as ondas do rádio e o nhenhenhém neoliberal

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Da mão invisível ao neoliberal 7 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO AS ONDAS DO RÁDIO E O NHENHENHÉM NEOLIBERAL Fábio Alves Silveira Monografia apresentada à disciplina 1 NIC 630 - Projetos Experimentais em Jornalismo, sob orientação da Profª Drª Carly Batista Aguiar, como trabalho final para a conclusão do Curso de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo LONDRINA 1995

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Page 1: As Ondas Do Rádio e o Nhenhenhém Neoliberal

Da mão invisível ao neoliberal 7

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

AS ONDAS DO RÁDIO E O NHENHENHÉM NEOLIBERAL

Fábio Alves Silveira

Monografia apresentada à disciplina 1 NIC 630 - Projetos Experimentais em Jornalismo, sob orientação da Profª Drª Carly Batista Aguiar, como trabalho final para a conclusão do Curso de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo

LONDRINA 1995

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AS ONDAS DO RÁDIO E O NHENHENHÉM NEOLIBERAL

INTRODUÇÃO

O liberalismo econômico é uma interessante peça de análise da qual esse trabalho

deve se ocupar. A utopia concebida por autores como Adam Smith e David Ricardo

mostrou sua inviabilidade já no século XIX. A mão invisível do mercado e a concorrência

perfeita não levaram a um equacionamento das demandas da sociedade, tanto no que diz

respeito às necessidades de consumo quando na solução dos problemas sociais.

A concorrência perfeita não funcionou e o que aconteceu foi o contrário. O

capitalismo passou a ser monopolista e cartelizado e a intervenção do Estado, que era

considerada como um sacrilégio para os clássicos do liberalismo, começou a ser aceita

pelos neoclássicos. Era necessário que o Estado coibisse - através das leis antitruste - a

cartelização da economia.

Mas o xeque-mate na doutrina liberal acontece numa longínqua quinta feira, dia 24

de outubro do também longínquo ano de 1.929. O palco desse xeque-mate foi a Bolsa de

Valores de Nova Iorque. O preço das ações negociadas naquela Bolsa sofreu uma queda

brusca e não parou de cair nos anos que se seguiram. A quinta-feira negra, como ficou

conhecida, foi o primeiro sintoma de uma violenta depressão econômica que se estendeu

por toda a década de 30.

O new deal, política adotada nos EUA para recuperação econômica, contrariou tudo

o que havia sido concebido anteriormente por economistas liberais. A versão norte-

americana do “Esqueçam tudo o que escrevi”, se baseou nas idéias e proposições

concebidas pelo economista John Maynard Keynes. Foi esse autor que lançou dentro da

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economia as bases teóricas para a implantação do Welfare State, o Estado de Bem Estar

Social construído na Europa a partir do pós-guerra.

O keynesianismo começa a ser combatido mesmo antes do new deal, mas a

“vingança” das idéias que ficaram conhecidas como neoliberais começa no final dos anos

70, mais precisamente em 1.979, 50 anos após a quinta-feira negra de outubro de 1.929,

com a subida de Margareth Tatcher ao poder na Inglaterra. O governo da “Dama de Ferro”,

como ficou conhecida Tatcher, ficou conhecido pelo radicalismo de sua política de

desmanche do “Estado de bem estar social”. Essa política passou pela privatização de

estatais e desmanche das políticas sociais voltadas para os órfãos do sistema capitalista.

Outro grande impulso recebido pelo neo-liberalismo foi a chegada de Ronald Reagan à

presidência dos EUA em 1.980.

A “epidemia” neo-liberal chega à América Latina em meados da década de 80,

através das instituições criadas pelo Tratado de Breton Woods no começo dos anos 50, com

destaque para o FMI (Fundo Monetário Internacional), que toma as rédeas das chamadas

economias emergentes que então padeciam com a crise da dívida externa.

No decorrer deste trabalho será apresentado o diagnóstico feito pelos economistas

do FMI sobre a crise da dívida. É esse diagnóstico que embasa as teses que ficaram

conhecidas como Consenso de Washington, conjunto de medidas que passaram a ser

adotadas por países latino-americanos, começando pelo México, que hoje sofre com os

efeitos colaterais causados pela adoção destas receitas.

O receituário proposto/imposto pelas teses que compõe o Consenso de Washington

passa pela abertura indiscriminada das fronteiras econômicas para o mercado externo e pela

redução do tamanho do Estado e de sua atuação no direcionamento das políticas de

desenvolvimento. Vale lembrar que essa abertura indiscriminada não acontece nos países

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Da mão invisível ao neoliberal 10

industrializados. Se observarmos o caso da Comunidade Européia, veremos que o processo

de derrubada das barreiras comerciais já dura cerca de 5 décadas e ainda está longe de seu

epílogo, ao contrário, por exemplo das políticas adotadas nos países subdesenvolvidos (vide

o caso do México no NAFTA). Outro ingrediente deste amargo remédio é o desmanche das

políticas sociais que já são precárias na América Latina.

No Brasil, a vitória de Fernando Collor de Mello nas eleições presidenciais de

1.989, representam uma primeira tentativa de implantação do projeto neo-liberal. A derrota

daquele governo materializada através do impeachment, representa um pequeno revés para

esse projeto, tendo em vista que os seus defensores recuam discretamente durante o

governo do Presidente Itamar Franco. A implantação do Plano Real, que tem como base a

agenda proposta pelo Consenso de Washington, realizada na fase final do governo Itamar e

a vitória de seu Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso na eleição presidencial

de 1.994, traz novamente o projeto neo-liberal para a agenda dos grandes debates da vida

nacional.

A implantação desse projeto nas economias emergentes tem como efeitos colaterais

o surgimento de longos e profundos períodos recessivos. É nessa recessão que encontramos

o ponto de partida para a hipótese levantada em nossa pesquisa.

A recessão cria grandes contingentes de desempregados e alija milhões de pessoas

tanto do mercado de trabalho quanto do mercado consumidor. Esse contingente (ou seja, os

deserdados do capitalismo) necessita de políticas sociais que supram a carência criada pelo

seu alijamento. As “Leis dos Pobres”, implantadas na Inglaterra do século XVIII, no

começo da Revolução Industrial, já reconhecia essa necessidade, muito tempo antes da

implantação do Welfare State. Mas a receita neo-liberal passa exatamente pelo desmanche

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e pela redução dessas políticas em nome do Estado mínimo e do equilíbrio das contas

públicas.

O exército de marginalizados, não vendo o Estado como um interlocutor possível para a

reivindicação das políticas sociais, já que esse mesmo Estado se volta para outros

interesses, procura outros canais para reivindicar. Esses canais são facilmente encontrados

nos meios de comunicação de massas, principalmente o rádio. Outros meios de

comunicação abrem espaço para essas reivindicações. Entre eles, a TV e o próprio Jornal

Impresso. No momento em que esses meios de comunicação assumem o papel de oferecer

esses canais, eles assumem também o papel de partidos políticos.

Esse trabalho analisa o fenômeno delimitando-o à periferia da cidade de Londrina

(PR) e a busca do rádio como canal de reivindicação mais utilizado pelos marginalizados. É

com esse intuito que analisamos durante uma semana o quadro “Você é o Repórter”, do

programa Antenor Ribeiro, que vai ao ar na Rádio Tabajara AM de segunda a sexta-feira

das 8 às 11 horas da manhã. O quadro ocupa meia hora do programa, entre as 8h30 e 9h00.

Outro programa analisado nesse trabalho foi o “Fala, Povo” da Rádio Paiquerê

AM, que tem uma hora de duração e vai ao ar de segunda a sexta- feira entre as 17h00 e as

18h00.

Para discutir a problemática colocada, esse trabalho analisa, num primeiro momento

as raízes, origens e as correntes que desembocaram no neoliberalismo contemporâneo,

através de um apanhado histórico feito a partir de autores como Fréderic Mauro e sua

“História do Pensamento Econômico” e E.K. Hunt e Howard J. Sherman, que analisam o

mesmo tema. Esses autores foram escolhidos por que seus trabalhos permitem-nos

visualizar as diversas fases e a evolução do pensamento liberal através dos tempos.

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Além desse apanhado histórico, o trabalho discute a questão do Estado, a partir de

autores como John Locke e Adam Smith. Essa discussão passa também por autores como

Karl Marx, Friedrich Engels e Vladimir I. Lenin, que elaboraram uma crítica ao Estado

liberal.

O trabalho segue com uma análise sobre o Consenso de Washington e é finalizado

com uma discussão feita a partir dos trabalhos de autores como Maria Helena Capelato e

Gisela Taschner Goldenstein, que discutem a semelhança entre a atuação da imprensa e dos

partidos políticos.

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CAPÍTULO 1

DA MÃO INVISÍVEL AO NEOLIBERAL

1 - FISIOCRATAS E MERCANTILISTAS

Até o surgimento do escocês Adam Smith (1.723-1.790), com sua obra “A riqueza

das nações”, os problemas da economia eram debatidos e analisados por filósofos e por

homens práticos. Tomamos como alguns desses exemplos, John Locke (1.623-1.704), no

caso dos filósofos e Thomas Mun, no caso dos práticos.

Os fisiocratas são a primeira escola de economistas que tenta organizar os

conhecimentos existentes até então e enquadrá-los num sistema de conceitos e leis. Eles

acreditam que a riqueza é constituída pelos bens materiais obtidos junto à natureza. Para os

fisiocratas, a agricultura, e exclusivamente ela, produz o excedente que é repartido por toda

a sociedade. Essa escola de pensamento de origem francesa e que surgiu entre os séculos

XVII e XVIII tem em François Quesnay (1.694-1.774) um de seus principais

representantes. Os fisiocratas vêem na agricultura a única atividade econômica que requer

uma quantidade de insumos inferior ao que a produção proporciona. É por isso que eles

encaram o cultivo do solo como a única atividade geradora de riquezas numa sociedade.

