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Trabalho de Conclusão de Curso
O IMPACTO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: EMANCIPAÇÃO DAS
FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS EM VULNERABILIDADE SOCIAL
Jozemara Socorro Neri Amorim
Robson Gonçalves Féliz
RESUMO
Essa pesquisa teve como objetivo analisar a emancipação das famílias beneficiárias do
Programa Bolsa Família (PBF), tendo como recorte realizar as entrevistas no Centro de
Referência de Assistência Social (CRAS) Aero Rancho “Prof. Adevair Costa Lolli Gueti”,
localizado na região sudoeste do município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O bairro
Aero Rancho atualmente tem grande concentração de habitantes, pois houve um crescimento
da população, no entanto, a comunidade não acompanhou o desenvolvimento, o que trouxe
problemas como a vulnerabilidade social. Considerando que o CRAS é a porta de entrada
para as demandas e um instrumento de análise para que se efetive uma prática social
consistente, visando garantia de direitos à convivência familiar e comunitária e contribuir
para o processo da autonomia e da emancipação social da família, a intervenção teve como
delineamento a pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, e considerou a análise
bibliográfica e documental em fontes primárias, pesquisa de campo com aplicação de
questionário, assim como entrevistas semiestruturadas a seis famílias beneficiárias do PBF.
Foi realizada a intervenção com a equipe técnica do CRAS de referência. As entrevistas
foram realizadas com as famílias monitoradas pela instituição. Esperase como resultado
verificar o empoderamento dos beneficiários no que tange os aspectos referentes: à educação,
como é monitorada a frequência escolar, qual a medida de prevenção para combater as faltas
e garantir o recebimento do beneficio; à saúde, nas ações realizadas para acompanhamento
das famílias; e à inclusão social, nas estratégias utilizadas para qualificação profissional.
PALAVRASCHAVE: Inclusão Social. Emancipação. Educação. Saúde.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa teve como objetivos analisar a emancipação das famílias
beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) referenciadas pelo Centro de Referência de
Assistência Social (CRAS) Aero Rancho “Prof. Adevair Costa Lolli Gueti”, localizado na
região sudoeste do município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
Apresenta-se a avaliação dos programas sociais por meio de entrevistas e visitas
domiciliares. A aérea de abrangência da pesquisa pertence ao território de execução do
trabalho, permitindo a veracidade dos dados coletados. Em seguida, fazse um destaque dos
aspectos que são utilizados como execução dos objetivos e das estratégias previstos pelos
formuladores dos programas em análise.
Trabalho de Conclusão de Curso
São discutidas as particularidades dos contextos locais como elementos que
condicionam a execução dos programas. Nesse sentido, defendese uma compreensão
multidimensional a fim de dar conta da complexidade que envolve a determinação desses
contextos em seus aspectos históricos, políticos, culturais e a realidade vivenciada pelas
famílias.
O artigo aborda a indispensável atuação estatal, na forma da evolução das políticas
públicas sociais rumo à conquista dos referidos objetivos fundamentais da Constituição
Federal de 1988, principalmente no combate à fome e de garantia do direito humano à
alimentação. Nesse sentido, é abordada a questão das políticas públicas que são idealizadas
no contexto do desenvolvimento econômico e social atual do País, que superaram a visão
meramente compensatória e assistencialista que marcou a história da política social no Brasil.
A abordagem se pauta em algumas considerações sobre a realidade das famílias em
situação de pobreza e vulnerabilidade social, sua abrangência e seu contexto de ação.
Realizamos uma análise com a amostra de seis famílias beneficiárias do Programa de
Transferência de Renda Bolsa Família, com intuito de verificar o distanciamento da realidade
de grande parte da população brasileira, apontando para a necessária maximização da
efetividade das normas que dispõem sobre o mínimo existencial pertinente para a proteção da
vida da pessoa humana, bem como de condições mínimas materiais que, ao serem prestadas
pelo Estado, proporcionem dignidade à vida humana, no campo dos direitos econômicos,
sociais e culturais e da emancipação social.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, em que foram utilizados como procedimentos
metodológicos: a revisão bibliográfica em livros, artigos dissertações e teses que trataram da
temática; a análise documental em fontes primárias como leis, decretos e outros documentos
oficiais que legitimam o Programa Bolsa Família; pesquisa de campo, com aplicação de
questionário e entrevistas a seis famílias beneficiárias do PBF.
