ar cênico - poemas de antonio miranda
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Ar cênico. Brasília: poexílio, 2013. Livro-de-artista com poemas e vinhetas de Antonio Miranda, poeta brasileiro. Poesia e filosofia. poesia brasileira contemporânea. edição também em papel, 10 exemplares, circulação restrita.TRANSCRIPT
A N T O N I O M I R A N D A
AR
CÊNICO
POEXÍLIO 2013
VAMO-NOS
Figuraram um pacto de morte:
— a la mierda, queremos ir-nos
sem deixar rastro e propriedades.
Um gato de soslaio observava
sonhando com comida e carinho
enquanto o vento destapava
horizontes e eles comprometidos.
— Valha-me Nossa Senhora, cerca
da de anjos sem asas, as
sustados, lendo diários atrasados.
— Vamo-nos, é hora de acabar
com este poema barato, vamos!
Disparos: e seguiremos juntos
estrela mais adiante — perquirição.
IR ALÉM
Ser
no que nunca fui,
estar
onde nunca estive.
Sair de si? e não mais regressar.
FAZER E DESFAZER
É sempre um horizonte inatingível.
Perdão: está sempre mais adiante, por mais que avancemos. Sim é sempre não.
PALAVRAS – COISAS
e não as palavras sobre as coisas.
Coisificar a linguagem!
PALAVRAS – PALAVRAS
As palavras brotam sem qualquer significado: dependem do momento, da situação. Não existem em si mesmas, mermas.
Elas não querem referir-se a algo. Nós é que lhe atribuímos significados que não têm. >>>
São relações fortuitas, não gratuitas, de ocasião.
Combinações sem intenção, in-tensão, impondo-se
transformando. >>>
Fazer pensar. Palavras revividas, recriadas.
Fora,
livres do pensamento.
NEM EU SEI
Nem sei o que digo: falo sem querer.
Escrevo sem pensar, guiado pelos sentidos, que me surpreendem.
IN ( EXPRESSIVO)
Grito, e me entendem. Vocifero e as feras me ouvem e respondem.
Se falo, não me entendem, e calo.
( )
PENSAMENTO DINÂMICO
Já era, não mais será, nunca foi, pode vir-a-ser.
Entre ser e estar — em vez de “eu amo”, digo: “estou amando”.
“Eu amo” é um futuro duvidoso. Mas “eu sei” é insustentável!
Esqueçam tudo que escrevi até aqui. Depois, quem sabe?
EM LUGAR ALGUM
Estou aqui, mas queria estar lá. Poderia estar lá mas devo estar aqui. Entre física e metafísica está a minha ubiquidade. Bobagem: estou onde estou.
LUGAR NENHUM
O mesmo lugar em dois momentos: memento, sentimento. Minto: não mais sou quem eu era. Lugar é um tempo a que voltamos / para o qual seguimos — antes e depois ou enquanto...
V A M O S
Estás em qualquer lugar, sem sair daqui. Só os trapezistas e os poetas conseguem. Tem quem viva no passado, outros já (já) morreram e juram estar vivos. Viver é questão de tempo (impossível): conta regressiva. Incrível.
Prá frente.
S O M A V
E DAÍ ?
A gente não morre. Termina: “se morre”, garante Deleuze. Mente quem pensa que volta. Volta para (de) onde veio ou vai.
TEMPO, ENTRETEMPO
Entre agora e antes um instante de (em) que nem percebemos. Só depois, ruminando, sofrendo, julgando. Melhor é o que virá, mesmo não sendo. Revivendo. Sonh ando: dois momentos de memento. Como concentrar-se no agora? Deter o tempo, ser no estar sem passado e futuro. Viver sem o antes e depois. Pois, pois. Pois é. Pois não.
>>
Ente presente, sem o “se”. Contingente, presente, ente. Nada de devires e deveres. Seres presentes, atuais, atuantes. Imanência e experiência enquanto, durante, entanto.
CADA UM Eu em mim, você em você. Eu em você, você em mim. Reflexo, um duplo sensível, jamais inteligível. Quando nos vemos muitos tus e eus reaparecem, se existirem. Tu e eu. Dentro e fora, não fora a desmemoria.
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Passado e presente diante de nós, incontinenti, reagindo por nós, em nós indis sociáveis. Transcendência e imanência.
D I T A D U R A Viver na indeterminação. Um inconsciente (onisciente) orquestrando, cediço e movediço.
Ser e não-ser, um si próprio que aparece e desaparece nas brenhas, nas entranhas, de dimensões incontroláveis. Educar-se, buscar um autoconhecimento — a intervalos, revel ação do ser, sendo.
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Império da razão sobre a sensação pura. Na contramão, perdura o mistério da emoção. De repente, num rompante lascivo, a excitação, tesão, a ditadura do inconsciente.
UM DISCURSO DE GÓRGIAS
Poema de Antonio Miranda
para Salomão Sousa
A minha poesia
só existe para mim.
É incomunicável.
O que se escreve é
incompreensível.
Faço minhas leituras
de Drummond, sem jamais
apreendê-lo: palavras
me levam a outro sentido.
>>>
Releio e recrio. Por isso
o crítico escreve mil palavras
sobre um mesmo verso
de Pessoa, e apenas
o intuímos: o sentimento
é intransferível! Uns
dizem entender, outros
abominam, nos desentendemos.
Insondáveis, alteregos
do diálogo de equívocos.
Intencionalidades. Tent
ativas, aproximações.
>>>
Sempre nos vemos nos
outros sem que nos vejam.
Não vemos ninguém,
só a nós mesmos.
Condenados ao solipsismo.
A sós, nós
na multidão.
Em vão.
Brasília, 14-17.07.2013
Esta edição de 10 exemplares, numerados e assinados pelo autor — Antonio Miranda —foi impressa de forma
alternativa, fora de comércio, sendo dois exemplares para o
autor e os demais para Salomão Sousa, Ésio Macedo Ribeiro, Oto Dias Becker Reifschneider,
Antonio Carlos Secchin, Cláudio Murilo Leal , Aurora Cuevas Cerveró, Elga Pérez-Laborde e José Fernandes.
Será disponibilizado também em e-book. Brasília, julho de 2013.
Editores: Antonio Miranda & Zenilton Gayozo.
E-book digital: Nildo