artigo professor danilo leite moreira
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POR UMA NOVA HISTÓRIA POLÍTICA NOS DESMEMBRAMENTOS
MUNICIPAIS: O CASO DE BATAYPORÃ-MS
Danilo Leite Moreira1
RESUMO: O trabalho objetiva uma discussão acerca do desmembramento político e
administrativo do município de Batayporã, localizado na região sudeste do Estado de Mato
Grosso do Sul, conhecida também como Vale do Ivinhema. A partir de 1953, quando o atual
município foi elevado à categoria de distrito, instalou-se um considerável número de
migrantes, oriundos do Oeste paulista e de outras regiões do Brasil. Em 1958, Nova
Andradina, município vizinho ao de Batayporã, colonizado por Antônio Joaquim de Moura
Andrade, emancipou-se de Bataguassu. Nesse período, Batayporã passou a pertencer então à
Nova Andradina e não querendo depender de outro município, iniciou um movimento para
ocasionar seu desmembramento, fato que ocorreu em 1963. Devido à escassez de fontes
bibliográficas sobre o evento histórico pesquisado, a História Oral foi utilizada como
metodologia fundamental para a compreensão do processo de desmembramento político e
administrativo de Batayporã.
PALAVRAS-CHAVES: Desmembramento Político e Administrativo. Município de
Batayporã. Município de Nova Andradina. História Política. História Oral.
INTRODUÇÃO
Em uma conversa informal que tive com um descendente de tchecos no ano de 2010,
ouvi a afirmação de que Batayporã teria se desmembrado do atual município de Bataguassu, e
não do município de Nova Andradina. Fiquei me perguntando o por quê daquela afirmação,
que ele procurava defender com tanta veemência. Eu já sabia que Batayporã transformara-se
em município no dia 12 de novembro de 1963, obedecendo à lei número 1.967, proposta na
Assembléia Legislativa Estadual. Por meio da lei de criação, sabe-se que Batayporã foi, na
verdade, desmembrado do atual município de Nova Andradina. Ambos os municípios fazem
parte hoje da região conhecida como Vale do Ivinhema.
Para realizar o estudo proposto, foi necessário buscar autores que discutissem o
conceito de região. Para o sociólogo Pierre Bourdieu,
A regio e as suas fronteiras (fines) não passam do vestígio apagado do acto de
autoridade que consiste em circunscrever a região, o território (que também se diz
fines), em impor a definição (outro sentido de finis) legítima, conhecida e
1 Mestrando no Curso de Pós-Graduação em História pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade
Federal da Grande Dourados – (PPGH/UFGD), Bolsista/Capes. Dourados/MS. E-mail:
reconhecida, das fronteiras e do território, em suma, o princípio de di-visão legítima
do mundo social. Este acto consiste em afirmar com autoridade uma verdade que
tem força de lei é um acto de conhecimento, o qual por estar firmado, como todo o
poder simbólico, no reconhecimento, produz a existência daquilo que anuncia [...]
(BOURDIEU, 2007, p. 113-114).
Quando da formação de regiões (regio) não ocorre muito diferente do que acontece
quando se cria um município: o governador do Estado (rex) estabelece as fronteiras (Regere
fines), impondo uma lei de criação. Por isso, as fronteiras ou limites de um município,
demarcados e estabelecidos por leis de criação, não passam de atos estabelecidos pelo Estado,
fazendo com que o poder simbólico inscrito em um pedaço de papel, seja imposto a todos. Foi
pensando nessas ideias que ouso afirmar que aquele descendente de tchecos não estava
totalmente errado ao afirmar que Batayporã “pertenceu” ao município de Bataguassu, pois,
segundo a lei de criação, Bataguassu transformou-se em município no dia 11 de dezembro de
1953, por meio da lei número 683, incorporando as terras dos atuais municípios de Nova
Andradina, Anaurilândia e Batayporã.
Segundo a historiadora Janaína Amado, o conceito de região vem se modificando
principalmente para alguns geógrafos, pois “[...] afirmam, este conceito de região é incapaz de
apreender a historicidade e as contradições sociais que impregnam um determinado espaço”
(AMADO In: SILVA, 1990, p. 8). As regiões constantemente sofrem modificações, assim,
suas variações dão novas características e acabam por surgir ou criar novas regiões, por isso
vem sendo proposto por geógrafos da chamada “geografia crítica”, novos conceitos para a
palavra região, livrando pesquisadores do anacronismo. Amado mostra que a definição da
palavra região, seja em qualquer corrente teórica de estudo, tem um único objetivo, ou seja,
“[...] a idéia de região, não importa qual o conteúdo lhe seja conferido, relaciona-se
basicamente com a noção de espaço. O conceito de região surgiu da necessidade do Homem
entender e ordenar as diferenças constatadas no espaço terrestre [...]” (1990, p. 10).