As doutrinas mercantilistas ganham hegemonia no século XVIII. A elaboração

desse pensamento tem como base o crescimento do comércio internacional a partir do

século XVI. Essa corrente vê o comércio exterior como principal fator determinante da

riqueza de uma nação. Os defensores dessas teses acreditavam que a riqueza de uma nação

era constituída pela moeda. Nos países que não tinham reservas de metal precioso, o saldo

da balança comercial era o responsável pela riqueza, no caso, a quantidade de moeda que

circulava em sua economia.

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Os países que exportavam mais e importavam menos, receberiam uma entrada líquida de

moeda e isso elevaria sua riqueza. Para alcançar os almejados superávits comerciais

(exportação superior à importação), o Estado deveria elaborar políticas de incentivo às

exportações e restringir ao máximo suas importações. Foi nesse contexto que foram criadas

grandes companhias de comércio.

1.1 - “A RIQUEZA DAS NAÇÕES”

Apesar de ser contemporâneo dos mercantilistas, Adam Smith, em “A riqueza das

nações”, foi o primeiro a encarar a produção de riquezas como originária do trabalho. Essa

obra passou a ser ponto de partida para diversos autores.

As críticas à concepção mercantilista começam a ser feitas no século XVII por

autores como William Petty (1.623-1.687) e são retomadas por Adam Smith, que distingue

o valor de uso do valor de troca das mercadorias. Para ele, a riqueza é constituída a partir

dos valores de uso.

Segundo Adam Smith, o valor de troca de uma mercadoria não é determinado por

sua capacidade de satisfação das necessidades humanas. Esse valor é determinado pela

quantidade de trabalho empregado na sua produção. A partir desse princípio, ele conclui

que o trabalho é o gerador da riqueza de uma nação e que o crescimento dessa riqueza

depende essencialmente do trabalho.

Ao contrário dos mercantilistas, Adam Smith vê o crescimento do comércio e

consequentemente, da produtividade como benéfico para todos. É a partir daí que ele

propõe a implementação de políticas de queda de barreiras para o comércio exterior.

Segundo Smith, essa política leva ao desenvolvimento das forças produtivas.

A queda das barreiras no mercado interno são outro fator de desenvolvimento das

forças produtivas. Nesse sentido, o liberalismo pede o fim de regulamentações corporativas

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que regem o exercício dos ofícios (elas veta do exercício dos mesmos aqueles que não

passaram por um grande período de aprendizado) e o fim da chamada “lei dos pobres”, que

já naqueles tempos de capitalismo incipiente na Inglaterra, pretendia minimizar a miséria

dos deserdados do novo sistema de produção.

O liberalismo de Adam Smith reflete os interesses dos capitalistas manufatureiros do

início da revolução industrial e passou a ser defendido mais tarde pelos industriais. Esses

capitalistas pretendiam expandir suas atividades e para tanto, necessitavam de uma ampla

desregulamentação do mercado.

Quando diz em sua “Teoria dos sentimentos morais”, que “cada pessoa deve ser

primeira e principalmente deixada ao seu próprio cuidado” e que “cada pessoa é sob todos

os pontos de vista mais apta e capaz de cuidar de si do que qualquer outra pessoa”, o

teórico escocês não só lança as bases para o individualismo liberal vigente até os nossos

dias, como critica a regulamentação na economia. Trazendo esse princípio para a discussão

econômica, Smith acreditava que a regulamentação seria prejudicial ao desenvolvimento

das forças produtivas por que ela pode proteger determinados setores, criando privilégios

injustos. É daí que surge a chamada “mão invisível” do mercado, segundo a qual, a luta

pelos interesses individuais de cada um beneficia a todos. É a tal mão invisível que

equacionaria a economia de uma sociedade, distribuindo as riquezas e suprindo as

necessidades de todos. Isso funcionaria numa sociedade composta por uma grande

quantidade de pequenas e médias empresas e a competição entre elas garantiria preços

baixos no mercado.

Adam Smith encara o trabalho como fator de geração de riquezas. Isso pode ser

considerado como um avanço. Mas recua ao não se aprofundar nessa discussão. Ele prefere

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tratar o lucro como parte constitutiva do valor, ao invés de vê-lo como fator de exploração,

mesmo sabendo que esse lucro não é remunerado à força de trabalho.

Ainda assim, ele é contraditório por que se num momento o lucro é tratado como parte

constitutiva do valor, num outro momento ele cria outra teoria do valor, concebendo-o

como equivalente aos custos de produção. Esse problema é retomado por David Ricardo e

resolvido definitivamente por Karl Marx no século XIX.

1.2 - CAPITALISMO CORPORATIVO

O capitalismo de livre concorrência ganha força na Europa do século XIX. Segundo

Hunt e Sherman (1.977), nesse período começam a surgir as grandes corporações

econômicas que concentram capital e produção e se impõe sobre as pequenas empresas. O

surgimento de novas (e caras) tecnologias que melhoravam e ampliavam a qualidade e a

capacidade de produção, levou a formação das grandes corporações. As empresas que não

tinham condições de adquirir essas tecnologias ficaram sem condições de competir e

acabaram dizimadas pelas empresas maiores, que tinham facilidade de acesso às novidades.

As grandes empresas formaram grandes corporações que dominaram os principais

setores da economia. Esses cartéis desistiram de competir entre si, e partiram para a

formação de grandes corporações decidindo preços e dominando a economia. Com essa

nova realidade, o liberalismo clássico, concebido por Adam Smith foi posto de lado.

A livre concorrência resultou numa realidade diferente da concebida por Adam

Smith. Por outro lado, a previsão do alemão Karl Marx, autor da mais profunda análise feita

ao capitalismo acabou se comprovando: a aplicação das teorias liberais na economia

levaram a uma brutal concentração de capital.

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1.3 OS NEOCLÁSSICOS

A realidade econômica da segunda metade do século XIX apontava para a

desatualização da teoria liberal, mas os economistas que ficaram conhecidos como

neoclássicos tentaram retomar o liberalismo clássico e torná-lo contemporâneo. Entre eles,

William Stanley Jevons, Karl Menger e Léon Walras.

Os três, a exemplo de Adam Smith e dos liberais clássicos, concebiam uma economia

composta por uma grande quantidade de pequenos produtores e consumidores sem que

somente um deles pudesse ter poder suficiente para determinar ou influenciar os preços

vigentes no mercado de forma significativa. A aquisição de tecnologias pelas empresas

melhorariam a qualidade da produção o que aumentaria significativamente os seus lucros.

Com isso a determinação do preço final dos produtos ficaria fora do controle.

A teoria neoclássica da utilidade e do consumo se baseava no estabelecimento de

uma medida padrão para avaliar a “intensidade de necessidades e utilidade intensiva do

mesmo tipo de riqueza”. A partir desse princípio, consumidor e produtor poderiam ficar em

perfeita sintonia. A sintonia entre o comportamento da empresa e o comportamento do

consumidor levaria a primeira a direcionar suas energias para reduzir ao máximo os custos

de produção, aumentando ao máximo os seus lucros.

Os dogmas dos neoclássicos tinham base em conceitos elaborados por Adam Smith:

a mão invisível do mercado, regularia todas as necessidades da sociedade e equacionaria a

distribuição das riquezas. O laissez-faire como modelo de política econômica a ser adotada

pelo Estado. A volta dos neoclássicos aos preceitos de Adam Smith afastava-os da

realidade, que mostrava um mercado cada vez mais dominado por um número menor de

empresas.

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Economistas neoclássicos de outras gerações admitiram a inexistência da

“concorrência perfeita”, vendo falhas nesse modelo teórico. Admitiram a possibilidade de

alguns compradores e produtores influírem nos preços, principalmente nas economias que

produziam em larga escala, onde esse fenômeno era inevitável. Para eles, a produção e a

venda de mercadorias consumidas socialmente não seriam lucrativas numa economia

capitalista de livre concorrência, ainda que fossem essenciais, como estradas e escolas.

Finalmente, concluíram que a liberdade de mercado irrestrita tornaria a economia mais

instável e vulnerável a depressões com altos custos sociais.

A partir dessas constatações, os economistas dessa corrente acreditavam que a

intervenção do Estado (submetida a limites bem determinados) poderia corrigir as

distorções. Medidas antitruste, por exemplo, poderiam forçar os grandes monopólios a

agirem como empresas competitivas. Outras propostas apresentadas por esses neoclássicos

apontavam para a adoção de políticas de subsídio especiais que deveriam equiparar custos

sociais e privados quando houvesse defasagem entre ambos. Outras medidas

governamentais seriam recomendáveis para evitar as crises no sistema.

Essas constatações marcam as divergências entre os neoclássicos. Havia um grupo

que considerava as imperfeições do sistema como graves e com grandes possibilidades de

repercussão negativa na economia, defenderam a ação governamental como contra partida.

Esses ficaram conhecidos como liberais.

Um segundo grupo que considerava essas imperfeições como secundárias e fazia

restrições à ação governamental, defendiam uma política baseada no laisser-faire e ficaram

conhecidos como conservadores.

1.4 DARWINISTAS SOCIAIS

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O Darwinismo social, que teve em Herbert Spencer o seu fundador, defendia

radicalmente a livre concorrência, se apropriando da teoria da evolução das espécies de

Darwin para justificar seu posicionamento. Vale lembrar que essa postura foi duramente

criticada pelo próprio Darwin.

Para essa corrente, os ‘menos aptos’estariam sujeitos à eliminação e os que tinham

capacidade para sobreviver estariam demonstrando superioridade tanto do ponto de vista

biológico como moral.

