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A FORMAÇÃO INICIAL DO DOCENTE EM GEOGRAFIA E O FAZER PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: REFLEXÕES E DESAFIOS Diana Aparecida da Silva Andrade João Henrique da Silva Trata-se de um relato de experiência da autora como docente nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, em escolas estaduais públicas na região sul do estado de Minas Gerais. Analisa a experiência de formação inicial em Licenciatura de Geografia, na modalidade em educação à distância, bem como objetiva refletir sobre o trabalho docente e as práticas pedagógicas do ensino da disciplina em comento. Assentada nas perspectivas dos estudos culturais e bourdieusiana, analisa-se que existem lacunas e limites na formação docente por não ter sido respeitada, por meio da universidade, as identidades e a diversidade sociocultural dos graduandos na modalidade EaD. Também reflete que as identidades dos alunos precisam ser levadas em consideração, além da sua diversidade sociocultural e influências na constituição do seu habitus e no êxito escolar. Palavras chave: Relato de Experiência, Fazer Pedagógico Em Geografia, Formação Inicial Em Geografia.

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A FORMAÇÃO INICIAL DO DOCENTE EM GEOGRAFIA E O FAZERPEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: REFLEXÕES E DESAFIOS

Diana Aparecida da Silva Andrade

João Henrique da Silva

Trata-se de um relato de experiência da autora como docente nos anos finais do Ensino

Fundamental e no Ensino Médio, em escolas estaduais públicas na região sul do estado de

Minas Gerais. Analisa a experiência de formação inicial em Licenciatura de Geografia, na

modalidade em educação à distância, bem como objetiva refletir sobre o trabalho docente e

as práticas pedagógicas do ensino da disciplina em comento. Assentada nas perspectivas

dos estudos culturais e bourdieusiana, analisa-se que existem lacunas e limites na

formação docente por não ter sido respeitada, por meio da universidade, as identidades e a

diversidade sociocultural dos graduandos na modalidade EaD. Também reflete que as

identidades dos alunos precisam ser levadas em consideração, além da sua diversidade

sociocultural e influências na constituição do seu habitus e no êxito escolar.

Palavras chave: Relato de Experiência, Fazer Pedagógico Em Geografia, Formação

Inicial Em Geografia.

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A FORMAÇÃO INICIAL DO DOCENTE EM GEOGRAFIA E O FAZER PEDAGÓGICO NA

EDUCAÇÃO BÁSICA: REFLEXÕES E DESAFIOS

INTRODUÇÃO

O processo de formação de professores no Brasil tem chamado muita atenção de

pesquisadores nos últimos anos. A prática pedagógica também tem sido observada e

questionada. Mas ainda não é valorizada com um olhar do pesquisador de dentro da escola sobre

a sala de aula, a qual é centro motor de aprendizagem do aluno. Também há uma escassez de

pesquisas que buscam retratar o processo de formação em desenvolvimento do professor, bem

como o exercício da sua docência enquanto não se formou e habilitou como professor.

Nesse sentido, o presente artigo objetiva fazer um relato de experiências e discussões

sobre a formação inicial em Geografia na pessoa da autora, além de informar como está sendo

desenvolvido o fazer pedagógico geográfico em escolas públicas estaduais na região sul do

estado de Minais Gerais. Por isso, questiona-se: como se dá o processo de formação inicial em

Geografia? Quais são as práticas pedagógicas desenvolvidas na escola? Quais são as

possibilidades, lacunas e desafios no exercício da docência nos primeiros anos de graduação em

Geografia? O trabalho situa-se, então, numa reflexão na e sobre a ação. Por isso, inspira-se na

pesquisa-ação para discutir o contexto da formação da professora e as práticas pedagógicas

realizadas em salas de aula.

Justifica-se a relevância deste estudo por existirem poucos trabalhos que discutem

abertamente o processo de formação do professor em Geografia e a reflexão sobre o seu fazer

pedagógico, principalmente, quando o autor do trabalho é o próprio sujeito e objeto de análise.

