poesias mostra cultural
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ALÉM DO ENTENDIMENTO Afonso Romano de Sant’ Anna
A essa altura há coisas
que(ainda) não entendo. Por exemplo:
o amor. Faz tempo que diante dele me desoriento.
O amor é intempestivo, eu sou lento.
Quando ele sopra - estatelado - mais pareço
um catavento.
CANÇÃO DE DOMINGO Mario Quintana
Que dança que não se dança? Que trança não se destrança?
O grito que voou mais alto Foi um grito de criança.
Que canto que não se canta? Que reza que não se diz?
Quem ganhou maior esmola Foi o Mendigo Aprendiz.
O céu estava na rua? A rua estava no céu?
Mas o olhar mais azul Foi só ela quem me deu!
MUTAÇÕES Cora Coralina
Muita rua da cidade mudou de nome
Rin tin tin – mudou de nome Rua Nova – mudou de nome
Detraz da Abadia também Beco virou travessa
Outras nem nome tem, Rua do fogo se apagou Nas vielas não se toca
Beco da morte é pecado. Do Cotovelo é suspeito
Rua Joaquim de Bastos. Não sei onde vai parar
Tanta mudança de nome. Mudar nome de rua é fácil.
Mudar jeito de rua, não. Dar calçamento e limpeza É coisa muito impossível.
Só não mudou nome em Goiás O Beco da Vila Rica.
Por ser muito pobre e sujo Contrário lhe assenta o nome.
Se há de ser beco do sujo pobre Seja mesmo da Vila Rica Com toda a sua pobreza.”
.
CANÇÃO PARA UMA VALSA LENTA Mario Quintana
Minha vida não foi um romance... Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro De surpresa... de encanto... de medo...
Minha vida não foi um romance...
Minha vida passou por passar. Se não amas, não finjas, que vivo Esperando um amor para amar.
Minha vida não foi um romance... Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida De surpresa, de encanto, de medo!
Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar! Pobre vida que toda depende
De um sorriso... de um gesto... um olhar...
EU FAÇO VERSOS
Mario Quintana
Eu faço versos como os saltimbancos Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos... Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!
Vão começar as convulsões e arrancos Sobre os velhos tapetes estendidos... Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!
“Meu Deus! Mas tu não mudas o programa!” Protesta a clara voz das Bem-Amadas. “Que tédio!” o coro dos Amigos clama.
“Mas que vos dar de novo e imprevisto?” Digo...e retorço as pobres mãos cansadas:
“Eu sei chorar...Eu sei sofrer...Só isto!”
DESENCANTO Manuel Bandeira
Eu faço versos como quem chora De desalento... de desencanto... Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre, deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre
Soneto Álvares de Azevedo
Pálida, à luz da lâmpada sombria, Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar! Na escuma fria Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! O seio palpitando... Negros olhos as pálpebras abrindo... Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
SIMPATIA
Casemiro de Abreu
Simpatia - é o sentimento
Que nasce num só momento, Sincero, no coração;
São dois olhares acesos Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração. Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos, Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim. São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso, Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes, Duas liras semelhantes, Ou dois poemas iguais.
Simpatia - meu anjinho, É o canto de passarinho, É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d'agosto É o que me inspira teu rosto...
- Simpatia - é quase amor!
CANÇÃO DA GAROA Mario Quintana
Em cima do telhado Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado, Soluça no seu flautim.
O relógio vai bater: As molas rangem sem fim.
O retrato na parede Fica olhando para mim.
E chove sem saber porquê E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer: Pirulin lulin lulin...
O MENINO AZUL Cecília Meireles
O menino quer um burrinho para passear.
Um burrinho manso, que não corra nem pule, mas que saiba conversar.
O menino quer um burrinho
que saiba dizer o nome dos rios,
das montanhas, das flores, - de tudo o que aparecer.
O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.
E os dois sairão pelo mundo que é como um jardim
apenas mais largo e talvez mais comprido
e que não tenha fim. (Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever para a Ruas das Casas,Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler)
A RUA DOS CATAVENTOS
Mario Quintana
Da vez primeira em que me assassinaram, Perdi um jeito de sorrir que eu tinha. Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada, Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada! Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai! Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
INGÊNUO ENLEIO
Manoel Bandeira
Ingênuo enleio de surpresa, Sutil afago em meus sentidos,
Foi para mim tua beleza, A tua voz nos meus ouvidos.
Ao pé de ti, do mal antigo Meu triste ser convalesceu.
Então me fiz teu grande amigo, E teu afeto se me deu.
Mas o teu corpo tinha a graça Das aves... Musical adejo...
Vela no mar que freme e passa... E assim nasceu o meu desejo.