A “lei da conduta e da consequência” de Spencer, pregava que a sobrevivência da

espécie humana seria assegurada com a distribuição de benefícios proporcionais aos

méritos das pessoas. Segundo ele, “ao tomar daquele que prosperou para dar ao que não

prosperou, o governo estaria transgredindo os deveres que tem com os primeiros e

excedendo nos deveres que tem com os últimos”. O autor considerava os gastos do governo

com educação, previdência, parques e bibliotecas e medidas para diminuir a insegurança

dos trabalhadores, como prejudiciais ao progresso humano.

As grandes indústrias monopolistas ou oligopolistas contemporâneas a esses teóricos,

eram consideradas “benéficas ao processo de evolução” e “produto natural”.

Entre os setores que tentaram se adaptar e justificar o capitalismo monopolista,

destacamos a Igreja. A criação da “Nova Ética Paternalista Cristã” entre o final do século

XIX e começo do século XX tenta legitimar o capitalismo monopolista então em vigência.

A “Nova Ética” se assemelha à sua versão medieval e proclama uma ‘superioridade

natural’ dos magnatas da indústria e das finanças e atribui a eles a função de zelar pelo

bem-estar das massas. Essa concepção reflete o endeusamento dos grandes magnatas pela

opinião pública que os transformava em heróis populares. O êxito desses homens no mundo

da indústria seria a prova inequívoca de sua superioridade perante os outros mortais.

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A admiração pelos homens de negócios e a preocupação com o sofrimento dos

deserdados do capitalismo, aliadas à hostilidade por formas competição consideradas

destrutivas são alguns dos ingredientes da “Nova ética”. O problema da instabilidade

econômica seria sanado a partir do momento em que os dirigentes dos grandes grupos

empresariais adotassem uma política de cooperação mútua. Isso traria benefícios para toda

a sociedade. A concorrência, que chegou a ser vista pelos clássicos do liberalismo como

uma forma de equacionamento das demandas sociais, passava a ser considerada anti-social.

Pelos lados do Vaticano, o Papa Leão XIII legitimava o modelo em diversas

encíclicas divulgadas entre 1.878 e 1.901. Na Rerum Novarum(1.891), Papa defendia que:

“É preciso encontrar um remédio que alivie a miséria e as desgraças

que afligem nesse momento, tão duramente, a grande maioria dos

pobres... Os trabalhadores estão entregues, isolados e indefesos à

insensibilidade dos empregadores e à voracidade da concorrência

irrefreável. O mal é agravado pela usura desenfreada... ainda

praticada por homens avarentos e ambiciosos. E a isso deve ser

acrescentado o costume de trabalhar por contrato e a concentração

de tantos ramos do comércio em mãos de uns poucos indivíduos, o

que possibilita a um número restrito de homens muito ricos impor à

grande maioria dos pobres um jugo pouco melhor que a própria

escravidão”.

Apesar da aparência socialista desse discurso, a defesa da propriedade privada teve no

Papa Leão XII um ferrenho adepto. Além de eliminar a concorrência, a retomada de

conceitos cristãos como o amor e a fraternidade seriam o santo remédio para acabar com as

instabilidades econômicas.

A fundamentação econômica da “Nova Ética” teve em Simon Patten, professor de

economia da Universidade da Pensilvânia entre 1.888 e 1.917, um dos seus principais

expoentes. Patten denunciava a miséria e a exploração econômica sobre os trabalhadores.

Segundo ele, a pobreza e a exploração eram os últimos vestígios de uma fase anterior,

esta marcada pela recessão e pela escassez. Numa economia em expansão esses traços

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estariam prestes a serem apagados. Simon Patten alegava que em períodos recessivos, os

capitalistas seriam obrigados a concorrer agressivamente entre si, prejudicando os

trabalhadores.

No período de expansão que a economia vivia naquele momento, os capitalistas

estariam colocando o interesse coletivo acima de seus interesses, abrindo mão da

competição para engendrar pelos caminhos da cooperação, o que inexoravelmente

promoveria o bem estar social. O altruísmo dos capitalistas seria o responsável pela

construção de escolas e faculdades franqueadas a todos, hospitais e pela manutenção de

museus, bibliotecas e galerias de arte.

1.5 - NEW DEAL E KEYNESIANISMO

Para combater a grande depressão econômica dos anos 30 1 , o governo norte-

americano adotou uma política de recuperação industrial que ficou conhecida como “new

deal”. Essas medidas colocavam por terra o liberalismo clássico e neoclássico.

De acordo com Fréderic Mauro(1.976), o new deal teve como base as teorias e

proposições Keynesianas e foi marcado pela intervenção do Estado na economia. Para

entender o new deal é preciso entender o pensamento Keynesiano, que veremos a seguir.

A doutrina econômica de John Maynard Keynes tinha como principal pilar o

conceito de “fluxo circular”. A economia funcionaria circularmente: o valor de tudo o que é

produzido num determinado período equivale ao total de rendas recebidas nesse período. O

1 Entre 1.914 e 1.929, a economia norte-americana viveu uma fase de expansão sem precedentes. Nesses

período, o PIB daquele país cresceu 62% e apenas 3,2% da força de trabalho ficou desempregada. Essa

expansão levou os EUA a se transformarem na maior potência industrial do mundo. No dia 24 de outubro de

1.929, que ficou para a história como a “quinta-feira negra, aconteceu o que parecia impossível: os títulos

negociados na Bolsa de Valores de Nova Iorque sofreram uma grande queda, o que abalou profundamente a

confiança nos negócios. Isso se traduziu em cortes drásticos na produção e nos investimentos. Começa aí a

grande depressão na economia mundial, que se estendeu pela década de 30. Nos EUA, o desemprego atingiu

12 milhões de pessoas e cerca de 85 mil empresas faliram entre 1.929 e 1.932. O volume de negócios na

Bolsa de Nova Iorque caiu de US$ 87 bilhões para US$ 19 bilhões. A renda agrícola atingiu níveis inferiores

a 50% do seu normal e a renda industrial caiu pela metade.

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dinheiro flui das empresas para o público na forma de salários, remunerações, rendas, juros

e outros. Este, por sua vez, consome a produção e os serviços oferecidos pelas empresas.

Com isso, o dinheiro retorna às empresas. O processo funciona enquanto as empresas

tiverem capacidade de vender tudo o que produzem.

Mas o fluxo circular não é perfeito: existem alguns canais de vazamentos, o que faz

com que o volume total de dinheiro não circule com essa facilidade. Os canais de

vazamento são 3. O primeiro seria a poupança. Segundo Keynes, no auge da prosperidade,

a poupança supera os empréstimos aos consumidores. Com isso, forma-se uma poupança

líquida ou um canal de vazamento no fluxo circular.

O outro canal de vazamento seriam as importações. Com a compra de bens

produzidos em outros mercados, uma parte do dinheiro deixa de circular dentro do mercado

interno. O terceiro canal de vazamento do fluxo circular são os impostos recolhidos pelo

governo, que por sua vez, também deixam de circular dentro do mercado interno.

Para compensar o vazamento de dinheiro escoado por esses 3 canais, Keynes

propõe, em primeiro lugar, que haja um equilíbrio na balança comercial, equiparando as

importações com o mesmo valor em produtos exportados. A segunda medida seria a

procura pelos empresários, sempre que quisessem ampliar seus negócios, por empréstimos

nos bancos onde estivessem depositadas as poupanças. A terceira medida, seria a

canalização dos impostos recolhidos pelo Estado, no financiamento da aquisição de bens e

serviços. Com isso, a circularidade seria resgatada.

Esses conceitos embasam as propostas práticas de Keynes para combater a grande

depressão que precedeu a Segunda Guerra Mundial. Toda vez que a poupança superasse os

investimentos, o governo recolheria o excesso de poupança através de empréstimos e

canalizaria esses recursos em projetos de utilidade social que não ampliassem a capacidade

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produtiva da sociedade e nem inibisse as oportunidades de investimentos para o futuro.

Essas despesas injetariam mais recursos no fluxo de gastos e criariam condições para o

estabelecimento do pleno emprego sem alterar o estoque de capital. Dizia Keynes que:

“O Antigo Egito foi duplamente favorecido, e sem dúvida deveu

sua riqueza mitológica as duas atividades que possuía, a saber a

construção de pirâmides e a busca de metais preciosos, cujos frutos,

já que não podiam satisfazer as necessidades da multidão, por

serem inconsumíveis, não envelheceram com a abundância. A

Idade Média construiu catedrais e entoou nênias. Duas pirâmides,

duas missas para os mortos valem duas vezes mais que uma só, o

que não acontece com duas estradas de ferro de Londres a York”.

Na visão de Keynes, esses recursos deveriam ser canalizados para obras de utilidade

pública como a construção de escolas, hospitais e parques. Mas a conjuntura política,

dominada pelos magnatas não permitiu a implementação de políticas de redistribuição de

renda. Essas despesas foram canalizadas para os cofres das grandes corporações. Em defesa

dessas medidas que pretendiam garantir o pleno emprego, Keynes afirmou que:

“Se o tesouro enchesse garrafas velhas com cédulas bancárias,

depois enterrasse as garrafas a profundidade conveniente, em minas

de carvão abandonadas e, em seguida, aterrasse as minas até a

superfície com entulhos da cidade e deixasse as empresas privadas,

experientes nos princípios do laissez faire, entregues ao trabalho de

desenterrar as notas... não haveria desemprego... Evidentemente,

seria mais sensato construir casas e coisas do gênero, mas se há

obstáculos de natureza política e prática que impossibilitam isso,

antes enterrar as notas do que nada”.

A intensificação da produção de armamentos patrocinada por diversos governos às

vésperas da segunda guerra mundial recuperou rapidamente os postos de trabalho ceifados

pela grande depressão. A volta de cerca de 14 milhões de homens aos Eua, no período pós

guerra trouxe novamente problemas de desemprego. Para combater esses problemas, foram

usados preceitos Keynesianos, através da lei do emprego que foi aprovada em 1.946. A

eficácia da teoria Keynesiana não pode ser posta a prova por que não houve, desde então,

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períodos de grande depressão, apenas pequenos períodos recessivos. A prosperidade norte-

americana das décadas de 50 e 60 é atribuída a demandas econômicas de caráter militar.