Além do mais, é importante relatar tais experiências, porque o ensino de Geografia é

fundamental para o desenvolvimento intelectual, social, físico e psicológico dos estudantes da

Educação Básica. Conforme o documento Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), na Parte IV,

a Geografia “[...] busca compreender as relações econômicas, políticas, sociais e suas práticas

nas escalas local, regional, nacional e global”, além de propiciar “[...] pensar o espaço enquanto

uma totalidade na qual se passam todas as relações cotidianas e se estabelecem as redes

sociais nas referidas escalas” (BRASIL, 2000. p. 30, grifos do autor).

Tendo como objeto de estudo o espaço geográfico, a disciplina Geografia pode ensinar

aos alunos interagir com a sociedade e compreender as diferentes relações que os seres sociais

têm para com o mundo. Aliás, a sociedade do conhecimento e tecnológica imbrica em envolver-se

nas teias da interação entre saber, trabalho e tecnologia. E numa realidade marcada por múltiplas

identidades, espaços intersticiais e de hibridação cultural, os alunos não podem deixar de se

relacionar, compreender e agir sobre tal conjectura.

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Portanto, este artigo apresentará primeiramente a metodologia que baliza o relato de

experiência. Em seguida, refletirá sobre a formação inicial da autora. Posteriormente, analisará as

práticas pedagógicas na disciplina em Geografia. Assim, o trabalho constitui-se numa imersão no

seu interior e análise da exteriorização dos seus conhecimentos e do fazer pedagógico.

METODOLOGIA

O cenário empírico acontece na região sul de Minas Gerais, em escolas públicas

estaduais, em especial, nas cidades de Bom Repouso, Cambuí e Estiva. Tais cidades são

interioranas e possuem escolas estaduais na região urbana, mas a população depende

basicamente da agricultura, principalmente da plantação de morango e da batata-inglesa. Isto é,

os municípios se apresentam como ambiente rural, uma vez que a maioria dos estudantes e seus

pais trabalham no campo. Entretanto, existem algumas atividades de comércio, principalmente na

cidade de Cambuí.

Conforme os dados do IBGE (2010), Bom Repouso possui uma população de 10.457. Os

dados de 2009 apontam que 794 crianças e adolescentes foram matriculados no Ensino

Fundamental na rede estadual. No ensino médio, contou-se com 347 estudantes. Já a cidade de

Cambuí tem 26.488 habitantes (CENSO IBGE, 2010). Em 2009, possuía 1.820 alunos

matriculados no ensino fundamental e 992 estudantes no ensino médio, ambos na rede estadual.

Na cidade de Estiva, moram 10.845 pessoas (CENSO IBGE, 2010). No ano de 2009, havia 1.099

estudantes matriculados no ensino fundamental e 339 alunos no ensino médio, todos em escolas

públicas estaduais.

O presente relato de experiência envolve o trabalho docente a partir do 2º semestre do

ano passado e do 1º semestre do recorrente ano, nas escolas públicas estaduais das cidades

mencionadas acima. A autora deste artigo iniciou, em 2012, o seu curso de licenciatura em

Geografia numa instituição universitária privada no estado de São Paulo, na modalidade

Educação a Distância (EaD), contemplada com bolsa integral pelo Programa Universidade para

Todos (ProUni). Vale saber que este artigo é fruto das conversas e acompanhamento do coautor

no desenvolvimento do curso e no trabalho docente. A interação e a relação com os estudos

teóricos partem do material do curso de Geografia, enquanto a fundamentação teórica nos

Estudos Culturais e o pensamento bourdieusiano referem-se aos estudos em conjunto com o

coautor do trabalho, o qual instiga conhecer e aprofundar os conhecimentos nesses pensadores.

Por isso, o presente artigo é uma discussão sistematizada com o coautor sobre a

formação inicial do professor em Geografia e do fazer pedagógico, bem como uma inspiração de

uma pesquisa-ação fundamentada numa pesquisa bibliográfica. Além do mais, baseia-se

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teoricamente nos estudos culturais1 e no pensamento bourdieusiano. Como se sabe, a pesquisa-

ação

[...] obriga o pesquisador de implicar-se. Ele percebe como está implicado pela estrutura social na qual ele está inserido e pelo jogo de desejos e interesses de outros. Ele também implica os outros por meio do seu olhar e de sua ação singular no mundo. Ele compreende, então, que as ciências humanas são, essencialmente, ciências de interações entre sujeito e objeto de pesquisa. (BARBIER, 2007, p. 14).

