as erosões antrópicas e suas implicações sociambientais: o caso de

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 6435 AS EROSÕES ANTRÓPICAS E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAMBIENTAIS: O CASO DE UMA VOÇOROCA LOCALIZADA EM UMA PROPRIEDADE RURAL, NO NOROESTE DO MUNICÍPIO DE REGENTE FEIJÓ/SP THE ANTHROPOGENIC EROSIONS AND ITS ENVIRONMENTAL IMPLICATIONS: THE CASE OF A GULLY ON A RURAL PROPERTY IN THE NORTH-WESTERN OF MUNICIPALITY OF REGENTE FEIJÓ/SP ALESSANDRO DONAIRE DE SANTANA 1 Resumo: As erosões antrópicas revelam as contradições decorrentes da relação sociedade- natureza. Neste sentido, a Geografia possibilita a análise dessa realidade, já que busca apreender as dinâmicas naturais e sociais materializadas no espaço geográfico. Assim, este trabalho tem por objetivo discutir as causas e as implicações socioambientais decorrentes do surgimento e avanço de uma voçoroca em uma pequena propriedade rural do noroeste do município de Regente Feijó/SP. A voçoroca revela a história de uso e ocupação da área, marcada pelo desmatamento da vegetação original, por décadas de cultivos de gêneros agrícolas em vertentes declivosas e desprotegidas, cujos solos apresentam predomínio de classe textural arenosa. Hoje, a pecuária é a responsável pelo agravamento dessa voçoroca e de outras erosões existentes na propriedade, causando a perda de solos, seu depauperamento, o assoreamento e a contaminação dos cursos d’água. Palavras-chave: espaço geográfico; erosões antrópicas; voçoroca; Regente Feijó/SP. Abstract: The anthropogenic erosions reveal the contradictions resulting from a relationship between society and nature. Thus, Geography enables the analysis of this reality, seeking to understand the natural and social dynamics. Therefore, this paper aims to discuss the causes and environmental implications of the rise and advancing of a gully on a small farm in north-western municipality of Regente Feijó, State of São Paulo. The gully reveals the history of land use and occupation of the area, flagged by deforestation through decades of agricultural cultivation in exposed hillside, whose soils are sandy texture class are prevalent. Currently, cattle ranching is in charge of the increasing of this gully and other erosions on the property, leading the soil depletion, silting and contamination of waterways. Key-words: geographical space; anthropogenic erosion; gully; Regente Feijó/SP. 1 Introdução O solo, recurso imprescindível para a manutenção da vida no planeta, ainda é relegado a um segundo plano quando se aborda os problemas ambientais causados pelas sociedades à natureza. As práticas agropecuárias inadequadas, a 1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Presidente Prudente. E-mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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AS EROSÕES ANTRÓPICAS E SUAS IMPLICAÇÕES

SOCIAMBIENTAIS: O CASO DE UMA VOÇOROCA LOCALIZADA EM

UMA PROPRIEDADE RURAL, NO NOROESTE DO MUNICÍPIO DE

REGENTE FEIJÓ/SP

THE ANTHROPOGENIC EROSIONS AND ITS ENVIRONMENTAL

IMPLICATIONS: THE CASE OF A GULLY ON A RURAL PROPERTY

IN THE NORTH-WESTERN OF MUNICIPALITY OF REGENTE

FEIJÓ/SP

ALESSANDRO DONAIRE DE SANTANA1

Resumo: As erosões antrópicas revelam as contradições decorrentes da relação sociedade-

natureza. Neste sentido, a Geografia possibilita a análise dessa realidade, já que busca apreender as dinâmicas naturais e sociais materializadas no espaço geográfico. Assim, este trabalho tem por objetivo discutir as causas e as implicações socioambientais decorrentes do surgimento e avanço de uma voçoroca em uma pequena propriedade rural do noroeste do município de Regente Feijó/SP. A voçoroca revela a história de uso e ocupação da área, marcada pelo desmatamento da vegetação original, por décadas de cultivos de gêneros agrícolas em vertentes declivosas e desprotegidas, cujos solos apresentam predomínio de classe textural arenosa. Hoje, a pecuária é a responsável pelo agravamento dessa voçoroca e de outras erosões existentes na propriedade, causando a perda de solos, seu depauperamento, o assoreamento e a contaminação dos cursos d’água. Palavras-chave: espaço geográfico; erosões antrópicas; voçoroca; Regente Feijó/SP.