1.6 - O WELFARE STATE NA EUROPA RECONSTRUÍDA

A região mais atingida pela Segunda Guerra Mundial certamente foi o continente

europeu, juntamente com o Japão, que sofreu um ataque com bomba atômica nas cidades

de Hiroshima e Nagasaki. No caso da Europa, havia a necessidade de reerguer os países

arrasados pela guerra e a participação do Estado nessa reconstrução foi imprescindível. Em

países como a França, foram realizadas uma série de nacionalizações de grandes empresas

para permitir que o governo dirigisse ou pelo menos intervisse com maior eficácia na

economia.

O Seguro Social francês, criado em maio de 1.946, pode ser considerado como uma das

primeiras medidas no sentido de erigir o “Estado de Bem Estar Social”. Foi formada uma

caixa nacional que era paga parte pelo trabalhador, parte pelo empregador. O Estado não

deixou de fazer a sua parte, mesmo acumulando déficits, mas facilitou cuidados médicos e

compra de produtos farmacêuticos. Apesar da tendência de adotar a solução liberal, a

França, através do “Plano Monet”, adotou a planificação da economia. A diferença da

planificação francesa para a planificação soviética é de que a primeira tinha caráter

indicativo, enquanto a segunda definia as metas que teriam que ser atingidas no final do

período.

É interessante ressaltar que em meados dos anos 50 começa a resistência dos

liberais à intervenção do Estado na economia. Esses economistas ficaram conhecidos como

“neoliberais”. Os novos liberais defendem, entre outras propostas, o repasse de setores

lucrativos da economia que são dirigidos pelo Estado por serem considerados estratégicos,

para as mãos da iniciativa privada.

Page 19: As Ondas Do Rádio e o Nhenhenhém Neoliberal

Da mão invisível ao neoliberal 25

Com a política de planificação econômica, a França adotou vários planos que foram

implementados em diferentes períodos. O quarto Plano, adotado entre 1.962/65, não visa

modernização de equipamentos, como os seus antecessores, mas o desenvolvimento

econômico e social. Ele coincide com a chegada à idade adulta dos franceses nascidos no

pós-guerra e com a formação do Mercado Comum Europeu. Já o quinto plano adotado

entre 1.966/69 descentraliza o equipamento regional e “a política de rendas”, procurando a

estrutura optimum da renda e as formas de atingi-la. Na prática esse plano aprofunda a

preocupação com o Estado de bem estar social, iniciada no processo imediatamente

posterior à reconstrução do pós-guerra.

No caso da Alemanha (então Alemanha Ocidental), o crescimento que se dá no período

de reconstrução da economia, é devido entre outros fatores como o estoque de capital

existente no país e pela grande quantidade de mão de obra qualificada disponível no país. A

reconstrução é marcada pela intervenção do Estado na economia, em busca do pleno

emprego. Entre 1.950-56, os salários são segurados e crescem abaixo dos lucros das

empresas. Depois de 1.956 e principalmente depois de 1.960, os salários voltam a crescer,

expandindo o mercado interno e gerando uma situação de pleno emprego. Alguns

empresários tentam se recuperar repassando o crescimento da massa salarial aos seus

preços. O preço do pleno emprego foi a inflação, mas essa não chegou a comprometer a

estabilidade econômica do país. O Estado alemão contraria a ideologia liberal intervindo na

economia e organizando as diretrizes para o crescimento.

No final dos anos 60, o Welfare State se transformou numa realidade que se

consolidou em todo o continente europeu.

1.7 - A “DAMA DE FERRO” E O DESMANCHE DO WELFARE STATE

Page 20: As Ondas Do Rádio e o Nhenhenhém Neoliberal

Da mão invisível ao neoliberal 26

A chegada de Margarreth Tatcher ao poder na Inglaterra, em 1.979, marca o início

da implementação do projeto neoliberal. O objetivo perseguido por esse projeto era a

redução da intervenção do Estado na economia. O projeto neoliberal passava também pelo

desmanche das estruturas de seguridade social inspiradas no Keyesianismo e pela

privatização das empresas estatais instaladas em setores da economia considerados como

essenciais.

As teorias neoliberais também são marcadas por uma grande ênfase na política

monetária e na redução dos tributação. Em um artigo sobre a modernização britânica, a

economista Leila Tendrih afirma:

“Uma grande ênfase foi conferida à política fiscal como veículo das

propostas de redução do Estado na economia e de sua substituição

pela iniciativa privada como motor de crescimento. De acordo com

o receituário neoliberal, menos impostos representam um incentivo

ao espírito empresarial dos indivíduos e, por conseguinte,

fortalecem, fortalecem o mercado, ao mesmo tempo em que ajudam

a economia a tornar-se mais eficiente”. (Tendrih, 1.993)

As teses neoliberais ganharam novo impulso com a chegada de Ronald Reagan à

presidência dos EUA em 1.980.

Page 21: As Ondas Do Rádio e o Nhenhenhém Neoliberal

Da mão invisível ao neoliberal 27

CAPÍTULO 2

2 - O CONSENSO DE WASHINGTON

As economias latino-americanas cresceram substancialmente nas décadas que se

seguiram à Segunda Guerra Mundial. Os índices de crescimento foram altos e chegaram a

ficar acima dos índices apresentados pelos países considerados desenvolvidos. A média de

crescimento do PIB nos anos 50 foi de 5% ao ano e passou para 5,5% no período

compreendidos entre 1.960-1.981. Nesse último período, o crescimento médio do PIB dos

países industrializados ficou em 3,8% anuais. 2

Depois do desenvolvimento das décadas do pós guerra, venho a recessão dos anos

80. A interrupção da fase de prosperidade estoura junto com a crise da dívida externa

iniciada em 1.982. É a partir dessa crise que se inicia pelo continente uma política de

ajustamentos econômicos implementados sob a orientação do FMI (Fundo Monetário

Internacional) e do BIRD. Essas políticas de ajustamento e de estabilização ficaram

conhecidas como o Consenso de Washington 3 . Os ajustamentos gerenciado pelo FMI e

pelo BIRD foram acatados por alguns países por falta de outra solução para o problema.

Os programas de ajustamento foram embasados em diagnósticos feitos por

economistas cujas propostas ficaram conhecidas como o “Consenso de Washington”, numa

2 Esses índices de crescimento não apontam para uma política concreta de distribuição de renda. Mesmo

assim, houve redução nos índices de pobreza. A procentagem de famílias latino-americanas vivendo na

pobreza diminuiu de 40% para 35% nesse período. No Brasil, a redução foi de 49% para 39% entre 1.970-

1.979. Esse desenvolvimento foi sustentado por políticas intervencionistas nas quais o Estado teve papel

fundamental. 3 O termo “Consenso de Washington”(Washington Consensus em inglês) foi forjada por John Williamson,

economista inglês radicado nos EUA, em 1.990, durante um seminário promovido pelo governo norte-

americano em Washington (Silva 1.994)

Page 22: As Ondas Do Rádio e o Nhenhenhém Neoliberal

Da mão invisível ao neoliberal 28

referência aos tecnocratas do governo norte-americano e das instituições internacionais que

tem sede naquela cidade.

Esses diagnósticos partem de análises parciais feitas sobre a crise do endividamento.

Um dos pressupostos que embasa parte desses diagnósticos, é o de que a crise da dívida

externa tem origem em erros de política econômica cometidos pelos países devedores.

Dessa forma, eles acreditam que os países devedores devem se sujeitar a ajustes e “correção

nas políticas econômicas.

O Consenso de Washington pressupõe ainda que a industrialização latino-

americana, feita na base da substituição de importações, tem como resultado recursos mal

alocados. Dentro da visão neoliberal desses economistas, o papel do Estado sufoca e o

excesso de investimentos do mesmo no setor produtivo reduz a poupança disponível para o

setor privado. A atuação do mesmo na economia reduz o espaço que poderia ser ocupado

pelo setor privado e o protecionismo à indústria nacional teria efeitos como a redução da

competitividade e a falta de incentivo para a exportação. Segundo esses economistas, isso

significa menos reservas internacionais para financiar o desenvolvimento da região.

Numa crítica à análise do Consesno de Washington sobre a crise da dívida, o

consultor do Centro de Análise Macro-Econômica (CEMA/FUNDAP), Petrônio Portella

Filho afirma:

“Os doutrinadores de Washington não só esqueceram de atribuir o

devido peso aos fatores externos, como fizeram um diagnóstico

impreciso dos problemas econômicos locais. Uma revisão menos

dogmática dos fatores causais da crise financeira de 1.982 teria

apontado tantos fatores externos como internos. Hoje parecer haver

pouca dúvida de que a América Latina foi atingida por violentos

choques externos durante os anos 70 e o início dos anos 80... os

críticos de Washington costumam exagerar nas críticas à

industrialização da América Latina, ao mesmo tempo em que

deixam de fora as distorções do setor financeiro e a exação da

dívida externa. Na verdade, quando ocorreu a crise da dívida

externa, a política econômica dos países latinos já não era tão

Page 23: As Ondas Do Rádio e o Nhenhenhém Neoliberal

Da mão invisível ao neoliberal 29

nacionalista ou estatizante como no passado. Muitos projetos

industriais contavam com apoio e participação de empresas

multinacionais, organismos internacionais e bancos estrangeiros”.

