fichamento - educação pelo avesso
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DEMO, Pedro. Educação pelo Avesso. ASSISTÊNCIA COMO DIREITO E COMO
PROBLEMA. 2ª Ed. São Paulo: Cortez
1 – Assistência como Direito
Pág.13 - O lado atraente e fundamental da assistência social é relembrar sempre que a
relação de mercado não pode ser a mais importante na vida das pessoas e sociedades, em
termos de fins. O que não significa que a relação de mercado seja dispensável ou
necessariamente perversa, mas que é meio. O uso instrumentalizado que o mercado faz das
pessoas, e que Marx captou classicamente na ideia do trabalho abstrato da sociedade da
mercadoria, contraria frontalmente as noções de democracia e direitos humanos,
transformando-as também em mercadoria. No capitalismo é impraticável o “pleno emprego”,
por mais que a ideia tenha sido perseguida até mesmo por próceres do sistema como Keynes e
executada tentativamente em alguns momentos, mas apenas no centro do sistema, porque
primeiro não vêm as pessoas, mas o lucro, ou, na linguagem marxista, primeiro vem o valor
de troca, não de uso1.
Pág.14 – [...] Há que acentuar a importância pelo menos simbólica da assistência
social como direito da cidadania, porque realça, antes de mais nada, a perspectiva da
cidadania, não do emprego. Os direitos humanos são inalienáveis e devidos por natureza.
Deveriam ser garantidos para além de qualquer condição que não seja o simples fato de ser
humano.
Pág.15 – Olvida-se que a qualidade do Estado não está nele, mas no controle
democrático, ou seja, na cidadania. Não é o Estado que garante a qualidade da cidadania, mas
é esta que pode garantir Estado mais qualitativo. Na visão da Comuna de Paris, aposta-se
muito mais no associativismo dos trabalhadores do que em qualquer pretensa disponibilidade
do Estado, que é tomado como tendencialmente mancomunado com a burguesia. Pág.16 –
Assim, uma coisa é evitar afirmações extremas de que o Estado somente serve à burguesia,
outra é reconhecer que sua tendência mais visível é servir à burguesia. Como concentração de
força que o Estado certamente é, sua tendência mais natural não será postar-se do lado dos
pobres, mas dos ricos. Estes o ocupam muito mais facilmente que aqueles. Exatamente por
conta disso, a assistência tende a tornar-se residual, pois é com resíduos que se trata a
1 KURZ, R. 1996. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial. Rio de Janeiro. Paz e Terra. KURZ, R. 1997. Os últimos combates. Petrópolis, Vozes. DEMO, P. 1998. Charme da exclusão social. Campinas, Autores Associados.
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população também considerada resíduo. Em nossa realidade sobretudo, é muito difícil
encontrar qualquer política de assistência social que não revele tal pecha1.
Ainda creio que é muito mais importante saber dispensar a assistência do que dela
depender, a não ser quando indispensável. Encontrar-se nessa situação de dependência não é
necessariamente algo infame, mas imposto por vicissitudes da história ou da natureza, como
nascer portador de necessidades especiais. Além disso, as pessoas podem, no decurso da vida,
passar por tais situações, de modo natural ou eventual – por exemplo, ser gestante vulnerável
– ou de modo social – por exemplo, ser obrigado a migrar para lugar desconhecido e em
condições de extrema precariedade. Esta consideração leva a distinguir dois tipos mais
notórios de assistência: aquela devida de modo permanente, para os segmentos que não
podem se auto-sustentar caracteristicamente; e aquela devida de modo provisório, para as
pessoas que sofrem de vulnerabilidade intermitente ou ocasional. Em nosso contexto, fazemos
mal as duas vertentes: assistimos muito precariamente as pessoas que necessitam de
assistência de modo permanente e transformamos facilmente situações provisórias em
definitivas, implantando dependência irreversível.
Pág.17 – Mas o abuso não tolhe o uso. É certo que assistência não é política
emancipatória, porque se volta para a sobrevivência e nisto se realiza plenamente. Isto mostra
que tem espaço próprio e que sua justificativa não carece de qualquer outra apelação. Aí
reside sua radicalidade própria e é nisto, somente, que é condição prévia para as outras
políticas sociais. A ideia comum entre assistentes sociais de que assistência é a “rainha” das
políticas sociais, apenas trai sua decadência no assistencialismo, porque, mesmo à revelia,
passa a dispensar a vinculação emancipatória ou a mantém apenas no discurso. A assistência é
direito radical da cidadania, mas não “faz” cidadania. É efeito, não causa. Se quisermos
chegar aos patamares da emancipação, será mister apelar para outras políticas sociais que
trabalham melhor a autonomia das pessoas ou a isto especificamente se dirigem, como é
educação2.
Pág.18 – O superdimensionamento da assistência revela, também, pouca sensibilidade
pela pobreza política, neste caso seguindo pegada marxista considerada ultrapassada: a base
material como mais essencial que as outras. A necessidade material, geralmente, é mais
imediata e pode matar rapidamente. Mas daí não segue que seja mais importante. Mais
1 Veja dissertação de mestrado de Maria Raquel Lino de FREITAS, 1999. “LOAS – À luz do enfoque integrado – Uma visão crítica”. Brasília, Departamento de Serviço Social, UnB.2 TORRES, C.A. 1998. Democracy, education, and multiculturalism – Dilemmas of citizenship in a global world. Nova York, Rowman & Littlefield Publishers. MORROW, R. A. & TORRES, C.A. 1999. “The State, social movements, and educational reform”. In: ARNOVE, R.F. & TORRES, C. A. (ed). 1999. Comparative education – The dialectic of the global and the local. Nova York, Rowman & Littlefield Publischers, p. 91-113.
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importante será aquilo que mais condiciona o todo, não apenas certas partes. Passar fome é
grande miséria, mas miséria ainda mais comprometedora é não saber que a fome é imposta,
inventada, cultivada e que aqueles que passam fome sustentam o esbanjamento dos ricos.
Dentro do sistema neoliberal, um mínimo de consciência crítica vai reconhecer que, quando
renda mínima se torna política do sistema, já significa que foi aceita porque permite cultivar o
problema. O sistema se beneficia da renda mínima muito mais que os pobres. Mas mesmo em
situação idealizada, na qual a renda mínima é bem aplicada, deveria ser concebida como
passagem necessária para superá-la. Este tipo de assistência só é coerente se souber extinguir-
se intrinsecamente. Pág.19 – É necessário distinguir acuradamente entre fazer assistência por
direito da cidadania e acabar com a cidadania ao fazer assistência. Em nosso ambiente
predomina a segunda parte abusivamente.
O correto seria dizer que a assistência cumpre a cidadania. E isto é fundamental. É
toda a dignidade da assistência. Pág.20 – [...] é possível recuperar presos da cadeia, mas não
será pela via preferencial da assistência. Jamais. Em certa medida, a cadeia é a escola do
crime, pois confia em excesso na assistência, sem falar que estamos chamando de assistência
o que nem sequer seria caricatura dela. Garantir o direito de sobrevivência é fundamental, mas
é só o primeiro passo. Ninguém quer apenas sobreviver.
Entretanto, há assistências mais próximas da emancipação, quando se conjugam com
outros esforços orquestrados e estratégicos, como é o caso da “bolsa-escola”, por exemplo, ou
quando tem caráter preventivo, como pode ser o cuidado com crianças na primeira infância,
tendo em vista poderem crescer em condições mais favoráveis.
2 – Assistência como problema
Pág.23 – Assistência como problema tem tradição liberal, facilmente visível em país
como os Estados Unidos, onde pobre é em primeiro lugar figura suspeita e desprezível. A
cidadania assistida é, como regra, problemática, porque tende a definir a pessoa como
beneficiária, não como cidadã, à revelia de discursos altissonantes, além de atrelá-la a auxílios
estatais residuais e intermitentes. A cidadania tutelada submete a pessoa ao mercado,
transformando este como parâmetro definitivo, inclusive da sobrevivência. Cidadania tutelada
é contradição nos termos, já que cidadania significa sempre libertação da tutela, apontando
para a gestação da capacidade de autonomia. Na prática, porém, é o que mais comumente
ocorre, no sentido de que a cidadania é trocada pela tutela, usando-se nesta transação
sobretudo formas de assistencialismos. Na cidadania tutelada predomina a falsificação da
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cidadania, porque é destruída na própria tutela. Na cidadania assistida predomina a farsa,
porque se usa a cidadania como isca, para, logo a seguir, reduzi-la aos trapos dos auxílios
oficiais. Nesta também se pede submissão – traduzida quase sempre no voto e na ordem -,
mas existe lastro concreto de direito. Por isso, não nega propriamente a cidadania, mas é
capciosa, à medida que retira pela direita o que dá pela esquerda.
Pág.24 – Com isto pretendo dizer, ademais, que focar a assistência como problema não
implica negar seu substrato de cidadania.
Pág.25 – Existiria incompatibilidade entre assistência e emancipação? De modo
algum. Mas existe, isto sim, relação dialética tipicamente contrária e complexa. Não é difícil
mostrar que todo processo emancipatório necessita de apoio externo, como é o caso notório da
criança que nasce em situação de total desamparo social e necessita, para tudo, do cuidado dos
outros. Em termos concretos, todo processo emancipatório, sendo social, realiza-se junto e em
confronto com os outros. Todo carinho paterno também cerceia, mas, tendo consciência disso,
procura reduzir o cerceamento e aumentar a autonomia. Normalmente, a família sabe bem
disso: criam-se os filhos para o mundo. Crescendo, precisam desenvolver o senso pela
autonomia, a ponto de deixar a família dos pais, para constituir família própria. Se o filho
permanecer na família dos pais, algo saiu errado no processo educativo: a tutela prevaleceu
sobre a libertação.
