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1 34º Encontro Anual da ANPOCS Seminário Temático: 01 As fontes dos marxismos do século XX Título: Antonio Gramsci: reconceitualização de Maquiavel numa perspectiva marxista. Gonzalo Adrián Rojas. Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) Javier Amadeo. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

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34º Encontro Anual da ANPOCS

Seminário Temático: 01

As fontes dos marxismos do século XX

Título:

Antonio Gramsci: reconceitualização de Maquiavel numa perspectiva marxista.

Gonzalo Adrián Rojas. Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)

Javier Amadeo. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

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Introdução:

Os trabalhos de Karl Kautsky As três fontes do marxismo (1908) e Vladimir Ilitch

Lenin As três fontes e a três partes constitutivas do marxismo (1913) são os primeiros em

indagar acerca das fontes não marxistas das elaborações teóricas de Karl Marx e Federico

Engels, a saber: a economia política inglesa, o socialismo francês e a filosofia alemã. Um

conjunto de autores da tradição marxista do século XX também utilizou fontes não

marxistas e estabeleceram diálogos com outras correntes teóricas das Ciências Sociais.

Nessa linha, o objetivo deste trabalho é analisar a apropriação das reflexões do

teórico-político florentino, Nicolau Maquiavel (1469-1527), por parte de Antônio

Gramsci (1891-1937) na elaboração de um conjunto de categorias teóricas centrais para

pensar o Estado, a sociedade e as possibilidades de revolução nas sociedades

contemporâneas. Procura-se entender a Maquiavel, como uma fonte não marxista, para a

partir dos conceitos e algumas das idéias de Maquiavel fazer uma comparação com a

reinterpretação desses conceitos elaborados pelo comunista italiano.

As fontes de Maquiavel mencionadas por Gramsci nos seus Cadernos do Cárcere

são, sobretudo, O Príncipe, mas também os Comentários sobre a primeira década de

Tito Lívio, A Arte da Guerra, Histórias de Florência e A Mandrágora. O uso dessas

obras por Gramsci se dá tanto de maneira direta, como de maneira indireta, através das

múltiplas polêmicas que enfrenta com as diferentes interpretações das obras de

Maquiavel disponíveis na sua época. Este artigo centra-se no estudo de O Príncipe e

limita-se principalmente, aos conceitos elaborados por Gramsci nos Cadernos do

Cárcere sob o título de Breves notas sobre Maquiavel, às que correspondem ao Caderno

13 do comunista italiano e que foi escrito entre 1932-1934.

Gramsci, a partir do analise de Maquiavel, apresenta a importância teórica e

política de pensar um príncipe moderno no marco da filosofia da práxis, a necessidade de

que a secularização da política torne-se um senso comum e a política como uma práxis

para a construção de relações de forças próprias na luta pelo poder na formação de uma

nova vontade coletiva nacional e popular para transcender as sociedades capitalistas

“ocidentais”. A separação do florentino entre Oriente e Ocidente é utilizada também por

Gramsci, para elaborar uma estratégia política bem sucedida, e gera conclusões políticas

diferentes. O conceito de “Estado ampliado” gramsciano é possível levando em

consideração esta separação entre Oriente e Ocidente, assim como fazer um paralelo

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entre a força do leão e a astúcia da raposa no Príncipe com os conceitos de coerção e

consenso.

Maquiavel e a Ciência Política Moderna.

Os clássicos da teoria e filosofia política são uma indagação permanente sobre os

fundamentos da política e sociedade muito além das indagações sobre fatos e resultados.

Concordamos com Elisa Reis quando afirma em seus comentários ao ensaio O novo

movimento teórico de J. C. Alexandre1, que:

(...) se se reconhece o caráter argumentativo da Teoria Social, ou seja, sua função discursivo-persuasiva, além daquelas de explicação e previsão, então a capacidade de articular um discurso de convencimento, na boa tradição pós-positivista, é instrumento poderoso da própria teorização e é isso que torna tão valioso o recurso aos clássicos. (Cf.REIS: 1986)

Alem disso a questão acerca da “boa sociedade”, desde Platão e Aristóteles e os

contratualistas (Hobbes, Locke e Rousseau), tem atualidade do mesmo jeito que e a

relação da teoria com a exortação a práxis política realizada por Maquiavel. Esta

afirmação fica justificada pela exortação realizada no capítulo XXVI, último do livro O

Príncipe, titulado: Exortação a tomar a Itália e libertá-la das mãos dos bárbaros.2

Começaremos falando de um lugar comum, Maquiavel é o pai da política

moderna. Mas, por quê? Porque Maquiavel é o primeiro filosofo político que separa a

“política” da moral e da religião. A diferença da teoria política clássica (grega antiga),

onde a política faz parte de uma totalidade sendo a polis o único marco onde o homem

pode desenvolver suas atitudes individuais, morais e intelectuais pela sua natureza e da

teoria política medieval onde predomina uma visão teocrática, descendente do poder

político, onde este emana de Deus, é desce ao rei ou ao papa, Maquiavel concebe a

política como um campo autônomo, é dizer, que tem regras de jogo próprias.

No tem escritor político que tenha suscitado tantas controversas, comentários,

reações ou aprovações como o Florentino. Maquiavel incomoda, desnudando a política

mesma, que deixa de ser o “bem comum”, o uma “vontade divina”, para pelo contrario, 1 Os comentários de Elisa Reis, foram apresentados no X Encontro Anual da ANPOCS. Campos do Jordão, outubro de 1986. 2 Neste trabalho utilizaremos a tradução de O Príncipe de Maria Julia Goldwasser para a edição da editora Martins Fontes.

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ser definida não como deveria ser, senão como ela é: a luta pelo poder, pela conquista e

pela sua conservação entre os homens. A principal preocupação de Maquiavel é a traves

da práxis, atingir um objetivo político, elaborar uma estratégia bem sucedida para lograr

a unidade nacional italiana, num contexto de dispersão em múltiplos principados,

unidade, já lograda pela França e Espanha. Como elaborar uma estratégia bem sucedida

para alcançar o poder e como o conservar o poder?, o que segundo Sheldon Wolin

suponha uma economia da violência.

Em nossa interpretação, Maquiavel é um realista, do ponto de vista que estuda a

realidade como ela é, não como deveria ser, como afirmamos acima, mas não acha que

essa realidade seja imutável. È um realista, que pretende transformar a realidade, não é

um realista conservador, que se adapta a uma realidade imutável. Procura transformar a

realidade. Sendo a política dominação, conflito, toda decisão política inclui a avaliação

de que grupos sociais vão se beneficiar e quais vão se prejudicar. O realismo, la veritá

effettuale delle cose, a verdade efetiva das coisas, é um componente de uma visão

moderna da política.