Em sua análise, Petrônio Portela Filho sustenta que a substituição de importações

não tinha mais a importância que teve anteriormente, quando da crise da dívida externa. Os

problemas e distorções existentes diziam respeito ao setor financeiro. O endividamento dos

países da América Latina se adequou, em alguns casos, às necessidades de financiamento

do modelo de industrialização, mas, em outros momentos, teve um aspecto estritamente

especulativo:

“Existem evidências empíricas de que grande parte da dívida

externa se originou de brechas nas legislações financeiras, que

permitiram a transferência para o exterior de poupança nacional. A

fuga de capital não pode ser medida diretamente, mas ela pode ser

estimada a partir das estatísticas do balanço de pagamentos.

Existem indícios de fuga de capital quando o setor público contrai

empréstimos que não são dirigidos nem ao financiamento de

déficits em conta corrente, nem ao aumento das reservas

internaiconais. Quando isso ocorre, são geradas dívidas

especulativas que oneram o setor público sem proporcionar

benefícios à maioria da população e sem ampliar a capacidade de

pagamento do país devedor”.

Nos anos de maior endividamento, mais de 60% da dívida externa da América

Latina é desviada para a fuga de capitais. Além do caráter especulativo, a contração das

dívidas foi feita num contexto de juros flutuantes, que foi prejudicial aos países

endividados. Esses fatos não são contemplados na análise dos tecnocratas de Washington, o

que impede que os mesmos tenham uma visão mais ampla e aprofundada sobre a crise do

endividamento.

A elaboração de diagnósticos equivocados e parciais levaram à adoção de políticas

que combateram efeitos e deixaram causas intactas.

Page 24: As Ondas Do Rádio e o Nhenhenhém Neoliberal

Da mão invisível ao neoliberal 30

A saída para a crise da dívida externa, foi a implantação de programas de

ajustamento, os quais tiveram no FMI e no BIRD seus executores. Pressionadas pelo

governo norte-americano, essas instituições funcionaram também como cobradoras da

dívida junto aos bancos privados, que viam a possibilidade de sofrer prejuízos com a crise.

Essas políticas de ajustamento impuseram sacrifícios ao setor produtivo que acataram-nas.

2.1 - AJUSTE E LIBERALIZAÇÃO

Os programas de estabilização impostos aos países devedores latino americanos

possuem 3 metas que deveriam ser perseguidas por esses governos. A primeira é a

estabilização da economia que deveria ser acompanhada de outras duas metas, que são a

liberalização e a manutenção dos pagamentos da dívida externa. Essa busca dificultou a

execução desses programas, tanto do ponto de vista técnico, como no político. O país

endividado negociava um pacote contendo um programa de ajustamento macroeconômico

do FMI e outro de reformas setoriais orientado pelo BIRD. 4

Os planos de estabilização do FMI vem acompanhados de reformas de cunho

neoliberal, que passam pela desregulamentação da economia, redução do tamanho do setor

estatal e aumento da abertura para o exterior.

Um estudo feito pelo economista John Williamson sobre o ajustamento da América

Latina nos anos 80, resultou numa lista de 10 tipos de políticas e reformas econômicas

4 Segundo Petrônio Portella Filho, os programas de ajustamento do FMI mudaram pouco desde o início da

crise da dívida até os dias de hoje. “Eles tentavam e continuam tentando reduzir o déficit do balanço de

pagamento via contenção da demanda interna. O peso dos sacrifícios é concentrado no governo e nas estatais.

As chamadas ‘necessidades de financiamento do setor público’devem ser cortadas ao meio, de preferência

mediante redução de gastos e não aumento de receitas”. Segundo Portella Filho, ao mesmo tempo em que

corta gastos, o governo precisa liberalizar a economia, relaxando ou abolindo o controle de preços, mesmo

nos preços dos setores oligopolizados. Além desses ingredientes, o arrocho salarial também tem papel

destacado nessas políticas, seguindo o dogma de que reduções salariais permitem redução mais rápida da

inflação e aumento na competitividade das exportações. (Portella, 1.994)

Page 25: As Ondas Do Rádio e o Nhenhenhém Neoliberal

Da mão invisível ao neoliberal 31

consensuais entre os defensores do Consenso de Washington. A lista apresenta itens como

disciplina fiscal, reordenamento nas prioridades dos gastos públicos, reforma tributária,

liberalização do setor financeiro, manutenção bdas taxas de câmbio competitivas,

liberalização comercial, atração de investimentos diretos estrangeiros, privatização de

empresas estatais, desregulamentação da economia e proteção a direitos autorais. Esses

itens formam a agenda básica imposta pelo FMI aos países sujeitos aos seus ajustes.

É interessante lembrar que o Brasil vem adotando boa parte dessa agenda desde o

governo do ex-presidente Collor. Mesmo assim, a discussão em torno da adesão do país ao

Consenso de Washington surgiu no ano passado, quando da implantação do Plano Real e

das eleições para a Presidência da República.

Vale ressaltar que a agenda preparada pela tecnocracia de Washington não se ocupa,

em momento algum com problemas como a prevenção da fuga de capitais, combate à

miséria, distribuição de renda e repressão aos abusos do poder econômico. Isso faz com que

a adoção e a aplicação dessas políticas amplie a concentração de renda já existente nesses

países. Além disso, esses ajustamentos sacrificaram o setor produtivo dos países

endividados.

No final dos anos 80, a queda das taxas de juros internacionais permitiu que os

países endividados voltassem a ter superávits nas transferências de capital ao exterior. Em

pouco tempo, o quadro se reverteu e o crescimento da dívida externa diminuiu sua

velocidade. 5

5 O aumento da entrada de capital e a dminuição das taxas de juros fizeram com que as transferências líquidas

de recursos passassem de um déficit de US$ 28 bilhões em 1.989 para um superávit de US$ 27,4 bilhões em

1.992 - Fonte: CEPAL, 1.992 (Petrônio, 1.994)

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Da mão invisível ao neoliberal 32

As reformas econômicas do Consenso de Washington tomam como referência o

liberalismo do século passado e não levam em consideração os progressos sociais

incorporados no decorrer do século XX.

CAPÍTULO 3

3 - OS DESCAMISADOS E AS ONDAS DO RÁDIO

O apanhado histórico e as discussões feitas até aqui, levam-nos à conclusão de que o

modelo capitalista de produção cria deserdados. A construção do aparato de seguridade

social que ficou conhecido como Welfare State (o Estado de Bem Estar Social), em alguns

países europeus, reforça nossa constatação.

O desmanche desse aparato, proposto pelos neoliberais, nada mais faz do que

aumentar o fosso existente entre os ricos e os pobres. De certa forma, o neoliberalismo

recoloca no debate de idéias contemporâneo questões como as levantadas por Thomas

Robert Malthus 6 e pelos darwinistas sociais. Prevalece a lei da selva, do mais forte. Esse

discurso se limita a reconhecer a suposta “superioridade biológica” dos detentores do

capital e dos meios de produção com relação aos despossuídos.

A implantação do projeto neoliberal, além de desmanchar o aparato de seguridade

social, passa pela privatização das políticas públicas, entre as quais enquadramos educação,

saúde, saneamento básico, creches e outros, que são voltados para o atendimento de

necessidades básicas dos setores marginalizados da produção e do consumo. É interessante

6 Malthus foi um ferrenho crítico das chamadas “leis dos pobres” - conjunto de leis que garantiam o mínimo

de seguridade social ainda nos primórdios da sociedade capitalista. Um dos motivos dessas críticas era o fato

de que essas leis “diminuíam a mobilidade da mão-de-obra, impedindo que uma pessoa se emprego em dada

localidade se dirigisse a um possível emprego em outro ponto do país”.

Page 27: As Ondas Do Rádio e o Nhenhenhém Neoliberal

Da mão invisível ao neoliberal 33

ressaltar que o dogmatismo privatista cria excluídos não só da produção e do consumo, bem

como do exercício da cidadania em todos os seus aspectos, incluindo o aspecto político.

É importante ressaltar que a privatização ocorre não só em sua forma mais

tradicional, que é o repasse desses setores às mãos da iniciativa privada. Outras formas

como a terceirização, que ocupa lugar destacado no debate econômico e político

contemporâneo desembocam no moinho privatista.

Em nível de Brasil, a implantação desse projeto agrava ainda mais a situação desses

setores. Isso por que o país presenciou, no decorrer dos últimos anos um processo de brutal

concentração de renda incentivada por políticas oficiais. No decorrer da ditadura militar,

essas políticas de concentração de renda eram justificadas pela necessidade de crescer para

distribuir renda. Metáforas como a história do “bolo”, repetida exaustivamente pelo

professor Antônio Delfim Neto, que ficou conhecido como um dos “Czares” da economia

brasileira, cumpriram o papel de explicar para os setores da população que mais sofreram

com o processo de concentração de renda. Dizia Delfim Neto, que era preciso esperar “o

bolo crescer”, para depois reparti-lo. Esse discurso permeou o “milagre brasileiro” da

primeira metade da década de 70. A intenção era atrair investimentos de multinacionais no

setor de produção, oferecendo como atrativo o baixo custo da mão de obra.

O resultado desse tipo de política aplicada durante muitos anos (e que continua sendo

implementada) pôde ser constatado em pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada) da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, realizada em 1.993 e

que estima que cerca de 32 milhões de brasileiros estão em estado de indigência. A renda

dessas pessoas não consegue comprar uma cesta básica por mês.

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Da mão invisível ao neoliberal 34

O sociólogo Herbert de Souza, que ficou conhecido pela Campanha Nacional Contra a

Fome, a Miséria e Pela Vida, que tem mobilizado a sociedade civil nos últimos anos, afirma

sobre a concentração de renda:

“Este Brasil, onde aparentemente não cabemos 150 milhões de

habitantes das estatísticas demográficas é assim por descaso. Com a

produção agrícola atual, poderia alimentar 300 milhões de pessoas.

Nada, em sua economia impede que sejam gerados 9 milhões de

empregos de emergência. Se a posse da terra fosse democratizada

de maneira rápida e decidida, abriria lugar para 12 milhões de

famílias. Se coisas assim acontecessem, 32 milhões de pessoas que

estão passando fome teriam comida, pelo menos comida”.