Esta mesma lógica dialética carece ser aplicada à assistência. Existe aquela que abafa,
apequena, humilha, e existe outra que eleva, edifica, motiva. Esta é peregrina, raríssima,
muito exigente. A outra é comum, quase a regra. É muito difícil estabelecer limite visível
entre uma e outra, pois nas bordas se mesclam e se confundem. Por exemplo, quando damos
esmola – digamos, recolhemos roupa usada para dar aos pobres -, podemos estar fazendo boa
ação, impelidos pelo sentimento de que é mister fazer alguma coisa. Mas este é o nosso lado.
Pág.26 – Do lado dos pobres, o que sucede é, primeiro, ter de conformar-se com os restos da
parte nobre, e, segundo, ficar à mercê da caridade alheia. O “bem” que se faz aos pobres pode
não compensar o estigma cada vez mais definitivo, não no sentido neoliberal do receio de que
os pobres se tornem mal-acostumados, mas no sentido social de cassação da cidadania. Este
tipo de assistência pode sepultar de vez o horizonte de alternativas que poderia ser
descortinado, caso o pobre descobrisse que, se houver salvação, dependerá principalmente
dele. Sobretudo em situações extremas, torna-se difícil – praticamente impossível – esperar
que o pobre “filosofe” sobre emancipação. Mas é nesses casos que o doador, se não possuir
consciência crítica, principalmente autocrítica, produz, dialeticamente falando, o contrário do
que se propõe. A doação mais facilmente confirma a pobreza do que a combate.
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Esta é a dialética do benefício: é melhor para o beneficente, porque dele não precisa;
pode ser péssimo para o beneficiário, porque dele passa a depender. E este é o drama da
assistência: fabrica beneficiários ou pelo menos confirma a situação de beneficiário. Na
dialética contrária e complexa entre assistência e emancipação, esta começa a surgir quando
se consegue dispensar a ajuda. Assim, ninguém se emancipa sem ajuda, mas emancipar-se é
especificamente saber dispensar ajuda.
Pág.27 – Marx falava, de ditadura do proletariado, querendo significar que o
proletário não pede assistência pública ou privada, mas quer tomar as rédeas da sociedade, ou
seja, do Estado e da economia.
Pág.28 – Parece-me impressionante e suspeita a confiança que certa esquerda deposita
no Estado. Num passe de mágica, esquece-se que se trata de Estado capitalista liberal, que
também na assistência reaparece sempre a relação de classe, que a dialética do poder é a da
usurpação, sobretudo que a qualidade do Estado não pode estar nele mesmo, mas em seu
controle popular ferrenho. Por certo, Marx alimentava a visão anarquista do Estado, tendia a
ver nele quase que exclusivamente a relação de exploração, pregava sua redução ao mínimo
dos mínimos, como se fosse, no máximo, mal necessário. Esta perspectiva não cabe mais.
Mas continua de pé, mais do que nunca, que toda visão genuinamente democrática é
insistentemente crítica do Estado e dos governos, mesmo que não seja inspirada no marxismo.
3 – Emancipação e Pobreza Política
Pp. 31-32-33-34 – No espaço do poder não existe “terra devoluta”, porque está toda
ocupada, usurpada. Qualquer privilégio é feito à custa dos outros. Não é possível inventar
privilégio que não lese os outros. Neste sentido, para reduzir os privilégios usurpados é mister
contrapor-se frontalmente, impor-se, conquistar.
Precisamente é este o desafio de redistribuir renda. Quando apenas se distribui renda,
deixa-se a desigualdade tal qual está, porque tomamos em conta apenas recursos devolutos,
resíduos disponíveis. Passamos para os pobres as sobras do sistema, esperando que se
“amansem”. Já redistribuir significa tomar de quem tem em excesso, partindo-se do ponto de
vista de que a concentração de renda é fenômeno que agride os direitos humanos e
democracia. Podemos visualizar tal distinção claramente no MST, sem com isto
necessariamente apadrinhar tudo o que este movimento inventa: não se contenta com
distribuição de terra, como sempre foi, porque se restringe a terras devolutas, mal localizadas,
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improdutivas, sobrantes; pretende apropriar-se de terra produtiva, forçando a rever todo o
processo de apropriação da terra.
O MST, como todo movimento complexo de cidadania, nem sempre tem controle de
iniciativas localizadas, além de gerar facilmente invasores profissionais, que passam a
manipular privilégios pessoais e grupais. Afinal de contas, como mostra qualquer sociologia,
igualmente na favela existe estratificação social. Lá também há “pobres” que sabem viver da
pobreza dos outros. Mesmo assim, este movimento sinaliza uma direção inovadora ao
postular a redistribuição das terras, tocando no pilar sagrado liberal que é a propriedade
privada. Aí está sua força e seu susto. O liberalismo teima em transformar a apropriação
privilegiada em mérito. Não se apropria apenas das terras. Apropria-se também do Estado,
Esbulha-o ostensivamente. Privatiza-o em nome do mercado. Este é o “sangue-frio” desta
elite perversa: considerar normal, mérito histórico, que 10% das pessoas concentrem em suas
mãos por volta da metade da renda nacional. Diante disso, é inevitável a pergunta: como
desconcentrar renda? Dificilmente pela via da solidariedade... Impossível pela via da
assistência... Não quer dizer que o caminho violento seja o único, porque a história mostra
outras iniciativas possíveis, ainda que “radicais”. Radicais não no sentido da violência, mas
no sentido de tocar as mais profundas raízes da concentração da renda. No Welfare State este
intento foi logrado, pelo menos em parte, sob a ação concertada dos sindicatos e governos
social-democráticos. No Plano Real também ocorreu algum efeito de redistribuição de renda,
sob o impacto de certa tecnocracia esclarecida e de governo mais ligado a causas populares.
Mas como não foi resultado de processo histórico popular de conquista, acabou servindo
muito mais para a reeleição do presidente do que para refazer a estrutura da desigualdade.
No pano de fundo desta discussão está a questão da pobreza política, reconhecida hoje
até mesmo em ambientes neoliberais como a questão social mais dura. Garantir a
sobrevivência das pessoas é direito radical decisivo, mas ainda mais relevante que isso é
gestar a competência política de saber garantir a sobrevivência com as próprias mãos.
Porquanto, excluído irremediável é aquele que nem sequer consegue e é coibido de saber que
é excluído. Por isso pobreza política indica a condição de “massa de manobra”, objeto de
manipulação, subalternidade permanente. Pobre, mais que tudo, não é quem é destituído de
“ter”, mas de “ser”. De certa maneira, a obra de Mark destinou-se a mostrar ao proletário, por
todas as vias imagináveis, que o resultado de seu trabalho só poderia ser dele e que o processo
de mais-valia invertia a situação, ao permitir ao dono dos meios de produção apropriar-se do
valor gerado pelos outros. No fundo, Marx desenhava os traços básicos da “alienação”, no
sentido do trabalho indevidamente apropriado e do trabalhador tornado massa de manobra.
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Pág. 36-37-38-39 – Ser humano ignorante é aquele que ainda não foi capaz de descobrir que
as oportunidades podem ser feitas, inventadas, criadas, pelo menos até certo ponto. Sobretudo,
não descobriu que pode fazer-SE oportunidade. Não sabe o que é autonomia, ou a tem como
algo concedido, controlado. Não vislumbra o que poderia ser e fazer, desde que tenha
iniciativa, saiba se organizar, saiba pensar. Por isso, entrega seu destino a mãos estranhas e
hostis. Espera que outros resolvam seu problema. Observando deste modo, emancipação
apresenta um processo de extrema complexidade dialética, podendo-se ressaltar:
a) Num primeiro momento, emancipação sinaliza a necessidade de consciência
crítica, sobretudo autocrítica, pela qual a opressão é percebida como imposta e
injusta.
b) Como regra, processos emancipatórios precisam de “intelectuais orgânicos”, que
seriam gente mais consciente capaz de ativar a consciência crítica dos outros. Esta
dialética é de complexidade extrema, como vimos, mas corresponde ao processo
social de gestação da autonomia: precisa de ajuda e precisa também dispensar a
ajuda. Os intelectuais orgânicos são “orientadores” ou “facilitadores” dos
processos emancipatórios, não os donos; por isso, faz também parte da vida deles
ser dispensados pelos orientados, se é que estes chegam um dia a ter autonomia
plena.
c) Num segundo momento, o oprimido, sabendo da opressão, pode conceber
alternativas. Este fenômeno coloca à prova, desde logo, a qualidade de sua
consciência crítica e autocrítica: se continuar esperando a solução por parte dos
outros apenas, a autonomia ainda é incompleta ou mesmo farsante; se conseguir já
vislumbrar que é a peça-chave de qualquer solução, por mais que deva contar com
apoios externos, a autonomia começa a ser gestada adequadamente. Não é o caso
de desprezar apoios externos, mas de vê-los criticamente, ou seja, como apoios
supletivos. A assistência, vista deste modo, não faz mal; ao contrário, pode ser
empurrão fundamental. O conceito de alternativa não pode, de modo algum,
encerrar-se em propostas assistenciais, porque a assistência não é política de
alternativas.
d) A ideia de alternativa não implica necessariamente rompimento violento, mas
certamente radical, no sentido de inverter a relação de poder: passar da condição
de massa de manobra para a da capacidade de reagir como sujeito.