Abstract: The anthropogenic erosions reveal the contradictions resulting from a relationship

between society and nature. Thus, Geography enables the analysis of this reality, seeking to understand the natural and social dynamics. Therefore, this paper aims to discuss the causes and environmental implications of the rise and advancing of a gully on a small farm in north-western municipality of Regente Feijó, State of São Paulo. The gully reveals the history of land use and occupation of the area, flagged by deforestation through decades of agricultural cultivation in exposed hillside, whose soils are sandy texture class are prevalent. Currently, cattle ranching is in charge of the increasing of this gully and other erosions on the property, leading the soil depletion, silting and contamination of waterways.

Key-words: geographical space; anthropogenic erosion; gully; Regente Feijó/SP.

1 – Introdução

O solo, recurso imprescindível para a manutenção da vida no planeta, ainda

é relegado a um segundo plano quando se aborda os problemas ambientais

causados pelas sociedades à natureza. As práticas agropecuárias inadequadas, a

1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de

Mesquita Filho”, Campus de Presidente Prudente. E-mail de contato: [email protected]

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mineração, o desmatamento e outras atividades humanas, se não forem

desenvolvidas de modo a respeitar as especificidades pedológicas, podem acentuar

a erosão, o depauperamento e a contaminação dos solos, principalmente nas

regiões intertropicais, que apresentam solos mais frágeis e quimicamente

empobrecidos (TOLEDO et al., 2009).

As erosões dos solos revelam as contradições decorrentes da relação

sociedade-natureza. Por isso, a Geografia, como ciência que estuda a apropriação e

a organização do espaço geográfico, valendo-se das imposições da natureza, da

aptidão técnica, do poder econômico e das características socioculturais (ROSS,

2009), é capaz de apreender as dinâmicas intrínsecas à constituição dos processos

erosivos antrópicos.

Neste sentido, o presente trabalho tem por objetivo discutir as causas e as

implicações socioambientais decorrentes do surgimento e avanço de uma voçoroca

localizada em uma pequena propriedade rural, no noroeste do município de Regente

Feijó/SP, procurando estabelecer relações têmporo-espaciais mais abrangentes

para a compreensão desse fenômeno.

A voçoroca, que surgiu em uma área de preservação permanente, revela a

história de uso e ocupação da propriedade: desmatamento da vegetação original,

décadas de cultivos de gêneros agrícolas e criação de gado de corte e leiteiro em

solos com predomínio de classe textural arenosa, e em áreas cujo relevo apresenta

vertentes declivosas são fatores que, ao longo do tempo, conformaram o quadro de

degradação verificado na propriedade.

As atuais características de exploração da área, privilegiando a criação de

gado de corte e leiteiro, têm acentuado o quadro erosivo, causando a perda de

solos, seu depauperamento, e o assoreamento dos cursos d’água. Logo, o

agravamento dos processos erosivos, principalmente em pequenas propriedades

rurais, revela a precariedade socioeconômica de grande parte dos agricultores, que

têm que otimizar os reduzidos espaços de produção, mesmo comprometendo os

recursos que lhes permitem produzir: os solos e as águas.

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2 – Procedimentos metodológicos

Foram utilizadas algumas referências bibliográficas que permitem à

discussão do método em Geografia, enfatizando sua capacidade de apreender as

dinâmicas que são imanentes à relação sociedade-natureza. Neste sentido, a

caráter social do espaço geográfico (MOREIRA), bem como as “intencionalidades”

(SANTOS) que estão no bojo de sua apropriação, são diretrizes fundamentais para a

compreensão das especificidades que caracterizam este espaço em constante

transformação; também foram utilizadas outras importantes referências que

possibilitam analisar as características das dinâmicas socioambientais, próprias do

sistema do sistema de exploração capitalista.

Além disso, foram realizados diversos trabalhos de campo para a maior

apreensão das dinâmicas naturais e sociais que estão materializados naquele

espaço geográfico. Assim, partiu-se de entrevistas semiestruturadas com um

pequeno produtor rural, já que conhecer a história e as atuais características de uso

e ocupação de sua propriedade é fundamental para desvelar detalhes que a

bibliografia não consegue alcançar, mas que servem para a articulação com escalas

de análise mais abrangentes, que refletem as dinâmicas de formação geoeconômica

do município de Regente Feijó, do oeste paulista e do Brasil.