O descompromisso do Estado com as políticas sociais, deixando para a “mão

invisível do mercado” a tarefa de equacionamento das demandas sociais, significa, na

prática o agravamento esse quadro. Esse tendência de descompromisso vem sendo refletida

através da tendência de terceirização e privatização de alguns desses setores básicos.

A falta de compromisso do Estado com as políticas sociais, e portanto com os

setores marginalizados, quebra um possível canal de diálogo entre as duas partes. Esses

setores, muito bem definidos pelo ex-Presidente Fernando Collor de Mello como

“descamisados e pés descalços”, também estão alijados da cidadania, no sentido de que

ficam à margem dos mercados de trabalho e de consumo.

É necessário destacar então, que a exclusão causada pela implementação do projeto

neoliberal, significa o desmantelamento de toda e qualquer noção de cidadania. E esse

alijamento não se restringe a marginalizá-los dos mercados de trabalho e de consumo. Ela

ocorre também no sentido mais abstrato do que pode se compreender por cidadania.

Portanto, esses setores se vêem alijados da participação política no que diz respeito

à sua organização enquanto segmento social, em entidades que vão desde as associações de

moradores até os partidos políticos que poderiam representar seus interesses, seus anseios e

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Da mão invisível ao neoliberal 35

uma ideologia que vá de encontro com sua necessidade de emancipação enquanto classe

social. Além de não ter acesso à representação política, esses segmentos não vêem os seus

direitos respeitados, tanto no que diz respeito à implementação das políticas públicas

(educação, saúde, habitação e infraestrutura básica em seus bairros, como água, esgoto,

asfalto e outros) como no que diz respeito às garantias individuais previstas. Isso se dá

principalmente por que eles não tem acesso a informações a partir das quais poderiam fazer

valer seus direitos.

Esses segmentos necessitam de um canal para reivindicar seus interesses e para

pressionar o poder público, no sentido de ver seus direitos respeitados. E essa necessidade,

como veremos adiante, não é satisfeita pelas formas de representação e de organização que

poderíamos classificar como convencionais, como partidos políticos, associações de

moradores, pastorais e outras. A partir dessas considerações, podemos concluir que os

possíveis canais de diálogo, de reivindicações e de interlocução com os outros setores da

sociedade e com o poder público, se fecham para essas camadas da população.

Esses canais, como veremos adiante, podem ser os veículos de comunicação.

Destacamos entre esses veículos, o rádio. Esse veículo está ao alcance desses setores da

população tendo em vista a facilidade de acesso ao mesmo. Essa facilidade de acesso ao

aparelho receptor (rádio) faz com que o rádio, enquanto veículo de comunicação tenha

grande penetração em todas as camadas da população e principalmente naquelas que como

já vimos anteriormente, estão alijadas do exercício da cidadania.

Na cidade de Londrina, os canais por onde essa grande parcela da população tenta

reabrir o diálogo com o poder público são oferecidos pelos programas que fazem

“prestação de serviços”. Entre os programas, destacamos a seguir o “Fala Povo”, da Rádio

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Da mão invisível ao neoliberal 36

Paiquerê AM e o quadro “Você é o repórter” do Programa Antenor Ribeiro veiculado pela

Rádio Tabajara AM.

Na prática, esses dois programas, a exemplo dos outros similares existentes nas

emissoras de rádio da cidade, acabam por fazer o papel teoricamente delegado aos partidos

políticos. Não é recente a discussão sobre o papel da imprensa ou da mídia na política

nacional. Algumas obras - que serão discutidas nesse trabalho - como “Do jornalismo

político à Indústria Cultural, de Gisela Taschner Goldenstein, falam claramente sobre o

assunto, assim como a análise de Maria Helena Capelato sobre o jornal “O Estado de São

Paulo” em “O bravo matutino”.

3.1 - FALA, POVO!

O “Fala povo” surgiu entre o final do ano de 1.991 e o começo de 1.992, como uma

série de ‘flashes’ na programação da Rádio Paiquerê AM de Londrina, com a proposta de

abrir canais de participação para a população reivindicar e tentar resolver os problemas de

seu bairro. No ano de 1.993, o “Fala povo” se transformou num programa com horário

definido e com formato próprio.

Levado ao ar de segunda a sexta-feira das 17h00 às 18h00, o programa foi

apresentado até março de 1.995 pelo radialista Ricardo Espinosa. A saída de Espinosa 7 do

comando do “Fala povo”, ocorreu por que o ex-apresentador foi destacado para se ocupar

com a Rádio Paiquerê FM que pertence ao mesmo grupo. Seu substituto é o radialista José

Antônio Miguel. O programa é editado pelo radialista Sérgio Luiz e conta com a

colaboração do Departamento de Jornalismo da emissora.

7 Ricardo Espinosa, além de atuar como apresentador do Programa “Fala Povo” e do “Jornal da Manhã” da

Rádio Paiquerê AM é um dos sócios dessa emissora e também da Rádio Paiquerê FM. Em março desse ano

ele passou a se ocupar com a Paiquerê FM, deixando o comando do “Fala Povo”.

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Da mão invisível ao neoliberal 37

O programa tem início às 17h00 e logo após a sua abertura, o apresentador faz um

giro com o noticiário produzido pelo Departamento de Jornalismo da emissora. Depois

desse giro, são chamados os comerciais e na volta, começam a ser apresentadas as

reclamações. Como todos os programas da emissora, o Fala Povo tem vinhetas específicas

para abertura, chamada de comerciais e até mesmo para chamar os repórteres que trazem as

notícias da cidade no decorrer de seu primeiro bloco.

De acordo com o editor do programa, Sérgio Luiz, a maior parte das reclamações

veiculadas passam por uma pré edição. Normalmente as matérias que são levadas ao ar

trazem o outro lado, ou seja, a resposta da autoridade competente para o problema

levantado. Quando não é possível, essa resposta é veiculada no dia seguinte. As

reclamações apresentadas ao vivo passam antes por uma espécie de ‘filtro’. Existe uma

preocupação da direção do programa em veicular apenas assuntos de interesse público. 8

O tipo de reclamação feita pelos ouvintes do “Fala povo” varia conforme a época do

ano. Mesmo assim, é possível constatar que a principal fonte de reclamações diz respeito

ao poder público. Segundo Sergio Luiz, o crescimento dos matagais preocupa os ouvintes

durante o verão. Se levarmos em consideração o fato de que cabe ao poder público o sanar

esse tipo de problema, chegamos à conclusão de que o alvo dessa insatisfação é o mesmo.

O poder público continua sendo alvo de críticas durante o inverno, mas por outros

motivos. Uma das críticas dos ouvintes/cidadãos veiculadas pelo “Fala povo” no decorrer

do mês de maio de 1.995, por exemplo, dizia respeito à falta de cobertura nos pontos de

ônibus, que havia sido prometida pela COMURB (Companhia Municipal de Urbanização).

Como a Companhia não teve condições de cobrir todos os pontos de ônibus da cidade num

8 O editor do programa assinala que essa seleção é feita para evitar que sejam veiculadas matérias que não

tenham interesse público, como por exemplo, picuinhas entre vizinhos.

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Da mão invisível ao neoliberal 38

curto espaço de tempo, várias pessoas procuraram o programa para cobrar do poder público

o encaminhamento da solução para o problema. 9

O “Fala povo” procura como interlocutores tanto os setores organizados nas

Associações de Moradores e em entidades similares quanto os setores que estão à

margem dessas formas de organização. Mesmo assim, a produção do programa tenta

incentivar as pessoas para que elas procurem a Associação do seu bairro e se propõe a abrir

espaço na emissora para essas entidades.

É relevante ressaltar que a produção do programa, segundo o relato do seu editor,

procurou as entidades através da Federação das Associações de Moradores, reiterando a

existência do espaço disponível para as mesmas. Algumas entidades corresponderam e tem

procurado o espaço do “Fala povo” para veicular suas reivindicações. Outras não

corresponderam. Esse fato não será analisado nesse trabalho, mas pode servir como base

para estudos que podem vir a ser realizados no futuro.

Na avaliação de Sérgio Luiz, a demanda da população por utilizar o espaço

oferecido pela emissora para veicular suas reivindicações, emana do fato de que o poder

público não tem dificuldade para sanar todos os problemas da cidade:

“A partir do momento em que você liga para a Prefeitura em janeiro

e chega em dezembro e a sua reclamação ainda não foi atendida,

você acaba desacreditando no órgão público. Então as pessoas que

procuram a Prefeitura e não tem a reclamação atendida, e ligam

para a rádio e conseguem que seja resolvido o problema, elas nem

ligam mais para a Prefeitura. Elas acabam ligando direto para a

rádio e fazendo a reclamação aqui”.

É interessante registrar a filosofia do programa “Fala povo”, exposta pelo seu editor:

9 De acordo com relato do editor do programa, várias pessoas ligaram para a emissora para reclamar da falta

de cobertura nos pontos de ônibus, e o mais interessante foi que em alguns casos, as pessoas ligaram para o

programa incentivadas pelas reclamações feitas por outros ouvintes sobre o mesmo problema. Nesse caso, a

resposta da COMURB foi veiculada juntamente com todas as reclamações recebidas pela produção do

programa.