Todo pesquisador que se envolve com a história regional deve ter a preocupação em
não cometer anacronismos, pois as regiões aparecem e desaparecem com o passar do tempo.
Assim, não se poderia falar em município de Batayporã ou mesmo de Nova Andradina, em
1953, se tais localidades pertenciam às regiões fronteiriças ou limítrofes da comarca de
Bataguassu.
Primeiramente, foi criado Corumbá, no ano de 1850, pela lei de criação provincial
número 12, com o nome de Vila de Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque. Em 1857,
segundo a lei de criação provincial número 1, foi criado o distrito de Nossa Senhora do Carmo
de Miranda, hoje município de Miranda. De Miranda, no ano de 1890, por meio do decreto
número 23, surgiu o atual município de Nioaque. Desmembrado de Nioaque, no ano de 1899,
pela lei número 223, criou-se Campo Grande que, por sua vez, teve seu território
desmembrado, dando origem à comarca de Entre Rios, hoje município de Rio Brilhante.
Segundo a lei de criação número 1.025, Entre Rios transformou-se em município em 26 de
setembro de 1929. A partir de 1953, as terras onde está localizado atualmente o município de
Batayporã, passaram a pertencer à comarca de Bataguassu, que se transformou em município
no dia 11 de dezembro daquele ano (lei número 683). Em 1958, Nova Andradina tornou-se
município, em 20 de dezembro, por meio da lei número 1.189. Batayporã, por sua vez,
transformou-se em município no dia 12 de novembro de 1963 (mesmo ano em que se
desmembrou Anaurilândia), de acordo com a lei número 1.967, incorporando o então distrito
de Taquarussu.
Essas dimensões físicas e políticas podem ser percebidas por meio das leis de criação,
pois as mesmas possibilitam que os moradores de uma determinada região, no caso o
município de Batayporã, se identifiquem como pertencentes a certas territorialidades. Assim,
os moradores começam a estabelecer pontos de vista simbólicos de pertencimento a uma
região.
Bourdieu, ao fazer uma análise do conceito de representação, que aparece nas regiões,
mostra que o mesmo está envolvido em um processo no qual o ser humano substitui o real
pelo mental (BOURDIEU, 2007, p. 120). Dessa forma, compreende-se porque o descendente
de tchecos afirmou que Batayporã teria se desmembrado do atual município de Bataguassu e
que não se sabia de onde teria sido tirada a ideia de que Batayporã se desmembrara de Nova
Andradina. Para aquele homem, havia um sentimento de pertença, ou seja, uma ideia de
continuidade, pois Jan Antonin Bata foi colonizador dos municípios de Bataguassu e de
Batayporã, e, por isso, “Batayporã só poderia ter se desmembrado de Bataguassu”. As
representações impostas pelas pessoas ou por moradores antigos costumam se perpetuar, pois
contribuem para criar a representação das divisões.
Segundo Le Goff,
Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta
das forças sociais pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento
é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que
dominaram e dominam as sociedades históricas (LE GOFF, 1984, p. 426).
O que vem acontecendo em Batayporã é o predomínio da memória de determinados
grupos familiares que tem o interesse em manter laços com o país de origem do colonizador
do município. Por outro lado, aqueles que chegaram junto com os descendentes de tchecos e
eslovacos, homens, mulheres e crianças de migração não tchecoslovaca, participaram da
história do município, mas viram suas memórias caírem no esquecimento. Por essa razão, a
História Oral foi fundamental na pesquisa, não somente para entender o período do
desmembramento político e administrativo, mas também para se entender a formação das
identidades locais.
Para a realização do trabalho foram realizadas seis entrevistas audiovisuais, com três
homens e três mulheres. Duas dessas entrevistas foram feitas a partir de memórias vividas,
pelo fato de as pessoas que interessavam ao pesquisador não se encontrarem mais vivas. Os
demais entrevistados foram pessoas que chegaram a Batayporã na década de 1950 e foram
capazes de narrar fatos do cotidiano ou mesmo fatos políticos. Assim,
Ainda que muitas vezes a produção de entrevistas seja usada como alternativa para
preencher vazios de documentos convencionais ou de lacunas de informações e até
para complementar outros documentos, é importante ressaltar que se pode, de
maneira positiva, assumi-la isoladamente e propor análise das narrativas para a
verificação de aspectos não revelados, subjetivos, alternativos aos documentos
escritos (MEIHY; HOLANDA, 2007, p. 24).
