o essencial para os exames de filosofia
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O ESSENCIAL PARA OS EXAMES DE FILOSOFIA
TEMA 1
NOÇÕES BÁSICAS DE ARGUMENTAÇÃO
Argumento
Um conjunto finito de proposições formado pela conclusão e pelas premissas que visam apoiá-‐la. Um argumento pode ter várias premissas mas só uma conclusão. Os argumentos podem também ser chamados raciocínios ou inferências.
Todos os minhotos são portugueses
Premissa
Estas duas frases são as proposições que usamos para defender ou justificar a conclusão. São as razões que se apresentam para fazer aceitar a ideia de que todos os minhotos são europeus.
Todos os portugueses são europeus.
Premissa
Logo, todos os minhotos são europeus.
Conclusão
Aquilo que se pretende justificar ou apoiar mediante as premissas.
Proposição
PROPOSIÇÕES
Ideias expressas por frases declarativas com valor de verdade – que ou são verdadeiras ou falsas – mesmo que o desconheçamos e ainda não o tenhamos descoberto.
Frases que exprimem proposições.
Frases que não exprimem proposições.
1 – Hoje é feriado.
2 – Domingo é dia de descanso para toda a gente.
3 – Se tivessem muito dinheiro todas as pessoas seriam felizes.
4 – Todas as pessoas têm casa.
5 – Os animais têm direitos.
6 – Nem todas as pessoas têm os mesmos costumes.
7 -‐O conhecimento humano
tem limites.
1 – Frases interrogativas: Quem foi o criador da vacina contra o tétano? Porque são pretos os pneus dos carros? Os cirurgiões operam com batas brancas ou verdes?
2 – Frases exclamativas: Meu Deus! Cuidado!
3 – Promessas: Não voltarei a magoar – te; Não aumentarei os impostos.
4 – Ordens: Cala-‐ te! Senta – te!
5 – Conselhos: Se conduzir não beba; Tem calma; É melhor poupares esse dinheiro; Pare, escute e olhe!
6 – Desejos – Quem me dera que chegue o Verão; Como eu gostava de ser rico.
Uma proposição é todo o enunciado que pode ser verdadeiro ou falso, isto é, que declara algo que tem valor de verdade. Ter valor de verdade significa não que a proposição é verdadeira mas sim que pode ser verdadeira ou falsa.
Todas as proposições são frases declarativas mas nem todas as frases declarativas são proposições.
Como reconhecer e clarificar um argumento.
Indicadores de conclusão
Então…
O que mostra (prova) que…
Assim…
Consequentemente….
Daí que…
Por conseguinte…
Assim sendo…
Por isso…
Portanto…
Segue-‐se que…
E por essa razão…
Infere-‐se que…
(…)
Qualquer frase colocada a seguir a estes indicadores é a conclusão.
Ex: Todos os animais que ladram são cães e por isso o animal que tenho em casa é um cão.
A proposição antes do indicador por isso é uma premissa.
A proposição a seguir é a conclusão.
Implícita está a outra premissa, que identificaríamos como omissa:
Tenho em casa um animal que ladra.
Argumento:
Todos os animais que ladram são cães.
Tenho em casa um animal que ladra.
Logo, o animal que tenho em casa é um cão.
Indicadores de premissa
Porque…
Uma vez que…
Pois…
Visto que…
Em virtude de…
Como…
Assumindo que…
Considerando que…
Devido a…
Por causa de…
Ora...
Admitindo que…
Supondo que…
(…)
Qualquer frase colocada a seguir a estes indicadores é uma premissa.
Ex: O animal que tenho lá em casa é um cão, visto que é um animal que ladra.
A proposição antes do indicador visto que é a conclusão.
Implícita está a outra premissa:
Todos os animais que ladram são cães.
Argumento
Todos os animais que ladram são cães.
Tenho em casa um animal que ladra.
Logo, o animal que tenho em casa é um cão.
I
Explicite a premissa omitida ou subentendida em cada um dos argumentos.
1.O assassinato de um ser humano inocente deve ser condenado.
Logo, o aborto deve ser condenado.
R: A premissa omitida é O aborto é o assassinato de um ser humano inocente.
Argumento:
O aborto é o assassinato de um ser humano inocente.
O assassinato de um ser humano inocente deve ser condenado.
Logo, o aborto deve ser condenado.
2. Qual é o melhor clube de futebol do mundo? O que tem mais títulos. Como podes verificar é o Real Madrid.
R: A premissa omitida é O Real Madrid é o clube de futebol que tem mais títulos.
Argumento:
O clube de futebol que tem mais títulos é o melhor clube de futebol do mundo.
O Real Madrid é o clube de futebol que tem mais títulos.
Logo, o Real Madrid é o melhor clube de futebol do mundo.
3. O João tem os dedos manchados de nicotina; logo, o João é fumador.
R: A premissa omitida é Os fumadores têm os dedos manchados de nicotina.
Argumento:
Os fumadores têm os dedos manchados de nicotina.
O João tem os dedos manchados de nicotina.
Logo, o João é fumador.
4. Os milagres não existem e, sem eles, Deus é algo cuja existência são se pode provar.
R: A premissa subentendida é Os milagres são a única prova da existência de Deus .
Argumento:
Os milagres são a única prova da existência de Deus.
Os milagres não existem.
Logo, Deus é algo cuja existência são se pode provar.
5. O melhor detergente é o que lava mais branco e por isso XC lava mais branco.
R: A premissa omitida é XC é o melhor detergente.
Argumento:
O melhor detergente é o que lava mais branco.
XC é o melhor detergente.
Logo, XC lava mais branco.
4. Nenhum entimema é completo pelo que este argumento é incompleto.
R: A premissa omitida é Este argumento é um entimema.
Argumento:
Todos os entimemas são incompletos (argumentos incompletos).
Este argumento é um entimema.
Logo, este argumento é incompleto.
5. “É moralmente errado tratar os seres humanos como meros objetos. Alguém poderá então deixar de afirmar que a engenharia genética é moralmente errada?”
R: A premissa omitida é A engenharia genética trata os seres humanos como meros objetos.
Argumento:
É moralmente errado tratar os seres humanos como meros objetos.
A engenharia genética trata os seres humanos como meros objetos.
Logo, a engenharia genética é moralmente errada.
VALIDADE E VERDADE
Os argumentos não são verdadeiros nem falsos. As proposições que os constituem é que podem ser verdadeiras ou falsas. A verdade distingue-‐se da validade. A validade é uma propriedade da conexão entre premissas e conclusão, e não uma propriedade das proposições, seja das premissas, seja da conclusão.
Validade Dedutiva
Validade não -‐ dedutiva
-‐ Exprime uma relação de implicação entre as premissas e a conclusão.
-‐ A verdade das premissas – suposta ou factual – garante absolutamente a verdade da conclusão.
-‐ A validade ou invalidade dos argumentos é avaliada em função da forma ou estrutura do argumento.
-‐ Do ponto de vista dedutivo, o único critério da validade é a forma lógica dos argumentos.
-‐ Não exprime uma relação de implicação entre as premissas e a conclusão.
-‐ A verdade das premissas não exclui a possibilidade de a conclusão ser falsa.
-‐ A forma lógica dos argumentos é insuficiente para avaliar a sua validade. Temos de ter em conta o seu conteúdo.
-‐ Do ponto de vista não dedutivo, os critérios de validade são vários: a razoabilidade, o grau de probabilidade e a relevância.
Exemplo de argumento dedutivamente válido.
Todos os cereais são plantas.
O centeio é um cereal.
Logo, o centeio é uma planta.
Exemplo de argumento que não é dedutivamente válido.
Até agora nunca fomos campeões do mundo de futebol.
Logo, não vamos ganhar o Mundial de 2016.
Considere os seguintes argumentos:
1.Todos os futebolistas que jogam em grandes clubes são atletas muito bem pagos.
Ronaldo joga num grande clube.
Logo, Ronaldo é um atleta muito bem pago.
2. Cerca de 90% dos futebolistas que jogam em grandes clubes são atletas muito bem pagos.
Mikael joga num grande clube.
Logo, Mikael é um atleta muito bem pago.
Quanto ao primeiro argumento, se aceitarmos as premissas temos de aceitar também a conclusão. Também se pode dizer que este argumento é demonstrativo porque a verdade das premissas “obriga” à verdade da conclusão. Esta é uma consequência lógica das premissas. Existe uma relação de implicação entre as premissas e a conclusão. Trata – se de um argumento dedutivamente válido.
Quanto ao segundo argumento, será razoável, admitindo que as premissas são verdadeiras, concluir que a conclusão é verdadeira? Sim, porque há uma forte probabilidade de Mikael, jogando num grande clube, ser muito bem pago. Por outras palavras, as premissas são relevantes para que a conclusão seja aceite como verdadeira. Mas atenção. Só como provavelmente verdadeira. Neste caso, ao contrário do argumento 1, aceitar as premissas não significa que temos de aceitar a conclusão (aceitar a verdade das premissas não exclui a possibilidade de a conclusão ser falsa). Mikael pode ser um dos atletas muito bem pagos – há uma alta probabilidade de isso acontecer – mas também pode pertencer aos 10% que não são muito bem pagos.
O que dizer então da relação que no argumento 2 se estabelece entre as premissas e a conclusão? Podemos dizer que a verdade das premissas torna provável a verdade da conclusão mas não que a garante necessariamente. Deve notar que se no caso do argumento 1 basta analisar a forma lógica do argumento para avaliar se é válido ou não, no caso do argumento 2 esse critério não é suficiente. Temos de dar atenção ao seu conteúdo. Com efeito, se na primeira premissa se afirmasse que 30% dos futebolistas que jogam em grandes clubes são muito bem pagos, isso mudaria significativamente a relação entre as premissas e a conclusão. E teríamos também de esclarecer o que são grandes clubes. Não estamos perante um argumento em que as premissas garantem absolutamente a conclusão. O argumento 2. não é um argumento dedutivamente válido.
Dizer que um argumento não é dedutivamente válido não é condená – lo a ser um mau argumento. É um mau argumento do ponto de vista dedutivo mas pode ser um bom argumento de um outro ponto de vista, por exemplo, de um ponto de vista indutivo. É o caso do argumento 2.
TEMA 2
ANÁLISE E COMPREENSÃO DO AGIR: A REDE CONCETUAL DA AÇÃO
1. Uma ação é um acontecimento. Porquê?
Uma ação é e tem de ser um acontecimento porque é algo que acontece num dado
momento e num certo lugar. Assim, ir à praia é uma ação e ao mesmo tempo um
acontecimento porque vamos à uma praia num determinado local – Algarve – e em
dado momento – normalmente no verão, de manhã ou de tarde.
2. Todos os acontecimentos são ações?
Não. Um furacão é um acontecimento, mas não é uma ação.
3. O que se infere do que foi dito antes?
Infere-‐se que, embora todas as ações sejam acontecimentos, nem todos os
acontecimentos são ações. Um furacão é simplesmente algo que acontece
4. Qual a condição necessária para que um acontecimento seja uma ação?
Um acontecimento, para ser uma ação, tem de ser realizado por um agente.
5. Esta condição indispensável não é contudo suficiente. Porquê?
Toda e qualquer ação envolve um agente e tem nele a sua origem. Esta é uma
condição necessária para haver ação. Mas não é uma condição suficiente. Imaginemos
que alguém rouba um relógio valioso numa ourivesaria. Essa pessoa fez algo, fez com
que algo acontecesse. Mais tarde até pode arrepender-‐se do que fez, mas na altura
não resistiu a uma compulsão patológica para o roubo a que se dá o nome de
cleptomania. Fez algo: roubou. É a causa do que aconteceu. Mas não se trata de uma
ação porque o que o agente fez não derivou da sua vontade, mas de uma força interna
que o compeliu a fazer o que fez.
Para que aquilo que um agente faz seja uma ação, tem de ter origem na sua vontade
e intenção consciente.
6. O que é então uma ação?
Uma ação é algo que acontece mediante a intervenção da vontade e intenção
consciente de um agente. Uma ação é um acontecimento desencadeado pela vontade
e intenção de um agente. Não é um simples acontecimento, não é simplesmente algo
que um agente faz, é algo que um agente faz acontecer intencional ou
propositadamente.
7. O que se entende por rede concetual da ação?
A rede concetual da ação é o conjunto de conceitos que usamos para caraterizar,
compreender e explicar uma ação.
8. Que conceitos são necessários para caraterizar e compreender uma ação?
Os conceitos que usamos para caraterizar e compreender uma ação são os seguintes:
deliberação, decisão, intenção, motivo, causa e consequência.
9. O que é a intenção?
A intenção é o propósito ou o objetivo da ação. Imagine que alguém escorrega e deixa
cair a comida do tabuleiro em cima dos livros de um colega, danificando-‐os. Quem fez
isto pode alegar que não tinha a intenção – que não era seu propósito ou objetivo –
causar esses estragos. Se não há intenção, então não há ação.
10. Que relação existe entre intenção e explicação de uma ação?
Explicar uma ação é indicar a sua causa. A causa de uma ação é a intenção ou o
propósito do agente ao realizá-‐la.
11. Quais são os estados mentais que estão associados à intenção de um agente?
As intenções são estados mentais frequentemente associados a outros estados
psicológicos que são as crenças e os desejos do agente. Eis um exemplo: inscrevo o
meu filho no Instituto Britânico. Esta é a minha ação. Com que intenção a realizo? Para
que é que a realizo? Para que aprenda inglês. Dito de outro modo, porque tenho o
desejo de que o meu filho aprenda inglês e a crença de que o Instituto Britânico é o
melhor instituto para o fazer. A intenção da minha ação é, portanto, determinada pelo
meu desejo e pela minha crença. Inscrevo o meu filho no Instituto Britânico porque
desejo que aprenda inglês e acredito que o IB é o local certo para o fazer.
12. O que se entende por motivo de uma ação?
O motivo é a justificação, o porquê ou a razão de ser da ação.
Exemplo:
Ação: inscrevo o meu filho no Instituto Britânico.
Intenção:
Desejo: quero que o meu filho aprenda inglês.
Crença: o Instituto Britânico é o melhor instituto para aprender inglês.
Motivo:
Crença: dominar a língua inglesa é um requisito essencial no atual mundo do trabalho
e da investigação científica.
Desejo: quero que o meu filho seja bem-‐sucedido profissionalmente.
Este desejo e esta crença acompanham e esclarecem o motivo da minha ação,
explicam-‐na, dão a conhecer a sua razão de ser. Como se vê, as crenças e os desejos do
sujeito estão associados à intenção e à motivação do sujeito que age.
Que relação existe entre motivo e intenção?
A relação é a seguinte: saber qual o motivo da ação, o seu porquê ou razão de ser,
clarifica a intenção ou o para quê da ação, torna possível e é necessário para que
compreendamos a intencionalidade da ação. Se um agente tem a intenção de fazer
algo – inscrever o filho no Instituto Britânico –, saber o que o motiva torna mais claro o
seu propósito e esclarece-‐nos quanto a opções que podia tomar e não tomou.
Teremos por outras palavras a justificação da intenção. As noções de motivo e de
intenção estão extremamente próximas uma da outra porque só falamos de ações
intencionais se elas forem determinadas por um motivo ou razão que as justifique:
uma ação é realizada intencionalmente quando é realizada por algum motivo.
14. O que é a deliberação?
A deliberação é um processo reflexivo que, em princípio, ou seja, em muitos casos,
antecede a decisão. Orientados por determinadas razões, ponderamos qual a melhor
opção a tomar entre várias alternativas possíveis.
15. O que se entende por decisão?
A decisão é um ato que resulta frequentemente de um processo denominado
deliberação. O motivo pelo qual agimos ou a intenção que nos orienta para um
determinado fim implica também a decisão de o alcançar. Na maior parte dos casos,
decidir supõe escolher entre vários rumos possíveis de ação, entre várias
possibilidades ou alternativas.
TEMA3
LIBERDADE E DETERMINISMO
I
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
1. O que é o determinismo?
O determinismo é a teoria que defende que tudo é determinado por acontecimentos
anteriores, ou que o estado de coisas atual no mundo resulta necessária ou
inevitavelmente de um estado de coisas anterior que é a sua causa.
O que o determinismo afirma é que um acontecimento resulta de uma causa ou
conjunto de causas e que sempre que essa causa ou conjunto de causas ocorrer dará
inevitavelmente origem ao acontecimento. Esta é a crença por detrás da explicação
científica da natureza, uma vez que explicar cientificamente um acontecimento é
apresentar a causa ou o conjunto de causas que dão origem ao acontecimento e
mostrar como a relação entre essas causas — expressas sob a forma daquilo a que
chamamos leis da natureza — produz esse acontecimento.
2. O que é o livre-‐arbítrio?
O livre-‐arbítrio consiste em poder escolher entre várias ações possíveis. As ações
resultantes de escolhas livres não são inevitáveis. Há livre-‐arbítrio se pudermos agir de
modo diferente do que agimos, se tendo feito uma coisa poderíamos ter feito outra.
3. Em que consiste o problema do livre-‐arbítrio?
O problema do livre-‐arbítrio consiste em saber se é possível conciliar duas convicções
aparentemente incompatíveis: a de que temos livre-‐arbítrio e a de que tudo o que
acontece no mundo é determinado. O problema pode formular-‐se do seguinte modo:
o livre-‐arbítrio consiste em poder escolher entre várias ações possíveis. Mas, para
podermos escolher entre várias ações possíveis, é necessário que não esteja tudo
determinado, caso contrário poderíamos apenas fazer a ação que estivéssemos
determinados para fazer (não só não haveria várias ações possíveis entre as quais
optar, como, mesmo que houvesse, não nos seria possível escolher entre elas).
Portanto, para que exista livre-‐arbítrio não pode haver determinismo.
É isto que está na origem do chamado problema do livre-‐arbítrio.
4. Por que razão o problema do livre-‐arbítrio é um problema importante do ponto de
vista prático?
O problema do livre-‐arbítrio tem importantes implicações práticas, a principal das
quais está relacionada com a responsabilidade moral. Tudo parece indicar que, se não
houver livre-‐arbítrio, então também não é possível responsabilizar moralmente um
agente pelas ações que pratica e, consequente, puni-‐lo ou recompensá-‐lo. Será
possível construir a vida social sem a ideia de responsabilidade moral? Se não houver
livre-‐arbítrio, não estará todo o nosso sistema penal errado? Não será que o criminoso,
de modo análogo à pessoa que sofre de asma e assim vê o seu organismo prejudicado,
não deve ser punido, mas sim tratado de modo a deixar de ser prejudicial à sociedade?
5. Em que condições uma pessoa pode ser considerada moralmente responsável por
uma ação? Em que condições atribuímos responsabilidade moral a um agente?
Uma pessoa pode ser considerada moralmente responsável por uma ação quando
podia não ter feito o que fez. Assim, se decido invadir o quintal do vizinho para me
apropriar de algumas laranjas apetitosas, posso ser responsabilizado porque podia não
ter feito o que fiz. Quando alguém me censura dizendo «Não devias ter feito o que
fizeste!» está precisamente a dizer-‐me que havia outra alternativa. Mas, se o que
aconteceu se verificou em estado de sonambulismo, não posso ser responsabilizado
porque momentaneamente perdi o controlo dos meus atos e não podia não ter feito o
que fiz.
7. Que relação há entre agir livremente e ser moralmente responsabilizado pelo que
se faz?
A relação é esta: a) ser responsável implica ser livre. Não se pode responsabilizar uma
pessoa por uma ação se ela não agiu livremente. Que um agente seja responsabilizável
por uma ação implica que podia ter agido de modo diferente, não ter feito o que fez
ou que podia ter evitado fazer o que fez (fosse a ação boa ou má).
b) Ser livre implica ser responsável. Se alguém pratica livremente uma ação, então faz
algo que podia não ter feito. Se o fez nestas condições, é o autor da ação e por ela
pode responder. Se agiu livremente, não pode evitar ter de enfrentar e responder
pelas consequências dos seus atos. Se forem, boas pode ser elogiado. Se forem más,
pode ser censurado e mesmo sentir remorso.
II
TRÊS TEORIAS SOBRE O PROBLEMA DO LIVRE-‐ARBÍTRIO
1. Em termos gerais, há três teorias que respondem ao problema do livre-‐arbítrio.
Quais são?
As três teorias são: o determinismo radical, o libertismo e o determinismo moderado.
2. O que é o determinismo radical?
Chama-‐se determinismo radical ao ponto de vista segundo o qual só o determinismo é
verdadeiro. Para o determinista radical, a crença no determinismo significa acreditar
que é verdade que todo e qualquer acontecimento é o desfecho necessário de
acontecimentos anteriores. Daqui decorre que não há livre-‐arbítrio (todas as nossas
ações são determinadas pelos nossos genes e pelo meio no qual crescemos) e que,
assim sendo, não podemos ser responsabilizados pelas nossas ações.
Em suma, o determinismo radical é a teoria que considera que, sendo verdade que tudo
o que acontece resulta necessariamente do que aconteceu antes, não há livre-‐arbítrio
nem possibilidade de responsabilizar alguém pelo que fez.
3. O que é o determinismo moderado?
É a teoria que defende que as nossas ações são livres, apesar de determinadas.
4. O que é o libertismo?
O libertismo é a teoria que considera que há ações que não são nem causalmente
determinadas nem produto do acaso, mas livres, e que, portanto, as pessoas são
responsáveis por essas ações. As ações do ser humano decorrem das suas deliberações
decisões e não de acontecimentos anteriores que escapem ao seu controlo.
O libertista pensa que, apesar das influências hereditárias e das influências do meio
(relativas ao modo como somos educados e criados), escolhemos livremente o que
fazemos. Não é o passado que decide por nós.
5. Acerca do problema do livre-‐arbítrio, fala-‐se de teorias incompatibilistas e
compatibilistas. O que significam estes conceitos?
Uma teoria é compatibilista quando admite que o determinismo é conciliável ou pode
coexistir com o livre-‐arbítrio e a responsabilidade moral.
Uma teoria é incompatibilista quando não admite a possibilidade de conciliar o
determinismo com o livre-‐arbítrio e a responsabilidade moral.
6. O determinismo radical é uma forma de incompatibilismo. Porquê?
O incompatibilismo defende que as crenças no livre-‐arbítrio e no determinismo não
são compatíveis, ou seja, não podem ser ambas verdadeiras. O determinismo radical
defende que só a crença no determinismo é verdadeira. Se liberdade e determinismo
fossem compatíveis, pensa o determinista radical, teríamos acerca de uma ação de
dizer que o agente podia não ter feito o que fez (caso em que seria livre) e que não
podia não ter feito o que fez, ou seja, tinha de fazer o que fez, a ação não poderia ter
sido diferente (caso em que não seria livre). Ora, isto é contraditório.
7. O libertismo é uma forma de incompatibilismo. Porquê?
O incompatibilismo defende que as crenças no livre-‐arbítrio e no determinismo não
são compatíveis, ou seja, não podem ser ambas verdadeiras. O libertismo defende que
só a crença no livre-‐arbítrio é verdadeira. A crença no determinismo é falsa porque
este defende que tudo faz parte de um encadeamento causal, tese que o libertista
nega porque as nossas deliberações e decisões não são o resultado necessário de
acontecimentos anteriores. Há ações que têm como causa as nossas deliberações.
Deliberar implica que pudemos escolher agir de modo diferente.
Podendo ter sido outras, as nossas escolhas não são o resultado necessário e inevitável
de acontecimentos anteriores. Não são o desfecho de uma longa cadeia causal de
acontecimentos porque, ao escolher fazer A em vez de B, suspendo o domínio dos
acontecimentos anteriores sobre as minhas decisões e desencadeio por minha
vontade uma nova série de acontecimentos.
8. Das três teorias que referimos, somente o determinismo moderado é uma teoria
compatibilista. Justifique.
O determinismo moderado defende que são compatíveis as proposições «Um agente
praticou livremente a ação A» e «A ação praticada por esse agente tem uma causa e
deriva necessariamente dessa causa». Liberdade e determinismo são compatíveis,
para esta teoria.
9. Que distinção permite ao determinista moderado defender a compatibilidade
entre determinismo e liberdade?
Trata-‐se da distinção entre ação causalmente determinada e ação constrangida. Só
esta última não é livre.
10. Como é caraterizada a liberdade pelo determinista moderado?
O determinista moderado define a liberdade do seguinte modo: É livre a ação em que
o agente não é impedido por fatores externos de a realizar. Na ausência destes
impedimentos, o agente pode fazer o que tem vontade de fazer. Um dos mais
famosos defensores do determinismo moderado foi David Hume. Hume chamou a
atenção para o facto de as pessoas tenderem a confundir causalidade – o facto de uma
ação ser causada – e coação ou constrangimento – o facto de uma ação ser compelida.