A pesquisa-ação pergunta “[...] sobre o lugar do homem na natureza e sobre a ação

organizada para dar-lhe um sentido” (BARBIER, 2007, p. 18). Ela se relaciona com a

complexidade da vida humana. Faz uma análise dialética entre os saberes e os seres. E o

pesquisador possui “[...] diferentes papeis sociais em certos momentos de sua ação e de sua

reflexão” (BARBIER, 2007, p. 19).

A pesquisa-ação apresenta inclusive uma perspectiva pedagógica e política. Para Barbier

Ela serve à educação do homem cidadão preocupado em organizar a existência coletiva da cidade. Ela pertence por excelência à categoria da formação, quer dizer, a um processo de criação de formas simbólicas interiorizadas, estimulado pelo sentido do desenvolvimento do potencial humano. (2007, p. 19).

Dessa forma, a autora deste trabalho coloca-se numa postura de pesquisa-ação, porque

ao mesmo tempo em que está passando por um processo de formação, reflete sobre tal

acontecimento na sua profissionalização. E na medida em que exerce a docência, reflete sobre o

seu trabalho e o fazer pedagógico. Consiste numa tarefa de tentar se implicar no seu curso e no

exercício da docência, propiciando uma melhoria na atuação docente e na formação acadêmica.

A FORMAÇÃO INICIAL DO DOCENTE EM GEOGRAFIA: REFLEXÕES E PERSPECTIVAS

Como já foi apresentando, a autora deste artigo faz um curso de licenciatura em

Geografia na modalidade EaD, numa instituição privada. Partindo desse cenário, observou-se que

as disciplinas do curso contam com diferentes recursos audiovisuais e tarefas diferenciadas a

serem realizadas. Como aponta Tassigny (2012), a modalidade EaD oportuniza o acesso a uma

formação superior e qualificação para o mercado de trabalho, além de organizar um ensino que

favorece as condições sociais objetivas do aluno.

Todavia, a autora vivenciou que falta um melhor envolvimento dos tutores com os alunos,

além do material pedagógico divulgado não levar em consideração as diferentes especificidades

1 Concerne aos estudos de Garcia Canclini (2008), Hall (2003), Bhabha (1998).

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de aprendizagem e perfil do acadêmico. Apesar de garantir a flexibilidades nos estudos, o

acadêmico precisa resolver suas dúvidas sozinhas, porque não há um contato ou aproximação

com os professores formadores e conteudistas (além dos tutores), os quais deveriam tomar

conhecimento sobre as dúvidas e questionamentos que são postos a partir de um conteúdo

didático universalizado.

Segundo Moreira (2005), a universidade, nos últimos tempos, está muito voltada para a

esfera econômica, tendo os currículos direcionados para o formato da ordem capitalista deste

mundo globalizado. No caso da universidade em que a autora estuda, observa-se a preocupação

somente com o ensino e a extensão. Não se fala de projetos de pesquisas para os acadêmicos da

EaD. Ou melhor, não se efetiva o tripé que sustenta uma universidade: ensino, pesquisa e

extensão. A sua preocupação é apenas formar professores de Geografia para a Educação Básica,

esquecendo que ser professor também é ser um pesquisador, observando o cotidiano e refletindo

sobre a sua ação. O ensino não pode ser encarado com uma mera perspectiva tecnicista.

De acordo com Libâneo (1994), o ensino é um processo. Ele é o desenvolvimento e

transformação progressiva das capacidades intelectuais dos alunos. Procura o domínio de

conhecimentos, habilidades, hábitos, atitudes, convicções e de desenvolvimento de capacidades

cognitivas dos alunos. Possui aspecto material e formal. Assegura a transmissão e assimilação

dos conteúdos do saber escolar. No ensino, Libâneo fala que “[...] na medida em que são

assimilados conhecimentos, habilidades e hábitos, são desenvolvidas as capacidades

cognoscitivas [...], indispensáveis para independência de pensamento e o estudo ativo” (1994, p.