3 – Produção e apropriação do espaço geográfico: o método em Geografia

para compreender a relação sociedade-natureza

O espaço geográfico é resultado das ações humanas, moldado ao longo do

tempo de acordo com suas necessidades de reprodução enquanto espécie. Moreira

(2008, p. 65) considera que “[...] Não haveria relações sociais se não houvesse a

necessidade de os homens transformarem o meio natural em meio de subsistência

ou de a este chegarem por meio do trabalho.”

De acordo com Santos (1985), os elementos sociais e naturais interagem e

são interdependentes, sendo necessário, portanto, estudar tais interações para

compreender o espaço e a sociedade como um todo. Por isso, cabe a Geografia

apreender os processos que caracterizam o espaço geográfico, e que são mediados

por características históricas, econômicas e culturais das sociedades.

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Partindo da concepção de que o espaço geográfico é produzido a partir das

relações sociais sobre uma base física (natureza) transformada, é necessário que o

geógrafo tenha consolidado o método de investigação e compreensão da(s)

realidade(s) que pretende investigar. Neste sentido, ainda segundo Moreira (2008), o

método em Geografia consiste, primeiramente, em ver e pensar; ou seja, cabe ao

geógrafo passar do aspecto da descrição visível da paisagem (plano do sensível)

para a apreensão da estrutura invisível do espaço (plano do inteligível), possível a

partir da utilização do conceito, produzindo sua representação de mundo.

Nessa perspectiva, cabe destacar que a complexidade das relações

humanas - e das várias nuances de apropriação e transformação da natureza -,

torna árduo o trabalho no plano inteligível, sendo oportuno ressalvar que a

representação da realidade que o geógrafo produz reflete sua própria concepção de

mundo, sua ideologia, bem como as especificidades conjunturais da ciência de seu

tempo. É, portanto, uma visão parcial, mas que não pode ser considerada uma

fragilidade, pois é uma característica imanente às ciências.

Assim, quando se pretende olhar para determinada realidade e apreender

suas dinâmicas e interações sociais e naturais, é importante analisá-las levando em

conta as limitações que são imanentes ao método (ou métodos) da Geografia e de

outras ciências. Todavia, a ciência geográfica tem a primazia de procurar entender

como se dá a interação do homem com o meio em que vive e todas as relações

subjacentes.

Neste sentido, a análise de processos erosivos antrópicos permite o

estabelecimento de múltiplas relações causais, bem como de implicações

socioambientais. Para se entender o surgimento e o avanço de tais processos, é

necessário lançar um olhar refinado para a paisagem e pesquisar a história de

ocupação, as características culturais e geoeconômicas de formação de dado

espaço geográfico, bem como as características naturais que servem de base para a

reprodução e apropriação humana. É, portanto, um tema que possibilita a discussão

das contradições sociedade-natureza de forma muito patente.

Daí a eminência dos estudos que partem da escala local, espaços imediatos

da reprodução humana, onde os impactos socioambientais repercutem de forma

pronunciada. Suertegaray e Nunes (2001) apontam a importância dos estudos em

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nível local, visto que esta escala de análise se articula com as demais em múltiplas

esferas: política, econômica, social e ambiental. Argumentam, ainda, que os

problemas socioambientais são agudos e visíveis no lugar; por isso a emergência

dos estudos nessa escala e seu caráter global, uma vez que é produto de uma

lógica econômica hegemônica.

Essa lógica econômica hegemônica (capitalista) preconiza a exploração

predatória dos recursos naturais. Porto-Gonçalves (2006) a caracteriza pela busca

incessante do lucro, sobrepondo-se às particularidades das dinâmicas naturais e

socioculturais das mais distintas regiões do planeta.

Logo, os processos erosivos antrópicos refletem essa lógica econômica

hegemônica, e as inter-relações escalares permitem entender que as dinâmicas

geoeconômicas e sociais verificadas no lugar se articulam com escalas mais amplas

e vice-versa, pois o sistema capitalista preconiza a maximização das relações que

permitam a ampliação de sua capacidade produtiva e de consumo, o que implica

consequências socioambientais cuja repercussão é abrangente.