1 POBREZA: ASPECTOS CONCEITUAIS
O mundo globalizado nos impõe desafios no sentido de priorizarmos e tratarmos
determinados temas/problemas que não são de ordem particular, e nem originais e recentes,
mas que tomaram um rumo pós-industrialização e se tornaram assunto internacional por fazer
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parte das distintas realidades, seja em países desenvolvidos, em desenvolvimento ou
subdesenvolvidos. Metade da população mundial vive hoje com dois dólares por dia.
Nesse contexto, muitos autores têm se dedicado a pensar as condições sociais
vinculadas à superação da pobreza e indigência dessas realidades, no sentido de estabelecer,
de acordo com cada uma, a agenda política de combate à pobreza e o enfrentamento das
desigualdades sociais, ou como se entende em várias realidades: uma política de proteção
social. Mas exatamente a que fenômeno estamos nos referindo? O que é pobreza?
Segundo o Relatório do Banco Mundial de 2000, a pobreza se caracteriza em três eixos:
a falta de recursos e renda para atender a necessidades básicas, incluindo educação e saúde;
falta de voz e poder nas instituições estatais e na sociedade; e vulnerabilidade a choques
adversos e exposição a riscos, combinados com uma incapacidade de enfrentá-los.
Para Sposat (1997, p. 13):
[...] o conceito de pobreza é relativo, refletindo os hábitos, valores e
costumes de uma sociedade; entretanto, com a globalização, essa noção
passa a aproximar-se de uma medida comum. Os indicadores utilizados para
estimar o grau de pobreza de uma sociedade partem de medidas
quantitativas comparativas, demarcando os estratos sociais que enfrentam os
mais baixos padrões de vida. [...] O que nos remonta a questão das
desigualdades sociais. Uma série de significados diferentes pode ser dada à
“pobreza” enquanto estado de quem é pobre e sofre a falta do necessário à
vida.
Sendo assim, a pobreza pode ser entendida como privação ou ausência das necessidades
básicas, podendo mudar a intensidade da privação como ausência total de recursos que
impeçam o ser inclusive de se alimentar: condição primeira para sua sobrevivência. O que
denotaria um estado de indigência. De outras formas se daria na privação de condições
materiais e acesso mínimo às políticas de saúde, educação, saneamento, habitação, etc.
Devemos lembrar que a pobreza é um processo resultante de uma estrutura de
desigualdades sociais historicamente presente na realidade brasileira, o que nos remete a
nossa trajetória de construção da civilidade, da cidadania, da economia nacional, das relações
de poder, enquanto responsabilidades legais e institucionais que resultaram nas atuais
relações sociais e de trabalho, no trato com o que é coletivo, na capacidade de mobilização da
população, nas diferenças sociais, na cultura política que temos, na ausência de políticas
públicas decentes, enfim em diversos fatores e situações que vivenciamos. Além disso,
devemos considerar que estamos em um país de extensão continental, com diferenças
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culturais e regionais, climáticas e geográficas que devem ser também considerados na
elaboração das políticas de enfrentamento à pobreza.
2 POLÍTICAS SOCIAIS
Compreendem-se como políticas sociais as ações que determinam o padrão de proteção
social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios
sociais visando à diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento
socioeconômico. Nesse sentido, podemos identificar como políticas sociais a educação e
saúde, dentre outras. No entanto, vai além das estratégias criadas, pois existe uma
padronização dos métodos utilizados para implantação das políticas sociais que não
correspondem à realidade e cultura das famílias em situação de vulnerabilidade social.
O Bolsa Família atualmente é o principal programa de obtenção de renda para famílias
em vulnerabilidade social. Porém, devemos analisar o motivo das famílias permaneceram por
um longo período nos programas, visto que uma das principais condições é a estruturação
familiar e inserção social.
A política social como estratégia de redução da exclusão social causada pela pobreza e
privações inerentes a essa condição deve conceder instrumentos que possibilitem a inserção
do indivíduo na sociedade de maneira efetiva e permanente. Um dos principais desafios das
políticas públicas é ter a capacidade de emancipar o indivíduo, conferindo-lhe autonomia
para a vida em sociedade e dando-lhe oportunidades para uma inserção digna.