Temos em nossa interpretação quatro obras fundamentais na produção teórica do

Fiorentino, que serão referencia de Gramsci: Os discursos sobre a década de Tito Lívio,

conhecida como os [Discursi], escritos entre 1513 e 1517; O príncipe, escrito em 1513, -

lembremos que os dois foram publicados no ano 1532 -, cinco anos depois de sua morte,

O Arte da guerra, que circulava entre seus amigos já em 1520 e a Historia de Florença,

onde encontramos suas preocupações centrais. Consideramos as quatro obras como

complementarias uma das outras e de jeito nenhum excludentes.

Segundo Maquiavel, O Príncipe deve possuir armas próprias, sendo sua principal

ocupação durante a paz, se preparar na arte da guerra, na organização e disciplina dos

exércitos, constituindo essa a verdadeira ciência do governante.

A preocupação de Maquiavel, não era só entender lucidamente o drama político e

de civilização que se desenvolvia ante seus olhos sino mudar um estado de coisas. Era

um político, um homem de ação que exorta a ação, como afirma Gramsci, por isso mais

de uma vez Maquiavel pega a justeza da observação de seu admirado Dante ao falar que:

“em política no se age para saber senão que se sabe para agir”.

A reflexão teórica sobre as coisas da política tinha uma dupla sustentação: por

uma parte, os ensinos da historia; por outro, a observação realista dinâmica do presente.

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Destacaremos um conjunto de conceitos fundamentais na elaboração teórica de

Maquiavel para depois ver que alguns deles serão retomados por Gramsci:

a) Existem diferentes tipos de Estado, mais todos podem se resumir a dois: as

repúblicas, onde os homens são cidadãos ou os principados, onde os homens são

súbditos. Como desenvolveremos para Gramsci é uma mesma forma com duas faces;

b) A diferença entre as armas próprias e as alheias. A necessidade de o príncipe

moderno construir relações de força próprias nas diferentes situações de luta.

c) A divisão entre Oriente (Turquia) onde é difícil a conquista e fácil a

permanecia e Ocidente (França) onde é difícil a conquista e fácil a permanência. Gramsci

seguindo a Lenin invertera esta relação, mudando o tipo de luta para passar de uma

guerra de manobra a uma guerra de posição no marco de uma nova estratégia

revolucionária nos países capitalistas desenvolvidos.

d) Os conceitos de virtude (a virtu romana) e a fortuna; sem oportunidade as

virtudes perdem-se, sem virtude a oportunidade houvera vindo em vão, a fortuna mostra

seu poder quando não tem virtude organizada. Segundo Gramsci só num contexto de

crise orgânica é possível que o bloco histórico dominante seja substituído pelo bloco

histórico contra-hegemónico, mas no caso que não exista esse bloco alternativo, a

oportunidade se perde é se produze uma recomposição do bloco dominante sob novas

bases.

e) guerra e paz (exercícios físicos e historia). Gramsci faz uma inversão da

definição de guerra de Karl Von Clausewitz3.

f) toda cidade tem conflito, dos humores relacionados, o povo (não quere ser

oprimido) e os grandes (só querem oprimir ao povo). Segundo Gramsci como

desenvolveremos pode se pensar que Maquiavel escreve ao povo.

g) verdade real das coisas que as representações imaginarias das mesmas.

Segundo Gramsci tem que se fazer um analise concreto da situação concreta em cada

formação económico-social para elaborar uma estratégia revolucionaria.

h) O uso bom ou ruim das crueldades (pode ser ter o poder, mas não a gloria); ser

amado ou ser temido? Melhor ser temido e não ser odiado assim como as duas formas de

combater, com as leis como os homens e com a força como as bestas, a ideia do Estado

3 Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz (Burg, 1780 — Breslau, 1831) foi um militar da Prússia (hoje parte da Alemanha) que ocupou o posto de general e é considerado um grande estrategista militar e teórico da guerra.

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como um centauro, estão juntas, tanto no príncipe que entre as bestas tem que escolher a

zorra e o leão, a zorra porque vê as armadilhas e o leão para amedrontar os lobos e no

estado burguês, desenvolvido por Gramsci.

A ordem é necessária, mas a política substitui a violência, a conceição de

estabilidade política essa preocupação obsessiva não é imutável é produto de um

equilíbrio de forças. A política evita a guerra e permite uma vida civilizada segundo o

florentino.

Algumas interpretações sobre Maquiavel

Existem diferentes possibilidades para se agrupar as leituras da obra de

Maquiavel. Em nosso trabalho elas são divididas em quatro grupos de interpretações que

são apresentados a seguir.

A primeira interpretação é a de Benedetto Croce, conhecida como a interpretação

historicista. Para Croce, Maquiavel foi um puro teórico, objetivo e neutro, que fez a

ciência política sem paixão, falou das coisas como elas são, é um “realista simples”, e sua

teoria pode servir a qualquer um. De acordo com Gramsci, pelo contrário, Maquiavel é

um realista, mas não é um realista conservador. Seu realismo não procura adaptar-se à

realidade, senão que é realista para conhecer a “realidade efetiva” para mudar essa

mesma realidade lutar por um objetivo político, construir a unidade nacional italiana.

Maquiavel, segundo Gramsci, não é só um cientista, é um homem de partido, movido por

paixões poderosas, profundas e um homem de ação que como político quer criar novas

relações de força.

A segunda interpretação é a que identifica Maquiavel como um maquiavélico,

apresentado como um cínico imoral da política, lido e aceito pelos políticos absolutistas,

como, por exemplo, Frederico II da Prússia. Os maquiavelistas e os teóricos elitistas da

política, como Wilfredo Pareto, Gaetano Mosca e Robert Michels com suas

particularidades, consideram só um aspecto da obra de Maquiavel, a idéia de que os

súbditos, nos principados, são passivos. Dessa situação os autores citados tiram uma

conclusão geral, o povo não quer ser incomodado, então, o povo é incapaz de agir

politicamente, como conseqüência tiram como conclusão que só pode fazer política uma

minoria ativa, as elites, as classes dirigentes ou as oligarquias. Essa é uma clássica

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interpretação elitista de Maquiavel. Gramsci rejeita estas sobre o florentino, e

permanentemente, o considera um homem de sua época.

O comunista italiano, também afirma que, sua ciência política representa a

filosofia de sua época, que tende à organização das monarquias nacionais absolutas como

formas políticas que permitem e facilitam o desenvolvimento posterior das forças

produtivas burguesas. Nos Discursi, pelo médio de Tito Livio, Maquiavel pode expressar

suas idéias sobre a política, a república e o conflito. Deve se destacar que a hipótese do

Florentino nesta obra, é uma hipótese original e contrária a da historiografia dominante.

