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  • VERACORTSARTAGENCY

    Opening:1 July, 10 pm

    (Performance with Laura Pante

    from 10:30 pm)

    2 July 17 September 2016

    Tuesday to Saturday2 7 pm

    ENP TAnna Franceschini

    In lieu of a liane

  • lus silva: O ttulo da tua exposio, iN liEu OF a liaNE, sugere ideias de permuta e substituio, ou mesmo at de transformao; aponta tambm na direo de coisas que no so o que parecem ou, para ser mais exato, que so mais do que aquilo que parecem ser. Em que situaes, na tua exposio, h mais do que visvel primeira vista?

    aNNa FraNcEschiNi: Instintivamente, diria que no, que a exposio ver-sa inteiramente sobre aparncias, aspectos, superfcies, mas estaria a mentir. Bem, talvez contando pequenas mentiras brancas seja uma forma de perceber o posicionamento de alguns aspetos desta exposio.

    Voltemos ao ttulo. Ele vem do princpio, quando estava a escrever sobre o projeto, tentando encontrar descries ilustrativas daquilo que tinha em mente. Tentando encontrar exemplos muito simples que pudes-sem comunicar esta ideia de iluso tica revelada, de um trompe loeil evidente. Usei esta expresso, in lieu of a liane, para explicar o uso de outros materiais, no vegetais, na exposio. Apareceu de repente, to elegantemente torcida ela prpria, verde e crescendo ao longo da frase que estava a escrever. Isto apenas para dizer que o impulso por trs desta exposio no se alimenta do desejo de enganar o olhar de algum, mas, mais precisamente, da vontade de fazer com que o espec-tador tenha conscincia do truque e do engano de forma a que os possa desfrutar plenamente.

    Uso muito este tipo de prtica nos meus filmes e vdeos. Na exposi-o, este tipo de tcnica est ao servio de outros meios e de uma ideia geral de deslocamento do espao e do tempo. A inspirao inicial um livro, The Drowned World, uma fico distpica escrita por J.G. Ballard em 1969. Um passado, que talvez seja o nosso tempo, visto daqui a du-zentos anos, aps uma catstrofe que deixou as cidades da Europa e da Amrica debaixo de gua, atravs de olhos com um vnculo distante a hbitos, cdigos, e sentidos que foram aceites e respeitados por todos h muito, muito tempo (leia-se: agora).

    l.s.: s ento uma trickster?

    a.F.: Bem, a figura do trickster na mitologia uma criatura fascinante que parece estar sempre posicionada entre os deuses e os humanos. Esta natureza ambgua e liminar interessante na medida em que ilusria e produz distores sedutoras. Diremos que eu poderei ser uma trickster que deixa sempre em aberto a possibilidade de desco-brir o imbrglio, o truque por detrs da imagem. A verdade, qualquer que ela seja, est l, talvez apenas um pouco, e no pano de fundo, por detrs de algum objeto que roda, oculta por uma cortina de PVC opalescente, mas est sempre l. Promessa!

    Todos somos livres para sermos enganados, ou no. uma questo de prazer. Por exemplo, h uma semana estive num jantar numa casa muito bela onde nada o que parece. O casal que habita essa fantasma-goria ecltica mostrou-me uma natureza morta, representando azeito-nas e ovos, feita de uma cermica muito fina, completamente verosmil,

    Conversa entre Lus Silva e Anna Franceschini Junho de 2016

    que era geralmente posta na mesa, entre a comida real, para enganar os convidados e produzir risadas, j que quando pegas na imitao da azeitona ela no se move do prato Ento, podemos dizer que sou uma trickster num sentido barroco da palavra.

    l.s.: Qual , se de facto existe, a relao entre seduo e o ser uma trickster?

    a.F.: Eu acho que tem que ver com o ato de dar prazer atravs de iluses e distores. claro que isto implica uma cumplicidade mtua, entre aquele que engana e o que vai ser enganado. O pacto deve ser muito cla-ro: eu vou pregar-te uma partida, queres que o faa ou no? Se ests, por favor fica e aprecia a situao, todos os vus, todos estas belas pregas e dobras aparentes. Se no queres, ento um trickster no pode fazer muito por ti. Tambm depende da nuance que se d prpria palavra. A minha primeira reao foi ir buscar o lado divino do trickster, e assim dou-lhe um sentido positivo e sinto-me quase lisonjeada quando me chamam de tal.

    Creio que foram raras as vezes nas quais fui seduzida pela verdade, se que h uma verdade.

    l.s.: Algo que me chamou a ateno, no s nesta exposio mas tam-bm na tua prtica em geral, e parece estar relacionada com o que te-mos vindo a discutir, ainda que de uma forma algo oblqua, uma certa preferncia pela circularidade, seja como uma ferramenta muito concre-ta (o movimento circular, por exemplo) ou/e como mecanismo retrico. O que te interessa nisto, especificamente?

    a.F.: Circularidade, repetio, loops esto, na verdade, quase sempre presentes no meu trabalho. Mesmo nas peas coreogrficas que fao em colaborao com os danarinos, as peas so sempre concebidas como padres que se repetem. No faria qualquer sentido realiz-las apenas uma vez.

