiosidade apenas o facto de a maioria das moedas de ½ Cêntimo estar
em pares, colada por uma resina vegetal de cor negra.
Os Florins das Índias Holandesas continuaram a correr na Indonésia até muito depois
da independência em 1949; o mesmo sucedeu nos distritos de fronteira do Timor
Português. À medida que deixavam de ser aceites no comércio eram depositadas
como esmolas nas Igrejas pelo que estas as possuíam em grande quantidade.
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Conclusão
Em conclusão temos: Até ao final do Séc XIX: Moeda da Índia Portuguesa, China, Companhia das Índias Holandesas e Patacas Mexicanas (8 Reais) com ou sem o carimbo “Cruz de Cristo”. Séc. XX até 1945: Papel-moeda de Timor ou de Macau com carimbo “Pagável em Timor”, moeda metálica da Índia Portuguesa, Florins das Índias Holandesas, “caixas” da China e a Pataca Mexicana (Ver em anexo o Boletim Oficial da Colónia de Timor de 02MAR1935). Séc XX de 1945 até à Invasão indonésia de 1975: Oficialmente tínhamos a moeda metálica e em papel emitida especificamente para a colónia. Paralelamente continuavam a correr os Florins das Índias Holandesas e as moedas da China. Até à invasão Indonésia, apesar da moeda oficial ser o Escudo, a Pataca (=6$00) continuava a ser a moeda de conta no comércio de basar.
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Bibliografia
Geoffrey C. Gunn “Timor Loro Sae, 500 anos”. Livros do Oriente, 1999.
Humberto Leitão “Os Portugueses em Solor e Timor de 1515 a 1702”. Tipografia LCGG,
Lisboa 1948.
J. Ferraro Vaz “Livro das Moedas de Portugal”, Braga, 1985
Liberato, António O. “Os Japoneses Estiveram em Timor”. Imprensa Nacional de Publicidade,
Lisboa, 1951.
Silva, J.J. de Andrade “Colecção Chronológica da Legislação Portuguesa”, Lisboa 1856
Jornais O Macaense, 1853. de Macau
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Ficha técnica
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