Meihy e Holanda mostram de forma didática a importância de se usar a História Oral
não apenas para “tapar buracos” documentais, mas, sim, em mostrar a importância das
narrativas, pois, por meio delas, é possível encontrar informações que os documentos não
trazem, como por exemplo, o episódio do desmembramento, já que por meio da lei de criação
é possível obter apenas poucas informações.
A História Oral foi fundamental neste trabalho por mostrar que não somente por
meio de documentos oficiais escritos podem ser feitos trabalhos de cunho regional. Para o
trabalho, a memória coletiva foi a peça fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, pois
sem a parceria da memória dos colaboradores, não haveria o êxito esperado. Por meio das
entrevistas, possibilitou-se descrever a história do desmembramento político e administrativo
do município de Batayporã, além das mesmas terem permitido um debate historiográfico com
as fontes.
NARRATIVAS ACERCA DO DESMEMBRAMENTO
Batayporã, ao comemorar seu 47º ano de emancipação político-administrativa, tem
muita história para contar. Deve-se ressaltar que ainda há pessoas vivas, capazes de narrar
suas angústias, expectativas, frustrações e alegrias ao chegarem ao então distrito de Bataiporã,
na década de 1950.
Sabe-se que a senhora Eunice Rodrigues Mustafá, por exemplo, além de ser uma das
moradoras pioneiras da região, foi também a primeira professora do atual município. Poucos
sabem, porém, em quais circunstâncias ela dava suas aulas. Em suas narrativas, coletadas em
27 de outubro de 2010, em sua residência, Mustafá afirmou que morava com seus pais, no
município de Mariápolis, Estado de São Paulo e que após se casar com o senhor José Mustafá,
no dia 31 de julho de 1954, na mesma cidade, mudou-se para as terras onde hoje está
localizado Batayporã, chegando naquele mesmo ano.
Mustafá, em suas lembranças daqueles tempos, tinha apenas dezenove anos e por ser
uma das primeiras moradoras, é possível perceber como era Bataiporã no início da
colonização não indígena:
A cidade não existia. A gente morava lá onde é a lagoa do sapo hoje, e ali tinha um
trilho que subia aqui ó, onde é a avenida Mato Grosso. Esse trilho vinha aqui, era
puro sapê, sapezau sabe, então a gente vinha por aquele trilho e saía ali onde é o
cemitério. Lá já tinha gente enterrada lá no cemitério, tinha uma cruz lá e tinha umas
pessoas enterradas, porque a gente ia para o sitio do meu sogro por ali. A gente
virava pra lá as direitas passava em frente a casa do seu Sebastião Enz e saía lá no
sitio do meu sogro. A gente ia por aqui, mas não tinha rua, não tinha nada, só tinha a
casa da Dona Marina, do seu Henrique e a nossa do outro lado. Nossa, quando eu
cheguei aqui a dona Marina já estava aqui. Dona Marina foi mais primeiro do que eu
ainda. É porque ele era o gerente da Companhia. Ele que comprava os terrenos,
então eles vieram bem primeiro do que eu [...] (MUSTAFÁ, 2010).
Em suas narrativas, é perceptível que a representação é a de que a cidade não existia,
não tinha “nada” a princípio onde ela e sua família moravam, além da família do senhor
Henrique Trachta, gerente da Companhia de Viação São Paulo-Mato Grosso. A atual Avenida
Antonia Spinosa Mustafá chamava-se Avenida Mato Grosso e, hoje, carrega o nome da sogra
de dona Eunice, já falecida. É possível também perceber que nos arredores da cidade havia
sítios, habitados por famílias como a do senhor Sebastião Enz. Mustafá afirmou que começou
a lecionar em Batayporã apenas no ano de 1955, em uma escola muito precária.
A escola não havia. A escola que havia não tinha. Não existia escola. A gente
trabalhava em uma salinha que meu sogro tinha na frente da casa, uma sala bem
pequena. (MUSTAFÁ, 2010).
