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Universidade Federal do Cear
Faculdade de Educao - FACED
Programa de Ps-Graduao
Doutorado em Educao Brasileira
ANLISE DO NVEL DE RACIOCNIO MATEMTICO E DA
CONCEITUALIZAO DE CONTEDOS ARITMTICOS E
ALGBRICOS NO ENSINO FUNDAMENTAL - Consideraes Acerca de
Alunos do Sistema Telensino Cearense
MARCILIA CHAGAS BARRETO
Fortaleza - 2002
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MARCILIA CHAGAS BARRETO
Universidade Federal do Cear
Faculdade de Educao
Doutorado em Educao Brasileira
ANALISE DO NVEL DE RACIOCNIO MATEMTICO E DA CONCEITUALIZAO
DE CONTEDOS ARITMTICOS E ALGBRICOS NO ENSINO FUNDAMENTAL -
Consideraes Acerca de Alunos do Sistema Telensino Cearense
Tese apresentada ao Programa de Doutorado em Educao Brasileira, da
Universidade Federal do Cear, como requisito parcial obteno do ttulo de Doutor, sob orientao do
Prof. Dr. Hermnio Borges Neto.
Fortaleza - 2002
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ANLISE DO NVEL DE RACIOCNIO MATEMTICO E DA
CONCEITUALIZAO DE CONTEDOS ARITMTICOS E
ALGBRICOS NO ENSINO FUNDAMENTAL - Consideraes Acerca de
Alunos do Sistema Telensino Cearense
Tese aprovada em 26 de abril de 2002
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Hermnio Borges Neto
Orientador
Prof. Dr. John Fossa
Profa. Dra. Maria Gilvanise de Oliveira Pontes
Profa. Dra. Rita Vieira de Figueiredo
Prof Dr. Idevaldo da Silva Bodio
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DEDICATRIA
Dedico este trabalho memria de duas pessoas que, por motivos dspares, me foram
absolutamente fundamentais.
A Nicanor Barreto, meu eterno incentivador, com quem,
pela primeira vez, no poderei contar, neste momento
de concluso de um trabalho acadmico.
A Teresa Haguette, professora que, com seu modo peculiar,
me estimulou a retornar ao mundo da produo acadmica,
e cuja falta ainda se faz sentir, mesmo
decorridos tantos anos.
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AGRADECIMENTOS
Costuma-se dizer, nos meios acadmicos, que a tarefa de elaborao de uma tese um
trabalho solitrio. Obedecendo a esse princpio, segui o meu caminho, admitindo o meu quase
isolamento. Ao chegar ao final da empreitada que pude perceber que o trabalho s se tornou
possvel graas interferncia e colaborao de inmeras pessoas.
Quisera tivesse eu sempre tido a conscincia de que isso era uma indiscutvel verdade.
As angstias caractersticas da produo acadmica certamente teriam sido mais amenas.
Dentre essas tantas pessoas fundamentais, indispensvel destacar:
O professor Hermnio Borges Neto, orientador e amigo, figura indispensvel,
principalmente, na superao das dificuldades apresentadas pelas questes relativas ao
ensino/aprendizagem da Matemtica,
A professora Rita Vieira de Figueiredo que, alm de toda a lio de vida que passa a
quem com ela tem o prazer de conviver, ao assumir temporariamente a orientao deste
trabalho, fez as primeiras definies metodolgicas;
O professor Idevaldo Bodio, que trouxe consideraes e crticas fundamentais e,
sobretudo, apoio humano;
O Professor Alex Sandro Gomes, por suas contribuies em definies tericas,
metodolgicas, e at mesmo no trato dos recursos de informtica para anlise de dados,
contribuies essas que findaram por incorporarem-se a este trabalho.
As professoras Maria Jos Souza e Isabel Maria Albuquerque, contemporneas de ps-
graduao, de quem recebi apoio e colaboraes freqentes, e com quem travei discusses
imensamente produtivas,
A professora Euterpe Barreto Rosa de Sousa que, nas minhas falhas no domnio do
"idioma universal", nunca me negou sua colaborao.
O Medeiros, a Mariana e o Rafael, grupo responsvel por me prover de grande parcela
de paz, equilbrio e apoio afetivo, indispensveis para a produo deste trabalho.
Os professores e alunos do Telensino, que aqui no sero citados nominalmente,
devido a pedidos pessoais de no identificao. Mesmo deixando-os annimos, a eles que eu
devo toda a percepo que hoje tenho do Telensino.
Como bem se v, eu nunca estive sozinha. A todos, o meu reconhecimento e o meu
mais sincero agradecimento.
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RESUMO
Este estudo investigou o nvel do raciocnio matemtico e da conceitualizao de
estruturas aditivas e algbricas em telealunos da 8 srie, dadas as condies scio-histricas
que esto postas no mbito do sistema Telensino. Definiram-se as linhas mestras da pesquisa
a partir da Teoria da Atividade, para a qual s possvel ocorrer, efetivamente, o processo de
aprendizagem, a partir da atividade do sujeito aprendente mediada pelo outro, atravs de
quem ser possvel apreender padres de insero no real, e pela manipulao dos objetos da
cultura, construdos cultural e historicamente. Assim sendo, para captarem-se os elementos do
processo de aprendizagem dos alunos do Telensino, fez-se necessrio compreender o
desenvolvimento da atividade em suas salas de aula, avaliando-se os sujeitos responsveis
pela mediao social e os livros didticos - os Manuais de Apoio - atravs dos quais ocorre a
mediao dos instrumentos. Para abranger todos estes aspectos, adotaram-se diferentes passos
.metodolgicos: para a sala de aula, adotou-se a observao direta; com os alunos, foi usada a
entrevista semi-diretiva, o teste de domnios conceituais matemticos, alm de testes de
desenvolvimento de raciocnio matemtico; j os Manuais de Apoio foram analisados
segundo o cumprimento das exigncias do MEC, bem como com relao sua abordagem dos
conceitos de estruturas aditivas e conceitos algbricos. Constatou-se que os alunos tm um
nvel de desenvolvimento do raciocnio matemtico aqum do que se deve esperar de alunos
da 8a srie, ficando, normalmente, no primeiro dos quatro estgios de desenvolvimento do
raciocnio matemtico definidos por Johannot, apresentando centrao e deficincia na
capacidade de simbolizar. Com relao aos conceitos aritmticos e algbricos, os alunos ainda
tm pronunciados problemas nas estruturas aditivas, alm de apresentarem uma incipiente
compreenso do que representam as expresses e problemas algbricos. Tais lacunas
conceituais foram encaradas como reforadas por caractersticas prprias ao Telensino: a
presena, em sala de aula, de um professor leigo, do qual no se exige sequer a graduao em
Matemtica; a utilizao de Manuais que colocam o aluno em posio passiva e que
fragmentam o contedo, para adapt-lo s emisses televisivas atravs das quais este chega
sala de aula; a impossibilidade de se considerar o nvel de domnio conceituai de cada
sala/aluno, antes de se definirem os desafios subsequentes, visto estarem todos submetidos a
uma emisso nica para todo o Cear. Acredita-se que a adoo do Telensino, como
modalidade utilizada para universalizar o Ensino Fundamental, prejudicou a criao de uma
poltica de qualificao de pessoal docente que fizesse frente s necessidades efetivas dos
adolescentes da escola pblica cearense.
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This study examined the level of mathematical reasoning and conceptualization of
addition and algebraic structures in 8th grade tele-students, in view of the social and historical
conditions prevailing in the Telensino system. The guidelines of the research were defined
with a basis on the Theory of Activity, according to which the process of learning can only
effectively occur departing from the activity of the learning subject mediated by another,
through whom it is possible to apprehend patterns of insertion into reality, and through
historically and culturally constructed objects of culture. Thus, in order to understand the
elements of the learning process of the Telensino students it was necessary to examine the
development of activity within the classroom, assessing both the subjects responsible for the
social mediation and the textbooks - the Manuais de Apoio - through which the mediation of
instruments takes place. In order to encompass all these aspects, different methodological
steps were adopted: for classroom activity, the methodology was direct observation, for the
students, semi-directed interviews and tests of mathematical conceptual domain, as well as
tests of mathematical reasoning, were employed; as for the textbooks, these were analyzed
against the background of MEC requirements and with reference to their approach to the
concepts of addition structures and algebraic concepts. The study indicated that the students
present a level of mathematical reasoning beiow expectations for 8th grade students: in
general, they rank in the first of the four stages of mathematical reasoning development, as
defined by Johannot, displaying a tendency to centralization and difficulty in symbolizing. As
concerns mathematical and algebraic concepts, students demonstrate serious problems with
addition structures, besides a very limited understanding of algebraic expressions and
problems. These deficiencies were regarded as being reinforced by characteristics which are
peculiar to Telensino: the presence, in the classroom, of a lay teacher, who is not required to
be even a Mathematics graduate, the use of the Manuais de Apoio that reduce the student to a
passive attitude and fragment the contents in order to fit the broadcasting system that brings
them into the classroom, the impossibility of taking into consideration the conceptual domain
of either student or class, prior to defining further challenges, since the broadcasting is unified
for the whole of Cear. It seems clear that the adoption of Telensino as a means to
universalize the Ensino Fundamental has hindered the establishment of a personnel-qualifying
policy to face the real needs of adolescents attending public schools in Ceara.