81).

Dessa forma, a universidade deveria se preocupar melhor com a constituição dos

saberes profissionais dos graduandos na modalidade EaD, pois estes saberes são, no entender

de Tardif (2002), temporais, plurais e heterogêneos, personalizados e situados. Para Tardif

(2002), existem alguns problemas epistemológicos do modelo universitário de formação. Os

cursos de formação para o magistério são globalmente idealizados segundo um modelo

aplicacionista do conhecimento, no qual os alunos passam alguns anos na universidade,

aprendem conhecimentos proporcionais e ao se formarem vão para o mercado de trabalho. Mas

nesta nova fase se sentem sozinhos e percebem que os conhecimentos adquiridos não se

aplicam a sua ação cotidiana.

Trata-se de um modelo aplicacionista, que se caracteriza como ideológico ou

epistemológico, também institucionalizado (através do sistema de práticas da carreira

universitária) e idealizado segundo a lógica disciplinar. Mas não segundo a lógica profissional

centrada nos estudos das tarefas e realidade do trabalho profissional. Os docentes universitários

relacionam-se com os alunos como “espíritos virgens”, sem considerar as crenças e

representações interiores de ensino. Eles não utilizam o filtro cognitivo para explorar e provocar

novos conhecimentos a partir da crença existente. (TARDIF, 2002).

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Assim, iluminados por Hall (2003) e Bhabha (1998), colhe-se da experiência de sua

formação inicial que os professores universitários precisam entender a partir de qual lugar o

estudante fala. Compreender quais são as identidades dos estudantes e que fronteiras sociais e

culturais vivenciam, trabalhando com uma lógica intercultural, de respeito às diversidades

culturais, sociais e econômicas. Concerne a uma tarefa realizada pelas disciplinas ministradas

pelos professores tanto para as aulas presenciais quanto a distância.

Tais medidas são imprescindíveis, porque é o habitus2 professoral que está sendo

constituído, fundamentando-se em Bourdieu. São práticas e conhecimentos internalizados. É o

capital cultural sendo ampliado. Trata-se da constituição do agente social, por meio de um

processo de formação da matriz de percepções, de apreciações e de ações devidas ao processo

relacional e dialético consolidado no indivíduo (interiorização da exterioridade e exteriorização da

interioridade). Ou seja, é o habitus em processo e formação diante das relações sociais,

acadêmicas e profissionais. Por isso, é importante uma formação do docente que propicia

desenvolver as habilidades e competências requeridas no ensino de Geografia para ensinar a

todos.

REFLEXÕES SOBRE O FAZER PEDAGÓGICO EM AULAS DE GEOGRAFIA

A Geografia é uma disciplina interdisciplinar, que apesar de ser fragmentada na prática

curricular, contribui com novas lentes3 sobre o mundo. Instiga o aluno a ver de maneira diferente a

realidade em que está inserida. Para Selbach, a Geografia é uma “[...] ciência do homem e de sua

interdependência com o ambiente. É uma ciência das paisagens que modelam a humanidade e

são por ela modelados” (2010, p. 35). Ela exige um cuidado e preparo do professor para ensiná-la

na sala de aula e uma didática consoante às exigências de uma educação intercultural,

democrática e cidadã.

Entretanto, para analisar a prática docente não se pode deixar de esclarecer que a

construção do trabalho docente envolve três fatores: a) o trabalho docente é uma práxis; b) ele

pode ser compreendido dentro do contexto da organização escolar e da organização do trabalho

do modo de produção; c) parte da gênese de suas condições históricas gerais e particulares.

(AZZI, 1999).

2 Segundo Bourdieu, habitus é um “[...] sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas

predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente ‘reguladas’ e ‘regulares’” (BOURDIEU, 2003, p. 54). 3 De acordo com Selbach, a Geografia deve ser ensinada, porque é “uma ciência de paisagens e por

despertar a visão interligada entre o homem e seu mundo, [...] é um instrumento formidável para que possamos nos conhecer e nos compreender melhor, perceber toda a dimensão do espaço e do tempo, onde estamos e para onde caminhamos, descobrir as populações e suas múltiplas relações com o ambiente” (2010, p. 37).