A análise da emancipação está presente nas contribuições do pensamento marxiano,
sendo abordada em uma dimensão política. No entanto, contribuindo na fundamentação e
expressão de práticas sociais e profissionais rumo à emancipação humana. Segundo Marx
(1989), a emancipação política pressupõe uma equidade social, tendo o cidadão as mesmas
condições que possui o Estado, ou seja, igualdade diante da lei, da religião, propriedade ou
outras que são estabelecidas por meio da mediação de condições concretas, assim como as
que asseguram a cada indivíduo a plena satisfação das suas necessidades.
Marx sofreu a influência das ideias iluministas e dos movimentos revolucionários do
século XIX, e a partir dessas vivências passou a discorrer sobre o caráter contraditório da
emancipação na sociedade burguesa (capitalista), compreendendo que a diferença entre as
classes é uma barreira para a emancipação humana, a qual afirma ser mais importante do que
a emancipação política.
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A investigação se processa efetivamente na emancipação humana, que se distingue da
emancipação política. A ênfase é dada a uma forma de autodeterminação que promove uma
tendência para a vida em sociedade na qual os indivíduos sejam efetivamente livres.
O processo de liberdade, impulsionado pela emancipação contribui para uma positiva
sucessão de mudanças capazes de aperfeiçoar a relações sociais e a humanidade de modo
geral. Essa visão excede a limitada análise do indivíduo na sociedade dirigida pelo capital e
seus vínculos de poder, transformando essas relações em uma dimensão social.
Essa liberdade, para Marx, é adquirida por meio do trabalho realizado a partir de forças
individuais que atuam comumente, de maneira tal que o indivíduo conquista o domínio
consciente da totalidade do trabalho, o que o torna livre e o faz desenvolver uma verdadeira
comunidade humana, na qual todos poderão aplicar amplamente as suas potencialidades,
criando um firme estado de solidariedade em detrimento da rivalidade e dos antagonismos.
No entanto, Freire (2007, p. 107) assume que a autonomia se constitui da
experiência de incontáveis decisões, que vão sendo tomadas, sendo que nenhum indivíduo é
inerentemente autônomo sem que passe por um processo de decisão. “A autonomia, enquanto
amadurecimento do ser para si é processo, é vir a ser”.
Partindo de análises, a promoção da emancipação das famílias beneficiárias
caracterizaria, por assim dizer, a saída das mesmas de situações vulneráveis. No movimento
de compreender a importância do benefício na vida das famílias beneficiárias e deste para
melhoria nas condições de vida, entrevistamos cinco famílias em vulnerabilidade social,
referenciadas no CRAS Prof. Adevair Costa Lolli Gueti, localizado no bairro Aero Rancho,
região urbana Anhanduzinho em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
3 PROGRAMA DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA BOLSA FAMÍLIA
O Programa de Transferência Bolsa Família foi criado no Governo de Luís Inácio Lula
da Silva (20032011), instituído pela Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, regulamentado
pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004 e alterado pelo Decreto 6.917, de 30 de
julho de 2009 (BRASIL, 2004, 2009).
Destacamos a importância da transferência do recurso do Programa na vida das famílias a
fim de apreender as mudanças trazidas para elas. Vale ressaltar, como citado na segunda parte
do artigo, que os valores monetários transferidos visam inicialmente o alívio imediato dos
efeitos da pobreza. Entretanto, por meio do acesso a serviços sociais básicos, dentre eles a
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educação, o programa visa romper o ciclo da pobreza entre as gerações, promovendo
emancipação das mesmas.
Fica criado, como órgão de assessoramento imediato do Presidente da
República, o Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família,
com a finalidade de formular e integrar políticas públicas, definir diretrizes,
normas e procedimentos sobre o desenvolvimento e implementação do
Programa Bolsa Família, bem como apoiar iniciativas para instituição de
políticas públicas sociais visando promover a emancipação das famílias
beneficiadas pelo Programa nas esferas federal, estadual, do Distrito Federal
e municipal, tendo as competências, composição e funcionamento
estabelecidos em ato do Poder Executivo. (BRASIL, 2004).
Soares, Ribas e Osório (2007, p. 1) explicam que:
O programa foi instituído em 2004 a partir da unificação de alguns
programas sociais de transferência de renda – condicionada e não
condicionada – do Governo Federal. Os principais programas unificados
foram: o BOLSA ESCOLA, um subsídio voltado à educação primária; o
FOME ZERO e o BOLSA ALIMENTAÇÃO cujas transferências visavam a
garantir segurança alimentar; e o VALE GÁS, um subsídio para ajudar
famílias pobres a comprar gás de cozinha. Criado, o BOLSA FAMÍLIA
passou por uma rápida expansão, incluindo um número cada vez maior de
famílias pobres e extremamente pobres entre seus beneficiários.
