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ESTUDOS ORGANIZACIONAIS E COMPLEXIDADE: PRIGOGINE, STACEY E
MORIN
Srgio Lus Boeira
Jorge Altair Pinto Strmer
Ana Elise Cardoso Incio
RESUMO
Esse artigo, com base em pesquisa bibliogrfica, terica, est vinculado a um projeto de
pesquisa intitulado Anlise da Contribuio de Edgar Morin Teoria das Organizaes, mais exatamente a um dos objetivos especficos do projeto, que visa identificar enfoques
da complexidade e a peculiaridade do pensamento complexo. Isso se faz necessrio
medida que, na literatura que trata da temtica, so observados diversos conceitos
semelhantes, diversas contribuies de autores, alguns formados em cincias naturais,
outros em cincias humanas e na filosofia, alguns com abordagem especfica sobre os
estudos organizacionais, outros com abordagem inespecfica, ainda que com repercusses
amplas sobre diversas formas de cincia e atuao profissional, inclusive a administrao.
nesse contexto nebuloso de uma vasta literatura que se optou por examinar as
contribuies especficas de Ilya Prigogine, de Edgar Morin e de Ralph Stacey no que se
refere, direta ou indiretamente, aos estudos organizacionais. Todos os trs tm relevantes
contribuies compreenso das organizaes no mundo contemporneo, a partir de
conceitos de auto-organizao e complexidade, embora haja diferenas em suas
abordagens, especialmente em razo de suas trajetrias de vida e de formao acadmica.
A experincia de coordenar organizaes relevantes comum entre eles.
Palavras-chave: Estudos organizacionais; complexidade; auto-organizao.
Introduo
O projeto de pesquisa (ainda em curso) Anlise da Contribuio de Edgar Morin Teoria das Organizaes tem a seguinte pergunta central: como analisar a contribuio de Morin teoria das organizaes distinguindo, por um lado, a peculiaridade da abordagem
deste autor entre os diversos enfoques existentes sobre complexidade (sistemas complexos
adaptativos, teoria da complexidade, paradigma da complexidade, auto-organizao,etc) e,
por outro, relacionando a contribuio de Morin s principais abordagens dos estudos
organizacionais contemporneos?
Este projeto de pesquisa ressalta a relevncia da obra de Edgar Morin para a teoria
das organizaes, reconhecendo, por um lado, a extenso e a profundidade da produo
epistemolgica e terica deste pensador e, por outro, a crise existente no interior do campo
de estudos sobre teoria das organizaes. Trata-se de um projeto que procura estabelecer
relaes entre uma obra muito difcil de ser sintetizada (por sua amplitude e profundidade)
e um campo de estudos fragmentado e historicamente contestado, segundo a conhecida expresso de Reed (1999).
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Para contextualizar a obra de Morin, cabe, primeiramente, apresentar alguns dados
bibliogrficos com destaque para sua trajetria intelectual. Morin nasceu em Paris, em 8
de julho de 1921, numa famlia de judeus espanhis, com antepassados na Toscnia e em
Salnica. A origem judaica o fazia sentir-se diferente e solitrio, frente s humilhaes e
preconceitos de que era vtima durante sua fase escolar. Perdeu sua me aos nove anos de
idade. Influenciado pelo romantismo e pelo racionalismo, buscava o saber e a cultura em
leituras variadas, incluindo teatro e cinema. Na adolescncia, vivia entre o pacifismo e o
socialismo. Filiou-se ao Partido Comunista em 1940, do qual foi expulso em 1951
(KOFMAN, 1996). Na Sorbonne, matriculou-se simultaneamente nos cursos de histria,
geografia e direito, frequentando tambm disciplinas de cincia poltica, sociologia,
economia, antropologia e filosofia. Concluiu os estudos em 1942 e tornou-se combatente
voluntrio da Resistncia, como Tenente das Foras Francesas de 1942 a 1944, o que o fez refletir e compreender o valor da vida e da morte (PETRGLIA, 1995, p. 21).
Em 1969, foi para os Estados Unidos, onde estudou a teoria dos sistemas, a
ciberntica, a teoria da informao e a biologia/ecologia. Interessou-se pelo
desenvolvimento conceitual da ideia de auto-organizao e de alguns princpios, como o
dialgico, o da recurso organizativa e o hologramtico, que se tornaram a base para um
modo de pensamento denominado mais tarde pensamento complexo que associa sem fundir, distinguindo sem separar diferentes formas de conhecimento, alm de integrar a
incerteza e conceber a organizao como fenmeno complexo. Morin tornou-se diretor-
associado de estudos transdisciplinares (sociologia, antropologia, poltica) da
coledesHautestudes em SciencesSociales. Suas atividades de pesquisa o levaram
tambm a dirigir a Agncia Europeia para a Cultura (UNESCO). Sua maior obra La
Mthode, em seis volumes (iniciada em 1977 e concluda em 2004). Desde 2006 existe no
Mxico uma universidade denominada Multiversidad Mundo Real Edgar Morin.
Quanto a Ilya Prigogine, Prmio Nobel de Qumica em 1977, cabe registrar
tambm alguns dados biogrficos. Filho de judeus, nasceu em Moscou em 1917, ano da
revoluo russa, e se mudou para Bruxelas em 1929. Faleceu em 2003, reconhecido como
uma personalidade belga de renome internacional e um dos maiores sbios desde Albert
Einstein (ALMEIDA, 2008). Seus interesses incluam a msica, a literatura, a arqueologia,
a psicologia, o direito e a histria, mas formou-se em qumica orgnica e depois em
fsicoqumica.Pesquisou na Escola de Termodinmica de Bruxelas, sob a influncia de
Thophile de Donder. Para ele a dinmica dos sistemas em desequilbrio trata de
fenmenos irreversveis, como estruturas dissipativas, nas quais novas ordens contm
probabilidades de emergir da desordem. Prigogine, em parceria com Isabelle Stengers,
qumica e filsofa da cincia, produziu uma de suas obras de maior repercusso na histria
da cincia do sculo XX, intitulada A Nova Aliana (primeira edio em 1984). Com efeito, aliana e reconciliao so palavras centrais em sua obra. Para ele, vivemos um tempo de reconciliao do homem com a natureza e da cincia com a filosofia (ALMEIDA, 2008, p. 49,50). Entre os autores com quem Prigogine mais dialoga em suas
obras, esto Jacques Monod, Erwin Shrdinger, Henri Bergson, Isaac Newton e Albert
Einstein, em relao aos quais o autor em parte se afasta ou se ope radicalmente (ALMEIDA, 2008, p. 49).
Embora Morin tenha partido das cincias sociais e da filosofia para articul-las
com as cincias naturais e a ciberntica, enquanto Prigogine tenha trilhado um caminho
oposto, das cincias naturais em direo a uma aliana com as cincias sociais e a
filosofia, ambos estiveram no mesmo diapaso intelectual, escreve Almeida (2008, p.