Segundo Maquiavel, o conflito entre a plebe e a nobreza, entre a plebe e o Senado, foi à

causa de grandeza e a liberdade para Roma e não a causa de seus males como afirma a

historiografia conservadora.

Frente às leituras elitistas criticadas por Gramsci é importante sublinhar a idéia de

povo de Maquiavel. No livro O Príncipe coloca que sim o príncipe tem que escolher

entre os grandes e o povo, tem que se decidir, sem duvida alguma, pelo povo

principalmente porque necessita viver sempre com o mesmo povo, mas não com a

mesma nobreza. O povo só pede não ser oprimido, ponto de partida e chegada da

interpretação dos elitistas, mais esta afirmação só é real para Maquiavel nos principados

onde seus habitantes são súbditos. Então, nos principados, sim, o povo é um ator passivo,

mas nas republicas é diferente porque o povo esta constituído pelos cidadãos, e os

cidadãos são homens livres, que vivem e conhecem a liberdade. Podemos complementar

esta afirmação sobre a visão do povo de Maquiavel com os capítulos vigésimo nono

(XXIX) Quem é capaz de maior ingratidão: um povo ou um príncipe? e no capítulo

qüinquagésimo oitavo (LVIII) O povo é mais sábio e constante do que o príncipe, do

Livro Primeiro (I) dos Discursi, onde Maquiavel sustenta com clareza que o povo é

menos ingrato, mas sábio e constante que o próprio príncipe.

A terceira interpretação consiste na leitura “democrática” de Maquiavel que opõe

os Comentários sobre a primeira década de Tito Livio ao livro O Príncipe, como são os

casos de Spinoza, Jean Jacobo Rousseau e toda a tradição do Risorgimento, como De

Sanctis e Mazzini. Para esses autores, Maquiavel foi um republicano que disse ao povo a

verdade sobre os tiranos, para desmascará-los.

A quarta interpretação é a de Hegel, quem nos seus escritos políticos, na parte

sobre a Constituição alemã, esclarece que a Itália não tem um Estado como Alemanha,

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mas teve um teórico para pensar sua ausência, Maquiavel. Hegel defende, também, a

idéia de que Maquiavel utiliza o cinismo contra o cinismo.

Príncipe e Príncipe Moderno

Gramsci, pela sua vez, realiza uma aguda análise de Maquiavel e dos estudos

sobre Maquiavel existentes na sua época. Diante das interpretações apresentadas,

consideramos que é possível encontrar em Gramsci elementos da terceira e da quarta

interpretação.

O comunista italiano expõe, na polêmica com George Sorel, quando crítica seu

espontaneísmo e seu misticismo abstrato, que o mito pode ser real. Nessa visão,

Maquiavel é apresentado como um antecipador da realidade por que apresenta os

problemas e a maneira como resolvê-los, na procura da unidade nacional italiana,

condição prévia da conformação de um Estado – Nação, essencial para o capitalismo

nascente.

O autor dos Cadernos considera Maquiavel, como uma expressão necessária de

seu tempo e como um homem estreitamente ligado às condições de seu tempo e às

exigências de sua época, as quais resultam:

1) das lutas internas da república florentina e da estrutura particular de Estado que não sabia libertar-se dos resíduos comunal-municipais, isto é, de uma forma bloqueadora de feudalismo; 2) das lutas entre os Estados italianos por um equilíbrio no âmbito italiano, que era obstaculizado pela existência do Papado, e dos outros resíduos feudais, municipalistas da forma estatal citadina e não territorial; 3) das lutas dos estados italianos mas o menos solidários por um equilíbrio europeu, ou seja, das contradições entre as necessidades de um equilíbrio interno italiano e as exigências dos Estados europeus em luta pela hegemonia. Influi em Maquiavel o exemplo da França e da Espanha, que alcançaram uma poderosa unidade estatal territorial; Maquiavel faz uma ‘comparação elíptica’ (para usar a expressão croceana) e deduz as regras para um Estado forte em geral e italiano em particular (Cf. Gramsci, 2000: 29-30)

Gramsci faz uma analogia entre o modelo político do O Príncipe de Maquiavel e

o Partido Comunista Italiano (PCI) para explicar as tarefas políticas do partido político

revolucionário. Segundo Gramsci, o livro O Príncipe de Maquiavel, em seu caráter não é

um tratado sistemático, senão que é um livro vivo, no qual a ideologia política e ciência

política fundem-se na forma de um “mito”.

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O príncipe expressa o processo de formação de uma determinada vontade

coletiva, para um determinado fim político que é representado pelo Florentino como

qualidades, características, deveres e necessidades de uma pessoa concreta. Ao elemento

doutrinal e racional incorpora-se um condottiero que representa o símbolo da vontade

coletiva.

Para Gramsci, O Príncipe, poderia ser estudado como exemplificação histórica do

“mito” de George Sorel4. Uma ideologia política, entendida como uma criação de uma

fantasia concreta que atua sobre um povo disperso e pulverizado para despertar e

organizar sua vontade coletiva. O caráter do príncipe maquiaveliano, é utópico, porque

não existia na realidade histórica, era uma pura abstração doutrinária, o símbolo do chefe,

do condottiero ideal, mas os elementos passionais, míticos, contidos em todo o livro,

juntam-se e tornam-se reais na conclusão, no capítulo XXVI, último do livro O Príncipe,

titulado: Exortação a tomar a Itália e libertá-la das mãos dos bárbaros, já mencionado

na introdução, onde se invoca um príncipe realmente existente e se exorta a ele a agir

politicamente.

Para poder elaborar a partir do príncipe a categoria príncipe moderno, primeiro

Gramsci, faz um analise crítico de Sorel e seus limites. O comunista italiano, entende que

o sindicalista revolucionário francês, a partir da conceição da ideologia mito, não pode

superar o memento do sindicalismo professional, e dizer, não atinge a compreensão do

partido político. Para Sorel, o “mito”, encontrava não no sindicato mesmo, senão na ação

pratica do sindicato e de uma vontade coletiva já atuante, uma acão prática cuja máxima

realização devia ser a greve geral. Segundo Gramsci, a greve geral é uma atividade

passiva, que não prevê uma fase própria ativa e construtiva. Sorel é coerente porque para

segundo ele todo plano preestabelecido é utópico e reacionário, então tudo fica livrado a

espontaneidade, ao impulso do irracional, do arbitrário. Gramsci entende que não pode

existir destruição ou negação sem uma implícita construção, sem uma afirmação prática,

e dizer, política, entendida como um programa de partido.