Assim, há uma grande diferença entre estas duas ações: Fazer algo porque quero fazê-‐
lo e fazer algo porque alguém me aponta uma arma à cabeça e me obriga a fazê-‐lo. No
primeiro caso, a ação é causada e, no segundo caso, a ação é compelida ou
constrangida. O oposto da liberdade é a coação e não a causalidade. Ser livre, para
David Hume, significa ser livre de coação.
11. Para o determinista moderado, uma ação livre é causada. É causada pelo quê?
É causada pelas suas crenças e desejos, isto é, pela sua personalidade.
12. Por que razão para o determinista moderado é importante que a ação do agente
seja causada ou determinada pelas suas crenças e desejos?
Se as ações não fossem causadas pelas nossas crenças e desejos, não poderíamos ser
responsabilizados pelas nossas ações. Não seriam as nossas ações.
13. Esclareça através de um exemplo o que é agir livremente para um determinista
moderado.
Para os deterministas moderados, uma ação é livre desde que o sujeito, caso o tivesse
desejado, tivesse agido de outra forma. Imagine, por exemplo, que tem amanhã um
teste da disciplina de Filosofia para o qual está a estudar afincadamente porque
acredita que assim terá boa nota. Uma vez que a sua ação resulta dos seus desejos e
crenças e não lhe foi imposta (por exemplo, pelos seus pais, devido a maus resultados
em testes anteriores), ela é uma ação livre. Mas, se a sua ação de estudar resultasse de
uma imposição paterna que não lhe deixasse qualquer alternativa, então ela não era
uma ação livre. Repare que em ambos os casos a sua ação tem causas. Contudo, no
primeiro caso as causas são os seus próprios desejos e crenças, ao passo que no
segundo caso as causas são os desejos e crenças dos seus pais. É essa diferença que faz
com que num caso a ação seja livre e no outro não. No primeiro caso, a sua ação é livre
porque está sob o controlo das suas crenças e desejos e, se tivesse tido outros desejos,
poderia ter escolhido e realizado uma ação diferente. No segundo caso, de nada lhe
valeria ter outros desejos e crenças porque não poderia agir de acordo com eles.
14. Esclareça, através de exemplos, que fatores podem impedir o agente de fazer o
que tem vontade de fazer.
Sirvam estes dois exemplos: quero beber água, mas estou no deserto e não há água
disponível; quero viajar, mas não tenho dinheiro.
15. Segundo o determinismo moderado, para que uma ação seja livre ela, tem de ser
causada de uma certa maneira. O que significa esta afirmação?
Esta afirmação significa que a distinção entre ações livres e não livres implica a
distinção entre causalidade interna e causalidade externa.
Assim:
a) Ações, escolhas e decisões cuja causa imediata é um estado de coisas interno
(desejos e crenças do agente e também a sua personalidade) são livres.
b) Ações, escolhas e decisões cuja causa imediata é um estado de coisas externo não
são livres.
16. O sentido comum de liberdade consiste em dizer que agir livremente é, não só
fazer o que queremos fazer, como também poder não ter feito o que se fez, ou seja,
a ausência de coação é acompanhada por outra condição que é o agente possuir
alternativas reais de ação. Será que o determinismo moderado salvaguarda esta
ideia de liberdade?
Parece que sim e parece que não. Vejamos: Um agente dispõe de alternativas reais se
a sua ação pudesse ter sido diferente da que realizou. Assim, ajo livremente se,
escolhendo comer um bolo, pudesse não o ter feito e, eventualmente, tivesse
escolhido uma peça de fruta. Vejamos como o determinista moderado explica a
mesma ação. Comi uma peça de fruta e agi livremente porque o fiz de acordo com as
minhas crenças – fruta é mais saudável, assim me ensinaram – e os meus desejos –
quero ser saudável. O que significa dizer que podia ter agido de modo diferente e
comer o bolo em vez da fruta? Que os meus desejos e crenças teriam de ser
diferentes. Por outras palavras, teria de ser uma pessoa diferente do que sou, de ter
outra personalidade (esta é constituída pelas nossas crenças e desejos). Mas, se somos
deterministas, mesmo moderados, temos de reconhecer que não temos controlo
sobre o passado, que somos o resultado necessário da educação e criação que
tivemos. Não podemos ser uma pessoa diferente da que somos.
Assim, o determinismo moderado não salvaguarda a ideia comum de liberdade e por
isso tem problemas em explicar como podemos responsabilizar alguém pelas suas
ações.
17. Qual é uma das principais críticas de que o determinismo moderado é alvo?
Uma crítica que se faz ao determinismo moderado é a de não explicar o
comportamento compulsivo. Quando alguém age compulsivamente, age de acordo
com os seus próprios desejos e crenças. Contudo, dificilmente se pode dizer que quem
o faz é livre. É o caso do cleptómano. Parece também difícil acreditar que uma pessoa
que, por exemplo, seja uma compradora ou jogadora compulsiva e que, por causa
disso, contraia muitas dívidas e destrua o casamento, seja livre. No entanto, ela, ao
agir compulsivamente, respeita completamente o critério do determinismo moderado,
segundo o qual uma ação é livre se resultar dos desejos e crenças da pessoa que a
realiza.
18. Que outra crítica podemos dirigir a quem defende o determinismo moderado?
Segundo o determinismo moderado, somos livres quando não somos impedidos de
fazer o que desejamos. As nossas crenças e desejos constituem a nossa personalidade.
Ora, a nossa personalidade está determinada pelo nosso passado, ou seja, pela
educação e pelo meio em que fomos criados. Não será isso uma forma de
constrangimento, uma vez que não controlamos o passado? Não será que somos
constrangidos pelo que nos aconteceu e julgamos que agimos livremente porque não
temos consciência das influências que nos formaram e determinaram a nossa maneira
de ser?
19. Qual é a principal crítica que se faz ao determinismo radical?
A principal crítica é esta: Se não somos responsabilizáveis pelo que fazemos – porque
não podemos agir de modo diferente –, então:
1. Como condenar e ilibar alguém?
2. Como elogiar e censurar?
3. Como dizer a alguém que não devia ter feito o que fez?
4. Como explicar sentimentos de remorso, de arrependimento e de culpa?
Muitos críticos do determinismo radical pensam que não é possível construir a vida
social sem a ideia de responsabilidade moral.
Por outro lado, os nossos juízos morais perderão qualquer fundamento. Se o
determinismo implica a negação da liberdade e da responsabilidade, se é verdade
afirmar que as nossas ações são o resultado de causas que de modo algum podemos
controlar, que diferença moral há entre um criminoso como Hitler e Nelson Mandela?
Faz sentido condenar Hitler e admirar Nelson Mandela?
20. Qual é a principal crítica que se faz ao libertismo?
Segundo o determinismo moderado, a minha ação é livre se for causada por desejos
ou crenças – estados internos − que são meus. Segundo o libertismo, a minha ação é
livre se for causada por mim e não por um dos meus estados internos.
O que é este eu que através das suas deliberações é, segundo os libertistas, a causa de
certas ações? Uma entidade física? Então não escapa ao determinismo universal, ao
encadeamento causal necessário que rege todas as coisas físicas. Uma entidade não
física? Mas as ações são atos físicos, acontecem num dado momento e lugar.
Será que este eu é uma entidade puramente mental? Mas como é que uma causa
puramente mental pode produzir efeitos físicos? Se é a mente que causa as nossas
ações, será que é possível que ela exista independentemente do cérebro, que é
obviamente uma realidade física?
Este contra-‐argumento parece condenar os libertistas a reconhecerem o seguinte: que
as ações de uma pessoa só são livres se não tiverem nenhuma causa, nem mesmo as
suas próprias crenças e desejos. Ora, deste modo, o libertismo transforma-‐se numa
espécie de indeterminismo, algo que os libertistas sempre rejeitaram.
QUADRO ESQUEMÁTICO 1
Problema: Qual das crenças é verdadeira, o determinismo ou o livre-‐arbítrio?
A resposta do determinismo radical
Crença no determinismo Crença no livre-‐arbítrio Crença na responsabilidade
moral
Verdadeira
1. Todos os acontecimentos, sem
exceção, são causalmente determinados
por acontecimentos anteriores.
2. As escolhas e ações humanas são
acontecimentos.
3. Logo, todas as escolhas e ações
humanas são causalmente determinadas
por acontecimentos anteriores.
Falsa
Se todas as ações são o
desfecho inevitável de
causas anteriores, não há
ações livres.
Falsa
Se não há ações livres, não
podemos ser
responsabilizados pelo que
fazemos.
O determinismo radical é a teoria que só reconhece como verdadeira a crença no determinismo.
Todos os acontecimentos são o resultado inevitável de causas anteriores.
QUADRO ESQUEMÁTICO 2
Problema: Qual das crenças é verdadeira, o determinismo ou o livre-‐arbítrio?
A resposta do libertismo
Crença no determinismo Crença no livre-‐arbítrio Crença na responsabilidade moral
Falsa
1. Nem todos os
acontecimentos são
causalmente determinados por
acontecimentos anteriores
2. As ações humanas são
acontecimentos.
3. Logo, há ações humanas
desligadas do encadeamento
causal e que dão origem a uma
nova série de acontecimentos.
Verdadeira
Se nem todos os acontecimentos
são o desfecho inevitável de
causas anteriores, então há ações
livres.
Verdadeira
Se há ações livres, então podemos
ser responsabilizados pelo que
fazemos.
O libertismo é a teoria que só reconhece como verdadeira a crença no livre-‐arbítrio porque não aceita o
determinismo universal – que todo o acontecimento seja o resultado necessário e inevitável de causas
anteriores.
QUADRO ESQUEMÁTICO 3
Problema: Qual das crenças é verdadeira, o determinismo ou o livre-‐arbítrio?
A resposta do determinismo moderado
Crença no determinismo
Crença no livre-‐arbítrio
Crença na responsabilidade
moral
Verdadeira
1. Todos os acontecimentos, sem
exceção, são causalmente
determinados por acontecimentos
anteriores
2. As escolhas e ações humanas são
acontecimentos.
3. Logo, todas as escolhas e ações
humanas são causalmente
determinadas por acontecimentos
anteriores.
Verdadeira
1. Todas as ações são determinadas
por causas anteriores.
2. As ações cujas causas são forças
externas ao sujeito que age são
ações compelidas ou constrangidas.
3. Há ações cujas causas são estados
internos do sujeito (crenças e
desejos).
4. Ações que não derivam da força
de fatores externos são ações livres.
5. Há ações unicamente causadas
por desejos, motivos, crenças ou
outros estados internos do sujeito
que age.
6. Logo, há ações livres.
Verdadeira
Se há ações livres, podemos
ser responsabilizados pelo
que fazemos.
TEMA 4
VALORES E VALORAÇÃO: A QUESTÃO DOS CRITÉRIOS VALORATIVOS.
1. O que são os valores?
Os valores são termos que usamos para atribuir muita, pouca ou nenhuma importância
às coisas que avaliamos. As coisas que avaliamos – acerca das quais emitimos juízos de
valor – podem ser objetos, pessoas e atos. Os valores são padrões ou referências em
função das quais julgamos as coisas. Os valores exprimem aquilo que julgamos que é
importante e significativo na nossa vida.
2. Há diversas espécies de valores?
Sim. Há valores religiosos (sagrado, profano), valores estéticos (belo, feio, sublime,
dotado de harmonia), valores éticos (bem, mal, justiça, igualdade), valores monetários
e utilitários, entre outros. Utilizamos a palavra valor em diversas situações e com
diferentes sentidos.
3. Damos o mesmo valor a todas as coisas?
Não. Além de diversos, os valores são hierarquizados, ou seja, uns são considerados
mais importantes do que outros. Toda e qualquer pessoa dá mais importância a
determinados valores em relação a outros, estabelecendo-‐se assim uma espécie de
hierarquia de valores. Os valores a que cada pessoa confere mais importância vão
refletir-‐se nas suas ações e decisões, vão de certa forma organizar e orientar toda a sua
conduta. Os valores podem, por sua vez, ser agrupados em vários tipos. Assim, e
destacando apenas os principais tipos, podemos falar em valores religiosos, estéticos,
éticos (sendo provavelmente estes três domínios aqueles que enquadram os valores
mais importantes), políticos, teoréticos (da ordem do conhecimento), sensíveis (da
ordem do prazer e satisfação), vitais e económicos.
4. Qual o valor que costumamos considerar mais importante?
Habitualmente, o valor que consideramos mais valioso é o valor da vida humana.
5. Qual a disciplina que estuda a natureza dos valores?
A disciplina que estuda a natureza dos valores é a axiologia ou teoria dos valores.
Coloca questões como: O que é um valor? Onde e como existe? Será apenas o
resultado das avaliações que fazemos das coisas? Para muitos pensadores, os valores
não são coisas que existam fora da nossa mente, mas algo que apenas existe para um
sujeito que avalia as coisas. Para outros, os valores têm uma existência própria,
independente do sujeito.
Pense no seguinte caso: Muitas pessoas julgam determinadas coisas belas, enquanto
outras discordam. Então o que fazemos quando dizemos que algo é belo ou feio,
magnífico ou vulgar? Estamos somente a declarar o que sentimos (prazer ou
desprazer) quando contemplamos um objeto ou estamos a referir algo que são
propriedades do próprio objeto, que são independentes do que sentimos? No primeiro
caso, estamos perante uma tese ou posição filosófica denominada subjetivismo
estético. No segundo caso, a posição que adotamos é conhecida por objetivismo
estético.
Para os defensores do subjetivismo estético, um objeto é belo ou feio em virtude de
sentirmos prazer ou desprazer ao observá-‐lo. A beleza ou fealdade dependem, não das
propriedades intrínsecas do objeto, mas dos sentimentos que em nós provoca e
desperta.
Para os partidários do objetivismo estético, dizer «A catedral de Milão é bela» é muito
diferente de dizer «Gosto da catedral de Milão». Os juízos estéticos não são, para o
objetivista, simples juízos de gosto. A beleza ou a fealdade está nos próprios objetos. É
devido a determinadas propriedades intrínsecas que um objeto é considerado belo ou
feio.
6. Que relação existe entre valores e ações?
Os valores são os critérios das nossas preferências (são os motivos fundamentais das
nossas decisões). Ao tomarmos decisões, agimos segundo valores que constituem o
fundamento, a razão de ser ou o porquê (critério) de tais decisões.
A atitude valorativa é uma constante da nossa existência: em nome da amizade,
preferimos controlar e orientar noutra direção uma atração física pela namorada ou
mulher do nosso amigo; em nome do amor, preferimos desafiar as convenções sociais
em vez de perder a oportunidade de sermos felizes; por uma questão de saúde,
preferimos o exercício físico, a dieta e o fim do consumo de tabaco aos hábitos
prejudiciais até então seguidos; em nome da liberdade, preferimos combater, lutar e
correr riscos a aceitar um estado de coisas que, apesar de tudo, satisfaz os interesses
económicos da família a que pertencemos; por solidariedade, preferimos auxiliar os
famintos e os doentes na Somália a permanecer em Lisboa dando consultas; por
paixão pela música, decidimos interromper um curso que não corresponde à nossa
vocação profunda; em nome de Deus, renunciamos a certas «ligações terrenas», etc.
7. O que são juízos de fato?
Os juízos de facto são juízos sobre o modo como as coisas são. Descrevem um estado
de coisas ou uma situação podendo essa descrição corresponder ou não à realidade, ou
seja, ser verdadeira ou falsa. São juízos totalmente descritivos, que têm valor de
verdade (podem ser verdadeiros ou falsos). A sua verdade ou falsidade depende de
como a realidade é e não da opinião ou ponto de vista de cada pessoa: são, portanto,
objetivos. Ex.: O gato é um mamífero que mia.
8. O que são juízos de valor?
Os juízos de valor são juízos sobre que coisas são boas ou agradáveis e sobre como
devemos agir. Os juízos de valor atribuem um valor a um certo estado de coisas – valor
esse que pode ser positivo ou negativo. Ex.: «Este quadro é belo» – valor positivo – ou
«Este quadro é horrível» – juízo negativo.
QUADRO ESQUEMÁTICO
A FORMA HABITUAL DE DISTINGUIR JUÍZOS DE FACTO DE JUÍZOS DE VALOR
Juízos de facto
Juízos de valor
Descrevem a realidade ou
informam-‐nos acerca de factos,
coisas, acontecimentos ou ações.
Durante a Segunda Guerra Mundial
seis milhões de judeus morreram
nos campos de concentração
nazistas.
Avaliam determinados acontecimentos,
coisas e ações.
A morte de seis milhões de judeus nas
mãos dos nazistas foi um ato criminoso
e horrendo.
Os juízos de facto são verdadeiros
ou falsos, isto é, referem-‐se aos
factos, podendo ser negados ou
confirmados pela experiência.
Não se tem a certeza sobre o
número de judeus que morreram
nos campos de concentração nazis.
Só se sabe que o número de vítimas
mortais foi elevado.
O juízo de valor refere-‐se, de forma
explícita ou implícita, a valores ou
princípios fundamentais nos quais nos
baseamos para produzir uma avaliação.
A morte de seis milhões de judeus foi
um ato criminoso porque (justificação
do juízo) o respeito pela vida e digni-‐
dade do homem é valioso.
Os juízos de facto são descritivos ou
informativos: não prescrevem ou
proíbem o que deve ou não fazer-‐
se.
Os juízos de valor são normativos ou
prescritivos.
Ao julgar-‐se que a morte de seis
milhões de judeus foi um ato criminoso
dos nazis, considera-‐se que esse ato não
devia ter sido cometido. O respeito pelo
valor da vida e da dignidade humanas
traduz-‐se na norma «Não matarás»,
que, neste caso, foi infringida.
9. Distinga os seguintes juízos: a) «A pena de morte é aplicada na Arábia Saudita» e
b) «A pena de morte é injusta».
O juízo a) é apenas descritivo: limita-‐se a dizer como é que as coisas são na Arábia
Saudita no que respeita à pena de morte. Não avalia nada.
O juízo b) não é apenas descritivo porque faz uma avaliação. O que significa dizer que a
pena de morte é injusta? Significa dizer que a pena de morte não deveria existir.
Assim, este juízo diz-‐nos, não somente como as coisas são, mas como deveriam ser.
Ora, ao dizermos como as coisas deveriam ser, estamos a usar um critério para fazer a
nossa avaliação. Neste caso, o critério valorativo é a justiça. Quando há avaliação, têm
de existir critérios.
10. A distinção juízos de facto/juízos de valor é consensual?
Não, porque há filósofos que a contestam argumentando em defesa da ideia de que
todos os juízos são juízos de facto.
11. O que são critérios valorativos?
Os critérios valorativos são as justificações em que nos apoiamos para determinar que
coisas – ações, pessoas, locais, objetos – têm valor ou importância. Assim, valorizamos
uma ação honesta porque damos importância à honestidade, porque a consideramos
um elemento importante que deve estar presente nas relações humanas.
12. Em que consiste a questão dos critérios valorativos?
Um juízo de valor é um ato mediante o qual formulamos uma proposição que avalia
certos aspetos da realidade, não se limitando a descrever como as coisas são.
Uma vez que, ao avaliarmos as coisas, utilizamos critérios ou razões que se baseiam em
valores (ao dizer «A pena de morte é injusta» julgo como a realidade devia ser
baseando-‐me num valor, em algo que valorizo e a que dou importância: o valor da
justiça), a questão dos critérios valorativos pode traduzir-‐se assim: «Será que existem
valores objetivamente verdadeiros? Ou será que a sua verdade depende daquilo que um
indivíduo ou uma sociedade consideram verdadeiro?».
Este problema surge porque nos apercebemos de que há pessoas e culturas com
valores muito diferentes dos nossos, que preferem aquilo que nós rejeitamos ou que
valorizam aquilo que temos dificuldade em considerar importante. Muitas pessoas
julgam que os valores são uma questão de gosto pessoal, ou que variam de cultura
para cultura. Em ambos os casos, não têm qualquer objetividade.
Trata-‐se do problema da verdade e da objetividade dos juízos de valor. Como os
juízos morais são os que mais importância têm na vida humana, a questão pode
enunciar-‐se desta dupla forma:
a) Os juízos morais têm valor de verdade?
b) Se têm valor de verdade, essa verdade é objetiva, ou seja, não depende dos
gostos dos indivíduos ou do modo de pensar da sociedade em que vivem?
TEMA 5
RELATIVISMO MORAL, OBJETIVISMO MORAL E SUBJETIVISMO MORAL
1. Acerca da natureza dos valores, o que distingue a posição relativista da posição
objetivista?
O objetivismo defende que os valores são propriedades, qualidades das próprias
coisas, pessoas, objetos, situações e instituições, embora sejam propriedades difíceis
de conhecer porque não existem num sentido físico. Nesta perspetiva, os juízos de
valor são uma espécie de juízos de facto com a diferença de que sobre o seu conteúdo
ainda não obtivemos qualquer certeza. Isso não impede que haja verdades morais
universais e objetivas. Nós é que, provavelmente por causa das nossas limitações,
ainda não os descobrimos.
Para o relativismo, os valores não são propriedades, qualidades, das próprias coisas,
pessoas, objetos, situações e instituições. São simplesmente ideias ou crenças que
existem na mente dos seres humanos e dependem do modo como sentimos e somos
educados pelo meio em que nascemos e vivemos.
2. Caraterize o subjetivismo moral.
O que é moralmente correto? O que a sociedade considera ser moralmente certo? Ou
será o que eu acredito ser moralmente correto? Ou nem uma coisa nem outra?
O subjetivismo moral responde que é moralmente verdadeiro o que cada indivíduo
sente que é verdade. O subjetivismo moral ou relativismo individual afirma que há
juízos morais verdadeiros, mas nega que essa verdade seja objetiva. A cada um a sua
verdade. Os juízos morais traduzem sentimentos de aprovação e de reprovação. Se
genuinamente uma pessoa sente que uma determinada ação é correta, se a ação está
de acordo com o que ela sente ser correto, então o juízo moral que sobre ela faz é
verdadeiro. Moralmente verdadeiro é o que depende dos meus sentimentos. Cada
indivíduo tem um código moral próprio que lhe permite distinguir por si o certo do
errado sem precisar de consultar os outros ou submeter-‐se ao que a maioria das
pessoas pensa sobre o assunto. «Ninguém pode e deve dar lições de moral a ninguém.
A cada qual a sua verdade, e assim deve ser.
3. Quais são as objeções mais frequentemente dirigidas ao subjetivismo ético?
Podemos destacar três:
a) O subjetivismo moral torna inviável a discussão de questões morais.
O subjetivismo moral parece sugerir que não podemos dizer que as opiniões e juízos
morais dos outros estão errados. Se as verdades morais dependem dos sentimentos de
aprovação ou de desaprovação de cada indivíduo, basta que os nossos juízos morais
estejam de acordo com os nossos sentimentos para serem verdadeiros. Um genuíno
debate moral em que cada interlocutor tente convencer o outro das suas razões
acerca de algo em que acredita perde qualquer sentido. Para o subjetivista, será
mesmo sinal de intolerância.
b) O subjetivismo ético acredita que não há juízos morais objetivos porque os
assuntos morais são objeto de discórdia generalizada, mas isso não prova que não
haja uma resposta correta ou verdades objetivas.
Será que o facto de as pessoas discordarem acerca da existência de Deus prova que
não há uma resposta à questão Será que Deus existe? Durante muito tempo as pessoas
pensaram que as doenças eram causadas por demónios. Sabemos hoje em dia que na
maioria dos casos são causadas por microrganismos como bactérias e vírus.
c) O facto de as pessoas terem crenças opostas acerca de questões morais não prova
que essas crenças sejam ambas verdadeiras.
Se dois indivíduos não estão de acordo acerca de um dado assunto, então têm ambos
razão, ou seja, as suas crenças são ambas verdadeiras. Mas e se as duas crenças se
negam uma à outra, se contradizem? Duas crenças que se contradizem não podem ser
ambas verdadeiras.
4. «Matar é errado», «Roubar é incorreto» e «Mentir é imoral». Será que estes juízos
são verdadeiros? Será que são objetivos e universais? «Há verdade e falsidade em
assuntos morais?», «Faz sentido dizer que uma crença moral é correta e que outra é
errada?». Qual é a resposta que o relativismo cultural dá a estas perguntas?
