michel foucault - a arqueologia do saber
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O ENUNCIADO E O ARQUIVO
DOUTORADO EM PROCESSOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS ESTUDOS DO DISCURSO E PROCESSOS COMUNICACIONAIS
POLIANA LOPES 2015/1
• à primeira vista, ele aparece como um elemento último, indescomponível, suscetível de ser isolado em si mesmo e capaz de entrar em um jogo de relações com outros elementos semelhantes a ele – como um átomo do discurso ;
"Ninguém ouviu" X “É verdade que ninguém ouviu"
• duas proposições que dizem a mesma coisa não são dois enunciados iguais; elas
não são equivalentes nem intercambiáveis, não estão no mesmo lugar no plano do discurso, não pertencem exatamente ao mesmo grupo de enunciados .
"Os critérios que permitem definir a identidade de uma proposição, distinguir várias delas sob a unidade de uma
formulação, caracterizar sua autonomia ou sua propriedade de ser completa, não servem para descrever a unidade singular
de um enunciado." p.92
D E F I N I R O E N U N C I A D O
O E N U N C I A D O
• pode ser reconhecido em uma frase gramaticalmente isolável; • não corresponde à estrutura linguística da frase – desconstrução ; • existe quando se pode reconhecer e isolar um ato de formulação, quando descreve-se a
operação que foi efetuada pela própria fórmula, em sua emergência - promessa, decreto, ordem;
Nos três casos (a partir da gramática, lógica e análise), o enunciado não é compreendido em toda sua extensão, porque encontramos enunciados: • sem estrutura proposicional legítima; • onde não se reconhece nenhuma frase; • em maior quantidade do que os atos ilocutórios que se pode isolar.
• a língua jamais se apresenta em si mesma e em sua totalidade; • os signos que constituem seus elementos são formas que se impõem aos enunciados e
que os regem do interior; • sem enunciados, a língua não existiria - mas nenhum enunciado é indispensável à
existência da língua; • língua e enunciado não estão no mesmo nível de existência.
O E N U N C I A D O E A L Í N G U A
Não é preciso uma construção linguística para formar um enunciado, mas não basta uma realização material de elementos linguísticos ou qualquer emergência de signos no tempo e
no espaço.
A F U N Ç Ã O E N U N C I AT I VA
• uma série de signos se torna um enunciado quando tem com "outra coisa" uma relação específica que se refira a ela mesma - e não a sua causa ou elementos;
• a relação entre o enunciado e o que ele enuncia não é a relação entre proposição e referente ou entre a frase e seu sentido;
• a ausência de referente é o correlato do enunciado, aquilo a que se refere, seu "tema“;
• o referencial do enunciado define as possibilidades de aparecimento e delimitação do que dá à frase seu sentido, à proposição seu valor de verdade. Esse conjunto caracteriza o nível enunciativo da formulação.
A F U N Ç Ã O E N U N C I AT I VA
• o enunciado se distingue por manter com o sujeito um relação determinada;
• o sujeito não é necessariamente o autor da formulação. Este lugar pode ser ocupado por indivíduos diferentes e é variável o bastante para manter-se idêntico a si mesmo através de várias frases – ou para se modificar a cada uma;
• esse lugar do “autor” é uma dimensão que caracteriza toda formação enquanto enunciado e constitui um dos traços que pertencem à função enunciativa e permitem descreve-la;
• descrever essa formulação enquanto enunciado é determinar qual é a posição que o indivíduo pode e deve ocupar para ser o sujeito.
A F U N Ç Ã O E N U N C I AT I VA
• para ser tratar de um enunciado, uma frase precisa ser relacionada com um campo adjacente;
• o enunciado tem margens povoadas de outros enunciados, as quais o tornam possível – margens não são o contexto;
• uma sequência de elementos linguísticos só é enunciado quando imersa em um campo enunciativo em que apareça como elemento singular;
• há sempre um enunciado fazendo parte de uma série ou conjunto, desempenhando um papel no meio dos outros, neles se apoiando e deles se distinguindo;
• ele supõe outros, tem um campo de coexistências, efeitos de séries e de sucessão, uma distribuição de funções e de papeis.