4 – Erosões antrópicas: implicações socioambientais causadas pelo

surgimento de uma voçoroca em uma pequena propriedade, no noroeste de

Regente Feijó/SP

A discussão realizada até aqui mostra que a lógica de exploração da

natureza faz parte de um sistema consolidado (capitalismo), que imprime seu ritmo

predatório a todas as regiões do planeta. O oeste paulista não foge a essa lógica, já

que foi incorporado como espaço de produção de gêneros agropecuários que

atendessem a pauta de exportações brasileira, desde fins do século XIX.

Essa forma de exploração geoeconômica da região foi assentada na

devastação da floresta original, em práticas agropecuárias massivas, o que,

associado à fragilidade dos solos arenosos, conformaram um quadro grave de

degradação ambiental, com destaque para a erosão e o depauperamento dos solos,

a poluição e a contaminação dos cursos d’água.

Neste sentido, o manejo inadequado da terra é fator de evolução dos

processos erosivos, que podem atingir o nível de voçorocas. A aradura, a

semeadura e o cultivo realizados no sentido morro abaixo favorecem o transporte do

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solo; os animais, em decorrência do pisoteio constante, trilhando encostas

declivosas, também acentuam o quadro erosivo (LEPSCH, 2002).

Para exemplificar esta situação, será analisado o caso de uma voçoroca que

surgiu em uma pequena propriedade rural de Regente Feijó/SP. O município está

localizado no oeste paulista (22º13’17” S e 51º18’10” O). Possui área territorial de

265,071km² e população estimada, em 2014, de 19.602 habitantes, segundo o

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A propriedade rural e a

voçoroca em questão estão localizadas na Sub-bacia do Córrego do Embiri, ao

noroeste do município (Figura 01).

Figura 01: Localização do município de Regente Feijó/SP. Organização: PRATES, R. P., 2011.

Nesta propriedade, as práticas agrícolas pretéritas tiveram por objetivo

produzir gêneros agrícolas adaptados satisfatoriamente ao clima da região, como o

café, o amendoim e o algodão. Cabe incluir a pecuária, responsável pelo avanço das

pastagens em todo o oeste paulista. Todavia, a produção agropecuária foi efetivada

em áreas declivosas, de solos frágeis, sem a devida preocupação em protegê-los da

degradação provocada pela exploração intensiva. Esta lógica era considerada

“natural”, além de ser incentivada por políticas governamentais.

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Assim, o quadro erosivo se instalou com intensidade na propriedade,

comprometendo sua capacidade produtiva, além de promover a degradação dos

solos e dos cursos d’água. Segundo o produtor rural, a voçoroca em questão

ganhou maiores proporções nos meses de verão do presente ano, o que aumentou

sua extensão longitudinal, bem como o pronunciado solapamento das bordas. Em

alguns pontos, é possível constatar que a voçoroca atingiu os arenitos (Formação

Adamantina); nota-se, também, a coloração avermelhada da água e dos sedimentos

em vários trechos, em decorrência da redução do óxido de ferro presente nas rochas

e no solo (Figura 02).

Figura 02: Pecuária em área declivosa (1). Voçoroca mais a jusante, com destaque para o curso d’água e o solapamento das bordas (2).

Fonte: (1) – Acervo pessoal, 2015; (2) – Leonardo Ferigatto, 2015.

Esse processo de voçorocamento se instalou em uma área de fundo de vale,

que recebe as águas pluviais das cabeceiras de drenagem do entorno. Assim, ao

longo do tempo, o solo removido das áreas a montante foi sendo transportado e

depositado na área mais baixa do terreno, o que, associado ao manejo inadequado,

provocou o surgimento da voçoroca. O processo erosivo é contínuo, acentuado no

período de chuvas mais intensas; o solo, que continua sendo carreado, chega ao

córrego que está localizado mais a jusante, aumentando o assoreamento.

Neste sentido, para entender a história de formação daquela porção da

propriedade, recorreu-se, além dos relatos do proprietário rural, à Folha Topográfica

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do IBGE (1974)2, já que mostra a rede de drenagem e as cotas altimétricas

pretéritas da área. Assim, a carta hipsométrica elaborada a partir desse documento

mostra a presença de um curso d’água perene na área onde se localiza a voçoroca

(Figura 03). Este córrego é resultado da configuração geomorfológica dessa área de

embaciamento, sendo que o processo erosivo localiza-se à jusante.