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e) Num terceiro momento, o oprimido pode descobrir as vantagens da cidadania
coletivamente organizada, aperfeiçoando sobremaneira a competência política; a
cidadania individual já é muito importante, porque corresponde à constituição
inicial do sujeito individual. Mas efetiva é sobretudo a coletiva, aquela que faz
volume, preenche os espaços, pode ser vista claramente, exerce influência e pode
definir a história. Porquanto, uma coisa é o trabalhador crítico e autocrítico, outra é
o sindicalizado que enche praça, fecha empresa, encurrala autoridades. Neste
sentido, todo processo emancipatório supõe o associativismo, fenômeno social de
extrema profundidade pelo qual as pessoas deixam de ser sujeitos isolados, para
tornarem-se sujeitos coletivos; é questão essencial de competência política, dentro
da pretensão de fazer história própria. Por sua vez, o associativismo coloca, de
novo, à prova a qualidade da cidadania, porque exige envolvimento político
profundo, que podemos chamar de militância. Como regra, as associações são
farsantes, porque só contam com os chefes e que foram muitas vezes gerados em
processos não democráticos, nas assembléias não comparece quase ninguém, não
se auto-sustentam1. Quando se ligam a órgãos públicos, tendem fortemente a
conceber-se como táticas de obtenção de assistência, pela qual pagam com
crescente subalternidade.
f) A cidadania coletivamente organizada precisa coincidir com a cidadania
emancipada, dotada de satisfatória competência política para poder ser sujeito de
suas próprias soluções. Quem tem o mínimo de consciência crítica e autocrítica
sabe sobretudo de seus vazios e precariedades; não toca trombeta na esquina, mas
sabe medir suas forças, buscar alianças, fazer parecerias, sempre sob o signo do
sujeito, não do objeto.
4 – Defender e Limitar a Assistência
Pp.43-44 – Para o mercado, pessoas improdutivas – ou, mais propriamente, incapazes
de gerar mais-valia – não interessam. Sobretudo a globalização competitiva descarta a força
de trabalho incapaz de acompanhar o ritmo da produção. É muito difícil divisar na assistência
qualquer “lucro” para o mercado, ainda que, com alguma boa vontade, se possa indicar que
trabalhador mais satisfeito, cuidado, protegido, pode produzir mais e melhor. Por esta e por
1 Veja critérios de qualidade associativa em DEMO, P. 1998a. Avaliação qualitativa. Campinas, Autores Associados.
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outras razões, a assistência sempre detém posição suspeita para o mercado, quando menos
porque é gasto improdutivo. Acrescem ainda dois motes importantes: dentro do teorema
social liberal, quanto maiores as necessidades sociais, menores são os recursos disponíveis, e
a assistência tende a viciar os pobres, despertando o parasitismo social. Dentro da lógica do
mercado, assistência pode ser feita somente em condições de pobreza residual e de afluência
econômica, que permitem gastar sobras para dar conta da questão. Crê-se que pobreza é
resíduo do funcionamento do mercado, não questão que possa acometer maiorias. Pobreza
para além de certo montante residual já soa a mau costume, inépcia, incompetência,
parasitismo. O Welfare State teria caído nesta arapuca e, agora, tem dificuldade de sair dela.
Em parte, o desmonte das políticas de proteção percorre esta rota, inclusive o apelo crescente
ao voluntariado. Em alguma medida, o assim dito “terceiro setor” alimenta a alternativa de
fazer o que o mercado não pode ou não quer fazer em política social1.
A crítica que aqui faço às políticas superdimensionadas de assistência nada tem a ver
com este pano de fundo. O que critico frontalmente é a tendência facílima de fazer da
assistência cultivo da ignorância popular, coibindo a possibilidade de emancipação encoberta
pela cidadania assistida. Critico também que, enquanto se busca, com retórica absurdamente
vazia, a assistência universal, nem sequer se garante a assistência permanente de que
segmentos fundamentais da população precisam. Não há como contestar a necessidade deste
tipo de assistência permanente, que só pode ser justificada por compromisso com a
democracia e com os direitos humanos. [...] na prática, nenhuma política de assistência social
– nem mesmo estas – poderia ser apresentada como pelo menos satisfatória. A mesma
brincadeira que a direita faz com a pobreza – tutelando-a de maneira clientelista – foi feita, até
certo ponto, pela LOAS e parte da esquerda que a defende, quando abraçou a pobreza inteira
como seu espaço de atuação. Dificilmente poder-se-ia imaginar superdimensionamento maior.
É, ao mesmo tempo, absurdamente ingênuo e incorreto. Ingênuo, porque nenhuma política
isolada poderia meter-se a dar conta da pobreza inteira, muito menos assistência, sem falar
que se trata de declaração meramente verbal, pior que as promessas eleitoreiras da direita.
Incorreto, porque a lei de assistência não é lugar indicado para desenhar proposta de combate
à pobreza, garantindo-se aí que se trata de coisa totalmente residual e bagatelizada. O combate
à pobreza precisa ser política tipicamente estratégica, envolvendo todos os setores, inclusive
os econômicos. Entretanto, deste truque já sabemos há muito tempo: o Congresso deixa passar
1 FERNANDES, R. C. 1994. Privado porém público, o terceiro setor na América Latina. Rio de Janeiro, Relume-Dumará.
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leis com retórica de esquerda, desde que se neguem os recursos e seu campo de atuação seja
considerado residual. Não é outro o destino do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Pág.45 – Ao lado desta defesa aberta que faço das assistências permanentes, é mister
defender também as assistências provisórias, sempre que necessárias, mas em nome da
emancipação. Vale aí que saber dispensar a ajuda é muito mais importante do que dela
precisar e sobretudo depender. A maioria das políticas de assistência vive sob este signo: nos
casos em que deveriam ser permanentes, são mantidas como provisórias, prevalecendo a
expectativa de doações graciosas por parte do sistema; nos casos em que deveriam ser
provisórias, tendem a motivar a expectativa de ajuda permanente, com o objetivo de manter o
vínculo de dependência. Daí não segue, em hipótese alguma, que a assistência deveria ser
descartada. Ao contrário, deveria ser bem-feita. Assistência bem-feita obedece aos parâmetros
da democracia e dos direitos humanos:
a) É direito líquido e certo que populações incapazes de se auto-sustentarem ou que
não deveriam preocupar-se com isso têm direito à assistência permanente,
independentemente de qualquer condição de mercado. Sociedade que não cuida de
suas crianças pobres, não monta rede abrangente de atendimento a excepcionais e
portadores de necessidades especiais, não trata bem seus idosos, revela que
mantém democracia farsante, hipócrita, perversa. Entretanto, porque está na lei,
alguma coisa se faz, mas apenas alguma coisa, cá e lá, sempre insuficiente e
insatisfatória.
b) Pág.46 – Pior que o problema de cobertura inadequada é sua falta total de
qualidade no atendimento. Basta olhar para as instituições que deveriam cuidar de
adolescentes infratores ou para as prisões, onde as rebeliões já se tornaram rotina:
falta tudo, espaço mínimo físico, cuidados educativos e assistenciais, programas
ostensivos de recuperação, ambiente humanizado, pessoal especializado, e assim
por diante. Fazem exatamente o contrário: são escola aperfeiçoada do crime.
c) Se o desacerto é desta magnitude nas políticas permanentes, nas outras é ainda
maior, constituindo-se no espaço preferencial do cultivo da massa da manobra.
Recriam a miséria ciclicamente, alimentando a ignorância sistematicamente.
d) Dentro dos parâmetros da democracia e dos direitos humanos, a assistência
precisa, pois, de adequada cobertura e qualidade, seja na versão permanente, seja
na provisória; precisa fazer parte do orçamento estruturadamente e ser considerada
verba intocável, como são intocáveis os direitos humanos. Entretanto, funciona
aqui outra face do mesmo teorema social liberal: quanto mais pobre a pessoa,
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menos condições tem de reagir; pode ser facilmente enganada, manipulada,
vilipendiada.
e) Regra fundamental de toda política social é não se propor como algo isolado e
setorial
f) Pág.47 – Regra ainda mais fundamental é o controle democrático popular, fonte
verdadeira da qualidade das políticas públicas. Aqui, porém, aparece o motivo
maior desta regra: o sistema não teme população com fome, mas teme população
que sabe pensar. Muitas vezes, assistir é feito para evitar o saber pensar ou para
cultivar a ignorância.
Ao lado de defender, também é mister limitar a assistência. Tenho três boas razões
para limitar a assistência:
a) A primeira refere-se à necessidade de gerar assistência que não prejudique o
processo emancipatório, criando no assistido vínculo irreversível de dependência.