Em determinados momentos, por mais que tenha falado ser Bataiporã um lugar
muito bom, deixou transparecer que sua chegada às terras do atual município foi muito dura,
pois vinha de uma cidade já estruturada:
[...] Quando eu cheguei aqui, que eu vi Batayporã, porque eu pensava que o mato era
assim. Era o mato, mas embaixo era limpinho, você podia andar sabe, então eu
achava, eu pensava assim, mais que romântico eu vou poder andar. Assim vai ser
lindo. [...]. Eu achava que eu não ia ficar muito tempo aqui. Eu acho que não vou
acostumar aqui, não. Mas eu tinha prometido pro meu pai, foi contra a vontade do
meu pai. Eu falei não, eu tenho que ficar é aqui. Eu quis vim aqui, casa pra morar
aqui. Eu tenho que ficar aqui. E com isso eu fui ficando, to até hoje, envelheci aqui
em Batayporã. É no sofrimento que a gente cresce (MUSTAFÁ, 2010).
O momento de sua chegada foi muito “difícil”, pois não tinha a noção de como era
em meio à mata.
Assim como dona Eunice, a senhora Maria de Lourdes Alves Romeiro, entrevistada
no dia 07 de outubro de 2010, em sua residência, afirmou que veio para Batayporã ainda
muito jovem. No ano de 1954, migrou e começou a trabalhar na casa do senhor Henrique
Trachta. Romeiro ressaltou, em suas narrativas, o aspecto religioso da vida social da
localidade, ao lembrar-se que a primeira missa foi celebrada no dia 17 de setembro de 1954
pelo Frei Luiz:
[...] não tinha nem igreja aqui, rezava a missa numa pensão ela cedia uma sala para
fazer um altar, mas isso era uma vez por mês ou cada dois meses, quando o frei, era
um frei, que o frei podia vim, fazia casamento, batizado até que fez uma igrejinha de
madeira, no local onde hoje é a matriz mesmo aí depois desmanchô a igrejinha e fez
a matriz (ROMEIRO, 2010).
Por meio de suas lembranças sabe-se que não existia um prédio que abrigasse a igreja
católica e que vinha um frei de fora para realizar missas, batizados e casamentos. No local da
atual igreja matriz de Batayporã, havia uma pequena igreja de madeira. Após a colonização de
Nova Andradina e do distrito de Bataiporã, começaram a chegar os primeiros moradores e aos
poucos a região foi sendo povoada. As colonizadoras faziam a abertura dos terrenos, das ruas
e estradas, trazendo pessoas de fora para adquirirem os lotes. No então distrito de Bataiporã,
iniciaram-se as primeiras construções de casas e as pessoas que vinham para conhecer,
permaneciam. Com isso, passou a ocorrer um processo de formação de identidades locais, de
pessoas oriundas de diversos Estados e migrantes de diferentes países.
Com o passar dos anos, Bataiporã estava se estruturando e, politicamente,
caminhava-se para o desmembramento. Diego Sanches Marchi, o primeiro prefeito,
entrevistado no dia 11 de junho de 2010, afirmou que comprou uma chácara no distrito,
apenas com a intenção de comercializar madeira, mudando-se para as terras em 1961, quando
“[...] Nova Andradina já havia passado a município” (MARCHI, 2010).
Gonçalo Ribeiro da Costa, entrevistado no dia 15 de outubro de 2010, mudou-se de
Cuiabá para Bataiporã em 1961. Afirmou ter chegado ao então distrito no dia 16 de setembro
daquele ano, às 17 horas, fazendo questão de lembrar até mesmo o horário da chegada. Costa
foi um dos primeiros vereadores do município e ao ser perguntado sobre o que ele sabia a
respeito do desmembramento político-administrativo afirmou:
Eu quando vim pra cá, não havia, ou eu nem percebia, que havia aquela rivalidade
política e que foi uma coisa já natural com o surgimento de Nova Andradina e
Batayporã. Então já havia essa tendência de briga política, e acabô a coisa tomando
volume e outro rumo sabe, até que anteriormente o governo que era do PSD, então o
que acontecia, Nova Andradina que estava, que teve propósito com o PSD,
conseguiu é trazer a município pra Nova Andradina do que Batayporã. Então o povo
de Batayporã foi ficando descontente, a ponto de fomentar essa briga política, essa
rivalidade, que embora a gente não queira, permanece até hoje [...] (COSTA, 2010).