Figura 03: Carta hipsométrica da porção noroeste do município de Regente Feijó/SP. Fonte: SANTANA, A. D. 2011.

Organização: SANTANA, A. D. 2011(Modificado).

Porém, o produtor rural, que há mais de cinquenta anos vive na propriedade,

não confirma a existência deste córrego verificado na Folha Topográfica do IBGE

(1974). Logo, é possível inferir que, em virtude da antropização da área - que já era

intensa antes de a família adquirir a propriedade -, com os cultivos agrícolas

desenvolvidos sem a proteção das vertentes, o curso d’água migrou sua nascente

original para um ponto mais a jusante.

A Figura 04, elaborada com a ajuda da imagem do Google Earth, mostra a

referida área de embaciamento, ocupada, eminentemente, por pastagens,

2

Folha topográfica de Presidente Prudente. Mapa color, 37,15 X 29,72cm. Escala 1:50.000. Fonte: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/mapas/GEBIS%20-%20RJ/SF-22-Y-B-III-1.jpg, acesso em 2 de março 2015.

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pontuadas por alguns resquícios de mata e uma plantação de cana-de-açúcar

próxima a voçoroca 1. É possível constatar duas voçorocas, mas que são originadas

pelo mesmo processo de escoamento concentrado.

Figura 04: Representação das características da área de embaciamento.

Figura 04: Alguns detalhes da área de estudo. Fonte: Imagem do Google Earth (2015). Recorte da Folha Topográfica do IBGE (1974). Fotos do

acervo pessoal, 2015.

Segundo o produtor rural, seu pai construíra represas que serviriam para a

dessedentação dos bovinos na margem esquerda, a montante da voçoroca (que

ainda não existia). Contudo, as bacias não suportaram a grande quantidade de

águas pluviais canalizadas das cabeceiras de drenagem e se romperam, agravando

o processo de voçorocamento.

Para efeitos ilustrativos, foi desenhado o curso d’água sobre a imagem do

Google Earth, segundo a folha topográfica do IBGE (1974), bem como as represas

que estão rompidas. Porém, a voçoroca (1) não apresenta curso d’água em seu

interior. A nascente está localizada num pouco mais a montante da voçoroca (2); é

nela que se pode observar o curso d’água proveniente dessa nascente. A imagem

do Google Earth não mostra a “cicatriz” provocada pela voçoroca 2, pois a imagem é

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de 2014 e, como já referido, o processo ganhou forma em decorrência das fortes e

concentradas chuvas verificadas no verão do presente ano.

A exposição dessa realidade serve para esclarecer algumas mazelas que o

cotidiano do trabalho rural impõe, qual seja, a necessidade de otimizar os reduzidos

espaços de produção agropecuária, em detrimento do manejo que permita a

preservação dos solos e das águas.

Para Casseti (1991), esse quadro é resultado da exploração massiva dos

recursos naturais, próprio do sistema capitalista, que mercantiliza a natureza e as

relações do homem com ela. Já segundo Bertoni e Lombardi Neto (1999), a

degradação tem sido levada a cabo pelos agricultores, em virtude da necessidade

de obter o maior rendimento possível de suas propriedades, sobrevivendo de acordo

com as imposições socioeconômicas.

Isso ficou evidente quando foi solicitado ao proprietário rural que impedisse o

acesso do gado à área da voçoroca que apresenta curso d’água, que a cercasse

para que fosse realizado o plantio de mudas de espécies nativas para que, assim, o

processo erosivo se estabilizasse. O pedido não pôde ser atendido, pois o curso

d’água serve para a dessedentação dos animais, que são criados para a engorda e

posterior venda para frigoríficos da região.

Por isso, à medida que avança o trabalho com esse pequeno produtor rural,

outras possibilidades de enfrentar a problemática vêm sendo pensadas. Está sendo

realizado um trabalho conjunto entre o proprietário, a Coordenadoria de Assistência

Técnica Integral (CATI), a Secretaria de Agricultura do município de Regente Feijó e

a universidade, com o objetivo de elaborar um projeto de recuperação de área

degradada que permita a recuperação da cabeceira de drenagem desta área.