    Neste ponto, h vrios aspectos que me interessam. Penso que, mesmo no princpio, quando fazia apenas vdeos monocanal, baseados principalmente na observao de um espao selecionado e reconhecvel, a circularidade j estava presente e pretendia ser uma afirmao precisa a respeito da dramaturgia cinematogrfica. Era uma tentativa de esca-par a uma linearidade narrativa, ainda que nunca tenha realmente con-seguido atingir este objetivo. Foi apenas nas instalaes que comecei a trabalhar a ideia de simultaneidade repetida.

    Penso que estou interessada no efeito produzido pela circularidade: aps alguns loops, a perceo da pea pode mudar. Por exemplo, penso que o nvel de ateno vai sendo alterado pela repetio circular, e este processo pode gerar um pensamento secundrio e diferente.

    Alm disto, existe tambm uma espera pendente implcita circu-laridade, reafirmada ciclo aps ciclo, que acho viciante. Uma espcie de energia potencial que cresce e cresce, e nunca libertada num FIM ca-trtico. No h resoluo narrativa, no h compreenso cognitiva.

  • Outro aspeto interessante diz respeito construo da exposio, que adquire uma espcie de qualidade vibrante, uma variabilidade con-trolvel. Por vezes tambm penso as exposies como se fossem filmes, os diferentes trabalhos como sequncias de uma possvel montagem cinematogrfica. Uma vez fiz uma exposio apenas com trabalhos em vdeo com uma durao especfica. Os vdeos mudavam, seguindo um esquema, durante meia hora, e depois a exposio comeava de novo. Uma outra vez, intervinha eu prpria, alterando as peas na exposio durante a abertura, sem uma atitude performativa encenada, mas ape-nas como visitante da minha prpria exposio. Assim, com alteraes atrs de alteraes, a exposio, mesmo que estivesse sempre dentro do mesmo tema, transformava-se noutra completamente diferente. Estava interessada nos efeitos percetuais e nos nveis de ateno, os meus e os da audincia.

    l.s.: O que te interessa no fenmeno da perceo, e mais especificamen-te nos efeitos percetuais, i.e. ticos? algum tipo de legado da op art?

    a.F.: No incio era um interesse em revelar a abstrao que estava escon-dida por detrs da figurao. Um esforo de enquadramento da realidade de tal forma que fosse possvel abri-la como um padro, como movimen-to puro, ou como uma combinao de cores. Como a minha formao , primeiramente, em estudos do cinema, na minha prtica inicial eu reagia essencialmente ao cinema estrutural. Vendo os filmes de Peter Kubelka e Paul Sharit, pensei que gostaria de imaginar a realidade de forma a ob-ter um efeito minimalista semelhante. Ento, comecei a filmar fenme-nos focando-me nos seus aspetos formais: cor, movimento, repetio de um determinado evento percetual. Mesmo quando no produzia filmes experimentais, mas sim documentrios, estava a tentar aplicar a mesma atitude na representao de espaos. Por exemplo, uma vez fiz uma do-cumentao de uma casa de repouso para cantores de pera em Milo e a minha principal preocupao foi a de encontrar um sistema perfeito de movimento que pudesse traduzir a topologia do lugar para a lingua-gem cinematogrfica. Quando percebi que o travelling era o mecanismo certo (tcnica e linguisticamente) para analisar o espao horizontalmen-te e que o elevador j existente na casa era o seu contraponto vertical, fiquei muito contente. Transformei o espao em linguagem cinematogr-fica. Basicamente, estava a utilizar o espao para analisar formas que pertencem ao cinema, como o movimento de travelling que mencionei. Ainda assim, o filme consegue ser emocionalmente tocante algo que procurei sempre. Estou profundamente convencida que estes so dois aspetos da mesma coisa. como ler Austerlitz, ou Vida, modo de usar de George Perec. Tudo diz respeito estrutura, ou a descries de-talhadas de aspetos formais da realidade mas tudo profundamente tocante e, de alguma forma, doloroso. A estrutura um antdoto para a dor. Talvez.

    Voltando a legados, sempre me senti mais prxima de Hollis Frampton. Winter Solstice (1974) e Lemon so provavelmente os traba-lhos artsticos que mais me influenciaram. Um filmado numa fundio,

    com o foco nas chamas, metal lquido, vermelho e quente, fascas, um luminoso ritual visual, e o outro sobre um limo e sobre a mudana de luz. De uma forma ligeiramente irnica, analisa o cinema simultanea-mente como presena e Iluso.

    H uns versos de uma cano de uma banda chamada Young Marble Giants que descrevem muito bem esta condio:

    Shape up your body Lets be a treeVisual dynamics for you to seeNature intended the abstractFor you and me

    Agora, esta pesquisa de imagens em movimento na sua essncia mais pura, fenmenos reduzidos a eventos formais, est a transformar-se em algo diferente. Por exemplo, comecei a provocar eventos, no sentido em que construo cenrios, crio composies com objetos, fao coisas acontecer propositadamente. Mas sou ainda uma observadora, e utilizo aquilo que me chega aos olhos. Esta exposio, por exemplo, tem a sua origem num livro que descreve o fim da modernidade, e mesmo da sua