Trata-se da tarefa heróica de ajudar de tal forma que o ajudado perceba ser mister
dispensar a ajuda. Esta dialética é talvez uma das mais sensíveis do ser humano,
porque é a maneira que a história conhece de fabricar a autonomia, sempre
arriscada, complicada e facilmente deturpável. Do ponto de vista do intelectual
orgânico, é mister aguda consciência crítica para perceber se a ajuda já está
abafando a autonomia do ajudado, e do ponto de vista do ajudado é necessária
sábia autocrítica para perceber se já está facilitando a condição de massa de
manobra, em vez de despertar para autêntica autonomia.
b) Pág.48 – A segunda limitação da assistência refere-se à necessidade rígida de
enfocamento das políticas, o que já indica não ser o caso fazer dela princípio
universal. Geralmente, as políticas públicas são de má qualidade, não interessando
aos ricos; mas, quando ocorre alguma de boa qualidade, invariavelmente seu
acesso se afunila em favor dos privilegiados, como é o caso notório das
universidades públicas de ponta ou do Hospital Sara Kubitschek. Aparece aqui
disjuntiva muito complicada entre fazer políticas públicas de baixa qualidade
tipicamente para os pobres – coisa pobre para o pobre – e fazer políticas públicas
de alta qualidade tipicamente para os ricos. Daí segue duplo desafio: fazer políticas
de qualidade para os pobres e evitar que os ricos se apropriem delas. Para tanto, é
mister colocar em ação um duplo movimento: o mais importante é gerar a
capacidade dos pobres de garantir seu espaço, fazendo uso da discriminação
positiva; a seguir, é fundamental encontrar democracias que sejam capazes de
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implantar esta direção, por exemplo, garantir escola pública de boa qualidade para
as periferias. A ideia de limitar a assistência aqui não significa negá-la, mas, ao
contrário, potenciar seu efeito por meio do devido enfocamento.
c) Pág.49 – A terceira limitação da assistência se refere à necessidade de evitar sua
setorialização, tanto no sentido de agir sozinha quanto no de querer fazer tudo
sozinha. A LOAS pretende fazer tudo sozinha, aceitando – alegremente! – a
pobreza inteira, caracteristicamente se recursos ao menos adequados e condições
institucionais de articulação. [...] o saber pensar só se engrandece se souber
ancorar-se em devida e adequada assistência.
Pág.50 – A dádiva maquiavélica corrói o sujeito, enquanto a dádiva solidária pode
promover a libertação. No pano de fundo desta interpretação, estou manejando a dialética do
conflito social, sobretudo de olho na relação de classe.
5 – Abusos Corporativistas do Estado
Pp.51-52-53 – Seria ocioso apontar no Congresso a representação dos interesses da
elite econômica e política, muito mais do que dos interesses populares. Estes são lembrados
no momento do voto, comprados com incríveis migalhas eventuais, sobretudo com ofertas
assistenciais. Já estamos também acostumados a que partidos de direita, principalmente ditos
liberais, se apresentem como peritos em reforma do Estado e moralização pública, enquanto
fazem do Congresso a banca de negociatas sem fim e sem pudor. Não há voto que não tenha
seu custo.
Entretanto, pode nos surpreender que, sendo o poder mais maquiavélico do que
capitalista, parte da esquerda também se dedique a espoliar o Estado. À medida que o
funcionalismo público, cansado do descaso geral, sobretudo em alguns setores onde a
discriminação é descomunal, como no professorado básico, descobriu que poderia encontrar
no Estado espaço privatizável, evita o confronto direto com o mercado, para especializar-se
em alargar espaços públicos corporativistas1. Muitas bandeiras são nobres, ainda que os
resultados pífios, como por exemplo, a bandeira da eleição dos reitores de universidades e dos
diretores de escola. Estas conquistas também são nobres e dificilmente teriam acontecido sem
a organização política adequada, mas propendem para a proteção de benesses escusas, ainda
que, por vezes, pouco significativas. Perdeu-se, entre outras coisas, a relação com o bem
1 BOSCHI, R. R. (org). 1991. Corporativismo e desigualdade. A construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro, Rio Fundo Editora.
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comum e evita-se, de qualquer modo, o controle popular. Trata-se de assistencialismo que
começa em casa: primeiro para os funcionários do Estado, depois, se sobrar, para a população.
Todavia, antes de avançar neste tipo de análise, convém relembrar o processo de
concentração de renda vigente no Brasil, considerado um dos mais perversos no mundo. [...] o
país representa mais ou menos a décima economia mundial, mas no ranking aparece por volta
do 60º lugar. É sempre muito enfático o reconhecimento de que a América Latina é “a região
que maior desigualdade registra em todo o mundo” (BID, 1998:V). “Na média, os países da
região se vêem afetados pela maior desigualdade do mundo em matéria de ingressos: no
Brasil e na Guatemala, os 10% superiores da população absorvem quase 50% do ingresso
nacional, enquanto os 50% inferiores da escala ganham apenas algo mais do que 10%.” E
acrescenta pateticamente: “Maior importância tem o fato de que o problema não mostra sinais
claros de melhoria. As melhores mensurações de que dispomos indicam que a distribuição do
ingresso melhorou nos anos setenta, registrou considerável deterioração nos oitenta e tem
permanecido estancada em elevados níveis nos anos noventa. (...) Segue que esta
desigualdade parece ser fenômeno perdurável e de raízes profundas” (BID:1).
As grandes diferenças salariais, porém, não se devem apenas à distinção entre
capitalistas e trabalhadores, mas às distâncias salariais entre os próprios trabalhadores. No
decil1 superior só 14% seriam empregadores, quer dizer, a concentração de ingressos se
realiza também pela distribuição extremamente desigual entre as pessoas que vivem de
salário. Aparece aqui marca típica de países muito desiguais: a desigualdade de ingressos é
mais forte na comparação entre capitalistas e assalariados, mas pode ser também espetacular
no seio dos próprios assalariados, quando pequena parcela deles passa a ganhar rendimentos
tão elevados que mais os aproxima dos capitalistas que dos assalariados.
Pág.57-58 – Os chefes de domicílio dos 10% mais ricos se caracterizariam por quatro
marcas mais ostensivas: nível de educação, tipos de emprego/trabalho, zona de residência e
número de filhos. Na média, possuem por volta de 11,3 anos de escolaridade. “As distâncias
educacionais mais pronunciadas entre os decis mais ricos se encontram no Brasil, México e
Honduras, onde são superiores a três anos, e somente no Peru são menores que dois anos”
(BID, 1998:22). [...] passou o tempo em que os “trabalhadores” eram – todos – categoria
explorada. Cada vez mais aparecem trabalhadores que estão francamente ao lado dos
detentores dos meios de produção, alojando-se no decil superior, onde, segundo o relatório,
1 As comparações são feitas, como regra, por decis, ou seja, dividindo a população em blocos correspondentes a 10%, em dez decis. Decil superior significa, então, o décimo decil, ou aqueles 10% que estão no topo da escala de ingressos, assim como decil inferior há de representar o primeiro decil, ou aqueles 10% que estão na base da escala, percebendo os menores rendimentos.
14
somente 14% seriam empregadores. Há assalariados que estão também na causa da
concentração da renda, quando se distanciam em demasia das bases. Tanto na empresa
privada como no setor público existem camadas de assalariados absolutamente privilegiadas,
chamando a atenção sobretudo assalariados públicos que, estando dentro da máquina estatal,
souberam cercar-se de benesses duvidosas, sem que estas possam um dia chegar à maioria da
população. Esta “cultura” do privilégio instalou profunda desordem salarial, que já não
obedece a padrões mínimos de relação com produtividade, importância social e econômica,
escolaridade, mas funda-se em trambiques ostensivos, seja pela manipulação da lei (agregação
de vantagens salariais, pensões e aposentadorias absurdas, confusão entre direito adquirido e
usurpação), seja pela reserva de poder (salários de deputados e similares ou de juízes), seja
pelo apadrinhamento político e acumulação de salários.
Por isso, deve-se afirmar que a desconcentração da renda é sobretudo fenômeno
político de conquista histórica. A cidadania ainda é a cláusula central da equidade.
Pág.59 – Caricaturando as coisas, o projeto inclui que 90% da sociedade “se esfole”
para manter os privilégios de 10%.
Pp.60-61 – À medida que o funcionalismo foi se organizando, fenômeno necessário
dentro de grupo dotado de suficiente educação, por saber da importância da cidadania
organizada, soube moldar legislação propícia, que sacralizou alguns princípios de auto-defesa,
como a isonomia e a estabilidade, além da aposentadoria integral, para falarmos apenas em
três bastiões centrais. Em determinadas carreiras, a estabilidade é necessária para seu
exercício desimpedido, bem como seria de esperar que, pelo mesmo serviço, se possa ganhar
salário similar. Quanto à aposentadoria integral, é mais difícil de defender, porque representa,
para salários altos, espoliação inqualificável da sociedade. É sempre o caso distinguir entre
salários muito altos e aqueles tidos como normais ou baixos, para os quais talvez fosse
possível defender aposentadorias integrais, porque não precisariam estar acima ou pelo menos
muito acima daquelas privadas. Estando a aposentadoria privada de maior valor algo acima
dos R$ 1.000,00, torna-se afrontoso imaginar que qualquer salário público possa gerar
aposentadoria integral sem limite.
Estarrece que se queira usar para aposentadorias integrais elevadas – típicas do decil
superior – o argumento do “direito adquirido”, pois privilégios desta ordem são claras
usurpações, obrigam a sociedade inteira a sustentá-los, privatizam o setor público. Mesmo
alcançadas “dentro da lei”, não é aceitável “roubar” a população dentro da lei. Se assim fosse,
não teríamos argumentos para reclamar da direita, quando mostra extrema perícia em
“roubar” dentro da lei. Ademais, recursos públicos não podem gerar direito adquirido, pela
15
razão de que não são disponíveis diretamente. Por sua vez, a estabilidade foi o consolo para
salários baixos, que, acompanhada da aposentadoria integral, ainda mantém algum interesse
em carreiras públicas mesmo decaídas. Todavia, o movimento de autodefesa corporativista
passou a superar, com frequencia maior, o compromisso com o serviço público. Embora a
imagem que a sociedade tem do funcionalismo público seja em grande parte equivocada e
injusta, porque encobre – por força da detração liberal sobretudo – em muitos lugares relações
indignas de trabalho, detém alguma razão de ser. Não se pode esquecer, hoje, que a maioria
do funcionalismo não tem aumento há mais de quatro anos.