O relativismo cultural afirma que aqueles juízos são verdadeiros, mas não em todo o
lado e para todas as pessoas. A verdade dos juízos morais depende do que cada
sociedade aprova, ou seja, as afirmações morais só são verdadeiras ou falsas em
determinadas culturas. Moralmente correto é aquilo que a maioria das pessoas de
uma sociedade considera correto. Não existe nenhum critério objetivo e universal para
determinar quem tem razão. Um juízo moral é falso quando os membros – a maioria –
de uma sociedade o consideram falso e verdadeiro quando o consideram verdadeiro.
Assim, afirmar que «Matar é errado» significa dizer «A sociedade X considera que
matar é moralmente incorreto». Afirmar que «Matar é moralmente correto» significa
dizer «A sociedade X considera que matar é moralmente correto».
5. Será que relativismo cultural e ceticismo moral são a mesma coisa?
Não. Para o ceticismo moral nenhum juízo moral tem valor de verdade, ou seja, os
juízos morais não são nem verdadeiros nem falsos. Não há práticas moralmente
corretas ou incorretas. Ora, o relativismo cultural afirma que os juízos morais são
verdadeiros ou falsos conforme o que cada cultura julga ser verdadeiro ou falso.
29. Quais são as objeções mais frequentemente dirigidas ao relativismo moral?
São as seguintes:
A) Há uma diferença significativa entre o que uma sociedade acredita ser
moralmente correto e algo ser moralmente correto.
O relativismo cultural transforma a diversidade de opiniões e de crenças morais em
ausência de verdades objetivas. Mas isso pode ser sinal de que há pessoas e
sociedades que estão erradas e não de que ninguém está errado. Se duas sociedades
têm diferentes crenças acerca de uma questão moral, o relativista conclui que então
ambas as crenças são verdadeiras. Os adversários do relativismo cultural objetam que
a conclusão não deriva necessariamente da premissa porque essa discórdia pode ser
sinal de que uma sociedade está certa e a outra errada.
B) O relativismo cultural reduz a verdade ao que a maioria julga ser verdadeiro.
Desde quando o que maioria pensa é verdadeiro e moralmente aceitável? Os nazis
acreditavam e fizeram com que a maioria dos alemães acreditasse que os judeus eram
sub-‐humanos e que exterminá-‐los era um favor que faziam à humanidade. Isso é
claramente falso.
C) O relativismo cultural parece convidar-‐nos ao conformismo moral, a seguir, em
nome da coesão social, as crenças dominantes.
Algumas pessoas ao longo da história quiseram e conseguiram mudar a nossa maneira
de pensar acerca de certos problemas morais. Estou a lembrar-‐me de quem combateu
a escravatura em nome dos ensinamentos de Cristo – embora os defensores da
escravatura dissessem que a Bíblia justificava o que faziam –, de quem lutou contra o
apartheid na África do Sul (Nelson Mandela) e contra a segregação racial nos EUA
(Martin Luther King). Essas pessoas fizeram bem à humanidade, combateram injustiças
e devemos-‐lhes grande progresso moral. Ora, o relativismo cultural parece implicar
que a ação dos reformadores morais é sempre incorreta.
D) O relativismo cultural torna incompreensível o progresso moral.
É verdade, ou pelo menos parece, que não há acordo entre os seres humanos sobre
muitas questões morais. Mas também é verdade que a humanidade tem realizado
progressos no plano moral. A abolição da escravatura, o reconhecimento dos direitos
das mulheres, a condenação e a luta contra a discriminação racial são exemplos. Falar
de progresso moral parece implicar que haja um padrão objetivo com o qual
confrontamos as nossas ações. Se esse padrão objetivo não existir, não temos
fundamento para dizer que em termos morais estamos melhor agora do que antes.
E) O relativismo cultural torna impossível criticar os valores dominantes numa
cultura.
Como explicar as mudanças de perspetiva moral em relação a temas como os direitos
dos animais? Como denunciar e convencer a maioria dos membros que numa cultura
consideram a pena de morte justa de que ela afinal é injusta se justo é para o
relativismo cultural o que é socialmente aprovado pela maioria? Não compreenderiam
como alguém pode considerar esse castigo injusto, tal como um japonês não
compreenderia que o correto é comer de faca e garfo.
F) Torna incompreensível a noção de direitos humanos universais.
Estes direitos são próprios dos seres humanos por serem humanos e não por
pertencerem a esta ou aquela cultura. Esta ideia é, para o relativista, produzida por
uma cultura – neste caso, a ocidental, e por isso só pode valer no interior desta. Pode
haver direitos humanos, mas eles não são universais.
6. O que distingue o relativismo cultural do subjetivismo moral?
A cada cultura a sua verdade, defende o relativismo cultural. A cada indivíduo a sua
verdade, defende o subjetivismo moral. Contrariamente ao relativismo individual ou
subjetivismo moral, o relativismo cultural acerca de assuntos morais afirma que o
código moral de cada indivíduo se deve subordinar ao código moral da sociedade em
que vive e foi educado. Os juízos morais de cada indivíduo são verdadeiros se
estiverem em conformidade com o que a sociedade a que pertence considera
verdadeiro.
SÍNTESE
QUESTÕES O relativismo cultural O objetivismo moral O subjetivismo moral
HÁ VERDADES MORAIS? Sim.
O relativismo cultural defende
que cada cultura considera
verdadeiros certos juízos de
valor morais. Há uma
diversidade de verdades
morais.
Sim.
Há verdades morais que
valem por si.
Sim.
Mas essa verdade é
puramente subjetiva.
Depende do modo
como cada pessoa vê
ou sente as coisas.
HÁ VERDADES MORAIS
OBJETIVAS E UNIVERSAIS?
Não.
Uma proposição como «Matar
é errado» é verdadeira para
certas sociedades e culturas e
falsa para outras. Em si
mesma, nenhuma proposição
moral – nenhum juízo de valor
moral – é falsa ou verdadeira.
Verdadeiro ou correto é igual
a aprovado ou valorizado pela
maioria dos membros de uma
certa sociedade.
Sim.
Há verdades morais que
valem por si, são
independentes do que
cada cultura pensa e do
que cada indivíduo sente.
No que respeita aos
valores e práticas morais,
é errado pensar que
ninguém está
objetivamente certo ou
objetivamente errado.
Não.
No que respeita aos
valores e práticas
morais, ninguém está
objetivamente certo
ou objetivamente
errado. É tudo uma
questão de gosto ou
de sensibilidade.
ALGUMA SOCIEDADE É
PROPRIETÁRIA DA
VERDADE EM ASSUNTOS
MORAIS?
Não.
Nenhuma sociedade ou
cultura tem legitimidade para
«dar lições de moral» a outra.
Cada uma define o que é certo
ou errado de forma autónoma
e soberana.
Não.
Havendo verdades
objetivas, podemos
considerar como certas ou
erradas certas práticas
morais de certas culturas
ou de indivíduos. A moral
é a mesma para todos e
não depende de crenças
Não.
Cada pessoa responde
às questões morais
com base no seu
código moral pessoal
e não pode estar
errado se for sincero.
Não admite que a
moral seja a mesma
culturais ou de
sentimentos.
para todos. É
moralmente incorreto
que alguém – outro
indivíduo ou uma
sociedade – tente
impor as suas
conceções morais
porque ninguém
possui a verdade
absoluta sobre estes
assuntos. Não há
princípios e normas
morais, a não ser os
que cada indivíduo
escolhe para si
mesmo.
TEMA 6
AS ÉTICAS DE KANT E DE MILL
1. A TEORIA ÉTICA DE KANT
TIPOS DE AÇÕES SEGUNDO KANT
Ações contrárias ao dever
Ações em conformidade com o dever
Ações feitas por dever
Ações que violam o dever
Ex.: Matar, roubar, mentir.
Ações que cumprem o dever não porque é correto fazê-‐lo, mas porque daí resulta um benefício ou a satisfação de um interesse.
Ex.: Não roubar por receio de ser castigado.
Ações que cumprem o dever porque é correto fazê-‐lo. O cumprimento do dever é o único motivo em que a ação se baseia. A intenção de cumprir o dever não está associada a outras intenções, é a única intenção.
Ex.: Não roubar porque esse ato é errado.
AS ÚNICAS AÇÕES MORALMENTE BOAS
As únicas ações moralmente boas são as ações feitas por dever. Agir por dever significa reconhecer que há deveres absolutos como não roubar, não mentir e não matar.
AGIR POR DEVER É CUMPRIR O QUE A LEI MORAL EXIGE
Quem apresenta este princípio «Age por dever!» à minha vontade? A razão.
Que nome dá Kant ao princípio ético fundamental que exige que eu cumpra o dever sempre por dever, sem qualquer outra intenção ou motivo? Kant dá-‐lhe o nome de lei moral.
As ações feitas por dever são assim ações que cumprem o que a lei moral exige.
REPEITAR A LEI MORAL É CONSIDERAR QUE O SEU CUMPRIMENTO É UM IMPERATIVO CATEGÓRICO.
Ouvir a voz da lei moral é ficar a saber como cumprir de forma moralmente correta o dever. Essa lei diz-‐nos de forma muito geral o seguinte: «Deves em qualquer circunstância cumprir o dever pelo dever, sem segundas intenções». O cumprimento do dever é uma ordem incondicional, não depende de condições ou de interesses. Devemos ser honestos porque esse é o nosso dever e não porque é do nosso interesse.
Pense em normas morais como «Não deves mentir», «Não deves matar», «Não deves roubar». A lei moral, segundo Kant, diz-‐nos como cumprir esses deveres, qual a forma correta de os cumprir. Assim sendo, é uma lei puramente racional e puramente formal. Não é uma regra concreta como «Não matarás!», mas um princípio geral que deve ser seguido quando cumpro essas regras concretas que proíbem o roubo, o assassinato, a mentira, etc.
O que é um imperativo categórico O que é um imperativo hipotético
Um imperativo categórico é um princípio que:
– Ordena que se cumpra o dever sempre por dever, ou seja, ordena que a vontade cumpra o dever exclusivamente motivada pelo que é correto fazer.
‒ Ordena que se aja por dever.
‒ Ordena que sejamos imparciais e desinteressados, agindo segundo máximas que todos podem adotar.
‒ Ordena que respeitemos o valor absoluto de cada ser racional nunca o reduzindo à condição de meio que nos é útil.
«Deves ser honesto porque esse é o teu dever!»
Um imperativo hipotético é um
princípio que:
‒ Transforma o cumprimento do dever numa ordem condicionada pelo que de satisfatório ou proveitoso pode resultar do seu cumprimento.
As ações baseadas num imperativo hipotético são:
‒ Ações conformes ao dever, feitas a pensar nas consequências ou resultados de fazer o que é devido.
‒ As ações que cumprem o dever com base em interesses e por isso seguem máximas que não podem ser universalizadas.
‒ As ações que não respeitam absolutamente o que somos enquanto seres humanos.
«Deves ser honesto se quiseres ficar bem visto perante os vizinhos do teu bairro.»
AS FORMULAÇÕES MAIS IMPORTANTES DO IMPERATIVO CATEGÓRICO
Fórmula da lei universal
Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal.
Fórmula da Humanidade
Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio.
Imagine que uma pessoa com problemas financeiros decide pedir dinheiro emprestado. Sabe que não pode devolver o dinheiro que lhe for emprestado, mas prometê-‐lo – mentir – é a única forma de obter aquilo de que precisa. A máxima da ação poderia enunciar-‐se assim «Se isso servir os teus interesses, não devolvas dinheiro emprestado ao seu dono». A referida pessoa não pode querer sem contradição universalizar a exceção que abriu para si própria porque se tornará exceção para todos. Se todos nós fizéssemos promessas com a intenção de não as cumprir, todos desconfiaríamos delas, e o empréstimo de dinheiro baseado em promessas acabaria. A prática de fazer e de aceitar promessas desapareceria. A máxima referida autodestrói-‐se ao ser universalizada porque ninguém poderá agir de acordo com ela.
Quem pede dinheiro emprestado sem intenção de o devolver está a tratar a pessoa que lhe empresta dinheiro como um meio para resolver um problema e não como alguém que merece respeito, consideração. Pensa unicamente em utilizá-‐la para resolver uma situação financeira grave sem ter qualquer consideração pelos interesses próprios de quem se dispõe a ajudá-‐lo. Sempre que fazemos da satisfação dos nossos interesses a finalidade única da nossa ação, não estamos a ser imparciais, e a máxima que seguimos não pode ser universalizada. Assim sendo, estamos a usar os outros apenas como meios, simples instrumentos que utilizamos para nosso proveito. Esta fórmula não fala só de respeitar os outros. Diz que nenhum ser humano se deve tratar a si mesmo apenas como um meio. A prostituição, o masoquismo são exemplos de violação desta norma, mas, mesmo quando desrespeitamos diretamente os direitos dos outros, como no caso da escravatura, da violação, do roubo e da mentira, estamos também a abdicar da nossa dignidade.
AUTONOMIA HETERONOMIA
Caraterística de uma vontade que cumpre o dever pelo dever. Quando o cumprimento do dever é motivo suficiente para agir, a vontade não se submete a outra autoridade que não a razão. Quando decido independentemente de quaisquer interesses, isto é, quando sou imparcial e adoto uma perspetiva universal, obedeço a regras que criei ao mesmo tempo para mim e para todos os seres racionais. Uma vontade autónoma é uma vontade puramente racional, que faz sua uma lei da razão, que diz a si mesma «Eu quero o que a lei moral exige». Ao agir por dever, obedeço à voz da minha razão e nada mais.
Caraterística de uma vontade que não cumpre o dever pelo dever. Quando o cumprimento do dever não é motivo suficiente para agir tendo de se invocar razões externas como o receio das consequências, o temor a Deus, etc., a vontade submete-‐se a autoridades que não a razão. Por isso, a sua ação é heterónoma, incapaz de respeitar incondicionalmente o dever. Todas as éticas de tipo consequencialista são, para Kant, heterónomas, reduzem a moralidade a um conjunto de imperativos hipotéticos.
O QUE É UMA BOA VONTADE
É uma vontade que age de forma moralmente correta.
É uma vontade que cumpre o dever respeitando absolutamente a lei moral, ou seja, cuja única intenção é cumprir o dever.
É uma vontade que age segundo regras ou máximas que podem ser seguidas por todos porque não violam os interesses de ninguém.
É uma vontade que respeita todo e qualquer ser humano considerando-‐o uma pessoa e não uma coisa ou um meio ao serviço deste ou daquele interesse.
É uma vontade autónoma porque decide cumprir o dever por sua iniciativa e não por receio de autoridades externas ou da opinião dos outros.
UM EXEMPLO ILUSTRATIVO DO QUE É PARA KANT AGIR CORRETAMENTE
Imagine que um grupo de terroristas se apodera de um avião em Berlim. Os seus passageiros e tripulantes ficam reféns. Contudo, os terroristas propõem libertá-‐los se um cidadão local que eles consideram envolvido em atividades antiterroristas lhes for entregue para ser morto. Se as autoridades da cidade não colaborarem no prazo de quatro horas, ameaçam fazer explodir o aparelho com todas as pessoas lá dentro. As autoridades locais sabem que o cidadão em causa não cometeu o menor crime durante a sua vida e que os terroristas estão enganados, pois não participou na morte de membros do grupo de que agora dele se quer vingar. Não obstante, sabem que será vã a tentativa de convencer os terroristas de que estão enganados. Após longa deliberação, decidem entregar o referido cidadão aos terroristas que libertam os reféns e matam quem queriam matar.
Posição de Kant
A ação é moralmente incorreta
Justificação
1. Há atos intrinsecamente errados (errados em si mesmos, apesar de poderem ter boas consequências) que é nosso dever evitar e atos intrinsecamente corretos que é nosso dever realizar. Certos deveres constituem uma obrigação moral, sejam quais forem as consequências. Que deveres absolutos são esses? Eis alguns: «Não matar», «Não roubar», «Não mentir». Por insistir em que há deveres absolutos, a ética kantiana é considerada deontológica.
2. Viola-‐se o imperativo categórico de respeitar absolutamente a pessoa humana. Transforma-‐se uma vida em meio para atingir um fim que é a salvação de outras vidas humanas. É evidente que as autoridades que decidem entregar o cidadão aos terroristas estão a tratá-‐la como um meio para resolver um problema e não como alguém que merece respeito, consideração. Pensam unicamente em utilizá-‐lo para resolver uma situação grave sem ter qualquer consideração pelo seu interesse próprio. Para Kant, uma vida humana não é mais valiosa do que outra, nem várias vidas humanas valem mais do que uma. Devido a esta ideia, a ética kantiana é frequentemente denominada ética do respeito pelas pessoas.
2. A ÉTICA UTILITARISTA DE MILL
TEORIA ÉTICA CONSEQUENCIALISTA
As consequências de uma ação é que determinam se é moralmente correta ou incorreta.
TEORIA ÉTICA HEDONISTA
Todas as atividades humanas têm um objetivo último, isto é, são meios para uma finalidade que é o ponto de convergência de todas. Esse fim é a felicidade ou bem-‐estar. Mais propriamente, procuramos em todas as atividades a que nos dedicamos viver experiências aprazíveis e evitar experiências dolorosas ou desagradáveis. Esta perspetiva que identifica a felicidade com o prazer ou o bem-‐estar tem o nome de hedonismo. Mas trata-‐se da felicidade geral e não da individual.
O CRITÉRIO DA MORALIDADE DE UMA AÇÃO
Segundo Mill, a utilidade é o que torna uma ação moralmente valiosa. O critério da moralidade de um ato é o princípio de utilidade. Este princípio é o teste da moralidade das ações. Uma ação deve ser realizada se e só se dela resultar a máxima felicidade possível para as pessoas ou as partes que por ela são afetadas. O princípio de utilidade é por isso conhecido também como princípio da maior felicidade. A ideia central do utilitarismo é a de que devemos agir de modo a que da nossa ação resulte a maior felicidade ou bem-‐estar possível para as pessoas por ela afetadas. Uma ação boa é a que é mais útil, ou seja, a que produz mais felicidade global ou, dadas as circunstâncias, menos infelicidade. Quando não é possível produzir felicidade ou prazer, devemos tentar reduzir a infelicidade. Costuma-‐se resumir o princípio de utilidade mediante a fórmula «A maior felicidade para o maior número». Esta fórmula foi cunhada por Francis Hutchinson e não aparece tal e qual nos escritos de Mill.
MORALMENTE INCORRETO/MORALMENTE CORRETO
Ação moralmente
correta
Ação moralmente incorreta
A ação que tem boas consequências ou, dadas as circunstâncias, melhores consequências do que ações alternativas.
A ação que tem más consequências ou, dadas as circunstâncias, piores consequências do que ações alternativas
O que é uma ação com boas consequências O que é uma ação com más consequências
‒ Ação cujos resultados contribuem para um aumento da felicidade (bem-‐estar) ou diminuição da infelicidade do maior número possível de pessoas por ela afetadas.
‒ Ação subordinada ao princípio de utilidade.
‒ Ação cujos resultados não contribuem para um aumento da felicidade (bem-‐estar) ou diminuição da infelicidade do maior número possível de pessoas por ela afetadas.
‒ Ação egoísta em que a felicidade do maior número não é tida em conta ou em que só o meu bem-‐estar ou satisfação é procurado.
‒ Ação que não se subordina ao princípio de utilidade.
NÃO HÁ DEVERES ABSOLUTOS
Para o utilitarista, as ações são moralmente corretas ou incorretas conforme as consequências: se promovem imparcialmente o bem-‐estar, são boas. Isto quer dizer que não há ações intrinsecamente boas. Só as consequências as tornam boas ou más. Assim sendo, não há, para o utilitarista, deveres que devam ser respeitados sempre e em todas as circunstâncias. Se, para a ética kantiana, alguns atos como matar, roubar ou mentir são absolutamente proibidos mesmo que as consequências sejam boas, para Mill justifica-‐se, por vezes, matar, deixar morrer, roubar ou mentir.
O PRINCÍPIO DE UTILIDADE E AS NORMAS MORAIS VIGENTES
As normas morais comuns estão em vigor em muitas sociedades por alguma razão. Resistiram à prova do tempo, e em muitas situações fazemos bem em segui-‐las nas nossas decisões. Contudo, não devem ser seguidas cegamente. Nas nossas decisões morais, devemos ser guiados pelo princípio de utilidade e não pelas normas ou convenções socialmente estabelecidas. Dizer a verdade é um ato normalmente mais útil do que prejudicial, e por isso a norma «Não deves mentir» sobreviveu ao teste do tempo. Segui-‐la é respeitar a experiência de séculos da humanidade. Mas há situações em que não respeitar absolutamente uma determinada norma moral e seguir o princípio de utilidade terá melhores consequências globais do que respeitá-‐la.
FELICIDADE GERAL E FELICIDADE INDIVIDUAL
A minha felicidade não é mais importante do que a felicidade dos outros. O utilitarismo de Mill não defende que tenhamos de renunciar à nossa felicidade, a uma vida pessoal em nome da felicidade do maior número. Trata-‐se através da educação segundo o princípio de utilidade de abrir um espaço amplo para que a inclinação para o bem geral se sobreponha com frequência cada vez maior ao egoísmo. O princípio da maior felicidade em Mill exige que cada indivíduo se habitue a não separar a sua felicidade da felicidade geral sem deixar de ter projetos, interesses e vida pessoal.
COMPARAÇÃO ENTRE AS ÉTICAS DE KANT E DE MILL
QUESTÕES RESPOSTA DE KANT RESPOSTA DE MILL
As consequências são o que
mais conta para decidir se uma
ação é ou não moralmente
boa?
Não. A minha ética não é
consequencialista.
Sim. A minha ética é
consequencialista.
UM EXEMPLO ILUSTRATIVO DA TEORIA ÉTICA DE MILL
Imagine que um grupo de terroristas se apodera de um avião em Berlim. Os seus passageiros e tripulantes ficam reféns. Contudo, os terroristas propõem libertá-‐los se um cidadão local que eles consideram envolvido em atividades antiterroristas lhes for entregue para ser morto. Se as autoridades da cidade não colaborarem no prazo de quatro horas, ameaçam fazer explodir o aparelho com todas as pessoas lá dentro. As autoridades locais sabem que o cidadão em causa não cometeu o menor crime durante a sua vida e que os terroristas estão enganados, pois não participou na morte de membros do grupo que agora dele se quer vingar. Não obstante, sabem que será vã a tentativa de convencer os terroristas de que estão enganados. Após longa deliberação, decidem entregar o referido cidadão aos terroristas, que libertam os reféns e matam quem queriam matar.
Posição de Mill
Ação moralmente correta
Justificação
Há que ter em conta a ação que produziria mais felicidade global. O que produz mais infelicidade? Deixar morrer um inocente ou deixar eventualmente morrer dezenas de inocentes? Quantas famílias não ficariam enlutadas caso não se cedesse às pretensões dos terroristas? Para Mill, justifica-‐se, por vezes, matar, deixar morrer, roubar ou mentir. Nenhum desses atos é intrinsecamente errado e, por isso, os deveres que proíbem a sua realização não devem ser considerados absolutos. Deve notar-‐se que estamos a referir-‐nos a um caso dramático em que as alternativas – permitir a morte de um ou permitir a morte de muitos – são ambas repugnantes. Mas há que optar e, segundo Mill, seguir um princípio como «Cumpre o dever por dever» é vago.
A intenção é o critério ou fator
decisivo para avaliar se uma
ação é moralmente boa?
Sim. A minha ética considera boa a
ação cuja máxima exprime a intenção
de cumprir o dever pelo dever. A
intenção de fazer o que é devido sem
outro motivo que não o do
cumprimento do dever é a única coisa
que torna uma ação boa. A moralidade
consiste em cumprir o dever pelo
dever. A minha ética é deontológica.
Não. O fator que decide se uma
ação é boa ou não é o que dela
resulta. As consequências são o
critério decisivo da moralidade de
um ato. A intenção diz respeito ao
caráter do agente e não à qualidade
moral da ação. Se uma ação é
motivada pela vontade de obter o
melhor resultado possível mas tem
más consequências, diremos que,
apesar de o agente ser bom, a ação
não é boa.
Há ações boas em si mesmas,
isto é, que tenham um valor
intrínseco?
Sim. O valor moral de uma ação
depende da máxima que o agente
adota, sendo independente das
consequências, efeitos ou resultados
do que fazemos.
Não. Não podemos dizer que uma
ação é boa ou má antes de
olharmos para as suas
consequências.
Há deveres absolutos? Há
normas morais que não
devemos nunca desrespeitar?
Sim. Mentir, roubar e matar, por
exemplo, são atos sempre errados. Há
normas morais absolutas que
proíbem o assassínio, o roubo, a
mentira e que devem ser
incondicionalmente respeitadas em
todas as circunstâncias.