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Tendo presente essas considerações, é necessário compreender a função do ensino de

Geografia. De acordo com o PCN,

No Ensino Fundamental, o papel da Geografia é “alfabetizar” o aluno espacialmente em suas diversas escalas e configurações, dando-lhe suficiente capacitação para manipular noções de paisagem, espaço, natureza, Estado e sociedade. No Ensino Médio, o aluno deve construir competências que permitam a análise do real, revelando as causas e efeitos, a intensidade, a heterogeneidade e o contexto espacial dos fenômenos que configuram cada sociedade

4. (BRASIL,

2000. p. 30).

Aliás, a Geografia precisa seguir os quatro pilares para melhorar a qualidade de ensino:

ensinar a conhecer, ensinar a fazer, ensinar a compartilhar e ensinar a ser (SELBACH, 2010, p.

82-85). As competências básicas requeridas tanto nos anos iniciais do ensino fundamental,

quanto aos anos finais do ensino médio são: a) domínio das linguagens; b) compreensão e

interpretação dos fenômenos; c) solução os problemas; d) construção da argumentação; e)

propostas para as situações-problemas (SELBACH, 2010, p. 98-99).

Dessa maneira, traz-se à baila alguns elementos empíricos5 obtidos na pesquisa-ação

quanto algumas dificuldades encontradas no exercício da docência: as salas de aula encontram-

se lotadas; os alunos têm motivações diferentes; eles reproduzem na sua fala e intenções uma

educação conteudista (enraizaram-se práticas meritocráticas); a direção apenas exige as

responsabilidades do cargo de professor, mas não dialoga com os alunos e professores para

resolverem os problemas.

Também cabe destacar que a maioria dos alunos das três cidades já apresentadas vive

na zona rural, trabalhando junto com os pais na roça. No convívio escolar parece que a gestão

escolar e os professores se esquecem do contexto em que os alunos estão inseridos, pois eles

deveriam relacionar com as aprendizagens do campo.

Inclusive, há uma diversidade sócio-cultural-econômica no espaço escolar. Mas a escola

nivela as diferenças individuais do aluno. Ela impõe um padrão de conduta, de ensino-

aprendizagem e formação, como se todos pudessem ser educados da mesma forma. E quando

utiliza a tecnologia, acaba reproduzindo os moldes tradicionais da educação. Não se potencializa

o uso das tecnologias. Nas escolas, também se vivencia a dificuldade de relacionamento entre os

professores e os alunos. É constante os professores falarem que os alunos são indisciplinados,

que os pais são responsáveis pela escola ou que o professor não tem o domínio adequado dos

4 Conforme o PCN, a Geografia propicia um “[...] momento de ampliação das possibilidades de um

conhecimento estruturado e mediado pela escola que conduza à autonomia necessária para o cidadão do próximo milênio” (BRASIL, 2000, p. 31). Por isso, ela tem diversas funções no Ensino Médio que, em síntese, são: a) orientar o seu olhar para os fenômenos ligados ao espaço; b) reconhecer as contradições e os conflitos econômicos, sociais e culturais; c) tornar-se sujeito do processo ensino-aprendizagem para se descobrir convivendo em escala em diferentes escalas. (BRASIL, 2000, p. 31). 5 Os elementos empíricos, como parte de um relato de experiência, quanto ao exercício da docência em

geografia segue nos próximos parágrafos.

Page 8: Artigo   anais do evento

conteúdos e do gerenciamento na sala de aula. Geralmente, os professores culpabilizam os

alunos pela sua situação em fracasso escolar.

No que concerne especificamente ao ensino de geografia, a autora observou que os

alunos não têm uma linguagem adequada para a compreensão dos textos, dificuldades de

interpretação, resolução dos problemas e argumentação. Cada aula é um laboratório para se

pensar qual o caminho adequado para ensinar geografia e para repensar que formas

organizativas do ensino colaboram no desenvolvimento das capacidades e habilidades

relacionadas ao estudo do espaço geográfico.