Todavia, a luta renhida em torno das remunerações, em particular no Judiciário, sem
falar no Legislativo e em menor escala no Executivo, escancara o abuso do Estado por parte
de segmento público [...]. Não é, pois, diferente dos ideais da burguesia, que os partidos
pretenderiam combater. Com certeza, o magistrado que alimenta tal expectativa salarial não
pode ter noção adequada de justiça, nem o congressista pode estar vinculado às causas
populares e o governante interessado em redistribuir renda. Esta situação bizarra lembra a
crítica acerba feita ao Banco Mundial: tem por meta promover o desenvolvimento, sobretudo,
de regiões pobres, mas angariou para si a condição de instituição extremamente privilegiada,
em particular para seus técnicos. Estes mostram, com total perícia, que sabem melhor cuidar
de si do que dos pobres.
Pp. 62-63 – A discussão atual em torno da reforma da Previdência nos parece
característica. Segundo a experiência da maioria dos países desenvolvidos, aposentadorias
integrais são impraticáveis, porque impõem ao Tesouro nacional peso desmedido, que terá de
ser dividido com a sociedade como um todo. A direita, tradicionalmente, saqueou o Estado,
sobretudo pela apropriação privada dos gastos orçamentários mais importantes, bem como
através de trambiques legais com respeito a indenizações, dispensas fiscais, acessos
facilitados a financiamentos. Este jeito de agir como o Estado é tradicional, e marcou nosso
entendimento comum de que o Estado é feito para ser saqueado. Governantes que não fazem
isso são ingênuos, despreparados, incompetentes. O melhor que já conseguimos em nossa
história é governante que “rouba, mas faz”.
É certo que ultimamente tivemos a experiência de governos da esquerda que, a par de
naturais fracassos, também souberam mostrar que é possível governar sem roubar. As três
gestões sucessivas do PT na Prefeitura de Porto Alegre nos parecem exemplares. Mas isto
ainda é história peregrina.
Pág.64 – Enquanto isso, os trabalhadores do setor privado observam, perplexos, esta
farra pública, porque, além de serem a origem básica dos tributos, são condenados a migalhas
16
de oferta pública inaceitável, como é o atendimento hospitalar, previdenciário, escolar,
assistencial.
Pp.65-66-67 – Para nossa discussão aqui, este “assistencialismo caseiro” revela como
a assistência vem sendo entendida, não só pela direita, mas também por certa esquerda
instalada no funcionalismo público de modo corporativista.
Exemplo flagrante é a universidade pública gratuita. Se levarmos em conta que por
volta de 40% dos alunos não completam o ensino fundamental, já poderíamos afirmar que os
pobres de verdade jamais estudarão de graça na universidade pública. O argumento da
gratuidade é feito em nome dos pobres, mas serve aos ricos.
Política social redistributiva exige desfazer privilégios ostensivamente. Por isso, é sua
função central desprivilegiar claramente os mais ricos. Seria necessário fazê-los pagar,
precisamente para que os pobres não precisem pagar.
A gratuidade universal somente poderia funcionar, de alguma maneira, se a sociedade
não fosse tão desigual. Não se pode aceitar o argumento de que todos já pagam impostos e
que, por isso, a universidade não é propriamente gratuita, porque isto é estritamente comum.
Precisamos ir muito além disso e saber obrigar os ricos a pagarem a conta. O
superdimensionamento da assistência dentro do Estado é muitas vezes alimentado pelo
próprio Estado, o que revelaria que sua tendência mais fácil não é proteger os pobres, mas
praticar o assistencialismo.
6 – Para Combater a Pobreza
Pág. 69 – Assistência social não é política social diretamente vinculada a combater a
pobreza, porque sua função central é garantir o direito à sobrevivência. Porém, pode
contribuir para o combate da pobreza, aliando-se a outras políticas, entre as quais não pode
faltar o compromisso econômico.
Pág.70-71-72 – Primeiro, deixa-se de perceber que o combate à pobreza no Welfare
State não foi obra da assistência social, mas resultado de percurso histórico complexo de
conquista popular, secundada certamente por florescimento econômico considerável. Neste
percurso, descobriu-se sobretudo que a renda não pode ser apenas distribuída. Se assim fosse,
bastaria assistência. Para atingir o nível específico da redistribuição da renda, toda a
sociedade e toda a economia precisam ser mobilizadas e isto somente pode ocorrer –
principalmente no capitalismo – com extraordinário controle popular, que, por sua vez, supõe
cidadania ativa e organizada, além da universalização da educação básica. Segundo, esta não
17
é toda a história. Trágico mais que tudo é ter de reconhecer que o Welfare State já é canto da
sereia: durou apenas trinta anos e somente no centro. A tese marxista do trabalho abstrato e da
sociedade da mercadoria – mais que a tese da relação de classes possivelmente – mostra-se
profundamente correta, porque assinala que no contexto capitalista o combate à pobreza só
pode ocorrer de modo intermitente e seletivo, como são, para a maioria das pessoas,
intermitentes e seletivos bons salários. O Estado já não tem recursos para tais políticas
consideradas apenas eventuais. Estranhamente, também é aceita a tese de que jamais tivemos
sociedade tão rica e afluente, extremamente produtiva e competitiva, cada vez mais
globalizada. Os pobres, de novo, já não são detentores de direitos, mas sobretudo ineptos
economicamente. Sua focalização será sobretudo negativa, estigmatizante, também para
forçá-los a voltar ao mercado.
A combinação entre mercado e justiça social foi perseguida com afinco1, também por
vastos setores da direita, não tanto por convicção, mas por temor diante da “ditadura do
proletariado”. Berlim Ocidental, encravada na Alemanha Oriental, foi um dos signos mais
potentes desta luta também ideológica: pretendia-se mostrar o quanto o sistema capitalista
seria superior ao socialista. Ironicamente, porém, com a derrocada do socialismo real ao final
da década de 80, completa-se também a derrocada do Welfare State, cujo indicador mais claro
parece ser o estilo de globalização que vivenciamos hoje: trata-se de centralização violenta no
dinamismo econômico dos Estados Unidos, único país que se mostrou menos afetado pela
crise. Longe de ser fenômeno alvissareiro de redistribuição das chances de desenvolvimento,
ocorre forte “americanização” do mundo, processo sustentado por duas forças decisivas no
mercado atual: a competitividade produtiva e sua base na intensividade do conhecimento2.
Pág.73 – Não se trata de desconhecer o brilho histórico do Welfare State, tendo em
vista que algumas populações tiveram dele proveito notável, mas de apontar que jamais foi
capaz de reverter a concentração da renda e do poder. No capitalismo é impossível colocar
democracia e direitos humanos acima do mercado. Não é o lugar da democracia e dos direitos
humanos, embora precise deles para maquiar-se.
Pág.75 – Para combater a pobreza, no concerto dos fatores, o mais estratégico tende a
ser a cidadania, porque esta é claramente fim, juntamente com conceitos fundamentais como
1 KONRAD-ADENAUER-STIFTUNG. 1992. Desenvolvimento econômico com justiça social: A economia social de mercado. São Paulo. Traduções 3, Centros de Estudos. KONRAD-ADENAUER-STIFTUNG. 1992. Economia social de mercado: um modelo transferível? São Paulo, Traduções 4, Centro de Estudos. KONRAD-ADENAUER-STIFTUNG. 1995. O difícil caminho para a justiça social. São Paulo, Debates 7.2 PRZEWORSKI, A. 1989. Capitalismo e social-democracia. São Paulo, Companhia das Letras. PRZEWORSKI, A. 1994. Democracia e mercado no Leste europeu e na América Latina. Rio de Janeiro, Relume-Dumará. PRZEWORSKI, A. 1995. Estado e economia no capitalismo. Rio de Janeiro, Relume-Dumará.
18
democracia e direitos humanos. Volta-se sobretudo à superação da pobreza política, pois esta
expressa mais a pobreza dos fins do que dos meios. A cidadania implica, antes de mais nada,
sujeitos capazes de história própria, individual e coletiva, politicamente competentes para
organizar-se de forma adequada em torno dos fins e também em torno dos meios. [...] o
primeiro passo do combate à pobreza é desfazer a massa de manobra, se quisermos ir além da
simples sobrevivência. Esta visão indica, ademais, que é impraticável combater a pobreza sem
ter o pobre como figura central. Tê-lo como cidadão é absolutamente mais decisivo do que tê-
lo como beneficiário. Assistência social malconduzida pode obter efeito contrário, à medida
que agrava a ignorância do pobre, tornando-o ainda mais dependente dos próprios algozes.
Pp.76-77 – Por conta dos respingos do Welfare State, predomina entre nós a
expectativa do Estado como dono absoluto das políticas sociais, a ponto de fazê-lo redentor
das massas excluídas. Na verdade, o Estado realiza as políticas sociais que lhe foram
cometidas pela cidadania, não o contrário, e só as faz bem sob estrito controle democrático.
Quando se instala a ideia de que o Estado cuida dos pobres, sendo estes, ademais, segmentos
expressivos, por vezes majoritários, da população, o assistencialismo se torna regra, dentro da
contradição flagrante de tratar como resíduo social e econômico o que, na verdade, é a
representação mais legítima da respectiva sociedade.