Para o sucesso de sua implantação, observa Santana (2007, p. 6) que “[...] o Bolsa Família
foi pensado como uma política social com gestão participativa da comunidade e por isso
deveriam ser criados comitês gestores nos municípios”. Pondera que o programa se constitui
em um processo de emancipação que parte da família, articula com a comunidade e
reconhece o Bolsa Família como um meio, não como um fim.
Para Soares, Ribas e Osório (2007), entre 1995 e 2004, a desigualdade de renda brasileira,
medida pelo Índice de Gini, caiu cinco pontos e atribuíram 21% dessa queda aos programas
de transferência de renda. Os autores avaliam que esta transferência de renda não retira as
famílias da pobreza, porém, para aquelas que vivem sobre pobreza extrema representa a
maior parte da renda obtida pelas famílias. Acrescentam, ainda, que o erro de inclusão1 no
1 O “erro de inclusão” representa o vazamento para famílias não elegíveis, é a razão entre o número de beneficiários que não são pobres e a quantidade de beneficiários. (SOARES, RIBAS; OSÓRIO, 2007).
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programa chega a 49%, porém essas famílias não estão muito acima da linha de pobreza, e o
erro de exclusão2 próximo de 46%.
Por outro lado, Silva (2007), apresenta uma visão um pouco menos otimista.
Reconhecendo a importância do Programa Bolsa Família (PBF) na melhoria de vida das
famílias, discute que este dificilmente atuará na redução da pobreza e que poderá até ser um
regulador da pobreza determinada pelas próprias exigências do programa. Avalia que este
deveria ser um redistribuidor de renda entre a população brasileira e não apenas um
distribuidor. Conclui que os resultados do programa são modestos frente à necessidade de
superação da pobreza e da fome no Brasil.
Segundo Senna et al. (2007), é preciso haver uma preocupação com o caráter do
Programa, uma vez que não há medidas focadas na geração de emprego e renda que, aliadas
às estratégias políticas e socioeducativas, poderiam cooperar com o rompimento do ciclo de
reprodução da pobreza. Na opinião dos estudiosos, essa pode ser considerada a maior
debilidade do PBF, ou seja, a incapacidade de inserir esta população adulta no ciclo produtivo
da economia.
Considerando que um dos graves problemas da população brasileira é a dificuldade
socioeconômica das famílias, justificase o objetivo de estudar o impacto do Programa no
processo de distanciamento da realidade que as famílias vivenciam.
4 ANÁLISE PRELIMINAR DO IMPACTO DO PBF: ENTREVISTAS
No âmbito das políticas sociais, averigou-se como o PBF tem contribuído para a
emancipação e bem-estar social das famílias beneficiárias. Importante ressaltar que as
famílias entrevistadas são monitoradas e referenciadas pelo CRAS da região. As seis famílias
foram triadas pela equipe técnica do CRAS.
Menciona-se a avaliação de impacto, que provavelmente é a modalidade de avaliação mais
adotada na atualidade, uma vez que analisa as efetivas mudanças ocorridas em uma realidade
específica a partir da implementação de um programa, ou seja, analisa os impactos do
programa.
2 O “erro de exclusão” é a razão entre o número de pobres não beneficiados pelo programa e o tamanho da
população pobre, indicando a percentagem da população elegível fora do programa (SOARES, RIBAS;
OSÓRIO, 2007).
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De acordo com Silva (2001), a determinação de um impacto exige considerar dois
momentos: antes e depois da implementação de um programa. Além disso, como a autora
chama atenção, é imprescindível analisar as chamadas variáveis intervenientes, que rebatem
na conjuntura local e, por conseguinte, na implementação do programa. Nesse particular,
aliás, reside o principal desafio dessa modalidade de avaliação: demonstrar que um
determinado efeito na realidade social é resultado, de alguma forma, da execução de um
programa determinado.
A esse respeito, o entendimento predominante é de que:
[...] qualquer avaliação de impacto apenas identifica a mudança e sua
dimensão ocorrida numa situação conhecida previamente, mas não pode
afirmar, categoricamente, que a mudança resultou, diretamente, desta ou
daquela variável, entre elas, do próprio programa social (SILVA, 2001,
p.86).