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50), e compartilharam a tarefa de uma reorganizao fundamental do conhecimento rumo s cincias da complexidade.
Quanto trajetria de Ralph Stacey, caberia destacar inicialmente o seguinte: ele
nasceu em Joanesburgo, frica do Sul, em 10 de setembro de 1942 (o pai era imigrante
ingls e a me uma sul-africana descendente de escoceses). Foi premiado com bolsa de
estudos e obteve o grau de Bacharel em Comrcio especializado em legislao, na
Universidade de Witwatersrand. Pretendia formar-se em direito, mas voltou-se para a
economia, tendo recebido bolsa para estudar na London School of Economics, onde
completou seu doutorado em 1967 com uma pesquisa sobre construo e estimao de
modelos economtricos destinados a prever os padres de desenvolvimento industrial.
Lecionou economia aplicada na Universidade de Witwatersrand antes de mudar-se para
Londres, em 1970, e trabalhar no Departamento de Aviao Comercial da British Steel
Corporation, com a funo de prever demanda e preos de uma gama de produtos de ao.
Em 1972, passou a trabalhar como gerente no Departamento de Planejamento Corporativo
deumaempresa de construo internacional (John Laing). Depois disso tornou-se analista
de investimentos de um banco e em seguida, em 1985, passou a trabalhar em consultoria
de gesto, antes de se tornar conferencista snior em Hatfield Polytechnic. Esta
organizao tornou-se a Universidade de Hertfordshire, em 1992, e no mesmo ano Stacey
foi nomeado Professor de Administrao, tendo coordenado programa de
mestrado/doutorado. diretor do Complexity Management Centre atthe Business School
na mesma universidade.Tambm est vinculado a um grupo psicoteraputico, o
InstituteofGroupAnalysisem Londres.
Stacey tem passado por duas fases bem distintas em sua carreira profissional, com
enfoques bem diferentes, apesar de manter algumas questes semelhantes: na primeira,
trabalhou com econometria e planejamento estratgico, tendo acumulado frustraes com
os resultados. No conseguia responder por que razes os lderes, polticos e
gestoreserravam tanto em suas previses e, apesar das consequncias indesejveis de suas
aes, continuavam com os mesmos processos de planejamento estratgico. Na segunda
fase, passou a trabalhar com as temticas da teoria do caos, dos sistemas, da
complexidade, da criatividade, especialmente depois que formou uma equipe de trabalho
comPatricia Shaw e Douglas Griffin. Na segunda fase, passou a defender a ideia de que os
lderes e gestores erram em suas previses porque gesto no tomada de deciso
racional, analtica, mas um processo fundamentalmente poltico. Tentou integrar as teorias
de gesto tradicionais com a noo de organizaes concebidas como sistemas adaptativos
complexos, inclusive elaborando um diagrama que se tornou conhecido como a Matriz de
Stacey. Mais tarde frustrou-se com a utilizao do conceito de sistemas adaptativos
complexos, argumentando que o mesmo invlido na medida em que se pretende aplicar
cincias naturais para compreender a ao humana. Passou a a argumentar que as cincias
da complexidade so uma fonte de analogias que, para a compreenso da ao humana,
requerem interpretaes especficas, j que os agentes humanos so autoconscientes,
emocionais, pensativos, reflexivos, muitas vezes espontneos, interdependentes. Stacey e
seus colegas estudam o domnio da ao humana como um conjunto de processos
complexos de relacionamento interpessoal, considerando aspectos como o da
comunicao, do poder, da ideologia, valores e normas, hbitos e aprendizagem
organizacional. Nota-se uma nfase crescente de Stacey no uso de metologia qualitativa
desde 2005, em que passou a rejeitar a noo de sistemas para caracterizar organizaes,
optando por defender o que chama de perspectiva dos complex responsive processes e
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complex responsive processes of relating. Tambm se observa uma postura
crescentemente crtica e voltada para os interesses pblicos.
Aps esta introduo a respeito das trajetrias de vida de Morin, Prigogine e
Stacey, cabe destacar que este estudo est estruturado da seguinte forma: a) na primeira
seo, trata-se de algumas ideias centrais de Prigogine; b) na segunda seo, trata-se de
algumas centrais de Stacey; c) na terceira seo, alm de apresentar-se uma introduo
obra de Edgar Morin, busca-se estabelecer um paralelo e/ou um confronto entre as ideias
de Prigogine, Stacey e Morin, com isso concluindo o estudo.
Prigogine: cincias da complexidade e estruturas dissipativas
Para iniciar esta seo, recorremos s palavras de um autor j legitimado no campo
dos estudos organizacionais, como o caso de Thomaz Wood Jr (2002). Para ele, a
abordagem do paradigma da complexidade, apresentado exclusivamente com base nas ideias de Prigogine,
corresponde a uma nova percepo dos fenmenos organizacionais,
capaz de penetrar na profunda rede de paradoxos, ambiguidades e
conflitos de todo o tipo que constituem as organizaes. Mais que o
desenvolvimento de novos conceitos, este paradigma implica nova forma
de perceber e compreender as organizaes. Representa,
simultaneamente, um desafio s premissas que permeiam a maioria das
prticas organizacionais [...] e uma abertura de fronteiras para a
transformao das organizaes (WOOD Jr., 2002, p. 254-55).
Caberia ento questionar: como foi possvel que as ideias de um qumico
chegassem a impactar a percepo das organizaes?
Prigogine e Stengers (1991, p. 4) tratam da metamorfose da cincia nos ltimos
trs sculos, afirmando que a cincia moderna comeou negando as vises antigas e a
legitimidade das questes apresentadas pelos humanos sobre sua relao com a natureza.
Tal cincia teria iniciado o dilogo experimental a partir de uma srie de pressupostos dogmticos.
A cincia moderna constituiu-se como produto de uma cultura, contra
certas concepes dominantes desta cultura (o aristotelismo em
particular, mas tambm a magia e a alquimia). Poder-se-ia mesmo dizer
que ela se constituiu contra a natureza, pois que lhe negava a
complexidade e o devir em nome dum mundo eterno e cognoscvel
regido por um pequeno nmero de leis simples e imutveis
(PRIGOGINE; STENGERS, 1991, p. 4).
Mas o tempo da cincia clssica/moderna passou. At mesmo a ambio de reduzir o conjunto de processos naturais a um pequeno nmero de leis foi abandonada (PRIGOGINE; STENGERS, 1991, p. 5). As cincias da natureza descrevem, agora, segundo
eles, um universo fragmentado, rico de diversidades qualitativas e de surpresas potenciais.