Segundo Gramsci, existem vários níveis da relação de forças, às relações de força

internacionais que correspondem às relações de forca entre os Estados; as relações de

forças objetivas, que correspondem ao desenvolvimento das forças produtivas, as

relações de força política e de partido, que se referem a sistemas hegemônicos no interior 4 Georges Eugène Sorel (Cherburg 1847 – Boulogne sur Seine 1922), teórico francês do sindicalismo revolucionário.

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do Estado e as relações políticas imediatas, potencialmente militares. Todas tem

diferentes momentos e são desenvolvidas quando o comunista italiano realiza os analises

das situações, as relações de força.

Depois de realizar a criticar das propostas de Sorel e também a Benedetto Croce,

Gramsci, a partir de Maquiavel, apresenta a importância teórica e política de um novo

conceito, o príncipe moderno que deve construir essa nova vontade coletiva nacional-

popular, na perspectiva da construção de um novo estado.

Segundo Gramsci:

O moderno príncipe, o ‘mito’ príncipe não pode ser uma pessoa real, um individuo concreto, só pode ser um organismo; um elemento complexo de sociedade no qual já tenha tido início a concretização de uma vontade coletiva reconhecida e afirmada parcialmente na ação. Este organismo, já está dado pelo desenvolvimento histórico e é o partido político, a primeira célula na qual se sintetizam germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais (Cf. Gramsci, 2000: 16)

O moderno príncipe deve entender o jacobinismo como uma exemplificação do

modo pelo qual se formou concretamente e atuo uma vontade coletiva criadora do novo,

original e tirar as conclusões deste fato. Deve ser ter em consideração que qualquer

formação de uma vontade coletiva nacional-popular na Itália de Gramsci, seria

impossível se as grandes massas dos camponeses não irrompem simultaneamente na vida

política. Isso é muito importante para entender sua proposta contra-hegemonica, opor um

bloco histórico operário-campones ao bloco histórico dominantes, mas não temos

condições de desenvolver neste trabalho. A vontade é entendida no sentido moderno

como uma consciência atuante da necessidade histórica.

Gramsci diferencia com clareza a grande política da pequena política no plano

internacional e no interior dos Estados. Gramsci toma a reformulação do conceito de

hegemonia realizado por Lenin, quando aplica este conceito alem das relações entre os

estados, por primeira vez às relações entre as diferentes frações das classes ao interior

dum Estado numa determinada formação econômico-social. A grande política para

Gramsci compreende a questão da formação de novos estados, a luta pela destruição, pela

defesa, pela conservação de determinadas estruturas histórico-sociais. A pequena política

compreende as lutas parciais e cotidianas entre frações de uma mesma classe política.

Maquiavel segundo Gramsci se preocupa pela alta política:

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Maquiavel examina ante tudo as questões de grande política: criação de novos estados, conservação e defesa de estruturas orgânicas em seu conjunto; questões de ditadura e hegemonia em ampla escala, isto é em toda a área estatal (Cf. Gramsci, 2000: 22)

O moderno príncipe deve realizar uma reforma intelectual e moral, construindo

uma visão alternativa de mundo, é o propagandista e organizador ativo e atuante desta

reforma. O programa de reformas econômicas é o modo concreto em que se apresenta

toda reforma intelectual e moral.

O moderno príncipe desenvolvendo-se, subvertendo todo o sistema de relações

intelectuais e morais, na medida em que seu desenvolvimento significa que cada ato de

fato é concebido como útil o prejudicial, para acentuar o poder do príncipe moderno ou

para contrastar-lo.

Na conclusão, do Príncipe, segundo Gramsci, Maquiavel se faz “povo”, mas não

num povo entendido genericamente, senão num povo que anteriormente foi convencido a

través da práxis política, o povo que Maquiavel convenceu com seu desenvolvimento

anterior, do qual ele se torne e sente consciência e expressão. O epilogo, como foi

mencionado acima, é um elemento necessário da obra porque faz de O Príncipe, um

manifesto político. A diferença do florentino para Gramsci, consiste na percepção,

reafirmamos de que o príncipe não pode ser mais um individuo, senão que deve ser um

organismo coletivo. O partido político da classe operária tem que construir a contra-

hegemonia na sociedade para conformar um novo bloco histórico que em um momento

de crise orgânica tenha condições de substituir o anterior.

O partido político é laico e toma o lugar da divindade, secular como o conceito de

política elaborado por Maquiavel. A necessidade de que a secularização da política,

entendida como uma ciência autônoma da moral e da religião torne-se um senso comum

é tomada de Maquiavel por Gramsci.

A partir da concepção que Gramsci tem sobre os partidos políticos, entendemos

que o moderno príncipe, não é qualquer partido político, senão o partido político da

classe operaria moderno, é o intelectual coletivo que deve construir uma nova vontade

coletiva nacional popular sendo sua função complexa, diretiva e organizativa, mas

também propagandística cultural e educativa. O príncipe moderno pretende e está

racionalmente e historicamente destinado, a um fim, construir contra-hegemonia e fundar

um novo tipo de Estado.

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O partido político, segundo Gramsci, é um organismo, determinado

historicamente, é a primeira célula na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que

tendem a se tornar universais e totais.

É importante destacar que para Gramsci, cada partido é expressão de um grupo

social, e só de um grupo social, em determinadas ocasiões, determinados partidos

representam um grupo social na medida em que exercem uma função de equilíbrio e

arbitragem entre os interesses de seu grupo e dos outros grupos e na medida em que

procuram fazer que o desenvolvimento do grupo representado se processe com o

consentimento e com ajuda dos grupos aliados e muitas vezes dos grupos decidamente

inimigos.

O comunista italiano realiza uma análise dos diferentes tipos de partidos e afirma

que muitas vezes o Estado maior intelectual do partido orgânico se encontra fora deste,

não pertence a nenhuma das frações, mas opera como si fosse uma força dirigente

superior aos partidos e as vezes reconhecido como tal pelo público. Um jornal, um

conjunto de jornais, uma revista ou um conjunto de revistas são partidos e frações de

partidos, sem a forma organizativa destes5.

O lugar da política numa filosofia da práxis

Maquiavel inova toda a concepção do mundo, segundo Gramsci, ao separar a

política como uma ciência autônoma com seus princípios e leis, diversos de aqueles da

moral e da religião. Para Gramsci, esta proposição tem um grande alcance filosófico.

O estilo do Príncipe é o de um manifesto político, de partido. O Príncipe é um

homem de ação que impulsiona a ação dos outros, é um político.