Nesse projeto, a avaliação do programa refere-se à relação entre as famílias beneficiárias
com as condicionalidades na área de saúde e educação que devem ser cumpridas para que o
benefício não seja cancelado, bloqueado ou suspenso. Elas são de fundamental importância e
exigem atenção das famílias beneficiárias.
A visita domiciliar permitiu identificar situações de vulnerabilidade que não são
expostas inicialmente pelo usuário. Cumpre ressaltar que a visita domiciliar “funciona como
uma atividade profissional investigativa ou de atendimento aos usuários dentro do seu próprio
meio social ou familiar, logo, uma atividade que aproxima o assistente social da realidade do
indivíduo” (SPEROTTO, 2009, p. 60).
Foram realizadas visitas domiciliares e entrevistas com seis famílias beneficiárias,
palestras para auxiliar as famílias no que se refere aos direitos do cidadão e como acessar e
efetivar sua cidadania. Buscou-se estabelecer vínculo com as famílias entrevistadas com a
finalidade de obter informações e executar a pesquisa da evolução, emancipação dos
beneficiários do programa.
Segundo Martinelli (1999, p. 26), “uma consideração importante é que a
pesquisa qualitativa é participante, nós também somos sujeitos da pesquisa”.
Dessa forma, a entrevista é uma importante fonte de coleta de dados.
Esta técnica de pesquisa pode ser utilizada com todos os segmentos da
população, o entrevistado não precisa saber ler ou escrever, ao contrário do
questionário onde é necessário que o entrevistado seja alfabetizado. A
entrevista ainda possibilita que sejam utilizadas tanto as abordagens
quantitativas submetidas ao tratamento estatístico, quanto às abordagens
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qualitativas que são referência nesse tipo de abordagem (MARCONI;
LAKATOS, 2011, p. 8081).
As entrevistas foram realizadas no Centro de Referência de Assistência Social CRAS
Aero Rancho “Profº Adevair Costa Lolli Gueti” R. Globo De Ouro, n. 862, Bairro Aero
Rancho, local onde são direcionadas as atividades e monitoramento das famílias
beneficiárias. Foi utilizado um roteiro visando conhecer a realidade de cada família
entrevistada, como o benefício auxilia na renda familiar e de que modo são utilizados.
Salientase que a observação e a escuta sensível nas entrevistas/atendimentos realizados
pela equipe, propiciam a realização de uma prática reflexiva junto à família. Isso possibilita
que a intencionalidade ética, intrínseca a toda ação profissional se materializa, no
enfrentamento das expressões da questão social vivenciadas.
Iniciemos as análises com a família da senhora Ana, composta de quatro pessoas, em
que apenas seu esposo trabalha, fazendo bicos, sem emprego fixo e sem garantias
trabalhistas. Embora afirme que os filhos precisam do dinheiro, quando interrogada sobre
como é gasto o valor recebido do programa, afirmou gastar dentro de casa. Ao explicar o que
seria dentro de casa relatou gastar com alimentação, pagamento de contas como água e luz.
Sobre a possibilidade de trabalhar para ajudar no orçamento doméstico, alegou não trabalhar
por ter passado por cirurgia recente e não ter qualificação para o trabalho.
No mesmo direcionamento a senhora Bianca respondeu: “Tipo comida, roupa, remédio
e passagem pra minha filha ir, por exemplo, pra escola, ir à rua” (26/09/2016). Interessante
notar que os gastos relativos a material escolar, em todos os relatos não é citado em primeiro
lugar, figurando nessa posição os gastos com alimentação e manutenção da casa.
Apesar da importância do dinheiro para a manutenção das despesas domésticas, em
uma análise geral, as famílias não pensam em sair do programa. Segundo senhora Joana, a
saída do programa seria considerada soberba.
Ao ser questionada se houve mudança na vida da família a partir do ingresso no PBF,
assim respondeu:
Depois que passou a receber a bolsa melhorou sim. Melhorou assim em uma
parte, por exemplo, a gente cozinhava de lenha, agora não cozinha mais de
lenha, a gente não tinha condições de pagar uma luz, agora a gente tem
condição de pagar uma luz, tem condição de pagar uma água (Dalva,
26/09/2016).