ABSTRACT
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SUMRIO
INTRODUO Il
TELENSINO E EDUCAO DISTNCIA, UMA RELAO CONTROVERTIDA 18
EDUCAO DISTNCIA 19
Traos de Sua Evoluo 19
Caracterizao da Educao Distncia 22
A Produo do Material Didtico 26
Consideraes 29
O TELENSINO 30
O Sistema em sua Origem: 1974-1994 30
Algumas Consideraes 37
Tempos de Universalizao: 1994 - 1998 38
Algumas Consideraes 44
O Redimensionamento: a partir de 1999 45
Algumas consideraes: 47
Consideraes Globais 48
REVISITANDO CONCEPES DE APRENDIZAGEM MATEMTICA 51
POR QUE APRENDER MATEMTICA? 52
A MATEMTICA ESCOLAR E A FORMAO DO ESTUDANTE 57
ALGUMAS ALTERNATIVAS PARA A EDUCAO MATEMTICA 61
CONSIDERAES GLOBAIS 67
PROBLEMTICA. '. 68
BASES TERICAS 71
TEORIA DA ATIVIDADE 71
METODOLOGIA 82
DEFINIO DO AMBIENTE 85
DEFINIO DOS SUJEITOS 87
PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS 89
PROCEDIMENTOS DE ANLISE DOS DADOS 94
O SOFTWARE PARA ANLISE QUALITATIVA 94
ANALISE DAS ENTREVISTAS 96
ANLISE DAS OBSERVAES DA SALA DE AULA 97
ANLISE DOS MATERIAIS 97
ANLISE DA PROPOSTA DO TELENSINO 98
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ANLISE DOS DADOS 99
NIVEL DE RACIOCNIO E CONCEITULIZAO ARITMTICA E ALGBRICA DOS
SUJEITOS DO TELENSINO 99
Nveis de Desenvolvimento cio Raciocnio Matemtico 101
Anlise do Nvel de Raciocnio Matemtico dos Telealunos 109
Problema 01 109
Problema 02 116
Problema 03 117
Problema 04 119
Algumas Consideraes 121
Conceitualizao das Estruturas Aditivas 123
Anlise da Apreenso de Conceitos das Estruturas Aditivas : Problema de Johanuot 129
Situao 129
Invariantes 130
Sistemas de Representaes 132
Algumas consideraes 134
Conceitualizao de Estruturas Algbricas. 135
Anlise da Apreenso de Conceitos de Estruturas Algbricas: Contedos Explorados em Sala de Aula 141
Construo de Significados/Dominio de Habilidades Tcnicas pelos Telealunos 142
Queslo 0l 142
Questo 02 Questo 03 145
Questo 04 151
Abordagem de Problemas Contextualizados 151
Algumas Consideraes '. 155
Consideraes Globais 156
INSTRUMENTOS UTILIZADOS NA MEDIAO DA APRENDIZAGEM MATEMTICA... 159
Qualidade Intrnseca do Livro Didtico 159
Uma Breve Descrio da Obra 161
Detalhamento da Obra 162
Contedos e Aspectos Terico-Metodoigicos 162
Algumas Consideraes 166
Aspectos Pedaggico-Melodolgicos 166
.Algumas Consideraes 171
Estrutura Editorial 171
Aspectos Visuais 173
Algumas Consideraes 175
Anlise da Abordagem de conceitos pelo Livro Didtico 176
Anlise da elaborao dos conceitos de estruturas aditivas 177
O Manual de Apoio da 5 srie 17S
As situaes 179
As representaes 182
As Regras 183
Algumas Consideraes 189
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O Manual de Apoio da 8 srie 189
Algumas Consideraes 191
Anlise da Elaborao dos Conceitos Algbricos 192
O Manual de Apoio da 6 Srie 193
Algumas Consideraes 203
O Manual de Apoio da 8 Srie 205
Algumas Consideraes 211
Consideraes Globais 212
ANLISE DA ATIVIDADE NA SALA DE AULA DE MATEMTICA DO TELENSINO 214
As Atividades na Primeira Etapa 216
As Atividades na Segunda Etapa 234
As Atividades na Terceira Etapa 251
Consideraes Globais 269
CONCLUSES 273
BIBLIOGRAFIA 287
ANEXO 1 294
ANEXO 2 295
ANEXO 3 296
ANEXO 4 300
ANEXO 5 301
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Na atualidade, quando se enfoca a necessidade de se resolverem as questes
educacionais para grandes contingentes da populao, vem freqentemente tona a discusso
do uso de recursos de educao distncia. As instituies educativas, que outrora contavam
apenas com o contato direto entre professor e alunos como estratgia exclusiva de educao,
dispem, j h algum tempo, de diversos meios de comunicao como aliados.
Foi seguindo essa lgica e atendendo necessidade de fazer chegar a educao aos
pontos mais distantes do Estado que, no incio dos anos 70, nasceu no Estado do Cear uma
experincia de educao distncia que utilizava como meio fundamental a televiso. Era
uma iniciativa que trazia consigo uma especificidade que a distinguia da grande maioria dos
experimentos, pois visava o atendimento do pblico infanto-juvenil. Nascia o Telensino.
O Telensino surgiu com o objetivo de atender ao pblico de 5 a 8 sries do Ensino
Fundamental, em idade de escolaridade regular, isto , nasceu sem o carter supletivo dado a
tantas outras iniciativas nacionais. Objetivava-se, ainda, possibilitar o acesso educao
populao daquele nvel escolar que residisse em localidades distantes, nas quais no
houvesse pessoal qualificado para ministrar aulas nas sries terminais do Ensino Fundamental.
O trabalho era desenvolvido pela TVE-Ce, e caracterizava-se, basicamente, por sua
dimenso restrita, atendendo ao pblico - professores e alunos - que se mostrasse interessado
em participar desta modalidade de ensino. Iniciado em 1974, o trabalho foi-se desenvolvendo
durante quase duas dcadas, mantendo este carter de ser uma opo a mais posta disposio
da clientela. Mesmo assim, o seu crescimento foi significativo em termos de atendimento1.
O ano de 1993 foi um marco na expanso do Telensino, visto que ali se decidiu pela
sua adoo como estratgia de universalizao do Ensino Fundamental. O que fora, at ento,
uma opo disposio da clientela, passava a ser o nico e obrigatrio caminho a ser
seguido por todos da escola pblica que cursassem as sries terminais deste nvel de ensino.
J a partir do ano de 1994, essa determinao poltica alterou de forma profunda o
funcionamento da televiso educativa e, principalmente, a vida dentro da escola. A TVC,
nova denominao dada TVE-Ce, que atendia a uma clientela diminuta, passou a encampar
a responsabilidade de ampliar a produo e distribuio do material, visando atender a todos
INTRODUO
Uma amostra dos dados demonstra o crescimento da matricula, mesmo no perodo em que a adeso ao
Telensino era voluntria: 1974 - 4139 alunos; 1979 - 15.672 alunos; 1983 - 28.263 alunos; 1988 - 39.911
alunos. (Funtelc 1993b)
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os alunos das quatro sries finais do Ensino Fundamental nas escolas pblicas do Estado. As
escolas, alunos e professores viram sua rotina alterar-se abruptamente: em primeiro lugar,
pelo surgimento da televiso como veculo transmissor do saber; depois, pela substituio do
professor pelo Orientador de Aprendizagem, como dinamizador de todas as matrias
lecionadas/estudadas em sala de aula. Afirmava-se que o Orientador de Aprendizagem no
necessitava ter domnio dos contedos2, mas apenas ser um bom dinamizador. Todas estas
alteraes ocorreram revelia de professores, alunos e pais de alunos.
A discusso acerca do Telensino chegou sociedade apenas aps a sua efetivao
como modalidade nica a ser seguida nas escolas estaduais. Argumentava-se, poca, que tal
medida reduziria os custos com a educao, pois o sistema necessitaria de um nmero menor
de professores, o que poderia implicar em melhores salrios. Alm disso, uma educao de
qualidade poderia chegar aos lugares mais inacessveis e desprovidos de pessoal qualificado
no Estado. Discutia-se, ainda, a presena irreversvel da educao distancia, frente s
imensas demandas educacionais que no podiam ser satisfeitas pelas modalidades tradicionais
de ensino. A deciso gerou protestos, principalmente da parte do sindicato dos professores,
que afirmava que o modelo desempregaria o professor, reduziria seu poder de barganha junto
ao Estado empregador, e degradaria a prpria educao.
Essa discusso era conduzida, de forma assistemtica, em diversos pontos onde se
debatessem questes educacionais, inclusive nas salas de aula da Universidade Estadual do
Cear, onde trabalho. Na qualidade de professora das licenciaturas, tendo como oficio bsico
a formao de professores, acompanhava de perto a discusso dos problemas gerados em
trno do trabalho docente relativo s sries terminais do Ensino Fundamental, isto , de 5 a 8
sries. Tal discusso era mediada pela presena, em sala, de alunos que ocupavam funes
docentes nas referidas sries. Para a grande maioria deles, estava-se criando um problema
extra para o trabalho do professor no Cear: como fazer com que pessoas com habilitao em
licenciaturas especficas passassem a ocupar-se, com eficincia, de todas as reas que
compem o currculo escolar? A inquietao com os problemas relativos ao Telensino foi o
grmen de onde surgiu a definio da temtica que, anos mais tarde, viria a compor esta tese
de doutorado.
Se era possvel sentir inquietaes em grupos isolados, a discusso sistemtica acerca
Ao OA - Orientador de Aprendizagem - sempre foi colocado o papel de orientador e dinamizador da
aprendizagem dos telealunos, excluindo-se de suas funes o domnio dos contedos especficos das disciplinas
que passou a ministrar. Ver detalhes a respeito de atribuies no manual da FUNTELC (1995; mdulo III; 10).
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do Telensino, entretanto, sempre me pareceu banida do mbito universitrio. Ali se discutiam
a creche, o ensino fundamental de l a 4 sries, o ensino superior, o mdio, e at mesmo o
supletivo. O Telensino, no entanto, ficava como que margem, como se fora uma experincia
de menor importncia. Na qualidade de professora da Universidade Estadual do Cear -
UECE - sentia que a instituio, em nenhum momento, debruava-se sobre o problema. Havia
um silncio que dizia sempre que todos, ou, na melhor das hipteses, a maioria, discordavam
do que havia acontecido com o ensino pblico de 5 a 8 sries, no Estado. Tal questo,
entretanto, deveria ser, a meu ver, de suma importncia, principalmente para a UECE, visto
ser ela uma instituio basicamente destinada a formar licenciados3 - profissionais que, em
sua maioria, iriam atuar como docentes, justamente nas sries agora afetadas pelo Telensino.
Por um lado, se o Telensino fosse uma modalidade de ensino considerada vlida, caberia
Universidade uma pergunta; por que continuar a formar professores licenciados em reas
especficas, se eles iriam atuar como professores polivalentes? Por outro lado, se o Telensino
e sua prtica polivalente fossem considerados insatisfatrios, por que a Universidade deveria
se omitir, deixando que esta prtica se esgotasse por si s, sem nenhum momento de
avaliao, como costumeiro nas questes de inovao da educao neste nosso pas? Estas
questes, que me pareciam a base para a busca de uma coerncia minima, no circulavam
dentro da Universidade, no eram discutidas nos cursos de licenciatura.
Fora da UECE, no me parecia que outras universidades tivessem uma postura
diferente. Em encontros educacionais, ouviam-se afirmaes como "eu tenho as minhas
certezas a respeito do Telensino". De certeza em certeza, o Telensino continuou seu rumo
com poucas anlises acerca de sua atuao, mesmo levando-se em considerao que
apresentava caractersticas bastante originais.
J decidida pelo estudo do Telensino, ouvi algumas objees acerca da inteno de
produzir um trabalho sobre o tema, quando me indagavam se j no havia muitos trabalhos
escritos a este respeito. E no entanto, nos ltimos anos, os trabalhos elaborados no chegam a
uma dezena.