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Da mão invisível ao neoliberal 39

“A idéia da rádio é abrir espaço no sentido de que o bairro tenha

prioridade. Tanto é, que a Paiquerê hoje, divulga poucas

informações dos noticiários nacional e internacional. A greve dos

petroleiros, que é hoje o assunto de maior destaque em quase todos

os jornais e em quase toda a imprensa, tem um espaço muito

pequeno aqui na rádio. Nossa abordagem se refere à falta de gás. O

que está afetando diretamente o povo? É a falta de gás. Então a

gente usa esse gancho para falar da greve, para explicar o problema

da falta de gás. O ouvinte da rádio AM não está muito preocupado

com o que acontece no mundo. Não importa para ele o problema da

guerra da Bósnia. O que importa para ele é se o bueiro em frente da

casa dele vai ser limpo. Por que ele nãoaguenta mais... foi a partir

disso que nós pensamos em criar o ‘fala povo’. A pessoa está

interessada em resolver o problema do bairro onde ela mora. Por

isso nós trabalhamos em cima disso”.

O que mais interessa nessa declaração é que ela contraria frontalmente o que alguns

teóricos da comunicação pregam com relação à tendência de globalização. Não cabe nesse

trabalho uma análise mais profunda sobre essa problemática. Mas não podemos deixar de

ressaltar que se a tendência de globalização pode ser considerada benéfica para as pessoas

que tem acesso às novas tecnologias, por outro lado, para os setores marginalizados da

sociedade, ela representa o recrudescimento da submissão. Como a natureza da implantação

do projeto neoliberal - que possui atualmente uma hegemonia indiscutível - é a exclusão de

uma grande parcela da população, chegamos à conclusão de que os benefícios da

globalização existem para uma minoria de privilegiados.

Na semana em que observamos o programa, entre 24 e 28 de abril de 1.995, foram

recebidas 28 reclamações, o que dá uma média de 5,6 reclamações por dia. Vale ressaltar

que o período de observação se estendeu pelas semanas subsequentes, mas para nossa

análise, destacamos a semana citada acima.

3.3 - VOCÊ É O REPÓRTER

Todas os dias, por volta das 8h30 horas da manhã, quando o radialista Antenor

Ribeiro anuncia que está no ar o quadro “Você é o repórter”, acrescentando que as pessoas

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Da mão invisível ao neoliberal 40

podem “botar a boca no trombone”, muitas dessas pessoas já estão ao lado do aparelho

telefônico, prontas para discar o número 321-5533, com um ouvido no rádio e uma

reclamação na cabeça. Nesse momento, as linhas telefônicas da emissora ficam

congestionadas.

O radialista Antenor Ribeiro, no ar em Londrina desde 1.968 - ano em que chegou

na cidade - apresenta um programa que leva o seu próprio nome e que também está no ar há

muitos anos e apresenta diariamente atrações direcionadas a um público que lhe é fiel e que

acompanha-o mesmo quando das mudanças de emissora. Seu programa vai ao ar de

segunda-feira a sábado, das 8h00 às 11h00 da manhã pela Rádio Tabajara AM de Londrina.

O quadro “Você é o repórter” costuma ir ao ar entre as 8h30 e as 9h00 da manhã, mas seu

horário não é rígido e pode ser flexibilizado, podendo começar um pouco mais tarde. O

quadro não tem vinhetas específicas devido ao fato de estar inserido dentro do programa

Antenor Ribeiro. Esse fato também dispensa maiores esclarecimentos aos ouvintes.

Esse é um dos quadros mais recentes do programa. Está no ar desde janeiro de

1.992. Ele se dedica a receber reclamações do público ouvinte sobre diversos tipos de

problemas que fazem parte do seu cotidiano e que correspondem, na maioria das vezes a

problemas existentes na cidade em setores importantes do atendimento básico à população.

O quadro “Você é o repórter” recebe uma média de 3 telefonemas diários. As

pessoas que o procuram falam sobre problemas que vão desde a qualidade do atendimento

no posto de saúde, até a busca de orientação jurídica sobre questões trabalhistas, passando

pela falta de remédios nos postos, vagas nas escolas, asfalto nas ruas e de corte nos

matagais.

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Da mão invisível ao neoliberal 41

Não existe uma pré-seleção das reclamações que irão ao ar, por que ele é feito

completamente ao vivo e por isso mesmo não existe pré-edição dos assuntos que vão ao ar.

Esses assuntos aparecem pelos telefonemas dos ouvintes.

Na semana de 8 a 12 de maio (segunda a sexta-feira), período em que o quadro

“Você é o repórter” foi observado, foram efetuados 16 telefonemas para o quadro em

estudo. A média, é de 3,2 telefonemas por dia. Existem dias em que são recebidas até 5

ligações, enquanto em outros, esse número cai para 2. Essa média pode sofrer grandes

alterações conforme a época do ano ou o momento vivido pela cidade. As pessoas que

participaram do quadro, ou como gosta de dizer o seu apresentador, “botaram a boca no

trombone”, reclamaram de problemas como o atendimento em postos de saúde em seus

bairros e falta de medicamentos. 10

De acordo com Antenor Ribeiro, a temática das reclamações feitas pelos ouvintes é

ampla. A maioria delas diz respeito a problemas crônicos da cidade, como saúde, educação

e segurança. Há quem reclame também de outras questões como falta de asfalto,

saneamento básico e esgoto nos bairros, outros problemas estruturais da cidade.

O interlocutor que o quadro “Você é o repórter” procura são as pessoas simples da

periferia, que não tem acesso a instituições de representação política e nem a órgãos da

imprensa escrita. São pessoas que estão à margem da participação política e que não se

organizam em Associações de Moradores ou em entidades similares.

O apresentador e produtor do programa, Antenor Ribeiro, acredita que o quadro

“Você é o repórter” se mantêm no ar devido a existência de uma demanda de insatisfação

desses setores da população. A insatisfação dessas pessoas vem exatamente do fato de elas

10

Segundo o apresentador e produtor do programa, Antenor Ribeiro, o maior número de reclamações

recebidas através do quadro “Você é o repórter” dizem respeito às áreas de saúde, educação e segurança, mas

a temática dessas reclamações é muito mais abrangente (ver anexos)

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Da mão invisível ao neoliberal 42

se sentirem à margem da sociedade, no que diz respeito ao exercício da cidadania. De

acordo com Ribeiro, o espaço foi aberto com o objetivo de canalizar essa insatisfação

existente.

As reclamações recebem simultaneamente dois tipos de tratamento. Num primeiro

momento, o tratamento é jornalístico. Nesse caso, o Departamento de Jornalismo da

emissora procura as autoridades competentes para conhecer a versão delas sobre o fato ou

as causas do problema. Essa resposta é colocada no ar ou dentro do próprio Programa

Antenor Ribeiro ou dentro de outros programas da emissora, sendo veiculado inclusive no

“Jornal das Sete”, o programa jornalístico da Rádio Tabajara.

Num momento posterior, a reclamação feita pelo ouvinte do “Você é o repórter” é

enviada, na forma de requerimento ou de correspondência oficial às autoridades

competentes, através do gabinete do Vereador Antenor Ribeiro.

Page 37: As Ondas Do Rádio e o Nhenhenhém Neoliberal

Da mão invisível ao neoliberal 43

CAPITULO 4

CONCLUSÃO

4 - O NHENHENHÉM

Começamos o capítulo conclusivo apresentando alguns equívocos nossos que foram

desfeitos depois de todos esses meses de pesquisas, que tiveram início em novembro de

1.994. Esses equívocos estão contidos no projeto de pesquisa apresentado ao Departamento

de Comunicação no final do último semestre.

O primeiro equívoco diz respeito ao fato que considerávamos como sendo o

momento histórico em que ficou comprovado a ineficácia da aplicação do liberalismo

clássico na economia. Esse fato seria a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, na

sexta-feira negra de outubro de 1.929. A pesquisa nos mostrou que não. O liberalismo

clássico que tem em Adam Smith um dos seus principais teóricos, mostrou sua ineficácia

ainda no século XIX, quando a concorrência se mostrou incapaz de equacionar as

demandas econômicas da sociedade.

A conclusão a que chegaram os neoclássicos, de que a “concorrência perfeita” não

se concretizara na prática, confirma essa constatação, que é reforçada pelo surgimento do

capitalismo corporativo e cartelizado que caracteriza o período.

O segundo equívoco, do qual pretendemos nos retratar, está contido na hipótese

levantada naquele documento. Pensávamos que o meio de comunicação de massa - no caso

o rádio - seria visto pelos excluídos como um substituto do Estado, fazendo o papel do

mesmo. A pesquisa novamente nos mostrou o erro.

A partir da constatação, baseada nos estudos de Friedrich Engels sobre o caráter do

Estado, concluímos que o mesmo Estado que nasce dos antagonismos de classe existe em

função da necessidade de uma determinada classe dominante em se manter como

Page 38: As Ondas Do Rádio e o Nhenhenhém Neoliberal

Da mão invisível ao neoliberal 44

hegemônica na sociedade. Por isso, o Estado é um instrumento de dominação e de

manutenção de hegemonia. 11

Essa constatação nos leva a concluir que o rádio não estaria desempenhando o papel

do Estado para as pessoas que, marginalizadas do exercício da cidadania, procuram os

programas de prestação de serviços para reivindicar. O papel exercido pelo rádio, nesse

caso, é o dos partidos políticos, tendo em vista que esses existem em função da necessidade

de representação dos interesses de classes sociais ou de setores da sociedade.

No caso estudado, o rádio, através desses programas, se coloca à disposição das

classes subalternas para defender os interesses das mesmas. Como veremos nesse capítulo,

isso não significa que essa defesa se dê no sentido da emancipação política ou da libertação

dessas classes.