Entre essas surpresas potenciais est a transformao da concepo de tempo, que no mundo organizacional ocupa um lugar centralssimo. As representaes sociais
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sobre o tempo no mundo dos negcios esto claramente marcadas pelas ideias de controle,
de xito na obteno de resultados (performance), de nmeros, de dinheiro, de
planejamento estratgico, etc. Foi justamente a noo de tempo que as pesquisas de
Prigogine transformaram a partir da termodinmica, reconhecendo uma pluralidade de
tempos e evidenciando a irrersibilidade da flexa do tempo na fsica, bem como sua
dimenso criativa e organizacional.
Em nossa poca, realmente Einstein quem encarna com maior fora a
ambio de eliminar o tempo. E isso atravs de todas as crticas, todos os
protestos e todas as angstias que suas afirmaes absolutas suscitaram
(PRIGOGINE; STENGERS, 1991, p. 210).
Prigogine e Stengers (PRIGOGINE; STENGERS, 1991, p. 210) narram episdio em
que Henri Bergson, em 6 de abril de 1992, na Sociedade de Filosofia de Paris, tentou
defender, contra Einstein, a multiplicidade dos tempos vividos coexistente na unidade do tempo real, defender a evidncia intuitiva que nos faz pensar que essas duraes mltiplas
participam de um mesmo mundo. Em sua resposta, Einstein rejeita sem apelo, por incompetncia, o `tempo dos filsofos, certo de que experincia alguma vivida pode
salvar o que a cincia nega (PRIGOGINE; STENGERS, 1991, p. 210). Atualmente a fsica no nega mais o tempo. Agora reconhece o
tempo irreversvel das evolues para o equilbrio, o tempo ritmado das
estruturas cuja pulso se alimenta do mundo que as atravessa, o tempo
bifurcante das evolues por instabilidade e ampliao de flutuaes [...]
Cada ser complexo constitudo por uma multiplicidade de tempos,
ramificados uns nos outros segundo articulaes sutis e mltiplas. A
histria, seja a de um ser vivo ou de uma sociedade, no poder nunca
ser reduzida simplicidade montona de um `tempo nico, quer esse
tempo cunhe uma invarincia, quer trace os caminhos de um progresso
ou de uma degradao (PRIGOGINE; STENGERS, 1991, p. 211).
Prigogine e Stengers sustentam que a descoberta da multiplicidade dos tempos no
uma revelao cientfica. Dizem que os homens de cincia deixaram de negar o que,
por assim dizer, todos eles sabiam. por isso que a histria da cincia que nega o tempo foi tambm uma histria de tenses sociais e culturais (PRIGOGINE; STENGERS, 1991, p. 211).
Sem a pretenso de entrar aqui em detalhes tcnicos da descrio de Prigogine,
possvel afirmar que ele, ao estudar sistemas qumicos no lineares, demonstrou que a
segunda lei da termodinmica, que indica a tendncia nos fenmenos fsicos da ordem
para a desordem entropia sempre crescente do universo apropriada para descrever fenmenos no equilbrio ou prximos ao equilbrio mas no adequada para avaliar sistemas vivos que operam afastados do equilbrio.
Perto do equilbrio, a termodinmica descreve um mundo estvel. Se h
flutuaes, o sistema responde a elas retornando a seu estado de
equilbrio caracterizado pelo extremo da entropia ou de qualquer outro
potencial termodinmico. O fato novo que ocorre , porm, que essa
situao muda radicalmente quando nos colocamos longe do equilbrio.
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As flutuaes podem, ento, gerar estruturas espaciais e temporais novas.
Para isso, necessrio que as leis da evoluo sejam no lineares.
Chegamos agora s estruturas dissipativas que correspondem a novas
organizaes supramoleculares (PRIGOGINE, 2009a, p. 110).
Um outro fsico, internacionalmente reconhecido, confirma que a teoria das
estruturas dissipativas aplica-se a fenmenos termodinmicos afastados do equilbrio, nos quais as molculas no esto em movimento aleatrio, mas so interligadas por meio de
mltiplos laos de realimentao, descritos por equaes no lineares (CAPRA, 1996,p. 155). Uma estrutura dissipativa captura energia e exibe ordem, sendo esta uma
caracterstica de muitos sistemas no universo, mas em particular das formas de vida. De
acordo com Capra (1996, p. 155) as estruturas dissipativas so ilhas de ordem num mar de desordem, mantendo e at mesmo aumentando sua ordem apesar da desordem maior em seus ambientes.
Nestas condies, as estruturas dissipativas tendem a permanecer afastadas do
equilbrio e o sistema pode ser conduzido a flutuaes, nas quais pequenas perturbaes
aleatrias podem ser rapidamente amplificadas, levando o sistema a se afastar cada vez
mais do ponto de equilbrio, gerando instabilidades que podem levar at a um limite
denominado "ponto de bifurcao", a partir do qual se rompe a estrutura do sistema.As bifurcaes se colocam na perspectiva da evoluo descritas por meio de leis no
lineares(PRIGOGINE, 2009a, p.104). Por sua vez, a ideia de auto-organizao est vinculada, na obra de Prigogine, de
estruturas dissipativas e ideia de uma organizao espontnea.
Em fsica, fala-se de auto-organizao. Em outras palavras, isso quer
dizer que para as mesmas condies exteriores vrias solues do
sistema no-linear so possveis. Dentre elas uma ser realizada,
precisamente a que corresponde a uma ramificao que ocorre aps um
ponto de bifurcao. [...] A auto-organizao um conceito que pode ser
aplicado em escalas variadas.Mesmo no Universo como um todo. O que
pode dirigir a evoluo que observamos no universo, se no o prprio
universo? (PRIGOGINE, 2009a, p. 104).
Prigogine (2009b) afirma que a fsica com base evolutiva deveria incorporar o
indeterminismo, a assimetria do tempo e a irreversibilidade. O autor dedicou boa parte dos
seus estudos ao propsito de desvendar as teorias e mistrios do paradoxo do tempo, a
combater o pensamento dualista e determinista de muitos cientistas, inclusive Isaac
Newton, Albert Einstein e Stephen Hawking.
Para Prigogine, a flecha do tempo me parece a propriedade mais universal que existe. Envelhecemos todos na mesma direo, assim como os rochedos e as estrelas (2009c, p.111). Ele considera que a flecha do tempo no somente um fenmeno humano,
mas est presente em todas asformas da natureza, pois a evoluo temporal ocorre na
mesma direo tanto para os humanos como para o restante do universo, masimplica tambm no aparecimento de acontecimentos, de novas manifestaes que atestam a
criatividade da natureza. Desta forma contesta a viso habitual de que o tempo representa destruio e
decadncia, pois num universo de no equilbrio, a flecha do tempo no est associada ao declnio, mas, ao contrrio, possibilidade de bifurcao, de novidade, de criatividade
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(PRIGOGINE, 2009b, p.82). A quebra da simetria entre passado e futuro passa a conduzir
o mundo para uma formulao probabilstica, no existindo mais espao para o
determinismo e para as certezas. A fsica do no equilbrio abre espao para as
probabilidades de um universo em evoluo.