Percebe-se que o surgimento de Nova Andradina, por mais que fosse visto como
algo natural, ou melhor, uma política de Estado, acabou gerando certa rivalidade política entre
Bataiporã e Nova Andradina, cujo surgimento deveu-se ao governador do Estado de Mato
Grosso na época.
Segundo as narrativas de Lourdes Romeiro, Nova Andradina não queria que
Bataiporã fosse desmembrado, porém, seu finado esposo, o senhor Romeiro, que, de acordo
com ela, tinha muito entendimento sobre a política, afirmava que “Batayporã tinha condições
de passar a município, porque naquele tempo, era por eleitores por habitantes que moravam
aqui. Então, a fazenda do Moura Andrade ficaria pertencendo aqui ao município de
Batayporã, então eles faziam de tudo para segurar” (ROMEIRO, 2010).
Não contente em apenas escutar um lado da história, resolveu-se buscar outros
narradores capazes de explicar porque Nova Andradina não queria que Batayporã se
desmembrasse. Segundo Antonio Fernando Andrade Prado, neto de Antonio Joaquim de
Moura Andrade, entrevistado no dia 11 de novembro de 2010
[...] não sei se é uma coisa local de momento, pode ser. Porque talvez as da parte da
colonizadora, acho que não houve nenhuma resistência, muito embora a Fazenda era
uma das que gera bastante ICM, bastante imposto. Pode ter sido isso, as pessoas
tinham essa ideia, mas na realidade isso hoje você vê que as duas cidades convivem
como uma simbiose, é bom pras duas essa proximidade (PRADO, 2010).
Como salienta Prado, por parte da colonizadora não houve nenhuma resistência a que
Batayporã se desmembrasse de Nova Andradina, embora o narrador acredite que a posse da
Fazenda Primavera pudesse ter sido um dos principais motivos para que Bataiporã quisesse o
desmembramento, pois os lucros geravam renda para o município.
Nas narrativas de dona Antonia Mourão Cheirubim, seu pai, juntamente com seu
irmão, João Mourão, ao chegarem “[...] aqui eles conheceram Martinho Marques e tiveram
uma influência grande e eles tinham um anseio muito grande de Batayporã ser livre, ter
município próprio, aí é que foram em busca como se diz esse prêmio que eles tanto
almejavam” (CHEIRUBIM, 2010). Nas representações de alguns antigos moradores,
Batayporã estava produzindo muito e os munícipes queriam ser independentes para que a
renda permanecesse na localidade.
Percebe-se por meio das falas, tanto da senhora Maria de Lourdes Alves Romeiro
como do senhor Fernando Andrade Prado e da senhora Antonia Mourão que a fazenda era um
dos principais motivos para que Nova Andradina não quisesse o desmembramento de
Bataiporã. O distrito estava desenvolvendo sua economia e os impostos eram pagos
diretamente ao município de Nova Andradina. A intenção de desmembrar era também para
que os impostos ficassem em Batayporã e não fossem mais pagos ao recém criado município.
Pode ter havido alguma intervenção da colonizadora Moura Andrade impedindo que
Batayporã não se desmembrasse de Nova Andradina. As fontes pesquisadas, contudo, não
possibilitaram tal análise, sendo que a Fazenda Primavera, antiga propriedade de Antonio
Joaquim de Moura Andrade, pertence às terras onde hoje está localizado o atual município de
Batayporã.
Por meio das entrevistas coletadas, percebe-se que começava a nascer na época um
grupo de pessoas cada vez mais imbuído de ideais políticos e que buscava a emancipação de
Batayporã em relação à Nova Andradina: Sinforiano Romeiro, João Mourão, José Antonio,
Elias Caetano, Gonçalo Ribeiro e Diego Sanches foram algumas destas pessoas.
Segundo Marchi, “aqui não tinha, a participação, os deputados é que conseguiram
desmembrar e passar a município, pela assembleia lá em Mato Grosso, nesse tempo o Estado
não era repartido era só Mato Grosso e a capital era Cuiabá, então a assembleia era lá pra
cima” (MARCHI, 2010).
Como o território do atual Estado de Mato Grosso do Sul pertencia ao Estado de
Mato Grosso, o desmembramento de municípios era realizado em Cuiabá. Por intermédio de
moradores de Batayporã, junto ao deputado estadual Martinho Marques Moreira, ocorreu o
desmembramento em relação à Nova Andradina.