Gramsci desenvolve uma crítica a interpretação de Croce, segundo a qual o

maquiavelismo é uma ciência que serve tanto aos reacionários como aos democratas,

afirmando que essa interpretação é verdadeira só em termos abstratos.

Segundo o comunista italiano, pode-se pensar que Maquiavel tem em vista “quem

no sabe” e pretende educar politicamente “quem não sabe”, de forma positiva, quem deve

reconhecer como necessários certos médios, mesmo próprios dos tiranos, porque deseja

determinados fins. Quem não sabe nessa época? á classe revolucionária, o “povo”, a 5 Em outra parte dos Cadernos é importante a crítica que realiza Gramsci a teoria dos partidos políticos elaborada pelo discípulo de Max Weber, Robert Michels, autor da ‘lei d ferro das oligarquias’.

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“nação-italiana”. Maquiavel tem um objetivo claramente político, persuadir estas forças

de ter um “chefe”, que saiba aquilo que quer e como obtê-lo, aceita-lo, com entusiasmo,

mesmo si suas ações possam estar ou parecer em contradição com a ideologia difundida

na época, a religião. Para Gramsci, o maquiavelismo melhoro a técnica política

tradicional dos grupos dirigentes conservadores, mas também a política da filosofia da

práxis, o que da um caráter ao florentino, essencialmente revolucionário.

Gramsci se pergunta que lugar ocupa ou deve ocupar a ciência política, a política

como ciência autônoma, numa concepção sistemática, coerente e conseqüente do mundo,

numa filosofia da práxis, numa concepção do mundo. O progresso que introduze Croce

nos estudos sobre Maquiavel é que ele dissolve um conjunto de problemas falsos,

inexistentes ou mal formulados. Segundo Gramsci:

Croce se baseou em sua distinção dos momentos do espírito e na sua afirmação de um momento da prática, de um espírito prático, autônomo e independente, embora ligado circularmente a toda a realidade através da dialética dos distintos. Numa filosofia da práxis a distinção não será entre os momentos do espírito absoluto, mas entre os graus da supre-estrutura; trata-se por tanto de estabelecer a posição dialética da atividade política (e da ciência correspondente) em quanto determinado grau super-estrutural: poder-se-à dizer, como primeira referencia e aproximação, que a atividade política é precisamente o primeiro momento ou primeiro grau, o momento no qual a super-estrutura esta ainda na fase imediata de mera afirmação voluntaria, distinta, elementar (Cf. Gramsci, 2000: 26)

Política e Guerra

O príncipe, segundo Maquiavel, em tempo de paz deve preparar-se para a guerra

através do estudo da história e de exercícios militares, sendo uma arte em si mesma a

organização e a disciplina dos exércitos. Para Gramsci, na arte política ocorre o mesmo

que na arte militar, a guerra de movimento torna-se cada vez mais guerra de posição e

pode-se afirmar que um Estado vence uma guerra enquanto a prepara minuciosa e

tecnicamente em tempos de paz. O poder político do príncipe deve basear-se em suas

próprias forças, ou seja, em suas próprias milícias, segundo Maquiavel. Quando Gramsci

analisa as relações de forças, seus momentos e seus graus, aponta como o terceiro

momento o da construção das relações de força militares, incluindo o conceito da ciência

militar conjuntura estratégica, imediatamente decisivas segundo as circunstâncias.

Invertendo a colocação do principal teórico militar prussiano, Karl Von

Clausewitz, que afirma que a guerra é a continuação da política por outros médios, para

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Gramsci a guerra é considerada um momento da vida política, e a continuação sob outras

formas de uma determinada política.

O conceito croceano de paixão como momento da política, não pode explicar e

justificar as formações políticas permanentes como os partidos políticos, os exércitos

nacionais e os Estados maiores, porque uma paixão permanente se torna uma

racionalidade e uma reflexão ponderada. A relação entre economia e política tem maior

capacidade explicativa segundo Gramsci, porque a política é uma atividade permanente e

da origem a organizações permanentes na medida justamente que se identifica com a

economia. Mas tem igualmente que se distingui política de economia, porque a paixão

política é um impulso que a ação que nasce no terreno orgânico e permanente da vida

econômica, mas supera ela fazendo entrar no jogo, sentimentos e aspirações onde o

próprio cálculo da vida humana individual obedece a leis diversas de aquelas do proveito

individual.

Em relação ao livro A arte da guerra importa entender a conceição política de

Maquiavel, mas que seus erros militares onde prioriza a infantaria e desconhece a

artilharia. Assim como é central destacar o papel do campesinado nas milícias próprias e

permanentes do príncipe, também mencionado nas Historias de Florência e no Príncipe,

onde afirma que si as classes urbanas pretendem terminar com a desordem e a anarquia

interna e externa devem apoiar-se nos camponeses como massa, constituindo uma força

armada segura e fiel diferente das ocasionais.

Maquiavel, como foi mencionado acima, é a expressão necessária de seu tempo,

das condições derivam as exigências políticas imediatas e representa a filosofia de seu

tempo, que tende a organização das monarquias nacionais absolutas, como forma política

que facilita o desenvolvimento das forças produtivas burguesas. De deriva sua posição

política contra os resíduos do mundo feudal com os quais o príncipe deve acabar assim

como com a anarquia do mundo feudal e sua crítica a Igreja católica de Roma.

No Príncipe, nos Discursi, na Arte da guerra e nas Historias de Florença ao

realizar uma reflexão sobre a ciência política como uma ciência autônoma, baseada na

experiência política da burguesia italiana renascentista. Segundo Maquiavel para unir a

nação italiana é preciso centralizar, subordinando os exércitos mercenários e neutralizar

ao Vaticano. Este é o motivo da construção de uma “lenda negra” sobre Maquiavel, sua

oposição ao poder político de Roma, entendendo que não tinha, mas força para conservar

as relações feudais, mas tinha força para impedir a unidade nacional italiana, fez que os

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interpretes cristãos de sua obra atribuam todo o ruim, o diabólico e perverso a seu nome.

Para os intelectuais do Vaticano, Maquiavel e a burguesia nascente são competidores

políticos.