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Nesse cenário, quando se olha para o lugar da transferência de renda na vida dos
beneficiários, é possível perceber que o programa vem cumprindo o papel de suprir demandas
materiais nas quais o acesso à atividade remunerada é precário ou ausente. Pelo que se
depreende dos depoimentos, o acesso a produtos e serviços que antes encontravam
dificuldade para acessar foi possível a partir do recebimento do benefício para a maioria dos
beneficiários.
A contribuição para compra de alimentos e pagamento de contas, por exemplo, revela-se
presente na vida de quase todas. Entretanto, para algumas delas a hipótese do desligamento
do programa (lembrando que o descumprimento das condicionalidades pode provocar a
suspensão do pagamento e até mesmo desligamento do programa) poderia recolocar a família
na condição vivida antes do ingresso no PBF. Isso significa dizer que as bases de promoção
de meios emancipatórios das famílias continuam frágeis, ou praticamente não existem. Por
muitas vezes, as mães expressavam sua condição de beneficiária como se a mesma fosse
permanente, o que contradiz o caráter do mesmo de prover o alívio dos efeitos da pobreza e
de meios para emancipação das famílias beneficiárias de modo que possam sair do Programa
por espontânea vontade.
No entanto, os depoimentos não revelaram, após aproximadamente dez anos de
pertencimento ao programa, que as mães desenvolveram estratégias que promovessem sua
emancipação. Daí decorre a importância de se refletir sobre políticas sociais que ultrapassem
o limite do emergencial.
41 EDUCAÇÃO
As condicionalidades do PBF com relação à educação estão relacionadas à frequência
escolar, é preciso que as crianças e adolescentes tenham no mínimo 70% de frequência
escolar. E a escola é responsável pelo registro da frequência. Os alunos precisam obter mais
de 70% de frequência escolar, os pais são responsáveis em realizar a matrícula e acompanhar
o desenvolvimento escolar dos filhos, o não cumprimento da condicionalidade acarreta na
suspensão do benefício até regularização.
As entrevistas evidenciaram ainda a preocupação e esperança depositada pelas mães na
educação dos filhos, chegando, muitas vezes, a conceber a educação pelo viés salvacionista,
acreditando ser a falta de estudos o fator responsável pela situação de pobreza que enfrentam
desde a infância, concepção que continua a ser disseminada não só no interior das escolas,
Trabalho de Conclusão de Curso
mas também por vários veículos de formação de opinião, tais como partidos políticos e meios
de comunicação.
Por meio dessa concepção vem se difundindo uma visão única de mudança da realidade na
qual os problemas relacionados ao desemprego, baixa renda e exploração são superados
apenas com a escolarização. Tal concepção encobre o peso dos aspectos estruturais de nosso
modo de produção, responsável não apenas pela falta de emprego para todos, mas
principalmente pelo quadro de desigualdade presente em nosso País.
Os relatos das entrevistas revelaram que embora as mães se preocupem com a educação
dos filhos, o que vem contribuindo para a frequência à escola é o risco de suspensão do
benefício ou desligamento do PBF. Com exceção dos estudantes que trabalham, os demais só
faltam à escola, segundo suas mães, quando adoecem ou por motivo de força maior.
Assim como os relatos da senhora Carla, aparentemente todas as famílias reconheceram
nas entrevistas que estão mais atentas à presença das crianças e adolescentes na escola, com
uma expectativa de diminuição da evasão escolar. Por outro lado, apesar de uma família
revelar uma mudança nas atitudes dos filhos, que antes eram “mais revoltados”, não se
identificaram relatos claros de avanços em relação à aprendizagem. Essa dificuldade de
observação pode estar relacionada, entre outros aspectos culturais e de contexto, com a
qualidade da educação das escolas nas regiões.
Além da frequência escolar, outro aspecto abordado nas entrevistas e que revela a relação
entre as famílias beneficiárias e a escola diz respeito ao abandono. Assim como em muitos
casos no Brasil, um dos filhos de senhora Dalva tem histórico de abandono escolar em prol
da ajuda financeira à família. O trabalho, então, tem se constituído, nesses casos, no principal
fator do abandono escolar.