Depois, momento por momento, Eu conheci teu coração.
E se mudou meu sentimento Em doce e grave adoração.
A FLOR DO MARACUJÁ Fagundes Varella
Pelas rosas, pelos lírios, Pelas abelhas, sinhá, Pelas notas mais chorosas Do canto do Sabiá, Pelo cálice de angústias Da flor do maracujá! Pelo jasmim, pelo goivo, Pelo agreste manacá, Pelas gotas de sereno Nas folhas do gravatá, Pela coroa de espinhos Da flor do maracujá. Pelas tranças da mãe-d'água Que junto da fonte está, Pelos colibris que brincam Nas alvas plumas do ubá, Pelos cravos desenhados Na flor do maracujá. Pelas azuis borboletas Que descem do Panamá, Pelos tesouros ocultos Nas minas do Sincorá, Pelas chagas roxeadas Da flor do maracujá!
Pelo mar, pelo deserto, Pelas montanhas, sinhá!
Pelas florestas imensas Que falam de Jeová!
Pela lança ensangüentado Da flor do maracujá!
Por tudo que o céu revela!
Por tudo que a terra dá Eu te juro que minh'alma
De tua alma escrava está!!.. Guarda contigo este
emblema Da flor do maracujá!
Não se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em - a - Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos ouve, sinhá! Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!
Havia um menino Fernando Pessoa
Havia um menino, que tinha um chapéu
para pôr na cabeça por causa do sol.
Em vez de um gatinho tinha um caracol.
Tinha o caracol dentro de um chapéu;
fazia-lhe cócegas no alto da cabeça.
Por isso ele andava depressa, depressa p’ra ver se chegava
a casa e tirava do chapéu, saindo
de lá e caindo o tal caracol.
Mas era, afinal, impossível tal, nem fazia mal
nem vê-lo, nem tê-lo: porque o caracol
era do cabelo.
O QUE ADORO EM TI Manoel Bandeira
O que eu adoro em ti Não é a tua beleza A beleza é em nós que existe A beleza é um conceito E a beleza é triste Não é triste em si Mas pelo que há nela De fragilidade e incerteza
O que eu adoro em ti Não é a tua inteligência Não é o teu espírito sutil,Tão ágil e tão luminoso Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é a tua ciência Do coração dos homens e das coisas. O que eu adoro em ti ,Não é a tua graça musical Sucessiva e renovada a cada momento Graça aérea como teu próprio momento Graça que perturba e que satisfaz
O que eu adoro em ti ...Não é a mãe que já perdi E nem meu pai ...O que eu adoro em tua natureza Não é o profundo instinto matinal Em teu flanco aberto como uma ferida Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que adoro em ti lastima-me e consola-me: O que eu adoro em ti é A VIDA!
CANÇÃO DE OUTONO Mario Quintana
O outono toca realejo No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma, Sob a vidraça descida...
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo? Um gozo incerto e dorido de carícia a contrapelo...
Partir, ó alma, que dizes?
Colhe as horas, em suma... mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte alguma!
A BAILARINA
Cecília Meireles
Esta menina tão pequenina
quer ser bailarina.
Não conhece nem dó nem ré mas sabe ficar na ponta do pé.
Não conhece nem mi nem fá
mas inclina o corpo para cá e para lá.
Não conhece nem lá nem si, mas fecha os ohos e sorri.
Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.
Põe no cabelo uma estrela e um véu e diz que caiu do céu.
Esta menina
tão pequenina quer ser bailarina.
Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.
A UM POETA
Olavo Bilac
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima , e sofre, e sua!
Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço: e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego
Não se mostre na fábrica o suplicio
Do mestre. E natural, o efeito agrade
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
CORAÇÃO NUMEROSO
Carlos Drumond de Andrade
Foi no Rio. Eu passava na Avenida quase meia-noite. Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis. Havia a promessa do mar e bondes tilintavam,abafando o calor que soprava no vento e o vento vinha de Minas. Meus paralíticos sonhos desgosto de viver (a vida para mim é vontade de morrer) faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente na Galeria Cruzeiro quente quente e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro, nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso. Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas autos abertos correndo caminho do mar voluptuosidade errante do calor mil presentes da vida aos homens indiferentes, que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. O mar batia em meu peito, já não batia no cais. A rua acabou, quede as árvores?
a cidade sou eu a cidade sou eu sou eu a cidade meu amor.
SONETO DE ANIVERSÁRIO
Vinicius de Morais
Passem-se dias, horas, meses, anos Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida Entre compensações e desenganos.
Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.
Queira-se antes ventura que aventura À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.