Todas estas questes conduziram concluso de que no estava bem claro que, no
Cear, falar de Telensino no apenas falar de uma modalidade especfica de ensino, mas
tratar da concluso do Ensino Fundamental. analisar a estratgia pela qual o governo
A UECE conta com licenciaturas de histria, geografia, letras, filosofia, cincias sociais, enfermagem,
Matemtica, fsica, qumica, cincias e pedagogia. Os cursos de bacharelado so apenas: administrao, cincias
contbeis, servio social, computao e veterinria.
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estadual optou para fazer cumprir o dispositivo constitucional de universalizao do Ensino
Fundamental. E entender como isto est se dando, que vantagens ou prejuzos podem estar
sendo trazidos para a aprendizagem de toda uma gerao de jovens cearenses. Foi por
conceber o Telensino desta forma que se fez a opo pela temtica deste trabalho.
Entender as condies de aprendizagem colocadas pelo Telensino exigiu a delimitao
de uma rea de conhecimento especfica. A escolha foi feita pela Matemtica, por trs
motivos interligados: sobre a Matemtica repousa o estigma de ser uma matria que causa
muitas dificuldades no mbito escolar; nela que o desempenho dos alunos se mostra mais
fraco, como se pode ver, por exemplo, nas avaliaes feitas pelo SAEB/SPAECE; e
finalmente, a ela que se dedica o maior tempo pedaggico no Telensino.
A ferramenta bsica utilizada para a delimitao dos aspectos a privilegiar, quando da
anlise das condies oferecidas aos telealunos para a aprendizagem da Matemtica no
Telensino, foi a definio do quadro terico. Tal definio recaiu sobre a Teoria da Atividade
de Leont'ev, que elege a mediao como categoria bsica de anlise. Para Leont'ev, a
mediao ocorre com a insero da atividade como elo intermedirio que ocupa o papel de
conectar o sujeito e o objeto da aprendizagem. A mediao considerada em duas formas
bsicas: a mediao social e a mediao instrumental.
Definidos esses elementos, os componentes da pesquisa foram se evidenciando.
Tornou-se clara a necessidade de analisar os principais atores participantes da mediao
pedaggica - os alunos - no que dizia respeito ao domnio da Matemtica, alm dos
instrumentos pedaggicos utilizados para tal fim. Por outro lado, fez-se indispensvel analisar
as condies em que se gestavam as atividades necessrias para a aprendizagem da
Matemtica, a partir de mediaes dos sujeitos e dos instrumentos disponveis. Por
imposies de delimitao do trabalho, as anlises limitaram-se ltima srie do Telensino,
isto , 8a srie do Ensino Fundamental. Tais opes resultaram na estruturao do trabalho,
da forma como se passa a expor:
O primeiro captulo versa sobre a concepo atual de educao distncia, enfatizando
a questo da interatividade, tanto com o centro produtor da informao, como entre os
prprios participantes do processo de ensino aprendizagem. Busca, assim, evidenciar as
caractersticas existentes no Telensino que o aproximam e o distanciam de tal modalidade de
ensino. A necessidade da elaborao deste captulo deveu-se ao fato de que o Telensino foi,
em um primeiro momento, considerado como experincia em educao distncia e, com o
decorrer dos anos, passou a ser visto como educao presencial. Demonstrar que o Telensino
guarda traos que, ainda hoje, podem caracteriz-lo como ensino distncia, foi o objetivo
-
No terceiro captulo, discutiu-se a Teoria da Atividade, que constituiu, como j se
afirmou, a base terica que fundamentou a presente pesquisa. Foram enfocados, em primeiro
lugar, a Atividade como elemento mediador do processo de aprendizagem; em seguida, as
principais formas de mediao - social e de instrumentos - e, finalmente, os trs nveis
hierrquicos em que a Atividade pode ser analisada - o da prpria atividade, o das aes e o
das operaes. Tais categorias so definidas por Leonf'ev: a atividade consiste em "processos
que, realizando as relaes do homem com o mundo, satisfazem uma necessidade especial
correspondente a ele" (Leonf'ev, 1994b; 68); a ao "um processo (...) subordinado idia
de conseguir um resultado, isto , quando subordinado a um objetivo consciente" (Leont'ev,
1994; 199); as operaes so "meios atravs dos quais uma ao realizada" (idem; 201). A
anlise de cada um destes nveis no pode se dar isoladamente, sob pena de no se conseguir
perceber os motivos que levam os indivduos a agirem da forma como o fazem.
No quarto captulo, explicitou-se a metodologia adotada para executar a pesquisa,
principalmente em sua parcela de trabalho de campo. Optou-se por elaborar um captulo
destacado acerca da metodologia, devido variedade de procedimentos e s opes
metodolgicas que foram realizadas no decorrer do trabalho. Uma discusso acerca da
etnometodologia abriu as consideraes, seguindo a concepo de Lave (1988), de acordo
com a qual a etnometodologia a metodologia que melhor se adequa captao dos dados
necessrios a uma interpretao histrico-cultural. Foram detalhados as diversas opes
realizadas, os procedimentos adotados, bem como a justificativa para esses procedimentos.
A unidade especfica de anlise de dados iniciou-se com o quinto captulo, onde foram
analisados os nveis de raciocnio matemtico de alunos da 8a srie do Telensino, bem como o
deste captulo. Buscou-se demonstrar que o sistema guarda dentro de si uma forte
ambigidade, que consiste, basicamente, no fato de que, mesmo desejando ser considerado
ensino presencial, mantm como fonte reconhecida do saber o professor autor, aquele que
idealizou as teleaulas, e que no se encontra fisicamente dentro da sala de aula, fazendo-se
presente apenas atravs da mensagem televisiva.
No segundo captulo, teceram-se consideraes acerca de diferentes formas de se
perceber a importncia da Matemtica, tanto como cincia, como na qualidade de disciplina
escolar. Essa discusso visou destacar a importncia da disciplina eleita como foco da anlise
da aprendizagem realizada no Telensino. Encontra-se em comunho com a afirmao de
Fossa (1998; 11), segundo a qual "a nossa concepo sobre o que Matemtica afetar a
maneira na qual a ensinaremos. Tambm afetar a maneira de fazer pesquisa em Educao
Matemtica".
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seu domnio conceituai aritmtico e algbrico. Para examinar as questes relativas aos nveis
de raciocnio, foi utilizado o referencial de Johannot, que percebe o desenvolvimento do
raciocnio matemtico hierarquizado em quatro estgios: I - soluo no plano concreto - no
qual se encontram os indivduos que, para resolver um problema matemtico, necessitam
voltar ao concreto, manipulando objetos; II - soluo no plano da representao grfica - que
congrega indivduos que conseguem entender a resoluo do problema, utilizando como apoio
o desenho; III - soluo no plano formal aritmtico - estgio em que os indivduos tm
necessidade de se servir de exemplos numricos, isto , quantificar as incgnitas para chegar
soluo desejada; IV - soluo no plano algbrico - onde h a modelizao dos dados, com
representao simblica das partes componentes do problema. Este trabalho avaliativo foi
feito nos moldes do mtodo clnico piagetiano, no qual o indivduo levado a responder
questes Matemticas, sendo depois inquirido sobre os motivos e procedimentos que o
levaram quele resultado.
O domnio conceituai aritmtico, considerando as operaes aditivas, foi analisado
com base em Vergnaud. Visto que, para Vergnaud (1986; 83/4), o conceito constitudo de
um trip de conjuntos - 'S ' , situaes; T, invariantes; 'Y', representaes - analisou-se, a
partir de problemas propostos especificamente para esse fim, que domnio tm os telealunos
de cada um desses conjuntos. J o domnio conceituai algbrico foi analisado com base em
Lins e Gimenez (1997), que propem, como elemento base para o efetivo domnio conceituai
da lgebra, o que eles denominam de "produo de significados". Tal produo de
significados depende fundamentalmente da enunciao, por parte do sujeito aprendente, de
crenas-afirmao e justificaes. O processo consiste em permitir que o aluno faa
afirmaes acerca dos problemas que lhe so propostos, estimulando-o a faz-lo de acordo
com o que ele acredita ser correto, para, logo em seguida, fazer as justificaes a partir de
elementos que o autorizam a pensar que pode enunciar aquela crena-afirmao. O que se
buscou mostrar foi a capacidade que o telealuno tem de construir afirmaes e fazer
justificaes a partir de exerccio proposto.
O sexto captulo consiste na anlise do instrumento pedaggico bsico utilizado como
mediador da aprendizagem - o Manual de Apoio. Numa primeira anlise, submeteu-se o
Manual ao mesmo julgamento procedido quando do Programa de Avaliao de Livros
Didticos promovido pelo Ministrio da Educao, para classificao dos livros disponveis
no mercado editorial nacional. Neste trabalho, buscou-se verificar em que aspectos tal
material traz consigo as caractersticas julgadas importantes pelo MEC, segundo as normas do
PNLD - Programa Nacional do Livro Didtico. Na segunda etapa de anlise a que foram
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submetidos os Manuais de Apoio, foi avaliada a abordagem dos conceitos envolvidos nas
estruturas aditivas e estruturas algbricas, conforme o que preconizam os autores j utilizados
no captulo anterior. Embora as anlises tenham priorizado sempre a 8a srie, neste momento,
no que diz respeito ao trato com as estruturas aditivas, foi tambm realizada a anlise do
Manual de Apoio da 5a srie, por ser a primeira srie em que os telealunos utilizam os
Manuais para explorar esse contedo. Com relao s estruturas algbricas, procedeu-se de
forma semelhante, analisando-se desta feita os Manuais relativos 6a srie, momento em que
os telealunos estavam sendo introduzidos no mundo da lgebra.
O stimo e ltimo captulo ganhou um cunho etnogrfico, pois como afirma Coulon
(1995a; 08), "a etnometodologia mostra que temos nossa disposio a possibilidade de
apreender de maneira adequada aquilo que fazemos para organizar a nossa experincia
social". A experincia social da qual se objetivou compreender as formas de organizao
foram as prprias aulas de Matemtica, como momento fundamental para a aprendizagem do
contedo da disciplina. Aceitando os princpios da Teoria da Atividade, segundo a qual a
aprendizagem somente ocorre a partir da atividade do sujeito, encarada como um elo
intermedirio que articula sujeito e objeto da aprendizagem, fez-se necessrio compreender o
processo de produo da atividade no mbito da sala de aula. Uma vez que a anlise da
atividade, segundo o prprio Leont'ev, no pode ser realizada em um bloco uno, ela foi
analisada nos trs nveis em que pode ser fracionada: o nvel das operaes, o das aes e o da
prpria atividade. Foram destacadas as operaes, aes e atividades, realizadas tanto por
alunos quanto por professores, durante o perodo reservado explorao do contedo
matemtico em sala de aula, visando possibilitar o detalhamento de aspectos especficos do
Telensino e das aes recprocas exercidas, tanto entre estes aspectos particulares como entre
eles e a totalidade, que conduzem ao resultado final - a aprendizagem dos alunos.