4.1 - IMPRENSA E ATUAÇÃO POLÍTICA

A atuação da imprensa ou dos veículos de comunicação de massa como defensores

de interesses de determinados segmentos ou classes sociais, tem sido objeto de pesquisa

para vários autores. Os órgãos de imprensa apresentam através de suas páginas ou de seus

canais de comunicação, posturas ideologizadas. Em alguns casos, esses órgãos têm projeto

e programa político, que são defendidos e propagados com o objetivo de torná-los

hegemônicos na sociedade. 12

11

Afirma Friedrich Engels que: “O Estado é um produto da sociedade, quando esta atinge um determinado

grau de desenvolvimento; é a revelação de que essa sociedade enredou-se numa irremediável contradição

consigo mesma e que está dividida por antagonismos irreconciláveis, que não consegue superar. Mas, para

que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não afundem a

sociedade numa luta fatal, torna-se necessário um poder colocado aparentemente acima da sociedade,

chamado a amortecer o conflito e a mantê-los nos limites da “ordem”. Este poder, oriundo da sociedade, mas

posto sobre ela e dela distanciando-se progressivamente, é o Estado”. (Netto, 1981) 12

Quando falamos que esses órgãos de imprensa possuem um programa político, o afirmamos no sentido de

que os mesmos tem propostas concretas de ação para fazer frente aos problemas do país, sempre levando em

conta que essas propostas representam os interesses de determinados segmentos ou de classes sociais. (Nota

do autor)

Page 39: As Ondas Do Rádio e o Nhenhenhém Neoliberal

Da mão invisível ao neoliberal 45

O caso do jornal “O Estado de S. Paulo”, descrito no livro “O Bravo Matutino”, de

Maria Helena Capelato e Maria Lígia Prado, mostra com clareza a atuação da imprensa

fazendo o papel de partido político. A partir da análise da atuação do periódico paulista no

começo da década de 30, quando da chegada de Getúlio Vargas ao poder, as autoras

mostram que o “Estadão” - como é conhecido o citado jornal - atuou na defesa dos

interesses da oligarquia paulista então deposta do governo.

O compromisso do Estadão com as oligarquias, estampado em suas páginas e no

seus editoriais, é confirmado pela proximidade do empresário Júlio de Mesquita, o homem-

forte do jornal naquela época, com o PRP (Partido Republicano Paulista), ao qual era

filiado. Os membros daquele partido chegaram a cogitar a possibilidade de o periódico se

transformar no órgão oficial do mesmo. A situação se repetiu com o Partido Democrático,

fundado na mesma época e que apesar de ser apoiado pelo jornal, não conseguiu tê-lo como

seu órgão oficial.

Outro jornal que se destacou por atuar na defesa dos interesses de segmentos das

elites brasileiras, foi o extinto “Última Hora”, ligado ao Getulismo:

“A estratégia subjacente à criação do Última Hora era quebrar a

conspiração de silêncio que a grande imprensa fazia em torno do

nome de Getúlio. Se fosse bem-sucedida, obrigaria o resto da

imprensa, através da própria concorrência comercial, a divulgar os

atos positivos do presidente, sob pena de perder seus leitores. Em

outras palavras, Última Hora haveria de ser duplamente uma

tribuna de Getúlio: diretamente através da mensagem que

veicularia, e indiretamente, através da concorrência comercial que

encetaria, obrigando os demais órgãos a reverem sua política

editorial”. (Goldenstein, 1.987)

O trecho reporduzido acima, mostra as intenções políticas que estavam por trás do

lançamento do Última Hora. A linha editorial daquele periódico se destacava pela

abordagem sensacionalista de suas reportagens, que tinham como objetivo atingir as

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Da mão invisível ao neoliberal 46

camadas mais humildes da população e a massa de trabalhadores, que também eram alvo

político eleitoral de Getúlio Vargas. Foi um jornal ‘popular’ a serviço do populismo

getulista.

O sucesso comercial do Última Hora, e consequentemente o incômodo político que

o mesmo causava nos adversários do getulismo, levou o empresário udenista Herbert Levy

a financiar um jornal que utilizasse em suas reportagens a abordagem sensacionalista do

Última Hora (para disputar o mesmo público da UH), mas com a postura conservadora que

caracterizou a UDN. O público alvo era o mesmo e o objetivo era “matar” o concorrente

(no caso a concorrência se dá tanto do ponto de vista comercial quanto político) de

“inanição”. Nascia o “Noticias Populares”, que depois de cumprir seu objetivo, foi vendido

para outro grupo econômico. Os exemplos citados acima mostram como a imprensa se

comporta como os partidos políticos, defendendo a hegemonia de grupos e interesses.

4.2 - O RÁDIO COMO PARTIDO

A elite econômica e política conta com os meios de comunicação para defender seus

ideais e interesses. Os meios de comunicação são utilizados como forma de dominação,

fazendo da informação um instrumento para a defesa desses interesses. As emissoras de

rádio, ao lançarem mão dos programas de prestação de serviços fazem o mesmo papel que

os outros meios de comunicação exercem. Mas nesse caso, os “representados” são as

classes subalternas. Como vimos em nossa pesquisa, essa “representação” e a defesa dos

interesses das classes subalternas pelos programas de prestação de serviços acontece

somente no que diz respeito a questões menores sem que essa defesa incorra em momento

algum, em ameaça à ordem estabelecida e no fortalecimento dessas classes tanto do ponto

de vista político quanto organizativo.

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Da mão invisível ao neoliberal 47

Esses programas não defendem, a exemplo dos jornais e veículos de comunicação já

citados, um projeto político e ideológico para mudar as estruturas que oprimem as classes

que eles se dispõe a “defender” e a “representar”. Sua atuação não ocorre no sentido de

levar essas classes à emancipação política. Pelo contrário. Como já dissemos anteriormente,

esses programas defendem soluções para problemas específicos, sem discutir as causas

desses problemas. Além disso, eles não se propõem a conscientizar essas classes da

necessidade de organização para enfrentar os problemas de sua realidade e de lutar para

mudar as estruturas que causam esses problemas.

Tem um discurso e uma prática paternalista, tutelando, inibindo a organização e a

emancipação política das mesmas. Essa emancipação não interessa às emissoras de rádio,

que funcionam como empresas e agem segundo a lógica do mercado e por isso mesmo

visam o lucro e a manutenção da ordem vigente. Também não interessa a alguns dos

apresentadores dos programas de prestação de serviços, travestidos de “defensores do

povo” e que vêem nesse tipo de iniciativa uma possibilidade de retorno eleitoral. Para eles,

a emancipação política das classes sociais oprimidas representaria o desmantelamento de

seus currais eleitorais. Vale lembrar que esse tipo de prática tem revelado lideranças que

conseguiram destaque na política institucional. Essas lideranças iniciaram suas carreiras no

rádio, como o ex-governador do Paraná Álvaro Dias, o deputado estadual e ex-prefeito de

Londrina Antônio Belinati (que é conhecido pelo sugestivo apelido de Tunico do Povo) e o

deputado estadual Luiz Carlos Alborgheti, que costuma ganhar votos usando o nome de seu

próprio programa de televisão o Cadeia. 13

13

O Programa “Cadeia”, que vai ao ar pela CNT (Central Nacional de Televisão) era apresentado até às

vésperas das eleições de outubro de 1994 pelo ex-radialista Luiz Carlos Alborgheti, que teve que se afastar da

televisão para concorrer ao pleito. No período pré-eleitoral, o programa foi apresentado por Carlos Simões,

que no começo deste ano assumiu a apresentação do mesmo em caráter definitivo. Atualmente, Alborgheti

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Da mão invisível ao neoliberal 48

Alijadas do mercado de trabalho, de consumo e da cidadania (inclusive no que diz

respeito à participação e representação política e a outros aspectos) essa parcela da

sociedade se vê também às margens da grande imprensa. A criação dos programas de

prestação de serviços representa a abertura de um canal de representação para os setores

que chegaram a ser chamados de descamisados por alguns personagens da política

brasileira.

Só que nesse caso, a representação só existe no sentido das pequenas reivindicações

desses setores, como asfalto, transporte, escolas, creches, postos de saúde e outras, que

embora sejam de fundamental importância para os ‘descamisados’, não representam algo

que possa eclodir na emancipação política dos mesmos.

Na prática, os programas de prestação de serviços atuam no sentido da manutenção

da ordem vigente. É bem verdade que eles atendem a uma demanda existente dentro da

sociedade, mas também é verdade que as emissoras de rádio são empresas que agem

segundo a lógica do mercado e por isso mesmo, a exemplo da grande imprensa, não se

confrontam com o poder constituído para não serem alijadas da propaganda oficial (que

garante, em alguns casos, recursos essenciais para a sobrevivência das emissoras) e por que

não tem interesse, como empresa em mudanças profundas na ordem vigente.

Em alguns casos, como no quadro “Você é o repórter”, do programa Antenor

Ribeiro, a procura pelos setores desorganizados é clara e confessa, transformando essa

procura em capital político-eleitoral. Já no caso do programa “Fala Povo” a procura desses

setores tem como objetivo o fortalecimento da credibilidade da emissora e de sua audiência.

apresenta um programa policial em outra emissora de televisão (a TV Independência), mas continua usando o

mesmo chavão que se transformou no seu apelido e num grande celeiro de votos. (Nota do autor)

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Da mão invisível ao neoliberal 49

A consequência disso tem caráter comercial, já que os meios de comunicação sobrevivem

da venda de espaço publicitário, cujo preço é relativo aos índices de audiência. 14

Esse trabalho nos leva a constatar que os programas de prestação de serviços

certamente fazem o papel de “porta-vozes” dos setores marginalizados da população, papel

que deveria ser exercido por partidos políticos. Mas nunca é demais lembrar que a atuação

dessas emissoras não objetiva, em momento algum a emancipação política desses setores e

a mudança das estruturas que oprimem e prejudicam os mesmos.

14

No caso das emissoras de rádio, aquelas que possuem os maiores índices de audiência são as que cobram

mais caro pela venda do espaço publicitário. Para citar um exemplo mais próximo, o preço da veiculação de

propaganda na rádio Paiquerê AM de Londrina é o mais caro da cidade. Isso reflete a colocação da emissora

na medição de audiência feita pelo IBOPE na cidade e que coloca a Paiquerê como a rádio mais ouvida de

Londrina. (Nota do Autor)