E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura Que vê envelhecer e não envelhece
AOS AFETOS E LÁGRIMAS
DERRAMADAS NA AUSÊNCIA DA
DAMA A QUEM QUERIA BEM
Gregório de Mattos
Ardor em firme coração nascido; Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado; Rio de neve em fogo convertido:
Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado; Quando fogo, em cristais aprisionado; Quando cristal, em chamas derretido.
Se és fogo, como passas brandamente, Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!
Pois para temperar a tirania, Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.
SONETO DA SEPARAÇÃO
Vinicius de Morais
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
AMOR E MEDO Affonso Romano de Sant’ Anna
Estou te amando e não percebo,
Porque, certo, tenho medo.
Estou te amando tanto
que nem a mim mesmo
Revelo este segredo
AMOR E ÓDIO Affonso Romano de Sant’Anna
Amor, te odeio,pelo que me fazes sofrer
te odeio porque não paro de te querer,
te odeio porque sofro, e, vivo, morro,
te odeio porque em ti naufrago
quando era de ti que tinha que vir
o meu socorro.
ALEM DO ENTENDIMENTO
Afonso Romano de Sant’ Anna
A essa altura
Há coisas
Que (ainda)
Não entendo.
Por exemplo:
O amor. Faz tempo
Que diante dele
Me desoriento.
O amor é intempestivo.
Eu sou lento
Quando ele sopra
- estatelado- mais pareço
um cata-vento
UM SONHO Oliver Hossepian
Será que o homem, orgulhoso HOMO SAPIENS
Teria uma alma? Algo, dado por um Criador, Que lhe garantisse a transcendência, algo...
Que assegurasse a sobrevivência da sua vaidade ...Que não o deixasse reduzido a cinzas calcárias...Esquecido na memória dos tempos?
Se assim ouso crer, por que não acreditar também na alma dos animais? Daqueles cães, gatos...bichinhos que alegraram nossa vida? Que viveram a nosso lado? Que entenderam mudamente nossos sentimentos, Angústias, dores, alegrias, desapontamentos?
Por que teria aquele Criador discriminado a animália?
Pensei nisso tudo quando um dia destes tive um sonho!
Justamente eu que raramente sonho!
Se às vezes tenho sonhos, nunca me lembro; aliás...deles não faço a menor questão e por isso não dou nenhum trabalho a Freud, de ter de interpretá-lo
Prefiro, aliás, sonhar acordado...é melhor...Inverte-se o processo: escolhe-se a interpretação preferida a partir daí...fabrica-se o sonho!
Nesse sonho visitou-me uma cachorrinha, que me recebeu
Alegre, balançando o rabo...como fazia a Pituca.Lembro-me até de ter passado a mão em seu pêlo...
Que era como o dela: macio e dourado!Atribui o sonho apenas a uma lembrança de saudade...que dela ainda resta muita.
No dia seguinte, uma circunstância fortuita me fez olhar
Para calendário: era o dia 31 de março...O sonho ocorrera na véspera...
No dia do aniversário de sua morte!
Teria sido a sua alma, a que visitou meu sonho?
A MESA João Cabral de Mello Neto
O jornal dobrado
sobre a mesa simples,
a toalha limpa,
a louça branca
é fresca como o pão.
A laranja verde:
Tua paisagem sempre,
Teu ar livre, sol
De tuas praias; clara
é fresca como pão.
A faca que aparou
Teu lápis gasto;
Teu primeiro livro
Cuja capa é branca
é fresca como pão.
A CHAMA
Oliver Hossepian
Há trinta e sete anos, esposa,
Acendeu-nos uma chama...
Que foi e é a chama de amor!
É de um amor tranqüilo, doce,
Consentindo, construtivo,e afetivo...
Chama, portanto, que não apaga!
Essa és tu, minha companheira e
Nosso amor é essa chama; ela...
Não é labareda mas... que nunca
Se apaga nem bruxoleia;
É ela a chama que...
Alimenta a nossa vida, que...
Envolve nossos filhos, que...
Tem dado a nossas almas
a certeza de seguirmos juntos
O nosso destino! Minha querida Ná!
AMOR MAIS QUE IMPERFEITO Thiago de Mello
Não do amor. De mim duvido
Do jeito mais que imperfeito
Que ainda tenho de amar.
Com freqüência reconheço
A minha mão escondida
Dentro da mão que recebe A rosa de amor que dou.
Espiando o meu próprio olhar,
Escondido atrás estou
Dos olhos com que me vês.
Comigo mesmo reparto
O que pretende ser dádiva,
Mas de mim não se desprende.