Não, exceto o dever de promover a
felicidade geral. Há situações em
que não cumprir certo dever tem
como consequência um melhor
estado de coisas. Há normas morais
que se tem revelado úteis para
organizar a vida dos seres
humanos, mas devemos ter em
conta que nem sempre o seu
cumprimento produz bons
resultados.
Qual é o princípio moral
fundamental que temos de
O princípio moral fundamental a
respeitar é o que exige que nunca
O princípio moral fundamental a
respeitar é o princípio de utilidade.
respeitar para que a nossa
ação seja moralmente boa?
trate os outros – nem a minha pessoa
– como meio ou instrumento útil para
um certo fim. Respeitar a nossa
humanidade eis o princípio
incondicional. Para isso ser possível,
devo agir segundo máximas que
possam ser seguidas pelos outros, isto
é, que possam ser universalizadas.
Exige que das nossas ações resulte
a maior felicidade possível para o
maior número possível de pessoas.
É também conhecido como
princípio da maior felicidade
possível. A minha ética é
consequencialista e utilitarista.
Há valores absolutos? Sim. A dignidade da pessoa humana é
um valor absoluto. Nenhuma ação
pode ser boa se desrespeita esse valor
absoluto. A boa vontade é a vontade
de nunca violar a dignidade absoluta e
incondicional da pessoa humana.
Sim. O único valor absoluto é a
felicidade entendida como prazer.
Todas as outras coisas só têm valor
se produzirem felicidade.
Maximizar o bem-‐estar ou a
felicidade é obrigatório?
Não. Não é obrigatório e muitas vezes
não é permissível. Porquê? Porque há
direitos das pessoas que são absolutos.
Os deveres absolutos de que falo são
restrições que impõem limites à
instrumentalização dos indivíduos em
nome do bem-‐estar geral. A minha
ética é deontológica porque o
respeito absoluto pelos direitos da
pessoa humana implica que haja
deveres absolutos ou coisas que é
absolutamente proibido fazer.
Sim. Se o valor moral das ações
depende da sua capacidade para
maximizar o bem-‐estar dos agentes
afetados pelas consequências de
uma ação, então obter esse
resultado é obrigatório, mesmo que
por vezes isso implique a violação
de algum direito. A minha ética não
é deontológica porque não admite
que haja deveres absolutos que
impõem restrições ao que é
possível fazer. A minha ética
centra-‐se no bem-‐estar geral que
das ações pode resultar, e
maximizar esse bem-‐estar é a única
obrigação moral.
O que é a felicidade? É o fim
ou objetivo último das ações
humanas?
A felicidade é um bem, mas não deve
influenciar as nossas escolhas morais.
O fim último da ação moral é o
respeito pela pessoa humana, pelo
valor absoluto que a sua
racionalidade lhe confere.
A felicidade é o objetivo
fundamental da ação moral,
embora não se trate da felicidade
individual nem da felicidade que se
traduza na redução do bem-‐estar
da maioria das pessoas a quem a
ação diz respeito.
O que é o egoísmo? O egoísmo, impedindo ações
desinteressadas e imparciais, é o
grande inimigo da moralidade.
O egoísmo é condenável porque
impede que se tenha em vista um
fim objetivo, que é a maior
felicidade para o maior número
possível de pessoas.
TEMA 7
O PROBLEMA DA JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO
COMPARAÇÃO ENTRE HOBBES E LOCKE
QUESTÕES HOBBES LOCKE
O Estado é uma instituição
natural?
Não. Apesar de se poder reconhecer
nos seres humanos a aptidão para
viverem em sociedade, o Estado é
uma construção humana, algo que
impomos à nossa natureza.
Não. Apesar de se poder reconhecer nos
seres humanos a aptidão para viverem em
sociedade, o Estado é uma construção
humana, algo que impomos à nossa
natureza.
O que é o estado de
natureza?
É uma condição da vida humana
marcada pela possibilidade que
cada um tem de fazer justiça por
suas mãos.
É uma condição da vida humana marcada
pela possibilidade que cada um tem de
fazer justiça pelas suas mãos.
O estado de natureza é
uma condição satisfatória?
Porquê?
Não porque é a guerra de todos
contra todos. É um estado
calamitoso, anárquico, em que,
ameaçada pela possibilidade que
cada um tem de fazer justiça por
suas mãos, a vida humana é curta e
incerta. O profundo egoísmo da
natureza humana é a raiz de todos
os males e tem de ser controlado.
Não porque tende a ser a guerra de alguns
contra alguns. No estado de natureza, não
há leis escritas ou órgãos – tribunais,
forças da ordem – que controlem e
resolvam os conflitos entre os seres
humanos. Há direitos individuais, mas
cada qual interpreta-‐os e defende-‐os à sua
maneira. Assim, a justiça privada – cada
qual fazer justiça por suas mãos ou fazer o
que bem entende – conduz à insegurança
e à injustiça.
O Estado é um bem ou um
mal?
O Estado é um bem necessário
porque garante, em princípio, a
segurança e protege a vida dos
cidadãos.
O Estado é um bem necessário porque
garante, em princípio, a proteção da vida,
da liberdade e da propriedade.
Como se dá a passagem do
estado de natureza à
sociedade política?
Os indivíduos transferem para o
poder político todos os seus direitos
de forma ilimitada e renunciam à
liberdade em nome da segurança e
proteção das suas vidas e dos seus
bens. Isto porque nenhum mal é
comparável a viver no estado de
natureza.
Os indivíduos não abdicam de nenhum
dos seus direitos naturais mas transferem
para o Estado e seus órgãos o poder de
legislar, de executar as leis e de julgar. Em
vez de cada indivíduo defender perante os
outros os seus direitos naturais, delega no
Estado esse poder atribuindo-‐lhe a
responsabilidade de os proteger.
A autoridade do Estado
tem limites?
Em princípio não. Os cidadãos
renunciam ao seu direito a todas as
coisas, à sua liberdade natural, e
deixam de poder contestar as
decisões de quem governa, desde
que o poder absoluto assim criado
garanta a paz e a segurança. Este é o
Sim. O contrato social não garante ao
governante poder absoluto para fazer o
que bem entender em nome da paz e da
segurança. Há, para Locke, valores mais
importantes do que a segurança e a
ordem. O direito à liberdade é um deles.
Os cidadãos não renunciam aos direitos
único dever estrito do Estado:
manter a ordem e proteger as vidas
que possam ser ameaçadas por
forças internas ou externas. A
segurança e a ordem são os valores
mais importantes.
Como Hobbes pensa que a função
do Estado se deve concentrar na
defesa da nação e na segurança
interna. A sua conceção de Estado
deixa aos cidadãos uma relativa
liberdade na esfera económica,
havendo assim direito à
propriedade e à iniciativa privada.
O contrato social garante ao
governante poder absoluto para
fazer o que bem entender com vista
a assegurar a paz e a ordem sociais.
Só a sua incapacidade em manter a
segurança e eliminar os conflitos
justifica que seja contestado e
deposto.
individuais naturais como a liberdade. Só
renunciam ao direito de aplicarem por si
mesmos o direito natural de punirem
quem desrespeita e viola esses direitos
básicos.
Os titulares da soberania continuam a ser
os cidadãos – o povo. Este delega o
exercício do poder nos governantes, mas,
se estes não governarem bem, se não
respeitarem e garantirem os direitos
básicos dos indivíduos, serão depostos das
suas funções.
TEMA 8
O PROBLEMA DA JUSTIÇA SOCIAL
1. Qual é o objetivo da teoria da justiça de Rawls?
O objetivo da teoria política de Rawls é o de conciliar, na medida do possível,
igualdade e liberdade.
Porquê ambas? Porque, se apenas houver liberdade, põe-‐se em causa a igualdade (uns
indivíduos possuirão sempre mais bens do que outros e os que possuem mais
possuirão sempre mais – a riqueza gera mais riqueza). Se apenas houver igualdade,
põe-‐se em causa a liberdade (limita-‐se a liberdade de os indivíduos possuírem mais
bens do que a quantidade de bens que possuem).
2. O que é uma sociedade justa?
É uma sociedade em que:
1. As pessoas são igualmente livres;
2. Não há desigualdades excessivas na distribuição de bens e de riqueza;
3. A posição que cada qual ocupa no que respeita a bens e cargos mais desejados
deriva do seu trabalho, esforço e empenho, ou seja, cada um de nós é por ela
responsável.
3. A posição que uma pessoa ocupa na sociedade – se é rico, se é pobre, por exemplo
‒ deve depender das suas escolhas e do seu empenho e do seu mérito. Mas não há
obstáculos que podem impedir a realização deste ideal?
Há, sem dúvida. Quando começamos a nossa vida, nem todos estamos em iguais
condições. Uns nascem em meios socioeconómicos mais favoráveis do que outros. Isto
significa que, se a nossa vida social fosse uma corrida, uns partiriam mais à frente do
que outros. As circunstâncias sociais e económicas em que nasci e que eventualmente
me favorecem não são mérito meu. São obra do acaso. Mas prejudicam uns e
beneficiam outros.
4. O que defende Rawls para evitar que as circunstâncias sociais impeçam que o
esforço e o mérito tenham a última palavra? Como combater as desigualdades
devidas a fatores ambientais, como a posição social que detemos em virtude do
nascimento?
Defende o princípio da igualdade de oportunidades. O acesso às profissões mais
valorizadas deve estar ao alcance de todos. Não é justo que, devido a uma condição
económica desfavorável, não possa estudar e realizar o projeto de ser engenheiro,
arquiteto, médico ou outras profissões socialmente mais reconhecidas. Mediante
ajustes institucionais como bolsas de estudo, o Estado deve garantir uma relativa
igualdade na «corrida» às posições sociais mais favoráveis.
Assim, procura neutralizar fatores que impedem que só o mérito, o empenho e a
responsabilidade pessoal sejam decisivos para que alguém atinja os seus objetivos no
plano social.
5. Esclareça em que consiste o princípio da igualdade de oportunidades.
O «princípio da igualdade de oportunidades» significa que cada um deve ter as
mesmas oportunidades de acesso às várias funções e posições sociais. De que
igualdade se trata? De uma igualdade semelhante à que acontece nas corridas de
atletismo. Numa corrida de 400 metros planos, as posições de saída dos atletas são
diferentes. Esta medida tem como objetivo compensar as desigualdades geradas pela
forma da pista, tornando possível a igualdade de condições de saída. Imaginemos a
seleção para postos de trabalho numa empresa. É justo que as posições mais
vantajosas e que os restantes lugares sejam dados aos mais qualificados. Contudo, a
igualdade de oportunidades é mais do que isso. Exige que todos os concorrentes aos
lugares tenham tido a possibilidade de obter qualificação apropriada na escola ou em
qualquer outra instituição e não sejam discriminados pelas circunstâncias sociais (não
sejam prejudicados por fatores como o género, origem cultural ou étnica ou as
condições socioeconómicas).
6. Mas será que a igualdade de oportunidades é suficiente para que se construa uma sociedade justa? Supondo que há efetiva igualdade de oportunidades, será que isso resolve o problema da justiça social?
Rawls pensa que não. Não. Porquê? Porque só é justo o resultado que decorre das
escolhas pelas quais somos responsáveis. Se estudamos pouco ou trabalhamos com
pouco empenho, não temos legitimidade para argumentar que não é justa a posição
social em que nos encontramos, dada a igualdade de oportunidades que tivemos. Não
aproveitámos as oportunidades. Mas há outro fator que pode desequilibrar. Qual? Os
dons da natureza. O que há de insuficiente na ideia de justiça social como igualdade
de oportunidades é que se esquece que o sucesso também depende do talento
natural ou dos dons da natureza. As diferenças socioeconómicas devem derivar do
exercício da liberdade individual em condições de igualdade. Ora, o talento natural é
um dom que não decorre da liberdade de escolha. Não somos responsáveis pelos
nossos talentos naturais – grau de inteligência, aptidões musicais, físicas ‒ ou por
limitações físicas e intelectuais herdadas. Sendo assim, na corrida pelas melhores
posições sociais, o talento natural é um elemento perturbador na chegada à «meta».
7. O sucesso social de alguém favorecido pela natureza – elevado QI, força, destreza
– não é merecido, no sentido em que estes dons não são adquiridos, mas oferecidos
pela natureza. Os talentos naturais não foram escolha sua. Foram dons da natureza.
A este respeito, o insucesso dos desfavorecidos pela natureza também não é
merecido. Foi obra do acaso natural e não responsabilidade sua. O que fazer para
que este obstáculo impeça uma injusta desigualdade?
A solução de Rawls é esta: os mais favorecidos têm o direito de usufruir dos bens cuja
aquisição foi favorecida pelo talento natural, desde que compensem os menos
favorecidos por desigualdades que não têm origem no mérito, ou seja, que foram
condicionadas por fatores que não são da sua responsabilidade. Por outras palavras,
posso, em virtude de dons que ninguém me pode subtrair, ganhar mais do que os
outros, ter melhor emprego e melhor estatuto social desde que isso reverta a favor
dos mais desfavorecidos. As pessoas que, em boa parte, devido ao seu talento natural,
acederam às profissões socialmente mais valorizadas e mais bem pagas não devem ser
as únicas a beneficiar com a sua situação. Ronaldo não deve ser o único a beneficiar do
talento e da capacidade que, em grande parte, deriva de a natureza ter sido generosa
com ele. A solução é proceder à redistribuição da riqueza. Os mais favorecidos pela
natureza devem contribuir – impostos ‒ para a melhoria da situação económica dos
que a natureza não beneficiou.
8. O que é o princípio da diferença?
É o princípio que responde à pergunta: «Como combater as desigualdades decorrentes
da sorte e da fortuna genética dos indivíduos?».
Os princípios da liberdade igual e da igualdade de oportunidades são insuficientes para
fundar uma sociedade justa. O princípio da diferença pretende reduzir a amplitude da
diferença de rendimentos e de bens entre indivíduos que esteja fundada na lotaria da
natureza: uns favorecidos em talentos preciosos para triunfar num mundo competitivo
e outros desfavorecidos ou pouco favorecidos nesse aspeto. O princípio da diferença
consiste em admitir na sociedade algumas desigualdades ou diferenças económicas e
sociais, desde que essas mesmas desigualdades possam também beneficiar os mais
desfavorecidos. Se a minha fortuna aumentar e os indivíduos com mais dificuldades
económicas receberem cada um em troca X euros com esta minha ação, então a ação
que possibilitou o aumento da minha fortuna será justa para Rawls. Porquê? Porque
também os mais desfavorecidos beneficiaram com esta minha ação.
9. Será que o princípio da diferença defende o igualitarismo ou a igualdade estrita?
Não. O princípio da diferença não defende o igualitarismo ou a igualdade estrita.
Estipula que os rendimentos e a riqueza devem ser igualmente distribuídos, a não ser
que a desigualdade seja vantajosa para todos os membros da sociedade. Rawls
acrescenta que deve ser vantajosa sobretudo para os menos favorecidos.
10. Vemos que, apesar de querer conciliar liberdade e igualdade, Rawls admite a
desigualdade económica. Porquê?
A desigualdade económica será vantajosa pelas seguintes razões:
1. As pessoas mais talentosas sentirão menos estímulo para trabalhar e produzir se houver uma distribuição igualitária da riqueza.
2. Menos produção de riqueza implica menos recursos para distribuir e prestar assistência através de taxas e impostos aos menos favorecidos.
3. As oportunidades dos que têm menos são mais amplas num sistema de distribuição
da riqueza que não é estritamente igualitário – todos a ganhar o mesmo ou
aproximadamente – porque haverá mais recursos disponíveis para que os
desfavorecidos invistam na educação e na formação profissional.
Assim, a desigualdade funciona a favor da redução das desigualdades.
11. O princípio da igual liberdade, da igualdade de oportunidades e da diferença são
os princípios que devem ser seguidos por uma sociedade que queira ser justa. Será
que este modelo de sociedade é, para Rawls, justo?
Sim, Rawls pensa que este modelo económico, social e político é condição necessária
para que se possa falar de sociedade justa ou de justiça social.
12. Como justifica ou defende Rawls a sua tese?
Rawls pensa que este seria o tipo de sociedade que escolheriam pessoas que não
soubessem, no momento de criar uma sociedade, o seguinte:
1. O que seriam (se seriam homens ou mulheres, se pertenceriam a esta ou àquela
etnia, se seriam muito ou pouco inteligentes, dotados de muita força ou fracos, com
muita destreza e habilidade física ou não).
2. Em que meio económico-‐social iriam nascer (se pobres ou ricos ou pertencentes à
classe média).
3. Que profissão ou estatuto social iriam ter.
Se as pessoas se encontrassem nesta posição original e cobertas por este véu de
ignorância acerca dos seus dotes naturais, da sua condição económica e social futura,
escolheriam os princípios de justiça que Rawls apresentou.
Não iriam escolher uma sociedade em que, por exemplo, um certo grupo racial, uma
certa etnia ou um dado género fossem discriminados. Porquê? Porque, não sabendo
qual vai ser a sua condição, é razoável que queiram uma sociedade em que há
liberdade igual.
Não iriam escolher uma sociedade em que não se defende a igualdade de
oportunidades porque poderiam vir a pertencer a classes desfavorecidas no acesso às
melhores profissões.
Não iriam escolher uma sociedade em que os mais desfavorecidos quer em dotes
naturais quer em meios económicos seriam a bem dizer abandonados à sua sorte ou
ficariam dependentes da compaixão ou boa vontade dos mais favorecidos.
Nesta situação, optaríamos por uma sociedade que assegurasse as liberdades básicas,
nos desse a oportunidade de melhorar a nossa condição social e que impedisse um
fosso gigantesco entre favorecidos e desfavorecidos.
13. O que a posição original?
A posição original é uma situação imaginária ou hipotética de total imparcialidade – as
pessoas pensam no que é justo e não simplesmente no que é pessoalmente vantajoso
– em que pessoas racionais, livres e iguais criam uma sociedade regida por princípios
de justiça. Para que tal imparcialidade se verifique, essas pessoas devem estar
«cobertas» por um «véu de ignorância».
14. O que é o véu de ignorância? O «véu de ignorância» é o desconhecimento por parte de cada indivíduo da sua
condição social e económica no momento do estabelecimento do contrato social, no
momento em que dão origem a uma determinada forma de sociedade.
15. Qual é a vantagem do «véu da ignorância»?
Vai possibilitar que, devido ao desconhecimento da sua situação social e económica,
os indivíduos exijam uma organização da sociedade que seja dentro dos possíveis a
mais vantajosa e melhor para todos, não inferiorizando qualquer grupo de indivíduos.
Neste sentido, vão exigir que a sociedade promova os valores básicos que permitam a
todos ter uma vida aceitável, designadamente a mesma liberdade para todos e o
mínimo de desigualdades sociais e económicas.
16. O que entende Rawls pelo princípio maximin?
O princípio maximin é uma estratégia de decisão que pessoas razoáveis seguem, numa
situação de incerteza – o véu de ignorância. É a estratégia do menor mal. São
preferíveis princípios de justiça que estejam na base de uma sociedade em que o pior
não será muito inferior a uma sociedade em que, por exemplo, haja muita pobreza e
muita riqueza. A sociedade preferível é aquela em que a pobreza e a riqueza sejam
moderadas. Se escolher uma sociedade em que a pobreza extrema convive com a
riqueza extrema, corro o risco de fazer parte do grupo de pessoas que serão
extremamente pobres.
17. Explicite uma das principais críticas que se faz à teoria de Rawls?
Uma das principais críticas a Rawls é a difícil harmonização entre os princípios da igual
liberdade e da diferença. Em primeiro lugar, pode haver igual liberdade se não houver
igual riqueza? Quem mais bens possui não tem mais liberdade? Maior poder
económico não significa poder fazer mais coisas, sobretudo influenciar as decisões de
quem governa a seu favor? Se isto for verdade, o princípio de diferença, admitindo as
desigualdades económicas, restringe indevidamente o princípio de igual liberdade. Em
segundo lugar, se as pessoas têm igual liberdade de adquirir bens e riqueza, limitar a
quantidade de bens que uma pessoa pode adquirir ou receber restringe a liberdade de
cada indivíduo. Neste caso, uma correta aplicação do princípio da liberdade igual
negaria o princípio de diferença.
OS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA OU DE UMA SOCIEDADE JUSTA
Princípio da igual liberdade Princípio da igualdade de oportunidades Princípio da diferença
Todos temos direito a conduzir as nossas vidas de acordo com a nossa vontade. Mas a minha liberdade tem de ser compatível com a dos outros. É injusto que umas pessoas tenham mais liberdade do que outras. Por isso, cada pessoa deve ter um máximo de liberdade que seja compatível com idêntico grau de liberdade de todos os outros. O princípio da igual liberdade para todos refere-‐se a liberdades básicas como a liberdade de voto, de associação, de religião, de expressão e a direitos como o direito à integridade física, à propriedade e a um tratamento legal justo. O princípio da liberdade igual ou do direito a iguais liberdades básicas é o mais importante. A promoção da igualdade de oportunidades e a redução da desigualdade económica não são legítimas se violarem o direito à igual liberdade.
Muitas pessoas tiveram a sorte de encontrar boas condições sociais e económicas para conquistarem um lugar confortável ou de destaque na sociedade. Outras são desfavorecidas ou pouco favorecidas por nascerem em meios sociais e económicos que impedem o acesso a uma razoável ou boa posição social. O princípio da igualdade de oportunidades pretende garantir que apenas o mérito e o esforço pessoal, e não outros fatores, são decisivos para alguém realizar as suas ambições no plano social. No acesso às profissões mais valorizadas, todos os cidadãos devem, à partida, estar em igualdade de condições.
É injusto que muitos membros de uma sociedade sejam impedidos, por fatores pelos quais não são responsáveis, de alcançar os seus objetivos. O principal obstáculo é a desigualdade económica, ou seja, condições económicas desfavoráveis. Devemos tentar corrigir essa desigualdade. Como? Os que tiveram sorte na lotaria natural e social e ascenderam a uma boa posição social e económica devem contribuir para benefício dos que não foram favorecidos. Qual o meio? Os impostos, que permitem indiretamente assistir e subsidiar quem precisa de ajuda para tentar melhorar a sua condição social. Haverá sempre pessoas em melhor situação social do que outras, mas a todos deve ser dada a oportunidade de melhorar a sua vida. O princípio da diferença defende que a distribuição da riqueza se deve fazer de forma igualitária, exceto se as desigualdades beneficiarem os menos favorecidos e lhes derem a oportunidade de melhorar a sua situação. É injusta a sociedade em que as vantagens dos mais favorecidos não são benéficas para mais ninguém.
COMPARAÇÃO ENTRE RAWLS E NOZICK
Questões Rawls Nozick
O que é uma sociedade
justa?
É uma sociedade que não põe em
causa as liberdades básicas iguais
para todos nem a igualdade de
oportunidades. Para que isto seja
possível, a desigualdade económica
terá de ser controlada para que
possa reverter também a favor dos
mais carenciados.
É uma sociedade que respeita de forma
absoluta os direitos individuais – direito
à liberdade e à propriedade do que se
recebe e adquire – e permite que os
bens de que sou proprietário legítimo
permaneçam em meu poder, dispondo
deles conforme entendo. Uma
sociedade justa é a que não impõe
qualquer limite legal aos níveis de
desigualdade económica nela
presentes.
Deve o Estado ter algum
papel a desempenhar na
promoção e construção de
uma sociedade justa? Será
que é sua função legítima
corrigir as desigualdades
económicas através da
redistribuição da riqueza
que a sociedade produz?
Sim. O Estado tem o direito e o
dever de tirar a uns para dar a
outros ou, por outras palavras, de
forçar alguns a contribuírem para a
melhoria do nível de vida de outros.
Não. O Estado não tem o direito de
tirar a uns para dar a outros, de forçar
alguns a contribuírem para a melhoria
do nível de vida de outros. A
redistribuição da riqueza é uma
violação da liberdade individual. Não é
correto que sejamos obrigados pelo
Estado a contribuir para ajudar as
pessoas menos favorecidas.
Se deve e é indispensável
que tenha esse papel, como
deve proceder para realizar
a justiça social?