A estruturao do trabalho da forma como acaba de ser descrita visou evidenciar o
perfil do aluno entrevistado, em termos de seu domnio da Matemtica, frente s condies
que lhe so oferecidas pelo Telensino para faz-lo avanar em tal domnio. Como se ver, em
sua atual estruturao, as aulas de Matemtica vivenciadas no Telensino, se no podem ser
consideradas como causa primeira do baixo desempenho matemtico verificado nos alunos,
visto tratar-se de indivduos corn, no mnimo, oito anos de escolaridade, no podem tambm
ser classificadas como instrumentos de qualidade na superao das lacunas existentes.
Acredita-se que este trabalho caminha no sentido de contribuir para o preenchimento
da lacuna sentida desde o incio do funcionamento do Telensino, qual seja, a avaliao da
aprendizagem dos alunos, a partir do que lhes oferece o sistema.
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TELENSINO E EDUCAO DISTNCIA - UMA RELAO
CONTROVERTIDA
0 Ensino Fundamental de 5 a 8 sries, hoje ministrado nas escolas pblicas do
Estado do Cear, tem caractersticas exclusivamente cearenses. Em nenhum outro Estado da
Federao encontra-se uma experincia com as suas particularidades. De comum com o
ensino dos outros Estados, o Telensino cearense tem a organizao de escolas com salas de
aula regulares, onde crianas e jovens encontram-se agrupados por ciclos ou sries, e recebem
aulas das diversas reas do conhecimento, em horrios pr-fxados. Sua especificidade
comea quando, diferentemente do que ocorre nas demais localidades, o contedo escolar
chega sala de aula atravs de uma mensagem televisiva. Esta mensagem deve ser explorada
pelos alunos, contando com a coordenao de professores que no tm necessariamente
habilitao naquelas reas pelas quais so responsveis. So os PO - Professores
Orientadores de Aprendizagem - anteriormente denominados apenas OA - Orientadores de
Aprendizagem. O apoio didtico prestado, basicamente, atravs de materiais impressos
especificamente para este tipo de curso, que incluem os Manuais de Apoio - MA - e os
Cadernos de Atividades - CA. Aps a ltima reestruturao do Telensino, ocorrida em 1999,
foi permitida a utilizao de outros livros disponveis no comrcio editorial.
Essa configurao no algo pensado para suprir uma carncia passageira de
professores qualificados, muito comum em pequenos municpios do interior do Pas. Ela a
poltica de universalizao do Ensino Fundamental, que est sendo vivenciada em todo o
Estado, inclusive na capital - Fortaleza - local definido para a realizao da pesquisa de
campo que fundamenta este trabalho. Foi com esta poltica que o Estado buscou melhorar as
estatsticas de concluso e de aproveitamento do Ensino Fundamental no Cear.
A definio de tal poltica foi inspirada em um modelo de educao distncia que j
se encontrava em funcionamento desde 1974. Era uma alternativa de formao ofertada a
crianas e jovens, tanto do interior quanto da capital do Estado, que, por carncia de seu local
de moradia, ou por vontade prpria, decidissem incorporar-se ao contingente de telealunos e
teleprofessores.
Aps vinte anos de funcionamento, nesta condio de alternativo, o Telensino foi
adotado, em 1994, como a modalidade nica de ensino, para as quatro sries terminais do
Ensino Fundamental, com funcionamento diurno, nas escolas pblicas estaduais, e em grande
nmero das municipais, dentre estas as de Fortaleza. Ao ser adotado para todo o Estado,
abriu-se o caminho da controvrsia: ou se admite que o Cear adota o ensino distncia para
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propiciar a educao de crianas e adolescentes, ou se considera que o Telensino no um
sistema de educao distancia.
esta a questo bsica que buscaremos abordar neste captulo. Para examin-la, ser
realizada,, inicialmente, uma discusso acerca da evoluo da educao distncia, at chegar-
se ao que caracteriza, hoje, um experimento nessa modalidade de ensino. Em seguida, ser
possvel proceder anlise da natureza da modalidade do Telensino praticado no Cear.
EDUCAO DISTNCIA
TRAOS DE SUA EVOLUO
Embora haja quem considere que a educao distncia - EaD - iniciou-se com a
prpria existncia de um texto escrito, a partir do qual estaria aberto um caminho para o auto-
didatismo (Bordenave; 1993 e Fernandes 1993; 03), a maioria dos autores afirma que a
educao distncia conta com pouco mais de um sculo de existncia. At meados do sculo
XIX, com as inmeras deficincias dos meios de comunicao, fazia-se indispensvel a
relao direta do professor com o aluno, em um mesmo ambiente fsico, mediada, quando
possvel, pelos textos impressos. O amplo fortalecimento dos Correios, principalmente na
Europa, ocorrido entre 1840, ano da emisso, pela Gr-Bretanha, dos primeiros selos postais,
e 1874, ano da fundao da Unio Postal Universal, na Suia, abriu um expressivo canal para
os trabalhos de educao distncia. So ilustrativos os exemplos apontados por Bordenave
(1993) de iniciativas internacionais pioneiras nesta rea, que datam ainda do sculo XIX e
princpio do sculo XX, todas elas com base no ensino por correspondncia: 1850, Rssia -
Instituto de Ensino por Correspondncia; 1856, Alemanha - Estudo de Idiomas por
Correspondncia; 1889, Sucia - Lber Hermand Institute; 1905, EUA - Calvert School,
instruo elementar para crianas de Baltimore.
Diante dessa expanso dos Correios, o ensino por correspondncia foi viabilizado e
constituiu a primeira das quatro fases em que se encontra dividida a histria da educao
distancia (Pealver, apud Bordenave, 1993; Nunes, 1992; Mesquita, 1995). Esta foi a fase
mais duradoura, permanecendo o ensino por correspondncia como modalidade praticamente
exclusiva at o final da Segunda Guerra Mundial. Unia-se a expanso dos Correios
necessidade de fora de trabalho tecnicamente qualificada, compondo, assim, a demanda de
educao distncia.
De fato, a literatura mostra que a EaD esteve historicamente ligada formao
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profissional, motivada por questes de mercado (Nunes, 1992). As excees a isto foram
apenas algumas escolas de lnguas estrangeiras. Embora sua expanso tenha sido inegvel, a
EaD era vista como uma educao de "segunda classe" (Bordenave, 1993). Este preconceito
reproduziu-se no Brasil, onde tambm considerada, como ressalta Nunes (1992), "uma
modalidade de segunda categoria, que se presta somente a pessoas de segunda categoria".
No Brasil, o mais conhecido programa de ensino por correspondncia foi o Instituto
Universal Brasileiro, cuja fundao data de 1941. Durante vrias dcadas, o Instituto ofereceu,
basicamente, cursos de qualificao tcnica informal, que qualificavam pessoas para
desempenho de funes de pouco prestgio social. Ao lado destes, oferecia ainda curso com
carter de suplncia para adultos que no tivessem completado sua escolaridade em tempo
hbil.
A segunda fase da Educao Distncia caracterizou-se pela complementao do
ensino por correspondncia com a utilizao do rdio. Esta etapa se firmou aps a Segunda
Guerra Mundial. Mantinha-se ainda a preocupao com a formao profissional e,
principalmente no Brasil, objetivava-se, na poca, a educao das populaes adultas das
zonas rurais.
No Brasil, a primeira iniciativa de uso do rdio, para fins educativos, foi com a
fundao do Instituto Rdio Monitor, em 1939. A experincia seguinte, que vai merecer
destaque na literatura, o MEB - Movimento de Educao de Base - j nos anos sessenta.
Visava este, basicamente, a educao de populaes adultas das regies mais
subdesenvolvidas do Pas, e para isto fazia uso de um rdio cativo. Este movimento respondia
aos desafios de uma Igreja que, por um lado, comeava a fazer a opo pelos pobres, e, por
outro lado, necessitava posicionar-se frente aos movimentos populares encabeados pelos
partidos de esquerda, principalmente o Comunista (Wanderley, 1984;50). Tratava-se,
portanto, de educao bsica para a populao adulta. Nos anos setenta, registra-se a presena
do Projeto Minerva, que se configurava pela utilizao de emisses radiofnicas. Uma
iniciativa de carter supletivo, o que o fez destinado exclusivamente a adultos.
A terceira etapa caracterizou-se pela complementao do ensino, atravs da imagem
audiovisual da televiso, em meados dos anos cinqenta. No Brasil, entretanto, foi somente
nesta poca que se inaugurou o primeiro canal de televiso - a rede Tupi. Isto fez com que a
adoo deste meio de comunicao, como suporte para a educao distncia, tenha sido,
entre ns, um pouco retardado, em relao a pases mais desenvolvidos. O que Gusso (1993)
vai denominar de "exploso" da educao distncia, situada nos anos 50, s ocorreria, no
Brasil, na virada da dcada de sessenta para setenta, com a entrada em ao a televiso
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educativa. E nesta fase que os planos governamentais passam a enfocar a educao
distncia. O Projeto SATE - Sistema Avanado de Tecnologias Educacionais - estruturado
como parte do I Plano Nacional de Desenvolvimento e do I Plano Setorial de Educao.
Durante a vigncia do II Plano Setorial, o SATE sucedido pelo PRONTEL - Programa
Nacional de Teleducao. Este daria origem, mais tarde, aos projetos coordenados pela
FUNTEVE e por vrias entidades estaduais de teleducao (Gusso 1993). neste bloco que
se registra a criao da Fundao de Teleducao do Cear - FUNTELC, conhecida como
TVE-Ce, cuja fundao ocorreu no ano de 1974, tendo por base as experincias em
teleducao desenvolvidas no Maranho e Rio Grande do Norte.
Finalmente, na quarta etapa, a atual, a informtica amplia os limites espaciais para a
difuso do ensino. Com recursos de alto nvel de sofisticao, possvel no s levar a
imagem e o som para os mais variados pontos do globo, mas possvel trazer de volta a
imagem e o som, do local onde se encontram os aprendizes, para os locais de onde partem as
informaes. Alm disso, dispe-se de formas de interao entre aprendizes de diversas
localidades, propiciando uma troca de experincias e conhecimentos nunca dantes
experimentada na histria da humanidade.