Tomando como fulcro o conceito de emancipação, parece cada dia mais claro que a
política mais fundamental é a política social do conhecimento, porque, com base na
aprendizagem reconstrutiva de teor político, está mais próxima da formação da competência
política. [...] põe-se o grande desafio de ser autônomo solidariamente, combinando os direitos
próprios com os dos outros. Não se trata da noção dominante de solidariedade, manejada
capciosamente para aquietar os excluídos, mas da solidariedade a partir dos excluídos, de
acordo com a standpoint epistemology: saber ver a realidade não apenas a partir de nós
mesmos ou dos donos do conhecimento, mas sobretudo a partir dos excluídos do
conhecimento e do poder1. Mesmo que todo mercado seja seletivo, porque afunila as
carências, não é mister permanecer em sua versão capitalista. Mesmo que a renda não possa
ser igualmente distribuída, pode ser sempre redistribuída de acordo com critérios mais
equânimes.
Assim, o critério fundamental do combate à pobreza será conseguir que o pobre se
faça sujeito de suas próprias soluções.
1 HARDING, S. 1998. Is science multicultural? Postcolonialisms, feminisms, and epistemologies. Bloomington and Indianapolis, Indiana University Press.
19
Pág.78 – O segundo fator mais fundamental do combate à pobreza é a adequada
inserção econômica no mercado de trabalho. Uma das maiores ingenuidades da assistência
social, sobretudo quando apregoada como universal, é a de “passar por cima” do mercado,
inclusive de seu financiamento. Por certo a assistência é devida acima do mercado, mas isto
permanece letra morta sem a devida cidadania, como é o caso notório no Brasil. É letra morta,
nada mais. Sendo a relação liberal de muito mais que “belas palavras” para colhermos algum
efeito social. A confiança excessiva no Estado, sobretudo a fantasia de recursos infinitos de
preferência disponíveis para os pobres, é apenas outra ingenuidade gritante, que somente
favorece a posição residual das políticas assistenciais. O confronto com o mercado é parte
substancial do combate à pobreza.
Pág.79 – Um dos grandes problemas é o crescimento sem emprego, por conta da
intensividade do conhecimento: é possível produzir mais e melhor com redução da mão-de-
obra. O mercado, deixado a si mesmo, exacerba a exclusão social, ao mesmo tempo que pode
avançar, de modo espetacular, no campo da produtividade1. Esta contradição não será
resolvida pelo próprio mercado, como imagina o neoliberalismo. A presença da cidadania se
fará cada vez mais decisiva, já que a competência econômica precisa ser monitorada pela
competência política. Porém, como no capitalismo é impossível colocar os direitos humanos
acima do mercado, estamos diante de disjuntiva radical, buscando superar a sociedade da
mercadoria. Por falta de concorrente, o neoliberalismo se imagina senhor absoluto da
situação, mas surgem cada vez mais vozes contrárias, que vão desde o assim dito terceiro
setor, até os temores de degradação ambiental irreversível, passando pelo mundo das drogas
como alternativa de renda. Sabemos fazer riqueza, mas ainda não sabemos redistribuí-la.
Continua faltando mais competência política do que econômica.
Pág.80 – E o terceiro fator no combate à pobreza é assistência social, quer na versão
permanente, como expressão da democracia e dos direitos humanos, quer na provisória, como
expressão de salvaguarda da emancipação. Qualquer mínima concepção de dignidade
histórica vai aceitar que pessoas improdutivas, por não representarem interesse para o
mercado, não podem ser abandonadas à sua sorte, porquanto algumas são improdutivas por
razões permanentes ou porque não devem ou podem preocupar-se com isso, enquanto outras o
são porque o mercado não as incorpora. Esta função da assistência é algo que poderíamos
chamar de “sagrado”, como é sagrado o direito à sobrevivência. Entretanto, não combate a
pobreza a assistência que alimenta a pobreza política dos excluídos. Esta tem predominado de
1 RIFKIN, J. 1995. O fim dos empregos. O declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. Rio de Janeiro, Makron Books.
20
modo insistente nas políticas do Welfare State, sobretudo quando é apenas imitado
canhestramente. Não é por outra razão que a direita já adotou este tipo de assistência, até
mesmo a renda mínima, porque se apercebeu de seu efeito desmobilizador. Gasta-se pouco e
consegue-se mais facilmente o voto.
Todavia, o abuso não tolhe o uso. Será sempre fundamental manter a rede institucional
pública de atendimento assistencial adequado a segmentos populacionais mais expostos [...].
Pág.81 – O combate à pobreza implica, ademais, mudança cultural radical, a começar
por superar as “bagatelizações” comuns, inclusive na assistência, de que algumas sobras dão
conta do problema.
7 – Desenvolvimento Como Oportunidade e Liberdade
Recordando a notória postura marxista, o fato de o modo de produção capitalista ser
tão adverso aos trabalhadores não impediu que Marx reconhecesse seu traço revolucionário,
porque, pelo menos teoricamente falando, toda passagem de modo de produção acarreta
processo revolucionário, pois muda a relação infra-estrutural.
Pp.84-84 – Atualmente, outra discussão similar está em campo [...]. Trata-se da ideia
de Sen de definir desenvolvimento como liberdade1, no contexto de defesa bem articulada da
distinção dentre fins e meios. O mercado passa para a condição de meio, por mais
fundamental que possa/deva ser considerado, tornando-se fim o que o autor chama de
capability, ou seja, competência política. Reconhece que vivemos hoje com opulência sem
precedentes, dentro de um mundo caracterizado também por mudanças marcantes além da
esfera econômica. A democracia tornou-se forma predominante de governo, e conceitos de
direitos humanos e liberdade política fazem parte da retórica prevalecente. A expectativa
média de vida ampliou-se consideravelmente. O fenômeno da globalização liga regiões
diferentes do planeta, por conta não só dos negócios, comércio e comunicação, mas
igualmente em termos de pensamentos interativos e ideais. Todavia, reconhece igualmente
que vivemos em um mundo com privação, destituição e opressão marcantes. Há muitos novos
e velhos problemas, incluindo a persistência da pobreza e o atendimento precário das
necessidades elementares, ocorrência de fome e vasta carência nutricional, violação das
liberdades políticas e básicas, negligência extensiva dos interesses e organizações das
mulheres, atentados crescentes ao ambiente e à sustentabilidade da economia. A confiança no
mercado está se esgotando, embora o discurso neoliberal tenha sido conclamado para
1 SEN, A. 1999. Development as freedom. Nova York, Alfred A. Knopf.
21
recuperar as virtudes esquecidas do livre mercado, como verdadeira “superstição”, no dizer de
Sen. Desenvolvimento significa superar todos esses problemas.
P.p86-87 – Desenvolvimento pode ser visto como processo de expansão das liberdades
reais que as pessoas desfrutam. Focar sobre as liberdades humanas contrasta com visões mais
estreitas do desenvolvimento, tais como identificar o desenvolvimento com o crescimento do
produto nacional bruto, ou com o aumento da renda pessoal, ou com industrialização, ou com
avanço tecnológico, ou com modernização social. Crescimento do produto nacional bruto ou
das rendas individuais podem, por certo, ser muito importantes como meio para expandir as
liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade. Mas as liberdades dependem também de
outros determinantes, como arranjos sociais e econômicos (por exemplo, facilidades para
educação e cuidado com saúde), bem como direitos políticos e civis (por exemplo, a
liberdadede participar em discussão e questionamento público” (p.3). Trata-se de voltar a
atenção para os fins, mais do que para os meios, expressando a reação contra a tendência
liberal marcante de fazer dos seres humanos instrumento do mercado.
“Liberdade é central para o processo de desenvolvimento por duas razões distintas: a)
razão avaliativa: a avaliação do progresso deve ser feita primariamente em termos se as
liberdades que as pessoas têm são aumentadas; b) a razaão da efetividade: o desempenho do
desenvolvimento é profundamente dependente da iniciativa livre das pessoas” (p.4). Assim,
para decidir se existe ou não desenvolvimento, o critério mais fundamental é apreciar se as
liberdades das pessoas estão sendo incrementadas, e, a seguir, constatar a congruência entre
desenvolvimento e iniciativa livre dos indivíduos, porque a expectativa é que o
desenvolvimento decorra da liberdade. “A habilidade do mercado como mecanismo para
contribuir com crescimento econômico elevado e com progresso econômico em geral tem
sido largamente – e corretamente – reconhecida na literatura contemporânea sobre
desenvolvimento. Mas seria equívoco entender o lugar do mecanismo do mercado só em
termos derivativos. Como Adam Smith observou, liberdade de troca e transação é parte e
parceira das liberdades básicas que as pessoas têm razão de valorizar” (p.6). O laivo
neoliberal reponta facilmente na expectativa de que com regra é possível combinar mercado
capitalista e liberdade, seja pela via da suposição de que o mercado capitalista é o modelo
universal, seja porque deve ser o mercado mais aproximável das liberdades individuais. “É
difícil pensar que qualquer processo de desenvolvimento substancial possa ser feito sem uso
extensivo de mercados, mas isto não exclui o papel do suporte social, regulação pública, ou
presença do Estado quando podem enriquecer – mais do que empobrecer – as vidas humanas”
(p.7).
22
Pág.88 – Toma como exemplo a questão do emprego e do desemprego, vista quase
sempre como mera relação de mercado. “Desemprego não é apenas deficiência de renda que
pode ser corrigida por transferências feitas pelo Estado; é também fonte de efeitos
debilitadores de muito longo alcance sobre a liberdade individual, iniciativa e habilidade.