De acordo com Prigogine a humanidade e a cincia encontram-se num momento de
transio.Estamos diante do fim das certezas e do aparecimento de uma pluralidade de futuros(PRIGOGINE, 2009c, p. 111). A cincia que acreditava ser possvel descrever todo o universo atravs de algumas poucas leis fundamentais est dando lugar a uma nova
cincia, a cincia do no equilbrio, que considera tambm as leis da natureza, novas
propriedades para matria e que incorpora o complexo e o irreversvel. Esta nova cincia
busca superar a fragmentao herdada do passado e reduzir a distino entre as cincias exatas, com sua alegao de certezas, e as cincias humanas, com seus limites para a
previsibilidade (PRIGOGINE, 2009d, p.70). A substituio do ponto de vista determinstico e das certezas reconhecendo o papel das probabilidades e da
irreversibilidade associada a uma viso mais otimista da natureza e do papel dos seres
humanos.
Chegou a hora de formarmos novas alianas ligaes que sempre existiram, mas que foram mal entendidas durante muito tempo entre a histria do homem, das sociedades humanas, do conhecimento humano e
a aventura de explorar a natureza. Nosso tempo um tempo de
expectativas, ansiedades e bifurcaes. Longe de ser o fim da cincia,
creio que nosso perodo ver o nascimento de uma nova cosmoviso, de
uma nova cincia, cuja pedra fundamental engloba a flecha do
tempo:uma cincia que faz de ns e de nossa criatividade a expresso de
uma tendncia fundamental do universo. (PRIGOGINE, 2009e, p. 99).
As cincias da complexidade, pelo que foi exposto, buscam a auto-organizao e a
negao do determinismo, trabalhando com a criatividade em todos os nveis da natureza.
Um mundo absolutamente determinista e um mundo absolutamente aleatrio excluem-se
mutuamente.
Quanto mais complexa for a sociedade, mais importantes so os efeitos
no-lineares, mais numerosos os pontos de bifurcao.De tudo isso,
podemos concluir que leis deterministas no so suficientes quando
procuramos conhecer o futuro. Elas devem ser substitudas por leis que
implicam probabilidades (PRIGOGINE, 2009c, p.105).
Para Prigogine a histria uma sucesso de bifurcaes. Considera que atualmente
estamos nos aproximando de uma bifurcao conectada ao progresso da tecnologia da
informao e que estamos vivendo um perodo de flutuao no qual o caminho a ser
percorrido ainda no foi escolhido.
Em obra coletiva, que incluiu contribuies de Morin e de outros autores,
Prigogine afirma que o mundo parecido com um romance, onde as histrias se ligam umas outras: a histria cosmolgica, no interior da qual evolui a histria da matria, depois a da vida e, finalmente, a nossa prpria histria (PRIGOGINE, 1996, p. 232).
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Stacey: auto-organizao, criatividade e complexidade nas organizaes
Stacey passa a questionar as teorias dominantes da administrao desde sua obra
intitulada The chaosfrontier: creativestrategiccontrol for business, de 1991. At ento
suas preocupaes eram mais convencionais, associadas ao chamado paradigma
funcionalista, econometria e ao planejamento estratgico. A criatividade e a
complexidade emergiram como temas associados teoria do caos.
Na obra Complexityandcreativity in organizations, Stacey (1996) afirma que est
particularmente interessado em refletir sobre os motivos pelos quais as muitassalvaes organizacionais tornaram-se to parecidas com as antecessoras. Diz Stacey (1996, p.1)
que, apesar da aparncia inicial ser diferente, elas produzem os mesmos decepcionantes resultados.O autor ento convida os membros das organizaes a trabalhar com um novo quadro referencial para entender a vida organizacional.
Ele apresenta (STACEY, 1996, p. 3) o que chama de paradigma dominante de gesto e o ciclo vicioso ao trat-lo, apontando os passos dados na busca e uso de frmulas mgicassupostamente capazes de solucionar todos os problemas organizacionais. O autor nos diz que somos acostumados a usar um quadro compartilhado
de referncias que vem sendo reproduzido h bastante tempo e que apresenta falhas, pois
este no observa as particularidades de cada organizao.
As organizaes, segundo sua argumentao, buscam estabilidade e controle, e por
realizarem esta busca apresentam medo de falhar e ansiedade. Esse medo faz com que elas
passem a procurar receitas para atingir o sucesso, mas ao utilizarem essas receitas, sem observar as suas particularidades e complexidade, geram decepo.
Stacey define em 1996 as organizaes como sistemas adaptativos complexos,
aderindo, assim, tese central do Santa Fe Institute, criado em 1984. De acordo com o
autor, um sistema adaptativo complexo consiste em um nmero de agentes interagindo
entre si de acordo com schemas, ou seja, regras de comportamento, que so necessrias na monitoria que cada agente faz de outro, ajustando seu comportamento luz do
comportamento de outros. Para Stacey, os sistemas adaptativos complexos aprendem e
evoluem, frequentemente interagindo com outros sistemas adaptativos
complexos.Traduzindo livremente suas palavras,
Eles sobrevivem porque aprendem ou evoluem de um modo adaptativo:
eles computam informao de forma a extrair regularidades, construindo
esquemas que so continuamente modificados luz da experincia
(STACEY, 1996, p. 284). 1
O pensamento do autor tornou-se progressivamente crtico em relao literatura
dominante em administrao, incluindo as temticas da estratgia, da aprendizagem
organizacional, da contingncia, da anlise institucional. Mesmo as teorias do caos e da
complexidade tm sido usadas de forma conservadora, segundo ele (STACEY, 2010).
Em 2006, Stacey editou, em parceria com Robert Macintosh, Donald MacLean e
Douglas Griffin, a coletnea Complexityandorganization: readingsandconversations, que
1No original, They survive because they learn or evolve in an adaptative way: they compute information in
order to extract regularities, building them into schemas that are continually changed in the light of
experience (STACEY, 1996, p. 284).
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reuniu diversos autores vinculados s cincias da complexidade. Um dos temas debatidos
foi a relao entre sistemas naturais e sistemas sociais, ou seja, em que medida a noo de
sistemas adaptativos complexos, com base em pesquisas de cincias naturais e recursos
computacionais, poderia ser utilizada de forma consistente nas cincias sociais.Esse debate
continua muito atual e as posies de cada autor em geral dependem de suas trajetrias
acadmicas, de suas experincias de pesquisa e de seus envolvimentos em grupos multi ou
interdisciplinares.