Esta parceria vai ao encontro do “diálogo de saberes” preconizado por Leff

(2002), que defende a articulação entre diferentes “matrizes de racionalidade-

identidade-sentido”, de onde emergiria o saber ambiental, “um saber identitário,

conformado por e arraigado em identidades coletivas que dão sentido a

racionalidades e práticas culturais diferenciadas.” (Ibid. p. 185). Os resultados dessa

parceria ainda são incipientes, mas com possibilidades de sucesso.

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5 – Considerações finais

As erosões e a consequente perda de solos agricultáveis expõe a gravidade

do problema em vastas regiões do planeta. Neste sentido, a Geografia possibilita a

análise dessa realidade, pois busca apreender as dinâmicas naturais e sociais que

estão materializadas no espaço geográfico, sendo as erosões antrópicas objetos de

estudo que possibilitam o estabelecimento de múltiplas relações têmporo-espaciais

que caracterizam a relação sociedade-natureza.

Nesse contexto, partir da concepção de que o sistema capitalista dita o ritmo

de transformação da natureza – marcado pela exploração massiva dos recursos

naturais para fazer mover as engrenagens da produção e do consumo desenfreado -

é fundamental para compreender a degradação dos ambientes.

Por isso, o presente trabalho partiu da análise de um fenômeno de

voçorocamento, localizado em uma pequena propriedade rural do noroeste do

município de Regente Feijó/SP, procurando relacioná-lo com a história de ocupação

da região e do município, e com as imposições socioeconômicas, principalmente dos

pequenos proprietários rurais, forçados a maximizar a produção em reduzidos

espaços, mesmo que em detrimento da proteção dos solos e das águas, recursos

imprescindíveis à sua sobrevivência.

Neste sentido, constatou-se que a voçoroca efetivou-se em decorrência de

práticas agropecuárias inadequadas. Ao longo das décadas, o plantio em áreas

declivosas desprovidas de terraços, as pastagens e o pisoteio constante do gado

sobre solos arenosos, conformaram o quadro de degradação ambiental: perda e

depauperamento do solo, assoreamento e contaminação dos cursos d’água da

propriedade e da bacia hidrográfica.

Fica patente que as dinâmicas socioambientais materializadas no espaço

geográfico trazem consigo uma série de variáveis causais e, também, de

consequências cujos efeitos podem tomar diferentes proporções, de acordo com a

magnitude dos fenômenos. Portanto, compreender, ao menos em parte, a

complexidade das relações que são estabelecidas à medida que o homem interage

com o meio em que vive, permite que o geógrafo aprimore seu método investigativo

e, assim, contribua com o avanço do conhecimento da ciência geográfica.

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6 – Referências

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE cidades, Regente Feijó. http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=354240, acesso em 15 de março 2015. BERTONI, José.; LOMBARDI NETO, Francisco. Conservação do solo. 4º Edição. São Paulo: Ícone, 1999. CASSETI, Valter. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo: Contexto, 1991. LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. Tradução de Sandra Valenzuela. 2º Edição. São Paulo: Cortez, 2002. LEPSCH, Igo Fernando. Formação e conservação dos solos. São Paulo: Oficina de Textos, 2002. MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em Geografia: ensaios de história, epistemologia e ontologia do espaço geográfico. São Paulo: Contexto, 2008. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. ROSS, Jurandyr Luciano Sanches. Os fundamentos da Geografia da natureza. In: ROSS, J. L. S. (Org.). Geografia do Brasil. 6º Edição. São Paulo: Edusp, 2009. p. 13-65. SANTANA, Alessandro Donaire de. As transformações do espaço geográfico e sua relação com os processos erosivos de uma área do noroeste de Regente Feijó/SP. 2011. 82 f. Monografia (Bacharelado em Geografia), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. SANTOS, Milton. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985. SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes; NUNES, João Osvaldo Rodrigues. A natureza da Geografia Física na Geografia. Terra Livre (São Paulo), n.17, p.11-23, 2001. TOLEDO, Maria Cristina Motta de; OLIVEIRA, Sonia Maria Barros de; MELFI, Adolpho José. Da rocha ao solo: intemperismo e pedogênese. In: TEIXEIRA et al.(orgs.). Decifrando a Terra. 2º Edição. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 2009, p. 210-239.