O Estado deve promover o princípio
da diferença e o princípio da
igualdade de oportunidades. O
princípio da diferença consiste em
admitir na sociedade algumas
desigualdades económicas e sociais,
A justiça social é incompatível com a
redistribuição da riqueza, seja qual for
o critério, por parte de Estado. Este não
deve interferir na vida económica. Deve
deixar que a distribuição da riqueza se
faça de acordo com a sorte e o mérito
desde que essas mesmas
desigualdades beneficiar os mais
desfavorecidos. O princípio da
igualdade de oportunidades
consiste em garantir a todos os
indivíduos as mesmas oportunidades
de acesso aos vários lugares na
sociedade, independentemente de
ser de raça branca ou negra, rico ou
pobre, homem ou mulher. Desde
que os indivíduos possuam as
mesmas capacidades e
competências, têm as mesmas
possibilidades de acesso a um
emprego. Estes dois princípios
implicam que o direito à
propriedade não é absoluto. Os mais
ricos devem contribuir para
beneficiar todos os outros,
assegurando-‐lhes, no grau máximo
possível, um nível de vida com um
mínimo razoável de bens básicos
(princípio maximin).
individual. Cada indivíduo é titular
absoluto do que ganha e adquire. O
direito à propriedade é absoluto, e o
Estado não tem o direito de cobrar
impostos para assistir os
desfavorecidos. Essa cobrança é uma
violação desse direito.
TEMA 9
Uma das críticas à perspetiva religiosa: Freud e a religião como ilusão
prejudicial
Para Freud, a religião é uma ilusão que tem as suas raízes profundas na mente
humana. Uma das experiências fundamentais do ser humano é a sensação de
insegurança e a necessidade de proteção e de amparo. A religião surge como
mecanismo de defesa perante as ameaças da natureza e a dureza das relações sociais.
Deus será assim concebido como o Protetor supremo, o ser todo-‐poderoso que alivia a
angústia e o medo do homem perante a realidade, que consola e ampara. Tal como o
pai está para o filho, assim Deus está para o homem.
Para a criança, o pai é um ser poderoso (logo, protetor) e exigente (que o pode castigar
e punir). A sensação de impotência, de fragilidade e debilidade que leva a criança a
sentir a necessidade de proteção e amparo (satisfeita pela figura paterna) persiste ao
longo da vida e conduz o homem «a forjar» a existência de um pai imortal muito mais
poderoso (Deus). A religião corresponde, assim, a um estádio infantil da humanidade,
à constante necessidade de ter um pai na relação com o qual se vive um sentimento
ambivalente: amor e medo. Nasce dos desejos mais intensos do ser humano, mas não
passa de uma ilusão, de uma projeção ilusória da situação do filho perante o pai.
Recorre-‐se a ela para acalmar a angústia, o medo perante a imensidade
desconcertante do universo e a imprevisibilidade da vida. A religião é um remédio
ilusório para as dores e a frustração do ser humano. Qual o futuro desta ilusão? Poderá
prescindir-‐se da ilusão religiosa? Freud afirma que é dever do homem aceitar a sua
dura condição e enfrentar a realidade sem recorrer a consolações celestes. Mas como
suportar o peso da vida e a crueldade da realidade?
Através de uma educação «em vista da realidade», que não fabrique doentes que
depois precisem do narcótico religioso para entorpecer e anestesiar a angústia e a
ansiedade. Só uma educação fundada na verdade pode encaminhar o homem para a
maturidade e superar a necessidade da religião. Esta, enquanto ilusória realização do
desejo de ser amado e protegido perante um meio hostil, não nos ensina a enfrentar a
realidade, é uma fuga para um além imaginário, uma constante e sempre frustrada
necessidade de paz e tranquilidade. Por isso é a neurose obsessiva da humanidade.
TEMA 10
O problema da existência de Deus
1.O argumento ontológico de Santo Anselmo
«Portanto, Senhor, Tu que dás o entendimento da fé, concede-‐me que, quanto sabes ser-‐me conveniente, entenda que existes como acreditamos e que és o que acreditamos [seres]. E na verdade acreditamos que Tu és algo maior do que o qual nada pode ser pensado.
Acaso não existe uma tal natureza pois o insensato disse no seu coração: «não há Deus»?
Mas com certeza esse mesmo insensato, quando ouvir isto mesmo que digo, algo maior do que o qual nada pode ser pensado, entende o que ouve e o que entende está no seu intelecto ainda que não entenda que isso exista. Com efeito, uma coisa é algo estar no intelecto, outra é entender que esse algo existe. Com efeito, quando o pintor concebe previamente o que vai fazer, tem isso mesmo no intelecto, mas ainda não entende que exista o que não fez. Mas quando já pintou, não só o tem no intelecto como entende que existe aquilo que já fez. E, de facto, aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado não pode existir apenas no intelecto. Se está apenas no intelecto pode pensar-‐se que existe na realidade, o que é ser maior.
Se, portanto, aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado está apenas no intelecto, aquilo mesmo maior do que o qual nada pode ser pensado é aquilo relativamente ao qual pode pensar-‐se algo maior. Existe, portanto, sem dúvida, algo maior do que o qual nada é possível pensar não apenas no intelecto mas também na realidade.»
Santo Anselmo, Proslogion
Explicitação do argumento
1 – Tenho no meu entendimento a ideia de Deus (como mesmo aqueles que negam a existência de Deus têm a ideia de Deus na sua mente, então todos temos no nosso entendimento a ideia de Deus).
2 –A ideia de Deus é a ideia de «alguma coisa maior do que a qual nada se pode pensar».
3 -‐ Aquilo que existe na mente (entendimento) e na realidade é maior do que aquilo que existe apenas na mente.
4 – Se Deus, o maior ser concebível) existir somente no entendimento então podemos conceber algo maior do que Deus (Se Deus for uma simples ideia, algo que só existe na nossa mente, então tudo o que existe na realidade é maior do que Deus)
5 – Ora é contraditório dizer que há algo maior do que o ser maior do que o qual nada se pode pensar.
6 -‐ Portanto, «aquilo maior do que o qual nada se pode pensar» existe tanto na mente como na realidade, ou seja, Deus não pode não existir (existe necessariamente).
COMENTÁRIO
O argumento é dirigido contra pessoas como o insensato (o ateu) do Salmo, 14, 1 da Bíblia, que dizem que Deus não existe. A estratégia de Santo Anselmo consiste em mostrar que as pessoas que negam a existência de Deus na realidade (fora da mente) não podem negar que ele exista nas suas mentes. Mesmo os insensatos compreendem a definição que é dada de Deus porque negar Deus exige que se compreenda ou tenha a ideia daquilo que se está a negar. Assim Deus existe pelo menos como uma ideia na nossa mente ou no nosso entendimento, isto é quer na mente do crente quer na mente do ateu. A questão é saber se é logicamente admissível dizer Deus só existe na nossa mente.
Anselmo pede-‐nos para imaginar que sim e para retirarmos as consequências lógicas de uma tal afirmação. Então suponhamos que Deus, «aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado» tem uma mera existência mental. Será que esta afirmação é logicamente compatível com a ideia de que não podemos conceber nada maior ou mais perfeito do que Deus? Anselmo conclui que não porque se Deus fosse uma simples ideia -‐ se só tivesse existência mental -‐ poderíamos pensar em algo maior do que Deus (ou em um Deus ainda maior). Como existir na realidade é superior a existir só no pensamento e não posso conceber um ser maior do que Deus, Deus tem de existir quer no pensamento quer na realidade.
Críticas
1.O argumento assume como pressuposto que a existência é um predicado, uma propriedade que não pode faltar a um ser perfeito.
Immanuel Kant dirigiu uma célebre crítica a esta versão do “argumento ontológico”. Kant interpreta o
argumento do seguinte modo:
Deus é um ser absolutamente perfeito.
Se Deus não existisse não seria perfeito (faltar-‐lhe-‐ia uma perfeição ou propriedade fundamental).
Logo, Deus tem de existir.
A crítica de Kant: A existência não é um predicado
Os predicados são geralmente usados para definir e caracterizar coisas. Quando, por exemplo, dizemos «o quadrado é a figura geométrica com quatro lados e quatro ângulos iguais» estamos a usar os predicados «figura geométrica», «quatro lados iguais» e «quatro ângulos iguais» para definir quadrado. Do mesmo modo, quando dizemos que Deus é omnipotente, omnisciente, etc., estamos a usar os predicados «é omnipotente», «é omnisciente», etc, para definir Deus.
Mas será a existência um predicado? Kant, um dos grandes críticos do argumento ontológico, diz que não. Quando digo que George Bush existe não estou, segundo Kant, a atribuir um predicado ou qualidade a esse indivíduo mas simplesmente a dizer que um sujeito possuidor de certos predicados é uma realidade efetiva e não um simples conceito na minha cabeça.
Anselmo parte do pressuposto de que a existência é uma propriedade ou predicado que uma coisa pode ter ou não ter. Declara que ter essa propriedade é melhor do que não a ter e conclui que Deus, ser maior do que o qual nada é possível (perfeito) tem de possuir esse predicado sob pena de ser imperfeito e inferior a outros seres.
Segundo Kant todo este elaborado raciocínio perde o seu carácter persuasivo porque a existência não é um predicado mas a condição da realidade efetiva de qualquer predicado.
2.O argumento cosmológico de São Tomás de Aquino
A existência de Deus pode ser provada por cinco vias.
A segunda via resulta da natureza da causa eficiente. Vemos que no mundo dos sentidos existe uma ordem das causas eficientes. Não há nenhum caso conhecido (nem, na verdade, é possível) no qual se verifique que uma coisa é a causa eficiente de si mesma; pois, desse modo, seria anterior a si mesma, o que é impossível. Ora, não é possível regredir infinitamente nas causas eficientes, porque em todas as causas eficientes ordenadas, a primeira é a causa da causa intermédia, e esta, quer seja várias ou apenas uma, é a causa da causa última. Ora, retirar a causa é retirar o efeito. Portanto, se não existisse uma causa primeira entre as causas eficientes, não existiria uma causa última nem nenhuma causa intermédia. Mas se for possível regredir infinitamente nas causas eficientes, não existirá uma primeira causa eficiente, nem existirá um último efeito, nem quaisquer causas eficientes intermédias; e tudo isto é completamente falso. Portanto, é necessário admitir uma primeira causa eficiente, à qual todos dão o nome de Deus.
São Tomás de Aquino, Suma Teológica, Parte a, 2, 3.
Explicitação
1 – Algumas coisas são causadas
2 – Nenhuma coisa é causa de si mesma.
3 – Tudo o que é causado é causado por outra coisa, por algo diferente de si.
4 -‐ Não pode haver uma regressão infinita nas cadeias de causas.
5 – Se não pode haver uma regressão infinita nas cadeias de causas, então tem de existir uma causa primeira que tudo causa e por nada é causada
6 – A essa causa primeira dá-‐se o nome de Deus.
7 – Logo, Deus existe.
Cada coisa na natureza tem uma causa, esta por sua vez tem outra e esta outra ainda, mas temos de parar em algum lado para que realmente encontremos a explicação da coisa de que partimos e também para que faça sentido falar de uma série de causas. Na verdade, se não houver uma causa primeira (Deus) não há segunda, terceira ou quarta.
Comentário
O argumento não parte da premissa de que tudo o que existe tem uma causa. Isso evita que faça sentido perguntar no final do argumento se Deus também não tem uma causa.
A segunda e terceira premissas afirmam que na natureza um acontecimento é causado por outro que por sua vez depende de outro e assim sucessivamente. O seu nascimento não foi causado por si, nem o do seu pai ou da sua mãe foi causado por eles, etc.
Mas se A é causado por B, B por C, C por D, D por E, e assim sucessivamente, será que a cadeia causal é infinita?
São Tomás não o admite e nega tal hipótese mediante um argumento intermédio que é uma redução ou refutação ao absurdo.
Eis o argumento:
-‐ Suponhamos que há uma cadeia infinita de causas ou uma regressão infinita na cadeia de causas (popularizada na questão do ovo e da galinha). Que consequências tem esta hipótese? São logicamente aceitáveis?
Se as cadeias causais (as ligações causa -‐efeito) regridem infinitamente não há um primeiro membro da cadeia causal e faltando um primeiro membro também falta uma primeira causa. Mas faltando uma primeira causa falta também um primeiro efeito e outros efeitos intermédios. Como os efeitos intermédios são, por sua vez, causa dos efeitos mais próximos e recentes, segue-‐se que numa cadeia causal sem primeiro membro não há causas nem efeitos, ou seja, não há realmente membro nenhum. Se as ligações causa -‐ efeito regredissem infinitamente nada haveria no início para desencadear a sua sequência.
Como isso é absurdo prova-‐se que na natureza as cadeias causais não podem regredir infinitamente.
Assim sendo, tem de haver uma causa primeira que esteja na origem de toda a sequência causal. A essa causa primeira e necessária dá-‐se o nome de Deus.
Logo Deus existe.
Críticas
1.Não se prova a existência de um Deus que tenha as características do deus das religiões monoteístas.
A primeira causa pode ter sido não Deus mas um conjunto de agentes ou de deuses. Isto invalida a conclusão de que o Deus monoteísta seria a origem do acontecimento a que chamamos causa primeira.
2.O argumento não é sólido porque podemos pensar que o universo existe desde sempre e que não teve um início.
O processo de geração e de destruição pode ser infinito.
3.Dizer que todos os acontecimentos naturais têm uma causa não implica dizer que há uma só causa de tudo.
Se todas as coisas naturais têm uma só causa -‐ que não está na natureza, que é sobrenatural -‐ podemos
objectar que se todos os filhos têm uma mãe então há uma mãe de todos os que são filhos, o que é absurdo.
4.Afirmar que cada um dos acontecimentos ou fenómenos naturais deriva de um acontecimento – o poder causal de um ser sobrenatural – que está fora do mundo natural não implica necessariamente afirmar que há um só acontecimento sobrenatural do qual derivam todos os fenómenos naturais. Dizer que todas as pessoas nascem num determinado dia não implica dizer que há um só dia em que todas as pessoas nasceram.
5.Será preciso percorrer toda a série de cadeias causais e culminar numa eventual causa primeira para explicar um acontecimento mais ou menos recente? Parece que não.
Se quisermos explicar porque Hitler invadiu a Polónia em 1939 podemos referir-‐nos à sua ambição de encontrar espaço vital para os alemães no leste da Europa, à sua vontade de poder e ao seu ódio pelos polacos. Se alguém disser que isto não explica porque invadiu a Polónia então temos de referir-‐nos às condições económicas e políticas da Alemanha e da Áustria após a primeira guerra mundial, procurando mostrar como essa situação contribuiu para a ascensão de Hitler ao poder e á sua aventura trágica. Se alguém dissesse que ainda não é suficiente, teríamos de referir como era a Alemanha antes da primeira guerra mundial e mostrar como essa guerra contribuiu para que Hitler ascendesse ao poder e anos mais tarde quisesse dominar a Europa. Mas em algum ponto teríamos de parar e encontrar uma explicação. Não precisamos de percorrer toda a história do mundo em sentido regressivo para encontrar as causas da invasão da Polónia pelos exércitos de Hitler em 1939.
6. Não será o BIg Bang um ponto de paragem apropriado? Por que não parar no mundo material?
3. O argumento teleológico ou do desígnio
Suponha que ao atravessar uma mata tropeço numa pedra e me perguntam como foi ela ali parar. Poderia talvez responder que, tanto quanto me é dado a saber, a pedra sempre ali esteve; e talvez não fosse muito fácil mostrar o absurdo desta resposta. Mas suponha que eu tinha encontrado um relógio no chão e procurava saber como podia ele estar naquele lugar. Muito dificilmente me poderia ocorrer a resposta que tinha dado antes — que, tanto quanto me era dado saber, o relógio poderia sempre ali ter estado. Contudo, por que razão esta resposta, que serviu para a pedra, não serve para o relógio? Por que razão não é esta resposta tão admissível no segundo caso como no primeiro? Por esta razão e por nenhuma outra: a saber, quando inspecionamos o relógio, vemos (o que não poderia acontecer no caso da pedra) que as suas diversas partes estão forjadas e associadas com um propósito; por exemplo, vemos que as suas diversas partes estão fabricadas e ajustadas de modo a produzir movimento e que esse movimento está regulado de modo a assinalar a hora do dia; e vemos que se as suas diversas partes tivessem uma forma diferente da que têm, se tivessem um tamanho diferente do que têm ou tivessem sido colocadas de forma diferente daquela em que estão colocadas ou se estivessem colocadas segundo uma outra ordem qualquer, a máquina não produziria nenhum movimento ou não produziria nenhum movimento que servisse para o que este serve. (...) Tendo este mecanismo sido observado (...), pensamos que a inferência é inevitável: o relógio teve de ter um criador; teve de existir num tempo e num ou noutro espaço, um artífice ou artífices que o fabricaram para o propósito que vemos ter agora e que compreenderam a sua construção e projetaram o seu uso. (...) Pois todo o sinal de invenção, toda a manifestação de desígnio, que existia no relógio, existe nas obras da natureza, com a diferença de que na natureza são mais, maiores e num grau tal que excede toda a computação. Quero dizer que os artefactos da natureza ultrapassam os artefactos da arte em complexidade, em subtileza e em curiosidade do mecanismo; e, se possível, ainda vão mais além deles em número e variedade; e, no entanto, num grande número de casos não são menos claramente mecânicos, não são menos claramente artefactos, não são menos claramente adequados ao seu fim ou menos claramente adaptados à sua função do que as produções mais perfeitas do engenho humano. (...) Em suma, após todos os esquemas e lutas de uma filosofia relutante, temos necessariamente de recorrer a uma Deidade. Os sinais de desígnio são demasiado fortes para serem ignorados. O desígnio tem de ter um projetista. Esse projetista tem de ser uma pessoa. Essa pessoa é DEUS.
William Paley, Teologia Natural, 1802, Cap. 1, 3 e 27
Explicitação
Primeira premissa -‐ Se abrirmos um relógio e inspecionarmos o modo como todas as peças do mecanismo trabalham conjunta e harmoniosamente, compreenderemos que o relógio teve de ser criado por alguém inteligente, o relojoeiro que o fabricou.
Segunda premissa -‐ O universo e os organismos vivos são muito semelhantes aos relógios, isto é, também revelam complexidade e organização e harmonia (desígnio).
Conclusão -‐ Portanto, também o universo e os organismos vivos têm um criador inteligente, que é Deus.
Comentário
O argumento do desígnio tal como o argumento cosmológico parte da observação de dados empíricos, de factos do mundo. No entanto, quanto à sua estrutura há uma diferença importante em relação ao argumento cosmológico. Este é um argumento de forma dedutiva, ao passo que o argumento do desígnio é um argumento analógico, não – dedutivo. Por isso mesmo a verdade da sua conclusão não é necessária mas sim provável. O que ele prova no caso de ser um bom argumento é a forte probabilidade de Deus existir.
O argumento baseia-‐se numa analogia entre a natureza e um relógio (compara a natureza, o universo, a um relógio).
Um relógio é um objecto que foi concebido com um determinado propósito ou desígnio, isto é, cumpre uma determinada finalidade ou fim (“telos” em grego significa fim; daí a designação de teleológico dada ao argumento).
Ora, a natureza é como um relógio. Tal como as peças do relógio formam um mecanismo que funciona harmoniosamente (cada peça cumpre a função que lhe está destinada no conjunto) porque não foram colocadas ao acaso, também o mundo natural revela, pela harmonia que reina entre as diversas partes, que não foi obra do acaso ou da união fortuita dessas partes (Não é o resultado de causas puramente físicas). Cada coisa na natureza, analogamente às peças do relógio, cumpre uma função. Mesmo que disso não se possa aperceber, está harmoniosamente adaptada àquilo para que aparentemente foi feita. Cada peça do todo que é a natureza ocupa um lugar previamente definido dentro do conjunto.
Assim sendo, tal como não há relógio sem relojoeiro, não há natureza ou universo sem um Criador, ser superiormente inteligente que pôs a natureza a funcionar como se fosse um relógio. Esse Criador, esse grande Relojoeiro, é Deus.
O argumento de Paley compara -‐ estabelece uma analogia – entre um relógio e as coisas e seres vivos do universo para concluir que se, devido a certas características, o primeiro tem um criador inteligente o
universo devido a características semelhantes, também foi obra de um ser inteligente.
Críticas
1.Fraca analogia – Um relógio de pulso e um relógio de bolso são suficientemente semelhantes para supormos que foram concebidos por um mesmo relojoeiro. Mas os objetos naturais e os artificiais não são significativamente semelhantes. A analogia entre o universo natural e um relógio é demasiado fraca para
que concluamos que tal como um relógio é obra de um ser inteligente que o destinou a uma função, o universo é obra de um Ser Inteligente – de um «Relojoeiro universal» -‐ que o dotou de um propósito e de um conjunto de funções pré – estabelecidas.
2. Não justifica a existência de um único Deus nem de um Deus omnipotente, omnisciente e bom tal como é descrito pelas religiões monoteístas – Mesmo que admitíssemos que a analogia é forte, o argumento só provaria a existência de um Ser inteligente que poderia muito bem não ser o Deus das religiões monoteístas. Por outro lado, o argumento poderia chegar sem qualquer incoerência lógica à conclusão de que a complexidade e subtil ajustamento e harmonia do funcionamento das diversas partes do universo é obra não de um projetista mas sim de vários o que poderia conduzir – nos ao politeísmo.
3. A complexidade dos organismos vivos é para Paley superior à dos objetos fabricados pelos seres humanos mas isso não implica necessariamente que tenha de ser explicada por uma causa sobrenatural – Deus.
Para Paley a beleza de uma paisagem ou a formação dos órgãos dos seres vivos (sobretudo do olho que associa harmoniosamente um aparelho óptico e um aparelho nervoso) são exemplos dificilmente desmentíveis de finalidade ou desígnio na natureza (de que as coisas na natureza foram feitas para um determinado fim, isto é, segundo um plano que atribui a cada uma a função a cumprir). Considera extremamente improvável que a harmonia natural se deva ao encontro acidental de causas puramente naturais. Contudo, na sequência da teoria de Darwin, a biologia atual afirma que a surpreendente harmonia e complexidade dos seres vivos pode ser explicada através de causas simplesmente naturais, sem pressupor um desígnio inteligente e sobrenatural. Essa complexidade dos organismos é o resultado de uma longa evolução regida pela capacidade de adaptação dos indivíduos ao meio e à transmissão das características com maior valor adaptativo por parte dos mais aptos e fortes na luta pela sobrevivência. A teoria de Darwin enfraquece, de facto, a força do Argumento do Desígnio, uma vez que explica os mesmos efeitos sem mencionar Deus como causa. A existência desta teoria acerca do mecanismo de adaptação biológica impede o Argumento do Desígnio de constituir uma demonstração conclusiva da existência de Deus».
4.O ARGUMENTO MORAL
A felicidade é o estado no mundo de um ser racional para o qual, na totalidade da sua existência, tudo ocorre segundo o seu desejo e a sua vontade e funda-‐se, pois, na harmonia da natureza com o fim integral desse ser e igualmente com o princípio determinante essencial da sua vontade. Ora, a lei moral, enquanto lei da liberdade, ordena por princípios determinantes que devem ser totalmente independentes da natureza e da sua harmonia com a nossa faculdade de desejar (como móbeis); mas o ser racional agente no mundo não é, contudo, simultaneamente causa do mundo e da própria natureza. Portanto, não existe na lei moral a menor razão para uma conexão necessária entre a moralidade e a felicidade a ela proporcionada de um ser que, fazendo parte do mundo e, portanto, dele dependendo, não pode por isso mesmo ser pela sua vontade causa desta natureza e fazê-‐la por suas próprias forças coadunar-‐se inteiramente — o que concerne à sua felicidade — com os seus princípios práticos. No entanto, no problema prático da razão pura, isto é, na aplicação necessária ao soberano bem, postula-‐se como necessária uma tal conexão: devemos procurar fomentar o soberano bem (o qual, portanto, deve ser possível). Postula-‐se assim igualmente a existência de uma causa da natureza no seu conjunto, distinta da
natureza, a qual contém o princípio desta conexão, a saber, da concordância exata da felicidade e da moralidade. Mas esta causa suprema deve conter o princípio da concordância da natureza não só com uma lei da vontade dos seres racionais, mas também com a representação desta lei, na medida em que eles a propõem a si como princípio determinante supremo da vontade, por conseguinte, não apenas com os costumes segundo a forma, mas também com a sua moralidade enquanto princípio determinante seu, isto é, com a sua intenção moral. Por consequência, o soberano bem só é possível no mundo enquanto se admite uma causa suprema da natureza que tem uma causalidade conforme à disposição moral. Ora, um ser que é capaz de acções segundo a representação das leis é uma inteligência (ser racional) e a causalidade de um tal ser, segundo esta representação das leis, é a sua vontade. Assim, a causa suprema da natureza, enquanto ela se deve pressupor para o soberano bem, é um ser que, pelo entendimento e vontade, é a causa (por conseguinte, o autor) da natureza, isto é, Deus. Pelo que, o postulado da possibilidade do soberano bem derivado (do melhor mundo) é ao mesmo tempo o postulado da realidade de um soberano bem primordial, isto é, da existência de Deus. Ora, era para nós um dever fomentar o soberano bem, por conseguinte, não só um direito, mas também uma necessidade conexa como exigência ao dever, de pressupor a possibilidade deste soberano bem, o qual, uma vez que só tem lugar sob a condição da existência de Deus, liga indissoluvelmente a pressuposição do mesmo com o dever, quer dizer, é moralmente necessário admitir a existência de Deus.