Na trajetria de Stacey, a noo de sistemas adaptativos complexos torna-se
questionvel medida que avanam as pesquisas qualitativas sobre a dinmica
organizacional. Ao envolver-se com o InstituteofGroupAnalysise as pesquisas de
doutorado em administrao, ele e seus colegas do Complexity Management Centre atthe
Business SchooloftheUniversityofHertforshire passam a defender, em suas publicaes, a
ideia de que as organizaes no so sistemas,
mas o padro contnuo de interao entre as pessoas. Padres de
interao humana produzem padres adicionais de interao, no de
alguma coisa fora da interao. Ns chamamos essa perspectiva de
complexos e sensveis processos de relacionamento (STACEY;
GRIFFIN, 2005, p. 1).2
Stacey e Griffin refletem sobre as consequncias da perspectiva dos
complexresponsive processes nos estudos organizacionais, sugerindo que a mesma induz a
uma viso mais prxima da vida cotidiana. Afirmam que h duas importantes
consequncias dessa perspectiva: a) ningum pode ficar fora de sua interao com outras
pessoas. No pensamento dominante, dizem os autores, uma organizao vista como um
sistema situado em nvel acima dos indivduos que a compem. Reconhece-se que tal
sistema organizacional afetado por padres de poder e relaes econmicas da sociedade
em geral; esses padres so normalmente pensados como foras, para alm da organizao
e de seus membros, foras que moldam as formas locais de experincia. b) no h nenhum
programa, projeto ou plano para a organizao como um todo. Isto s existe na medida em
que as pessoas os consideram em suas interaes locais. Quaisquer declaraes dos mais
poderosos sobre projetos, vises e valores so entendidos como gestos chamando
respostas de muitas pessoas em suas interaes locais. Os mais poderosos podem escolher
os seus prprios gestos, mas no sero capazes de escolher as respostas dos outros, de
modo que o resultado de seus apelos com frequncia produz resultados surpreendentes.
H sutis e complexas implicaes dessa perspectiva no que se refere metodologia
de pesquisa, o que os autores abordam(STACEY; GRIFFIN, 2005, p. 9, 10), mas que no
sero tratadas aqui, porque nos levaria a fugir do foco principal desse estudo.
Na coletneaComplexityandexperienceofmanaging in public sector organizations,
Stacey e Griffin (2006) do prosseguimento enfase na pesquisa qualitativa com a
perspectiva dos complexresponsive processes, mas desta vez abordando organizaes
2 De acordo com o texto original de Stacey e Griffin (2005, p. 1), We argued that organizations are not
systems but the ongoing patterning of interactions between people. Patters of human interaction produce
further patters of interactions, not something outside of the interaction. We called this perspective complex
responsive processes of relating. relevante observar o significado do termo responsive. Segundo o Collins Cobuild English Language Dictionary (1987, p. 1235), someone who is responsive is quick to react to people or events and to show emotions such as pleasure, sympathy, and affection.
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pblicas de sade e de educao. Trata-se de uma iniciativa muito relevante dada a
interao institucional entre os sistemas e subsistemas que envolvem os rgos pblicos,
um desafio para as pesquisas com referencial na complexidade, especialmente quando a
metodologia qualitativa e tem enfoque transdisciplinar, considerando a antropologia, a
psicologia e a microssociologia.
Dandocontinuidade suatrajetriacrescentementecrtica, Stacey publica em 2010
Complexity and organizational reality: uncertainty and the need to rethink management
after the collapse of investment capitalism. uma obra de maturidade, em parte j
publicada em 2001. Stacey faz uma abordagem da crise financeira desencadeada
principalmente nos Estados Unidos, em 2008, com repercusso mundial. Ele enfatiza a
crtica aos discursos dominantes em gesto (o funcionalismo, o gerencialismo, o
planejamento estratgico) que no previram a crise, em face de seu conservadorismo e
apego s chamadas cincias da certeza.
A tese principal de Stacey nessa obra que a sua nova forma de pensar a perspectiva dos processos complexos e sensveis necessria para lidar tanto com o colapso do capitalismo financeiro quanto com o fracasso das prescries gerencialistas
baseadas no mercado.
Stacey (2010) toma como referncia o que chama de cincia da incerteza e da
complexidadepara desafiar o pensamento dominante em gesto. Destaca a importncia da
diversidade e da diferena, em oposio harmonia e ao consenso, como fontes de
novidade, vendo a necessidade de expresso da identidade (individual e coletiva) como
principal motivador para a ao humana, a centralidade da interao local e sua natureza
complexa (com restries e liberaes) e a necessidade de reconhecimento de que as
pessoas so interdependentes, em vez de indivduos autnomos.
O autor (2010) considera que os insights das cincias da complexidade (e
Prigogine apontado como uma de suas principais referncias) continuam a ocupar um
espao marginal em relao ao pensamento e a prtica dominantes,em que pese o uso
oportunista de aspectos do discurso da complexidade nas organizaes e nos centros de
pesquisa em administrao. Alguns afirmam que falta s cincias da complexidade
ferramentas ou modelos rigorosos para operacionalizar a teoria, mas Stacey discorda dessa
ideia, afirmando que a falta de uma abordagem complexa no campo dos estudos
organizacionais e nas organizaes est provavelmente mais relacionada ao fato de que ela
ameaa a identidade profissional de gestores e diretores.No querem perder a imagem de
que esto no controle das organizaes.
Como em outras obras, ele defende a necessidade de pesquisa em profundidade
sobre as realidades especficas de cada organizao, inclusive do setor pblico, mas sem a
pretenso de obter segurana e poder. Em determinado ponto faz uma avaliao geral da
realidade organizacional contempornea:
A realidade organizacional muitas vezes espao de corrupo e cobia
com o que o modo importado de pensar est mal equipado para lidar,
porque ignora a tica e, quando a reconhece, faz isso de forma dualista
em que se acusa o `sistema e alguns poderosos bodes expiatrios como
culpados pelos erros (STACEY, 2010, p. 50).3
3Conforme o texto original, The organization reality is often one of corruption and greed which the
imported way of thinking is ill equipped to deal with, because it largely ignores ethics and when it does
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Que comparao plausvel entre Morin, Prigogine e Stacey?
Para dar incio a uma comparao entre os enfoques dos autores com base nas
snteses feitas at aqui ser preciso, antes, fazer uma breve introduo obra de Edgar
Morin. Para tanto, recorremos a alguns aspectos do projeto de pesquisa acima referido
(Anlise da Contribuio de Edgar Morin Teoria das Organizaes).
Morin elaborou uma abordagem crtica de toda a cincia moderna/clssica a partir
do que denomina Paradigma do Ocidente (GPO), paradigma disjuntor-redutor ou
paradigma da simplificao:
O dualismo cartesiano apontado por Morin(1991, p. 194) como fundamento de
uma viso disjuntiva-redutora. O GPOfoi imposto pelos desenvolvimentos da histria europeia desde o sculo XVII. O GPO separa no s o sujeito do objeto investigado, cada um com sua esfera prpria, mas tambm a filosofia (investigao reflexiva) da cincia
(investigao objetiva).Esta dissociao prolonga-se, atravessando o universo de um lado ao outro, diz Morin, que aponta dois conjuntos de conceitos em polaridades que constituem o GPO:
Quadro 1: Polaridades do GPO
Sujeito Objeto
Alma Corpo
Esprito Matria
Qualidade Quantidade
Finalidade Causalidade
Sentimento Razo
Liberdade Determinismo
Existncia Essncia
Fonte: Morin (1991, p. 194).