Dessa forma, percebe-se que, por meio da reflexão sobre e na ação, a necessidade de

uma revisionamento do que seja didática. Muitos professores compreendem a didática ainda de

uma maneira tecnicista e pragmática. Para Libâneo, “a Didática se baseia numa concepção de

homem e sociedade e, portanto, subordina-se a propósitos sociais, políticos e pedagógicos para a

educação escolar a serem estabelecidos em função da realidade social brasileira” (1994, p. 28-

29). Ela tem alguns temas fundamentais que a perpassam: “os objetivos sócio-políticos e

pedagógicos da educação escolar, os conteúdos escolares, os princípios didáticos, os métodos de

ensino e de aprendizagem, as formas organizativas do ensino, o uso e aplicação de técnicas e

recursos, o controle e avaliação da aprendizagem” (LIBÂNEO, 1994, p. 54).

Segundo Romanovski e Martins (2008), a didática não é um guia de ação prática. Um dos

pontos trabalhados pela didática é o planejamento da aula que, por sua vez, como prática

pedagógica faz parte de um eixo epistemológico, no qual se pesquisa a teoria como expressão da

prática. E a aula não é um simples roteiro. Possui os seguintes componentes articulados:

planejamento, objetivos, conteúdos, método e avaliação. (ROMANOVSKI; MARTINS, 2008, p.

173).

No contexto da observação e vivência, inspirados pelos estudos culturais, nota-se que é

preciso que os professores compreendam as identidades dos estudantes, dialoguem, respeitem

suas culturas e troquem os seus conhecimentos prévios e de vida, valorizando e trabalhando a

partir da alteridade dos estudantes. É fundamental trazer para o debate em sala de aula as

experiências pessoais com o trabalho rural. Cabe também despertar nos alunos a motivação de

entender os tipos de terra, o relevo, os cursos dos rios e das nascentes que envolvem tais

regiões, bem como aprender sobre o clima e a urbanização da região habitada. Nesse sentido,

Selbach (2010, p. 28-31) oferece algumas pistas de trabalho no que diz respeito a alguns

procedimentos para motivar e atiçar a curiosidade no ensino de Geografia. Na verdade,

corresponde a um trabalho de pensar em novas formas de conceber a aula e o processo de

ensino-aprendizagem. As tecnologias de informação e comunicação podem inclusive ser

instrumentos valiosos para atingir alguns objetivos didáticos, como o uso da lousa eletrônica,

vídeos, GPS e Google Maps.

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O ponto central das experiências colhidas é respeitar as diversidades e articulá-las com o

ensino-aprendizagem. Quando não há esse respeito, os alunos manifestam seu

descontentamento compreendido, muitas vezes, como indisciplina. Segundo Antunes (2002, p. 9-

10, apud SILVA, 2010, p. 85), a indisciplina6 ocorre em sala de aula quando os alunos não dão

oportunidades para o seu desenvolvimento e construção de conhecimento; quando a escola não

oferece condições para instigar a participação dos alunos nos trabalhos e exercício da cidadania; e

também quando não há uma prática pedagógica que estimula as habilidades operatórias, uma

aprendizagem significativa e formação de atitudes.

Geralmente, a disciplina imposta nas escolas é aquela que pressiona, impõe medo,

coação, subserviência. Além de ações que levem a uniformização, homogeneização, docilidade e

submissão. (SILVA, 2010, p. 85). Mas esta “[...] disciplina imposta, ao desconsiderar, por exemplo, o

modo como são partilhados os espaços, o tempo, as relações factuais entre os alunos, gera uma

reação que explode na indisciplinada incontrolável ou na violência banal.” (GUIMARÃES, 1996, p.