Immanuel Kant, Crítica da Razão Prática, pp. 143-‐144
EXPLICITAÇÃO
1.Quem se esforça por ser moralmente perfeito (o virtuoso) não merece uma recompensa.
2. A recompensa adequada é a felicidade moral, a felicidade devida ao mérito moral.
3. A felicidade é um estado de completo acordo entre os acontecimentos do mundo e a nossa vontade.
4. Não está em nosso poder realizar tal acordo. Não podemos dominar e governar o mundo de modo a que este corresponda totalmente aos nossos desejos porque, pensa Kant, para tal teríamos de ser os seus criadores ou autores.
5. Sermos dignos da felicidade mas não podermos ser felizes é moralmente injusto.
6.Só quem criou o mundo pode estabelecer essa harmonia completa e permanente entre a virtude e a felicidade, ou seja, dar a quem se esforça por ser moralmente perfeito a felicidade adequada ao seu sentido do dever.
7. A esse criador omnipotente e moralmente perfeito chamamos Deus.
8. Deus tem de existir para que seja possível esperar que a virtude será recompensada. Deus tem de existir para que a esperança na recompensa legítima – a felicidade – tenha fundamento.
UM ARGUMENTO CONTRA A EXISTÊNCIA DE DEUS: O ARGUMENTO BASEADO NO PROBLEMA DO MAL
MAL NATURAL, MAL MORAL E MAL DESNECESSÁRIO
MAL NATURAL MAL MORAL MAL DESNECESSÁRIO
O mal natural é o sofrimento que é causado pela natureza – catástrofes como tsunamis e terramotos, doenças, epidemias, etc.
O mal moral é o sofrimento e a dor que os seres humanos infligem uns aos outros (guerras, assassínios, violência gratuita, discriminação, etc.).
Um mal necessário é algo exigido para evitar ou lutar contra um mal maior ou para produzir um bem maior. Certos tratamentos médicos causam sofrimento mas são necessários para evitar a morte ou recuperar e melhorar a saúde. O sofrimento, a dor e a injustiça são necessários se, e só se houver um bem que sem eles não aconteceria.
Um mal desnecessário é o que não evita um mal maior nem promove um bem maior. O sofrimento e a dor são desnecessários quando não contribuem para nada melhor ou nada de bom.
Tendemos a considerar que os males necessários são moralmente justificáveis e que os males desnecessários não têm justificação moral.
O ARGUMENTO CONTRA A EXISTÊNCIA DE DEUS BASEADO NA EXISTÊNCIA DE MAL DESNECESSÁRIO
1 – Se Deus existisse (Se existisse um ser todo-‐poderoso, omnisciente e perfeitamente bom) então não haveria mal desnecessário no mundo
2 – Há mal desnecessário no mundo.
3 – Logo, Deus não existe.
COMENTÁRIO
Para negar que o argumento seja aceitável, os defensores da existência de Deus têm de mostrar que há razões plausíveis para considerar que todo o mal que existe no mundo é necessário.
Para defender que o argumento é plausível, os que negam a existência de Deus têm de mostrar que há boas razões para acreditar que pelo menos algum mal existente no mundo é desnecessário.
Vários defensores do argumento afirmam que é evidente haver mal desnecessário no mundo e dão como exemplos o genocídio de Auschwitz e no Ruanda argumentando que seria o cúmulo do cinismo e moralmente inaceitável afirmar desses imensos sofrimentos resultou algum bem.
UM CONTRA – ARGUMENTO: POR QUE RAZÃO UM SER OMNIPOTENTE PERMITE A EXISTÊNCIA DO MAL
Muitos teístas afirmam que Deus deve permitir e tolerar mesmo o mal desnecessário de modo a proteger e respeitar a liberdade humana. Segundo o seu argumento, Deus escolheu criar um mundo no qual as criaturas humanas podem realizar escolhas livres. Ora, ter livre-‐arbítrio significa que somos capazes de fazer boas ou más escolhas. Criando agentes livres, Deus correu um risco. Não podia necessariamente garantir que escolheríamos o bem em vez do mal. Não é logicamente consistente dizer que Deus poderia ter-‐nos criado livres – com liberdade de escolha -‐ e ao mesmo tempo incapazes de fazer coisas más. Duas proposições como «Os seres humanos têm liberdade de escolha» e «Os seres humanos estão programados para fazer só o bem» não são compatíveis. Portanto o resultado da escolha de Deus ao criar um mundo em que há seres livres e não meros robôs é este: Vivemos num mundo em que há pessoas que escolhem agir de forma virtuosa, boa, solidária e pessoas que escolhem que escolhem agir de forma destrutiva, odiosa, imoral e maldosa.
Se não houvesse mal no mundo então não existiria livre – arbítrio.
A liberdade consiste em fazer boas e más escolhas.
Das nossas más escolhas resulta o mal.
Deus deu – nos a liberdade da qual muitas vezes deriva o mal para que tenhamos valor e dignidade moral quando essa liberdade opta pelo bem.
Deus não quer nem causa o mal.
Logo, a existência do mal é compatível com a existência de um ser omnipotente e benevolente.
DIFICULDADES DESTA FORMA DE DEFENDER DEUS
1.Esta defesa apresenta uma imagem de Deus desinteressado dos assuntos do mundo, indiferente.
Ora um aspecto central da concepção teísta de Deus – a que é própria das religiões monoteístas -‐ é a ideia de que Deus intervêm no curso do mundo. Não poderia Deus ter evitado com a sua intervenção anomalias morais como Hitler, Estaline e Pol – Pot que chacinaram milhões de seres humanos? Não poderia Deus permitir más escolhas aos seres humanos mas evitar as suas más consequências?
2.Só se deve permitir o mal em nome de um bem maior mas há males cuja gravidade ultrapassa qualquer bem.
De modo a permitir que agentes livres como nós existam Deus tem de permitir que existam os maus resultados do uso dessa liberdade. Não é profundamente cínico dizer que Deus poderia ter evitado os males terríveis e os horrores da história tais como Hitler, Estaline, a escravatura, etc., mas o preço disso seria excluir os grandes momentos da história humana tais como Mozart, Bach, Leonardo da Vinci, Gandhi, Einstein, Confúcio, Buda, e muitos outros?
3.Mesmo que o mal moral não fosse incompatível com a existência de Deus e mesmo que os seres humanos escolhessem sempre fazer o bem haveria ainda o problema do mal natural.
A DEFESA DE DEUS MEDIANTE O LIVRE -‐ ARBÍTRIO
Mesmo que o valor que atribuímos à posse de livre – arbítrio seja tão importante ao ponto de admitirmos o mal moral resta um problema: que sentido atribuir ao mal natural? A chamada «defesa do livre – arbítrio» não resolve o problema do mal desnecessário porque o desloca do plano moral para o plano natural. Não se consegue perceber que bem maior advém do sofrimento de quem tem cancro, de quem sofre terríveis deformações genéticas, das razias que os terramotos, os tornados e os furacões causam? Ilibaremos Deus se dissermos que tudo resulta do pecado original cometido por Adão e Eva? Ou dizendo que é acção do Diabo? Neste caso não se põe em causa a omnipotência de Deus? E não é sinónimo de gratuita crueldade que paguemos pelos pecados de antepassados imensamente longínquos e cuja existência histórica é mais do que duvidosa? E fará sentido sermos dotados de livre – arbítrio, o que ganhamos com isso se somos julgados pelos atos de antepassados muito remotos?
TEMA 11
LÓGICA ARISTOTÉLICA
SILOGISMO CATEGÓRICO PROPOSIÇÕES TÍPICAS DO SILOGISMO CATEGÓRICO
PM – Todos os portugueses são europeus.
Pm – Todos os alentejanos são portugueses.
C – Logo, todos os alentejanos são europeus.
Termo médio – portugueses (termo das duas premissas).
Termo maior – europeus (predicado da conclusão. Acompanha o termo médio na premissa maior, que lhe deve o nome).
Termo menor – alentejanos (sujeito da conclusão. Acompanha o termo médio na premissa menor, que lhe deve o nome).
Tipo A – Universal afirmativa.
Todos os portugueses são europeus.
Tipo E – Universal negativa.
Nenhum alemão é português.
Tipo I – Particular afirmativa.
Alguns animais são mamíferos.
Tipo O – Particular negativa.
Alguns animais não são mamíferos.
FIGURAS DO SILOGISMO CATEGÓRICO
1ª Figura
O termo médio é sujeito na premissa maior e predicado na menor.
2ª Figura
O termo médio é predicado em ambas as premissas.
3ª Figura
O termo médio é sujeito em ambas as premissas.
4ª Figura
O termo médio é predicado na premissa maior e sujeito na menor
M – P
S – M
_____
S – P
Todos os homens são mortais.
Os portugueses são homens.
Logo, os portugueses são mortais
P – M
S – M
_____
S – P
Todos os peixes respiram por guelras
Nenhuma baleia respira por guelras
Logo, nenhuma baleia é peixe.
M – P
M – S
_____
S – P
Todos os comunistas são de esquerda.
Todos os comunistas são pessoas honestas.
Logo, algumas pessoas honestas são de esquerda.
P – M
M – S
_____
S – P
Nenhum nazi é comunista.
Alguns comunistas são políticos.
Logo, alguns políticos não são nazis.
Regras para avaliar a validade dos silogismos categóricos
1. Só se admitem três termos e usados sem ambiguidades (a infração desta regra origina a falácia dos quatro termos ou do equívoco).
2. O termo médio só deve aparecer nas premissas.
3. Os termos maior e menor não podem ter, na conclusão, maior extensão do que nas premissas. Devem estar distribuídos nas premissas se estiverem distribuídos na conclusão, ou seja, não podem ser universais na conclusão e particulares nas premissas (a infração da regra origina a falácia da ilícita maior ou a falácia da ilícita menor).
4. O termo médio deve ter extensão universal – estar distribuído – pelo menos em uma premissa (a infração da regra origina a falácia do termo médio não distribuído).
DEVE DAR ESPECIAL ATENÇÃO ÀS SEGUINTES FALÁCIAS FORMAIS ASSOCIADAS AO SILOGISMO CATEGÓRICO.
FALÁCIA DOS QUATRO
TERMOS
FALÁCIA DA ILÍCITA
MAIOR
FALÁCIA DA ILÍCITA
MENOR
FALÁCIA DO TERMO
MÉDIO NÃO DISTRIBUÍDO
Comete-‐se esta falácia
quando se viola a regra 1:
Só pode conter três
termos, e cada termo deve
ter o mesmo significado
ao longo do argumento.
Exemplo desta falácia:
Todos os bancos são
instituições financeiras.
Algumas peças de
mobiliário são bancos.
Logo, algumas peças de
mobiliário são instituições
financeiras.
Explicação:
Banco tem dois
significados diferentes,
Comete-‐se esta falácia
quando se viola parte da
regra 3 referente ao
termo maior: O termo
maior não deve ter maior
extensão na conclusão do
que nas premissas (um
termo deve estar
distribuído nas premissas
se estiver distribuído – se
for universal – na
conclusão).
Exemplo desta falácia:
Todos os cães são
mamíferos.
Nenhum gato é cão.
Logo, nenhum gato é
Comete-‐se esta falácia
quando se viola parte da
regra 3 referente ao
termo menor: O termo
menor não deve ter
maior extensão na
conclusão do que nas
premissas.
Exemplo desta falácia:
Todos os leões são seres vivos.
Alguns mamíferos não são leões.
Logo, nenhum mamífero é ser vivo.
Explicação:
Na premissa, mamíferos
está quantificado
Comete-‐se esta falácia quando se viola a regra 4: O termo médio deve ter extensão universal pelo menos em uma premissa (o termo médio deve estar distribuído pelo menos uma vez).
Exemplo desta falácia:
Todos os tablets são portáteis.
Todos os telemóveis são portáteis.
Logo, todos os telemóveis são tablets.
Explicação:
Portáteis é predicado de duas premissas afirmativas pelo que é particular em ambas. Devia ser universal pelo
5. Premissas afirmativas pedem conclusão afirmativa. (De duas premissas afirmativas não se pode tirar conclusão negativa.)
6. De duas premissas negativas nada se pode concluir.
7. De duas premissas particulares nada se pode concluir. (O termo médio não é universal em nenhuma.)
8. A conclusão segue sempre a parte mais fraca: será negativa se houver uma premissa negativa e particular se houver uma premissa particular.
pelo que designa dois
termos diferentes.
mamífero.
Explicação:
Na premissa, mamíferos é predicado de uma afirmativa, pelo que é particular. Na conclusão, é predicado de uma negativa, pelo que é universal. Tem assim mais extensão na conclusão do que na premissa.
claramente como
particular. Alguns é um
quantificador particular.
Na conclusão, está
quantificado como
universal, Tem mais
extensão na conclusão
do que na premissa.
menos numa delas.
Notas importantes
1 – Dizer que um termo está distribuído é dizer que tem extensão universal.
2 – O termo médio pode ser universal nas duas premissas. O que não pode é ser particular nas duas. Tem de ser universal – estar distribuído – pelo menos numa delas.
3 – O termo maior pode ser universal na premissa e na conclusão. Pode ser também particular na premissa e particular na conclusão. Pode ser igualmente universal na premissa e particular na conclusão. O que não pode é ser particular na premissa e universal na conclusão.
4 – O termo menor pode ser universal na premissa e na conclusão. Pode ser também particular na premissa e particular na conclusão. Pode ser igualmente universal na premissa e particular na conclusão. O que não pode é ser particular na premissa e universal na conclusão.
5 – Nas proposições do tipo E e O – universais negativas e particulares negativas –, o predicado é sempre universal. Nas proposições do tipo A e I – universais afirmativas e particulares afirmativas –, o predicado é sempre particular.
AS FALÁCIAS FORMAIS MAIS IMPORTANTES: AS FALÁCIAS DO TERMO MÉDIO NÃO DISTRIBUÍDO, DA ILÍCITA MAIOR E DA ILÍCITA MENOR
TÉCNICA PARA AS DETETAR
As falácias formais – defeitos na forma do raciocínio – mais importantes na lógica dita aristotélica são estas:
Termo médio não distribuído Ilícita Maior Ilícita menor
O termo médio não tem extensão universal em
O termo maior tem mais extensão na conclusão do
O termo menor tem mais extensão na
nenhuma das premissas. que na premissa. conclusão do que na premissa.
Considere o seguinte silogismo.
Todos os filósofos são pessoas com espírito crítico.
Algumas pessoas com espírito crítico são cientistas.
Logo, alguns cientistas são filósofos.
Perguntemos: que falácia comete este silogismo?
Comete a falácia da ilícita maior?
Identifiquemos o termo maior. O que define o termo maior é ser o predicado da
conclusão. O termo maior é filósofos.
Vejamos qual a sua extensão quer na premissa quer na conclusão. Vemos que na
primeira premissa – Todos os filósofos são pessoas com espírito crítico – ele está
quantificado universalmente ou tem extensão universal. Está distribuído.
E na conclusão? Na conclusão – Logo, alguns cientistas são filósofos –, tem extensão
particular. Dizer que alguns cientistas são filósofos equivale a dizer que alguns filósofos
são cientistas. Lembre-‐se que predicado de proposição afirmativa é, regra geral,
particular.
Assim, o termo maior – filósofos – é universal na premissa e particular na conclusão.
Não se comete portanto a falácia da ilícita maior porque o termo maior não tem mais
extensão na conclusão do que na premissa.
Um problema está resolvido. O termo maior passou no teste. Vamos assinalar esse
facto a verde.
Todos os filósofos são pessoas com espírito crítico.
Algumas pessoas com espírito crítico são cientistas.
Logo, alguns cientistas são filósofos.
Passemos a outro problema. Comete a falácia da ilícita menor?
Identifiquemos o termo menor. O que define o termo menor é ser o sujeito da
conclusão. O termo menor é cientistas.
Vejamos qual a sua extensão quer na premissa quer na conclusão. Vemos que na
segunda premissa – Algumas pessoas com espírito crítico são cientistas – ele tem
extensão particular. Dizer que algumas pessoas com espírito crítico são cientistas
equivale a dizer que alguns cientistas são pessoas com espírito crítico. Lembre-‐se que
predicado de proposição afirmativa é, regra geral, particular.
E na conclusão? Na conclusão – Logo, alguns cientistas são filósofos –, tem extensão
particular. O quantificador é «alguns».
Assim, o termo menor – cientistas – é particular na premissa e particular na conclusão.
Não se comete, portanto, a falácia da ilícita menor porque o termo menor não tem
mais extensão na conclusão do que na premissa.
Mais um problema está resolvido. O termo menor passou no teste. Vamos assinalar
esse facto a verde.
Todos os filósofos são pessoas com espírito crítico.
Algumas pessoas com espírito crítico são cientistas.
Logo, alguns cientistas são filósofos.
Como se perguntou que falácia comete este silogismo, antevê-‐se que é a falácia do
termo médio não distribuído. É verdade, mas temos que justificar essa afirmação.
Vejamos qual a extensão do termo médio em ambas as premissas. O termo médio é
«pessoas com espírito crítico». Na premissa maior, é particular porque dizer que todos
os filósofos são pessoas com espírito crítico equivale a dizer que algumas pessoas com
espírito crítico são filósofos. Lembre-‐se que predicado de proposição afirmativa é,
regra geral, particular.
Na premissa menor, o quantificador alguns indica-‐nos que o termo médio – pessoas com espírito crítico – está quantificado particularmente, tem extensão particular.
Assim, vemos que o termo médio é particular em ambas as premissas. Ora, devia ser universal pelo menos em uma. Este silogismo é inválido ou falacioso. O termo médio não está distribuído ou não tem extensão universal em nenhuma premissa.
O termo médio não passou no teste. Assinalemos esse facto a vermelho.
Todos os filósofos são pessoas com espírito crítico.
Algumas pessoas com espírito crítico são cientistas.
Logo, alguns cientistas são filósofos.
O termo médio pode ser universal nas duas premissas. O que não pode é ser particular nas duas. Tem de ser universal – estar distribuído – pelo menos em uma delas.
TEMA 12
LÓGICA INFORMAL
Na Unidade sobre lógica formal estudámos os argumentos em si mesmos e do ponto de vista da sua forma. Conhecemos vários tipos de argumentos dedutivos. Os argumentos dedutivos estudados pela lógica formal são válidos quando as premissas garantem e apoiam de forma absoluta a verdade da conclusão.
Agora iremos estudar outro tipo de argumentos que nos permitirão ter uma noção do que são os aspetos concretos da argumentação. A lógica formal, uma vez detectada a invalidade de um argumento, abandona-‐o. Mas nós usamos argumentos que, não excluindo a possibilidade de a sua conclusão ser falsa, nos dão muitas vezes razões para aceitarmos que a conclusão é plausível, provável ou verosímil. Por essa razão devemos dar atenção a esse tipo de argumentos, a que a partir de agora chamaremos argumentos informais.
Argumentos informais Lógica informal
Em geral, os argumentos cuja conclusão é discutível, mesmo que tenhamos boas razões para acreditar nela, denominam-‐se argumentos informais.
Âmbito da lógica que estuda os argumentos em que a relação lógica entre as premissas e a conclusão, permite apenas afirmar que é mais provável do que improvável a verdade da conclusão. Distingue – se por isso da lógica formal, em que a verdade das premissas implica a da conclusão.
Referimo -‐ nos em especial aos argumentos indutivos (generalizações e previsões), aos argumentos por analogia e aos argumentos de autoridade. Entramos no plano da chamada lógica informal.
DIVERSOS TIPOS DE ARGUMENTOS Argumentos indutivos Argumentos por
analogia Argumentos de autoridade
Generalizações Previsões São inferências que se baseiam em comparações.
Argumentos que fornecem como justificação para a conclusão o facto de ela ter sido emitida por uma pessoa ou instituição considerada uma autoridade na matéria.
Consistem em tornar extensível a toda uma classe de objetos ou de seres uma caraterística (ou caraterísticas) observada num determinado número de casos considerados representativos.
Argumentos em que se infere o que vai acontecer no futuro a partir de uma amostra considerada representativa.
Paulo curou a sua dor de cabeça com este remédio.
Logo, João curará a sua dor de cabeça com este mesmo remédio.
Todas as esmeraldas observadas são verdes; Logo, as esmeraldas da Joana são verdes.
Um argumento por analogia é válido se: 1. Os objetos comparados forem semelhantes nos aspetos relevantes. 2.O número de semelhanças entre os objetos comparados for significativo.
Portugal foi o primeiro Estado europeu moderno. Assim o dizem todos os historiadores. Um argumento de autoridade é válido se a autoridade no assunto: 1. For competente. 2. Não for contradita por por autoridades com igual reputação. 3. For imparcial.
As pessoas que até à data caíram de uma altura superior a 150 metros morreram. Logo, qualquer pessoa que caia de uma altura superior a 150 metros morre.
Quanto maior e mais diversificada é a amostra maior o suporte que as premissas dão à conclusão.
Quanto maior e mais diversificada é a amostra maior o suporte que as premissas dão à conclusão. Falácia da generalização precipitada
Falácia da previsão inadequada.
Falácia da falsa analogia.
Falácia do apelo inadequado à autoridade.
As namoradas que conheci eram desonestas. Logo, as mulheres são desonestas.
Ontem fui ao casino e não ganhei nada. Logo, nunca irei ganhar nada no casino.
O Estado é como uma empresa. Logo, deve ser gerido por empresários.
Muitos cientistas acreditaram e acreditam na existência de Deus. Logo, Deus existe.
Argumentos indutivos Argumentos dedutivos
A sua validade não depende apenas da sua forma lógica.
A sua validade depende apenas da sua forma lógica.
A verdade das premissas não torna impossível a falsidade da conclusão.
A verdade – suposta ou de facto -‐ das premissas não torna impossível a falsidade da conclusão.
Serem válidos significa que a verdade das premissas não garante a verdade da conclusão mas sim que torna mais provável a verdade daquela do que a sua falsidade.
Serem válidos significa que a verdade das premissas implica a verdade da conclusão: esta é uma consequência lógica das premissas.
As premissas dos argumentos indutivos válidos nunca são conclusivas.
As premissas dos argumentos dedutivos válidos são sempre conclusivas.
São argumentos cuja validade possui graus: há argumentos indutivos mais fortes do que outros.
São argumentos cuja validade não admite graus: ou as premissas dão um apoio total à conclusão ou o argumento é inválido.
Num argumento indutivo válido é mais improvável do que provável (mas não impossível) que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
Num argumento dedutivo válido é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Apesar de poder ter premissas falsas e/ou conclusão falsa não pode ter premissas verdadeiras e conclusão falsa.
ARGUMENTO INDUTIVO VÁLIDO.
Um argumento é indutivamente válido quando é mais provável do que improvável que a verdade
das premissas sustente a verdade da conclusão. No entanto, nunca é impossível que as premissas
sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
1
1.O que são argumentos indutivos?
R: São argumentos cuja validade não depende unicamente da sua forma lógica. São argumentos que, quando válidos, tornam relativamente improvável mas não impossível que de premissas verdadeiras se infira conclusão falsa.
2.”Um argumento indutivo é um raciocínio em que é improvável mas não impossível que da verdade das premissas se infira a falsidade da conclusão”. Esta definição de argumento indutivo é correta?
R: Não. Trata – se da definição de argumento indutivamente válido e não de argumento indutivo. Se aceitarmos esta definição nenhum raciocínio indutivo poderia ser inválido ou inaceitável.
3. O que são argumentos indutivos válidos? R: Os argumentos indutivos válidos são argumentos em que, apesar de relativamente improvável, não é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Ao contrário dos argumentos dedutivos, a forma lógica não estabelece que, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão também é verdadeira.
4.Qual dos argumentos indutivos seguintes nos dá razões mais fortes para pensar que a conclusão é verdadeira?
1.Todas as pessoas que comeram no restaurante Zodíaco ontem à noite ficaram doentes. Logo, a comida estava estragada
2.Até agora nenhuma mulher foi Presidente dos E.U.A. Logo, nenhuma mulher será Presidente dos E.U.A.