Segundo Morin, o GPO pode ser considerado, de fato, um paradigma, na medida em
que determina os conceitos soberanos e prescreve a disjuno como sendo a relao lgica
fundamental. Para o GPO, a no obedincia a esta disjuno s pode ser clandestina,
marginal, desviante. O GPO determina uma dupla viso do mundo: por um lado, h um
conjunto de objetos submetidos a observaes, experimentao, manipulaes. Por outro,
h um conjunto de sujeitos que colocam a si prprios problemas existenciais, de
comunicao, de conscincia, de destino (MORIN, 1991, p. 194). Deste ponto de vista, o
GPO comandaria a dupla natureza da praxis ocidental: por um lado, o culto do
individualismo e do racismo; por outro, a nfase na cincia e na tcnica como objetivas e
recognize ethics, it does so in a dualistic way in which blame for wrong doing is directed at the system and
a few powerful scapegoats (STACEY, 2010, p. 50).
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norteadas obsessivamente pelo tratamento quantitativo dos dados empricos considerados relevantes.Dessa forma, os desenvolvimentos antagonistas da subjetividade,
da individualidade, da alma, da sensibilidade, da espiritualidade, por um lado, e os da
objetividade, da cincia, da tcnica, por outro dependem do mesmo paradigma (MORIN, 1991, p. 195).
H dois universos que disputam entre si as sociedades, as vidas, os espritos; partilham o terreno, mas excluem-se mutuamente; um s pode ser considerado positivo se
o outro for considerado negativo; um s pode ser concebido como real se remete o outro
para a esfera das iluses. Num deles, o esprito no mais que uma eflorescncia, um fantasma, uma superestrutura, enquanto no outro a matria no mais que uma aparncia, um peso, uma cera que o esprito molda. O humanismo ocidental, diz Morin (1991, p. 195), consagra a disjuno entre os dois universos, apesar j estar instalado em ambos. A cincia, por um lado, elimina o sujeito e, por outro, torna-se seu instrumento de
dominao.
Em resumo, o tipo de cultura criada com base na disjuno entre sujeito e objeto
necessita migrar, cotidianamente, de um estado para o outro, transpor as barreiras que
dividem os dois universos (MORIN, 1991, p. 196). Dessa forma, por serem considerados
disjuntos, separados, o sujeito e o objeto jogam s escondidas, ocultam-se e manipulam-se mutuamente. A esquizofrenia particular da nossa cultura d a cada um pelo menos uma dupla vida, afirma o autor, o que explicitado a seguir:
Por um lado, uma vida existencial e moral, com a presena e a
interveno da experincia interior, uma viso das coisas e dos
acontecimentos segundo a subjetividade (qualidades, virtudes, vcios,
responsabilidade), a adeso aos valores, as impregnaes e
contaminaes entre juzos de fato e juzos de valor, os juzos globais;
por outro lado, uma vida de explicaes deterministas e mecanicistas, de
vises parcelares e disciplinares, de disjuno entre juzos de fato e
juzos de valor. Assim a vida cotidiana de cada um ela prpria
determinada e afetada pelo grande paradigma (MORIN, 1991, p. 196).
A superao das alternativas clssicas para Morin o grande desafio da
modernidade. Tais alternativas entre unidade e diversidade, acaso e necessidade, quantidade e qualidade, sujeito e objeto, holismo e reducionismo esto perdendo seu carter absoluto: o dilema entre isto ou aquilo tende a ser substitudo tanto por nem isto
nem aquilo, como por isto e aquilo. Para a scienzanuova, no se trata de destruir as
alternativas clssicas, no se trata de apresentar uma soluo monista como a essncia da
verdade. Os termos alternativos tornam-se antagnicos, contraditrios, e ao mesmo tempo complementares no seio de uma viso ampla, que vai precisar reencontrar-se e se
confrontar com novas alternativas (MORIN, 2007a, p. 54). O paradigma da complexidade (ou pensamento complexo, ou paradigma emergente)
ainda uma possibilidade incerta, uma emergncia que se afirma medida que so
reconhecidos os fracassos do GPO, do positivismo, do funcionalismo, do estrutural-
funcionalismo, do comportamentalismo e medida que organizaes de um novo tipo emergem no meio educacional e cientfico. O paradigma da complexidade parte tambm
de uma tradio cultural que remonta a Herclito e LaoTs, no se limitando a articulaes
da cincia posterior fsica quntica, s articulaes da ecologia com outras cincias ao
longo do sculo XX, ciberntica, teoria dos sistemas, teoria da informao, s
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inovaes e hibridizaes polidisciplinares e transdisciplinares. No pensamento complexo,
vrios paradigmas menos abrangentes coexistem, cada um dispondo de espao
diferenciado, ainda que mantendo relaes conflitantes com os demais e permanecendo
cegos em relao aos outros.
Feita esta apresentao sumria dos dois grandes paradigmas em confronto,
segundo Morin, vamos agora propor um quadro em que se apresenta uma interpretao de
grandes transformaes cientficas e emergncia de paradigmas.
O quadro2, proposto abaixo, no pretende mais do que sintetizar um processo que
ainda se encontra em curso, que dependente de transformaes polticas, sociais,
ecolgicas e econmicas, tanto dentro quanto fora dos centros de pesquisa, e sobre o qual
no h um consenso a respeito entre os pesquisadores. Observe-se que os trs perodos e
as trs transformaes cientficas esto inseridos no confronto entre os dois paradigmas
(GPO e da complexidade).
Quadro 2: Transformaes cientficas e emergncia de paradigmas Transformaes
Cientficas
Algumas Caractersticas Relevantes Periodizao
Primeira
Disjuno entre senso comum e cincia, alm de disjuno
entre cincia e filosofia/humanidades;
Emergncia da cincia moderna e suas ramificaes
disciplinares; mtodo das cincias naturais e exatas, com a
fsica em primeiro lugar, assume a condio de paradigma
para o conjunto das cincias. Reduo da complexidade s
frmulas simples (abstratas), matemticas, ou a leis como a
da oferta e da procura (economia), da gravidade
(astronomia). Emerge o paradigma dominante, disjuntor-
redutor ou antropocntrico.
Entre sculos XVII
e XX. Ainda
predominante no
sculo XXI.
Segunda
Irrupo da incerteza no mago das cincias exatas e
naturais, especialmente com a emergncia da fsica
subatmica e quntica, na contracorrente da fsica clssica
(newtoniana-cartesiana). Incerteza esta que conduz ao
questionamento filosfico das cincias (nova
epistemologia). Reaproximao entre filosofia e cincia,
incluindo aspectos fenomenolgicos no debate sobre o
positivismo. H uma crise do paradigma dominante, que se
mantm por intermdio da disjuno-reduo disciplinar e
corporativa nas universidades.