78, grifos do autor, apud SILVA, 2010, p. 85). E as inadequadas soluções para os problemas de

indisciplina corroboram para uma violência no espaço escolar. A violência7 não é, porém, causal,

mas é socialmente construída e, por isso mesmo, pode ser previsível. Ela pode ser categorizada do

seguinte modo: “violências contra pessoas (ameaças, brigas, violência sexual, uso de armas);

violências contra a propriedade (furtos, roubos); e violência contra o patrimônio (vandalismo e

depredação)” (SCHILLING, 2004, p. 77, apud SILVA, 2010, p. 89). Também existem outras cinco

formas de violência escolar: violência da indiferença e da discriminação, violência doméstica, social

e a da criminalidade. Todas desgastam o espaço escolar, gerando um infortúnio para a educação.

(SCHILLING, 2004, p. 84-95, apud SILVA, 2010, p. 89).

Retornando as discussões sobre a prática pedagógica, entende-se a importância do

professor compreender de que forma está ensinando, como o aluno está aprendendo, qual o

contexto social e familiar do aluno, qual a forma e a organização da prática pedagógica, quais as

condições físico-psíquicas que exigem uma nova dinâmica de ensino.

A partir dessas considerações, balizado no pensamento bourdieusiano, pode-se então

entender que toda ação pedagógica é uma violência simbólica. Esta denota uma imposição

arbitrária, dissimulada, e que vela as relações de força. Dessa maneira, a ação pedagógica impõe

6 Outras causas podem ser elencadas para a indisciplina e a violência: preferência pela punição;

desritualização institucional das práticas escolares; exigência obsessiva de obediência; mau entendimento das causas desses problemas; solução imediatista dos conflitos; atribuição de patologias às condutas estudantis; atribuições de responsabilidade para outras pessoas (jogo do “empurra-empurra”); inadequada compreensão da postura do professor e das atitudes dos alunos; educação bancária; desigualdades econômicas e sociais; a crise de valores; conflito de gerações; desperdício da força de trabalho qualificada dos professores; desvio de função das instituições; quebra do contrato pedagógico; idealização do aluno; enfraquecimento do vínculo entre moralidade e sentimento de vergonha; imperativos pedagógicos hegemônicos; enfim, as transformações sócio-históricas-culturais-políticas. (SILVA, 2010, p. 74-88). 7 A violência é um conceito multidimensional. Ela implica em diversos atores e sujeitos, além de acontecer

sob formas diferentes (violência física, psicológica, emocional, simbólica). Trata-se de uma vitimização que se dá sob diversas formas. (SCHILLING, 2004, p. 33-35, apud SILVA, 2010, p. 89).

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um determinado arbitrário cultural estabelecido por uma concepção cultural dos grupos e da

classe dominantes. O dominante inculca valores e normas no sistema de ensino. (RODRIGUES,

2004, p. 86).

Neste trabalho pedagógico, o educando aceita e naturaliza os conteúdos e a cultura

imposta à escola, onde são inculcados os valores dominantes e reproduzido as condições de

dominação social (RODRIGUES, 2004). Bourdieu esclarece que o sistema escolar, como fator de

mobilidade social, oculta a função de fator para a conservação social, uma vez que “fornece a

aparência de legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social

tratado como dom natural” (1998, p. 41).

Assim, o sistema escolar torna-se injusto, porque obedece a uma equidade formal que

protege melhor os privilégios sociais do que a transmissão aberta dos privilégios. Por isso, é

necessário compreender quais são os mecanismos objetivos que determinam a eliminação

contínua das crianças desfavorecidas. Um dos mecanismos é entender as diferenças de êxitos

como diferenças de dons8. Porém, a classe mais alta tem um privilégio cultural que leva a seus

filhos já serem os detentores de um certo “habitus” exigido pela escola. (BOURDIEU, 1998, p. 41).

Trata-se da herança cultural que corresponde nas classes sociais como a primeira diferença inicial

na escola a ser realizada, pois a renda não é o motivo determinante para o sucesso escolar, uma

vez que a “[...] ação do meio familiar sobre o êxito escolar é quase exclusivamente cultural”

(BOURDIEU, 1998, p. 42).

Bourdieu ensina que (1998, p. 42): “[...] é o nível cultural global do grupo familiar que

mantém a relação mais estreita com o êxito escolar da criança”, porque até mesmo um desnível

entre o pai e a mãe pode mudar o êxito da criança. Aliás, sem deixar de considerar que o nível

cultural global dos ascendentes e outros parentes da família influenciam no aprendizado do aluno.