Por mais que me prolongue
No ser que me reparte,
De repente me sinto
O dono da alegria,
Que estremece a pele
E faz nascer luas
No corpo que abraço
Não do amor. De mim duvido
Quando no centro mais claro
Da ternura que te invento
Engasgo um gosto de preço.
Mesmo sabendo que o prêmio
Do amor é apenas amar.
MILAGRE QUE DÓI Thiago de Mello
De que me vale a mordida
Inútil da indignação
Perante a fome que fere
A vida na multidão
De deserdados do mundo?
De que me vale a palavra
Queimando no coração
Que há tempo se ergue em clamor
Contra o que mancha a beleza
E degrada a dignidade
De um homem que é meu irmão?
São oitocentos milhões,
Estatística sinistra,
No mundo inteiro, que vivem
Sem saber o gosto do pão.
Porque mais perto de mim me queima o fogo da fome das crianças barrigudinhas de amebas,magras, banguelas e contudo vivem, nadam
e brincam.
Só de milagre da verde mão da floresta.
A CRUZ Fagundes Varella
Estrelas
Singelas
Luzeiros
Fagueiros
Esplêndidos orbes, que o mundo aclarais!
Desertos e mares, - florestas vivazes!
Montanhas audazes que o céus topetais!
Abismos
Profundos
Cavernas
Externas!
Extensos,
Imensos
Espaços
Azuis!
Altares e tronos,
Humildes e sábios, soberbos e grandes!Dobrai-vos ao vulto sublime da cruz!Só ela nos mostra da glória o caminho,Só ela nos fala das leis de
Jesus
POEMA PIAL Fernando Pessoa
Toda a gente que tem as mãos frias
Deve metê-las dentro das pias.
Pia número UM
Para quem mexe as orelhas em jejum.
Pia número DOIS
Para quem bebe bife de bois.
Pia número TRÊS
Para quem espirra só meia vez
Pia número QUATRO
Para quem manda as ventas ao teatro
Pia número CINCO
Pra quem come a chave do trinco
Pia número SEIS
Para quem se penteia com bolos-reis
Pia número SETE
Para quem canta até que o telhado se derrete.
Pia número OITO
Para quem parte nozes quando é afoito.
Pia número NOVE
Para quem se parece com uma couve
Pia número DEZ
Para quem cola selo nas unhas dos pés.
E, como as mãos já não estão frias, Tampa nas pias!
HAVIA UM MENINO
Fernando Pessoa
Havia um menino,
Que tinha um chapéu
Para por na cabeça
Por causa do sol.
Em vez de um gatinho
Tinha um caracol.
Tinha o caracol
Dentro de um chapéu.
Fazia-lhe cócegas
No alto da cabeça.
Por isso ele andava
Depressa, depressa
Para ver se chegava
A casa e tirava
O tal cacacol
Do chapéu, saindo
De lá e caindo
O tal caracol.
Mas era, afinal,
Impossível tal,
Nem fazia mal
Nem vê-lo, nem tê-lo:
Porque o caracol
Era o seu cabelo.
HIATO Manuel Bandeira
És na minha vida como um luminoso
Poema que se lê comovidamente
Entre sorrisos e lágrimas de gozo...
A cada imagem, outra alma, outro ente
Parece entrar em nós e manso enlaçar
A velha alma arruinada e doente...
-Um poema luminoso como o mar,
Aberto em sorrisos de espuma, onde as velas
Fogem como garças longínquas no ar...
PEDIDO Gonçalves Dias
Ontem no baile
Não me atendias!
Não me atendias,
Quando eu falava
De mim bem longe
Teu pensamento!
Teu pensamento,
Bem longe errava.
Eu vi teus olhos
Sobre outros olhos!
Sobre outros olhos,
Que eu odiava.
Tu lhe sorriste
Com tal sorriso!
Com tal sorriso,
Que apunhalava.
Tu lhe falaste
Com voz tão doce!
Com voz tão doce,
Que me matava.
Oh! Não lhe fales,
Não lhe sorrias,
Se então só querias
Experimentar-me
Oh! Não lhe fales,
Não lhe sorrias,
Não lhe sorrias,
Que era matar-me.
MOSTRA CULTURAL
EMEF EDSON RODRIGUES
2010
VARAL DE POESIAS
SALA DE LEITURA
CECÍLIA MEIRELES
POESIAS, DO ACERVO, SELECIONADAS PELOS ALUNOS DO CICLO I E CICLO II
DESTA UNIDADE ESCOLAR NAS AULAS DA SALA DE LEITURA, QUE TIVERAM O ENFOQUE DO GÊNERO LITERÁRIO:
POEMAS E POESIAS
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