Entre os múltiplos efeitos, o desemprego contribui para a ‘exclusão social’ de alguns grupos,
e leva a perdas de auto-sustentação, autoconfiança, e saúde psicológica e física (p.21).
Preocuparia mais, assim, a falta de oportunidade na vida do que a falta de recursos materiais.
Pág.89 – Prevalecem, comumente, duas visões de desenvolvimento: uma o vê como
processo selvagem ou de dura disciplina; outra como processo amigável. Sen tende para a
segunda postura, pois as finalidades da vida não podem esgotar-se em procedimentos
instrumentais.
Pág.90 – O que a perspectiva da competência política faz na análise da pobreza é
aprimorar o entendimento da natureza e causas da pobreza e da privação, empurrando a
atenção primária além dos meios (em particular daquele mais superdimensionado, que é
renda) para os fins que as pessoas têm razão de perseguir, e, correspondentemente, para as
liberdades de ser capaz de satisfazer a tais fins” (p.90). Esta argumentação parece clara no
plano lógico, já que a noção de meios se coloca em patamar mais elevado que a de meio,
ainda que os fins não justifiquem os meios. Menos ainda, porém, os meios podem tornar-se
fins. Neste sentido, o mercado é claramente meio e deve estar a serviço dos fins, que Sen
define como liberdade ou competência política.
Pág.91 – “Educação básica melhor e cuidado de saúde aprimoram a qualidade de vida
diretamente; também incrementam a habilidade das pessoas de ganhar renda e de estar livres
da pobreza de renda igualmente” (p. 90). Dá o exemplo de Kerala (estado da Índia), marcado
por baixa renda per capita, mas boa redistribuição, onde se confia mais na expansão da
educação básica, cuidado de saúde e distribuição equânime da terra do que no acesso à renda.
“Só a redução da pobreza de renda sozinha não pode ser possivelmente a motivação última de
política antipobreza.” Não se pode confundir meios e fins, como se a importância da educação
fosse apenas de melhorar a renda. “As conexões instrumentais, mesmo sendo importantes, não
substituem a necessidade de entendimento básico da natureza e características da pobreza”
(p.92).
Pp. 93-94 – Acredita que é possível combinar democracia e crescimento, começando
por constatar que o autoritarismo não funciona bem como se imagina por vezes. Argumentos
empíricos não sustentariam a tese do conflito inevitável... “Direitos políticos e civis,
especialmente aqueles relacionados em garantir clima aberto de discussão, debate, crítica e
23
dissensão, são centrais para o processo de geração de escolhas informadas e reflexivas”
(p.153). Democracia não é algo automático, mas é fundamental para o desenvolvimento. Por
fim, mostra que é mister superar a visão do “capital humano” em favor da competência
humana, já que o primeiro volta-se para a produtividade, enquanto o segundo para a liberdade.
Pág.95 – A referência fundamental, para nosso ponto de vista aqui, é que pobreza
política é mais preocupante que a pobreza material e a superação daquela é mais estratégica
que desta, embora não se trate de “duas” pobrezas, mas de faces do mesmo processo de
exclusão social.
8 – Contradições da Ajuda
Pág.97 – Assim como o discurso sobre solidariedade tende a ser daqueles que a
obstaculizam, também o da ajuda tende a ser daqueles que a usam para dominar. Dizia já que,
na lógica dialética da emancipação, ninguém, em condições normais, realiza seu processo de
libertação sem a ajuda de outros, ainda que o processo implique, mais que qualquer coisa,
saber libertar-se também desta dependência. Emancipação total é quimera e, no fundo,
prepotência pelo avesso. Trata-se, assim, de buscar certo meio termo, capaz de equilibrar a
necessidade de ajuda com a prevalência da emancipação.
Pp.98-99 – Toda relação humana implica pelo menos outra pessoa e, como somos
constituídos para viver em sociedade, “necessitamos” destas relações, o que já implica alguma
dependência. É claro que existe também autêntica generosidade, onde prevalece o altruísmo.
Em termos dialéticos, procura-se entender que a dinâmica desta relação se deve a sua
polarização histórica e estrutural. Relações iguais seriam paralelas ou a mesma coisa. As
pessoas, em si, são iguais – perante a lei, por exemplo –, mas na prática, quando se
relacionam, também se medem, confrontam, discriminam. Se as pessoas fossem, de fato, na
prática, iguais, não precisaríamos da lei. A necessidade de leis, digamos, dos direitos
humanos, expressa, mais que tudo, a prática da discriminação.
Na expectativa funcionalista, a sociedade é sobretudo sistema integrador,
complementar, adaptativo, predominando o consenso sobre a dissensão. Na postura dialética,
predomina o conflito, não no sentido negativo destrutivo, mas no sentido construtivo da
unidade de contrários, tipicamente dinâmica porque polarizada. O que une ou aproxima as
pessoas não é apenas atração somatória, mas relação contrária, em parte sempre divergente,
inconfundivelmente individual, na qual as diferenças se tornam também desigualdades. As
relações sociais não são reprodutivas, no sentido da mera repetição, mas produtivas, no
24
sentido da mudança como algo estrutural, além de histórico. Podemos colocar isto também no
contexto do poder: o fenômeno do poder é intrinsecamente constituído de desigualdade, não
apenas de diferença, porque se não existir um lado que predomina e outro que se submete, não
comparece o fenômeno, sobretudo sua dinâmica. Em teoria, as culturas, por exemplo, são
apenas diferentes, nunca inferiores ou superiores. Na prática, quando se relacionam, o
confronto surge de forma natural, porque a dinâmica dialética imediatamente se instala e
comanda o intercâmbio1.
Pág.100 – Cita frase dura de Przeworski:
“A ideologia neoliberal, emanando dos Estados Unidos e de várias agências internacionais, prega que a
escolha é óbvia: existe apenas um caminho para o desenvolvimento, e deve ser seguido... Todavia, se
um marciano fosse indagado a apontar os sistemas econômicos mais eficientes e humanos na Terra,
certamente não escolheria os países que confiam mais nos mercados. Os Estados Unidos são economia
estagnada, na qual os salários reais estão constantes por mais de uma década e o ingresso real dos 40%
mais pobres da população declinou. É sociedade desumana na qual 11.5% da população – por volta de
28 milhões de pessoas, incluindo 20% de crianças – vivem na pobreza. É a mais velha das democracias
na Terra, mas tem uma das mais baixas participações de voto no mundo democrático e a maior
população per capita na prisão do mundo” (p.57).
A subserviência ao mercado liberal aparece sobretudo na ideia obsessiva da educação
como investimento, à luz do capital humano, considerada teoria perfeita. Como víamos, Sen
se opõe a isto, por conta de sua definição de desenvolvimento como liberdade. Aprender
deixa de ser meta prioritária, priorizando-se simples frequencia. Não se promove o lado
crítico da educação, apenas a eficiência. Sobretudo ocorre redução da aprendizagem à
instrução bancária, no contexto reprodutivo mais frontal.
Pág.101 – “A retórica apaixonada de McNamara criou a impressão de que o Banco estava se
concentrando em combater a pobreza, mas suas estatísticas mostram outra coisa. A maior parte dos US$
77 bilhões de empréstimos feitos durante seu reinado sustentou a industrialização através de projetos de
infra-estrutura tradicional: estradas, represas, oleodutos, portos, facilidades de transporte, e coisas do
gênero. Menos de 10% foram para educação, saúde, planejamento familiar, suprimento de água, e
outros programas que poderiam ajudar o pobre diretamente. Nesta categoria, além do mais, a maior
parte dos recursos foram gastos em construção e na importação de equipamento de alta tecnologia, não
em provisão de serviços” (p.106).
1 FOX, C. 1999. “The question of identity from a comparative education perspective”. In: ARNOVE, R. F. & TORRES, C. A. (Ed.).1999. Comparative education. The dialectic of the global and the local. Nova York, Rowman & Littlefield Publishers, p. 135-147.
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Pp. 103-104 – E conclui Caufield:
“O meio século passado de desenvolvimento não favoreceu as pessoas mais pobres, nem os países mais
pobres. Antes, pagaram caro – e seus descendentes continuarão a pagar caro – pelos benefícios
desproporcionadamente pequenos que receberam. Por outro lado, há muita gente que se aproveitou do
desenvolvimento. Certamente, o Banco como burocracia prosperou, bem como as burocracias -
nacionais e internacionais – com as quais fizeram negócios. Muitos chefes de governo, especialmente
aqueles que governam sem suporte da população, puderam contar com o Banco para suprir os fundos
que não teriam encontrado em outro lugar” (p.338).
Como busquei mostrar em outros momentos, a pobreza tem indisfarçável charme para
esta tecnocracia desvairada, tendo se tornado refinado negócio de privilégios1. O pobre, como
sempre, fica de fora, é sobretudo massa de manobra. Se isto ocorre em instituição dotada de
grande reconhecimento público e, mais ou menos, visível à sociedade, o que não ocorre por
baixo dos panos em propostas de ajuda manejadas pelos donos do poder em nossas
sociedades! Parece-me claro que se a direita começa a interessar-se por coisas como renda
mínima, solidariedade e outras bijuterias sociais, é porque algo mais que suspeito está por
trás. O que menos está em jogo é combater a pobreza. São táticas sibilinas e efetivas de
cultivo da pobreza política. Com certeza, existem assistências sociais que cultivam a pobreza
política, e diria que predominam no cenário brasileiro. Muitos cursos de Serviço Social
produzem discursos excitados em torno da cidadania popular, por vezes com tons marxistas
mais ou menos perceptíveis, mas, na prática, realiza-se a assistência que mais convém ao
sistema, não aos excluídos. É muito difícil indigitar alguma política social que seria autêntica
minimamente no campo estatal, mesmo aquelas decorrentes das determinações
constitucionais como da LOAS ou do ECA. Tudo é miseravelmente pequeno, irregular, mal
organizado, residual, caricatural. O apelo emancipatório apenas enfeita o discurso,
prevalecendo no dia-a-dia a assistência como mau-trato do pobre.