Primeira metade do
sculo XX
Terceira
Emergncia de um novo paradigma cientfico-filosfico,
com base na ecologia, na retomada da viso sistmica e em
diversos dilogos inter e trandisciplinares; reaproximao
entre cincia e senso comum, ainda que sob uma leitura
crtica e analtica. A transio paradigmtica se resume no
confronto entre um paradigma disjuntor-redutor e um
paradigma da complexidade (Morin) ou emergente (Santos),
cujo eixo seria a busca de associao sem fuso e distino
sem disjuno/separao entre os saberes. Este novo
paradigma permite o questionamento da setorialidade
institucional (burocratizao) e favorece o dilogo
intersetorial, assim como o dilogo entre Estado, sociedade
civil e mercado. Este paradigma emerge medida que se
alia ao anterior (segunda revoluo) e medida que o
Segunda metade do
sculo XX at os
dias atuais
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primeiro apresenta sinais de crise, ainda que permanea
dominante.
Fonte: Adaptao a partir de Santos (2000); Morin; Le Moigne (2000) e Vasconcelos (2002).
Em seguida a essas ideias certamente genricas sobre paradigmas e transformaes
cientficas, vamos apresentar uma sntese das ideias de Morin sobre complexidade, tema
central tanto para Prigogine quanto para Stacey.
Quadro 3: Tipos de Complexidade na Perspectiva de Edgar Morin
Baixa Complexidade Alta Complexidade
Megamquina escravagista/totalitria.
Forte centralizao.
Hiperespecializao.
Integrao rgida e repressiva, liberdades reduzidas, mltiplos controles, etiqueta, rituais.
Forte coero.
Fraca comunicao entre os grupos e entre indivduos.
Predominncia do programa sobre a estratgia.
Fraca autonomia dos indivduos.
Otimizao simplificadora (funcionalidade, racionalizao).
Megamquina pluralista.
Importncia do policentrismo e do acentrismo.
Integrao comportando mltiplas comunicaes, especializaes e
policompetncias.
Fraca coero.
Intensa comunicao entre grupos e indivduos.
Predominncia da estratgia sobre o programa; espontaneidade, criatividade,
riscos, liberdades.
Grande autonomia dos indivduos.
Otimizao complexa (incertezas, liberdades, desordens, antagonismos e concorrncias).
Complexidade Restrita Complexidade Ampla
Relaes crebro/esprito, com subordinao do primeiro ao segundo ou vice-versa.
Relaes crebro/esprito desvinculadas da cultura/sociedade.
Oficializao da complexidade (1984), incluindo interaes, retroaes e variaes
dificilmente entendidas sob a viso clssica da
cincia.
Sem abordagem epistemolgica consistente.
Sistemas complexos e sistemas muito complicados no so distinguidos entre si.
Noo de cincias da complexidade.
Modelizaes teis para o avano da cincia.
Quando se volta para definies de leis da complexidade, limita-se cincia clssica.
Unidualidade entre crebro/esprito, sem subordinao do primeiro ao segundo ou vice-
versa.
Unidualidade entre crebro/esprito vinculada unidualidade entre cultura/sociedade.
Abordagem epistemolgica alm de terica
Sistemas complexos como sistemas autoeco-organizados; destaque para a noo de
organizao.
Noo de pensamento complexo.
Complexidade concebida como presente em todas as formas de organizao, no se
limitando a sistemas complicados.
Tende a superar a noo de leicientfica, observando que se trata de metfora que tem
origem histrica e social, a partir das leis da
monarquia e das sociedades; a noo de lei foi
transferida para as cincias fsicas,
representando uma emanao do deus criador.
Fonte: elaborao prpria a partir de Morin (1986a; 2007b).
So essas noes de complexidade que permeiam toda a obra de Morin e que
precisam ser consideradas na abordagem dos conceitos de organizao, de auto-
organizao ou autoeco-organizao.
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Conforme a avaliao de Myron Kofman,
A grande importncia de Morin ter sido o pensador de maior alcance
do conceito (ou paradigma) de auto-organizao. Este conceito no
desenvolvimento de Morin associa, mas no unifica, a fsica, a biologia,
as cincias humanas e a filosofia naquilo que ele v como um grandioso
e perfeito movimento circular. Nesta tarefa, Morin tem no continente
americano vrios pensadores seus homlogos, tais como Gregory
Bateson, Francisco Varela e Maryuama; assim como em Frana, entre os
quais se destacam Prigogine e Stengers e Henri Atlan [...] como os mais
cruciais para o seu empreendimento (KOFMAN, 1996, p. 17).
Com efeito, a ideia de ideia de organizao ocupa um lugar centralem vrios livros
de Morin sobre o Mtodo, sua obra principal, em seis volumes: 4
A cincia da ordem repeliu o problema da organizao. A cincia da
desordem, o segundo princpio, s a revela no vazio, negativamente. A
cincia das interaes s nos conduz at a sua antecmara. A
organizao est ausente da fsica, o paradoxo da termodinmica, o
enigma dos sis, o mistrio da microfsica, o problema da vida.
Mas...que a organizao? (MORIN, 1977, p. 93).
Deste questionamento inicial o autor avana para a anlise de todo e qualquer
objeto como sistema, a exemplo do tomo, um sistema de partculas em interaes mtuas.
Articulando recursivamente as noes de interaes, inter-relaes, organizao e sistema,
ele apresenta uma primeira definio de organizao:
a disposio de relaes entre componentes ou indivduos, que produz
uma unidade complexa ou sistema, dotada de qualidades desconhecidas ao
nvel dos componentes ou indivduos. A organizao liga, de modo inter-
relacional, elementos ou acontecimentos ou indivduos diversos que, a
partir da, se tornam os componentes de um todo. Garante solidariedade e
solidez relativa a estas ligaes e, portanto, garante ao sistema uma certa
possibilidade de durao apesar das perturbaes aleatrias. Portanto a
organizao transforma, produz, liga, mantm (MORIN, 1977, p. 101).
Morin no fechou a ideia de organizao no interior da noo de sistema nem na noo de ciberntica (mquina). Pelo contrrio, ele vinculou a ideia de sistema e de
mquina ideia de organizao. Para ele a noo de organizao ultrapassa as noes de
sistema, de ordem e se instala na prpria physis, na infra-estrutura do universo. A aptido para organizar-se a propriedade fundamental, surpreendente e evidente da physis.
porm a grande ausente da fsica (MORIN, 1977, p.100). 4 Este primeiro livro, cujo subttulo a natureza da natureza, tem trs partes, cada uma delas diversos
captulos: a) A ordem, a desordem e a organizao; b) Organizao; b) A organizao regenerada e
generativa. No segundo livro da srie sobre o Mtodo, o conceito de organizao tambm central e consta
no ttulo da terceira parte A organizao das atividades vivas. No quarto volume, a noo de organizao aparece no subttulo: As ideias a sua natureza, vida, habitat e organizao. Neste, a terceira parte intitulada A organizao das ideias (noologia).