Principados e Repúblicas e Estado e Estado ampliado

No início do primeiro capitulo do livro O Príncipe, Quantos são os gêneros dos

principados e de que modo são obtidos, Maquiavel afirma que as formas de governo

podem ser reduzidas a dois: os principados e as repúblicas: Todos os Estados, todos os

domínios que tiveram e têm autoridade sobre os homens foram e são repúblicas ou

principados” (Cf. Maquiavel, 2004: 3)

Ao examinar a grande política, Gramsci entende que para a conservação e a

defesa de estruturas orgânicas no seu conjunto, em ampla escala, de toda a área estatal

envolve questões de ditadura e de hegemonia. Concorda com o analise de Luigi Russo6,

quem nos Prolegomenni, faz do Príncipe o tratado da ditadura, o memento da autoridade

e do individuo e dos Discursi, o tratado da hegemonia, o momento da do universal e da

liberdade. Gramsci acrescenta que no Príncipe aparece o momento da força, da

autoridade, mas também a seu lado, algumas referências ao tema do consenso, o da

hegemonia. Concluindo que na verdade não existe oposição entre principado e republica:

“(...) é justa a observação de que não há oposição de principio entre o principado e

república, mas se trata sobretudo da hipóstase dos dois momentos de autoridade e

universalidade” (Cf. Gramsci, 2000: 22)

Gramsci pretende compreender o funcionamento real do Estado e lograr sua

destruição e a construção de um estado de novo tipo, então, o Estado como conceito

teórico abstrato deve concretiza-se numa formação econômico-social determinada. Aqui

aparece a questão do nacional na elaboração da estratégia revolucionaria. Gramsci estuda

o Estado italiano desde sua conformação como unidade, destacando seu caráter de classe.

Mas não fica nesta definição teórico, global, senão que avança na compreensão de sua

configuração histórica e de suas características concretas.

Seguindo aos clássicos, afirma que o Estado é em essência coerção, ditadura,

dominação: reafirma os elementos aportados pelo desenvolvimento da teoria marxista ate

6 Luigi Russo (Delia, 1892 – Marina di Pietrasanta, 1961) foi um critico literário italiano.

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esse momento e avança na compreensão ao introduzir os elementos consensuais da

dominação classista, a direção, a hegemonia, que completa a supremacia das classes

dominantes nos capitalismos desenvolvidos. Para Gramsci a classe economicamente

dominante é a hegemônica e a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos

como “domínio” e como “direção intelectual e moral”.

O estudo do Estado em Gramsci pressupõe as teorias de Marx, Engels e Lenin. A

partir de uma nova conceitualização da sociedade civil, define ao Estado como sociedade

política e sociedade civil, e dizer, a coerção e consenso.

Também, dentre outras relações, é possível nesta parte do trabalho realizar um

paralelo entre a força do leão e a astúcia da raposa no Príncipe de Maquiavel e o conceito

de “Estado ampliado” gramsciano, coerção ancorada no consenso. Para Maquiavel, um

príncipe não pode governar só pela força, o poder político baseado unicamente na força

do leão, na verdade em termos históricos é mais fraco, a astúcia da raposa permite

também driblar às armadilhas colocadas pelos seus inimigos. Para Gramsci, o Estado nas

sociedades ocidentais não é só força, senão que é força ancorada no consenso. O conceito

de Estado nas sociedades ocidentais é constituído pela sociedade civil e sociedade

política, ou seja, coerção e consenso.

Porque Gramsci amplia a noção de Estado incluindo à sociedade civil? Além das

contradições que aparecem no trabalho no cárcere de Gramsci, como expõe Perry

Anderson, em torno dos conceitos de Estado, sociedade civil e hegemonia, é importante

destacar que o comunista italiano, procura aprofundar nesta problemática, e pretende

advertir que o fenômeno da dominação nas sociedades capitalistas modernas é um

processo complexo no que alem dos aparelhos de coerção, estudados por Lênin no Estado

e a Revolução (1917), que representam uma espécie de “limite último" que garante a

supervivência da ordem burguesa, intervierem também toda uma serie de mecanismos de

transmissão ideológica tendentes a lograr um consenso que outorga bases mais sólidas a

dominação. Gramsci faz um analise profundo das formas mediante as quais as classes

dominantes conservam sua supremacia nas sociedades do capitalismo desenvolvido.

Lembremos que Gramsci tem ante si uma experiência historicamente nova e sobre

ela reflexiona a partir dos elementos da teoria marxista e do leninismo, produzindo novos

aportes teóricos que permitem, alem disso compreender a realidade e atuar sobre ela

criadoramente para transformar-la.

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Neste processo, Christinne Buci Glucksmann destaca que Gramsci retém do

leninismo três componentes estratégicos: 1) uma teoria da revolução como criação um

novo Estado tendo as massas como ponto de partida, que exerce a ditadura em relação

com seu poder hegemônico; 2) uma teoria do imperialismo, como etapa superior do

capitalismo, que cria outras condições nacionais e internacionais e 3) uma teoria do

partido como força dirigente, a vanguarda da revolução.

O fracasso da revolução em Ocidente faz a Gramsci refletir sobre as causas

profundas da derrota e sobre a estratégia revolucionaria encaminhada a destruição dum

poder capitalista consolidado, forte, resistente ao colapso econômico e aos períodos de

crise, que lograva recuperar-se e atingia uma estabilização com elementos consensuais.

A confiança e otimismo da Terceira internacional depois da morte de Lenin em

1924, e as leituras dos economicistas, sobre a iminência do “derrube” capitalista, que

levava a inação abrirão passo a reflexões mais agudas e intensas sobre as novas

condiciones em que se desenvolveria a luta do proletariado para construir o socialismo.

A questão do Estado aparece, então como em Maquiavel, ligada a necessidade de

entender a forma concreta que adquire a supremacia burguesa, mas não com um afã

teórico cognoscitivo abstrato, senão como condição para implementar uma luta exitosa,

una práxis política eficazmente revolucionaria, num contexto no qual o desenvolvimento

capitalista das forças produtivas está acompanhado por um desenvolvimento complexo

das superestruturas, que conformam um sólido bloco histórico, que faz mais complexa a

luta revolucionaria.

As transformações operadas no capitalismo ocidental, e a conseqüente

reformulação da relação entre a sociedade e o Estado, levam a Gramsci a realizar um

conjunto de reflexões que pretendem definir uma estratégia revolucionaria certa.

Nas Breves Notas sobre a política de Maquiavel , Gramsci, utilizando o linguaje

da estratégia militar e mudando a conceição marxista clássica sobre a sociedade civil,

adverte que esta, nos estados mais avançados:

(...) a guerra manobrada, deve ser considerada como reduzida mais a funções tácticas do que, estratégicas, deve ser considerada na mesma posição que antes estava a guerra de assédio em relação a guerra manobrada. A mesma transformação deve ocorrer na arte e na ciência política, pelo menos no que se refere a os Estados mais avançados, onde a ‘sociedade civil’ tornou-se uma estrutura muito complexa e resistente as irrupções’ catastróficas do elemento econômico imediato (crises, depressões, etc.); as superestruturas da sociedade civil são como o sistema das trincheiras na guerra moderna. Assim como

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nesta última ocorria que implacável ataque de artilharia parecia ter destruído todo o sistema defensivo do adversário (mas, na realidade, só havia destruído na superfície externa e, no momento do ataque e do avanço, os assaltantes defrontavam-se com uma linha defensiva ainda eficiente) (...) (Cf. Gramsci, 2000: 72-73)

Nesta nota Gramsci muda o conceito de sociedade civil concebido como o local

das relações econômicas. Quando coloca a sociedade civil no plano das superestruturas

constitui uma singularidade de seu pensamento, encaminhada a elucidar outras questões.