(BOURDIEU, 1998, p. 42).

Dessa maneira, Bourdieu informa que a posição social, o capital cultural, o ethos da

família e dos parentes são aspectos influenciadores da continuidade dos estudos dos alunos. E há

outras variantes influenciadoras, sobretudo os “[...] resultados escolares anteriores, de práticas e

de conhecimentos culturais (em matéria de teatro, música, jaz, ou cinema) ou ainda da facilidade

linguística [...]”, além do conjunto de características do passado escolar. (BOURDIEU, 1998, p.

43). A língua não deixa de ser também um obstáculo cultural para o prosseguimento da carreira

escolar, porque o processo seleciona os mais aptos que são, por sua vez, indivíduos que têm

como a língua exigida a língua materna. (BOURDIEU, 1998, p. 45-46). É neste contexto que se

8 Para Bourdieu, “as crianças oriundas dos meios mais favorecidos não devem o seu meio somente os

hábitos e treinamento diretamente utilizáveis nas tarefas escolares, e a vantagem mais importante não é aquela que retiram da ajuda direta que seus pais lhe possam dar. Elas herdam também saberes [...], gostos e um “bom gosto”, cuja rentabilidade escolar é tanto maior quanto mais frequentemente esses imponderáveis da atitude são atribuídos ao dom” (1998, p. 45, grifo nosso).

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situa a necessidade de se respeitar a primeira língua do aluno surdo (LIBRAS). É por meio dela

que esse aluno pode aprender os conteúdos escolares sem prejuízo da sua própria formação.

Portanto, as experiências obtidas na formação inicial e na sala de aula, relacionadas à

fundamentação teórica em Bourdieu, colabora para pensar que no ensino de Geografia, é

imprescindível que o professor tenha em consideração tais variantes na trajetória escolar dos

indivíduos. É importante tomar o cuidado para não converter as desigualdades sociais em

desigualdades escolares. O desafio é fazer da escola um espaço destinado a uma formação

humana com qualidade. É urgente descontruir práticas de “exclusão branda”9.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho, por meio da análise das experiências na formação inicial e no

exercício da docência, permite desvelar as práticas pedagógicas e sociais realizadas no espaço

escolar, bem como refletir sobre as experiências no curso e na identidade docente em construção.

Esse estudo também ajuda a rever os papeis desempenhados no espaço escolar, despertando o

compromisso com a formação docente e com a prática pedagógica. Demonstra igualmente que a

universidade na qual a autora estuda desenvolve práticas capitalistas, aplicacionistas e

institucionalizadas.

Ademais, o estudo revela que o ensino de Geografia não pode ser compartimentado. Há

diversas habilidades e competências a serem desenvolvidas no espaço escolar, tendo em vista a

preparação do estudante ao mercado de trabalho e à vida em sociedade. Além do habitus do

professor com suas diferentes variantes influenciadoras, os alunos têm outras variantes que

carregam consigo, interiorizando as vivências, tais como: o capital cultural da família, as

condições socioeconômicas, os ambientes socializadores (amigos, lazer, espaços de educação

não formais), as regras e valores da sociedade, as redes de ensino (aspecto externo e interno).

Mas também exteriorizam tais práticas na vida social.

Portanto, o presente relato de experiência oferece novas possibilidades de olhar para a

formação inicial do docente, bem como novas ressignificações no fazer pedagógico em Geografia.

Oferece pistas de trabalhos com o objetivo de respeitar as identidades do aluno, além de garantir

e valorizar as diversidades socioculturais. Trata de novas práticas pedagógicas e da formação

inicial docente inspirada em perspectivas interculturais, democráticas e cidadãs. O propósito é

ajudar a escola a repensar o ensino de Geografia com novos mapas e com uma nova gramática.

9 Trata-se de procedimentos de orientação e seleção por meio de práticas insensíveis, contínuas, graduais,

imperceptíveis e despercebidas (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 1998, p. 222).

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REFERÊNCIAS:

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