Era preciso ir para Cuiabá para se buscar a lei de criação do município e um grupo de
pessoas formado pelos senhores Sinforiano Romeiro, Elias Caetano e João Mourão, com uma
carta de recomendação em mãos, partiu para a então capital do Estado.
Segundo Cheirubim,
[...] meu pai tinha um Jeep. Naquela época um Jeep era um carro aqui, então meu
irmão foi de Jeep até Campo Grande. Não tinha asfalto, era terra, estrada de terra.
Ele foi até Campo Grande, ele o seu Elias, o João meu irmão, seu Elias e seu
Sinforiano Romeiro. Chegô lá em Campo Grande meu pai comprô as passagens, já
deu o dinheiro pro meu irmão, comprou as passagens aéreas e foram de avião para
Cuiabá, atrás desse sonho deles. E lá eles foram procurar o Martinho Marques, e lá
conseguiram, trouxeram o município de Batayporã (CHEIRUBIM, 2010).
Bataiporã transformou-se em município no dia 12 de novembro de 1963 e, após o
desmembramento, foi realizada a primeira eleição para a Prefeitura Municipal, que ocorreu
em 4 de abril de 1965, sendo eleito alcaide o senhor Diego Sanches Marchi. Em suas
narrativas, Marchi afirmou que para se construir uma cidade era necessário “tudo”, pois não
havia “nada”, nem prédio para as instalações da nova prefeitura. “Aí consegui com a
Companhia Viação São Paulo-Mato Grosso, eles tinham um escritório e eles me cederam o
escritório pra montar a prefeitura no escritório deles. O governo do Estado ajudou com mil
cruzeiros pra instalar o município” (MARCHI, 2010).
CONCLUSÃO
No dia 12 de novembro 2010, Batayporã completou 47 anos de emancipação política e
administrativa. Sendo um município jovem, possui muitas histórias a serem ouvidas, gravadas
e preservadas. Segundo Gonçalo Ribeiro da Costa:
[...] em 1961 isso aqui era apenas uma promessa sabe, era uma promessa, poucas
casas e todo dia vinha gente do Estado de São Paulo para adquirir terra aqui da
companhia de viação, a colonizadora na época. E então Bataiporã era só uma
promessa, uma esperança, um lugarejo, aqui com poucas casas, se contava as casas e
hoje essa promessa, essa esperança virou uma realidade (COSTA, 2010).
Conclui-se que para todos os entrevistados, Batayporã não foi desmembrado de
Bataguassu. O que levou aquele descendente de tchecos a afirmar que Batayporã teria se
desmembrado de Bataguassu é uma ideia de continuidade, pois se deve lembrar que Jan
Antonin Bata foi o colonizador de ambos os municípios. De qualquer forma, o descendente de
tchecos não estaria totalmente errado, uma vez que o distrito de Batayporã pertencera ao
município de Bataguassu até o ano de 1958, ano em que Nova Andradina se desmembrou de
Bataguassu. Entretanto, as leis de criação e as narrativas coletadas possibilitam afirmar, com
certeza, que Batayporã se desmembrou política e administrativamente, de fato, de Nova
Andradina.
RELAÇÃO DE ENTREVISTADOS
Antonio Fernando Andrade Prado, nasceu em São Paulo/SP no dia 28 de fevereiro de 1945.
Antonia Mourão Cheirubim, nasceu em Fernão Dias/SP no dia 24 de março de 1944.
Diego Sanches Marchi (Diogo), nasceu em Tabapuã/SP no dia 15 de setembro de 1928.
Eunice Rodrigues Mustafá, nasceu em Novo Horizonte/SP no dia 12 de dezembro de 1934.
Gonçalo Ribeiro da Costa, nasceu em Aguaçu/MT no dia 24 de março de 1937.
Maria de Lourdes Alves Romeiro, nasceu em Presidente Venceslau/SP no dia 17 de janeiro de
1938.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMADO, J. História e região: reconhecimento e construindo espaços. In: M. A. da S.
República em Migalhas História Regional e Local. São Paulo: Marco Zero, 1990, pp.7-17.
BOURDIEU, P. O Poder Simbólico. Tradução Fernando Tomaz (português de Portugal). 13ª
Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
LE GOFF, J. História e memória; Tradução Bernardo Leitão. 4ª Ed. Campinas, SP,
UNICAMP, 2003.
______. Memória/História. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da
Moeda, 1984.
MEIHY, J. C. S. B; HOLANDA, F. História Oral: como fazer, como pensar. São Paulo:
Contexto, 2007.