Gramsci formula estas reflexões frente às concepções economicistas que esperavam que

as contradições da estrutura desembocassem na revolução, já que serão "entendidas" em

forma imediata pelas massas, num processo unidirecional e direto.

A supremacia da burguesia no capitalismo desenvolvido não se deve unicamente a

existência dum aparelho de coerção (o Estado num sentido restringido), senão que logra

manter seu poder mediante uma complexa rede de instituições e organismos que na

sociedade civil que, além de organizar e expressar sua própria unidade como classe,

organizam o consenso das classes subalternas, para a reprodução do sistema de

dominação. A existência do sufrágio universal, de partidos políticos de massas, de

sindicatos operários, de diferentes organizações na sociedade civil que realizam

mediações com o Estado, alem da escola e da Igreja, são todas formas na que se expressa

a complexidade da sociedade civil capitalista no Ocidente, e conformam uma densa rede

de relações sociais classistas que o desenvolvimento das forças produtivas ha permitido

construir. A supremacia, então, é muito mais que a disposição dos aparelhos repressivos

do Estado no território, e se expressa em formas que excedem os limites do Estado em

sentido restringido, entendido só como força, coerção, para abarcar ao conjunto da

sociedade civil.

Oriente e Occidente

A separação realizada pelo florentino entre Turquia (Oriente) e França (Ocidente)

e a elaboração de diferentes estratégias políticas para ocupar e conservar o poder é

também utilizada por Gramsci, no estudo das relações entre Estado e sociedade civil, mas

o comunista italiano na sua época, diferente que a de Maquiavel e também a de

Montesquieu, tira conclusões diferentes e opostas.

No capítulo IV, Por que razão o reino de Dario, ocupado por Alexandre, não se

rebelou contra os sucessores deste após a sua morte, Maquiavel explica como

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consideradas as dificuldades para conservar um Estado recém conquistado, Alexandre

magno tornou-se senhor da Ásia em poucos anos, morresse mal acabara de ocupá-la, e

embora fosse razoável que todo aquele Estado se rebelasse, os sucessores o conservarão

sem mais dificuldades que as brigas entre eles mesmos. Segundo o florentino:

(...) os principados dos quais se tem memória são governados de dois modos diversos: ou por um príncipe de quem são servidores todos os outros, que, na qualidade de ministros por sua graça ou concessão, o ajudam a governar aquele reino, ou por um príncipe e barões que detém sua posição não pela graça do senhor, mas pela antiguidade da linhagem (Maquiavel; 2004: 17)

França e Turquia são os dois exemplos desta modalidade de governo na época de

Maquiavel, em França, é mais fácil ocupar o poder com ajuda de um setor da nobreza e

mais difícil conservá-lo, enquanto que, na Turquia, é, mais difícil ocupar o poder e mais

simples conservá-lo.

A monarquia turca inteira é governada por um só senhor, sendo os demais seus vassalos; e esse senhor, dividendo o seu reino em sandjaques, para lá envia administradores diversos, que substitui ou demite como bem lhe apraz. O rei da França, ao contrario, esta cercado de uma quantidade de antigos senhores, reconhecidos e amados por seus súbditos em seus próprios Estados, e detentores de privilégios que o rei não lhes pode arrebatar sem perigo. Assim, quem considerar esses dois Estados encontrará dificuldade de conquistar o Estado do grão-turco, porém vencendo terá grande facilidade para conservá-lo. Ao contrario, sob todos os aspectos, encontrará maior facilidade em ocupar a França, porem grande dificuldade em conservá-la. (Maquiavel; 2004: 18)

Alexandre primeiro derrotou totalmente a Dario em batalha campal, depois

conquistou é se consolido nesse Estado.

Gramsci desenvolve na cadeia sua concepção ampliada do Estado a partir da

constatação que realiza e concorda mais uma vez com Lenin ao diferenciar as sociedades

de Oriente e de Ocidente, como formações econômico-sociais diferentes, o que

necessariamente leva a elaborara estratégias de luta revolucionarias distintas.

Em 1924, numa carta que Gramsci envia desde Viena aos camaradas do Partido

Comunista Italiano, afirma que:

(…) Penso que a situação é bastante diversa. Em primeiro lugar , porque a conceição política dos comunistas russos formou-se num terreno internacional e não nacional; e, no segundo, porque na Europa Central e Ocidental, o desenvolvimento do capitalismo determinou não apenas a formação de amplos estratos proletários, -mas também e por isso mesmo- crio um estrato superior, a aristocracia operaria, com seus anexos de

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burocracia sindical e de grupos socialdemocratas. A determinação, que na Rússia era direta e lançava as massas às ruas para o assalto revolucionário, complica-se porque na Europa Central e Ocidental em função de todas estas super-estruturas políticas, criadas pelo maior desenvolvimento do capitalismo; torna mais lenta e mais prudente a ação das massas e, por tanto, requer do partido revolucionário toda uma estratégia e uma táctica mais complexas e de longo alcance do aquelas que foram necessárias aos bolcheviques no período entre março e novembro de 1917. (Cf. Gramsci, 2004: 183-184)7

Em agosto de 1926, pouco antes de ser encarcerado, em seu informe ao Comitê

Central (CC) do PCI, Gramsci realizava algumas observações:

“(...) A observação segundo a qual, nos países do capitalismo avançado, a classe dominante possui reservas políticas e organizativas que não possuía, por exemplo, na Rússia. Isso significa que nem mesmo as crises econômicas gravíssimas têm repercussões imediatas no campo político. A política está sempre em atraso, e em grande atraso com relação a economia. O aparelho estatal é muito mais resistente do que freqüentemente se crê e nos momentos de crise, consegue organizar as forças fieis ao regime, em numero maior do que se poderia supor em fase da profundidade da crise. Isso se refere aos países capitalistas mais importantes. Nos Estados periféricos, tais como a Itália, Polônia, a Espanha e Portugal, as forças estatais são menos eficientes. Mas, nesses países, verifica-se um fenômeno que deve ser fortemente levado em conta. O fenômeno a meu ver consiste no seguinte: nesses países entre o proletariado e o capitalismo, estende-se um amplo estrato de classes intermediarias, que desejam - e de certo sentido, conseguem – realizar uma política própria, com ideologias que freqüentemente influenciam amplos estratos do proletariado, mas que tem um particular poder de sugestão sobre as massas camponesas. (Cf. Gramsci; 2004: 378-379)8