As modificaes tecnolgicas assimiladas, fase a fase, pela educao distncia,
levaram a uma ampliao significativa de sua clientela. Entretanto, para Gutierrez e Prieto
(1994), a ampliao da educao distncia, que caracterizou as dcadas de 70 a 90, decorreu,
principalmente, de um expressivo aumento de demanda educacional, para a qual a educao
presencial, exclusivamente, no podia dar uma resposta satisfatria, sendo foroso reconhecer
as virtudes intrnsecas da EaD. por isso que esses autores afirmam a irreversibilidade do
processo de ampliao de tal modalidade de ensino. Essa tambm a posio de Wickert
(1999), que considera a Educao Distncia como indispensvel para a formao,
aperfeioamento e atualizao permanente requeridos pelo novo sculo.
A ampliao da EaD no Brasil tambm reconhecida por Nunes. Ele afirma que as
experincias brasileiras foram variadas, e utilizaram significativos recursos humanos e
financeiros. Os resultados, entretanto, "no foram ainda suficientes para gerar um processo de
irreversibilidade na aceitao governamental e social da modalidade de educao distncia
no Brasil" (Nunes, 1994). Os principais motivos apontados para esse estado de coisas esto
vinculados a indcios de mau gerenciamento das iniciativas de educao distncia, tais como
organizao de projetos-piloto sem acompanhamento estruturado e com a finalidade exclusiva
de testagem de metodologia; falhas na avaliao de programas e projetos, ausncia de
memria de experincias anteriores; descomprometimento com a sociedade no tocante
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efetivao de seus objetivos e vinculao com as necessidades sociais reais ; obsolescncia
da infra-estrutura de entidades governamentais de rdio e televiso, impossibilitando a
gerao de programas de impacto (Gusso, 1993 e Nunes, 1994). Gusso (1993) ratifica esta
posio, afirmando que, apenas "em poucos momentos, ultrapassou-se a preocupao com o
domnio dos meios implicados nos programas e se deixaram claros os objetivos educativos e
as clientelas que deveriam ser priorizadas."
CARACTERIZAO DA EDUCAO DISTNCIA
Uma caracterstica importante em Educao Distncia a especificidade de seu
pblico alvo. At a terceira etapa de sua evoluo, podia-se falar que ela atendia quase que
exclusivamente ao pblico adulto. As referncias ao uso da modalidade com crianas eram
pontuais, e tal uso ocorria em circunstncias muito especiais, como casos de crianas na
Austrlia que, sem condies de freqentar a escola, receberam programas distncia. Nada
havia de muito sistemtico. A partir do uso do computador, esta situao parece mudar,
embora ainda se mantenham, atualmente, as maiores referncias ao foco no adulto (Leite,
2000; Wickert, 1999; Laaser, 2000). No que toca especificamente aos contedos escolares,
no se pode ainda falar de adoo do computador como recurso didtico efetivamente
utilizado.
Mesmo no tocante ao trato com adultos, as divergncias com relao a qual deve ser o
pblico preferencial marcante. Gusso (1993; 12) considera que o recorte populacional a ser
privilegiado deve ser aquele composto por indivduos na faixa etria de 15 a 29 anos,
residentes em reas metropolitanas, por ser essa a faixa considerada de maior produtividade.
Outro recorte sempre lembrado como pblico de educao distncia so os professores de l
grau (Gusso, 1993, Silva, 1991b), vistos como portadores de importantes lacunas em sua
formao. J Nunes (1992; 75) acredita que o pblico alvo deveria ser composto pelos
cidados das pequenas cidades do interior do pas e pelos marginalizadas das grandes cidades,
a quem deveria ser possibilitado o acesso ao ensino profissionalizante por correspondncia.
Os objetivos da Educao Distncia esto, igualmente, ligados ao trato com os
adultos. Nunes quem define cinco campos de sua atuao: democratizao do saber,
possibilitando o acesso cultura a milhes de cidados; formao e capacitao profissiona.l,
nas mais diversas reas, quer no nvel bsico ou universitrio; capacitao e atualizao de
professores, num processo permanente; educao aberta e continuada para contingentes j
afastados das instituies formais de ensino; finalmente, educao para a cidadania, visando
debater temas fundamentais da sociedade contempornea (Nunes, 1994; 18/20). Mata (1992;
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22) define como objetivos fundamentais da EaD: a educao bsica, a atualizao, a
especializao e, principalmente, a reconverso, isto , a adaptao dos indivduos a uma nova
situao de trabalho no sistema produtivo. Para ela, os meios educacionais tradicionais no
so capazes de atender s diversificadas necessidades da populao, principalmente diante da
atualizao permanente requisitada pela revoluo tecnolgica em andamento. A autora v,
ainda, a incorporao das modernas tecnologias de comunicao educao com entusiasmo
e, para o caso especfico da educao bsica, acredita que a EaD libera o professor de algumas
tarefas de ensino, possibilitando-lhe oportunidades para dedicar-se a funes docentes que no
podero ser realizadas pela tcnica. Neste sentido, Chung (1991; 128) salienta que, em uma
sociedade industrializada, a educao distncia ocupa papel fundamental como soluo para
os problemas das grandes distncias territoriais, alm de dar aos adultos a chance de mudar de
ocupao a qualquer momento; j na sociedade subdesenvolvida, acredita que ela est mais
voltada para a soluo de problemas bsicos, enfatizando aqui a educao secundria, a
educao superior e o treinamento de professores.
Na literatura analisada, apenas Keegan (1996) apresenta a EaD como uma modalidade
que pode ser utilizada tambm com crianas. Ao contrrio do que enfatizado pela maioria
dos autores, Keegan aceita a educao distncia para atender indistintamente a crianas e
adultos. Para o pblico infantil e adolescente, recomenda, principalmente, forte apoio
logstico e institucional, meios de comunicao com apelo emotivo, exerccios e experimentos
prticos ligados realidade concreta, alm de cursos mediados por orientadores de
aprendizagem. Para o pblico adulto, afirma ser fundamental a escolha e tratamento dos
contedos a partir da experincia de vida e cultura dos alunos (Keegan, 1996).
O funcionamento de sistemas que tomam por base a educao distncia descrito
por Bordenave, contrapondo suas caractersticas com as da educao presencial, e
enfatizando, principalmente, o relacionamento interpessoal professor/aluno:
"Na educao presencial, os contedos ou saberes passam ou so transmitidos pelo educador, que possui um mtodo de ensino presencial no qual foi especialmente treinado e pelo qual, em contato direto com o aluno, faz possvel a passagem destes contedos e a aprendizagem dos mesmos pelo aluno" (Bordenave, 1993).
o mtodo. Nele encarna-se o mtodo. O educador definido por mtodos. Na EaD, no
aparece a figura do educador ou professor. O aluno entra em contato direto com os contedos
ou saberes, e so estes os que levam em si mesmos o mtodo que os transformou em material
auto-instrucional.
Para o autor, o importante que o educador possua a forma de tratar os contedos. Ele
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Se na educao presencial, o educador o mediador dos contedos, na EaD os
contedos servem de mediador na relao professor/aluno, j que ambos s se conectam
atravs dos contedos, um para "trat-los", e outro para aprend-los "Agora o material
instrucional (os contedos tratados) o prprio mtodo. No material encarna-se o mtodo"
(Cirigliano, apud Bordenave, 1993; 23).
Desta contraposio entre as duas diferentes modalidades de educao, surgem
caractersticas especficas que o educando de EaD dever desenvolver, visando um bom
desempenho. Ele dever, em primeiro lugar, ser conduzido ao autodidatismo, tambm
denominado de capacidade de "aprender a aprender" (Demo, 1991; Bordenave, 1993; Nunes,
1994), considerada das mais relevantes caractersticas desenvolvidas atravs do ensino
distncia.
O "aprender a aprender" ter como princpios a produo prpria e a pesquisa como
atividade cotidiana (Demo, 1991; 156), reconhecida como momento importante, onde o
educando necessita fazer a sntese entre o conhecimento que j detm e o novo conhecimento
que lhe chega atravs do material de estudo (Gutierrez e Prieto, 1994; 59). Tal atividade,
entretanto, apontada como tradicionalmente pouco valorizada nos programas de educao
distncia.
Para que o autodidatismo no seja sinnimo de isolamento, os sistemas EaD esto
buscando metodologias que visam intensificar a relao entre o sistema produtor e o aluno,
atravs de meios tecnolgicos cada vez mais interativos (Nunes, 1992; 77). A palavra escrita,
entretanto, continua a ocupar lugar importante como meio de comunicao, e, embora se faa
uso do "enfoque multimeio" - adequada integrao das diversas mdias para conquistar
objetivos instrucionais - h indicaes freqentes na literatura da necessidade da utilizao de
um professor, tutor ou monitor, para contato direto com o aluno (Bordenave, 1993;24 e
Nunes, 1994; 13). Posies controvertidas tm sido adotadas em torno da utilizao dos
materiais e da interatividade. Wickert (1999) enfatiza as virtudes da interatividade viabilizada
pela educao online, fazendo, entretanto, a ressalva de que deve haver uma complementao
entre diversos materiais, como os chats, as teleconferncias e os materiais impressos. J Leite
(2000) apresenta uma postura diferente, afirmando que o material impresso e o vdeo esto
cada vez mais rapidamente entrando em obsolescncia.
A Educao Distncia j conta com muitos adeptos que lhe apontam algumas
vantagens sobre a educao presencial. So estas: a massividade espacial (Gutierrez e Prieto,
1994 e Nunes, 1994), que elimina as distines geogrficas, possibilitando a indivduos de
faixas etrias e origens variadas participar do programa; menor custo por aluno, devido ao
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grande contingente atingido com um mesmo trabalho produzido, assegurando-se, assim,
maior quantidade com igual qualidade (Idem e Leite, 2000; Laaser, 2000 e Wickert, 1999);
individualizao do ritmo de aprendizagem (Gutierrez e Prieto, 1994), embora observem que
tal caracterstica no tem sido suficientemente explorada, dados os resqucios de educao
presencial na formao dos indivduos que hoje se ocupam da educao distncia; por fim, a
autovalorizao e segurana de si, geradas no aluno do programa em decorrncia da
autodisciplina de estudo, da organizao do pensamento, e da expresso pessoal. Trabalho
realizado com base na realidade cubana (Justiniani e Seuret, 1991; 152) coloca como
vantagens bsicas a otimizao na utilizao das capacidades fsicas e o mximo
aproveitamento de professores. Alm disso, acentua a possibilidade de oferecimento de vrias
opes de carreira, sem interferir nas atividades de trabalho.
Embora todos os autores enalteam aspectos da educao distncia, nenhum deles
tem como proposta faz-la substituta da educao presencial. Pelo contrrio, consideram-na
como necessariamente complementar dentro do sistema de ensino.