Alguns traços desta imbecialização são:
a) Promessas para além das reais possibilidades, como é comum nas campanhas
políticas, mas igualmente nos programas estatais; abuso de iniciativas assistenciais
nas campanhas e programas como tática de propaganda, aliciamento, atrelamento.
b) Cidadania assistida prevalecente, no sentido de que é garantida e dada pelo
Estado, em particular por intermédio de seus agentes mais diretos, que são 1 DEMO, P. 1980. Pobreza sócio-econômica e política. Florianópolis, Ed. UFSC. DEMO, P. 1998. Charme da exclusão social. Campinas, Autores Associados.
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geralmente os assistentes sociais, implicando para o pobre o desarme do controle
democrático. A mesma ingenuidade dos agentes estatais, que imaginam servir à
população servindo ao Estado ou ao sistema, é repassada para os pobres, à medida
que se solidifica neles a acomodação extremamente perversa na condição de
eternamente assistido;
c) Pág.105 - Assistencialismos de toda ordem, que não só não dão conta das
necessidades materiais mais urgentes dos excluídos, como, sobretudo, se tornam o
engodo corriqueiro para evitar qualquer tipo de confronto.
d) Ideologias alienantes, como a da solidariedade, pacto social, consenso nacional,
ordem e progresso, temperadas com farelos assistenciais, repassando a ideia fátua,
no fundo perversa, que tamanha exclusão social se arruma com os mais variados
“jeitinhos” distributivos e que servem, sobretudo, para evitar a necessidade
inelutável de redistribuição da renda e do poder de sentido radical;
e) Linguagens de esquerda no contexto da direita, como é o caso notório da LOAS e
do ECA, e que, no fundo, tendem a enfeitar a direita, deixando os pobres onde
sempre estiveram, ou seja, tutelados como massa de manobra. A valorização
constante de “avanços verbais” nas leis faz também parte do arsenal de maldades
públicas da direita, que sabe engenhosamente combinar avanços verbais com total
falta de recursos financeiros;
f) Superdimensionamento do Estado como patrono da cidadania popular, esquecendo
que se trata de Estado capitalista e que jamais tivemos algo similar ao Welfare
State, sem falar que, com o advento do neoliberalismo, o Estado assumiu, com
ostensiva verve, os traços capitalistas mais duros, apenas em parte adocicados pelo
Welfare State;
g) Parasitismo estatal, não no sentido neoliberal, mas no sentido marxista do Estado
privilegiado à custa da sociedade, tendo como um dos efeitos mais típicos a oferta
pobre para o pobre, ou, quando qualitativa, apropriada pelos ricos; se temos de
criticar o parasitismo do Banco Mundial, que encontrou na pobreza via promissora
para arrecadar privilégios monumentais, não há por que não vituperar este mesmo
efeito nos planejadores e gestores das políticas assistenciais.
Pág.106 – Muita assistência, enquanto dá pedaço ridículo de pão passado, mofado,
mata a consciência do pobre.
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9 – Assistência e Educação
Pp.107-108 – Do ponto de vista da cidadania emancipada, a assistência é parte
integrante como direito radical à sobrevivência. Será inútil procurar dicotomia entre ambas,
pois uma necessita da outra naturalmente, como vimos. Entretanto, permanece entre elas uma
relação tipicamente dialética e complexa, tal qual a relação sempre problemática entre ajuda e
autonomia.
Um dos programas importantes em que a relação entre educação e assistência se
tornou bem visível foi o da “bolsa-escola”. De modo geral, dizia-se que o centro da proposta
estava na educação e que os aspectos assistenciais seriam complementares, ainda que muito
importantes. Nesta maneira de ver já aparecia o erro comum de considerar a assistência
apenas como algo “complementar”, enquanto, na verdade, é parte integrante fundamental da
política social. Para famílias muito pobres, este tipo de “renda mínima” pode sempre ser
justificado como direito de sobrevivência, portanto necessário no programa. Outro problema é
que as famílias acabam valorizando mais a assistência que a educação, pela razão corrente de
que as premências materiais são percebidas como mais imediatas. O que deveríamos dizer é
que o contexto mais abrangente do programa era educativo como estratégia de fundo,
incluindo naturalmente – pela própria integridade do programa – o cuidado com a assistência.
Os efeitos da assistência são, por sua vez, mais visíveis, controláveis, razão pela qual podem
ser melhor tratados e percebidos. As expectativas educacionais – consideradas mais
estratégicas – aparecem apenas a longo prazo, embora possam ser extremamente favorecidas
por iniciativas assistenciais bem conduzidas.
Pp.109-110 – Chamamos de “contradição performativa”, na linguagem de Habermas e
Apel, aquela que faz exatamente o contrário do que prega o discurso1. O pedagogo facilmente
declara-se adepto da “educação transformadora”, à sombra de Gramsci e Freire, mas, na
prática, facilmente “imbeciliza” os estudantes. Da mesma forma, muitos assistentes sociais se
dizem comprometidos com a cidadania dos excluídos, mas nada mais ou muito pouco fazem
do que contribuir para o status quo. É muito difícil não ter de aceitar que, por exemplo, nas
entidades que tratam de adolescentes infratores, não se “imbecilizem” os excluídos, com a
agravante de que saem delas ainda mais “preparados” para a vida do crime. Neste caso, temos
o concurso perverso dos dois lados: da assistência assistencialista e da pedagogia
imbecilizante.
1 HABERMAS, J. 1989. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.
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Entretanto, tenho de reconhecer que isto é fácil de criticar, muito difícil de consertar,
sobretudo tomando-se em conta o contexto do capitalismo neoliberal. Trabalhar em entidades
assistenciais e educacionais implica, em termos de política social emancipatória, aceitar o
desafio de confrontar-se com o sistema. Este confronto pode assumir níveis variados, de
acordo com a ideologia, convicção, militância do “intelectual orgânico”, cabendo à
consciência histórica de cada um decidir até onde quer ou pode ir. Por exemplo, a falta
crônica de recursos nas entidades de assistência precisa ser claramente denunciada, as
autoridades questionadas, os programas revistos, o que sempre implica risco de desemprego,
para dizer o mínimo. Até certo ponto é preciso decidir se estamos a serviço da população ou
da primeira-dama. Não se trata de “moralismo”, até porque as convicções merecem respeito,
desde que não sejam extremistas. Mas é incongruente manter discurso plantado na cidadania e
praticar o assistencialismo friamente.
Pág.111 – Seria equívoco enorme imaginar que assistentes sociais e pedagogos sejam
os principais responsáveis pelo efeito contraditório dos programas sociais respectivos. Mas
estamos envolvidos na trama. Precisamos saber disso autocriticamente, sobretudo saber
reagir. Ou, pelo menos, mudar o discurso, para que a contradição performativa não seja tão
flagrante.
Como regra, todo processo emancipatório precisa de assistência, mas precisa
sobretudo da competência política de manejar esta assistência, principalmente de a dispensar
em nome da autonomia. Emancipar, por isso, é bem mais decisivo que assistir.
Pp.112-113 – Assim como, em educação, apenas alfabetizar não basta1, também
porque é sempre possível “imbecilizar”, na assistência ocorre o mesmo: dar benefício pode
ser muito prejudicial ao pobre. “Ajudar o pobre” é menos simples assistência do que ato
político complexo e contraditório, que pode tanto engrandecer o pobre e o assistente social,
bem como denegrir por completo a ambos. No exemplo da “bolsa-escola”, esta foi uma
lacuna comprometedora, pois os resultados históricos poderiam insinuar que, enquanto as
mães obtiveram ajudas materiais consideráveis, muito pouco “aprenderam” para a vida.
Por fim, é importante investir na cidadania do pobre como “educador”, ou seja,
facilitador, motivador, orientador, não como preceptor. Instituições de assistência se
notabilizam pela tendência de dar as coisas na mão, chegando a organizar as comunidades de
fora para dentro. Em educação é comum que ter filho na escola pública faz dos pais
automaticamente membros da associação de pais e mestres. Esta “cidadania automática” é
1 KICKLING-HUDSON, A. 1999. “Beyond schooling: adult education”. In: ARNOVE, R. F. & TORRES, C. A. (ED.). 1999. Comparative education. The dialectic of the global and the local. Nova York, Rowman & Littlefield Publishers, p. 233-255
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ridícula e serve apenas para a fachada pretensamente democrática das escolas. O critério mais
fundamental sempre é a autonomia do excluído, inclusive diante do assistente social, o que
significa dizer remar contra a corrente oficial de atrelamento das associações, sem falar nas
dificuldades de qualidade organizativa, militância sempre renovada, controle democrático. Eis
o desafio maior do “intelectual orgânico”: ser autêntico a ponto de fomentar o controle
democrático também sobre si mesmo. É também a beleza e a dificuldade da democracia.
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