•
A F U N Ç Ã O E N U N C I AT I VA
• o enunciado deve ter existência material ; é, em parte, constituído por ela ;
• ele precisa de um suporte, um lugar e uma data. Se os requisitos mudam, ele muda de identidade;
• a enunciação é um acontecimento que não se repete, é situada e datada; o enunciado pode ser repetido apesar da materialidade;
• a identidade do enunciado está submetida aos limites impostos pelo conjunto dos outros enunciados em que figura - a frase “A terra é redonda." é enunciados diferentes antes e depois de Copérnico;
• Um discurso e sua tradução simultânea são um único e mesmo enunciado, em formas linguísticas diferentes - o conteúdo informativo e as possibilidades de uso são as mesmas.
A D E S C R I Ç Ã O D O S E N U N C I A D O S
Fixar o vocabulário
• performance linguística: conjunto de signos produzidos a partir de uma língua natural;
• formulação: ato que faz surgir, em um material qualquer e segundo uma forma determinada, esse grupo de signos;
• frase ou proposição: unidades que a gramática ou a lógica podem reconhecer em um conjunto de signos;
• enunciado: modalidade de existência própria desse conjunto de signos, que lhe permite ser algo diferente do uma série de traços e estar dotado de uma materialidade repetível;
• - discurso: constituído por um conjunto de sequência de signos, enquanto enunciados - a lei de tal série é a formação discursiva. Ou seja, é o conjunto de enunciados que se apoia em um mesmo sistema de formação;
• descrever um enunciado é definir as condições nas quais se realizou a função que deu origem a uma série de signos uma existência específica.
O enunciado é não oculto: • caracterizada pela existência de um conjunto de signos produzidos, a análise enunciativa
só pode se referir a análise de performances verbais realizadas; • a análise enunciativa é uma análise histórica fora de qualquer interpretação, que pergunta
como as coisas existem, o que significa para elas sua manifestação; • dificuldade: as coisas são ditas por outras ou são esquecidas - não afeta o enunciado como
definido por Foucault; • a polissemia se refere a uma frase ou proposição - que podem ter significações diversas -
sobre um base enunciativa que permanece idêntica.
A D E S C R I Ç Ã O D O S E N U N C I A D O S
O enunciado é não visível: • o nível enunciativo está dentro das frases e proposições; • a estrutura significante da linguagem remete sempre a outra coisa, ao ausente, longínquo; • o enunciado é suposto por outras análises da linguagem sem que elas tenham que
mostra-lo; • considerar os enunciados em si mesmos é tentar torna visível e analisável a transparência
que constitui o elemento de sua possibilidade.
• a linguagem, na instância de seu aparecimento e modo de ser, é o enunciado e como tal se apoia em uma descrição nem transcendental nem antropológica.
Ajustes da descrição dos enunciados à análise das formações discursivas:
• organizar o domínio dos enunciados, seu princípio de agrupamentos, unidades históricas que podem constituir e os métodos que permitem descreve-los;
• as dimensões próprias do enunciado são usadas na demarcação das formações discursivas;
• a formação discursiva constitui grupos de enunciados, conjuntos de performances verbais que não estão ligadas entre si por laços gramaticais (frases), lógicos (proposições) ou psicológicos (formulações) - mas ligados no nível dos enunciados;
• descrever enunciados é tentar revelar o que se poderá individualizar como formação discursiva - que é o sistema enunciativo geral ao que obedece um grupo de performances verbais.
A D E S C R I Ç Ã O D O S E N U N C I A D O S
A D E S C R I Ç Ã O D O S E N U N C I A D O S
1. A demarcação das formações discursivas revela o nível específico do enunciado - a descrição dos enunciados conduz à individualização das formações discursivas.
2. Um enunciado pertence a uma formação discursiva, a regularidade dos enunciados é definida por ela.
3. Chama-se de discurso um conjunto de enunciados quando eles se apoiam na mesma formação discursiva, não sendo uma unidade retórica ou formal, indefinidamente repetível e cujo aparecimento pode ser assinalado na história.
4. A prática discursiva é um conjunto de regras anônimas, históricas, determinadas no tempo e no espaço, que definiram em dada época e área social as condições de exercício da função enunciativa .
R A R I D A D E , E X T E R I O R I D A D E , A C Ú M U LO
A análise do discurso busca estabelecer uma lei de raridade:
• a raridade repousa no princípio de que nem tudo é sempre dito;
• os enunciados são estudados no limite que os separa do que não está dito, na instância que os faz surgirem à exclusão de todos os outros e onde a formação discursiva é uma distribuição de lacunas, de vazios, de ausências, de limites, de recortes;
• não se supõe que haja algo oculto sob enunciados manifestos; eles são analisados não como estando no lugar de outros enunciados, pois cada enunciado ocupa um lugar que pertence apenas a ele;
• ela explica que os enunciados não são uma transparência infinita, mas coisas que se transmitem e se conservam que tem um valor que tentamos nos apropriar.