Se estas so as caractersticas que levam a um crescimento da aceitao da Educao
Distncia, no outro lado da moeda, temos as resistncias que tm sido interpostas no caminho
de sua ampliao como estratgia vlida para a superao dos problemas educacionais. As
resistncias apontadas pela literatura sua ampliao vo desde aspectos micro, de detalhes
na confeco do material, at as decises de poltica nacional.
Assim que Mata (1992;22) afirma: "O desenvolvimento da EaD no Brasil, de forma
estruturada, qualificada e democrtica, no se deu por falta de vontade e deciso politica,
suplantadas, muitas vezes, por operaes de transplante, de vida curta". Nesta perspectiva,
Demo (1991; 149/150) adverte para a resistncia s inovaes tecnolgicas, caracterstica da
rea de educao, onde se coloca o humanismo contrapondo-se tecnologia. Para ele, a
tecnologia ainda vista pelos educadores como algo que apenas massifica, robotiza, e no
visa a educao popular. Gusso (1993; 09) refora esta posio, afirmando que lideranas
educacionais vem o uso de meios tecnolgicos de comunicao como estando a servio de
posies "eficientistas" e, portanto, descomprometidas com a educao da maioria da
populao brasileira.
Os problemas internos ao prprio processo de aprendizagem so apontados como
bices para a expanso da EaD, por gerarem ndices elevados de evaso. Silva (1991b; 224)
arrola, como principais, os seguintes: dificuldade de compreenso dos contedos constantes
nos materiais, por deficincia na elaborao; dificuldade de acesso a material complementar
de estudo; falta de hbito de leitura para estudo sistemtico. Tais caractersticas no so
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exclusivas da realidade brasileira. De fato, trabalho sobre Cuba demonstra condies
semelhantes, onde h falta de orientao sistemtica e de esclarecimento de dvidas durante a
preparao dos crditos, base deficiente, inexistncia de retomo dos erros cometidos nos
exames, alm da dificuldade de textos especializados (Seuret e Justiniani, 1991; 165). Os
trabalhos mais recentes apontam para a superao desse problema (Leite, 2000 e Wickert,
1999), enfatizando o papel do professor nos cursos distncia, principalmente os online, no
sentido de criar uma comunidade virtual, fomentar o debate, trocar informao, e manter o
ritmo nas discusses. Com essas medidas, acreditam ser possvel manter o aluno vinculado ao
grupo, evitando, assim, o seu desinteresse e conseqente evaso.
Quanto ao aspecto curricular, advoga-se a necessidade de um currculo fundamentado
na realidade e na prtica dos educandos. As estratgias determinadas devem levar o aluno a
confrontar a teoria cientfica com sua prtica cotidiana. Os temas devem partir da realidade e
alimentar-se na prtica social. A lgica a ser seguida no deve ser ditada pelos contedos,
soberanamente, mas fundamentada na experincia, nos conhecimentos e na cultura (Gutierrez
e Prieto, 1994; 49/50). nesta mesma linha que se coloca a necessidade de adaptar o currculo
s possibilidades e aspiraes individuais, sem com isto comprometer a qualidade acadmica
dos materiais utilizados. A flexibilizao viria, tambm, pela utilizao do sistema de
mdulos e crditos (Nunes, 1994; 16). Neste particular, so, freqentemente, recomendados
cuidados quanto importao de frmulas que, embora vlidas para determinadas realidades,
podem tomar-se fracassos quando vivenciadas em locais com diferentes caractersticas (Mata,
1992; 22 e Gutierrez e Prieto, 1994; 18).
A PRODUO DO MATERIAL DIDTICO
O material didtico tem um lugar fundamental nos trabalhos com Educao
Distncia. Ele o principal elemento de mediao pedaggica4 no processo ensino
aprendizagem. Grande parte das discusses dos autores, em tomo dos materiais didticos,
ainda se d em funo da preparao de textos para serem usados como suportes impressos,
ou mesmo textos prontos para a televiso, sendo, portanto, pensados com baixo nvel de
interatividade. Embora a informtica tenha trazido contribuies importantes para a rea, ela
ainda no atingiu boa parte dos usurios da educao distncia. Muitas das iniciativas ainda
fazem uso exclusivo do material impresso e televisivo. Esse o caso do Telensino, como se
Para Gutierrez e Prieto (1994;63) a mediao pedaggica entendida como "o tratamento de contedos e das
formas de expresso dos diferentes temas, a fim de tornar possvel o ato educativo dentro do horizonte de uma
educao concebida como participao, criatividade, expressividade e rclacionalidade"
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ver mais adiante.
Para Gutierrez e Prieto, (1994; 23 passim), quando se trata de educar distncia, o
desencadear de uma relao pedaggica eficiente depende, em grande parte, da criao de
materiais alternativos, cujo carter transformador vai depender tanto do processo de
produo, quanto da qualidade do produto em si, do processo de distribuio e de seu uso.
Com relao produo, os autores defendem como estratgia bsica o trabalho em
equipe, com articulao entre tarefas. Fiorentini (1993; 45) tambm critica a prtica de
produo isolada, pois, para ela, o texto produzido s ganha significao quando, ao ser
produzido por um especialista de determinada rea, passa, paralelamente, pela crtica de
membros da equipe que detm informao, tanto da proposta educativa, quanto do pblico
alvo do material. Tal procedimento visa evitar que o produtor do texto perca de vista as
caractersticas da clientela.
J o produto, na opinio de Gutierrez e Prieto, deve conter, ao lado de informaes
relevantes, aspectos como um modo instigante de apresent-las, a beleza das palavras e
imagens, a abertura da obra e o envolvimento do interlocutor. Nesta mesma linha, Fiorentini
(1993; 44/5) prope algumas diretrizes para a elaborao do que reputa bons materiais de
EaD: superao da transmisso linear de conhecimentos, que vem transformando o estudante
em um receptor passivo de concepes e conceitos; necessidade de estabelecer relao entre
os conhecimentos prvios do aluno e os que se pretende que ele adquira, tornando os
contedos mais significativos; progresso de contedos que promova conhecimentos mais
profundos, respeitando a realidade cultural e ambiental e as caractersticas de
desenvolvimento dos alunos (Fiorentini, 1993; 46 passim).
Para Gutierrez e Prieto, a distribuio no deve ficar sob o encargo exclusivo da
instituio produtora, buscando evitar que uma falha comprometa de forma global todo o
processo.
E, finalmente, ao referirem-se ao uso, advertem para a necessidade de o educando
colocar-se no bojo de um processo ativo, em que ele se aproprie do material, em conjunto com
o assessor pedaggico, com os outros educandos e com a comunidade em que vive. Somente
assim, acreditam os autores, possvel, fugir do vazio, criado nas prticas tradicionais, entre o
momento em que o educando recebe o material e o momento em que se apresenta para a
realizao do exame, isto , no tempo da aprendizagem. Para Fiorentini, neste momento da
aprendizagem, ao material deve ser agregada a proposio de atividades diversas, no
somente para a absoro de contedos, mas tambm para a criao de estratgias para sua
apropriao, indagao e interferncia na realidade.
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O momento de aprendizagem, para Gutierrez e Prieto, deve levar em conta os hbitos
de estudo existentes e a criar. Desconsider-los, tendo em vista a economia de tempo, e
colocar como objetivo maior a mera reteno de informaes, apostar no secundrio,
deixando para mais tarde o principal. Propem, ento, que os materiais sejam confeccionados
tendo em vista relacionar o estudante com o contexto sociocultural, na perspectiva de
conhecimento do passado e interveno no futuro. Assim que apresentam as caracteristicas
que julgam indispensveis aos bons materiais:
"[Apresentar] os materiais em pequenos blocos: (...) melhor trabalhar com poucos conceitos, porm tratados o mais claramente possvel; apoiar os conhecimentos novos em conhecimentos ou informaes que [os estudantes] j experimentaram; adequar os contedos, tanto em quantidade como em profundidade, ao ritmo de aprendizagem adaptado ao tipo de estudante para o qual se destina o material;"(Gutierrez e Prieto, 1994; 57/8).
Em sntese, o material, como mediador do processo pedaggico, deve levar em
considerao trs aspectos: em primeiro lugar, o tema, de tal sorte que a informao torne-se
acessvel, clara e bem organizada, pois o estudante estar vivendo um processo de auto-
aprendizado. A preocupao, aqui, se prende a situar a temtica, o tratamento do contedo, as
estratgias de linguagem e os conceitos bsicos. Em segundo lugar, a aprendizagem, que diz
respeito ao desenvolvimento de procedimentos que visam a efetivao do ato educativo,
fugindo da lgica da simples assimilao de contedos. So exerccios que enriquecem o
texto, guardando relao com o contexto e com a experincia do educando. Finalmente, a
forma, que lida com os recursos que tornam mais expressivos os materiais: a diagramao,
tipos de letras, ilustraes etc. Destes cuidados podem decorrer a intensificao do significado
do tema para o interlocutor, sua identificao com ele e a conseqente facilitao da
apropriao dos contedos.
Com relao aos materiais para programao de televiso educativa, necessrio o
domnio concomitante das tcnicas de produo de TV e dos conhecimentos relativos ao
assunto a ser enfocado (Brando, 1992; Demo, 1998; Laaser, 2000). Os trabalhos de Brando
(1992) e de Laaser (2000) ressaltam o fato de que, muitas vezes, a exacerbao dos papis dos
envolvidos - professores e comunicadores - conduzem a erros: os primeiros ferem as tcnicas
de comunicao, visando passar ao aluno o maior nmero de informaes possvel, os ltimos
comprometem a mensagem educativa, pelo abuso das tcnicas visuais. H o risco de, tentando
fazer com que o pblico aprecie os programas, no se faa com que tenha a aprendizagem
necessria, j que gostar do programa no significa aprender; e ainda, que, pela beleza,
inculque-se no espectador a mensagem, sem resistncia ou crtica.
-
Para Brando, o texto televisivo deve conter determinadas caractersticas, como
temtica com valor informativo; linguagem adequada temtica e ao pblico; imagens claras
e significativas e em consonncia com o udio; ritmo harmonioso, voltado para a consecuo
dos objetivos previstos; aproveitamento dos programas de recreao para fins educacionais. A
mensagem global, inclusive propagandas, deve estar voltada para a valorizao humana. As
aulas de tipo convencional so desaconselhveis, pois ferem os princpios de comunicao. A
utilizao do humor deve ser dosada com discrio (Brando, 1992; 33/34).
Em vista desses traos da evoluo da educao distncia, objetivamos ressaltar
alguns aspectos pertinentes a esta modalidade de ensino que subsistem no Telensino cearense.