R: O argumento 1 dá – nos uma razão muito forte para crer que a conclusão é verdadeira. Não é impossível que algumas pessoas tenham ficado doentes por terem apanhado um resfriado mas é muito provável que a conclusão seja verdadeira. A verdade da premissa torna fortemente provável a verdade da conclusão.
Quanto ao argumento 2 podemos dizer que é perfeitamente possível e altamente provável que apesar da verdade da premissa a conclusão seja falsa.Com efeito, noutros países há e já houve mulheres a desempenhar o mais alto cargo, em Portugal já houve uma candidata e que nos E.U.A. o acesso de mulheres a cargos importantes está a generalizar-‐se tornando provável que num futuro muito próximo tenhamos uma mulher na presidência. O argumento 2 dá – nos uma razão muito fraca para crer que a conclusão é verdadeira. 5.Dos argumentos seguintes qual é o que nos dá mais fortes razões para acreditar que a conclusão é verdadeira?
1.Sabe -‐ se que sangue do tipo AB é raro. Logo, o próximo doente que vai aparecer não tem sangue do tipo AB.
2.Sergei é um estudante russo bolsista numa universidade americana onde até agora muitos estudantes russos conseguiram aprender bem inglês. Logo, Sergei não fala bem inglês.
R: O argumento 1 torna bastante provável a verdade da conclusão. A probabilidade indutiva do argumento 2 é muito baixa. O argumento 2 corre muitos riscos de ser desmentido. 6.Considere os dois seguintes argumentos:
Relembrando o que estudou no Capítulo sobre Lógica formal por que razões não podemos afirmar que estes argumentos são dedutivos?
R: Estes argumentos têm a mesma forma lógica:
Todos os A’s observados até hoje são B’s
Logo, todo o A é B.
Contudo, apenas num deles (2.) a conclusão se infere das premissas de maneira provável. Sabemos que há cisnes negros pelo que a conclusão é falsa. Assim, 1 e 2 têm a mesma forma lógica mas só um deles é aceitável. Isto não se verifica com os argumentos dedutivos. Não é possível que dois argumentos dedutivos tenham a mesma forma lógica e só um deles ser válido.
7. Diz – se que os argumentos indutivos são “argumentos de risco”. Tente explicar.
R: São argumentos de risco porque, quando muito, a verdade das premissas poderá tornar provável a verdade de uma conclusão mas nunca a pode garantir ou assegurar.
2
Identifique os seguintes argumentos informais.
1.Todos os cisnes observados até hoje são brancos.
Logo, todos os cisnes são brancos.
2. Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, todos os corvos são pretos.
1. Bertrand Russell, um reputado lógico, afirmou que os costumes sociais a respeito do sexo fora do casamento são nocivos e opressivos. Portanto, os costumes sociais a respeito do sexo fora do casamento são nocivos e opressivos.
Identifique este tipo de argumento e explique a condição, ou condições, que tem de respeitar para ser um bom argumento do ponto de vista informal.
Argumento de autoridade. Para que este tipo de argumentos seja bom, a autoridade evocada tem de ser, de facto, uma autoridade e não podem existir divergências entre os especialistas acerca da matéria.
2. «De acordo com o meu Epicuro… nada continua a existir depois da dissolução do ser vivo, e no termo “ser vivo” ele incluía tanto o homem como o leão, o lobo, o cão, e todas as outras coisas que respiram. Concordo com tudo isto. Eles comem, nós comemos; eles bebem, nós bebemos; eles dormem, e o mesmo fazemos nós. Eles geram, concebem, dão à luz, e alimentam os seus jovens da mesma forma que os nossos. Eles têm alguma capacidade de raciocínio e de memória, alguns mais do que outros, e nós um pouco mais que eles. Somos como eles em quase tudo; por fim, eles morrem e nós morremos – ambos de forma definitiva.»
Lorenzo Valla, On Pleasure, Nova Iorque, Abaris Books, 1977, pp. 219-‐221.
Identifique e explique em que consiste o argumento que o texto exemplifica.
Argumento por analogia. Os argumentos por analogia baseiam-‐se em comparações. Dadas duas entidades ou situações, A e B, com várias caraterísticas semelhantes, da observação de que A tem uma caraterística conclui-‐se que o mesmo se passa com B.
3. O BCP, O BPI, o BES, a GALP e a PT estão cotados em bolsa. Portanto, todas as grandes empresas portuguesas estão cotadas em bolsa.
Identifique este tipo de argumento e explique a condição (ou condições) que tem de respeitar para ser um argumento bom.
Trata-‐se de uma generalização por indução. Para que estes argumentos sejam bons, a amostra expressa pela premissa deve ser ampla e representativa.
4. «Podemos verificar que existe uma grande semelhança entre a Terra que habitamos e os outros planetas, Saturno, Júpiter, Marte, Vénus e Mercúrio. Como a Terra, todos giram em torno do Sol, embora a distâncias e períodos diferentes. Como a Terra, recebem toda a sua luz do Sol. Como a Terra, vários rodam em torno do seu eixo e, desse modo, têm também a sucessão dos dias e das noites. Alguns têm luas, que servem para lhes dar luz na ausência do Sol, como a nossa Lua faz para nós. Como a Terra, estão todos, nos seus movimentos, sujeitos à mesma lei da gravitação
universal. Com base nestas semelhanças não é irracional pensar que esses planetas, como a nossa Terra, sejam habitados por vários tipos de criaturas vivas.»
Thomas Reid, Essays on the Intellectual Powers of Man, Cambridge, John Bartlett, 1850, p. 16.
Identifique este tipo de argumento e explique a condição (ou condições) que tem de respeitar para ser um bom argumento do ponto de vista informal.
Este argumento é um argumento por analogia. Para que um argumento por analogia seja bom, deve cumprir três condições: 1) a amostra deve ser suficiente (quanto maior o número de objetos comparados maior a força do argumento); 2) o número de semelhanças deve ser suficiente (a força da analogia cresce com o aumento do número de semelhanças verificadas); 3) as semelhanças verificadas devem ser relevantes.
5. No Dictionary of Philosophy, Anthony Flew define «logicismo» como o ponto de vista segundo o qual a «matemática, e em particular a aritmética, faz parte da lógica». Portanto, o logicismo é isso.
Identifique este tipo de argumento e explique as condições que tem de respeitar para ser um argumento bom.
É um argumento de autoridade. Para que este tipo de argumento seja bom, deve respeitar as seguintes condições: as fontes devem ser autoridades na matéria e não pode haver discordância entre elas.
6. A esmagadora maioria das nozes deste saco que parti até agora estava estragada. Portanto, a próxima noz que tirar do saco também estará estragada.
Identifique e explique em que consiste o argumento que o texto exemplifica.
Este argumento é uma previsão indutiva. A partir de uma amostra considerada representativa, tira-‐se uma conclusão acerca de um acontecimento futuro.
MAIS ALGUMAS FALÁCIAS INFORMAIS
Falácia da derrapagem A conclusão resulta de um suposto e improvável encadeamento de situações. Ex.: Se és um apreciador de bons vinhos, então, depois de um bom copo, beberás outro e outro e mais tarde ou mais cedo tornar-‐te-‐ás um alcoólico.
Falácia do falso dilema Apresentam-‐se duas alternativas como sendo as únicas, ignorando ou tentando fazer com que se acredite que não há mais alternativas disponíveis.
Ex.: Ou és crente ou és ateu. Se não acreditas na existência de Deus, só posso concluir que és ateu.
Falácia da petição de princípio
Usamos como prova, aquilo que estamos a tentar provar: supõe-‐se a verdade do que se quer provar, ou seja, provamos a conclusão tendo como premissa a própria conclusão.
Ex.: Não falta ninguém, uma vez que está cá toda a gente.
Falácia do «boneco de palha»
Distorcem-‐se as ideias do adversário para as atacar mais facilmente. A tese do adversário é deturpada para ser atacada, mas isso significa que se falha o alvo.
Ex.: O João diz que para se protegerem certas espécies os Jardins Zoológicos são importantes. Então mais valia prenderem todos os animais.
Falácia do ataque à pessoa (ad hominem falacioso)
Ataca-‐se indevidamente a pessoa que defende certas ideias, julgando-‐se erradamente que isso é atacar as suas ideias.
Ex.: É impossível acreditar no que dizes. Como podes ter uma opinião inteligente sobre o aborto? Não és mulher, pelo que esta é uma decisão que nunca terás de tomar.
Falácia do apelo à ignorância (apelo falacioso à ignorância)
Transforma-‐se em prova a ausência de prova. Se não provarmos a falsidade de uma afirmação, então ela é verdadeira; se não provarmos a verdade de uma afirmação então ela é falsa. Ex.: 1. Ninguém provou que os fantasmas não existem. Logo, existem.
2. Nunca se observaram extraterrestres. Logo, não existem.
TEMA 13
A RETÓRICA E A PROCURA DA ADESÃO DO AUDITÓRIO.
1.O que é a retórica? R: A retórica é habitualmente definida como a arte da persuasão. 2. O que entende Aristóteles por retórica? R: Aristóteles entende – a sobretudo como estudo do método da persuasão. Ela é a faculdade de descobrir e considerar o que, para cada questão, pode ser adequado para persuadir. 2. Porque se justifica o estudo da retórica? R: O estudo da retórica justifica – se porque argumentar é tentar persuadir e convencer, encontrar formas de obter a adesão a certas ideias e opiniões. Tentamos persuadir os outros e outros procuram fazer o mesmo. Na vida prática, em processos comunicativos concretos, a argumentação destina – se a convencer e a ganhar a adesão do interlocutor. Qual é o domínio de atuação da retórica? R: O campo da argumentação retórica é o verosímil, o provável, o controverso e o discutível e não o necessariamente verdadeiro. A Retórica pretende descobrir os meios que, relativamente a qualquer argumento, podem persuadir um dado auditório. Procura fazer aceitar teses prováveis, que podem ser controversas, verosímeis ou convincentes. É,por isso, “a técnica ou a arte do verosímil” 8. O que entende Aristóteles por ethos? R: O ethos é uma “prova” ou dispositivo retórico baseada no carácter do orador. O orador tenta persuadir o auditório proferindo o discurso de maneira a criar nele a impressão de que tem um carácter que o torna digno de crédito, valendo – se da sua experiência no assunto, da sua reputação e da qualidade das fontes e informações em que se apoia . É um apelo à credibilidade. 9.O que é o pathos? R: É uma “prova” ou dispositivo retórico centrado no auditório. O orador tenta persuadir despertando pelo discurso no auditório sentimentos e emoções que o tornam recetivo ao que está a ser dito. 10. O que carateriza o logos? R: É uma “prova” ou dispositivo retórico baseado no discurso. Apela à racionalidade e capacidade lógica do auditório. Se o orador tenta persuadir procurando apresentar razões em defesa de um determinado ponto de vista ( e não tentando despertar certas emoções ou transmitir a imagem de credibilidade pessoal) então estamos no plano do logos.
Os dois usos da retórica Persuasão Manipulação
O orador não tem a intenção de enganar. Tenta apresentar toda a informação relevante, não distorce factos nem os omite.
Recorre a argumentos enganadores ou manobras falaciosas. Visa enganar e iludir, omitindo certos factos para destacar outros ou apresentando a mensagem de forma propositadamente parcial e ambígua.
Evita explorar os preconceitos do auditório
Explora os preconceitos do auditório.
Procura que os membros do auditório pensem por si.
Trata os membros do auditório como meios ao serviço das suas finalidades pessoais.
Procura obter adesão apelando a factores emocionais e racionais embora predomine o recurso ao logos.
Procura obter adesão apelando essencialmente a factores emocionais, que impressionam mais o auditório .
É tanto mais eficaz quanto maior for a capacidade de argumentação do orador. ( apresenta os argumentos pela melhor ordem e sem complicações desnecessárias).
É tanto mais eficaz quanto maiores forem a passividade, os preconceitos e a falta de sentido crítico do auditório.
O bom uso da retórica O mau uso da retórica
11. O que opõe radicalmente Platão e Sócrates aos sofistas? O relativismo constitui para Sócrates e Platão o principal inimigo da filosofia entendida como procura de uma verdade absoluta e permanente. Sócrates e Platão, defendiam que há uma realidade objetiva e que há verdades objetivas e universais, que podem ser conhecidas por intermédio, não da retórica, mas da filosofia. A retórica sofista é um obstáculo ao conhecimento e à descoberta da verdade. 12. Fala – se de dois usos da retórica: o bom e o mau. Identifique – os-‐ O bom uso da retórica consiste na persuasão racional. O mau uso da retórica consiste na manipulação. 13. Em que consiste a persuasão racional? É a tentativa de evitando manobras falaciosas e construindo argumentos bons, sem artifícios estilísticos, claramente organizados e expostos, obter a adesão do auditório.
Pode dizer – se que contribui para descobrir e comunicar a verdade. A persuasão racional tem em vista a verdade, mas a manipulação não. 14. Em que consiste a manipulação? A manipulação consiste em usar a capacidade de persuasão para enganar, iludir e convencer o auditório daquilo que mais interessa e convém ao orador. Tenta tirar partido das limitações e dos preconceitos do auditório. Trata – se de uma forma de argumentação desonesta que instrumentaliza o auditório e se afasta da verdade. 15. Qual é a crítica fundamental que Platão dirige à retórica sofista? Reconhecendo o poder da retórica, questiona de um ponto de vista ético o uso de um tal poder. Platão não pensa que a retórica seja a arte da persuasão. Para Platão, a retórica em vez de visar a persuasão do auditório, visa sim a sua manipulação. 16. Como justifica Platão que a retórica sofista é uma forma de manipulação e não de persuasão? Segundo Platão, a retórica não se baseia na razão e na procura da verdade mas na exploração das emoções, dos interesses e das necessidades do auditório. É uma forma de manipulação porque, pensa Platão, quem não domina o assunto que fala só é persuasivo, e inclusive mais persuasivo do quem sabe, se o auditório estiver mal informado sobre o assunto de que fala o orador. A ignorância é condição necessária do triunfo do ignorante. 17. Por que razão não a considera uma arte? É o caráter manipulador da retórica que lhe retira o direito ao título de arte. Não procurando a verdade a retórica afasta – nos do triunfo do bem e da justiça. Como uma atividade que não se baseia na verdade e não tem como finalidade a realização do bem não merece o nome de arte, Platão conclui que, ao contrário do que pensam os sofistas, a retórica não é uma arte.
TEMA 14
O CONHECIMENTO
TIPOS DE CONHECIMENTO Conhecimento prático
Conhecimento por contato
Conhecimento proposicional
Consiste na capacidade ou aptidão para fazer algo. O seu objeto é uma atividade. Saber conduzir uma mota.
Consiste na experiência direta de objetos, fatos ou pessoas. O seu objeto são lugares, pessoas e coisas. Conhecer pessoalmente o Papa
Consiste em saber que certas proposições são verdadeiras. O seu objeto são proposições verdadeiras. “Ankara é a capital da Turquia”
O CONHECIMENTO É
CRENÇA VERDADEIRA JUSTIFICADA Não se pode conhecer algo sem se acreditar no que se diz conhecer. Temos de acreditar que a proposição é verdadeira.
O que não é verdadeiro não pode ser objeto de conhecimento. A proposição tem de ser verdadeira.
A crença verdadeira não pode ser uma simples opinião ou um palpite. Tem de haver boas razões e evidências a favor da verdade da crença
João acredita que a proposição “A ponte Vasco da Gama é extensa “ é verdadeira.
A proposição “A ponte Vasco da Gama é extensa “ é verdadeira.
Há uma boa razão para João acreditar que a proposição “A ponte Vasco da Gama é extensa ” é verdadeira. João circula nela há cinco minutos.
1.Em que consiste a definição clássica de conhecimento? Segundo a definição clássica de conhecimento, há três condições necessárias para conhecer uma proposição: 1. A proposição deve ser verdadeira; 2. Temos de acreditar que a proposição é verdadeira e 3. Deve haver boas razões ou evidências para acreditar que a proposição é verdadeira. A crença por si não é conhecimento porque temos crenças falsas e a verdade é inseparável do conhecimento. A crença verdadeira não é conhecimento porque posso ter uma crença verdadeira por acaso ou acidentalmente. Para haver conhecimento, não é suficiente que uma crença seja verdadeira. É também necessária a sua justificação.
2. Esta definição é indiscutível?
Não. Os contraexemplos de Gettier mostram que podemos ter boas razões a justificar uma crença verdadeira e, contudo, não ter conhecimento.
3. Qual é o argumento que Gettier apresenta contra a definição clássica de conhecimento ?
R: A definição de conhecimento como crença verdadeira justificada não é correta porque alguém pode acreditar justificadamente que determinada proposição é verdadeira e, contudo, não saber que essa proposição é verdadeira. S pode ter a crença verdadeira justificada de que P e, em simultâneo, não saber que P. Gettier afirma que não há uma relação de implicação entre ter uma crença verdadeira justificada e ter conhecimento. A CVJ não garante que haja conhecimento, não é condição suficiente para que haja conhecimento.
4. Como defende Gettier a sua tese?
R: Gettier recorre a um exemplo: Dois homens, Smith e Jones, são candidatos a um lugar numa empresa. Smith não acredita que o lugar venha a ser seu porque o gerente da empresa deu sinais de que o escolhido seria Jones. Smith repara que Jones tem dez moedas no bolso porque teve ocasião de o ver contá-‐las. Smith tem então razão para pensar que a pessoa que vai obter o emprego é uma pessoa que tem dez moedas no bolso. Smith tem uma crença verdadeira justificada porque 1 – é verdade que o gerente disse que Jones teria o emprego; 2 – acredita que é verdade o que o gerente disse; e 3 – tem razões para acreditar que Jones (a pessoa que tem 10 moedas no bolso) vai ser o eleito, dado que o gerente não é dado a enganos e é uma fonte de informação credível.
Temos assim que Smith tem uma CVJ na proposição seguinte:
O homem que vai conseguir o emprego é uma pessoa que tem 10 moedas no bolso.
Mas sem o saber também tem dez moedas no bolso e afinal o gerente escolhe – o a ele.
Apesar de Smith ter uma justificação razoável para acreditar em algo verdadeiro – a pessoa que vai obter o emprego tem 10 moedas no bolso –, será que podemos dizer que tal crença é conhecimento? Não. É verdade que é a pessoa que tem 10 moedas que é eleita, mas Smith não sabia que tinha essa quantidade no bolso. Pensava que era Jones. Afinal, sem o saber, acertou. Palpite correto. Nada mais. Uma crença verdadeira justificada não é garantia de que haja conhecimento.
TEMA 15
Conhecimento vulgar Conhecimento científico
1.Relativamente acrítico
2.A descrição predomina sobre a explicação.
3. Fraca sistematização.
4.Muito fraco espírito metódico.
5. Essencialmente prático.
6. Deixa – se iludir pelas aparências.
1.Baseia – se no pensamento crítico.
2. Essencialmente explicativo.
3. Forte pendor sistemático.
4. Essencialmente metódico.
5. Alto valor teórico e prático.
6. Procura ir para lá das aparências
ou impressões imediatas.
TEMA 16
ANÁLISE COMPARATIVA DE DUAS TEORIAS EXPLICATIVAS DO CONHECIMENTO
1
O RACIONALISMO DE DESCARTES
Resumo da teoria cartesiana do conhecimento
O projeto Construir um sistema de verdades indubitáveis em que de uma verdade que seja impossível considerar falsa possamos deduzir outras verdades que sejam certezas absolutas.
As razões de ser do projeto
1. O sistema dos ditos conhecimentos do seu tempo era constituído por verdades e falsidades.
2. Temos de separar o verdadeiro do falso e justificar que o que acreditamos ser verdadeiro é absolutamente verdadeiro.
3. O sistema dos ditos conhecimentos do seu tempo não tinha bases firmes e estava desorganizado, a tal ponto que havia falsidades na base do sistema e verdades noutros pontos desse sistema.
4. Temos de encontrar uma verdade indubitável que sirva como base ao sistema dos conhecimentos e permita organizá-‐lo firme e seguramente.
A estratégia para atingir esse objetivo
A dúvida é a estratégia escolhida para separar absolutamente o verdadeiro do falso. Como? Vamos submeter ao exame rigoroso da dúvida as bases em que assentava o sistema dos conhecimentos estabelecidos. Exame rigoroso significa que :
1. Consideraremos falso o que não for absolutamente verdadeiro ou indubitável.
2. Consideraremos enganadora qualquer faculdade que alguma vez nos tenha enganado ou de cujo funcionamento correto possamos por muito pouco que seja suspeitar.
A dúvida será por isso aplicada de forma hiperbólica.
3. As bases do sistema dos ditos conhecimentos que vamos examinar implacavelmente são:
‒ a crença de que os sentidos são fontes fiáveis de conhecimento sobre as propriedades dos objetos físicos;
‒ a forte crença de que existem realidades físicas;
‒ a crença de que as mais fiáveis produções do nosso entendimento – as matemáticas – são um modelo de verdade indubitável.
O que passar neste exame rigoroso será indubitavelmente verdadeiro.
O que não passa no exame da dúvida
metódica/hiperbólica
1. Os sentidos não são dignos de confiança quanto às informações quer sobre as qualidades das coisas sensíveis quer sobre a existência dessas mesmas coisas.
As ilusões dos sentidos e o argumento de que não temos forma de distinguir absolutamente o sonho da realidade, o fictício do real, levam-‐nos a negar o empirismo (que o conhecimento comece com a experiência sensível) e a crença de que o mundo físico indubitavelmente existe.
2. O correto funcionamento do nosso entendimento (razão) é colocado sob suspeita devido ao argumento de que Deus pode tê-‐lo criado destinado a confundir o falso com o verdadeiro. Acredito que Deus me criou. Deus é omnipotente. A omnipotência significa ser capaz de tudo. Não parece completamente descabido suspeitar que Deus me tenha feito de tal maneira que o meu entendimento considere falso o que é verdadeiro e verdadeiro o que é falso. Por mais incrível que isso me pareça a hipótese de um Deus enganador tem de ser tida em conta e assim não posso ter nenhuma certeza quanto à verdade daquilo em que costumo acreditar.
Os objetos sensíveis e os objetos inteligíveis – exemplificados pela matemática – são colocados sob suspeita, e por isso deles não pode derivar-‐se conhecimento algum. É no plano do sujeito e não dos objetos que temos procurar a verdade.
O que resiste à dúvida
Resiste à dúvida a existência do sujeito que de tudo duvida. «Duvido – penso – logo existo» é uma verdade indubitável porque a existência de quem duvida não pode ser objeto de dúvida alguma.
Caraterísticas da primeira verdade
1. É primeira porque impõe-‐se no momento em que de tudo se duvida.
2. É primeira porque não deriva de nenhuma outra (teria de haver outra, o que não acontece).
3. É objeto de intuição existencial e não de dedução – será o ponto de partida de todas as deduções que faremos para construir o sistema firme dos conhecimentos.
4. É, por isso, o primeiro princípio do sistema de conhecimentos.
5. Corresponde à existência de um sujeito cuja natureza ou essência consiste em pensar.
6. É uma ideia ou verdade inata porque se impõe como absolutamente indubitável independentemente da experiência. Nasce connosco e descobrimo-‐la como certeza sem apoio empírico.
7. É um critério ou modelo de verdade, dada a evidência, clareza e
distinção com que se impõe.
Verdades indubitáveis que deduzimos da
primeira verdade
1. A alma é distinta do corpo.
Todas as coisas sensíveis – incluindo o meu corpo – podem não passar de realidades que só existem em sonho. Mas existo, e disso não posso duvidar. Se não preciso do corpo para existir, então a alma – o que eu sou – é distinta do corpo e mais fácil de conhecer do que este.
2. Deus existe.
Se duvido e nada conheço a não ser que existo e sou um ser pensante, então sou imperfeito. Mas de onde veio esta ideia? Comparei as minhas qualidades com as que caraterizam um ser perfeito. Logo, sem a ideia de um ser perfeito – do que é ser perfeito –, não saberia que sou imperfeito.
Mas sou a causa desta ideia? Sou o seu autor? Não, porque ela representa mais perfeição do que a que possuo e poderia causar. Logo, só um ser perfeito é causa da ideia de perfeito. Quem é esse ser? É Deus. Logo, Deus existe.
A importância da existência de Deus como ser perfeito
1. Afasta-‐se a desconfiança no funcionamento correto do nosso entendimento.
Provado que Deus não pode enganar, podemos confiar nas operações
do nosso entendimento/razão. O critério da evidência é
fundamentado de modo que aquilo que considero claro e distinto –
evidente – é claro e distinto, absolutamente indubitável.