R A R I D A D E , E X T E R I O R I D A D E , A C Ú M U LO
• analisar uma formação discursiva é procurar a lei de sua pobreza, medir e determinar sua forma específica e pesar o valor dos enunciados.;
• o discurso deixa de ser o que é para a atitude exegética: tesouro inesgotável de onde se podem tirar sempre as riquezas;
• a análise dos enunciados trata-os na exterioridade, ao contrário da descrição histórica das coisas ditas, que se volta do exterior ao interior;
• pela exterioridade, a análise ocorre pela descontinuidade, apreendendo sua irrupção no lugar e no momento de produção, reencontrando a incidência de acontecimento;
• A exterioridade supõe que o campo dos enunciados seja aceito como local de acontecimentos, regularidades, relacionamento, modificações determinadas, como um domínio prático autônomo que pode se descrever em seu próprio nível.
R A R I D A D E , E X T E R I O R I D A D E , A C Ú M U LO
A análise dos enunciados:
• está no nível do "diz-se“ - conjunto das coisas ditas, relações, regularidades e transformações que podem receber o nome de um autor;
• leitura, traço, decifração, memória - termos que definem o sistema que permite arrancar o discurso passado da inércia e reencontrar algo de sua vivacidade perdida;
• supõe que os enunciados sejam na remanência que lhes é própria, que se conservaram graças a um certo número de suportes e técnicas materiais, segundo certos tipos de instituições e com certas modalidades estatutárias;
• a remanência pertence ao enunciado; o esquecimento e a destruição são seu grau zero e sob o fundo que ela constitui se desenrolam os jogos da memória e lembrança;
• supõe que se considerem os fenômenos da recorrência, pois ele compreende um campo de elementos antecedentes em relação aos que se situa com o poder de reorganizar e redistribuir segundo relações novas.
O A P R I O R I H I S T Ó R I C O E O A R Q U I V O
• a positividade de um discurso caracteriza-lhe a unidade através do tempo e além das obras individuais. Ela define um espaço limitado de comunicação, mas mais extenso que o jogo das influências que pôde ser exercido de um autor a outro;
• toda a massa de textos de uma mesma formação discursiva comunica em seus discursos pela forma da positividade, que desempenha o papel do que se poderia chamar um a priori histórico - condição de realidade para enunciados;
• o discurso não tem apenas um sentido ou verdade, mas uma história que não o reconduz às leis de um devir estranho; é um tipo de história que lhe pertence , mesmo em relação com outros tipos;
• a densidade das práticas discursivas tem sistemas que instauram os enunciados como acontecimentos e coisas. São esses sistemas de enunciados que Foucault chama de arquivo.
O A P R I O R I H I S T Ó R I C O E O A R Q U I V O
O arquivo:
• inclui enunciados que tenham aparecido pelo jogo de relações que caracterizam o nível discursivo, nascidos segundo regularidades específicas;
• é a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares;
• agrupa as coisas ditas em figuras distintas, que se compõem segundo relações múltiplas, que se mantenham ou esfumem por regularidades específicas;
• define, na raiz do enunciado-acontecimento e no corpo em que se dá, o sistema de sua enunciabilidade;
• diferencia os discursos na existência múltipla e os especifica em duração própria;
• define uma prática que faz surgir uma multiplicidade de enunciados como acontecimentos regulares e coisas oferecidas ao tratamento e à manipulação;
• entre a tradição e o esquecimento, faz surgir as regras de uma prática que permite aos enunciados subsistirem e se modificarem regularmente - sistema geral da formação e da transformação dos enunciados.
"A revelação, jamais acabada, jamais integralmente alcançada do arquivo, forma o horizonte geral a que pertencem a descrição das formações discursivas, a
análise das positividades, a demarcação do campo enunciativo. O direito das palavras - que não coincide com o dos filólogos - autoriza, pois, a dar a todas
essas pesquisas o título de arqueologia. Esse termo não incita à busca de nenhum começo; não associa a análise a
nenhuma exploração ou sondagem geológica. Ele designa o tema geral de uma descrição que interroga o já dito no nível de sua existência; da função
enunciativa que nele se exerce, da formação discursiva a que pertence, do sistema geral de arquivo de que faz parte. A arqueologia descreve os
discursos como práticas especificadas no elemento do arquivo."
(FOUCAULT, p. 149)
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