No de nosso interesse recompor a histria desta experincia, visto que ela j est registrada
em vrias obras5. Sero retomados apenas alguns pontos, que nos parecem fundamentais para
caracterizar seus aspectos de Educao Distncia.
CONSIDERAES
A Educao Distncia passou por um longo perodo de evoluo at chegar, nos anos
50, utilizao da televiso como recurso bsico. Um problema crucial com que sempre se
defrontou essa modalidade de ensino foi a interatividade: como conseguir manter uma relao
intensa e motivadora com o aluno, apesar da distncia entre este e o professor. Tal problema
no foi, durante todo esse perodo, bem equacionado. Uma resposta mais adequada somente
veio a ser estruturada na ltima fase da educao distncia, quando do uso da informtica. A
criao de comunidades virtuais, chats, videoconferncias, etc. foi um marco na busca do
entrosamento entre aluno/aluno e aluno/professor. Mesmo diante dessa modificao
fundamental, mantm-se ainda a caracterstica de a EaD atender, preferencialmente, ao
pblico adulto, com vistas qualificao profissional, no obstante haver iniciativas que
buscam atendimento educacional ao pblico infantil, atravs do computador.
Foram essas modificaes, procedidas ao longo do tempo, que propiciaram o
surgimento de uma nova percepo acerca dessa modalidade de ensino. Passou do status de
"educao de segunda categoria" para ser vista como uma modalidade de ensino
indispensvel para atender crescente demanda educacional, no s nos nveis bsicos que
compem o sistema educacional mas, principalmente, como possibilidade de educao
continuada.
Ver para isto, dentre outros, os trabalhos: FUNTELC (1981); (1990) e (1995); CAMPOS (1983);
FARIAS(1997)
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No mbito interno da Educao Distncia, ressaltada a importncia dos cuidados
com a produo do material a ser utilizado, independentemente do veculo de comunicao ao
qual ele se destine. Sendo encarado, como diz Gutierrez (1994), como o mediador da relao
ensino/aprendizagem, ele requer ateno especial, desde o momento da produo at o
consumo. No se admite a existncia de um vcuo de percepo do plo consumidor, por
parte do plo produtor. A ocorrncia de tal distanciamento apontada como importante fonte
de insucesso das iniciativas em educao distncia.
O TELENSINO
O sistema Telensino, nas suas trs dcadas de existncia, tem oferecido ensino de 5 a
8 sries populao cearense. Neste perodo, podem-se definir trs fases distintas: a inicial,
de sua fundao; a fase conhecida como a de universalizao, que se diferencia da primeira,
principalmente devido sua abrangncia; e a fase de redimensionamento, que se distingue,
fundamentalmente, pelas funes atribudas ao profissional regente da sala de aula. Busca-se,
nessa seo, ressaltar os pontos em que tais fases identificam-se ou afastam-se entre si.
O SISTEMA EM SUA ORIGEM: 1974 - 1994
O sistema Telensino nasceu, em 1974, imerso em uma atmosfera poltica muito
complexa. Eram anos de ditadura, nos quais as comunicaes se faziam indispensveis para o
controle social, sendo este um fator fundamental para a expanso das redes telefnicas e
televisivas que se testemunhou naquele perodo. A expanso das televises, inclusive as
educativas, aconteceu em atendimento a esta lgica. Trabalhos dedicados anlise do
Telensino j afirmaram que a deciso de implantar, em cada estado, uma televiso sob
controle estatal teve carter poltico, e no educacional (Bodio, 1999; 26). Afirma-se,
inclusive, que a deciso de usar a televiso estatal como meio educativo fora tomada antes
mesmo de ser definido em que nvel de ensino o sistema deveria funcionar (Stone, s/d; 03).
Agregada a esta necessidade de controle, havia ainda a necessidade de viabilizar a
implantao da Lei 5692/71, que pretendia universalizar o ensino de 1 grau. Esta a
justificativa apresentada pela Secretaria de Educao para a implantao do sistema. "O
Telensino, quando nasceu, naquela poca, nasceu para viabilizar a implantao da 5692 (...),
suprir a carncia de pessoal e chegar aos mais distantes locais" (tcnica da SEDUC em
entrevista a Bodio, 1999; 26). Essa tambm a opinio de Cavalcante (1998; 29), que v a
televiso educativa como uma soluo para os males da Educao, no apenas do ponto de
vista quantitativo mas, principalmente, no aspecto qualitativo."
-
Embora se afirme, em vrios documentos oficiais, que o objetivo principal do
Telensino "a formao integral da juventude, sobretudo daquela que vive nos mais
longnquos recantos do Estado" (Funtelc, 1995; 36), onde haveria maior carncia de pessoal
qualificado, o sistema j se iniciou com maior nmero de alunos na capital, onde se
concentram os maiores ndices de qualificao docente. Dos 4.139 alunos componentes do
primeiro contingente que ingressou no Telensino em 1974, 3.511 eram de Fortaleza (Stone,
s/d; 05). De todo modo, como se pode perceber pelos nmeros, o Telensino no era uma
modalidade de ensino aplicada a todas as escolas. Em seu nascedouro, ele se propunha a ser
uma alternativa de ensino da 5- 8- srie, destinado a alunos e professores que quisessem dele
participar, ou que, por ausncia de professores habilitados, no tivessem outra possibilidade.
A adeso dos professores, principalmente os de Fortaleza, era um movimento voluntrio.
Com esse objetivo de chegar a inacessveis locais do Estado, o Telensino foi,
inicialmente, encarado como um ensino distncia. O material impresso de uso dos
estudantes traz consigo, at hoje, uma marca dessa concepo. Nas primeiras pginas dos
Manuais de Apoio, encontra-se uma carta do Prof Naspolini, Secretrio da Educao, dirigida
aos alunos, em que ele reconhece tal caracterstica no sistema, como se pode ver no trecho a
seguir: "Estudantes, o ensino distncia uma tendncia mundial. Eu sou um defensor do
Telensino. (...) As aulas que lhes chegam atravs da tela foram preparadas por profissionais
competentes e realizadas com muito carinho..." (Manual de Apoio 8 srie; 01, grifo nosso).
Vrios trabalhos acadmicos (Stone, s/d; Sousa, 1983; Campos, 1983) do incio dos anos 80
tambm fazem meno ao Telensino, sempre como ensino distncia.
O sistema assumia-se, ento, com essa caracterstica de ensino distncia, e
estruturava-se a partir dessa premissa. No incio dos anos 70, era um sistema que fazia uso de
uma mdia avanada para a poca - a televiso. Alm disso, podia ser considerado um ensino
multimeios, pois fazia uso de mdulos televisivos agregados a materiais impressos: os
Manuais de Apoio - MA - onde se encontravam os contedos programticos, divididos em
"aulas" compatveis com os mdulos da televiso, e os Cadernos de Atividades - CA - que
traziam os exerccios de fixao.
Para dar vida ao sistema, havia uma primeira equipe, externa sala de aula, composta
peia administrao central do sistema, e por outros tantos elementos, definidos por Campos
como "professores produtores", responsveis por "organizar e produzir os mdulos de cada
rea, de acordo com sua habilitao, bem como o material de apoio correspondente"; havia
ainda o "apresentador, para exibir a mensagem produzida e realizada" e, finalmente, o
'supervisor que faz interagir o processo de comunicao e o processo de aprendizagem,
-
intermedirio entre receptores e produtores" (Campos, 1983; 56 passim). Era a tentativa do
sistema de cumprir o preceito exposto por Fiorentini (1993), de prover uma intermediao
entre quem produz e quem consome os materiais de ensino distncia.
Do outro lado, o lado da recepo, havia a equipe de Orientadores de Aprendizagem -
os OAs. A cada O A, que no tinha a obrigao de ter domnio dos contedos, cabia o papel de
"coordenar o trabalho da recepo com os telealunos, criar condies para que os mesmos
queiram aprender, compreender os contedos, fazer atividades e obter resultados satisfatrios"
(Funtelc, 1995; 09 Mdulo EI). O O A era, ento, visto como "o profissional que orienta,
dinamiza e acompanha a aprendizagem na recepo, consciente, como educador que sabe e
no sabe, e jamais como instrutor polivalente que sabe tudo, mas tem a capacidade de
aprender juntos, pesquisando juntos, muitas vezes" (Cavalcante, 1998; 60, grifo nosso). Havia
tambm o grupo de telealunos, jovens de 5- a 83 sries, em escolaridade regular, que se
reuniam por turmas para assistir s recepes.
Tendo em vista que o Telensino era um ensino que se reconhecia como regido segundo
princpios da educao distncia, providncias foram tomadas para articular o plo de
ensino com o plo de aprendizagem. O trabalho de Sousa j se referia s "vantagens" desse
sistema bipartido, assim se colocando: "Visto que ensinar e aprender so processos
complexos, tornou-se possvel dissoci-los um do outro. (...) A teleducao pde confiar a
tarefa de ensino a um educador e a responsabilidade pela orientao da aprendizagem a outro"
(Sousa, 1983; 28). Alm da equipe de superviso, j mencionada, que trabalhava no sentido
de dirimir dvidas geradas pelas emisses junto aos OAs, bem como de trazer os problemas
das salas de aula para os responsveis pela definio das diretrizes e materiais do sistema,
havia ainda o estmulo para que alunos e professores fornecessem feedback atravs de cartas
(Stone, s/d; 13) que deveriam ser encaminhadas sede da emissora. As sugestes julgadas
pertinentes eram aproveitadas na reelaborao dos programas, que inicialmente - 1974 a 1977
- eram feitos ao vivo (Campos, 1983; 94). Em um programa quinzenal denominado "TVE
Correio", as questes encaminhadas na correspondncia eram respondidas no vdeo. Assim se
buscava resguardar a interatividade de uma proposta de ensino distncia, em uma poca em
que sequer era possvel, ao cidado comum, imaginar o potencial de interatividade que
poderia ocorrer atravs do uso de computadores e de uma rede como a Internet.
A fundamentao terica da proposta tambm um ponto que merece destaque.
Propalava tomar por base uma "proposta de educao libertadora". Para Campos, um dos
idealizadores do sistema, a "educao libertadora" consiste em "princpios didtico-
pedaggicos que contribuam para a efetividade de uma proposta educacional que d
-
condies aos educandos de libertar-se de sua triste condio de meros receptores passivos e
aue [faa com que] sejam capazes de reflexo e atuao em sua realidade prxima e concreta"
(Campos, 1983; 03). Tomava por base seis princpios que compunham seu "plano filosfico":
participao, reflexo, criticidade, criatividade, cooperao e autonomia. Afirmava buscar
responder a alguns desafios com relao ao uso da televiso. Visava estabelecer, atravs dela,
um processo de comunicao " bidirecional, participativo e dialgico", "comprometido com o
meio" e formador "do pensamento reflexivo e da conscincia crtica". (Funtelc, 1990, 07/08).