O papel da educação na vida das famílias pobres no Brasil pode abrir perspectivas de
transformação da realidade a partir da busca da mudança desta derrubando argumentos que
naturalizam a pobreza e a estrutura social vigente. Entretanto, sabemos que a educação
sozinha não é capaz de, em um passe de mágica, transformar a situação de miserabilidade,
embora tenha lugar importante no processo de questionamento do que aí está. Influenciadas
por discursos prolatados nos diversos veículos de comunicação que apresentam a educação
(na maioria das vezes mercadológica) como passaporte para uma vida promissora, a maioria
das mães depositam na educação a possibilidade de mudança da situação de pobreza por meio
Trabalho de Conclusão de Curso
do acesso a postos de trabalho mais qualificados, como podemos verificar, por exemplo, na
fala da senhora Ana ao relatar sobre a importância da educação da vida de seus filhos:
A importância para mim é deles estudar, ser alguém na vida. Eles terminado
os estudos eles podem arrumar um trabalho melhor pra eles e miorar a vida
deles né? Miorar a situação que terminando os estudo entrando em qualquer
curso eles mioram bastante a vida deles. O curso que eles quiserem formar
[...] vai miorar a vida deles (Ana, 26/09/2016).
Sendo assim, a educação é um elemento importante no processo de formação humana e
tem lugar na vida das beneficiárias, as quais, embora com poucos anos de formação escolar,
conseguem tecer críticas às desigualdades sociais, embora muitas delas com percepção
limitada da realidade. Dessa forma, ao criticar os problemas enfrentados no seu dia a dia e
também pela escola onde seus filhos estudam e à escola pública em geral, depositaram a
origem de tais problemas no governo, cuja relação passamos a analisar na próxima seção.
4.2 SAÚDE
Na saúde, as gestantes e nutrizes devem ser inscritas no pré-natal. As beneficiadas
devem comparecer com o cartão de gestante às consultas nas unidades de saúde próximas à
sua residência, seguindo o calendário do Ministério da Saúde. Outra exigência é a
participação nas atividades educativas ofertadas pelas equipes de saúde sobre aleitamento
materno e promoção da alimentação saudável. Quanto às crianças, é necessário levá-las às
unidades de saúde ou aos locais de vacinação e manter atualizado o calendário de
imunização, conforme diretrizes do Ministério da Saúde, além de realizar o acompanhamento
do estado nutricional e do desenvolvimento e outras ações, conforme calendário mínimo do
Ministério da Saúde.
Na área da saúde, existe menos consenso em relação aos avanços propiciados pelo PBF
nas famílias. Por um lado, se posicionaram de forma mais crítica em relação à questão.
Destacaram a necessidade de atenção à saúde mental das famílias, que ainda se limita à
questão do peso/altura e das vacinas das crianças. Ao citar a saúde mental como um
complicador na vida e na organização familiar, visto que muitas se encontram em sofrimento
e assim também mais vulneráveis, destacando a importância de um trabalho voltado
especificamente para essa questão para uma melhoria real na qualidade de vida.
Os relatos vão de encontro à visão de Sen. (2000), que dá amplo destaque em como
complicações de saúde podem comprometer a capacidade das pessoas de se desenvolverem.
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Essa visão segue uma argumentação de que o PBF é insuficiente para superar um quadro
mais complexo dos serviços de saúde oferecidos às comunidades de baixa renda e, portanto,
um forte limitador da autonomia dos indivíduos. Nesse contexto, seriam justamente as
famílias de maior vulnerabilidade que têm dificuldades para cumprir as condicionalidades e
se manter como beneficiárias.
Não ocorre apenas que, digamos, melhor educação e serviços de saúde elevem
diretamente a qualidade de vida. Esses dois fatores também aumentam o potencial de a
pessoa auferir renda e assim livrar-se da pobreza medida pela renda. Quanto mais inclusivo
for o alcance da educação básica e dos serviços de saúde, maior será a probabilidade de que
mesmo os potencialmente pobres tenham uma chance de superar a situação.
Por outro lado, as famílias identificaram mais claramente alguns avanços nas questões
da saúde a partir do benefício. Ao ser questionada sobre como o PBF melhorou sua vida, a
senhora Dalva respondeu que não tem mais dor nas costas, por ter conseguido comprar o
encanamento de água e não precisar mais buscar água com balde na cabeça, além de ter
comprado um colchão.
Esse exemplo ajuda a mostrar que a família, ao administrar o benefício, busca sanar
suas dificuldades de acordo com o que é prioritário naquele momento, diferentemente de
auxílios que eram direcionados para o leite, o gás ou alimentos. A administração do dinheiro
por parte das famílias permite um avanço no desenvolvimento de sua autonomia, pois elas
adquirem a capacidade de realizar o que efetivamente desejam e valorizam.