Esta idéia, a da existência de uma diferencia estrutural entre as formações

econômico-sociales do Oriente e do Ocidente constituirá um dos eixos das “Notas” dos

Cadernos do Cárcere. Porque si ao terminar a Primeira Guerra Mundial Rússia e Itália

pareciam ter similares perspectivas revolucionarias, a derrota italiana leva a Gramsci a

refletir sobre as causas. Nesta indagação encontra uma perspectiva para o análise,

aprofundando a Lenin, nas diferenças entre ambos os tipos de sociedades e no rol do

aparelho estatal em cada uma destas sociedades:

7 Carta a Togliatti, Scoccimarro e outros; Viena: 09 de fevereiro de 1924. Publicado em Brasil, na Parte II: A construção do Partido Comunista (1923-1926) do segundo volume dos Escritos Políticos (2004); agrupada sob o título: A formação de um novo grupo dirigente. Correspondência 1923-1924 (p.129-224). 8- Texto preliminar dum informe apresentado na reunião do Comitê Diretivo do PCI do dias 2 e 3 de agosto de 1926. Publicado em Brasil, na Parte II: A construção do Partido Comunista (1923-1926) do segundo volume dos Escritos Políticos (2004) sob o título: Uma análise da situação italiana (p.367-382).

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“Parece-me que Ilitch9, havia compreendido a necessidade de uma mudança da guerra manobrada, aplicada vitoriosamente em Oriente em 1917, para a guerra de posição, que era única possível em Ocidente, onde como observa Krasnov, num breve espaço de tempo os exércitos podiam acumular quantidades enormes de munição (...) Só que Ilitch, não teve tempo de aprofundar sua fórmula, mesmo considerando que ele só podia aprofundar-la teoricamente, quando, ao contrario, a tarefa fundamental era nacional, isto é, exigia um reconhecimento do terreno e uma fixação dos elementos de trincheira e de fortaleza representados pelos elementos da sociedade civil, etc. No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia entre o Estado e sociedade civil uma justa relação, e ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; em medida diversa de estado para estado, é claro, mas exatamente isto exigia um acurado reconhecimento de caráter nacional” (Cf. Gramsci; 2000: 262)

Levando em consideração as diferencias estruturais entre Oriente e Ocidente,

Gramsci adverte que, para derrubar ao Estado capitalista em Ocidente, é preciso elaborar

una estratégia distinta a que se utilizara na Rússia czarista: a guerra de posições. Para

fazer este analise compara os conceitos de guerra de manobra e guerra de posições no arte

militar, e os conceitos correspondentes ao arte político. Em primeiro lugar, Gramsci

adverte que não da para escolher a forma de guerra que se deseja, para isso seria

necessário ter uma superioridade abrumadora sobre o inimigo.

A eleição da estratégia depende, então, das condições econômicas, sociais e

culturais de cada país. Em Oriente, como as massas populares estavam "distanciadas"

social e ideologicamente das classes dominantes, com a "toma" do aparelho de Estado, do

aparelho de coerção, logro-se desarticular de maneira relativamente rápida o sistema de

dominação baseado principalmente na repressão e não no consenso. Então, a aplicação da

estratégia de guerra de movimento foi bem sucedida frente a una sociedade civil onde a

classe dominante não "arraigava" seu poder, então a resistência a mudança revolucionária

era muito menor. Existia uma distancia entre as massas dos operários e dos camponeses e

as classes dominantes da Rússia czarista, onde estavam ausentes ou eram muito fracas as

instituições que mediarão entre a sociedade civil e o Estado.

No Ocidente, pelo contrário, as relações de poder, não se expressam só no

momento da coerção, senão que compreendem um conjunto de instituições culturais,

ideológicas e políticas, que asseguram a permanência do ordem social burguês, como um

verdadeiro sistema de defesa. Frente a esta situação, a estratégia da guerra de posições

supõe um grande desenvolvimento organizativo e de quadros, com uma perspectiva de 9 A referencia é ao revolucionário russo, Vladimir Ilitch Ulianov (Lenin) a quem não pode mencionar explicitamente pela censura fascista.

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longo prazo, com o fim de desarticular as "trincheiras" inimigas na sociedade civil, que

são as que protegem a sociedade política, o Estado. Gramsci procura estudar em

profundidade quais são os elementos da sociedade civil que correspondem aos sistemas de

defesa na guerra de posição para gerar uma ruptura. Procura os elementos da sociedade

civil operam como "cimento" das relações sociais vigentes, a partir das práticas cotidianas

das classes fundamentais.

Para Gramsci, no Oriente tem-se um Estado que era tudo e a sociedade civil era

primitiva e gelatinosa, por isso foi oportuna e bem sucedida a guerra de manobra

utilizada por Lênin, como forma de luta principal pelo poder político, em Oriente, a

dificuldade é como conservar o poder político.

Breve conclusão

O objetivo deste trabalho foi analisar a apropriação das reflexões do teórico-

político florentino, Nicolau Maquiavel (1469-1527), por parte de Antônio Gramsci

(1891-1937) na elaboração de um conjunto de categorias teóricas centrais para pensar o

Estado, a sociedade e as possibilidades de revolução nas sociedades contemporâneas.

Procuramos entender a Maquiavel, como uma fonte não marxista, para a partir dos

conceitos e algumas das idéias do florentino, Maquiavel fazer uma comparação com a

reinterpretação desses conceitos elaborados pelo comunista italiano.

Depois de uma introdução, inserimos a Maquiavel na ciência política moderna,

agrupamos algumas interpretações de Maquiavel e a interpretação do proprio Gramsci no

marco dessas interpretações.

Posteriormente comparamos as categorias Príncipe e Príncipe Moderno e

procuramos, segundo Gramsci entender o lugar da política numa filosofia da práxis.

Diferenciamos política de guerra, coerção e consenso, principados e repúblicas, assim

como Estado e Estado ampliado, para concluir com a diferenciação entre Oriente e

Ocidente em Gramsci, comparando com Maquiavel, importante para entender as relações

entre Estado, sociedade civil e sociedade política.

Como conclusão geral do trabalho consideramos que ás analises das

reconceitualizações gramscianas de uma fonte não marxista como é a obra de Maquiavel,

fornece elementos para uma filosofia da práxis que permita superar a sociedade

capitalista.

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