1. Supera-‐se, em parte, o solipsismo.
Com efeito, Deus é um ser de cuja existência não depende do sujeito
pensante.
3. Deus é o fundamento metafísico das crenças verdadeiras.
Garante-‐as absolutamente porque garante que as evidências atuais
são realmente indubitáveis e também que o serão sempre. O
conhecimento torna-‐se assim um conjunto de verdades objetivas,
independentes do sujeito pensante.
A recuperação da crença na existência do mundo físico
Descartes apercebe-‐se de que há ideias das coisas que não são
produzidas pelo sujeito pensante. Existindo, devem ter uma causa: as
próprias coisas sensíveis. Esta propensão ou crença natural é legítima
e fundada, dado que Deus, a quem a devo, não me engana.
O racionalismo cartesiano
1. A razão é a fonte ou origem do conhecimento. Só as verdades descobertas pela razão e deduzidas desta têm direito ao título de conhecimento. O princípio do sistema dos conhecimentos é uma verdade puramente racional. Os sentidos não merecem confiança. 2. O ideal de conhecimento em Descartes é o de um sistema dedutivo análogo ao modelo do raciocínio matemático que sempre o deslumbrou. De uma verdade indubitável – a existência do eu – deduz outras verdades que devem apresentar a mesma clareza e distinção. A matemática é um ideal metodológico e não a rainha das ciências, dado que esse estatuto de ciência primeira pertence à metafísica. 3. As ideias que desempenham um papel decisivo no conhecimento são ideias inatas. Ideias como as de eu e de Deus formam-‐se no pensamento sem o contributo da experiência. São ideias que, mediante a reflexão puramente racional, a razão descobre em si, atualizando o que potencialmente existe na alma desde que existimos. O inatismo é a afirmação da autonomia da razão em relação à experiência. 4. A dúvida metódica está ligada à natureza racionalista da filosofia de Descartes. A vontade de duvidar parte da ideia de que a razão não pode atingir a verdade, subordinando-‐se à experiência, aos sentidos. A dúvida cumpre a função de devolver a razão à plena posse de si mesma, torna-‐a autónoma, ao libertá-‐la da dependência em relação aos sentidos e dos falsos pontos de partida.
2
O EMPIRISMO DE DAVID HUME
RESUMO DA TEORIA DO CONHECIMENTO DE DAVID HUME
Projeto
Investigar as capacidades e os limites do entendimento humano no que respeita ao conhecimento do mundo de modo a evitar especulações inúteis e a determinar se e o que podemos saber.
Estratégia
Estratégia
Analisar os conteúdos da mente.
Os conteúdos da mente Os conteúdos da mente são as impressões e as ideias.
Impressões e ideias são as unidades básicas do conhecimento.
Segundo o Princípio da Cópia, as ideias são cópias das impressões. As cópias são menos intensas e vívidas do que as impressões que estão na sua origem. As ideias são cópias de impressões e são por isso causadas por estas. Têm uma origem empírica. As nossas ideias formam-‐se todas a partir da experiência. Se as ideias não fossem cópias das impressões, quem não possuísse a capacidade de ter a experiência da cor formaria a ideia de cores, o que é absurdo. Uma pessoa cega de nascença não poderá ter a ideia de branco porque nunca terá a impressão de branco.
O Princípio da Cópia e o empirismo
Do que não há impressão não há ideia. Só conhecemos aquilo de que temos experiência. O conhecimento começa com a experiência e daquilo de que não há experiência não há conhecimento
O problema do conhecimento do mundo ou conhecimento
factual
A matemática e a lógica dão-‐nos verdades necessárias, mas não nos dão conhecimentos sobre o mundo. Por isso, o problema da possibilidade do conhecimento é o de saber se podemos conhecer os factos do mundo.
Em que consiste o nosso conhecimento dos factos do
mundo
O nosso conhecimento do mundo consiste – esquecendo as observações simples como ver o Sol nascer – em explicações, generalizações e previsões. As explicações implicam o recurso à ideia de relação entre causa e efeito. As generalizações e as previsões são formas de raciocínio indutivo. Assim, o nosso conhecimento do mundo baseia-‐se essencialmente na relação causa e efeito e em inferências indutivas. Como os argumentos dedutivos se limitam às relações entre ideias, não servem para conhecer factos.
O pressuposto fundamental do nosso conhecimento do
Explicamos factos, generalizamos observações particulares e efetuamos previsões. O que subjaz a estas atividades é a crença de que o mundo se comporta de forma regular ou uniforme. A crença na uniformidade da
mundo natureza é a que está na base da nossa relação de conhecimento com os factos que constituem o mundo.
Em que consiste justificar a possibilidade de
conhecimento dos factos do mundo
Consiste em tentar provar que é verdade o seguinte:
1. Que a ideia de conexão necessária dos fenómenos do mundo é uma propriedade objetiva das coisas (não é uma simples ideia).
2. Que os raciocínios indutivos se exprimem, em princípio, pelo conhecimento dos factos, que nos permitem atingir conclusões verdadeiras.
A resolução destes dois problemas depende da solução de um problema mais fundamental: provar que é verdade que a natureza – os factos do mundo ‒ se comporta de forma regular e uniforme.
Primeira conclusão cética: Não é possível provar que a ideia de conexão necessária é
verdadeira.
Não podemos provar que acontecimentos que supomos causalmente relacionados estejam conectados necessariamente. Como conhecer é explicar os factos estabelecendo uma conexão necessária entre eles, o conhecimento objetivo do mundo não é possível.
Por que razão se chega a esta conclusão?
Porque, se todo o conhecimento depende da experiência, esta não nos dá contudo qualquer prova (qualquer impressão) de uma conexão necessária entre acontecimentos. Podemos pensar que certos acontecimentos são causas de outros, mas tal crença não pode ser justificada pela experiência. A experiência nada mais nos mostra do que uma conjunção constante entre certos factos, mas nunca uma ligação necessária que faça de um a causa sem a qual o outro não existe ou acontece.
Segunda conclusão cética:
O nosso conhecimento do mundo não se pode basear na
indução.
«A causa B» significa que A produz B ou que B é e será sempre seguido de A. Até agora tem sido assim e assim continuará a ser. Esta crença exprime-‐se mediante um argumento indutivo, argumento que nos leva para lá da experiência ou da observação empírica.
Qualquer argumento indutivo, tal como a ideia de conexão necessária, pressupõe a ideia de uniformidade da natureza, de que esta se comporta sempre do mesmo modo ou de que é previsível. Mas essa ideia só poderia ser justificada mediante o recurso a um argumento indutivo. Ora, isso é fazer do que se pretende provar uma forma de prova, o que consiste numa petição de princípio (não é logicamente legítimo que, mediante a indução, que depende da ideia de uniformidade da natureza, provemos a verdade desta ideia).
Assim, o nosso conhecimento do mundo não se pode basear nem em argumentos dedutivos – não tratam de factos – nem em argumentos indutivos (da ideia de uniformidade da natureza na qual os argumentos indutivos se baseiam não podemos ter qualquer experiência).
Conclusão cética global: O conhecimento objetivo não é
possível.
O conhecimento do mundo não é possível. Formamos ideias acerca do modo como as coisas do mundo são ou funcionam, mas não podemos pretender alcançar nem verdades indiscutíveis – certezas – nem verdades prováveis.
Em que consiste o nosso conhecimento do mundo
O nosso conhecimento do mundo não é constituído nem por certezas nem por verdades prováveis. Não possuímos crenças verdadeiras objetivamente justificadas.
Mas possuímos crenças que, não tendo um fundamento racional ou empírico, encontram no hábito ou costume uma forte base psicológica. As nossas inferências indutivas e a crença na conexão necessária entre fenómenos baseiam-‐se no hábito. Sem qualquer faculdade que nos permita resolver questões de facto, não deixamos de explicar, de prever acontecimentos e, assim, de agir no mundo. O hábito é o conhecimento transformado em crença indispensável.
O empirismo de David Hume
Podemos caraterizar o empirismo de Hume do seguinte modo:
1. Baseado na investigação das capacidades do entendimento humano, afirma que o conhecimento começa com a experiência e não pode ir além dela.
2. Analisando os conteúdos da mente envolvidos no ato de conhecer,
conclui que a afirmação anterior tem a ver com o facto de que não há conhecimento de ideias a que não corresponda uma impressão sensível.
3. Se do que não há impressão não há ideia, não há ideias inatas.
4. As relações causais que estabelecemos entre os factos e as inferências que nos levam para lá da «memória e dos sentidos», ou seja, as inferências indutivas, não têm fundamento empírico. Para lá da «memória e dos sentidos», não há impressão que justifique a crença de que há uma relação de necessidade entre causa e efeito e de que o mundo continuará a ser como até agora tem sido.
5. O nosso conhecimento do mundo não é constituído nem por verdades indubitáveis nem por verdades prováveis. O empirismo de Hume é, de certa forma, um ceticismo.
6. Não podemos provar que conhecemos os factos do mundo, mas não podemos deixar de acreditar que conhecemos. O conhecimento é uma crença em cuja verdade podemos confiar, mesmo que não a possamos justificar. Devemos deixar-‐nos guiar pelo hábito.
3
QUADRO COMPARATIVO DAS TEORIAS DO CONHECIMENTO DE DESCARTES E DE HUME
TEMAS DESCARTES HUME
PROJETO
Encontrar princípios racionais indubitáveis de modo a justificar que o sistema do conhecimento seja constituído por verdades absolutamente certas.
Efetuar uma análise da mente que revele quais as capacidades e os limites do entendimento humano.
ORIGEM DO CONHECIMENTO
O conhecimento entendido como certeza absoluta não pode principiar com a experiência porque os sentidos não são fiáveis. Descartes não é empirista. É racionalista.
Todo o conhecimento começa com a experiência porque todas as nossas ideias são causadas por impressões das quais são cópias. Hume não é racionalista. É empirista.
OS CONTEÚDOS DO ENTENDIMENTO
Nem todas as ideias são inatas, mas o conhecimento funda-‐se em ideias inatas ou puramente racionais.
Todas as nossas ideias têm uma origem empírica, mesmo as mais complexas e abstratas. São cópias de impressões sensíveis. Por isso não há ideias inatas. O empirismo rejeita o inatismo.
AS OPERAÇÕES DO ENTENDIMENTO
Mediante a intuição, descobrimos o princípio primeiro e indubitável do sistema do saber. Por dedução, inferimos por ordem outras verdades indubitáveis sobre a relação alma – corpo, Deus e o mundo.
A intuição e a dedução limitam-‐se ao conhecimento formal das matemáticas e da geometria. Esses conhecimentos a priori são indubitáveis, mas nada de indubitável podemos conhecer sobre o mundo e o que ultrapassa a experiência. O conhecimento de factos depende de raciocínios indutivos. As verdades sobre o mundo, caso existam, não podem ser estabelecidas dedutivamente.
A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO
O conhecimento é possível, sendo um conjunto de verdades absolutamente indubitáveis sobre a alma – o eu –, Deus e o mundo.
O conhecimento de factos não é possível. Nem a razão nem a experiência nos dão verdades objetivas sobre o mundo. Temos crenças, mas não conhecimentos. As únicas verdades indubitáveis são as da matemática e da lógica.
A JUSTIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO
Podemos justificar as nossas crenças ou opiniões verdadeiras porque há um princípio racional indubitável do conhecimento – o Cogito – e um fundamento absolutamente confiável – Deus – que garante a verdade das nossas ideias claras e distintas.
Não há justificação nem empírica nem racional para o conhecimento do mundo. O conhecimento é um produto do hábito e não da razão. É uma crença natural que só traduz a nossa necessidade de acreditar que conhecemos como o mundo é e funciona.
OS LIMITES DO CONHECIMENTO
Aplicando corretamente a nossa faculdade de conhecer, podemos alcançar verdades indubitáveis sobre o mundo físico e sobre realidades que ultrapassam a experiência. A metafísica é a ciência fundamental, a raiz da «árvore do saber».
Do que não há experiência não pode haver conhecimento. Por isso não há conhecimento de realidades metafísicas (Deus e a alma). A metafísica não é uma ciência. Nem mesmo do mundo temos conhecimentos certos e seguros.
O nosso conhecimento da realidade é constituído por verdades indubitáveis.
O nosso conhecimento do mundo não é constituído nem por verdades indubitáveis nem por verdades prováveis.
TEMA 17
A CIÊNCIA NA PERSPETIVA DE POPPER
SÍNTESE DAS IDEIAS DE POPPPER SOBRE O MÉTODO CIENTÍFICO E A CIÊNCIA
TESES CENTRAIS
1. Uma teoria é científica se for testável e suscetível de falsificação empírica mediante a observação.
2. Uma teoria irrefutável não tem direito a ser considerada científica.
3. O indutivismo é uma perspetiva errada sobre o método científico.
4. As teorias e hipóteses científicas não podem ser verificadas nem confirmadas, mas unicamente corroboradas.
5. Os cientistas exercem uma vigilância crítica permanente das hipóteses e teorias científicas.
6. A ciência é objetiva porque os cientistas submetem as teorias ou hipóteses a testes empíricos rigorosos.
7. A ciência procede por conjeturas (hipóteses) e refutações em direção a um ideal de verdade que nunca atingirá, mas do qual se aproxima constantemente mediante a eliminação de erros.
A falsificabilidade O tema da falsificabilidade permite a Popper resolver dois problemas: o da
demarcação entre ciência e não ciência e o do papel da indução na ciência.
A falsificabilidade é a caraterística de uma teoria ou hipótese que pode ser refutada por alguma observação.
O problema da demarcação
O problema da demarcação consiste em encontrar um critério que permita separar ciência de pseudociência.
Será científica a teoria que se submete a testes destinados a falsificá-‐la e assim a refutá-‐la. A ciência distingue-‐se da pseudociência porque procura falsificar e não verificar ou confirmar as suas hipóteses.
As teorias que não são refutáveis por alguma observação possível não são científicas. E são cientificamente tanto mais úteis quanto mais riscos correrem nas previsões que fazem.
Contra o indutivismo e o verificacionismo
Popper resolve o problema da indução opondo à conceção indutivista da investigação científica (que procura tornar verdadeiras as teorias), a falsificação.
A indução não é o método da ciência porque:
1. Não podemos inferir as hipóteses da experiência como se houvesse observações puras ou objetivas. Os cientistas deduzem consequências observacionais das teorias e, submetendo essas predições ao confronto com os factos, sujeitam as teorias a testes rigorosos. Não precisam da indução para formar hipóteses.
2. A experimentação científica não é realizada com o objetivo de «verificar» ou estabelecer a verdade de hipóteses ou teorias porque esse objetivo é impossível.
A indução não nos pode dar certezas acerca da verdade das nossas teorias. Por maior que seja o número de observações a favor de uma teoria obtida por indução, esta pode sempre vir a revelar-‐se falsa. Mas podemos muitas vezes ter a certeza da sua falsidade adotando um modelo hipotético dedutivo que procura provar a falsidade e não a verdade de uma teoria.
A corroboração Uma teoria diz-‐se corroborada quando resiste aos testes destinados a falsificá-‐la.
Para ser corroborada, uma teoria deve apresentar um bom conteúdo empírico que restrinja aquilo segundo as suas previsões pode acontecer ‒ de modo a não ser vaga – e deve passar em testes sérios e rigorosos. Mas ser corroborada não significa dizer que a sua verdade foi provada nem que é provável que seja verdadeira. Unicamente não foi refutada e podemos continuar a trabalhar com ela, se não for posteriormente desmentida ou se não encontrarmos uma melhor. A qualquer momento, uma teoria pode ser refutada por novos testes. O máximo que se pode dizer de uma teoria científica é que, até a um dado momento, ela resistiu aos testes usados para a refutar.
O progresso do conhecimento científico
A ciência progride mediante o método das conjeturas e refutações.
As conjeturas ou hipóteses – que nunca podem ser verificadas ou confirmadas – são sujeitas a testes severos aos quais podem sobreviver ou não. As que sobrevivem às tentativas de refutação revelam-‐se mais resistentes, mas nunca verdadeiras ou provavelmente verdadeiras. Constituem, em comparação com outras, uma melhor aproximação à verdade. O seu grau de verosimilhança é o critério que as torna melhores do que teorias rivais. Aproxima-‐se mais da verdade a conjetura que resolve melhor certos problemas do que as suas competidoras.
O progresso científico, mediante a eliminação de erros, é uma evolução em direção a uma meta ideal inalcançável: o ideal da verdade como espelho fiel da realidade.
TEMA 18
RESUMO DAS IDEIAS DE KUHN SOBRE A CIÊNCIA E A SUA EVOLUÇÃO
TESES CENTRAIS
1. Não há atividade científica fora de uma comunidade de praticantes (comunidade científica).
2. Não há comunidade científica sem a adoção consensual de um paradigma pelos seus membros.
3. A atividade a que ao longo da história da ciência os cientistas mais frequentemente se dedicam tem o nome de ciência normal.
4. A longos períodos de ciência normal sucedem de vez em quando episódios revolucionários a que se dá o nome de revoluções científicas, ou seja, mudanças de paradigma.
5. Uma revolução científica traduz-‐se numa forma de ver o mundo inteiramente nova e incompatível com a forma de ver o mundo associada e determinada pelo paradigma anterior.
6. Sendo a expressão de formas incompatíveis de ver o mundo, os paradigmas são incomensuráveis.
7. Sendo incomensuráveis, não há acima ou fora de cada paradigma um critério ou medida comum que permita considerar que um é mais verdadeiro do que outro ou que é um espelho mais fiel da realidade.
8. Assim sendo, não se pode falar de progresso científico se por este entendermos um progresso contínuo e cumulativo em direção à verdade. Se pudermos falar de progresso, este é descontínuo, feito de algumas ruturas ou descontinuidades, de mudanças de paradigmas e não de transformação de um paradigma noutro.
9. A substituição de um paradigma por outro não obedece a critérios estritamente objetivos e racionais.
A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA
ESQUEMA DA EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA
Pré-‐ciência -‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐ Ciência normal -‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐Ciência extraordinária -‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐ Revolução científica -‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐ Novo período de ciência normal …………….
1. Pré-‐ciência. Período marcado pela ausência de consenso, dado não haver um paradigma partilhado.
2. Ciência normal. Período longo em que um paradigma – o contexto intelectual e tecnológico da prática científica – dá unidade à atividade dos praticantes de ciência. Os cientistas aplicam o paradigma para determinar que problemas resolver e como os resolver e também procuram ampliar o seu poder explicativo. Este período assume por isso um caráter cumulativo resultante da invenção de instrumentos mais potentes e eficazes, que possibilitam medições mais exatas e precisas, não procurando o cientista a novidade nem pôr em causa o paradigma.
3. Ciência extraordinária. Período de crise do paradigma vigente, dado que as anomalias a princípio detetadas e relativamente desvalorizadas persistem e, dada a sua gravidade, ameaçam as bases do paradigma. Não basta a existência de anomalias – o próprio termo é significativo – para que o paradigma vigente entre em crise. É necessário que as anomalias abalem a confiança no paradigma e suscitem a constituição de paradigmas alternativos. Da união em torno de um paradigma passamos à divisão. A crise pode ser resolvida de duas maneiras: 1. Ou se reformula e reajusta o paradigma continuando a trabalhar com ele; 2. Ou se abandona o paradigma substituindo-‐o por um novo.
4. Revolução científica. Período em que se dá a mudança de paradigma e a constituição de uma nova forma de ver o mundo incompatível ou incomensurável com a anterior. A transição de um paradigma para outro não é pois um processo cumulativo, mas uma rutura e uma aposta nas potencialidades do novo paradigma. Se não conseguir explicar melhor os fenómenos que derrotavam o poder explicativo do anterior paradigma, o novo não triunfará.
5. Novo período de ciência normal. Estabelecida uma nova forma de fazer ciência e dotados de um novo «mapa» para explorar e investigar a natureza, os cientistas regressam a uma atividade relativamente rotineira marcada pela preocupação em consolidar o novo paradigma e em ampliar a sua aplicação.
A INCOMENSURABILIDADE DOS PARADIGMAS
Não há um critério absoluto que permita medir ou aferir os méritos relativos de cada paradigma e decidir da sua maior ou menor verdade.
Enquanto nova forma de ver o mundo – nova mundivisão –, o paradigma triunfante estabelece uma nova forma de fazer ciência, definindo um novo conjunto de normas e de procedimentos, que questões são legítimas, como é apropriado resolvê-‐las e
mesmo um entendimento diferente de conceitos anteriores. Mas o novo não triunfa sobre o velho porque é objetivamente melhor. Na verdade, os paradigmas são incomensuráveis: diferentes maneiras de ver o mesmo mundo instalam os cientistas em mundos diferentes. Assim, não pode haver uma forma objetiva, um critério neutro, exterior a cada paradigma para dizer que, na passagem de um a outro, houve um avanço em direção à verdade. A verdade é sempre relativa a um paradigma, pelo que é impossível, dada a incomensurabilidade dos paradigmas, determinar se um é mais verdadeiro ou melhor do que outro.
A ESCOLHA ENTRE PARADIGMAS
Não há nenhum argumento a priori – nenhum critério objetivamente estabelecido – que em certa medida obrigue um cientista a adotar um paradigma e não outro.
Apesar de Kuhn apresentar alguns critérios objetivos que podem tornar um paradigma preferível a outro – simplicidade, fecundidade, alcance e precisão explicativa –, a escolha entre paradigmas envolve vários fatores (psicológicos e sociais). Assim, mesmo os critérios objetivos são objeto de apreciação e de interpretação condicionadas por gostos, convicções religiosas, etc. No caso do triunfo do paradigma de Copérnico, por exemplo, houve cientistas que foram atraídos pela sua simplicidade, outros que valorizaram a sua capacidade explicativa e outros ainda que o rejeitaram por motivos religiosos. Vários fatores – científicos e extracientíficos (gostos, preferências religiosas, poder político e mesmo preconceitos) ‒ influenciam a escolha do novo paradigma.
Assim, a mudança de paradigma não obedece a critérios estritamente racionais e objetivos.
Não há aproximação à verdade na evolução da ciência porque não podemos determinar se um paradigma é superior a outro.
A ciência evolui, mas é muito discutível dizer que essa evolução se faz de forma estritamente racional e objetiva.
Comparação entre Popper e Kuhn sobre a evolução da ciência, a sua racionalidade e objetividade
Temas Popper Kuhn
Verdade
A verdade é a meta ideal da investigação científica. As teorias mais verosímeis são as que explicam melhor os factos, sugerem novas experimentações e superaram testes em que as outras foram derrotadas.
A comunidade científica muda de paradigmas, mas não há forma objetiva de provar que a mudança é um crescimento do conhecimento em direção à verdade. A verdade é relativa a um paradigma, e por isso nenhum é «mais verosímil» do que outro.
Progresso/avanço da ciência
Há progresso em ciência porque as novas teorias, sobrevivendo a testes rigorosos, eliminam os erros das anteriores e assim aproximam-‐se mais da verdade. A verosimilhança é o critério do progresso.
Não há progresso em ciência, exceto nos períodos de ciência normal. Na passagem de um paradigma a outro, não há forma de dizer que o novo representa um maior avanço em direção à verdade.
Objetividade
O crescimento ou progresso do conhecimento é objetivo porque a nova teoria superou testes precisos e rigorosos, confrontou-‐se com observações tendentes a superá-‐las e resistiu. Uma teoria está mais próxima da verdade do que outra quando tem um conteúdo empírico corroborado por mais factos e torna compreensíveis mais fenómenos do que outra teoria.
A mudança de paradigma não é determinada por critérios estritamente objetivos, mas por uma combinação de fatores extracientíficos (psicológicos e sociológicos) e científicos (caraterísticas das teorias – poder explicativo, alcance, simplicidade e fecundidade).
Racionalidade
A aproximação à verdade que carateriza a evolução da ciência é marcada pela atitude racional traduzida na vigilância crítica em relação às teorias: nunca se pode dizer que deixaram de ser conjeturas e se tornaram verdades.
A evolução da ciência não é determinada por uma atitude de vigilância crítica porque os cientistas tendem a ignorar em muitos casos as refutações de que um paradigma é alvo. Na passagem de um paradigma a outro, os fatores lógicos e racionais são muitas vezes superados por fatores subjetivos.
A ciência evolui e progride de forma racional e objetiva.
A ciência evolui, mas é difícil falar de progresso porque a sucessão de paradigmas não acontece segundo padrões estritamente racionais e objetivos.
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