As famílias também revelam que nem todas têm o acompanhamento de saúde como
deveriam como condicionalidade ao benefício. Obviamente, as famílias não deixam de ser
atendidas pelo SUS caso precisem, mas não há um acompanhamento direcionado ao PBF de
modo a registrar as situações familiares com o intuito de promover ações de intervenção, com
vistas à superação de tais problemáticas. De forma mais ampla, duas famílias dizem não ter
modificado nada em relação às condições de saúde, mas três dizem ter melhorado, e uma
salienta que os filhos estão mais saudáveis e estão seguindo as orientações de higiene dadas
pela médica.
4.3 TRABALHO E RENDA
A questão do trabalho e do emprego é oposta àquela relatada sobre a alimentação.
Constitui o elemento de privação em que menos as famílias conseguiram avançar, na
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percepção delas. Três das seis famílias entrevistadas indicaram que a situação de trabalho não
melhorou nem piorou desde que começaram a receber o benefício.
Os resultados são um indício de que o PBF não tem sido suficiente para muitas famílias
conseguirem superar situações de desemprego ou de melhorar suas condições de trabalho, o
que seria um aspecto fundamental no enfrentamento à pobreza e no processo de
autonomização das famílias.
Aprofundando a questão relativa ao trabalho, questionou-se sobre a presença ou não de
trabalhadores na família e em que situação. Verificou-se um grande número de trabalhadores
informais. Muitos não faziam contribuição para a previdência, não estando cobertos em casos
de infortúnios que os impeçam de realizar seu trabalho. Situação semelhante deve ocorrer
com os trabalhadores autônomos. O benefício é a única forma de renda garantida no sustento
das famílias respondentes.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível conhecer o território e a realidade vivenciada pela família beneficiada a
partir dos dados coletados e informações pesquisadas. Analisamos o impacto do programa de
transferência de renda e como as politicas públicas têm alcançado essas famílias. Visando
uma melhoria do bem-estar social, comunitário e familiar, verificou-se se houve a superação
da situação de pobreza, como prosseguiram para sua emancipação, qualificação profissional e
ingresso no mercado de trabalho.
Ciente de que políticas públicas sociais e direitos fundamentais representam um
importante fator, tanto com relação ao desenvolvimento sustentável das famílias brasileiras
quanto com relação ao crescimento econômico do País, este artigo concentrou-se na análise
do processo histórico das políticas sociais e da introdução dos Programas de Transferência de
Renda, sob o aspecto da promoção da emancipação das famílias.
Diante de todo o exposto, constata-se que ações de inclusão social, tais como o PBF, a
despeito das críticas recebidas em relação ao pouco alcance que ele possui no processo do
indivíduo na conquista da cidadania emancipadora, atua como uma ação reparatória, na
medida em que possibilita o acesso a direitos básicos como alimentação, antes de tudo, saúde
e educação. Nesse sentido, a ampliação de direitos sociais ajuda a consolidar a democracia
(inclusive, como valor), e um regime político mais responsável.
Trabalho de Conclusão de Curso
Ainda, apesar dos resultados obtidos em pesquisas técnicas que comprovam que o
programa de transferência de renda desenvolvido pelo governo Lula alterou as condições de
existência das famílias beneficiadas, retirando-as da pobreza absoluta, há que se ponderar
sobre os seus efeitos a médio e longo prazo, já que não estando o programa associado a
mudanças estruturais, afinal os determinantes da pobreza não foram alterados, é provável que
novos contingentes nessa situação não surjam.
Resta claro que fórmulas messiânicas que prometem acabar com os maiores males do
Brasil de uma só vez não são a saída para um país com 55 milhões de pessoas vivendo em
situação de pobreza. Contudo, certamente, um caminho é dotar o País de um sistema eficiente
e democrático de proteção social o que, diga-se, é tarefa complexa que não se esgota nas
responsabilidades fundamentais do Governo Federal e que não se realiza de uma hora para
outra. É fundamental a ação responsável dos três poderes da República, o envolvimento
empenhado dos demais setores de governo, a participação ativa e responsável da sociedade
civil e de suas organizações, a colaboração de empresas, universidades, igrejas e sindicatos.
Sobretudo, ressaltamos que não é tarefa única do Governo, mas de toda a nação.
6 REFERÊNCIAS
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