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O autor concebe uma teoria da organizao em forma de teoria dos fenmenos
organizacionais. Trata-se de uma teoria aberta, que no pretende esgotar o real, mas
revelar sua complexidade, conforme possvel perceber no trecho a seguir:
[...] evoco a organizao biolgica e a organizao antropossocial, mas
sempre sob o ngulo da organizao fsica. A cada desenvolvimento do
conceito fsico de organizao vo surgir exemplos/referncias
biolgicos ou antropossociolgicos. Este fato parecer extremamente
confuso aos espritos para quem a fsica, a biologia, a antropologia e a
sociologia so essncias separadas e incomunicveis. Mas aqui este fato
necessrio tanto mais que tudo quanto organizao diz respeito
biologia e antropossociologia, e tambm porque problemas e
fenmenos organizacionais, virtuais ou atrofiados ao nvel das
organizaes fsicas, se manifestam e se expandem nos seus
desenvolvimentos biolgicos e antropossociolgicos. Isto significa que
os fenmenos e problemas biolgicos e antropossociolgicos necessitam,
para serem concebidos e compreendidos, duma formidvel infra-
estrutura organizacional, ou seja, fsica (MORIN, 1977, p. 31).
Aps essa breve introduo s ideias de Morin, passamos a uma comparao entre
os trs autores. Comeamos com mais um quadro, apontando os estudos e temticas
predominantes na obra dos autores.
Quadro 4: Estudos e temticas predominantes de Prigogine, Morin e Stacey
Prigogine Morin Stacey Qumica, fsica termodinmica,
filosofia e histria da cincia.
Histria, geografia, direito,
sociologia, antropologia,
poltica, filosofia. Estudos
transdisciplinares em
ciberntica, biologia/ecologia e
teoria da informao
Comrcio, Planejamento,
Economia, Econometria,
Administrao, Sociologia das
organizaes, Psicoterapia.
Cincias da complexidade;
cincias da incerteza; flecha do
tempo; estruturas dissipativas;
auto-organizao; bifurcaes;
criatividade; aliana entre
cincias da natureza, cincias
humanas e filosofia.
Pensamento complexo;
organizao e auto-eco-
organizao, paradigma da
complexidade; ecologia da ao
e ecologia social;
antropossociologia; mtodo;
epistemologia da complexidade;
antropoltica; noologia; ordem-
desordem.
Teoria do caos; criatividade;
cincias da complexidade; auto-
organizao; sistemas
adaptativos complexos;
processos complexo-sensveis,
metodologia qualitativa.
Fonte: elaborao prpria.
Pode-se observar que todos os trs tiveram trajetrias transdisciplinares, de certa
forma transgredindo os compartimentos das hiperespecializaes disciplinares prprias da
formao acadmica convencional.
Prigogine partiu da cincia natural, qumica e fsica termodinmica, chegando ao
auge da carreira ao receber o Prmio Nobel de Qumica em 1977 e tornando-se uma
celebridade internacional com sua teoria das estruturas dissipativas.Isso lhe permitiu ousar
na anlise crtica de toda a cincia moderna/clssica, especialmente a partir de sua parceria
com a qumica e filsofa da cincia Isabelle Stengers.
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Com a trajetria transdisciplinar a complexidade da obra de Prigogine aproxima-se
do que Morin denomina alta complexidadee complexidade ampla (ou generalizada).
Entretanto, cabe observar que o espectro de cincias analisadas por Morin, alm da
filosofia, mais amplo do que aquele que consta na obra de Prigogine. A
transdisciplinaridade desenvolvida por Morin, ao contrrio do que ocorreu com Prigogine,
partiu das cincias sociais para as cincias naturais, alm de contar com uma base
filosfica que lhe permitiu construir sua maior obra epistemolgica, o Mtodo, abrindo as
fronteiras disciplinares e promovendo o dilogo entre seus conceitos nucleares (suas razes
etimolgicas). Assim, enquanto o conceito de auto-organizao em Prigogine limita-se a
uma concepo fsica ao qual o autor acopla uma reflexo filosfica, em Morin observa-se
uma articulao detalhada de conceitos e ideias oriundas de mltiplas cincias. O conceito
de auto-organizao ampliado na perspectiva moriniana para incluir a raiz da ecologia,
oikos, formando auto-eco-organizao. Este conceito, por sua vez, apenas uma sntese de
um macroconceito: auto-eco-geno-socio-feno-re-organizao, que se constitui como
ncleo do seu Mtodo, um caminho tanto dialgico, quanto recursivo e hologramtico.
No que se refere comparao entre Stacey e Morin, observa-se uma distncia
maior entre os autores, em termos de tipos de complexidade, especialmente no incio da
trajetria de Stacey, com a econometria, que representa um enfoque simplificador para
Morin. Pode-se dizer ento que Stacey comea sua trajetriano mnimo prximo da
complexidade restrita, que ele amplia a partir da abordagem que faz da teoria do
caos.Stacey aproxima-se de Prigogine com a abordagem da criatividade e da
complexidade, de forma transdisciplinar. Infelizmente Stacey parece no conhecer a obra
de Morin, o que poderia ser-lhe til como forma de ampliar sua teorizao sobre as
organizaes.
A abordagem dos sistemas adaptativos complexos, que Stacey faz a partir da
proposio do Santa Fe Institute, como tantos outros autores situados na cultura anglo-
sax, considerada por Morin como parte do tipo de complexidade restrita. Os modelos e
as abstraes se sobrepem alta e ampla complexidade, tipos estes que incluem os
modelos/abstraes, sem reduzir a complexidade. Stacey avana transdisciplinarmente ao
longo de sua trajetria, tornando-se crtico da noo de sistemas adaptativos complexos e
propondo uma viso mais qualitativa das organizaes. Com isso se aproxima dos tipos de
complexidade alta e ampla de Morin, especialmente em sua obra de 2010, em que faz um
balano crtico e epistemolgico da histria das teorias organizacionais. Stacey, entretanto,
mantm-se fundamentalmente no mbito das cincias sociais. Sua obra sociocntrica,
antropocntrica, uma postura comum na maior parte das cincias sociais. Nesse sentido
pode-se concluir que a obras de Morin e a de Prigogine esto frente da obra de Stacey,
no contexto da crise ecolgica.
Essas ideias so apenas alguns indcios, algumas pistas, para uma anlise
comparativa entre os autores, nos limites que aqui temos. Com isto conclumos que ainda
h muito por ser feito no sentido de analisar a contribuio de Edgar Morin teoria da
organizaes.
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