Como se pode perceber, a televiso educativa do Cear, em sua origem, tinha, como
fundamentao propalada, para sua proposta de ensino, a teoria freireana. Enquanto mentor da
proposta, Campos (1983) advogava a possibilidade de "uma instituio como a televiso,
ideologicamente subordinada s estruturas de poder que a sustentam, acoplar-se a outra forma
tradicional e bem estruturada de massificao, denominada escola, e fazer um trabalho de
educao 'para que o adolescente viva sempre consciente de uma boa formaao', crtica,
criativa, participante: em sntese, libertadora" (Campos, 1983; 01). O autor baseia sua
afirmao em uma pesquisa na qual utiliza uma metodologia de anlise das cartas de alunos
que chegavam sede da emissora. Chega, ento, a trs concluses bsicas: o sistema
consegue ser democrtico, visto no haver, segundo ele, distino significativa no rendimento
escolar de alunos da capital ou interior (idem; 62); propicia a formao do esprito grupai,
dado o emprego do pronome "ns", nas cartas, sobrepor-se ao uso do pronome "eu" (idem,
69); desenvolve o esprito crtico, tendo em vista as crticas enviadas nas cartas (idem; 79).
Tais concluses levam o autor a confirmar a hiptese levantada de que a televiso pode ser
"mediadora de uma educao de sujeitos".
H, entretanto, estudos realizados, nos quais os autores no tm essa mesma
percepo. Stone (s/d; 4) aponta para a economia de recursos humanos como fundamento para
a implantao do Telensino. Questiona tambm as concluses de Campos, principalmente
quanto ao desenvolvimento da criticidade, visto que o aluno que foi sujeito daquela pesquisa -
aquele que tomou a deciso de escrever emissora - j pode estar demonstrando ser um aluno
corn senso crtico diferenciado, no sendo, portanto, um "aluno tpico" (Stone, s/d; 24).
Observe-se que a TV Educativa recebeu durante o perodo de oito anos - 1974 a 1981 -
apenas 515 cartas. Tendo em vista que, apenas no ano de 1981, havia 20.635 alunos
matriculados no Telensino, o nmero de cartas no chega a demonstrar um alto ndice de
participao dos alunos. O trabalho de Bodio contrape-se tambm idia de uma "educao
libertadora" praticada pelo Telensino. Sua argumentao mostra que, desde o seu princpio, o
Telensino trouxe caractersticas que o distanciaram de uma concepo educacional
-
"libertadora" ou "dialgica". dele a afirmao de que "deve t-lo [o sistema] ajudado a se
consolidar ... o fato de se ajustar muito bem concepo pedaggica dominante no incio dos
anos 70, o tecnicismo. (...) Separava claramente as atribuies daqueles que deveriam pensar
e conceber a ao educativa (...) daqueles que deveriam operacionaliz-la em sala de aula"
Bodio (1999; 27) Alm disso, ressalta a eficincia do controle exercido pela equipe central
sobre as diversas salas de aula espalhadas pelo Estado. Tal controle caracterizava-se por uma
"operao centralizada dos horrios e das duraes das emisses de televiso, pela escolha
dos contedos curriculares e respectivos enfoques e por uma rede de coordenadores e
supervisores" (Ibid.). Finalmente, Sousa (1983; 3), referindo-se televiso como uma
tecnologia utilizada na educao distncia, afirma ser esta um dos "meios unidirecionais,
no apropriados, por si mesmos, a uma educao autntica que pressupe o dilogo"
Como se percebe, a afirmao de que o Telensino tinha por base a fundamentao
freireana no encontra sustentao na literatura produzida em torno do sistema. Quando as
vistas se voltam para o momento poltico em que ele surgia, tal afirmao toma-se ainda mais
delicada. Vivia-se ento um perodo fechado de ditadura, no qual at mesmo o prprio Freire,
forjador da concepo "dialgica" e "libertadora", encontrava-se ainda no exlio. Tal clima
poltico d fortes indcios de que era impossvel a emissora estatal efetivamente ter
compromissos com a formao da criticidade. Alm disso, so inmeros os estudos na rea de
comunicao, os quais no sero aqui abordados, por fugirem aos objetivos deste trabalho,
que demonstram a passividade gerada no receptor da mensagem televisiva.
Vejam-se, finalmente, as questes curriculares e seus "componentes curriculares", que
estruturaram internamente a sala de aula. Em primeiro lugar, o currculo adotado nas escolas
ligadas ao Telensino era o mesmo praticado nas escolas de ensino presencial. Esta era,
segundo demonstra Campos, condio "sine qua non" para o reconhecimento: "Para ser
reconhecido pelo Conselho Estadual do Cear (parecer 16011 A) [o Telensino] teve de adotar o
currculo oficial elaborado pela Secretaria de Educao Estadual ... dar um tratamento
especial ao currculo oficialmente imposto" (Campos 1983;41, grifo nosso). Por ser um curso
regular, findo o qual o aluno receberia o diploma de l5grau (denominao anterior do Ensino
Fundamental), era necessrio submeter-se s mesmas regras colocadas para os alunos do
ensino presencial.
Entre os "componentes curriculares", arrolavam-se, quando do incio do
funcionamento do sistema, os seguintes: "telealunos; Orientadores de Aprendizagem;
organizao da telessala; temas integradores; contedos programticos; processo de
veiculao da mensagem didtico-pedaggica, aula integrada e mdulo de aprofundamento
-
(teleaulas); questionamentos; metodologia (dinmica do processo ensino-aprendizagem,
incluindo a dinmica de grupo) sistema de avaliao e outros" (Funtelc, 1990; 10).
Os telealunos e Orientadores de Aprendizagem eram definidos da forma como j se
explicitou acima, ainda nesta seo. Os temas integradores, limitados ao nmero de oito para
cada srie, visavam a organizao do contedo em cada disciplina e a articulao
interdisciplinar, alm de permitir a relao destes contedos com a realidade do aluno
(Funtelc, 1990; 11). Havia um nico grupo de temas integradores, que deveria atender s
mais diferentes realidades do Estado. Stone a isto se refere como uma virtude do sistema,
aceitando a possibilidade de tal objetivo ser efetivamente alcanado "Tm que ser relevantes
para o Estado inteiro - as zonas do litoral, das serras e do serto"(Stone, s/d; 08)
Vinculada aos temas, havia a aula integrada, com durao mxima de 20 minutos, que
caracterizava-se pela "apresentao de contedos em 'situaes reais de vida' (...) voltada e
orientada para a comprovao do tema gerador". (Funtelc, 1990; 10). Era apresentada no incio
das atividades dirias, tentando dar "uma viso global do contedo do dia com as diferentes
reas do conhecimento em interao" (Campos, 1983; 47) A partir dessa apresentao global,
partia-se para a apresentao dos contedos curriculares, por disciplinas.
O mdulo de aprofundamento "uma unidade didtica que focaliza uma das reas do
ncleo comum e a aprofunda. Ele carrega as informaes conteudsticas da rea. (...) Sua
durao no deve ultrapassar 10 minutos" (Campos, 1983; 49). Esses 10 (dez) minutos de
emisso devem considerar os aspectos seguintes (Funtelc, 1990): motivao, chamada inicial
para despertar a ateno do telealuno, conceituao, demonstrada atravs de exemplificaes
que levem a uma generalizao e aplicao prtica dos contedos estudados; reflexo, onde se
considera que o mdulo no deve ser conclusivo, mas levar o aluno a um processo de anlise
e descoberta; finalmente, o questionamento, que permite que o aluno estabelea ligao entre
os contedos e sua realidade. Eram emitidos trs mdulos por dia, portanto havia contato
dirio com trs diferentes disciplinas. Os Manuais de Apoio e Cadernos de Atividade, j
referidos, estavam intimamente ligados a esses mdulos, como complemento do contedo
emitido.
A metodologia que instrua a dinmica da sala de aula tinha caractersticas prprias:
Toda teleaula devia ser composta por trs elementos: emisso, percepo e aprofundamento
(Sam'Anna, 1999, 31). A emisso " o momento em que a televiso fala"; a percepo " o
momento em que o orientador de aprendizagem busca junto ao telealuno apreender [via
dinmica de grupo] o que ele conseguiu captar da emisso", o aprofundamento " feito
atravs da leitura comentada do manual de apoio, da resoluo dos exerccios do caderno de
-
atividades e de sua correo".
A teleaula era, assim, o momento em que se articulavam todos esses "componentes
curriculares", dentro de uma sala de aula que seguia a tradicional estruturao de salas de aula
oresenciais, com aproximadamente 35 alunos, onde eram ministradas aulas das diversas
disciplinas que compem o currculo das sries terminais do Ensino Fundamental.
Organizados em sries, os alunos tinham uma convivncia diria de 4 horas. As turmas de 5a e
6a sries funcionavam no turno matutino, e as de 7a e 8a no turno vespertino, devido
necessidade de organizar as emisses televisivas.
A proposta do sistema ressaltava a importncia da organizao espacial na sala de
aula, visando, principalmente, o trabalho em grupo. Propunha, explicitamente, a organizao
interna da sala, ora sugerindo a formao de crculos, pois "favorece aos alunos e orientadores
condies de se sentirem no mesmo plano, onde todos ensinam e todos aprendem" (Funtelc,
1996), ora o trabalho em pequenos grupos, que propicia "a participao ativa de cada um dos
componentes, alm de promover a solidariedade, favorecer a criatividade e melhorar a
capacidade produtiva" (Funtelc, 1995). O trabalho em grupo era previsto para ser realizado
respeitando algumas fases: o planejamento - momento em que OA e telealunos definem,
conjuntamente, os objetivos, as atividades e o tempo necessrio para desenvolv-las; a Ao
do Grupo, segunda fase, que consiste na coleta de dados e informaes em fontes variadas,
onde se conta com a dinamizao por parte do Orientador; finalmente, a Avaliao, que
ocorre em diferentes momentos do processo, dando ao educador a chance de verificar se
houve aprendizagem e, ao telealuno, a possibilidade de auto-avaliar-se (Funtelc, 1995; 13 -
Mdulo I). No foi possvel localizar informao sobre a existncia, naquele perodo, da
diviso da sala em equipes previamente estabelecidas pelo sistema, com suas respectivas
funes, o que mais tarde acontecer, como se ter oportunidade de explicitar mais adiante.
A din